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As transformações sociais na transição

da Idade Média para a Época Moderna


Os historiadores discutem qual foi a transformação social da sociedade europeia na transição da
Idade Média para a Época Moderna. A sociedade europeia era basicamente agrária e a nobreza
ocupava uma posição privilegiada.
A sociedade do século XVI era hierárquica e tradicional.
A nobreza
A nobreza continuava a ser o principal estrato privilegiado e o principal ponto de referência para
os outros grupos sociais. Em teoria definia-se pela sua função militar, mas seria mais correto
defini-la como uma classe terratenente (possuidora de terras) hereditária de origem militar.
Dentro da própria nobreza havia diferenças de nível económico e social. Por isso, é que se fala
de alta e baixa nobreza. A alta era constituída por aqueles que possuíam grandes senhorios
jurisdicionais. Era normalmente a nobreza titulada: condes, marqueses e duques. Já baixa era
constituída por nobres que não possuíam títulos, mas que tinham senhorios jurisdicionais.
O enobrecimento era possível porque existia uma zona mista de pessoas, que sem serem
juridicamente nobres, viviam como nobres, tanto em relação á origem dos seus rendimentos, na
forma de rendas, quanto na maneira ostensiva de gastá-los.
A condição nobiliárquica era transmitida por herança a todos os filhos, mas o título não. Podia
ficar para o filho mais velho, mas no século XVI a sucessão por progenitura não tinha sido
estendida.
A base da riqueza nobiliárquica era a propriedade privilegiada de terra por meio do regime
senhorial. Nos seus senhorios, o nobre não era apenas o proprietário, mas também ostentava a
autoridade pública, inclusive a judicial, e nomeava as autoridades locais. Do ponto de vista
económico e como consequência da crise dos últimos séculos medievais, os senhores
costumavam ceder a exploração da maior parte de suas terras aos camponeses, seja em troca de
rendas fixas, seja em troca de uma parte da colheita. Permanecia uma “reserva senhorial” que
era explorada por mão de obra camponesa, muitas vezes forçada. Numa época de subida de
preços como foi o século XVI, era mais proveitoso receber uma parte da colheita (renda em
espécies), incrementando a produção da reserva.
Os senhores disponham de muitos meios de coerção económica sobre os camponeses. Tinham
monopólios de meios técnicos como moinhos (cerais e azeite) e serralharias, cobravam impostos
sobre as vias de comunicação (pontes, caminhos) gozavam de direitos preferenciais na venda de
sua própria produção em condições e prazos melhores do que os camponeses, tinham direitos
exclusivos de caça e pesca (o que resultava na existência de caçadores ilegais), cobravam taxas
sobre as vendas ou transmissões hereditárias das propriedades daqueles. Em suma, desfrutavam
de uma situação privilegiada que lhes permitia viver do trabalho dos súbditos e ao mesmo
tempo ditar regras que regulavam o trabalho.
Para lá dos ganhos elevados, os gastos também o eram. Um grande senhor devia manter um
certo nível de criados e levar uma vida sumptuosa, sem olhar a gastos. Deviam dotar
economicamente as filhas e desenvolver uma política matrimonial adequada, procurando noras
bem dotadas para os seus filhos. Deviam construir e manter palácios e residências. No final do
século XVI, muitas casas nobiliárquicas tinham sérios problemas económicos e estavam
endividadas.
Um dos privilégios dos nobres consistia em que não podiam ser presos por dívidas. Os
monarcas concediam todo o tipo de vantagens económicas para que os aristocratas não se
vissem obrigados a pagar aos seus credores. Além disso, eles recebiam todo tipo de benefícios
na forma de isenções fiscais ou concessão de cargos lucrativos na administração civil ou
eclesiástica para eles e seus filhos. Em todo o caso, assistiu-se a uma ruína de algumas famílias
que se viram compensadas pela ascensão de outras.
A população urbana
Nas cidades encontramos três grandes grupos sociais, numericamente díspares. Existia uma
minoria burguesa, uma maioria de artesanatos e também um número alargado de criados e
trabalhadores não qualificados, além dos setores marginalizados.
As cidades eram governadas por famílias de “cidadãos” ou “burgueses honrados”, uma
condição semi nobiliárquica e hereditária que vivia de rendas da propriedade capital
(empréstimos). Os “cidadãos” costumavam dirigir de forma exclusiva ou preeminente os
governos municipais, “a gente nobre da governança”
Dentro desta burguesia honrada, encontram-se os comerciantes e, também, pela projeção
social e cultural, os graduados universitários que viviam do exercício da sua profissão:
medicina e direito. Estes, tratavam-se de se aproximar a uma condição privilegiada. Em geral,
considerava-se que as profissões liberais não eram incompatíveis com a nobilitação, enquanto o
exercício do comércio era considerado incompatível.
Os comerciantes se orgulhavam especialmente de sua experiência prática. Costumavam enviar
os seus filhos a passar um período de formação noutras cidades, em negócios de famílias
correspondentes. Esta prática era mais fácil para os grandes comerciantes internacionais que
participavam nas redes mercantis e financeiras. Na época do Renascimento, no século XVI, não
existiam banqueiros especializados. Os financeiros eram grandes comerciantes, que entre
muitos produtos valiosos negociavam em dinheiro, por meio da especulação e por meio das
letras de câmbio. Estes grandes financeiros do século XVI denominavam-se de mercadores-
banqueiros.
Grandes famílias financeiras e mercadores da Europa do século XVI:

 Medici
 Fugger
A burguesia do século XVI era basicamente comercial ou financeira, sendo as suas atividades
industriais limitadas. A maior parte da produção industrial estava em mãos de artesãos
especializados, que nas cidades estavam organizados em guildas ou associações de artesãos.
As guildas ou corporações regulamentavam a formação profissional, por meio do sistema de
aprendizagem e organizavam as condições de trabalho, fabrico e venda dos produtos.
Durante o século XVI, o nº de corporações aumentou e o artesanato em geral. Nas grandes
cidades, houve um incremento do número de corporações, por meio de uma especialização.
A partir do século XV, o acesso à condição de mestre de uma corporação realizava-se através de
um exame de mestria. Este ato devia provar em primeiro lugar a capacidade técnica de um
aspirante, mediante a realização de uma “obra mestra”, mas esta prática tinha-se convertido num
mecanismo de seleção económica e social.
As corporações estavam relacionadas com os governos municipais.
Os membros das corporações eram trabalhadores especializados, mas nas cidades havia uma
massa de trabalhadores não qualificados que trabalhavam normalmente por um saldo diário
em trabalhos eventuais, ou então, como se denomina, trabalhavam à jorna.
Os camponeses – população rural
Cerca de 80% da população europeia era composta por camponeses. Este grupo tinha diversas
diferenças internas. As diferenças dependiam, das condições da exploração da terra em si: se
eram ou não proprietários, em que condições, de que capital disponham (animais de trabalho ou
equipamentos ou ferramentas agrícolas), a que pagamentos estavam obrigados, etc … A maioria
dos camponeses não eram proprietários, eles também estavam sujeitos ao pagamento de um
aluguel pela propriedade em que trabalhavam. Geralmente, trabalhavam em condições
precárias, muitas vezes devendo parte da colheita a comerciantes ou a camponeses mais ricos.
Além disso, todos os cultivadores de terras diretos, titulares de exploração, estavam obrigados a
pagar uma décima da sua produção (o dízimo) para a manutenção do eclesiásticos, pago tanto
nos países católicos como nos protestantes.
Havia 2 tipos de contratos de arrendamento:

 De longa duração, perpétuos e hereditários, segundo o modelo da enfiteusis. Esses


contratos costumavam consistir em cessões de terras não cultivadas, que o camponês
começava a cultivar mediante o pagamento de uma taxa moderada, conhecida como
censo enfitêutico, e o reconhecimento da autoridade do 'senhor eminente' no caso de
venda ou herança. O camponês desfrutava do 'domínio útil' ou uso da propriedade. Era
um contrato significativo no início de um ciclo econômico, como no início do século
XVI, quando se tratava de colocar terras não utilizadas em exploração.
 Um segundo tipo de contrato envolvia o camponês assumindo os custos da exploração.
Os proprietários tendiam a preferir contratos de curto duração.
Propriedades comuns e direitos coletivos:

 As paróquias que tinham propriedade tinham o direito de uso de montes e prados, para a
obtenção de madeira ou para a manutenção do gado.
 Esse direito ao espigueiro ou à poda de pâmpanos permitia a alimentação do gado dos
camponeses pobres. Para exercer esse direito, era essencial que os campos
permanecessem abertos e que os camponeses observassem um ritmo uniforme de
trabalho, regulado pela comunidade.
 Ao longo a Época moderna as terras coletivas estiveram submetidas a um forte processo
de erosão. No século XVII, na Inglaterra, estas terras viram-se afetadas com as
“enclausures”.
Sociedade camponesa do século XVI – constituição:

 No topo, encontrava-se uma pequena minoria de cerca de 5% de camponeses ricos, que


eram os intermediários do regime senhoril, possuíam cabeças de gado e empregavam
uma mão de obra assalariada.
 Um grupo intermédio, que representava cerca de 25 %, era constituído por camponeses
médios, independentes que não eram tão ricos como os anteriores.
 60 a 70% de camponeses dependentes, com terras insuficientes e que viviam à mercê
das carestias e das más colheitas. Perdiam as terras à menor dificuldade e a proporção
aumenta com as crises económicas.
 Jornaleiros e moços de lavoura ou criados agrícolas
Os Setores marginalizados
Cerca de 10% da população europeia do século XVI vivia em situação de extrema pobreza. Os
mais pobres da população eram as viúvas, órfãos, velhos e enfermos encontravam-se reduzidos
á mendicidade por falta de recursos. As classes trabalhadoras urbanas e rurais, pequenos
artesãos e pequenos camponeses, viviam no limiar da pobreza.
Com as crises económicas, sobretudo na segunda metade do século, aumenta o número de
pobres. A ruína dos pequenos proprietários leva ao abandono do campo e à entrada contínua nas
cidades de uma massa de indigentes.
Cidades dos Países Baixos e da Alemanha estabeleceram uma nova política para a pobreza: o
«ordenamento de pobres», para fazer face à política tradicional de ajuda, através das instituições
de carácter religioso. Este “ordenamento dos pobres” tinha como proposta exercer e
regulamentar a assistência social por meio de instituições municipais, mais que religiosas, e
impulsionar o trabalho dos mais necessitados de forma mais ou menos forçosa. Este sistema
estendeu-se à frança e a à Itália.
As Misericórdias eram instituições de assistência e controle social nas cidades, elas próprias
controladas pelas autoridades civis e eclesiásticas. (países como Portugal e Espanha).
Camponeses pobres que tinham perdido as suas terras deslocavam-se para as cidades,
constituindo uma plebe urbana.
Vagabundos (pobres que não estavam controlados por uma paróquia), miseráveis e delinquentes,
que por vezes formavam bandos organizados, fora alvo de legislação dura, com frequência
arbitrária, socialmente seletiva. Era muito difícil uma certa distinção entre estes nomes. As
condenações não consistiam geralmente em penas de prisão, mas sim em multas, açoites,
mutilações ou em trabalhos forçados que convinham aos poderes públicos.
Banditismo e hábitos de violência generalizados na vida social, incluindo na dos privilegiados.
O banditismo apresentava perfis distintos.
As revoltas populares
Durante o primeiro tricénio do século XVI culminou um ciclo de revoltas que se havia
estendido durante a baixa Idade Média. Estas revoltas eram uma resposta às crises económicas,
mas articulavam-se frequentemente em torno de uma ideologia religiosa, baseada na ideia do
fim do mundo (o Apocalipse), que estava próximo e da segunda vinda de Cristo, que devia
estabelecer uma etapa de justiça que duraria 1000 anos. Por esta razão chama-se a estes
movimentos de “milenaristas”. Os grupos religiosos mais radicais negavam as hierarquias
sociais existentes e pretendiam criar sociedades perfeitas sem propriedade privada. Exemplos:

 Husitas checo radicais – taboristas, 1420


 Anabaptistas, 1535
Dada a maioria da população rural, eram importantes as revoltas camponesas. Tratava-se de um
movimento de larga duração, que havia começado em meados do século XIV. Quase todas as
revoltas, durante a Época Moderna, acabaram com a vitória militar da nobreza e dos reis.
O último decénio do século foi especialmente conflituoso a nível europeu, depois da Reforma
Protestante.
A resistência cotidiana (micro) ao sistema hegemônico e a “luta entre a quaresma e o carnaval”.

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