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INOVAÇÃO

Quando seus moonshots não decolam


Nathan Furr, Je rey H. Dyer e Kyle Nel

4 de janeiro de 2019

Recentemente, o chefe de inovação de um grande conglomerado


industrial formou dez equipes multifuncionais e atribuiu-lhes
uma audaciosa tarefa: reimaginar completamente seus negócios. Para
encorajar novas ideias e abordagens, a empresa pediu que as equipes
aplicassem uma lente de design-thinking para a pesquisa do cliente e
criassem protótipos de soluções utilizando técnicas de startup enxuta
(lean startup, em inglês). O líder de inovação
esperava receber dez propostas transformadoras. Mas, na verdade, o
que ele recebeu foram sugestões e propostas para adicionar um uxo de
dados conectado a uma ferramenta industrial. Ele cou perplexo. Onde
estavam os novos conceitos radicais? Ninguém sequer tinha pensado em
criar uma plataforma digital, inverter o modelo de negócios ou reinventar
produtos.
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A tendência de seguir o pensamento incremental atormenta empresas


de todos os tipos — apesar de nosso arsenal de ferramentas de inovação
ser cada vez mais so sticado. E embora as inovações incrementais
realmente tenham lugar num portfólio de crescimento, a longo prazo elas
não sustentam o negócio. Como as empresas podem criar algo maior e
mais signi cativo? O que está inibindo a criatividade? Por que todas as
empresas não podem chegar ao que a Google chama de “pensamento
10x”?

É tentador culpar a tecnologia, concorrência ou regulamentação, mas


essas barreiras são muito mais permeáveis que imaginamos. A nal, as
pessoas pensavam que seria impossível pousar na Lua, que obter uma
fotogra a instantânea era impraticável e que pensar em foguetes
espaciais reutilizáveis era simplesmente absurdo. Então John F. Kennedy
inspirou uma nação, Edwin Land introduziu a câmera Polaroid e Elon
Musk lançou a SpaceX.

Os limites reais do pensamento 10x são os vieses que distorcem nossas


percepções e nos impedem de ver possibilidades. A ciência cognitiva
começou a destrinchar esses vieses e as formas como somos
“previsivelmente irracionais” e, em várias áreas, como economia,
marketing e estratégia, uma abordagem comportamental quebrou o
paradigma dominante. Mas a revolução comportamental não se
manifestou no campo da inovação, onde ainda temos de adotar
sistematicamente as perspectivas e ferramentas que nos ajudam a dar
grandes saltos.

Ao considerar novos caminhos a seguir, a maioria das pessoas é vítima de


armadilhas cognitivas que reforçam o que os pesquisadores chamam de
busca local, como viés de disponibilidade, a tendência de substituir dados
disponíveis
por dados representativos; viés de familiaridade, a tendência de
supervalorizar coisas que já sabemos; e viés de con rmação, a tendência
de pensar que novas informações testam nossas crenças. Como
resultado, vemos somente as oportunidades relacionadas ao statu quo, e
não as oportunidades mais valiosas que estão fora de nosso campo de
visão. A nalidade do artigo é compartilhar algumas abordagens que
estão ajudando as empresas a evitar essas armadilhas. Elas são
diferentes das estruturas populares como startup enxuta e
desenvolvimento ágil, que — embora valiosas — não foram concebidas
para combater vieses que impedem avanços signi cativos. Na verdade,
em recente experimento de campo na Harvard Business School, os
pesquisadores descobriram que as metodologias ágeis, na verdade,
reduziram o pensamento divergente. Pergunte a você mesmo: as
observações do cliente, os testes A/B ou sprints levaram de fato ao
próximo transistor, ao iPhone ou à SpaceX? Provavelmente não.

Todas as táticas e ferramentas que descreveremos questionam nosso


instinto poderoso de evitar riscos e escolher o caminho mais fácil. Ou as
usamos para fazer com que as organizações enxerguem as
oportunidades maiores ou cruzamos com elas em nossa pesquisa sobre
inovadores radicais. Obviamente nossa lista não é completa. Ela
representa somente alguns caminhos que organizações criativas estão
utilizando na tentativa de alcançar a mentalidade 10x. A ideia aqui é
simplesmente mostrar como as empresas podem vencer as forças que
limitam suas possibilidades.

Ficção cientí ca

Certa vez, a falecida romancista Ursula Le Guin disse que escrevia livros


de cção cientí ca para libertar sua mente — e a dos leitores — “do
hábito preguiçoso, medroso, de pensar que a forma como vivemos hoje é
a única que podemos viver”. A cção cientí ca ajuda a nos envolver numa
viagem no tempo mental e nos permite sonhar com o que pode ser
possível. Alguns avanços capazes de mudar a vida das pessoas foram
concebidos ou inspirados na cção cientí ca: telefones celulares (que se
basearam nos comunicadores dos agentes em Guerra nas estrelas);
cartões de crédito (um atributo de uma sociedade futurista no romance
do século 19 de Edward Ballamy); robôs (concebidos em uma das peças
de Karel Čapek, do início do século 20); carros autônomos (antevistos por
Isaac Azimov); fones de ouvido (invenção ccional de Ray Bradbury); e a
energia atômica (imaginada por H. G. Wells em 1941).

Em nosso trabalho de consultoria, observamos que a cção cientí ca


ajudou muitas empresas consolidadas a visualizar um novo futuro para
seus negócios. De fato, na Lowe’s (empresa do ramo de material de
construção), onde Kyle foi diretor de inovação, essa abordagem
conseguiu fazer os membros da equipe executiva entender que
poderiam revolucionar as lojas de varejo com a realidade aumentada,
robótica e outras tecnologias.

E isso foi em 2012, antes mesmo da existência do Oculus Rift (óculos de


realidade virtual) ou do jogo Pokémon GO. O processo consistia
simplesmente em apresentar os clientes e os dados de tecnologia a um
painel de escritores de cção cientí ca e pedir que imaginassem como a
Lowe’s seria em cinco ou dez anos. Depois reunimos suas ideias,
observamos onde as perspectivas convergiam e divergiam e integramos e
re namos as histórias. Por m, compartilhamos nossa “ cção
especulativa” com os executivos da Lowe’s na forma de história em
quadrinhos.

Como resultado desse projeto, a Lowe’s tornou-se a primeira loja de


varejo a utilizar robôs completamente autônomos no serviço de
atendimento ao cliente e estoque, a criar alguns dos primeiros serviços
de impressão 3-D e a usar uma impressora 3-D para fazer ferramentas
na Estação Espacial Internacional. Ela criou também exoesqueletos
robóticos para funcionários que descarregavam caminhões e
transportavam mercadorias para os locais de armazenamento, além do
primeiro celular de realidade aumentada para planejar o trabalho de 
remodelamento. A Lowe’s não só conseguiu sucesso nanceiro (as
capacidades de imagens 3-D impulsionaram suas vendas online em até
50%) como também gurou como a número um em inovação de varejo
no ranking das Empresas Mais Apreciadas da Fortune e a número um em
realidade aumentada na lista das Empresas Mais Inovadoras da Fast
Company.

Embora a tecnologia tenha forte presença no exemplo da Lowe’s, a


inovação não é uma questão apenas de tecnologia. Utilizamos o mesmo
processo mesmo quando não havia nenhuma tecnologia envolvida — por
exemplo, para ajudar a Pepsi a pensar em como criar produtos saudáveis
e a Funko a vislumbrar como crescer além dos negócios de colecionáveis.

Analogias

Certa noite, enquanto Werner Heisenberg, vencedor do Prêmio Nobel de


Física caminhava por um parque em Copenhague, um insight
fundamental sobre a natureza da energia lhe veio à mente. O caminho
que ele percorria estava muito escuro, exceto nos ocasionais círculos da
luz projetada pelas lâmpadas de iluminação pública. À sua frente
apareceu um homem numa poça de luz sob uma lâmpada e depois
desapareceu no meio da noite até reemergir no poste seguinte. De
repente ocorreu a Heisenberg: se um homem, com tanta massa, parece
desaparecer e reaparecer, um elétron, praticamente sem massa, também
não poderia “desaparecer” até que interagisse com alguma coisa? De
acordo com o autor e físico Carlo Rovelli, Heisenberg teve aquele insight
sobre a interação entre pacotes de energia — que mais tarde se tornaria
o famoso “princípio da incerteza” de Heisenberg — porque fez uma
analogia entre o homem que caminhava sob os postes de luz e um
elétron.

As analogias levaram a muitos avanços também nos negócios (como


Giovanni Gavetti e Jan Rivkin observaram em seu artigo para a HBR How
strategists really think: tapping the power of analogy, de 2005). Charlie
Merrill revolucionou o setor de corretoras de imóveis usando a analogia
de um supermercado, local onde os compradores fazem suas escolhas
entre uma in nidade de produtos e marcas. A Circuit City, que introduziu
a abordagem de superlojas de produtos eletrônicos na década de 1970,
transformou a indústria automotiva aplicando lógica similar (ampla
seleção, preços xos baixos, sem pechincha) na venda de carros usados,
criando a CarMax. Embora a Circuit City tenha ido à falência depois da
mudança para lojas online, a CarMax é hoje a maior revendedora de
carros usados do mundo.

Analogias de diferentes áreas, às vezes, podem nos ajudar a dar grandes


saltos. O rápido crescimento da Uber e da Airbnb, por exemplo,
certamente foi um prenúncio da emergência de negócios similares de
“economia compartilhada”, desde veículos para recreação (RVshare.com),
armazenamento (Neighbor), até entregas de supermercado (Instacart).
Outra forma de reavivar ideias é usar uma analogia sobre como não fazer
alguma coisa: o que a Google nunca faria? E é possível aprender com os
fracassos: que abordagem utilizou uma empresa que não foi bem-
sucedida?

Primeiros princípios da lógica

A Regeneron Pharmaceuticals é mundialmente conhecida por


desenvolver novos tratamentos por uma fração do  custo dos
concorrentes. No centro de seu processo de renovação está a
abordagem “primeiros princípios”, que questiona o statu quo
reexaminando os princípios fundamentais de alguma coisa e depois o
replaneja do zero. “Questionamos tudo — cada conceito, cada princípio
cientí co — e discutimos os argumentos entre nós”, observa  George
Yancopoulos, presidente e diretor cientí co da Regeneron. A empresa
questionou, por exemplo, o paradigma dominante para testar novos
tratamentos — aplicando-os primeiro em camundongos e depois em
seres humanos, o que muitas vezes leva a altas taxas de fracasso porque
camundongos e seres humanos são muito diferentes. Yancopoulos e sua
equipe procuraram reinventar o processo desenvolvendo um
camundongo com genes humanos implantados para simular de forma
mais adequada as reações humanas. O camundongo modi cado
permitiu que a Regeneron desenvolvesse novas drogas por menos de
20% do custo médio de desenvolvimento de novas terapias, que é de
US$ 4,5 bilhões.

Os foguetes reaproveitáveis da SpaceX surgiram de uma abordagem


similar de primeiros princípios. Seu fundador,
Elon Musk, queria comprar os foguetes descartados pelos russos, mas foi
rechaçado. Como conta Ashlee Vance em Elon Musk: Tesla, SpaceX, and
the quest for a fantastic future, Musk analisava furiosamente números
numa planilha num voo de volta da Rússia quando se virou para Mike
Gri n, futuro administrador da Nasa, e Jim Cantrell, executivo fundador
da SpaceX, e disse: “Acho que nós mesmos podemos fazer esses
foguetes”. Cantrell pensou: “Você e o exército de quem?”. Mas depois de
ler sobre os fundamentos da propulsão, aerodinâmica, termodinâmica e
turbinas de combustível, Musk reduziu os foguetes aos princípios básicos
em sua planilha. Com essa análise, sua equipe conseguiu desenvolver
foguetes reutilizáveis a preços acessíveis usando componentes em escala
comercial, em vez de escala espacial em arquitetura menor. Hoje a
SpaceX já realizou mais de 60 voos e 29 pousos, todos bem-sucedidos, e
economizou para a Nasa, seu principal cliente, centenas de milhões de
dólares. “Em geral, as pessoas resolvem problemas copiando o que os
outros fazem com ligeiras modi cações”, disse Musk. “Eu trabalho com
a abordagem da física na análise de primeiros princípios, na qual você
esmiúça as coisas até seus princípios fundamentais em determinada área
e depois começa a raciocinar a partir daí.”

Explore adjacências usando a exaptação


À medida que você procura avançar, o conjunto de oportunidades
disponíveis é sempre determinado pelos elementos com os quais
começa — conceito que o biólogo Stuart Kau man descreveu em sua
teoria do “adjacente possível”. Mas há uma tendência de vermos somente
a utilização ou recombinações desses componentes que são óbvias. A
questão é descobrir usos completamente diferentes. Na biologia
evolucionária, isso ocorre num processo chamado exaptação — no qual
uma característica que evoluiu com um objetivo está completamente
adaptada lateralmente para ser usada de outra forma. As penas, por
exemplo, cuja função inicial deve ter sido fornecer calor ou atrair
parceiros, tornou-se decisiva para o voo. Analogamente, os complexos
ossos da mandíbula de peixes primitivos evoluíram à medida que essas
criaturas começaram a habitar regiões terrestres, desenvolvendo
ouvidos. Se a exaptação funciona no mundo biológico sem nenhuma
ingerência humana, então num mundo de escolhas
e imaginação suas possibilidades são in nitas.

Como os supostos inovadores se bene ciam do poder da exaptação?


Eles podem começar perguntando por que utilizamos determinada coisa
com uma nalidade e não com outra. Por exemplo, depois que Van
Phillips perdeu a perna num acidente de esqui aquático, ele estudou
engenharia biomédica para aprender como projetar próteses. Ele se
surpreendeu ao descobrir que o projeto das próteses tinha mudado
pouco desde a Segunda Guerra. Quando ele se aprofundou para
entender por quê, descobriu que os projetistas focavam na estética —
fazendo as próteses se parecerem com um pé. Mas Phillips perguntou a
si mesmo por que precisava parecer com um pé. E se ele funcionasse
como um pé? Explorando ideias do salto com vara, trampolins e pés de
chitas, ele criou o Flex-Foot, uma prótese que não se parece nada com
um pé, mas oferece a quem a usa muito mais liberdade de movimentos.
(A maioria dos atletas paraolímpicos usam versões dessa prótese.)
Reexaminando a nalidade dos membros arti ciais, Phillips revolucionou
o campo da prótese.

Je Bezos aplica um tipo similar de pensamento na Amazon. Ele encoraja


as equipes a olhar de forma mais ampla para os novos usos das
capacidades de que já dispõe ou novas formas de resolver os problemas
dos clientes. “Se você está falando de como decide a adjacência para a
qual mudar, fazemos isso de duas maneiras”, Bezos comenta. “Fazemos
isso para atender às necessidades dos clientes ou fazemos isso para
desenvolver habilidades para o futuro”. A Amazon Web Services (AWS),
um dos negócios mais lucrativos da empresa, surgiu do método de
pensar em habilidades para o futuro. “Com a AWS tivemos de recrutar
um novo conjunto de clientes, mas tínhamos uma habilidade
extraordinária dentro da empresa sobre computação distribuída”, a rma
Bezos. O Kindle foi o produto
de outro método. “Com o Kindle não tínhamos experiência em hardware,
por isso não tínhamos as habilidades”, ele observa. “Mas tínhamos uma
necessidade do cliente.”

O objetivo dessas quatro abordagens de inovação é reformar


radicalmente nosso pensamento e nos ajudar a vencer nossa inclinação
natural de nos prender ao que conhecemos — evitar nossos vieses
cognitivos. Certamente há outras técnicas. A Amazon, por exemplo, pede
aos funcionários que redijam comunicados apresentando um novo
produto imaginário ao mercado. Isso os encoraja a antever os novos
produtos que poderiam surgir em alguns anos. Essa tática pode até
ajudar a carreira. No mês de janeiro, você escreve cartões de Natal
descrevendo o que realizou em dezembro.

Quaisquer que sejam as estruturas ou abordagens que você utilizar, a


meta é focar no que poderia ser. Com muita frequência supostos
inovadores se atolam nos detalhes do que realmente existe e baixam o
tom de suas ideias para fazê-las parecer mais palatáveis. Mas, para
atingirmos o pensamento 10x, temos de nos libertar do incrementalismo
e enfrentar o medo do fracasso. Você precisa sonhar grande.

Não a rmamos ter identi cado todas as formas de gerar insights 10x.
Mas acreditamos que as empresas precisam de novas abordagens para
chegar a essas descobertas mais efetivamente, e várias foram descritas
aqui. Também acreditamos que está na hora de uma boa revolução
comportamental no campo da inovação. Se levarmos a sério as ciências
cognitivas, poderemos melhorar nossa capacidade de romper as amarras
que limitam nossa visão. Por que isso é tão importante? Porque não há
futuro objetivo ao qual chegaremos um dia. Só existe o futuro que
criamos.

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