Você está na página 1de 4

Nº 7

jul./set. 2021

Coordenação: Joaquim Maurício Duarte-Almeida | Ricardo Tabach


Edição: Brayan Jonas Mano-Sousa
Revisão: Eliana Rodrigues | Gabrielle Dainezi

––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Editorial
Conseguimos: Estamos de volta

É
com muito prazer que estamos farmacêutico, professor da UFSJ; Ricardo
relançando o boletim Maconhabrás. Tabach, biólogo, professor da UNISA; Eliana
Nesta edição: Ele foi criado inicialmente em outubro Rodrigues, bióloga, pesquisadora
de 2013, pelo Prof. Elisaldo Carlini, coordenadora do curso de extensão de
Editorial ....................................... 1 juntamente com os pesquisadores Lucas Cannabis Medicinal da UNIFESP; Graziela
Cannabis em Foco .............. 2 Maia, Renato Filev, Paulo Mattos e Rafael Rigueira Molska, farmacêutica, pesquisadora
Zanatto, com a finalidade de analisar e na Universidade de Toronto; Brayan Jonas
Atualidades ............................. 3
discutir diferentes aspectos sobre a Mano Sousa, farmacêutico, doutorando
Desvendando a História .3
Cannabis. Outros pesquisadores também UFSJ; Bruna Cristina Alves, bioquímica,
Cannabis na Mídia ......... 4 fizeram parte do grupo até o ano de 2017 doutoranda UFSJ; Gabrielle Dainezi,
(número 6), quando por diversas razões, o coordenadora do curso de extensão de
boletim foi interrompido. Cannabis Medicinal da UNIFESP.
Desde a interrupção, em 2017, até os dias Atualmente, Joaquim, Bruna e Brayan,
de hoje, muita coisa mudou e surgiram novos trabalham em projetos ligados ao cultivo e
fatos em relação a essa planta e seus produção de canabinoides com a autorização
metabólitos: a liberação da Anvisa para da Anvisa e buscam, por meio da
prescrição médica e importação dos biotecnologia vegetal, produzir compostos
medicamentos, a produção nacional do padronizados. Ricardo atua em cursos e
primeiro medicamento à base de Cannabis, a palestras na área de farmacologia. Eliana
autorização de cultivo para fins de pesquisa, Rodrigues orienta diversos projetos de
concedida a uma universidade federal, bem mestrado e doutorado com ênfase em
como a criação de uma legislação própria Cannabis, têm produzido material de
para produtos canábicos, entre outros fatos, divulgação científica e palestrado sobre o
que, pela importância do tema, não poderiam tema. Graziela tem coordenado pesquisas na
ficar sem alguma divulgação. área de farmacologia da dor e na doença de
Dessa forma, um grupo de pesquisadores Parkinson. Outros pesquisadores
que trabalhou ou teve alguma ligação com o eventualmente serão convidados a contribuir
professor Carlini resolveu dar continuidade com artigos apresentados nos próximos
ao Maconhabrás, principalmente por esse boletins. Dessa forma, teremos muitos
tema ter ganhado notoriedade na mídia e ter assuntos de interesse dos leitores, que
sido pauta nas esferas políticas e também poderão sugerir, criticar e interagir
regulatórias. com a equipe.
O boletim está com novo layout e novas Com essa iniciativa, a equipe do
seções, a fim de torná-lo mais atual e Maconhabrás, tendo como objetivo manter
dinâmico, permitindo a exposição de viva a chama propagada pelo professor
diferentes tópicos relacionados ao tema. As Carlini em relação ao estudo e divulgação da
edições serão trimestrais e o formato Ciência, gostaria de agradecer
eletrônico estará disponível nas mídias antecipadamente aos leitores e se
digitais. compromete a fazer deste boletim um meio
A atual equipe do boletim é formada por: de informação segura, confiável e atual.
Joaquim Maurício Duarte Almeida, Boa leitura!
Editorial redigido por Joaquim e Ricardo
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 1
Cannabis em Foco –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A Cannabis sativa L. pode ser uma aliada no tratamento da COVID-19?
Por Brayan Jonas Mano Sousa

A
s doenças sempre estiveram presentes na tridimensional. O primeiro demonstrou,
evolução humana e podem ser desencadeadas bioinformaticamente, que o CBD pode se ligar na
devido ao ambiente socioeconômico, ao proteína spike do novo coronavírus. Enquanto o outro
organismo ou por micro-organismos. O mundo está artigo demonstrou, in vitro, a capacidade dos extratos
passando por uma grave crise sanitária em razão da de C. sativa com alto teor de CBD em modular a
pandemia causada pelo coronavírus 2 da Síndrome expressão da ECAII nos tecidos-alvo. No entanto, os
respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), popularmente extratos usados no estudo possuíam perfis de
conhecida como COVID-19. Até 30 de agosto de 2021, o canabinoides e terpenos diferentes, resultando na
número de infectados ultrapassou a marca de 20 regulação positiva ou negativa dessa expressão. Nas
milhões de casos com mais de 579.643 de óbitos no buscas feitas pelos autores não foram encontrados
Brasil. estudos clínicos, preliminares ou concluídos, em
Dessa forma, vários pesquisadores têm buscado humanos. No entanto, ressaltaram haver dois registros
novos tratamentos para essa enfermidade. A revista de estudos clínicos em andamento.
científica Brazilian Journal of Health and Pharmacy Em outro estudo in vitro, os extratos com elevado
(BJHP) publicou, recentemente, um artigo de revisão teor de CBD podem desregular a ECAII e a serina
sobre o uso da Cannabis sativa e, especialmente, dos protease transmembrana 2 (TMPRSS2), que são
canabinoides no tratamento COVID-19.1 importantes vias de infecção do novo coronavírus.
A COVID-19 pode se manifestar com uma variedade Assim, esses produtos canábicos poderiam ser uma
de sintomas, como febre, tosse e falta de ar. Também estratégia preventiva na infecção por COVID-19 para
pode levar a síndrome respiratória aguda grave (SARS), limitar a entrada do vírus. Embora esse estudo avance
caracterizada por inflamação pulmonar grave, falta de na observação de que canabinoides poderiam servir
oxigenação e insuficiência pulmonar, além de provocar como tratamento preventivo, existem evidências
uma forte resposta inflamatória. sugerindo que as atividades imunomoduladoras do CBD
O SARS-CoV-2 se liga aos receptores da enzima poderiam desempenhar um papel nos estágios
conversora da angiotensina (ECAII) no sistema posteriores da doença.
respiratório e libera o seu RNA nas células hospedeiras. Os terpenos encontrados na C. sativa exibiram
Consequentemente, as interações vírus-células atividades antivirais, com a capacidade de minimizar a
produzem um conjunto de diferentes respostas contra o gravidade e o impacto do SARS, suprimindo a proteína
vírus que podem ser mediadas pelos endocanabinoides. TMPRSS2. Estudos preliminares, in vivo, com macacos
Os receptores CB1 e CB2 foram amplamente vervet caribenses, indicaram que o extrato do óleo de C.
demonstrados como indutores da imunossupressão. sativa melhorou as funções pulmonares inspiratórias.
Assim, é concebível que, também na COVID-19, a Outro estudo sugeriu que o Δ9-THC suprimiu
ativação do sistema endocanabinoide possa ter potentemente a função imune das células mieloides,
influência no desenvolvimento e na gravidade da sugerindo também reduzir as respostas imunológicas às
doença. De acordo com os autores,1 os canabinoides síndromes respiratórias virais, como a influenza A e a
foram eficazes na supressão das funções imunológicas e COVID-19.
inflamatórias, e foi sugerido potencial atividade anti- Embora não haja estudos clínicos, essa revisão
inflamatória na COVID-19. demonstra que, coletivamente, há evidências científicas
A estimulação seletiva do CB2 poderia reduzir a que apoiam a investigação dos canabinoides como uma
resposta inflamatória em pacientes positivos para alternativa a ser adicionada como adjuvante ou mesmo
COVID-19 e melhorar o prognóstico, além da como tratamento na inflamação pulmonar induzida por
possibilidade de controlar a cascata inflamatória em SARS-CoV-2. Por fim, ainda ressaltaram a necessidade
vários postos de controle, considerando a sua de novos estudos (in vitro, pré-clínicos e clínicos) para
capacidade de reduzir a produção de um grande número determinar quais canabinoides ou a mistura deles, e em
de citocinas, ao contrário da ação muito seletiva dos quais concentrações, poderiam ser eficazes no
anticorpos monoclonais. Por outro lado, a estimulação tratamento da COVID-19.
dos receptores CB2 apresenta efeito imunossupressor,
reduzindo a proliferação das células imunes e a 1. Mano-Sousa, B. J.; et al. 2021. Os derivados da
produção de anticorpos. Cannabis sativa têm potencial para limitar a severidade
Os dois artigos incluídos nessa revisão são estudos e a progressão da COVID-19? Uma revisão da literatura.
em modelagem molecular e modelo de cultura celular BJHP, v. 2, n. 3, p. 83-96.

2 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Atualidades ––––––––––––––––––––––––––––– ––––––––––––––––– Desvendando a História
INPI declara nula a patente de CBD Onde tudo começou
e permite produção medicinal Por Bruna Cristina Alves

Por Brayan Jonas Mano Sousa A maconha (Cannabis sativa L.) é uma droga
reconhecida por seu uso milenar, característico da sua
Em fevereiro de 2021, a empresa Prati-Donaduzzi multiplicidade de aplicações. Com isso, seu resgate
obteve uma patente para o óleo de canabidiol (CBD). O histórico faz-se importante para compreendermos as
documento BR112018005423-2 conferiu a empresa diversas informações em torno de seus registros.
proteção a “uma composição oral líquida caracterizada A princípio, seu uso iniciou-se pelos chineses,
por consistir de 20 a 250 mg/mL de CBD”. atribuído ao imperador/farmacêutico Shen Nieng, em
Considerando a Resolução da Diretoria Colegiada seu trabalho medicinal aplicado no tratamento de
(RDC) Nº 327 de 2019, aprovada pela Anvisa, bem como reumatismo e como sedativo.1-3 No entanto, relatos
o PL 399/15 que legaliza o plantio da Cannabis para fins contrastam sua origem na Índia, tendo como
medicinais e industriais, é indiscutível o potencial embasamento textos escritos na Era Védica, 2.500 a. C.,
econômico do mercado canábico. E, devido a esse como também na região do mar Cáspio e Pérsia, que
potencial, a manutenção dessa patente concedida à hoje correspondem aos países do Paquistão, Irã e
empresa paranaense, configuraria um impedimento a Afeganistão.1,2 Na Índia seu uso era indicado para
atuação de novas empresas no país. Dessa forma, houve constipação intestinal, falta de concentração e malária.
vários pedidos de nulidade dessa patente, já que ela não Além disso, seitas Hindus usavam a maconha para fins
poderia ser considerada como invenção, por se tratar de religiosos e alívio do estresse.
uma modificação trivial que está dentro das habilidades Segundo Nahas,3 os sacerdotes cultivavam-na em
ordinárias da área de tecnologia farmacêutica. seus jardins e utilizavam a bebida de suas flores, folhas
Apesar do tema que envolve patentes ser sempre e caules cozidos, denominada bhang, em rituais como
polêmico, a decisão teve um caráter exclusivamente um presente do deus Shiva para a humanidade.
técnico. Não houve a, popularmente chamada, quebra Declaravam que a bebida era fonte da felicidade, alegria
de patente, já que ela foi reanalisada após interposição e libertar da ansiedade.
de recurso pedindo a sua nulidade. O cultivo da maconha se expandiu da Índia para
Ao analisarem o artigo de Zuardi et al.,1 que não foi Oriente Médio, Ásia, Europa e África. A entrada dessa
citado durante o exame da patente, os avaliadores planta na Europa se deu por volta de 430 a. C. pela
concluíram que havia muitas características técnicas em Grécia, devido as suas propriedades medicinais e, em
comum com a referida patente, o que caracterizava Roma, para confecções de velas para barcos e também,
como falta de novidade. Esse artigo já revelava uma vestimentas. Além disso, relata-se o uso por parte dos
composição oral de CBD em óleo de milho, veículo que Aztecas em rituais religiosos na América.
evitava a interconversão in vivo de CBD em THC. Em 1839, o médico irlandês, William
Os avaliadores entenderam que o problema técnico O’Shaughnessy, passou uma temporada na Índia e
já havia sido resolvido por Zuardi e colaboradores. Um publicou o primeiro artigo relatando seus efeitos
profissional da área de tecnologia farmacêutica estaria terapêuticos. Neste artigo, evidenciou-se que em altas
apto a acrescentar excipientes, como conservante, dosagens a C. sativa era benéfica no tratamento de
edulcorantes e antioxidante, de modo a se obter a desordens espásticas e convulsivas, na hidrofobia,
composição de CBD conforme reivindicada com cólera e diminuição do grau de abstinência por certas
melhores características organolépticas e estabilidade. drogas.4 O’Shaughnessy obteve seus resultados com
No entanto, mesmo com a nulidade dessa patente, o extrato da planta em animais e humanos a partir das
laboratório paranaense não perde totalmente a recomendações dos nativos, bem como sua experiência
exclusividade na produção e comercialização de um profissional. O’Shaughnessy contribuiu e disseminou o
medicamento à base de CBD, uma vez que houve um uso da maconha medicinal pelo Ocidente até chegar aos
pedido de divisão, BR122019017588-8, que originou da Estados Unidos.5 De lá, a prática se difundiu para as
patente nula, e ainda está em exame com pedido Américas, incluindo o Brasil.
inicialmente negado por falta de inventividade. Esse
novo pedido reivindica uma composição oral 1. CARLINI, E. A. 1980. Maconha (Cannabis Sativa):
compreendendo canabinoides em um solvente oleoso, o da "erva de diabo" a medicamento do establisment?
processo para a sua preparação e para seu uso no Ciência e Cultura, 32(6), 684-690.
tratamento de epilepsia refratária, epilepsia, doença de 2. COSTA, M.R.S. & GONTIÈS, B. 1997. Maconha:
Parkinson, esquizofrenia, distúrbios de sono, transtorno Aspectos farmacológicos , históricos e antropológicos.
pós traumático, ansiedade, autismo e alívio de dores Revista Unipê, 1(2), 12-24.
crônicos. 3. NAHAS, G. G. 1986. A maconha ou a vida. Rio de
Por fim, vale lembrar que a nulidade da primeira Janeiro: Nórdica.
patente pode ser revertida através de ação judicial 4. ZUARDI, A. W. 2006. History of Cannabis as a
interposta até 27 de julho de 2026. medicine: a review. Rev. Bras.Psiq., v. 28, n. 2, p. 153-
157.
1. ZUARDI, A. W., et al. 1993. Effects of ipsapirone and 5. KALANT, H. 2001. Medicinal use of Cannabis:
cannabidiol on human experimental anxiety. J. history and currentstatus. Pain Res Manag, v. 6, p.
Psychopharmacol., v. 7, p. 82-88. 80-91.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 3
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cannabis na Mídia
Os nomes do Ano
Por Joaquim Maurício Duarte Almeida

Como recomeçar esse boletim sem citar alguns O deputado federal Paulo Teixeira, presidente da
nomes que se destacaram nos últimos momentos sobre comissão especial da Câmara Federal onde tramita o
o assunto Cannabis. Sentimos muito a perda de duas Projeto de Lei (PL) 399/2015, agradeceu o debate
importantes figuras no cenário da defesa do uso qualificado e afirmou: “colocamos o Brasil na fronteira
medicinal desta planta: Professor Elisaldo Carlini, científica e médica pelo bem-estar das pessoas”. Apesar
incansável defensor da Ciência e da liberdade de estudo da resistência interna, foi aprovado e segue os trâmites
de qualquer assunto que possa ser utilizado para fins para votação em plenário. Abaixo deixamos uma
terapêuticos; e Padre Ticão (Pe Antonio Luiz ilustração feita pela agência de notícias da Câmara dos
Marchioni), afirmava que “plantas são de Deus”, Deputados, em que resume o projeto de Lei de autoria
também mantinha a mente aberta para auxiliar as do Deputado de Fábio Mitidieri. Dessa forma, podemos
pessoas no conhecimento medicinal dessa planta. Mas a pensar que o Brasil está conseguindo aos poucos
vida segue, inclusive no legislativo. alcançar o que em muitos países já é realidade.

Fonte: Agência Câmara de Notícias - 08/06/2021

4 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
BOLETIM MACONHABRÁS
Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas
Rua Botucatu, 572. 04020-060 – São Paulo – SP
(11) 5081-2120

https://maconhabras.webnode.com/

Todo o conteúdo está licenciado com uma Licença Creative Commons | CC BY-ND 4.0

Você também pode gostar