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1. Considerações iniciais
1
Doutora em Educação pela UERJ. Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis. Especialização lato
sensu em Administração Escolar pela Universidade Cândido Mendes. Licenciatura em História pela Universidade
Católica de Petrópolis. Especialização lato sensu pela UERJ em Residência Jurídica. Especialização em Educação
Ambiental pela Universidade Católica de Petrópolis. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.
Professora da rede pública municipal de Petrópolis/RJ, concursada desde 1996. Professora de Direito Constitucional e
Legislação do Ensino em cursos de atualização de profissionais do Direito e preparatórios para concursos públicos.
Pesquisadora da Educação Domiciliar desde 2012. Orientadora Educacional do Colégio de Aplicação da Universidade
Católica de Petrópolis. Membro titular da Academia Petropolitana de Educação. Professora convidada na Universidade
Católica de Petrópolis na área de Direito Constitucional.
baseada em senso comum, com a qual se tem tratado a discussão do direito à
Educação, seja escolar ou domiciliar.
2
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.ohchr.org/EN
/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em 18 jun 2016.
3
Algumas traduções desse documento preferem o termo “instrução” no lugar de educação.
um desenvolvimento pleno, sendo um bem de toda a sociedade, na medida em que é a
porta de entrada dos demais direitos.
4
Termo cunhado da obra Princesas Isabel e Leopoldina, mulheres educadas para governar (2015), de
Jaqueline Vieira Aguiar.
“este tipo de educação em muito se adequava ao momento e sobreviveu todo o período
colonial, imperial e republicano, sem sofrer modificações estruturais” (RIBEIRO, 1993,
p. 16). Uma vez expulsos os jesuítas, instauraram-se as aulas régias por meio da
administração luso-brasileira do Marquês de Pombal, onde não há propriamente um
direito à educação, mas sim ensino, numa perspectiva voltada para os interesses do
Estado. Só com o desenvolvimento da mineração no século XVIII e o surgimento de uma
classe social ligada ao comércio, a burguesia, que se firma socialmente como classe
reivindicadora, a educação escolarizada começa a ser exigida (RIBEIRO, 1993). Ainda
assim, a educação, enquanto direito, só passa a ser assim entendida quando vinculada aos
direitos sociais e ao liberalismo que surge no século XIX (ZICHIA, 2008).
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Art. 149 da Constituição Brasileira de 1934: A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela
família e polos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros domiciliados
no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num
espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.
6
Art. 176 do AI n.° 5: A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e
solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.
Somente na Constituição de 1988, um marco para os direitos humanos, vimos
incorporada fortemente a afirmação da Educação como um direito humano social e
fundamental.
7
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE888815mAM.PDF. Acesso
20 jan 2020.
frequência escolar e o direito à liberdade de escolha, pela família, da modalidade de
educação adequada aos filhos. Segundo Juliana Diniz Campos, “questiona-se se a
obrigatoriedade da matrícula da criança no ensino formal não constituiria ofensa ao
princípio da liberdade de educar e ao direito dos pais de escolherem a educação adequada
para seus filhos” (CAMPOS, 2010, p. 144).
A prática mais comum no período, para que a educação fosse oferecida, ainda era
aquela proporcionada, pela família ou mestres, no âmbito do lar. Na medida em passava
a ser compreendida como um direito social e, com o apoio da burguesia, classe social
eminentemente urbana e ligada ao comércio, passa-se a reivindicar uma educação
escolarizada (RIBEIRO, 1993, p. 17) e o assunto torna-se presente nos debates que
discutiam as garantias fundamentais dos cidadãos.
8
Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-
566692-publicacaooriginal-90222-pl.html. Acesso 05 set. 2020.
9
Relatório Liberato Barroso. Disponível em http://www.revistanativa.com.br/index.php/revistanativa
/article/view /43/html. Acesso em 09 jan. 2014.
Um contexto que influenciou significativamente a busca pela garantia do direito
à Educação obrigatoriamente nos espaços escolares ocorreu na década de 1920, com o
movimento da Escola Nova que defendia os seguintes princípios: “função essencialmente
pública da educação, escola única, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação”
(SAVIANI, 2010, p. 245). Percebe-se que a questão da obrigatoriedade da educação na
escola pública já se destaca no Manifesto, sendo este o embrião do que viria a ser
enunciado na Constituição de 1934. Assim, foi na Constituição de 1934 que o Brasil
garantiu um capítulo para a Educação como um direito de todos, a ser ministrada pela
Família e pelos poderes públicos.
Até então, nota-se a primazia que a Família exercia sobre o Estado com relação à
educação de seus filhos. Todavia, foi a primeira vez que se associou a obrigatoriedade da
educação exclusivamente pela via da instituição escolar, devendo-se observar que o
ensino primário integral fosse gratuito e de “frequência obrigatória”.
10
Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil em vigor.
11
“Rondônia mantém suspensão das aulas presenciais até novembro”. Disponível em
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-
publicacaooriginal-90222-pl.html. Acesso 05 set. 2020.
12
“Prefeitura de Curitiba prorroga suspensão de aulas presenciais até 30 de setembro”. Disponível em
https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2020/08/28/novo-coronavirus-prefeitura-de-curitiba-prorroga-
suspensao-de-aulas-presenciais-ate-30-de-setembro.ghtml. Acesso 05 set. 2020.
13
“PE retoma ensino superior no dia 8 de setembro e prorroga suspensão de aulas da educação básica”.
Disponível em https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/31/pe-retoma-ensino-superior-no-
dia-8-de-setembro-e-prorroga-suspensao-de-aulas-da-educacao-basica.ghtml. Acesso 05 set. 2020.
14
“Aulas presenciais em Brumado [BA] devem ser retomadas ainda em setembro [mas aulas estão
suspensas em todo estado]”. Disponível em https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/04/aulas-
presenciais-em-brumado-devem-ser-retomadas-ainda-em-setembro.ghtml. Acesso 05 set. 2020.
15
“SP: Sindicatos de professores pedem suspensão da volta às aulas na Justiça”. Disponível em
https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/09/03/sp-sindicatos-de-professores-pedem-suspensao-da-volta-
as-aulas-na-justica.htm. Acesso 05 set. 2020.
16
“Governo do RJ confirma início de aulas na rede estadual em 5 de outubro, mas mantém atividades
virtuais”. Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/governo-do-rj-confirma-inicio-de-aulas-na-rede-
estadual-em-5-de-outubro-mas-mantem-atividades-virtuais-24618722. Acesso 05 set. 2020.
Por certo que não. Através de outras possibilidades, o direito à Educação vem
sendo resguardado e garantido, em especial às crianças e adolescentes. Diferentes
estratégias foram postas em prática para que o direito à Educação, que não se confunde
com escola, continuasse a ser exercido pelos sujeitos aos quais se destina. Plataformas
educativas, aulas remotas síncronas e outras ferramentas tecnológicas passaram a fazer
parte do cotidiano desta Educação do século XXI, nascida, ainda que a fórceps, a partir
de uma crise.
Todavia, pelo fato desse direito estar sendo exercido, de acordo com as
orientações das autoridades públicas, dentro das casas, com mediação das Famílias,
estaríamos observando a ocorrência de uma Educação Domiciliar obrigatória?
17
Como exemplo, confira-se https://www.selecoes.com.br/inspiracao/homeschooling-entenda-os-desafios-
da-educacao-domiciliar-na-quarentena/. Acesso 05 set 2020.
disseminadas e tomadas como verdade absoluta quando, na verdade, mais confundem do
que esclarecem a realidade das Famílias educadoras que, por convicção filosófica e estilo
de vida, decidem protagonizar a condução do processo educacional dos filhos.
Há, entretanto, uma intensa disputa, que se torna a cada dia mais visível, entre
Estado e Família, pelo monopólio da Educação. Nesse entrevero, caberia definir, antes de
tudo, se obrigatória seria a Educação ou a escola. Não são necessários muitos argumentos
para concluir que Educação, por constituir um direito fundamental, não se confunde com
escola que, por sua vez, representa um dos espaços dedicados ao desenvolvimento do
conhecimento e sociabilização. A escola é apenas um dos espaços, não devendo tomar
para si a exclusividade de uma função tão ímpar. Dessa forma, obrigatória é a Educação,
podendo ser exercido tal direito em instituições escolares ou outros espaços do
conhecimento adequados à diversidade humana.
Trata-se de um debate que envolve a relação entre o Estado e a Família quanto aos
limites da autonomia privada contra imposições estatais. Em nome da liberdade, defende-
se a autonomia das pessoas frente a intervenções heterônomas do Estado. Associada ao
poder de escolha e de decisão, a liberdade precisaria ser considerada na opção quanto à
modalidade de educação porque, do contrário, estando o poder de preferência a este ou
aquele método de ensino exclusivamente nas mãos do ente estatal, a situação se
configuraria mais como um totalitarismo do que uma prática democrática e republicana 18.
Sob o ponto de vista jurídico-social, após a decisão do Supremo Tribunal Federal
ao julgar o RE 888.815, consolidou-se o entendimento de que a prática da Educação
Domiciliar não gera ofensa ao texto constitucional, pois a modalidade alinha-se à lei
máxima do país que preserva o direito à liberdade e a democracia, num regime
republicano que tem como um dos fundamentos a cidadania. Entretanto, embora tenha
reconhecido, por oito votos a dois, a possibilidade da Educação Domiciliar como
modalidade válida de cumprimento do dever/direito à educação, o STF apontou que ainda
há de ser transposta a dificuldade relativa à regulamentação legal, sob a responsabilidade
do poder legislativo (KLOH, 2020, p. 224).
De certa forma, ainda que sem regulamentação, atualmente o Estado vem
permitindo, ou melhor, exigindo, que o direito à Educação seja exercido obrigatoriamente
fora do espaço escolar, o que torna possível uma análise empírica da viabilidade de
18
Extraída a essência, e não a literalidade, do voto do ministro Alexandre de Moraes no julgamento do RE
888.815.
coexistência de variados lugares de ensinar e aprender formalmente, diversos da escola,
sem que haja ofensa a nenhum princípio constitucional ou direito fundamental.
A pandemia de Covid-19 permitiu a aceleração dos debates legislativos em torno
da regulamentação do direito à Educação Domiciliar, sendo certo que tais debates não são
recentes, já que desde 1994 há registros de projetos de lei no Congresso Nacional com o
objetivo de garantir aos pais a possibilidade de cumprir o direito/dever à Educação de
seus filhos de modo ativo, sem a delegação dessa função a uma instituição escolar, seja
estatal ou privada.
A título de exemplo, é possível mencionar, no Congresso Nacional, a tramitação
dos seguintes projetos de lei: PL n. 3.262/2019, PL n. 2.401/2019, PL n. 10.185/2018, PL
n. 3.261/2015 e o PL n. 3.179/2012. Em algumas Assembleias Legislativas estaduais e
Câmaras Municipais também existem propostas, de reconhecimento e regulamentação da
Educação Domiciliar, em discussão19. Movido pela situação de restrição presencial nos
espaços escolares e valendo-se da realização das práticas educacionais nos espaços
domiciliares, representantes do poder Legislativo viram uma oportunidade para
impulsionar os debates e buscar a regulamentação dessa alternativa educacional
constituída pela Educação Domiciliar.
5. Conclusão
A crise gerada pela disseminação mundial da peste chinesa trouxe a possibilidade
de refletirmos sobre a viabilidade da Educação Domiciliar. Em que pese ser um equívoco
afirmar que o que se vê sendo praticado pelas famílias que passaram a ter que mediar,
obrigatoriamente, o processo de aprendizagem que antes se dava quase exclusivamente
entre a escola e o aluno, é inegável que o direito fundamental à Educação permanece
sendo exercido, ainda que fora do espaço escolar. Sendo assim, se o ano letivo em curso
conseguiu sobreviver e, alteradas as estratégias e métodos, o direito à Educação vem, por
uma diversidade de formas, sendo exercido, temos a oportunidade para avaliar, na prática,
quem se adequa à Educação Escolar e quem se adequa à Educação Domiciliar. No
entanto, o que já parece empiricamente comprovado é que o espaço escolar não é o único
apto a garantir o exercício do direito à Educação. A diversidade humana comporta uma
gama extensa de possibilidades de meios para acesso e aquisição do conhecimento. E
19
Algumas dessas propostas são o PL n. 170/2019, do Rio Grande do Sul, o PLC n. 03/2019, de Santa
Catarina, o PL n. 460/2019, do Rio de Janeiro, o PL n. 707/2019, de São Paulo e o PL n. 103/2019, de
Salvador/BA.
assim, quem sabe, a história do direito à Educação pode caminhar para um “viveram
felizes para sempre...”.
6. Referências
RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. História da Educação Escolar no Brasil: notas para uma
reflexão. Paidéia. Ribeirão Preto, n. 4, fev/jul 1993.
RUTKOSKI, Joslai Silva. A pedagogia de Paulo Freire: uma proposta da educação para
os direitos humanos. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 358-373.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3ª ed. Campinas:
Autores Associados, 2010.