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Ideia
João Pessoa
2015
FICHA TÉCNICA
SUMÁRIO
Apresentação..........................................................................................................06
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Essa Terra É Minha
APRESENTAÇÃO
6
Essa Terra É Minha
Capa
Sumário
eLivre
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Essa Terra É Minha
Introdução
Fulni-Ô
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Essa Terra É Minha
dem. Consta que há uma planta baixa deste território com todos os lotes,
mas, os marcos que os delimitam estão sendo constantemente deslocados,
o que causa conflitos internos e externos segundo as informações do Diário
de Pernambuco de 27/10/1980.
Cada lote foi doado à uma família Fulni-ô da época que, desde então o
repassa para seus herdeiros de acordo com as regras de parentesco e dos
clãs desses índios. São os mutuários do território que usam o pronome pos-
sessivo no singular para expressar a MINHA posse da terra. É difícil esclare-
cer os critérios de herança dos Fulni-ô porque eles consideram a divisão do
grupo em clãs como parte de um conjunto de segredos (PINTO, E., 1956 e
FOTI, V., 1991), o que inclui essas regras. Percebe-se então que o comparti-
lhamento desses segredos é um dos componentes essenciais da identidade
étnica Fulni-ô.
Segundo o referido cacique, metade desta terra é quase impossível de
ser aproveitada por ser distante e se localizar nas escarpas íngremes da Serra
do Comunati que rodeia a aldeia Fulni-ô. Da terra agricultável, cerca de 40%
Capa é arrendada aos que eles se referem como “brancos pobres” o que implica
que estes arrendatários não-índios têm permissão para ocupar a terra desses
Sumário
índios (!). A conseqüência dessa situação é que hoje boa parte da população
eLivre economicamente ativa dos Fulni-ô não tem mais terra para cultivar e, por isso,
os que podem trabalham em terras de parentes que têm terras disponíveis.
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Essa Terra É Minha
Vale informar que a maior parte da população Fulni-ô tem grandes difi-
culdades de subsistência básica, em parte por “falta” de terras para cultivar,
em parte por falta de meios financeiros para investir em seus roçados, ou ain-
da, por carência de recursos para desenvolver o artesanato, que é uma outra
fonte de renda para esses índios. De modo geral, esses índios têm acesso a
escolas de ensino fundamental da cidade de Águas Belas, no entanto, pou-
cos têm empregos formais, com exceção dos que são funcionários da FUNAI.
Esses seriam os índios que têm uma situação financeira privilegiada porque
têm carros e até contratam pessoas da população não-índia da cidade para
serem seus empregados.
A estrutura econômica desta aldeia gera uma grande diversificação da
capacidade de consumo desta população. Ou seja, enquanto muitos resi-
dem em casebres precários de alvenaria, com pouca coisa além das pare-
des, outros (poucos) têm carros, eletrodomésticos, móveis e outros artigos
considerados como de luxo, como antenas parabólicas, TV à cabo, etc. A
desigualdade econômica interna é um elemento ameaçador para a unidade
Capa grupal desses índios, ou seja, há uma disseminação de necessidades de con-
sumo supérfluo ao lado das suas precárias condições financeiras.
Sumário
Ao lado disso tudo o universo cultural dos Fulni-ô é muito rico e é moti-
eLivre vo de apresentações em festas e eventos freqüentes. O cacique João Pontes
afirmou que eles conservam quase intacto o seu sistema de parentesco, com
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Essa Terra É Minha
Potiguara
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Essa Terra É Minha
para ser invocada pelos índios para preservar seu Chão, que é a essência da
sua indianidade.
No decorrer de sua história os Potiguara foram perdendo diversos ele-
mentos importantes da sua cultura tradicional. Através de constantes mis-
cigenações quase não portam o seu principal traço adscritivo – o fenótipo
da pele escura e cabelos lisos, além dos olhos amendoados. Também não
têm mais o tupi – seu idioma – nem o sistema de parentesco, bem como,
perderam o contato com alguns dos seus deuses e incorporaram muitos dos
valores do catolicismo como parte da sua espiritualidade. No entanto ainda
conservam o Toré, que é mais do que uma dança, é um ritual onde os índios
incorporam os ancestrais que são invocados para lhes ajudar a se defende-
rem das ameaças externas.
No movimento da luta pela demarcação da gleba de Jacaré de São Do-
mingos esses índios resgataram o seu Chão, que é, segundo a autora citada,
a sua última indianidade. Foi nessa luta que se uniram, se defenderam e se
repensaram, através do exercício da sua alteridade contra o invasor: o nós
Capa Potiguara coletivo e solidário. Foi através das roças coletivas e mutirões que
derrotaram as máquinas e cercas inimigas (SILVA, 1993, p. 39). Para isso ocu-
Sumário
param em grupo a sede da FINAI em João Pessoa por diversas vezes, para
eLivre pressionarem o órgão “protetor” dos índios reivindicando a demarcação.
Nestas ocasiões passavam dias dançando o Toré com cantigas de letras pro-
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Essa Terra É Minha
Sofrimentos em comum
Capa
Sumário Os dois grupos aqui enfocados têm histórias muito semelhantes de ten-
eLivre sões e sofrimentos causados pelas invasões dos não-índios nas disputas de
suas terras. Com relação a isso há, na memória dos Fulni-ô, a referência a
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Essa Terra É Minha
uma série de massacres que sofreram dos “brancos” de Águas Belas. Um ín-
dio idoso que vivenciou este período – 1910-1912 aproximadamente – con-
tou-nos que os não índios atacavam a aldeia, ateavam fogo em suas casas
de palha e os expulsavam dali. Ele relatou também que os índios se escon-
diam durante o dia e, à noite voltavam para celebrar o Ouricuri.
Depois, os índios foram voltando aos poucos e, à certa altura um índio
encontrou enterrada uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, o que
gerou um grande significado místico. O local onde a Santa foi encontrada foi
doado pelos índios à cidade, onde foi construída a igreja da santa do mesmo
nome onde hoje é o centro de Águas Belas.
Os índios Fulni-ô alegam que esse foi o pretexto para que os “brancos”
os pressionassem a desocupar o local e dividir o seu território com eles no
município de Águas Belas, “pois a santa não podia sair dali”, como justifi-
caram. Com esse fato simbólico, os índios recuaram no território fazendo
novos limites entre a aldeia e a sede do município. Hoje o arruamento da
chamada Aldeia Fulni-ô é uma parte urbana da cidade de Águas Belas, a
Capa qual é demarcada por um muro alto e vazado que simboliza as fronteiras
físico-geográficas entre ambos os segmentos étnicos.
Sumário
Mas, permanece viva na memória dos índios sua antiga posse; a falta de
eLivre espaço para a expansão urbana – segundo o mapa Águas Belas é “ilhada”
pelas terras Fulni-ô – faz com que os “brancos” e índios tenham relações
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Essa Terra É Minha
O CHÃO dos Fulni-ô tem seus limites com o dos não-índios riscado com
o sangue de todos os que o defenderam nos massacres e, muitas vezes
isso significou a VIDA dos que se sacrificaram por ele. Foram as pressões e
provocações que reforçaram a ligação dos Fulni-ô com o CHÃO COLETIVO.
Foi essa percepção que impulsionou os índios a lutarem por uma divisão
e administração territorial em lotes para garantir a ocupação e defesa dos
Capa mesmos. Ou seja, antes do MEU LOTE existe a NOSSA TERRA. O pronome
Sumário possessivo singular vem então como referência de parte do todo, no sentido
de mutuário de uma posse COLETIVA.
eLivre
No entanto, esta percepção da coletividade tem ficado esmaecida nas
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Essa Terra É Minha
últimas duas décadas por causa dos conflitos entre os herdeiros e dos arren-
damentos, que são vistos pelos não-índios como manifestação de “desin-
teresse” dos índios pelo trabalho reforçando o velho estereótipo do “índio
preguiçoso”. Para contradizer com essa representação preconceituosa o SER
Fulni-ô é pautado pelo COLETIVO, ou seja, o pertencimento grupal destes
índios é simbolizado pela terra indivisível do Ouricuri. Recorde-se que foi
pelos rituais do Ouricuri que os índios Fulni-ô superaram os massacres para
retornar ao seu CHÃO. E esse grupo reafirma essa pertença e indivisibilidade
durante os quase quatro meses do Ouricuri.
Temos então que o OURICURI é o CHÃO-SAGRADO-VIDA, o que é es-
sencial para a identidade desses índios. Lembra também o sangue derra-
mado pelo seu solo, o que reforçou o limite entre os índios e não-índios.
Nos retiros do Ouricuri não se permite a entrada dos “brancos” por que é
parte do SEGREDO Fulni-ô. Enfim, a ligação dos Fulni-ô com o seu solo tem
o seguinte encadeamento de identidade étnica: CHÃO-COLETIVO-SAGRA-
DO-SEGREDO-VIDA.
Capa Os Potiguara têm uma concepção exclusivamente coletiva da posse da
terra, apesar das suas contradições conjunturais dos arrendamentos recen-
Sumário
tes. A ligação que têm com o seu CHÃO é de séculos, assim como é antiga a
eLivre sua resistência contra os invasores. Nesse vínculo construíram seu modo de
vida, modo de ser e modo de FÉ grupal onde exercitaram sua FEROCIDADE,
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Essa Terra É Minha
FÚRIA E FORÇA. A sua ligação com o CHÃO é tão forte quanto o vínculo que
têm com sua MÃE (SILVA, 1993, p. 77), o que denota um caráter de IRRE-
VERSIBILIDADE e INDISSOLUBILIDADE, do mesmo modo como são os elos
de uma mãe com seus filhos. Segundo Silva (1993), para os Potiguara, TER a
terra é o mesmo que SER a terra, razão pela qual alimentaram sua resistên-
cia contra os invasores fortes e desiguais com suas ações de TEIMOSIA (Op.
Cit., 1993, p. 78).
Para eles, a sua história e memória são as de sua TEIMOSIA em manter
este vínculo com seu CHÃO, contra forças maiores e contra todos os que os
ameaçaram. Nessas memórias foram se perdendo seu idioma, costumes, pa-
rentesco, alguns deuses, etc. Mas, não perderam a sua ligação com o CHÃO,
pois, a terra é enfim a sua primeira e última indianidade. Sintetizando a liga-
ção, dos Potiguara com o seu CHÃO temos o seguinte encadeamento sim-
bólico: FEROCIDADE-FÚRIA-FORÇA-COLETIVA-TEIMOSIA-TER-SER-NOSSA-
-MÃE
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Essa Terra É Minha
muns causados pelos invasores “brancos” dos seus respectivos CHÃOS. Esse
processo chegou ao ponto de essas resistências terem suplantado o valor de
diversos costumes importantes de sua indianidade, principalmente entre os
Potiguara. Mas, aqui não contabilizamos só as perdas e sim a importância do
que ficou e como esses simbolismos atuam na organização e mobilização
desses dois grupos.
A religião, parentesco e idioma dos Fulni-ô são alguns dos componentes
do seu orgulho de ser. Este sentimento coletivo é invocado nos confrontos
e nas eternas arengas interétnicas que eles vivenciam. É um ORGULHO que
reveste sua suposta pobreza material com dignidade, que pode até reverter
esse quadro de dificuldades econômicas. O ORGULHO da auto-afirmação
dos Fulni-ô alcança a meta de se “civilizarem” no sentido de terem “bens
materiais” sem deixarem de serem índios. Porque para eles a indianidade é o
SAGRADO do Ouricuri, da NOSSA terra, que é SEGREDO, pois, interessa so-
mente a eles mesmos.
No restante do seu território encontramos as divisões em lotes de pos-
Capa sessivo individual MEU e mesmo que arrendados, são fonte de subsistência
econômica para grande parte dessa população. É nesse sentido que os Ful-
Sumário
ni-ô querem e aceitam se “civilizar” para terem “futuro” – bens de consumo –
eLivre e VIDA. São esses valores que lhes abrem as portas do mundo dos “brancos”
ao qual também querem pertencer.
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Essa Terra É Minha
Essa é uma identidade étnica dividida, como o é seu território: eles têm
o lado NOSSO do SER-SAGRADO-SEGREDO do OURICURI e o lado MEU do
econômico, com renda, subsistência, aspiração de conforto e VIDA COM os
não-índios. Essa dicotomia identitária reflete mesmo a atual situação dos
Fulni-ô: eles se encontram fisicamente mesclados com o mundo dos não-
-índios e mesmo que tenham a posse do seu CHÃO coletivo, seu território
geográfico concreto está fragmentado o que facilita que sejam vulneráveis
às influências oriundas do entorno econômico, político e cultural que os ro-
deia. Por tudo isso, ainda que eles tenham o PARENTESCO e o IDIOMA com
o qual praticam a sua RELIGIÃO eles querem se CIVILIZAR PARA CONTINU-
AREM ÍNDIOS.
É o contrário dos Potiguara, que não têm mais quase nenhum traço es-
sencial da sua cultura, parentesco e idioma, mas, conservaram o TORÉ, que
compõe o seu universo SAGRADO, junto com a terra do NOSSO CHÃO. Com
a religiosidade e a TERRA-MÃE eles formam o grupo cujos membros se unem
através dos mesmos laços filiais, ou seja, é um coletivo de auto-defesa e re-
Capa sistência. O CHÃO tem uso comum e solidário, até porque, sozinho cada
índio deste grupo não teria como enfrentar máquinas e armas invasoras.
Sumário Essa coletividade e fraternidade emanam da terra que se torna CHÃO sem o
eLivre “branco”. Em suma, os Potiguara INDIANIZARAM A TERRA PARA CONTINU-
AREM ÍNDIOS.
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Essa Terra É Minha
Referências
BARTH, Fredrik. Los grupos étnicos y sus fronteras. México: Fondo de Cultura Econô-
mica, 1976.
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues R. Identidade & etnia. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pio-
neira, 1976.
FOTI, Miguel Vicente. Resistência e segredo: relato de uma experiência de antropólogo
com os Fulni-ô. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, Dissertação de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 1991.
PINTO, Estevão. Etnologia Brasileira: Fulni-ô – os últimos tapuias. São Paulo: Compa-
nhia Editora Nacional, 1956.
SILVA, Maria da Salete Horácio da. Resistência indígena Potiguara: o caso de Jacaré
de São Domingos. João Pessoa: UFPB, Dissertação de Mestrado pelo Programa de Pós-
-Graduação em Serviço Social, 1993.
Capa STORNI, Maria Otilia Telles e NASCIMENTO, Romério H. Z. do. Relatório de pesquisa
sobre os Fulni-ô. João Pessoa/UFPB/PIBIC, Digitado, 1994.
Sumário
eLivre
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Introdução
Pretende-se então trabalhar com este ritual sem entrar no conteúdo re-
ligioso do mesmo, o que, em princípio, apresenta-se como uma limitação e
um desafio antropológico. Mesmo assim acreditamos que com esta forma
de análise possamos contribuir para criar uma nova visão das relações inte-
rétnicas com os Fulni-ô e demais índios do nordeste, calcada no estímulo à
auto-valorização compensatória da cultura e direitos dos índios.
Fundamentos teóricos
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Essa Terra É Minha
porte altivo de alguns índios quando circulam pelas ruas sob os olhares de
desconfiança dos “brancos”, pois, estes não “podem” e também não “que-
rem” circular nas ruas da aldeia, a não ser que sejam convidados para isso.
Brandão (1986, p. 42), inspirado no conceito de Fricção Interétnica de Car-
doso de Oliveira (1976) afirma que:
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Essa Terra É Minha
O ser humano, de fato, é advertido para não se tornar o que ele, freqüen-
temente, não tinha a intenção de vir a ser, afim de que aprenda a antever o
que deve evitar. Assim, a identidade positiva, longe de ser uma constelação
estática de características ou papéis, está sempre em conflito com aquele
passado que tem que ser esquecido e com aquele futuro potencial que tem
que ser evitado. O indivíduo que pertence a uma minoria oprimida e explo-
rada, que está cônscio dos ideais culturais dominantes, mas, impedido de
seguir-lhes o exemplo, é passível de fundir as imagens negativas que lhes
são atribuídas pela maioria dominante com a identidade negativa cultivada
em seu próprio grupo (p. 304, grifos nossos).
A identidade negativa dos Fulni-ô lhes foi imputada nos conflitos de dis-
putas territoriais onde os não-índios invasores lançavam mão de “imagens
Capa negativas” dos índios para justificarem seus direitos de dominantes sobre
Sumário aquela terra. Mas, foram as mesmas “imagens tornadas negativas” – religião,
idioma, rituais, etc. – que permitiram aos órgãos indigenistas oficiais identi-
eLivre
ficar os índios para demarcar-lhes o território por diversas vezes, desde 1851
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Essa Terra É Minha
até 1957, quando houve a última demarcação da reserva, feita ainda pelo
Serviço de Proteção ao Índio – SPI (dados de STORNI, 1994, p. 6).
Em suma, as relações interétnicas entre os Fulni-ô e águabelenses foram
e são marcadas por elementos simbólicos negativos, aos quais os índios
vêm reelaborando em forma positiva. A festa do Ouricuri é um momento ri-
tual especial dessa reelaboração, bem como, da “diluição” ou “neutralização”
das tensões e incidentes ocorridos durante o ano, nas relações entre índios
e não-índios desta cidade.
Pretende-se então analisar a festa de abertura do Ouricuri como um RITO
DE PASSAGEM, dentro de outro, que é o próprio retiro, com tudo o que ocorre
neste período. Segundo Van Gennep (1960 apud Turner, 1974, p. 116), ritos
de passagem são os “...que acompanham toda a mudança de lugar, estado,
posição social [e] de idade”. Turner (1974, p. 116-117) afirma que todos os
ritos de passagem têm três fases: separação, margem ou limiar e agregação:
Sumário
eLivre As propriedades da LIMINARIDADE e do estado de COMMUNITAS ou
comunidade acima apresentados seguem um modelo geral ao qual o autor
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Essa Terra É Minha
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Essa Terra É Minha
sua gente. Ainda hoje durante o ano, os índios Fulniô sofrem um sem número
de humilhações e discriminações por parte dos não-índios. As crianças índias
passam por maltratos e pressões diariamente nas ruas e nas escolas. O grupo
é composto, em sua maioria, por pessoas consideradas como “pobres” e se
vestem com roupas modestas, se comparadas com as dos não-índios.
No entanto, alguns índios gostam de exibir sinais de opulência do mundo
capitalista e se apegam a itens de consumo como carros, eletrodomésticos e
outros símbolos que podem lhes “igualar” à condição econômica dos “bran-
cos”. Destacam-se por serem trabalhadores, mas, há também alguns índios
que sempre pedem dinheiro e comida nas lojas e feiras da cidade, o que é
visto pelos não-índios como um elemento comportamental de identidade
negativa dos índios.
Como já afirmamos antes, todos os anos os índios Fulni-ô deixam a sua
residência na aldeia de Águas Belas e se mudam por cerca de 3,5 meses para
o território sagrado e coletivo do Ouricuri, distante seis quilômetros de Águas
Belas. Cada família deste grupo tem uma pequena casa neste local, onde todos
Capa residem neste período. Na “tribo”, como este espaço coletivo é chamado, todos
vivem outro tipo de relações internas e hábitos: não podem brigar entre si, aju-
Sumário
dam-se mutuamente e, quando é o caso, resolvem-se as querelas e inimizades
eLivre internas ocorridas durante o resto do ano. Enfim, os Fulni-ô, em seu espaço re-
ligioso coletivo devem viver dentro dos princípios e regras dos antepassados.
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Essa Terra É Minha
dos líderes informais dos Fulni-ô. Esse líder – Joventino – estava em cima do
caminhão monitorando o motorista para as casas por ele escolhidas para se-
rem atendidas. Por mais que haja uma possível interpretação de clientelismo
eleitoreiro, é forçoso reconhecer que há também um respeito dos políticos
não-índios em participar desta festa indígena.
Havia também a alegria de todos que andavam pelas ruas a cumprimenta-
rem os índios de fora que estavam chegando para a festa. Por isso, a noite da
véspera foi muito festiva nos bares e no clube recreativo de Águas Belas. Essa
movimentação dos dias precedentes da festa caracteriza então a primeira fase
deste ritual: a separação coletiva do espaço profano da aldeia para o local sa-
grado do Ouricuri. O dia da festa começa muito cedo, com os últimos índios
saindo para a “tribo” de bicicletas, carroças ou carros. Chegamos lá por volta
das 8:30 hs. da manhã e ficamos impressionados por ver a enorme fileira de
caminhões lotados de gente, pedestres e carros apinhados de índios e não-ín-
dios, a disputarem a estreita estrada de chão para o Ouricuri.
É muito difícil avaliar quantitativamente a multidão que se dirigia para lá,
Capa mas, com certeza havia mais de 5.000 pessoas. Essa enorme quantidade de
pessoas dentro daquela “mini-aldeia” – as casas são pequenas, de no máxi-
Sumário
mo três cômodos cada – deixou os pesquisadores aturdidos. No ar, um gran-
eLivre de alarido festivo: não-índios andavam como que a esmo, de um lado para
o outro, enquanto muitos índios permaneciam acocorados na frente de suas
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Essa Terra É Minha
tente louvação aos índios. Ressalte-se que a missa católica dos não-índios
celebrada em grande parte no Yaathê representa a proposta desses índios
na mistura dos dois mundos, além de um pedido de respeito para uma boa
convivência entre os “brancos” e os Fulni-ô.
Depois da fala do celebrante um líder Fulni-ô idoso fez um discurso em
Yaathê, que foi traduzido simultaneamente. As rezas do ofertório foram tra-
duzidas por uma lingüista – a profª Jannmacely, da Universidade Federal de
Alagoas – e se referiam também aos problemas de falta de apoio aos índios,
pedidos de ajuda e questões de invasão do território por parte dos “bran-
cos”. No final da missa mais um líder, Joventino, tomou o microfone e fez
novo discurso em Yaathê, enfatizando a necessidade dos brancos e índios se
tornarem amigos e solidários.
Depois da missa conversamos com alguns jovens índios. Eles estavam
preocupados com as notícias sobre os candidatos à presidência da Repúbli-
ca e dos apoios da esquerda – Lula - às comunidades indígenas. As maiorias
dos índios à volta destes jovens escutavam a conversa com visível ceticismo,
Capa declarando suas simpatias ao então candidato Fernando Henrique Cardoso.
Pode-se interpretar essa atitude dos jovens Fulni-ô como resultantes de um
Sumário
acordo com políticos locais, o que aparenta ser mais uma forma de união e
eLivre aceitação da manipulação dos e com os não-índios. O que mais nos chamou
a atenção foi a presença de candidatos a cargos políticos locais que ali es-
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Propriedade coletiva dos índios no território sagrado Propriedade individual e invasão dos não-índios nas terras
da reserva
O índio tem igualdade de “status” com o não-índio O não-índio é considerado como “superior” ao índio
Nenhuma distinção de “riqueza” entre índios e não-índios Distinções de “riqueza” entre índios e não-índios
Alta importância das distinções de gênero – o lado masculino Subestimação aparente das distinções de gênero
do juazeiro sagrado
Referência contínua aos poderes místicos – romarias, Referência intermitente dos poderes místicos
promessas, graças alcançadas
Mistura do catolicismo dos não-índios com a religiosidade Distinção das religiões entre os índios e não-índios
Fulni-ô
Negociação de favores de igual para igual por causa do Negociação desigual de favores com o clientelismo
direito de indenização
Considerações finais
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade & etnia. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pio-
neira, 1976.
ERIKSON, Erik. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
FOTI, Miguel Vicente. Resistência e segredo: relato de uma experiência de antropólogo
com os Fulni-ô. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, Dissertação de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 1991.
PACHECO DE OLIVEIRA, João. Viagem de volta. In PETI – Atlas das terras indígenas do
nordeste. Rio de Janeiro, PPGAS/ Museu Nacional/UFRJ, 1993.
STORNI, Maria Otilia Telles e NASCIMENTO, Romério H. Z. do. Relatório de pesquisa
sobre os Fulni-ô. João Pessoa/UFPB/PIBIC, Digitado, 1994.
TURNER, Victor W. O processo ritual. Petrópolis: Vozes, 1974.
Capa
Sumário
eLivre
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Essa Terra É Minha
dos pelo líder da aldeia mais próxima6. Monte-Mór e Três Rios passaram a ser
consideradas como aldeias há pouco tempo: Monte-Mór, quando passou a
contar com um representante, saindo da esfera da aldeia Jaraguá e Três Rios,
depois que os índios da zona urbana de Marcação retomaram uma faixa de
terras ocupadas por canaviais e refundaram o antigo povoado que havia no
local. Já os índios que moram na Baía da Traição geralmente recorrem aos
representantes das aldeias Forte, São Miguel e Akajutibiró pela proximidade
destas com o centro da cidade, quando não, diretamente ao Posto Indígena
da FUNAI, localizado no Forte.
As terras indígenas ocupam um espaço de 33.757 hectares distribuídos
em três áreas contíguas, nos municípios de Baía da Traição, Rio Tinto e
Marcação. A Terra Indígena – TI - Potiguara situa-se nos três municípios e
possui 21.238 hectares, que foram demarcados em 1983 e homologados
em 1991. A TI Jacaré de São Domingos tem 5.032 hectares nos municípios
de Marcação e Rio Tinto, cuja homologação se deu em 1993. Por fim, a TI
Potiguara de Monte-Mór, com 7.487 hectares, em Marcação e Rio Tinto,
Capa está em processo de demarcação com freqüentes conflitos com as usinas
de cana e a Companhia Rio Tinto que são próximas desta TI.
Sumário
Segundo Barcellos (2005), do atual Território Indígena, 70% encontra-se
eLivre
6 São eles Benfica, Sarrambi, Vau, Regina, Boa Vista, Tapuio, Carneira, Morrinho, Borel, Taiepe e Nova Esperança, entre
outros.
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Essa Terra É Minha
mas também, por incluírem as suas relações, quase sempre conflituosas, com
as populações não-índias.
De acordo com João Pacheco de Oliveira (1998), que foi orientando de
Roberto Cardoso de Oliveira, a definição dada por Barth para grupo étnico
é a de um tipo organizacional, no qual uma sociedade constrói e reconstrói
sua individualidade grupal diante de outras com quem está em processo de
interação social permanente. Essas relações são estruturadas a partir de di-
ferenças culturais.
Os elementos definidores de um grupo étnico estão principalmente nos
limites traçados pelas diferenças culturais. Os processos de perda ou resga-
te da identidade étnica devem ser então estudados em contextos específi-
cos, tanto no sentido político como no econômico ou religioso. Pacheco de
Oliveira (1998) parte desse ponto para mostrar como a territorialização se
constitui como um dos principais catalisadores dos processos de emergên-
cia e mobilização da identidade étnica.
De acordo com esse autor o reconhecimento concreto dos territórios
Capa tradicionais é o primeiro elemento definidor da mobilização identitária dos
Sumário índios do nordeste brasileiro, o que inclui os Potiguara. No lado espiritual,
correspondente ao aspecto material do território, estão os rituais do Toré,
eLivre que atuam entre os índios dessa região como importante contraparte sim-
bólica legitimadora da identidade étnica desse grupo.
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Essa Terra É Minha
Capa
Sumário 7 O Toré é uma dança tradicional dos índios do tronco Tupi que abrange os grupos desde o Ceará até a Bahia, se-
gundo Oliveira F°. (1998).
eLivre 8 Sobre o Toré ver também Dantas, Beatriz Góis et al. “Os povos indígenas no nordeste brasileiro: um esboço his-
tórico”. In CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.) História dos índios no Brasil, 2ª ed., São Paulo: Cia. das Letras/
Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998, pp. 431-456.
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Essa Terra É Minha
jovens] e vou passar esses ensinamentos para o meu filho mais novo, que se
interessa por isso e vai continuar os meus trabalhos de cura com as plantas”
(D. Maíra, pajé – nome fictício).
Esses dados confirmam a relação da indianidade com a espiritualidade,
bem como a preocupação com manutenção desses conhecimentos através
do filho. No diário de campo há novas informações:
“Toda vez que ela indica o uso de uma planta ela faz um Toré e que ela
mesma prepara os remédios de plantas. Ela recebe as entidades, que dizem
que planta deve usar, e depois ela ou seu filho mais novo vai para a mata
para pegar a planta. Antes de tirar a parte que ela ou o filho procuram ela
pede licença para a natureza, ou seja, para os espíritos daquela planta: ela
bate no tronco ou raiz que ela vai colher, ao mesmo tempo em que invoca
as entidades para permitirem a retirada da planta e ajudarem na cura da
doença onde vai ser usada, mostrado como preparar o remédio” (STORNI,
diário de campo).
Capa Como se pode ver, o ato de ir para a mata é precedido da invocação dos
espíritos que a orientam o que buscar. A natureza representada pela mata
Sumário é então o universo apossado pelos espíritos, em que os índios têm acesso
eLivre após uma espécie de negociação com eles, tanto para orientação das plantas
como pelo modo respeitoso de pedir permissão para usar as plantas, o que
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“... ela tem relatos de cura, e que em cada caso há uma orientação, havendo
situações em que ela mesma não conhece as plantas que vai utilizar segun-
do suas declarações.
Há também situações em que ela não quis relatar a forma de preparo das
plantas porque incluem rituais que são segredos para os brancos. Nesses
casos não insisti para ela me contar os segredos. Aliás, em muitos casos que
ela trata os doentes, esses não podem saber o que estão ingerindo, o que é
mais uma forma de segredo e de ritualização dos tratamentos fitoterápicos
que ela ministra” (STORNI, diário de campo).
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Durante a retomada, todo dia era dançado o Toré. Foi difícil de se conse-
guir o alimento material, porém o alimento espiritual, corporificado no Toré,
era a fonte que sustentava a luta, aquecia o frio, fortalecia os fracos, unia e
reunia os índios das várias aldeias e transformou-se em oxigênio vital por
ocasião de tiros disparados na noite pelos capangas da usina, numa tentati-
va de amedrontar e espalhar o grupo. O centro do acampamento tornou-se
foco de resistência, tendo o Toré como símbolo de etnicidade, de fortaleza,
de partilha e de referencial sagrado de um povo que tem na espiritualidade
o combustível para lutar por seus direitos e evidenciar a vida. Passados dois
anos, no início de agosto de 2005, centenas de pessoas vindas de todas
as aldeias que participaram da retomada estavam reunidas para celebrar a
conquista, a vitória e a vida da transformação realizada na monocultura do
canavial árido, em terra fértil, com uma pluralidade de culturas frutíferas,
nativas e de subsistência, numa área com mais de 400 hectares de terra
plantados.
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Essa Terra É Minha
dade étnica irmanada dos membros desse grupo, que se unem contra as
ameaças externas. É nesses momentos que eles se sentem como parentes da
mesma família, ou seja, estes grupos que compõem os Potiguara podem até
ser diversificados em vários aspectos, mas, a terra e a irmandade identitária
que os congrega no Toré compõem um só elemento, uma só fraternidade
essencial.
Referências
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Capa
Sumário
eLivre
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Introdução
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Por outro lado Galimberti (2003) assevera que a subjetividade revela que
o homem não é um ser auto-suficiente, sua auto-realização depende do seu
relacionamento com o Eterno, e uma vez que ele não consegue relacionar-se
com o Ser Supremo, queda-se no desespero. “Sagrado” é uma palavra indo-
-européia que significa separado, e sua expressão independe de uma condi-
ção espiritual ou moral, por ser inerente ao que tem relação com potências
superiores (dimensão divina) que estão além do domínio do homem.
O reino do sagrado não se concilia com razão e a moral humana em sua
totalidade, pois, mesmo não pertencendo somente ao mundo sobrenatural,
relaciona-se com a natureza e à cultura em suas dimensões alheias, e, por
conseguinte, relaciona-se aos instintos, pulsões, paixões e às doenças, de
onde se originaram as primeiras reflexões de Freud. O segredo do sagrado
é o Mistério que se revela e está além das razões humanas. Por mais que a
ciência e a técnica busquem explicar a existência humana e sua auto-comu-
nicação com o Divino, impondo-lhe uma razão esvaziada do “sagrado”, não
consegue destituí-la dos vestígios do sagrado, que é imanente ao seu ser.
Capa Os avanços tecnocientíficos da modernidade são desafiados pela presen-
ça das forças anímicas que regem o universo do homem, numa sociedade
Sumário
dessacralizada, conduzindo-o à cosmogonização11 do mundo “desencanta-
eLivre 11 Cosmologia (do grego κοσμογονία; κόσμος “universo” e -γονία “nascimento”) é o termo que abrange todas as te-
orias sobre origem do universo, de acordo com religiões, mitologias e ciêntificas através da história. Segundo Mircea
Eliade (2001, p.33), o momento “cosmogônico” funda o mundo a partir da revelação do sagrado. Cosmogonização é
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do”. Conforme, afirma Eliade (2001, p. 26): (...) seja qual for o grau de dessa-
cralização do mundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida
profana (racionalizada) e não consegue abolir completamente o comporta-
mento religioso (...) até a existência mais dessacralizada conserva ainda traços
de uma valorização religiosa do mundo.
Quando entrevistado por Claude Henri-Rocquet, Eliade (2001) comple-
tou sua análise autobiográfica quando aquele lhe perguntou: Afinal, o que
entende por sagrado? Na resposta de Eliade constata-se que o sagrado se
constitui na expressão da relação constitutiva da consciência humana com o
mundo que a envolve, como se pode perceber a seguir:
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para lembrar Nietzsche: “Gott is tot. Und wir haben ihn getõtet!” (Deus está
morto e nós o matamos). As duas metáforas, a primeira da fuga dos Deuses
e a segunda que nos acusa do assassinato de Deus, correspondem aquilo
que Weber expressa, de forma menos dramática, na sua tese do desen-
cantamento (Entzauberung) do mundo. Este desencantamento é resultado
imediato do processo de racionalização e intelectualização, sem o qual a
ciência moderna não teria surgido.
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Capa
Sumário
14 Ascetismo vem de ascese, elevação para Deus. Segundo Ferreira (1999), ascese refere-se ao exercício prático
que leva à efetiva realização da virtude, à plenitude da vida moral. Ascetismo também se relaciona com a prática da
eLivre ascese e é a doutrina que considera a ascese como o essencial da vida moral; É ainda a moral que desvaloriza os
aspectos corpóreos e sensíveis do homem.
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grupos religiosos aceitarem sua inserção nas relações sociais que envolviam
a produção, mercantilização e acumulação de lucros.
Vale lembrar que, segundo Weber (2006), a cisão entre os católicos e
protestantes se deu justamente pela decepção desses últimos com relação
à contradição da Igreja Católica, que pregava a sobriedade e ascetismo, por
um lado, e por outro, cobrava taxas e acumulava bens através de articulações
com os reis e governantes poderosos. Enfim, as religiões cristãs – católicas,
protestantes e outras que reverenciam a Bíblia Sagrada - alcançaram o início
do século XX abrigadas em templos, muitos deles suntuosos, e com uma es-
trutura de arrecadação monetária que lhes permitia manter patrimônios que
podem ser classificados, no mínimo, como auto-sustentáveis. Já o Vaticano,
que é um Estado como outro qualquer, tem suas pompas financiadas pelos
lucros dos seus investimentos como requer uma estrutura estatal capitalista.
Nesse período do surgimento da ética protestante havia também os no-
vos hábitos urbanos que, por motivos óbvios, estimulavam o movimento
fabril e comercial de alimentos, roupas, máquinas, o que por muito tempo
Capa foram produzidos artesanalmente. Enfim, o ato de consumir se tornou tam-
bém uma necessidade de sobrevivência do mundo capitalista enquanto sis-
Sumário
tema de circulação de mercadorias e respectivos lucros.
eLivre Assim, surgiram novas necessidades que atingiram diretamente os indiví-
duos, pois, são eles que passam a ter, além delas, poder aquisitivo, vontades,
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Como se pode ver, antes de ser uma prática material, o consumo é sim-
Capa bólico, pois, é através da incorporação de novos signos que as pessoas pas-
sam a ter interesses e desejos que antecedem as decisões das compras.
Sumário Baudrillard (2000, p. 207) explica melhor: Para tornar-se objeto de consumo
eLivre é preciso que o objeto se torne signo. Ou seja, os objetos precisam se tor-
nar conhecidos incorporando significados e símbolos para serem desejados
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que tem sido marcado por um notável aumento da competição entre orga-
nizações religiosas pela preferência dos fiéis. Segundo Guerra (1999), a atual
conjuntura religiosa nacional do Brasil apresenta características marcantes
da crescente concorrência pelos fiéis, o que produz transformações organi-
zacionais das várias igrejas que entraram no sistema capitalista de mercado.
Estas instituições assim reestruturadas, por sua vez, produzem reflexos sig-
nificativos em termos de seus discursos e práticas rituais no sentido de atrair
fiéis-consumidores.
Esses discursos e práticas, para Guerra (1999), são gerados por igrejas,
seitas e outras formas de religiosidade em geral, com itens de consumo
oferecidos aos indivíduos no mercado, de maneira semelhante à dos outros
bens simbólicos, tais como moda, entretenimento, estilo de vida e identida-
de cultural, entre outros. Isso significa dizer que a força da tradição sobre a
opção religiosa do indivíduo vem diminuindo gradualmente e, em lugar dela
vêm se utilizando categorias discursivas tais como oferta e procura de bens
religiosos. A venda de indulgências, bênçãos, objetos sacralizados, amuletos,
Capa imagens, souvenires e outros é uma prática religiosa antiga. A novidade é a
intensificação dessas trocas em nome da religiosidade, que foi transformada
Sumário em um produto dentro do mercado capitalista moderno.
eLivre No que se refere ao Brasil alguns autores têm escrito a respeito das trans-
formações da esfera religiosa e o mercado. Prandi (1996), por exemplo, ana-
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seus subtítulos: A religião pela qual se paga (PRANDI, 1996, p. 266). O ato de
pagar pela religião, segundo ele, é uma experiência muito recente no Brasil.
Na tradição católica há e sempre houve doações, esmolas e contribuições
dos mais aquinhoados às suas paróquia, mas, nunca tiveram o caráter da
obrigatoriedade. É no neopentecostalismo que se colocou mais claramente
a questão do pagamento obrigatório da religião e da expansão religiosa fi-
nanciada por todos os seus adeptos: Não sabemos quanto de fato se paga,
quanto além do dízimo, que já é algo muito excepcional, na nossa tradição,
mas em muitas igrejas, a maior parte do culto se realiza em torno de expe-
dientes constrangedores de arrecadação de oferta (PRANDI, 1996, p. 269).
Entretanto, é importante ressaltar que não são apenas os neopentecostais
que têm aderido às práticas mercadológicas das trocas religiosas por bens
materiais. Atualmente todas as denominações cristãs, umas de forma mais
explícita, outras menos, têm buscado na espetacularização da fé uma forma
de se fazerem consumidas. É o caso dos programas televisivos voltados para
a exibição das mensagens e imagens de conteúdo religioso pronto para o
Capa consumo, já que é entregue em domicílio. Além desses apelos há sempre os
pedidos de contribuições e doações.
Sumário
Invocamos Feuerbach citado por Debord (1997, p. 13, grifos do autor)
eLivre para nos indicar o que é o espetáculo:
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Conclusão
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Mas, segundo Matta (1999 apud NETO, 2004, p. 164) o contexto midi-
ático contribui para criação de uma “comunidade inclusiva” como lugar de
encontro, por meio dos processos de interatividade (STORNI, 2000), o que
Capa também é ressaltado por Jesús Martín-Barbero (1995, p. 75): (...) los médios
Sumário de comunicación no son um puro fenómeno comercial, no son so un puro fe-
nómeno de manipulación, son un fenómeno antropológico, son un fenómeno
eLivre cultural a través del cual la gente, mucha gente, cada vez más vive la consti-
tución del sentido de su vida.
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Referências
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WEBER, Max. Economia e Sociedade (vol. 1). Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1991a, apud Nobre, Renarde Freire. Weber e o Desencantamento do Mundo: Uma In-
terlocução com o Pensamento de Nietzsche. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
vol. 49, n. 39, 2006.
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