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COMO EU FIZ

CEO da SurveyMonkey fala sobre criação de


uma cultura de curiosidade
Zander Lurie

4 de janeiro de 2019

Em maio de 2015 viajei para o México para passar um m de semana


prolongado com um grupo de amigos e comemorar o aniversário de um
deles. Passamos a tarde de sexta-feira na beira da piscina jogando um
jogo de tabuleiro. Dave Goldberg, um de meus melhores amigos,
resolveu ir à academia. Sua esposa, Sheryl Sandberg,
cou conosco e tirou um cochilo.

Algum tempo depois cada um foi para o seu quarto tomar banho e
preparar-se para o jantar. Quando nos reencontramos para tomar
alguma coisa, vimos que Sheryl estava procurando por Dave. Ela e Rob,
irmão de Dave, encontraram-no inconsciente na academia.
Quando cheguei ao hospital, quei sabendo que morrera. Foi terrível e
desolador.

Leia também:

Da curiosidade à competência

Cinco dimensões da curiosidade

Dave era o CEO da SurveyMonkey, empresa que estava mudando a


maneira como as pessoas obtinham feedback por meio de pesquisas
virtuais. Eu fazia parte do conselho. Ao retornar para o hotel, depois da
meia-noite, liguei para alguns executivos da empresa e dei-lhes a
chocante notícia. No sábado de manhã, bem cedo, escrevi um e-mail para
todos os 550 funcionários. O assunto da mensagem era “Nosso Amigo
Dave Goldberg”. Disse a todos que Dave morrera e avisei que teríamos
mais informações na segunda-feira. O conselho se reuniu com os
gestores seniores no domingo de manhã na sede da empresa. No dia
seguinte realizamos uma reunião com todos na empresa. O conselho e a
equipe executiva falaram da morte de Dave e dos planos imediatos para
a SurveyMonkey. Fomos honestos em relação às di culdades que
estávamos enfrentando em virtude da perda de Dave. Presentes na
reunião estavam consultores especializados em lidar com o luto.
A rmamos que quem não quisesse trabalhar podia ir para casa.

Não existe um manual do que deve ser feito quando seu CEO — uma
pessoa querida que fora o responsável pela contratação de muitas das
pessoas reunidas naquela sala — morre repentinamente aos 47 anos.
Todos estavam em estado de choque e se sentindo extremamente
vulneráveis. Ainda assim, tínhamos de manter a empresa em
funcionamento. Foi preciso que todos nós dividíssemos um pouco nosso
cérebro. Após a morte de Dave, uma das muitas coisas perspicazes
escritas por Sheryl foi: “A capacidade de compartimentalização é algo
saudável”.

Eu era membro do conselho da empresa e trabalhava em tempo integral


em Los Angeles como vice-presidente sênior da GoPro, empresa de
câmeras de ação, onde comandava o departamento de entretenimento.
O conselho da SurveyMonkey perguntou se eu estaria disposto a passar
a ser diretor executivo interino, e com dois objetivos principais em mente:
liderar as buscas pelo sucessor de Dave e ajudar a empresa a colocar em
prática o plano que Dave havia mapeado. Pedi permissão ao CEO da
GoPro para dividir meu tempo entre a GoPro e a SurveyMonkey durante
o verão, e ele gentilmente concordou. Disse a todos que não era
candidato a me tornar CEO da SurveyMonkey, e mantive minha palavra.
Em julho, após uma extensa procura, contratamos o sucessor de Dave.
Contudo, em poucos meses estava claro que a nova estratégia do CEO
não estava alinhada com a do conselho. Ele reconheceu que não era a
pessoa adequada para a função e voluntariamente renunciou ao cargo. O
conselho me pediu que considerasse a possibilidade de assumir seu
lugar. Dessa vez eu tinha de pensar um pouco, não era uma situação
fácil. A equipe na GoPro havia ido muito afável comigo após a morte de
Dave, e havia lealdade da minha parte para com eles. Eu contratara
muitos dos funcionários da GoPro, e liderá-los me empolgava. Mas a
SurveyMonkey mostrara enorme resiliência, e manter o sucesso da
empresa era muito importante para mim porque fazia parte do legado de
Dave. Nos meses subsequentes à sua morte, funcionários passaram a
usar camisetas com o slogan #MakeDaveProud. Isso resumia meu
sentimento. Tornei-me CEO da SurveyMonkey em janeiro de 2016.

DE VOLTA À OFENSIVA
Eu ouvi falar da SurveyMonkey pela primeira vez em 2008. Dave, que eu
conhecia havia uma década, deixara seu
emprego na Yahoo e estava em tratativas com um pessoal responsável
por um fundo de capital privado. O objetivo de
Dave era encontrar uma empresa para gerenciar e na qual investir. O
pessoal do fundo sugeriu a SurveyMonkey, empresa com dez anos de
atividade baseada em Portland, ainda comandada por seu fundador, e
com pouco menos de dez funcionários. Dave investiu na empresa,
tornou-se CEO e a transferiu de Portland para o Vale do Silício. Ele me
pediu que zesse parte do conselho, então tive a chance de vê-lo, de uma
posição privilegiada, aumentar a receita da empresa, de US$ 25 milhões
para US$ 189 milhões.

Como eu já fazia parte do conselho da empresa havia muito tempo, ao


me tornar CEO não tive o típico período de lua de mel. A empresa trilhara
um ótimo caminho, mas após a morte de Dave não se tinha certeza de
que isso continuaria. Muitas pessoas acham que a função do CEO é
primordialmente se concentrar na estratégia, mas durante meses passei
muito tempo ajudando os funcionários a lidar com seus sentimentos de
luto, medo e ansiedade; e pensei muito acerca de como preservar o
cerne do que havia tornado a liderança de Dave especial, ao passo que
estabelecia meu próprio estilo de liderança.

A expectativa era que eu começasse imediatamente a tomar atitudes a


respeito da estratégia de negócios. Disse às pessoas que, em minha
opinião, parecia que a empresa estava, desde a morte de Dave, atuando
na defensiva. E, embora isso fosse compreensível, precisávamos voltar à
ofensiva para nos manter competitivos. Muito rapidamente decidimos
mudar nossa estratégia com uma linha de negócio que vinha causando
muita confusão e sofrendo perdas signi cativas. Demitimos 100 pessoas
— mais de 10% de nossa força de trabalho. Foi difícil, mas isso colocou a
empresa novamente em terra rme.
DEFINA A CULTURA DA EMPRESA
Essa atitude, ainda que correta para a empresa, foi outra grande
mudança para a equipe. Continuei a tirar uma parte do meu dia para
oferecer apoio emocional aos empregados e manter a transparência em
relação a nossa estratégia. Nossos funcionários são talentosos e
possuem muitas opções, então no início de 2016 era importante mostrar
a eles que fazia sentido para sua carreira e crescimento pro ssional
trabalhar na SurveyMonkey.

Precisávamos achar uma maneira de virar a página. Começamos por


de nir a cultura da empresa: quem somos e como nos mostramos uns
para os outros. De maneira previsível, por sermos uma empresa de
tecnologia que facilita a realização de pesquisas, enviamos um
questionário para saber o que nossos funcionários pensavam. O
resultado foi uma lista de cinco valores pro ssionais: assumir
responsabilidade; con ar na equipe; priorizar a saúde; escutar os
clientes; louvar a jornada. São coisas ambiciosas, mas era importante que
estivessem alinhadas com o modo como as pessoas da SurveyMonkey
realmente atuavam juntas. Tinham de ser mais do que slogans pintados
na parede.

Com o alinhamento de nossos valores, a equipe estava começando a


voltar à ativa. Aumentamos o número de contratações; atualizamos o
road map (roteiro de ações, em tradução livre) de nossos produtos.
Conforme buscávamos apresentar novas soluções para o mercado e a
nos reapresentarmos como empresa, decidimos perguntar a
nossos clientes o que eles mais valorizavam a respeito de nossas ofertas,
e a nossos funcionários o que os empolgava ao ir para o trabalho
diariamente.

Nessas conversas, uma palavra veio à tona repetidamente: “curiosidade”.


Toda pesquisa realizada por nossos clientes é motivada por sua
curiosidade em saber o que os outros pensam. Toda inovação de
produto que zemos teve origem nas perguntas feitas por funcionários
ou em um novo olhar para algo especí co. Reconhecer que a curiosidade
está no cerne de tudo que fazemos tornou-se nosso novo grito de
guerra. Atualmente, a missão da SurveyMonkey é “empoderar indivíduos
e organizações curiosos para que possam mensurar, fazer benchmark e
agir com base nas opiniões que propulsionam o sucesso”.

A essa altura, com os valores dos funcionários estabelecidos e uma nova


missão para a empresa, nós não nos acomodamos. Em vez disso, fomos
mais fundo. As pesquisas com nossos clientes e nossos funcionários
revelaram que o que de ne a curiosidade — fazer boas perguntas, ouvir
atentamente, mostrar-se aberto às ideias, valorizar novas experiências,
desa ar o statu quo e ter consciência de que ninguém tem todas as
respostas — prevalência entre os melhores consumidores e empregados
da SurveyMonkey. Começamos a pensar como poderíamos aumentar o
nível de curiosidade dentro de nossa cultura para atender melhor nossos
clientes. Aprimorar essa qualidade não ocorre organicamente — é
preciso abordá-la de maneira deliberada.

INCENTIVE A CURIOSIDADE
Mudamos para uma nova sede em dezembro de 2016, o que nos
proporcionou uma chance de apostar tudo para
aumentar a curiosidade. Projetamos nossa nova sede, desde as cadeiras
até os nomes das salas de reunião, quase
inteiramente com base nas pesquisas realizadas com nossos
funcionários. Nosso objetivo era fazer com que o novo espaço fosse
aberto e colaborativo para que despertasse a criatividade e a inovação.

Começamos a encorajar e recompensar a curiosidade por toda a


organização. Uma maneira é criar os fóruns certos para que as pessoas
possam fazer boas perguntas. Por exemplo, realizamos audiências
públicas em que celebramos a “pergunta da semana”, tirada dos
questionários de nossos empregados. Temos um programa de
reconhecimento de colegas para premiar pessoas que ousam ser
particularmente sinceras. Em nosso slack vêem-se comentários elogiosos
com a notação #ótimapergunta. Na SurveyMonkey esse é um dos
maiores elogios que podem ser feitos a alguém.

Para fomentar uma cultura em que perguntas são bem recebidas, eu


preciso mostrar que estou aberto para fazê-las e para respondê-las. Faço
isso por meio de reuniões skip-level regulares, realizadas com os
funcionários que estão um nível abaixo de meus subordinados, em que
toda conversa é aberta e nada é proibido. Mensalmente demonstro
minha curiosidade para toda a equipe por meio da Goldie Speaker Series
(batizada em homenagem a Dave Goldberg). Trago líderes de diferentes
setores e origens para aprender com seu sucesso — de Serena Williams,
discorrendo sobre o que é preciso para ser vencedor, a Andrew Wilson,
da Electronic Arts, explicando como construir uma cultura centrada no
consumidor. Durante esses eventos eu recebo mentoria em tempo real
de pessoas que admiro, ao mesmo tempo que mostro à nossa equipe
por que perguntas são valiosas.

Como muitas empresas de tecnologia, patrocinamos hackathons onde


nossos engenheiros, gerentes de produto e designers cam acordados
até bem tarde, tomam muito Red Bull e rapidamente buscam novas
ideias em um ambiente competitivo em que tudo é permitido.
Recentemente, um desses hackathons e a curiosidade da equipe levaram
a uma descoberta importante em relação a nosso produto. Nosso
software faz com que seja fácil para qualquer pessoa realizar pesquisas,
mas elas podem ser aprimoradas com a ajuda de pessoas que possuam
grande expertise a respeito da metodologia. Por exemplo, se as primeiras
três perguntas em seu questionário exigem respostas dissertativas (em
oposição a perguntas de múltipla escolha), ou se a pesquisa conta com
75 questões, muitas pessoas não
vão completá-lo porque
aparentemente isso exige muito
trabalho. No hackathon,
uma equipe criou um
componente chamado
SurveyMonkey Genius, que ajuda
as pessoas a evitar esses erros.
Ele usa inteligência arti cial para
avaliar as pesquisas que as
pessoas estão criando e oferece
orientação especializada para
alterar o formato e a estrutura e
assim conseguir melhores
resultados.

Acredito que a diversidade de


pessoas leva a excelentes ideias e
à curiosidade. Nossa diretoria
conta com cinco mulheres e
cinco homens. Cinco dos 11
membros de nossa equipe
executiva sênior são mulheres.
Mulheres constituem metade da empresa, incluindo nosso CTO e muitos
de nossos engenheiros.

Algumas vezes, perguntar às pessoas o que é importante para elas — o


cerne da curiosidade — conduz a respostas inesperadas. Recentemente
vimos um exemplo disso. Nossa empresa gasta milhões de dólares
anualmente em benefícios; para assegurar que os gastos estão alinhados
com o que os funcionários realmente valorizam, pesquisamos os
benefícios que são mais importantes para eles. Em uma das pesquisas,
um tema interessante veio à tona. Como muitas organizações, contamos
com empresas e pessoas que nos prestam e nos fornecem serviços —
incluindo as pessoas que limpam nossos escritórios e as que preparam a
maravilhosa comida em nosso refeitório. Nós as vemos todos os dias,
mas elas não são, de fato, funcionários da SurveyMonkey. Alguns de
nossos empregados demonstraram preocupação com o fato de elas não
possuírem benefícios comparáveis aos nossos. Começamos a trabalhar
com as empresas que as empregam para fazer com que o pacote de
benefícios delas fosse mais comparável. Não teríamos pensado em
abordar essa questão se não fosse a curiosidade e a preocupação de
nossos funcionários.

UMA EMPRESA DE CAPITAL ABERTO


Outro assunto que aguçava a curiosidade de nosso pessoal era se nos
tornaríamos uma empresa de capital aberto. A equipe administrativa e eu
havíamos discutido isso. Achamos que apresentar todo nosso portfólio
de produtos a um público mais amplo e fomentar mais crescimento daria
destaque à nossa marca. Em setembro de 2018, quase 20 anos depois
de sua fundação, a SurveyMonkey passou a ser uma empresa de capital
aberto. Para cada uma das pessoas envolvidas, o processo serviu para
lembrar e enfatizar o poder da curiosidade. Escrevemos um relatório
de 250 páginas para explicar tudo o que era preciso saber sobre a
empresa e tentamos responder qualquer dúvida que algum investidor
pudesse vir a ter.

Quando se está em busca de uma IPO (do inglês oferta pública inicial),
elabora-se um road show para contar a própria história, o que é feito
aproximadamente 70 vezes no período de duas semanas. Com toda essa
repetição, acaba-se cando muito bom nessas apresentações — mas a
verdadeira mágica ocorre depois, quando pessoas inteligentes fazem
perguntas. Para mim, o road show era uma oportunidade de tomar
conhecimento das esperanças e preocupações de possíveis investidores
em relação à nossa empresa. Que riscos eles viam que nós não víamos?
Sobre que oportunidades estavam curiosos? Como ex-banqueiro, sei que
as empresas desempenham um importante papel para determinar o tipo
de investidor que será dono de suas ações. Como a rmou George
Serafeim, professor na Harvard Business School, “você consegue os
investidores que merece”.

Tenho três lhos pequenos. Pais novatos aprendem muito a respeito do


poder da curiosidade. Os seres humanos,
quando crianças, estão provavelmente em seu maior grau de curiosidade
porque estão sedentos de aprendizado e não têm as inibições e pressões
sociais que se acumulam com o passar do tempo. Recentemente nosso
diretor de pesquisas proferiu uma palestra no TED sobre esse
superpoder humano: a curiosidade. Ela exige tempo e espaço e é
facilmente colocada na última posição da lista de prioridades quando a
vida passa a ser muito corrida. Mas acreditamos que a curiosidade ajuda
os funcionários a se envolver de maneira mais profunda com seu
trabalho, a criar ideias e a compartilhá-las com os demais.

Os líderes precisam encontrar maneiras de auxiliar empregados a


abraçar a curiosidade. Queremos pessoas que façam grandes perguntas
— e louvá-las quando fazem isso. Queremos que criem experimentos
que ainda não foram realizados. Se o pessoal não está falhando, então
perguntas  su cientemente difíceis não estão sendo feitas ou não se está
assumindo riscos grandes de fato. A curiosidade pode ser como um
músculo: sua força vai esvair-se se não for usado com a necessária
frequência. Quando a curiosidade diminui, as pessoas caem na rotina ou
tornam-se complacentes, expondo a empresa à disrupção. Para evitarem
isso, os gestores devem enfatizar continuamente a importância da
curiosidade — e recompensar seus funcionários por desenvolvê-la.
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