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1 Chuvas em Petrópolis seguem o curso de uma tragédia conhecida e anunciada

2 Matheus Pichonelli
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4 A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, onde mais de cem mortes foram confirmadas em razão dos
5 deslizamentos provocados pelas chuvas, segue um roteiro conhecido de outras experiências não muito
6 distantes na memória. Meses atrás, Minas Gerais, Bahia e Grande São Paulo enfrentavam a mesma situação.
7 Há elementos comuns em todos esses casos. Por onde passa, a chuva deixa um rastro de destruição e
8 mortes. Quando as águas baixam, é possível observar os estragos e as ruínas das medidas que deveriam
9 ser tomadas e não foram.
10 Em Petrópolis, onde choveu em três horas o que estava previsto para o mês inteiro, uma bomba relógio estava
11 devidamente identificada desde 2017, quando a prefeitura mapeou 15 mil famílias em áreas de risco. O estudo
12 custou R$ 400 mil aos cofres públicos e identificou 27.704 imóveis localizados em áreas de risco alto ou muito
13 alto, segundo o repórter Ruben Berta, do UOL. O morro da Oficina, epicentro da tragédia desta semana, era
14 o local com mais casas em situação de risco.
15 O roteiro batido de momentos como este inclui um capítulo à parte na qual a natureza é descrita como uma
16 força irrefreável e insensível com quem quer que esteja a caminho.
17 [...]
18 A tragédia mostra que pouco ou nada se aprende com a dor.
19 Há pouco mais de dez anos, a mesma região foi devastada por chuvas intensas que deixaram quase 1 mil
20 mortos. Diferentemente de outros países, onde uma simples sirene ativa a cartilha sobre o que fazer e como
21 agir para se proteger em situações de risco, como um terremoto, não temos ainda uma cultura de prevenção
22 em casos do tipo. Faltam monitoramento, sistemas de alerta, acordos entre poder público, associações de
23 moradores e iniciativa privada para definir como as pessoas podem ficar em segurança, mesmo em abrigos
24 temporários, quando a volta para casa, ou do trabalho, representa risco de morte.
25 Inúmeras promessas foram feitas desde 2011. E, como parte do roteiro batido, descobre-se, ao fim da
26 enxurrada, e em meio aos escombros, que o poder público não investiu metade do previsto para conter o
27 desastre “natural” do futuro.
28 A ausência de obras estruturais e emergenciais é apontada por especialistas como parte do desastre. Obras
29 simples de contenção de encostas e de desobstrução de um canal subterrâneo no município poderiam ter
30 evitado o pior –uma das causas do agravamento foi justamente a obstrução de um canal que leva as águas
31 do rio Quitandinha ao restante da cidade. Esse canal precisa de intervenção há anos e encontrava-se em
32 estado de deterioração.
33 O roteiro da tragédia anunciada tem outras obstruções. Uma delas é política, e impede que gestores públicos
34 se dediquem a projetos que podem não ser entregues em sua gestão. E que, se funcionar, não trarão louros
35 ou visibilidade: ninguém noticia quando os sistemas de prevenção funcionam e todos acordam em segurança
36 normalmente para seguir suas vidas.
37 O estresse climático é outro item que precisa ser lembrado antes, durante e depois de tudo que aconteceu
38 em Petrópolis. Ninguém ignora ou deveria ignorar que o impacto da crise climática na América do Sul inclui
39 um aumento da precipitação média no Sudeste do continente. Isso significa um aumento da ocorrência de
40 chuvas extremas.
41 Em uma nota divulgada à imprensa, o Greenpeace Brasil afirmou que o forte temporal em Petrópolis
42 escancara aquilo que a ciência já vem alertando há tempos: “o agravamento da crise climática torna os
43 eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes e reforça a necessidade urgente de ação do governo
44 para a criação de medidas de adaptação”.
45 Essas medidas de adaptação, segundo a nota, seguem sem ser implementadas de forma efetiva nas políticas
46 públicas do estado. A ONG afirma que o risco decorrente da crise do clima é historicamente negligenciada
47 pelo governo do estado do Rio, que “precisa urgentemente criar medidas de prevenção, adaptação e
48 desenvolver ações estruturais de enfrentamento a este cenário”.
49 A única solução, diz o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, é que os estados brasileiros decretem
50 emergência climática, para “trazer soluções em constante diálogo com a sociedade civil”.
51 Um abaixo-assinado para pressionar governadores a tomarem esse tipo de medida foi lançado pela entidade
52 em suas plataformas.
53 “Precisamos de medidas estruturais que garanta a resiliência destas populações. É urgente decretar
54 emergência climática”, afirma Jesus, na nota.
55 Que o fim do período chuvoso não deixe para depois a contenção da tragédia de amanhã que poderia ter
56 sido contida ontem.
57 Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/chuvas-petropolis-rio-de-janeiro-tragedia-anunciada-131048213.html. Acesso em: 22 jun.
58 2022.

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