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A inflação oficial do Brasil em 2015 ficou em 10,67%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE). O Índice de Preços ao Consumidor - Amplo (IPCA) foi o maior registrado desde 2002. A
estimativa para 2016 é de que a taxa seja de 7,26% - ainda acima do teto de 6,5% do sistema de metas e
bem distante do objetivo central de 4,5%. Em paralelo a isso, a taxa de desemprego no ano passado foi de
6,8% nas seis maiores regiões metropolitanas do país - dois pontos percentuais acima ao índice de 2014
(4,8%). A combinação entre desemprego e inflação alta encolheu a renda média do trabalhador em 3,7% em
relação a 2014.

Cenário da crise econômica desenhado, o resultado não poderia ser diferente: os consumidores precisaram
rever seus gastos para que eles voltassem a caber no bolso - agora mais apertado. Um sinal de que a
indústria e o varejo já notaram essa alteração é visível nas prateleiras dos supermercados brasileiros. Em
março de 2016, o índice geral de falta de produtos chegou a 11,16%, de acordo com estudo realizado pela
NeoGrid. Hoje, a cada 100 itens da lista de compras, cerca de 10 estão em falta no ponto de venda, o que
demonstra que o varejo está com receio de adquirir os produtos e não conseguir vendê-los.

Leia também: Varejo e indústria precisam trocar queda de braço por colaboração.

Com a crise econômica derrubando a confiança do consumidor, é natural que os brasileiros desenvolvam
estratégias para continuar consumindo. O desafio para a indústria e o varejo é conseguir acompanhar essas
tendências de adequação do orçamento e apresentar ofertas relevantes para seu público-alvo, sob o risco
de perder receitas importantes. Para balizar as decisões estratégicas nas companhias, o PeopleScope cruzou
dados de comportamento do consumidor e analisou o Índice da Cachaça, apresentados neste estudo.

O PeopleScope é a nova classificação brasileira, com informações sociodemográficas somadas a


compreensão de hábitos e atitudes do consumidor. Com base em informações do SPC e pesquisas do Target
Group Index, Censo e Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), a ferramenta online constrói
uma grande base de informações comportamentais dos consumidores brasileiros.

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SEGMENTAÇÃO
O estudo analisa o comportamento dos brasileiros segundo três perfis comportamentais:

1.Realidade Humilde
Formado por moradores de comunidades carentes urbanas de áreas metropolitanas, este segmento é
predominante nas regiões Sudeste e Nordeste do país. Destaca-se por apresentar a maior proporção de
pardos e negros. O segmento é formado majoritariamente por jovens de 18 a 24 anos, que gostam de se
destacar em lugares públicos e sentem prazer em qualquer tipo de compra. Em geral, são impulsivos quanto
ao consumo. Frequentam pouco parques, praias e eventos culturais e não se importam com tarefas
domésticas.

2.Famílias Promissoras
Os componentes deste grupo vivem, geralmente, em domicílios com até dois moradores e com uma renda
mensal alta. Apresentam alto grau de escolaridade, são bem informados e gostam de produtos funcionais
para seu dia a dia. Grande parte de sua população é branca, com uma proporção significativa de pardos.
Cerca de metade dos indivíduos é católica, com percentuais significativos de evangélicos e sem religião.
Aproximadamente metade das pessoas deste segmento mora em casas quitadas com dois ou três banheiros.

3.Legado estabelecido
Formado por pessoas ricas e bem-sucedidas, esse segmento se concentra nas metrópoles da região Sudeste,
principalmente nas capitais. Apresenta a maior renda média domiciliar do país. Em sua maioria, esses
indivíduos vivem em imóveis grandes. São seguros financeiramente e possuem um alto padrão de vida.
Procuram sempre por produtos de marca e de qualidade, porque podem escolher. O grupo se caracteriza
por alta proporção de idosos com mais de 70 anos. Em sua maioria, vivem em apartamentos com um ou dois
moradores nos bairros mais nobres e tradicionais das grandes metrópoles brasileiras.

MUDANÇAS NA CESTA
Buscar dados comportamentais para referenciar decisões estratégicas é fundamental para que os
investimentos não sigam apenas a intuição - muitas vezes equivocada e permeada de preconceitos. As
análises de informações reais levam a insights promissores. Uma das percepções do varejo deve ser a de que
o consumidor está comprando itens mais baratos e gastando menos, mas está indo mais ao mercado - o que
foi comprovado pela análise do PeopleScope. A causa desse comportamento está no aumento do consumo
de frutas, legumes e verduras (opções mais baratas do que outros itens, como carnes e industrializados).

Segundo o levantamento do PeopleScope, ocorreu uma mudança na cesta de compra global em 2015, se
comparado ao ano anterior. Enquanto houve uma queda generalizada na média de itens adquiridos - como
os de perfumaria e higiene (-8,7%), bebidas alcóolicas (-4,6%) e queijos e frios (-4,5%) -, o segmento de
frutas, legumes e verduras apresentou alta de 12,3% nesta variável. Houve também crescimento no valor
médio gasto nestes itens, de 2,9%. Mesmo reduzindo o consumo de bebidas alcóolicas, o gasto com esses
produtos também cresceu 3%. Os demais segmentos apresentaram quedas que chegaram a -9%, no caso dos
produtos de limpeza, -8,6%, na perfumaria e higiene, e -7,6%, nos queijos e frios.

Diante dos dados acima, percebe-se que as frutas, legumes e verduras conquistaram destaque na cesta de
compras do consumidor. Por serem perecíveis, acabam demandando um retorno mais rápido ao ponto de
venda para reposição. A variação neste índice foi de 6,3% positivos. Os consumidores também elevaram a
média de visitas ao varejo em 2015, se comparado a 2014, para a compra de bebidas alcóolicas (4,4%) e de
itens de mercearia (1,6%). A maior queda de retorno se deu no segmento de perfumaria e higiene (-5,1%),
segundo o levantamento do PeopleScope.

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Esses são índices referentes aos comportamentos globais dos consumidores, mas há peculiaridades em
relação a cada grupo também. Embora tenha havido queda no valor médio da cesta de compra de todos os
perfis, ao longo dos últimos dois anos, uns apresentaram baixa mais acentuada do que outros, por exemplo.
As Famílias Promissoras apresentaram maior estabilidade neste quesito, passando de R$ 88,00, em 2013,
para R$ 84,00, em 2015. Já o segmento Realidade Humilde registrou queda no valor da cesta de compra de
R$ 54,00 para R$ 49,00, no período, e o Legado Estabelecido, de R$ 126,00 para R$ 110,00.

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O levantamento também mostrou que Famílias Promissoras despendem bem menos recursos em produtos de
limpeza do que os demais segmentos, em relação à composição da cesta. Já na Realidade Humilde, o peso
está mais concentrado no segmento carne do que nos demais grupos. Por outro lado, há um equilíbrio
quando a análise é feita em relação às frutas, legumes e verduras.

REALIDADE HUMILDE
O entendimento dos impactos da crise nos comportamentos de compra de cada perfil individualmente é
importante para que os negócios possam realizar ajustes considerando o seu público-alvo específico. No
caso do grupo Realidade Humilde, a queda no valor médio gasto na cesta de compras foi a mais acentuada,
chegando a -8%. A maior baixa ocorreu no segmento de de perfumaria e higiene, -10,7% - ou seja, mais de
cinco pontos percentuais abaixo da média global. A queda nos gastos com itens de limpeza foi de -10,2% e
com carnes e queijos chegou a -9,9%. Já a compra de frutas, legumes e verduras viveu tendência inversa,
registrando alta de 8% no segmento.

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A média de itens comprados apresentou queda de 4,2% no grupo Realidade Humilde. Entre as carnes, houve
queda de 11,8%; as bebidas, de 11,7%; e os queijos, de 8,9%. Seguindo o movimento registrado no valor
médio gasto na cesta de compras, ocorreu alta no número de frutas, legumes e verduras adquiridas, que
chegou a 13,2%.

A mudança no comportamento de compra também impactou a média de visitas ao ponto de venda, que
apresentou baixa de 3,1% - apesar da tendência global de alta. A principal influência negativa se deu pela
queda de 8,6% nas visitas ao PDV para compra de itens de perfumaria e higiene. Depois, aparece a carne,
com redução de 5,6%; seguida pelas bebidas alcóolicas, com -3,9%. Mais uma vez, apenas as frutas, legumes
e verduras surgem com tendência inversa, de alta de 5,7%.

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FAMÍLIAS PROMISSORAS
Os impactos da crise econômica no valor médio gasto pelas Famílias Promissoras foram menores, como
mostra o levantamento do PeopleScope. A queda foi de 3,5%. O peso maior ficou com os produtos de
limpeza, com - 7,7%, e as carnes, com - 6,4%. Em contrapartida, o orçamento reservado para o consumo de
frutas, legumes e verduras cresceu 8,8% e o de bebidas alcóolicas apresentou alta de 3,2%.

Embora a cesta tenha ficado mais barata, de 2013 para 2015, a média de itens levados para casa cresceu
1,6%, com importante contribuição das frutas, legumes e verduras, que tiveram alta de 20,3%. Outros
segmentos apresentaram queda em relação ao número de produtos adquiridos: carnes (-6,6%), perfumaria e
higiene (-5,2%) e bebidas alcóolicas (-2,3%).

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A média de visitas ao varejo apresentou alta de 3,7%, cerca de três pontos percentuais abaixo da média
global. Os produtos que influenciaram este índice foram as frutas, legumes e verduras (7%) e as bebidas
alcóolicas (6,2%). Houve queda de 2,9%, entretanto, nos retornos para compras de itens de perfumaria e
higiene.

LEGADO ESTABELECIDO
No caso do grupo de mais alta renda, o valor médio com as compras de supermercado caíram 4,7% -
percentual maior do que o registrado pelas Famílias Promissoras, mas menor do que o segmento Realidade
Humilde. Houve alta apenas nos gastos com frutas, legumes e verduras (2,5%) e queda com limpeza (-9,3%),
perfumaria e higiene (-9,3%) e queijos (-8%).

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Em relação à média de itens levados para casa, houve baixa de 1,6%. A alta se deu unicamente no segmento
de frutas, legumes e verduras (11,7%). Já quanto às bebidas alcóolicas, ocorreu redução de 5,6% e de
limpeza, 2,5%.

A média de visitas ao ponto de venda também registrou aumento no período, crescendo 2,4% - alta puxada
pelas frutas, legumes e verduras (6,4%) e pelas bebidas alcóolicas (4,1%). Houve baixa no retorno ao PDV
para compra de itens de perfumaria e higiene (-5,7%) e queijos (-0,6%).

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ÍNDICE DA CACHAÇA
Crises econômicas em geral costumam resultar em queda na confiança do consumidor, que,
consequentemente, aciona o freio das compras, temeroso em relação ao que ainda possa estar por vir.
Também é comum nesses cenários, entretanto, que nem todos os produtos apresentem baixa na demanda.

Avaliando a economia americana, por exemplo, verificou-se, neste século, dois momentos de maior
fragilidade. O primeiro ocorreu com a bolha especulativa das empresas de internet, na mesma época do
atentado terrorista de 11 de setembro. O outro momento ocorreu na crise imobiliária de 2008, a mais grave
crise desde 1929, tendo reflexos em diversos países. Nas duas ocasiões ocorreu uma redução forte no
consumo.

O magnata dos cosméticos, Leonard Lauder, da Estée Lauder, percebeu que um produto passou registrar
aumento em suas vendas nas duas fases da economia norte-americana: o batom. A explicação para isso se
deve ao produto ser considerado um mimo pela consumidora dos Estados Unidos, algo que aumenta sua
autoestima em tempos de crise; um luxo indispensável.

No Brasil, o Ibope DTM pesquisou dezenas de produtos de uma amostra de informações transacionais de
redes de supermercados, a fim de entender se algum item apresentou comportamento semelhante. E a
constatação é a de que a cachaça cumpre este papel. A bebida apresentou a maior correlação negativa com
o índice nacional de expectativa do consumidor. Ou seja, quando o indicador cai, as vendas de cachaça
aumentam. A explicação para o fenômeno está relacionada à queda da frequência em bares e restaurantes.
Os consumidores passaram comprar mais nos supermercados seu mimo indispensável em tempos de crise.

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