Você está na página 1de 4

21 de março de 2006

COP-8 começa com pouca perspectiva de cumprimento de metas

Segundo relatório, países ainda estão longe de cumprir os objetivos determinados


pela convenção

Herton Escobar

Curitiba - A 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica


(COP 8) foi aberta nesta segunda-feira com perspectivas pouco animadoras do
cumprimento de suas metas até 2010. A segunda edição do relatório Panorama
da Biodiversidade Global mostra que os países ainda estão longe de cumprir os
objetivos determinados pela convenção. Entre eles, a proteção dos recursos
naturais, a preservação da biodiversidade, a alocação de recursos para
conservação e a redução de fatores de risco, como a poluição e o crescimento
populacional.

O tom foi dado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em seu discurso
inaugural da conferência, da qual participam 188 países. "Nos últimos anos, não
só não houve sinais relevantes de redução da perda da biodiversidade, como,
também, os indicadores disponíveis revelam um quadro de crescente degradação
da biodiversidade global", disse Marina, pouco antes de ser empossada
presidente da COP pelos próximos dois anos. "Embora muitos países tenham
tomado ações enérgicas nesse sentido, sem as quais o quadro seria ainda pior,
agora, quando faltam apenas quatro anos para o final do prazo acertado, há muito
ainda a fazer."

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi criada em 1992, dentro da


Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a
famosa Rio-92. Ela estabelece como objetivo principal "alcançar até 2010 uma
redução significativa da taxa atual de perda de biodiversidade nos níveis global,
regional e nacional". Para tanto, foi elaborada uma lista de 21 metas, que vão
desde a criação de unidades de conservação até a proteção dos conhecimentos
tradicionais e o aumento dos investimentos em conservação ambiental.

O segundo Panorama de Biodiversidade Global, divulgado ontem, dá uma idéia do


caminho que falta ser percorrido para atingir esses objetivos. "Esforços adicionais
sem precedentes serão necessários para que se obtenha, até 2010, uma redução
significativa da perda de biodiversidade em todos os níveis", diz o relatório.
Segundo o secretário-executivo da convenção, Ahmed Djoghlaf, a velocidade com
que espécies estão sendo extintas hoje é até mil vezes maior do que em qualquer
período já registrado na história do planeta. "Aquelas que não estavam
ameaçadas estão cada vez mais ameaçadas, e aquelas que já estavam
ameaçadas estão cada vez mais próximas da extinção", disse ao Estado o vice-
presidente de Ciência da organização Conservação Internacional (CI), José Maria
Cardoso da Silva.

Uma avaliação de 3 mil espécies terrestres e marinhas indica que 30% delas
estão em processo de declínio populacional. Segundo o relatório, entre 12% e
52% das espécies de grupos bem estudados, como aves e mamíferos, estão
ameaçadas de extinção.

A incerteza do número deve-se, ainda, a um grande vazio de informações


científicas sobre biodiversidade - a maior parte da qual está localizada em países
em desenvolvimento, como o Brasil, que não possuem os recursos ou a infra-
estrutura necessária para pesquisá-la na escala necessária. Conseqüentemente,
muitas espécies podem estar desaparecendo antes mesmo de serem
descobertas.

O relatório indica que a perda de hábitat, uma das principais ameaças à


biodiversidade, continua a crescer de maneira "alarmante". A estimativa é que 30
milhões de hectares de floresta foram destruídos nos últimos cinco anos,
principalmente pela conversão de áreas para a agricultura. No Caribe, a cobertura
média dos recifes de coral foi reduzida de 50% para 10%. E quem vai sofrer as
conseqüências é o homem. Pela avaliação da CDB, dos 24 serviços ambientais
prestados pela biodiversidade, pelo menos 15 estão em declínio. Eles incluem o
fornecimento de água limpa, recursos pesqueiros (alimentação), polinização,
regulação climática e a capacidade da atmosfera de processar e eliminar
poluentes.

A COP é o maior encontro sobre biodiversidade da Organização das Nações


Unidas (ONU). A conferência vai até o dia 31.

O meio ambiente revida

24/10/06 - Nossos sistemas políticos e políticas globais estão em grande parte


despreparados para os reais desafios do mundo atual. O crescimento econômico global e o
crescimento populacional estão aplicando tensões sem precedentes sobre o meio ambiente
físico, e essas tensões, por sua vez, estão provocando desafios sem precedentes para as
nossas sociedades. A maioria dos políticos, porém, não tem conhecimento dessas
tendências. Os governos não estão organizados para enfrentá-las. E crises que são
fundamentalmente ecológicas na sua natureza são gerenciadas por estratégias de guerra e de
diplomacias antiquadas.

Consideremos, por exemplo, a situação em Darfur, no Sudão. Este conflito horrível está
sendo abordado através de ameaças de uso de força militar, sanções e, geralmente, através
da linguagem de guerra e manutenção da paz. A origem inconteste do conflito, porém, é a
extrema pobreza da região, que foi agravada desastrosamente na década de 1980 por uma
seca que essencialmente dura até hoje. Parece que a mudança climática de longo prazo está
causando menos chuvas não só no Sudão, mas também em grande parte da África próxima
do Sul do deserto do Saara - uma região em que a vida depende das chuvas, e onde seca
significa morte.

Darfur ficou presa em uma armadilha induzida pela seca, mas ninguém considerou
apropriado abordar o conflito a partir de uma perspectiva de desenvolvimento de longo
prazo, em oposição à perspectiva de guerra. Darfur necessita mais de uma estratégia de
água que de uma estratégia militar. Seus sete milhões de habitantes não podem sobreviver
sem uma nova abordagem que lhes ofereça uma oportunidade de cultivar as suas lavouras e
dar água aos seus animais. Todas as conversas nas Nações Unidas, porém, giram em torno
de sanções e exércitos, sem nenhum caminho para a paz em vista.

A carência de água está se tornando um importante obstáculo para o desenvolvimento


econômico em muitas partes do mundo. A crise da água em Gaza é uma causa de doenças e
sofrimento entre os palestinos, e é uma importante fonte das tensões subjacentes entre
Palestina e Israel. Mais uma vez, porém, bilhões de dólares estão sendo gastos para atos de
bombardeio e destruição na região, ao passo que virtualmente nada é feito sobre a crescente
crise da água.

A China e a Índia, também, deverão enfrentar crescentes crises de água nos próximos anos,
com conseqüências potencialmente terríveis. A arrancada econômica destes dois gigantes
começou há 40 anos, com a introdução da produção agrícola mais elevada e de um fim aos
períodos de fome extrema. Parte daquele aumento na produção agrícola, porém, resultou de
milhões de poços que foram submersos para explorar o abastecimento de água subterrânea
para irrigação. Agora o nível do lençol freático está caindo a um ritmo perigoso, enquanto a
água subterrânea vem sendo bombeada a uma velocidade muito superior à das chuvas que a
reabastecem.

Além disso, à parte os padrões de precipitação das chuvas, a mudança climática está
alterando o fluxo dos rios, num momento em que as geleiras, que fornecem uma enorme
quantidade de água para irrigação e uso doméstico, vêm recuando rapidamente, devido ao
aquecimento global. A camada de neve nas montanhas está derretendo mais cedo na
estação, de forma que há uma menor quantidade de água dos rios disponível durante as
estações de plantio. Por todos esses motivos, Índia e China estão experimentando graves
crises de água, que deverão se intensificar no futuro.

Os Estados Unidos também enfrentam riscos. Os Estados do meio-oeste e do sudeste estão


passando por uma seca prolongada que pode ser decorrente do aquecimento de longo prazo,
e os Estados agrícolas dependem fortemente de água vinda de um enorme reservatório
subterrâneo que está sendo exaurido pelo excesso de bombeamento.

Assim como as pressões aplicadas ao fornecimento de petróleo e gás elevaram os preços, as


tensões ambientais agora poderão empurrar para cima os preços dos alimentos e da água em
muitas partes do mundo. Considerando-se as ondas de calor, secas e outras tensões
climáticas através dos EUA, Europa, Austrália e outros lugares neste ano, os preços do
trigo agora estão disparando, atingido os seus mais altos níveis em décadas. Portanto, as
pressões ambientais agora estão atingindo a linha de baixo - afetando rendas e meios de
vida ao redor do mundo.
Com crescimento populacional, crescimento econômico e mudança climática,
enfrentaremos a intensificação das secas, furacões e tufões, o poderoso El Nino, carência de
água, ondas de calor, extinção de espécies, e mais. Os temas "amenos" do clima e do meio
ambiente darão lugar aos temas estratégicos e desagradáveis do vigésimo-primeiro século.
Não há, porém, quase nenhum reconhecimento desta verdade básica nos nossos governos
ou nas nossas políticas globais. As pessoas que falam sobre fome e crises ambientais são
vistas como "moralistas" atrapalhados, em contraponto aos "realistas" teimosos, que lidam
com a guerra e a paz. Isso é um absurdo. Os chamados realistas simplesmente não
entendem as origens das tensões e carências que estão causando um crescente número de
crises ao redor do mundo.

Nossos governos deveriam estabelecer ministérios de Desenvolvimento Sustentável,


devotados em tempo integral a gerenciar conexões entre mudança ambiental e bem-estar
humano. Os ministérios da Agricultura por si só não terão condições de fazer frente aos
casos de escassez de água que os agricultores enfrentarão. Ministérios da Saúde não terão
condições de lidar com um aumento nas doenças infecciosas decorrentes do aquecimento
global. Ministros do Meio Ambiente não conseguirão agüentar as pressões sobre oceanos e
florestas, ou as conseqüências do aumento no número de eventos com condições climáticas
extremas, como o Furacão Katrina do ano passado ou o Tufão Saomai deste ano - o pior da
China em muitas décadas. Um novo ministério poderoso deveria ser incumbido de
coordenar as reações à mudança de clima, escassez de água, e outras crises do ecossistema.

No nível global, os governos do mundo deveriam entender por fim que os tratados que
todos assinaram nos anos recentes sobre clima, meio ambiente e biodiversidade são pelo
menos tão importantes para a segurança global quanto todas as zonas de guerra e focos de
crises que ocupam as manchetes, orçamentos e a atenção. Ao se concentrarem nos desafios
subjacentes do desenvolvimento sustentável, nossos governos poderiam por um fim às
crises atuais (como em Darfur) e evitar a ocorrência de muito mais crises no futuro.

Jeffrey D. Sachs
Fonte: Valor Econômico

Você também pode gostar