Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Herton Escobar
O tom foi dado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em seu discurso
inaugural da conferência, da qual participam 188 países. "Nos últimos anos, não
só não houve sinais relevantes de redução da perda da biodiversidade, como,
também, os indicadores disponíveis revelam um quadro de crescente degradação
da biodiversidade global", disse Marina, pouco antes de ser empossada
presidente da COP pelos próximos dois anos. "Embora muitos países tenham
tomado ações enérgicas nesse sentido, sem as quais o quadro seria ainda pior,
agora, quando faltam apenas quatro anos para o final do prazo acertado, há muito
ainda a fazer."
Uma avaliação de 3 mil espécies terrestres e marinhas indica que 30% delas
estão em processo de declínio populacional. Segundo o relatório, entre 12% e
52% das espécies de grupos bem estudados, como aves e mamíferos, estão
ameaçadas de extinção.
Consideremos, por exemplo, a situação em Darfur, no Sudão. Este conflito horrível está
sendo abordado através de ameaças de uso de força militar, sanções e, geralmente, através
da linguagem de guerra e manutenção da paz. A origem inconteste do conflito, porém, é a
extrema pobreza da região, que foi agravada desastrosamente na década de 1980 por uma
seca que essencialmente dura até hoje. Parece que a mudança climática de longo prazo está
causando menos chuvas não só no Sudão, mas também em grande parte da África próxima
do Sul do deserto do Saara - uma região em que a vida depende das chuvas, e onde seca
significa morte.
Darfur ficou presa em uma armadilha induzida pela seca, mas ninguém considerou
apropriado abordar o conflito a partir de uma perspectiva de desenvolvimento de longo
prazo, em oposição à perspectiva de guerra. Darfur necessita mais de uma estratégia de
água que de uma estratégia militar. Seus sete milhões de habitantes não podem sobreviver
sem uma nova abordagem que lhes ofereça uma oportunidade de cultivar as suas lavouras e
dar água aos seus animais. Todas as conversas nas Nações Unidas, porém, giram em torno
de sanções e exércitos, sem nenhum caminho para a paz em vista.
A China e a Índia, também, deverão enfrentar crescentes crises de água nos próximos anos,
com conseqüências potencialmente terríveis. A arrancada econômica destes dois gigantes
começou há 40 anos, com a introdução da produção agrícola mais elevada e de um fim aos
períodos de fome extrema. Parte daquele aumento na produção agrícola, porém, resultou de
milhões de poços que foram submersos para explorar o abastecimento de água subterrânea
para irrigação. Agora o nível do lençol freático está caindo a um ritmo perigoso, enquanto a
água subterrânea vem sendo bombeada a uma velocidade muito superior à das chuvas que a
reabastecem.
Além disso, à parte os padrões de precipitação das chuvas, a mudança climática está
alterando o fluxo dos rios, num momento em que as geleiras, que fornecem uma enorme
quantidade de água para irrigação e uso doméstico, vêm recuando rapidamente, devido ao
aquecimento global. A camada de neve nas montanhas está derretendo mais cedo na
estação, de forma que há uma menor quantidade de água dos rios disponível durante as
estações de plantio. Por todos esses motivos, Índia e China estão experimentando graves
crises de água, que deverão se intensificar no futuro.
No nível global, os governos do mundo deveriam entender por fim que os tratados que
todos assinaram nos anos recentes sobre clima, meio ambiente e biodiversidade são pelo
menos tão importantes para a segurança global quanto todas as zonas de guerra e focos de
crises que ocupam as manchetes, orçamentos e a atenção. Ao se concentrarem nos desafios
subjacentes do desenvolvimento sustentável, nossos governos poderiam por um fim às
crises atuais (como em Darfur) e evitar a ocorrência de muito mais crises no futuro.
Jeffrey D. Sachs
Fonte: Valor Econômico