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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: Maranhão II
Professora: Regina Faria

Análise de algumas contradições a respeito da historiografia sobre a Balaiada.


Camila da Silva Portela

São Luís
2008
Análise de algumas contradições a respeito da historiografia sobre a Balaiada.
Camila da Silva Portela*

1. Objetivos
A partir da leitura sobre a Balaiada nota-se que a historiografia sofre uma
significativa alteração no sentido e conceitos a cerca do movimento. Apesar de muita
contribuição relativa ao tema, ainda se identifica muitas lacunas, que devem ser
preenchidas. O artigo tem como objetivo perceber, se possível, essas contradições.
De muita utilidade foram as palestras realizadas no Simpósio Balaiada 170
anos realizado na UFMA no mês corrente, pois nele se apresentaram alguns dos mais
importantes estudiosos contemporâneos a cerca do assunto. Como coloca Matthias
Assunção escrever sobre a Balaiada requer levar em consideração vários aspectos que
por algum motivo foram esquecidos por quem já escreveu. A preocupação maior do
texto não é mostrar como ela é definida hoje, mas sim os contrapontos existentes entre
as várias conclusões sobre o mesmo.

2. Introdução
Após a abdicação de D. Pedro I, o Brasil mergulha em uma crise. Muitas
revoltas insurgiram no período da Regência, considerado o período mais violento de sua
história. Vários estudiosos do assunto consideram os ideais revolucionários europeus do
séc. XIX grandes impulsionadores desses conflitos. Nesse período se acirrou ainda mais
as disputas entre liberais e conservadores.
A situação piorou quando as reivindicações liberais, a favor de maior
autonomia, se misturaram com as insatisfações populares. O país passava por intensa
crise econômica e a população continuava a viver em condições miseráveis. Além disso,
se afloram ainda mais no país as práticas de clientelismos e coronelistas.
As revoltas começam na década de 30, com a Cabanagem no Pará,
seguindo, Farroupilha (RS), Sabinada (BA) e Balaiada (MA/PI). Porém mesmo mais de
cem anos após o início da primeira revolta a historiografia referente a esses conflitos
permanece dispersa, levando em consideração as deturpações existentes que são
determinadas de acordo como os interesses de diferentes classes sociais. Todos

*
Estudante do quinto período do curso de História – Universidade Federal do Maranhão.
violentamente reprimidos, embora com características pouco estudadas, foram
movimentos que tiveram grande participação popular.
De acordo com o pensamento da professora Claudete Dias, a historiografia
tem um papel fundamental na construção da mentalidade de uma sociedade e na
reprodução do pensamento da classe dominante.

3. Balaiada, uma breve definição.


A Balaiada foi um movimento que ocorreu no Maranhão, Piauí e Ceará
entre o período de 1838 e 1841, teve como estopim o caso da vila da Manga, onde
Raimundo Gomes invadiu a cadeia e libertou seus companheiros vaqueiros que haviam
sido presos pela prática do recrutamento forçado. A partir daí ela se estende pelo Piauí e
Ceará.
Por onde Raimundo Gomes passava sempre carregava com ele muita gente,
o clima de insatisfação com a Regência era intenso. O preço do algodão subia no
mercado externo, enquanto os preços mercadorias do comércio interno aumentavam.
Crescia mais a dependência e exploração dos agregados e escravos. Nessas suas
passagens o movimento de Raimundo Gomes ganha apoio de Manuel Francisco dos
Anjos, que adere ao grupo para vingar a honra da sua família, pelo estupro de suas filhas
pelas tropas legalistas.
Após 45 dias depois do começo do cerco em Caxias os líderes e seis mil
homens adentraram uma das maiores cidades do Maranhão. Lá organizaram uma junta
provisória e:
“Enviaram uma deputação ao governo da província exigindo por escrito,
depois de declararem reconhecer a Coroa e a Constituição as seguintes
condições para a deposição de armas:
1. Revogação da Lei dos Prefeitos e da que organizaram a Guarda Nacional;
2. Prévia anistia para todos os revoltosos, decretada pela Assembléia
Provincial;
3. Rs. 80:000$000, para o pagamento do soldo de suas tropas;
4. Processo regular para os presos retidos nas cadeias públicas;
5. Expulsão dos portugueses natos e restrição dos direitos dos que
houvessem se naturalizado;
6. Confirmação dos oficiais revoltosos em seus postos, mediante apuração
regular de idoneidade de cada um.” (MEIRELLES, 2001, 236)

Foi nessa fase que houve uma maior aproximação entre os balaios e Bem-te-
vis, uma vez que os interesses convergiam. Principalmente no que diz respeito a Lei dos
Prefeitos, pois as atribuições administrativas eram dadas contra os interesses rurais, e
também ao recrutamento forçado. Logo a frente do movimento se tornou heterogênea,
uma “salada” de insatisfações das medidas adotadas pelo Governo. Este misto de
interesse fez com que o movimento passasse por contradições internas, pois os políticos
liberais só queriam tomar o poder dos conservadores, contrário dos balaios que
pretendiam uma mudança na estrutura social.
A junta provisória não resistiu e os balaios foram expulsos de Caxias após
um mês de sua tomada. Com isso saem em direção do Piauí para refazer o exército e
retornar para o Maranhão. Com a impossibilidade de tomar Oeiras eles retornam ao
Maranhão, porém a repressão ao movimento se intensifica deixando os balaios
encurralados, nisso muitos dos seus líderes desistem do movimento, ao verem que os
objetivos da revolta estavam longe de serem alcançados.
Em 1839 é nomeado Luís Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias)
para o cargo de presidente de província e comandante das armas, asseverando a situação
crítica no controle do Estado e na repressão militar. Era preciso não só garantir o fim da
guerra como também fortalecer as bases políticas e evitar que bem-te-vis tornassem a
constituir ou apoiar outro movimento de revolta.
Após nova derrota em Caxias os sobreviventes dos balaios juntam-se a
Cosme na região de Codó. Desde a década de 1830, Cosme já era conhecido por travar
lutas contra o regime escravista. Invadindo fazendas e libertando escravos forçando os
seus senhores a dar-lhes a carta de alforria. Seu quilombo situava-se na municipalidade
de Brejo, na Fazenda Lagoa Amarela e que:
“no auge do movimento chega a chefiar 3.000 quilombolas em armas,
verdadeiro exército negro. O interessante é que, à diferença de muitos outros
quilombos, esse zumbi maranhense enxergava claramente a necessidade de
aliança com a população livre, pobre. (ASSUNÇÃO, 2008, p. 23).

Essa aliança veio a ocorrer quando o vaqueiro sai em busca de Cosme para
unir forças a fim de perpetuar o movimento. Provavelmente por isso é que as forças
contra a Balaiada viraram-se para o quilombo de Cosme. Assim, em batalha, as forças
rebeldes foram sendo minadas e o líder negro capturado. A estratégia utilizada pelo
poder legal foi oferecer condições favoráveis para a rendição dos revoltosos, como a
anistia. Aqueles que não se entregaram sofreram pesados ataques e baixas, no fim,
quase sem força, os exércitos balaios sofreram sua última derrota com a captura de
Cosme. Este foi julgado e executado com pena de enforcamento em 1842.

4. As várias visões acerca da Balaiada e a contribuição dos estudos atuais.


Após uma breve síntese do que foi a Balaiada é necessário observar que as
construções historiográficas são muito variadas e levam em conta diferentes análises e
interpretações da documentação existente. Essas diferenciações são latentes em Mário
Meirelles, Maria Januária e Matthias Assunção, dentre outros historiadores e
pesquisadores que se propuseram a analisar a Balaiada.
O historiador Mário Meireles em sem livro História do Maranhão dedica um
capítulo narrando os acontecimentos da Balaiada, preocupando-se em aprofundar o
desenvolvimento das batalhas, asseverando os méritos das forças legalistas sobre os
balaios que caracteriza como:
“Levantamento de cafuzos, crioulos, mulatos e pretos, de vaqueiros e
agricultores de escravos fugidos e soldados desertores, de bandidos e
vagabundos, sem uma figura maior que os chefiasse [...] sem orientação, sem
um objetivo preconcebido, envenenados pela demagogia de uma oposição
política desabrida, atiraram-se à luta, como um estouro de boiada.
(MEIRELES, 2001, p. 233).”

Percebemos o quanto o autor cria uma imagem desorganizada dos balaios,


mostrando certo grau de inferioridade dos seus participantes o que acaba reiterando a
visão conservadora, originada desde os escritos mais recuados.
Maria Januária traz algumas razões em torno das quais os balaios se
manifestavam, um destes é a questão do recrutamento, já citado anteriormente. A
respeito disso diz:
“Grande foram os transtornos sofridos pela gente conhecida no sertão pelo
nome de forros. O temor do recrutamento indistinto levava à fuga da
população masculina, ficando ao abandono as famílias e a suas roças.
(SANTOS, 1983, p. 75).”

Dentre outros motivos o apoio dos bem-te-vis, ao contrário do que traz


Meireles, era visível nos manifestos dos balaios, dando à revolta, pelo menos em seu
estágio inicial, um cunho bastante político. Os balaios possuíam consciência de sua
situação sócio-política, possuindo claras razões e objetivo. Mesmo que a Balaiada tenha
passado por vários momentos não podemos concebê-la como um movimento sem
organização e liderança.
Ainda a respeito do nível de consciência dos balaios, Matthias Assunção,
utiliza Astolfo Serra para esclarecer que as massas:
“além de que os grupos armados que surgiram não eram elementos de crime,
que os objetivos iniciais do levante não visavam a rapinagem e o assalto a
vida e propriedades, e que a revolta teve um ideal que não foi o crime, que os
revoltosos antes de tudo era lavradores [...] (ASSUNÇÃO, 2008, p. 29)”.

E acrescenta:
“Serra é assim, incapaz de conceber uma revolta como um movimento de
ruptura, onde a atitude conformista das classes populares vigentes e até
dominadas através de ideologia e do ‘braço secular’ adquire a consciência de
sua própria força e consegue esboçar sua própria emancipação.”
(ASSUNÇÃO, 2008, p. 29)”.

O Estado, ao se sentir ameaçado por uma força paralela, organizada


solidamente em torno de objetivos sóciopolíticos bem definidos, faz com que uma ação
de defesa tenha que ser elaborada, buscando diminuir e macular as massas revoltosas.
Desta maneira, denominar os balaios como bandidos é uma estratégia peculiar ao
Estado brasileiro na tentativa de justificar suas ações repressivas. Essa imagem acaba se
solidificando e também gerando certas construções históricas e historiográficas que
partilham dessas idéias.
No plano da história cabe aos historiadores buscarem outras fontes e outras
análises na tentativa de esclarecer e aproximar as interpretações, se possível, dos fatos
ocorridos, buscando um conhecimento mais completo mesmo que para isso seja preciso
refutar antigas visões.
A entrada de Cosme no movimento da Balaiada, ao contrário do que foi
escrito, não foi sem motivos, afinal os interesses de balaios, escravos e quilombolas
eram genericamente os mesmos. Eles tinham, de certa forma, inimigos em comum,
como a condição do latifúndio que imprimia na sociedade da época uma extrema
disparidade, a qual tentavam reverter com sua luta.
Esta me parece como uma das preocupações do simpósio, ocorrido no mês
de dezembro na Universidade Federal do Maranhão. Buscando novos elementos na
discussão das definições do que foi esse movimento e quem foram seus líderes e
participantes. Fazendo adendos a questões antigas, propondo novas indagações - como
fez Matthias Assunção a respeito da denominação “balaio” -, buscando observar no
meio da sociedade como a Balaiada está sendo entendida através de suas relações com a
atualidade (no caso do movimento negro) e também demonstrando preocupação no caso
dos elementos didáticos direcionados ao ensino médio.
BIBLIOGRAFIA

- ASSUNÇÃO, Matthias, Röhrig. A guerra dos Bem-te-vis: a Balaiada na memória oral


– 2ª ed. – São Luis: Edufma, 2008.

- DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaiada: a guerrilha sertaneja. Estudos Sociedade e


Agricultura, 5, novembro 1995: 73-88. link:
//bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/cinco/clau5.htm

- JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “Balaiada: construção da memória histórica”.


História, SP UNESP, v. 24, n.1, 2005, p. 41 a 76 (scielo.org/index). ISSN -
0101-9074. link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
90742005000100003&lng=pt&nrm=iso

- MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão – São Paulo: Siciliano, 2001.

- PRIORE, Mary del / GOMES, Flávio (orgs). Os Senhores dos Rios - Amazônia,
Margens e Histórias. Editora: Campus Ano: 2003.

- SANTOS, Maria Januária Vilela. A Balaiada e a insurreição de escravos no


Maranhão. - São Paulo: Ática, 1983.

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