Você está na página 1de 131

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA

Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo – ISPOC

LIÇÕES DE
DIREITO ECONÓMICO
Contém o desenvolvimento do
Programa da Cadeira de Direito
Económico (objecto de revisão e
actualização) apresentado, no
ano lectivo 2022/2023, aos
estudantes do 3.º ano do Curso de
Licenciatura em Direito, pelo
Docente da disciplina José
SAPALO.

H U A M B O, 2022/2023
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

“A crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia. Na crise nasce a


invenção, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem atribui à crise os
seus fracassos e penúrias viola o seu próprio talento e respeita mais os
problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência.
Sem crise não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta
agonia. Sem crise não há mérito. A única crise ameaçadora é a tragédia de
não querer lutar”.
ALBERT EINSTEIN

5
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

SUMÁRIO

SUMÁRIO ............................................................................................................................................ 4
PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO .................................................. 7
CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO .................. 7
1.1. Noções preliminares .................................................................................................................... 7
1.2. Da Política e do Direito ................................................................................................................ 8
1.4. Do Direito Económico ............................................................................................................... 10
1.4.1. Evolução Histórica................................................................................................................... 10
1.4.2. Conceito .................................................................................................................................. 11
1.4.3- Objecto do Direito Económico .............................................................................................. 12
1.4.4- Denominação e Natureza jurídica ......................................................................................... 14
1.4.5- Objectivos ............................................................................................................................... 15
1.4.6- Autonomia .............................................................................................................................. 17
1.4.7- Princípios Gerais ..................................................................................................................... 18
1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico .............. 20
1.6- Características do Direito Económico ...................................................................................... 22
1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica .................................................................................... 23
1.8- Fontes ......................................................................................................................................... 24
1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica ........................................................... 24
1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico ............................................................................. 25
1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais. ....................................................... 25
1.8.4- Fontes não Tradicionais ......................................................................................................... 26
CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA .................................. 27
2.1- Direito e Economia .................................................................................................................... 27
2.2- Classificação das Actividades Económicas .............................................................................. 28
2.3- Sistemas Económicos ............................................................................................................... 30
2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado ................................................................ 32
2.4.1- Estado Liberal ......................................................................................................................... 33
2.4.2- Modelo Jurídico do Estado Social: Surgimento Do Estado Providência............................ 35
2.4.3- O Neoliberalismo ................................................................................................................... 37
2.4.4- A Terceira Via ......................................................................................................................... 39
CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ................................................................................ 41
3.1- Noção de Constituição Económica ........................................................................................... 41
3.2- Concepções da Constituição Económica ................................................................................. 43

4
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.3- Funções da Constituição Económica........................................................................................ 43


3.4- Tipos de Constituição Económica ............................................................................................ 44
3.5- Relação entre Constituição Económica e Constituição Política ............................................ 45
3.6- Âmbito e Sentido da Constituição Económica........................................................................ 46
3.8- A Constituição Económica Angolana....................................................................................... 48
3.8.1- A Evolução da Constituição Económica Angolana ............................................................... 48
3.8.2- A Constituição Económica de 2010 ....................................................................................... 52
3.8.3- Os direitos e deveres fundamentais, com incidência na ordem económica, consagrados
pela CRA ........................................................................................................................................... 54
3.8.4- Configuração Constitucional da propriedade, iniciativa económica e concorrência ....... 56
3.8.6- Princípio da Defesa do Ambiente ......................................................................................... 62
3.8.7- Princípio da Defesa do Consumidor ..................................................................................... 64
PARTE II – ORGANIZAÇÃO E DIRECÇÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA ...................................... 66
CAPÍTULO I - A INTERVENÇÃO PÚBLICA DIRECTA NA ECONOMIA .............................................. 66
1.1- Conspecto Geral ......................................................................................................................... 66
1.2- A Intervenção Económica do Estado e o Princípio da Subsidiariedade ................................ 67
1.3- Intervenção Económico-Empresarial ....................................................................................... 71
1.4- A Natureza Empresarial de uma Actividade Económica......................................................... 71
1.5- O Direito Privado como Instrumento da Actividade Empresarial ......................................... 72
1.6- Direito aplicável no SEP Angolano ........................................................................................... 73
1.7- O Sector Empresarial do Estado Angolano.............................................................................. 75
1.7.1- A evolução do Sector Empresarial Público Angolano .......................................................... 75
1.7.2- Âmbito do Sector Empresarial do Estado ............................................................................. 77
1.7.3- A Empresa Pública .................................................................................................................. 78
CAPÍTULO II- DAS NACIONALIZAÇÕES E CONFISCOS ................................................................... 91
2.1- Conspecto Geral ......................................................................................................................... 91
2.2- Nacionalizações ......................................................................................................................... 91
2.2.1- Natureza Jus Económica dos Actos de Nacionalizações e Confiscos .................................. 93
2.2.2- Objecto das Nacionalizações e dos Confiscos ...................................................................... 93
2.2.3- Tipos de Nacionalização......................................................................................................... 94
2.2.4- Efeitos Jurídicos das Nacionalizações .................................................................................. 94
2.2.5- Irreversibilidade das nacionalizações ................................................................................... 96
2.2.6- Figuras afins das nacionalizações. ........................................................................................ 97
CAPÍTULO III - O SECTOR PRIVADO E AS PRIVATIZAÇÕES............................................................ 99
3.1- Conspecto Geral ......................................................................................................................... 99
3.2 - O acesso à actividade económica ............................................................................................ 99

5
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.2.1- Sectores Económicos e Delimitação da Actividade Económica ........................................ 100


3.2- Privatizações e o Fenómeno da Liberalização da Economia................................................ 103
3.3.1- Causas e Objectivos das Privatizações ................................................................................ 104
3.3.2- Dificuldades e Evolução do Processo das Privatizações ................................................... 105
3.3.3- Sociedades de Capitais Públicos e as Sociedades de Economia Mista ............................. 105
3.3.4- Destino das Receitas e Controlo do Processo de Privatizações ....................................... 106
3.3.5- A Privatização e a Reprivatização ....................................................................................... 106
CAPÍTULO IV - SECTOR COOPERATIVO......................................................................................... 108
4.1- Conspecto Geral e Evolução Histórica ................................................................................... 108
4.2- Classificação das Cooperativas .............................................................................................. 111
CAPÍTULO V - PARCERIA PÚBLICO-PRIVADAS ............................................................................. 113
5.1- Conspecto Geral ....................................................................................................................... 113
5.2- Conceito e Caracterização das Parcerias Público-Privadas .................................................. 113
5.3- Classificação das Parcerias Público-Privadas na Ordem Económica Angolana .................. 115
5.4- Pressupostos para a Formação de PPP ................................................................................. 116
5.5- Classificação do Risco das PPP’s ............................................................................................ 116
5.6- Fundamentos e Sectores em que se Desenvolvem as PPP’s ............................................... 117
5.7- Vantagens e Desvantagens..................................................................................................... 118
CAPÍTULO VI - DIREITO DA REGULAÇÃO ...................................................................................... 119
6.1- A Regulação Pública da Economia: Aspectos Gerais ....................................................... 119
6.2- Noção e Modalidades ........................................................................................................ 119
6.3- Âmbitos e Fins da Intervenção Indirecta ou Reguladora................................................ 120
6.4- Procedimentos de Regulação Económica ........................................................................ 121
6.5- Principais Áreas de Regulação Pública ............................................................................. 121
6.6- A “NOVA” Regulação da Economia .................................................................................. 122
CAPÍTULO VII – PLANEAMENTO E AUXÍLIOS DO ESTADO.......................................................... 124
7.1- Conspecto Geral ....................................................................................................................... 124
7.2- Sistema de Planeamento Económico e Social de Angola .................................................... 125
7.3- Instrumentos de Aplicação do Plano ..................................................................................... 126
7.4- Auxílios do Estado .................................................................................................................. 126
7.5- A Concorrência e a Problemática dos Auxílios de Estado .................................................... 127
7.6- Contratos de financiamento .................................................................................................. 128
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 132

6
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO

CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO


1.1. Noções preliminares
Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que culminou com o
nascimento do Estado Democrático de Direito, a ordem económica e social era matéria que
ficava alheia à intervenção do Poder Público.
O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão-somente, a
defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados.
Isto porque, no campo económico, apregoavam-se as ideias do liberalismo,
consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a persecução dos
interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo
necessidade de intervenção do Poder Público1.
Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à realização de resultados
socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados
onde todos os agentes económicos estivessem em perfeita igualdade de competição.
Assim, diante das desigualdades entre os competidores de mercado, houve uma selecção
adversa entre estes, fruto, tanto da diferença natural de poderio económico, quanto de
práticas anti-concorrenciais, engendradas com o fim de eliminar os demais agentes
competidores.
Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez que
proporcionaram a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que perpetraram
diversos abusos económicos, e também para sua ordem social, tendo em vista que acirrou
a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada, gerando uma gama
inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do processo de geração de
riquezas.
Deste fuste, mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem
económica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adoptar um posicionamento
mais activo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia económicos, para que
o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse metas socialmente
desejáveis para o desenvolvimento da nação. Desse modo, positivou-se, no plano
constitucional, uma ordem económica e social como normas materialmente
constitucionais, legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção pública na
economia e de garantia de direitos no campo social.

1
Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações, investigação sobre sua natureza e causas. São Paulo: Abril, 1983.
7
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.2. Da Política e do Direito


A vida em sociedade é indispensável à sobrevivência do homem, enquanto ser sociável que
é, uma vez que, individualmente, não teria como suprir todas as suas necessidades.
A convivência em um meio comum pressupõe a busca de interesses gerais que atendam às
necessidades colectivas, bem como a persecução das expectativas individuais. Assim, toda
a aglomeração de indivíduos, em que pese objectivar o atendimento dos anseios comuns
(bem-estar social), gera zonas de atritos entre os diversos interesses individuais presentes,
que muitas vezes se revelam antagônicos e colidentes. O estudo da reunião de pessoas em
torno de uma mesma base territorial para atendimento de suas necessidades originou-se
com a filosofia grega, a partir do conceito de polis2. Esta representa o ambiente no qual os
indivíduos convivem e buscam a realização de seus interesses, seja em carácter colectivo
ou para fins meramente pessoais.
A fim de garantir a persecução de tais interesses, os pensadores helenos conceberam a
política como a arte da defesa e do atendimento das necessidades colectivas e dos anseios
individuais; isto é, a arte de se administrar o consenso e harmonizar o dissenso social. Para
tanto, mister se fez garantir a todos, voz participativa e representatividade individual
perante a colectividade.
Na constante busca das necessidades gerais e individuais, deve-se estabelecer um conjunto
de normas, permeadas de valores éticos, morais, científicos, entre outros, visando garantir
o respeito às pessoas e suas opiniões, evitando que a colisão de interesses antagônicos
gere conflitos violentos e irracionais. Para tanto, os valores constantes na norma, que
representa o código de conduta daquilo que a sociedade considera como padrão de
comportamento íntegro, correcto e direito, a ser por todos respeitado, devem gozar de
proteção especial, cuja inobservância acarreta aplicação de sanção por parte do colectivo.
A este conjunto de normas dotadas de observância obrigatória, coercitivamente impostas,
que representam o comportamento-padrão colectivo a ser seguido pelo indivíduo, para se
garantir a pacificação na persecução de seus interesses, denomina-se Direito. Da
aglomeração de pessoas em torno da polis nasceu a política, como forma de se assegurar
a sobrevivência colectiva dos indivíduos. Por sua vez, da arte política, isto é, da arte da
procura do atendimento dos anseios e expectativas do colectivo e do indivíduo, nasceu o
Direito.
O Direito, enquanto ciência social, é gerado, destarte, em função da necessidade que o
homem tem de viver em sociedade, uma vez que não se pode conceber a vida em
colectividade sem a existência de um certo número de normas reguladoras entre os
indivíduos: Ubi societas ibi ius.

2
BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo:
Manole, 2005.
8
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Nem todas as relações sociais são objecto de estudo pelo Direito, mas tão-somente as
relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo
de uma das fontes obrigacionais do próprio Direito (a saber, lei, contratos, usos e
costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.).
O Direito, partindo-se de um conceito objectivo, derivado de nossa herança romano-
germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de
promover a pacificação e a harmonização da sociedade.
Por sua vez, no plano subjectivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a
seu favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou
ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi.
O titular do direito subjectivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem,
isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro. Já o direito
potestativo trata-se de um direito potencialmente existente, cujo nascimento depende da
manifestação volitiva exclusiva de seu titular.
Diante disso, o direito potestativo não se encontra atrelado ao cumprimento de uma
prestação por parte de outrem. Seus efeitos patrimoniais somente irão acontecer após a
exteriorização de vontade do sujeito, podendo, ou não, ter reflexos sobre terceiros, ou
seja, a contraparte de um direito potestativo está sujeita e não adstrita a um dever como
no direito subjectivo em sentido estrito. Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo
alemão, adoptando-se um conceito de caráter subjectivo, o direito pode ser visto como um
complexo de condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo
Poder Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário.
Em suma, podemos definir o Direito como o conjunto de normas das acções humanas na
vida social, estabelecidas por uma organização soberana e impostas coactivamente à
observância de todos.
Enquanto ciência social aplicada, o Direito é uno per si, não havendo que se falar em
qualquer segregação em seus campos de estudo. Todavia, a clássica separação do Direito
em público e privado é oriunda do modelo de reconfiguração estatal que resultou no
aparecimento do Estado Democrático de Direito, pautado nas ideias de Thomas Hobbes,
somadas ao pensamento de John Locke, dois grandes pensadores que primeiramente
apontaram para a necessidade de contenção da autoridade pública em face do cidadão,
consagrando o regime de protecção do domínio privado e das liberdades individuais.
O Direito privado é aquele que regula as relações jurídicas entre membros da sociedade
civil, sejam pessoas naturais ou jurídicas, tendo em vista o interesse particular dos
indivíduos ou a ordem privada. Por sua vez, Direito público é o que disciplina as relações
jurídicas de cunho transindividual, focando-se nos interesses públicos, difusos e coletivos,
isto é, os interesses sociais e estatais, tratando dos interesses individuais de forma reflexa.

9
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.4. Do Direito Económico


1.4.1. Evolução Histórica
O surgimento do Direito Económico como ramo do Direito é relativamente recente. Isto
porque, durante muito tempo, após a consolidação do modelo de Estado Democrático de
Direito, o ideário do liberalismo económico prevalecia, facto que mitigava e, não raro,
anulava a legitimação do Poder Público para interferir no processo de geração de riquezas
da nação.
Os primeiros actos normativos que versavam sobre matéria económica tratavam
basicamente de coibição à prática de truste (merece destaque o Decreto de Allarde, na
França, em 1791). Todavia, a legislação antitruste de combate à concentração de empresas,
à imposição arbitrária de preços, dentre outras infracções à ordem económica, somente
foi sistematizada na América do Norte, por meio da edição do Competition Act, em 1889 no
Canadá, e do Sherman Act, no ano de 1890 nos Estados Unidos.
Nos primórdios, o Direito Económico era sinônimo de Direito antitruste. Todavia, em
virtude do acirramento das disputas comerciais e das desigualdades sociais, oriundos dos
efeitos excludentes do capitalismo liberal, restou patente a necessidade de intervenção do
Estado na área económica, para garantir a salutar manutenção de seus mercados internos
e da pacificação externa, e no campo social, a fim de se estabelecer políticas públicas de
redistribuição de rendas e de inclusão social. Isto porque a experiência liberal conduziu a
uma ordem económica e social onde eram patentes a concentração monopolística de
poderio económico nas mãos dos grandes conglomerados empresariais, por meio da
exclusão de mercado dos médios e pequenos competidores, resultando na quebra da
Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929; as disputas bélicas externas que culminaram em
dois grandes conflitos mundiais3; e à marginalização e exclusão social de todos os menos
abastados, que, por qualquer razão, encontravam-se excluídos do processo de labor diário
de geração de renda. Na esteira de Domingos F. JOÃO,
(...) é a disputa pelos mercados económicos, bem como o exercício abusivo das liberdades
e dos direitos individuais que levaram à derrocada do modelo liberal económico, tendo
como marcos históricos a 1.ª e a 2.ª Guerras Mundiais, factos que motivaram o Estado a
repensar o seu papel diante da Ordem Económica interna e internacional, actuando,
inclusive, no sentido de limitar e cercear os direitos e liberdades individuais4.

Assim, no campo do Direito Constitucional comparado, podemos destacar que a primeira


constituição legada ao mundo que tratava de matéria económica foi a Carta Política do

3
A Primeira Guerra demonstrou que a vitória não seria obtida somente nas áreas de combate, mas sim nas
indústrias e nos laboratórios, pesquisando, produzindo, e abastecendo todos os envolvidos no combate. No
entanto, não eram todos os produtores que tinham interesse em voltar suas actividades económicas para a
guerra. Para contornar este facto, deu-se início a um processo de "regulamentação abundante, estrita e
minuciosa das actividades económicas, que transformaram em pouco tempo o panorama clássico do direito
patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras" (COMPARATO, Fábio Konder.
O indispensável direito económico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.353, p.15, 1965.).
4
JOÃO, D. F. (2018). Lições de Direito Económico de Angola. Luanda: ZOE Publicações, pp. 31-32
10
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

México de 05 de Fevereiro de 1917. Esta Constituição foi a primeira a dispor sobre


propriedade privada, tratando das formas originárias e derivadas de aquisição da
propriedade, abolindo, ainda, seu carácter absoluto para submeter seu uso,
incondicionalmente, ao interesse público, originando o princípio da função social da
propriedade, facto que serviu de sustentáculo jurídico para a transformação sociopolítica
oriunda da reforma agrária ocorrida naquele País e a primeira a se realizar no continente
latino-americano. Nitidamente influenciada pela legislação antitruste norte-americana,
combatia o monopólio, a elevação vertical de preços e qualquer prática tendente a eliminar
a concorrência.
Todavia, a ordem económica e social somente ganhou status de norma materialmente
constitucional com a Constituição alemã de 11 de Agosto de 1919 (Weimar), que foi a
primeira a abandonar a concepção formalista e individualista oriunda do liberalismo do
século XIX para se ocupar da justiça e do social, estabelecendo que a ordem económica
deve corresponder aos princípios da justiça, tendo por objectivo garantir a todos uma
existência conforme a dignidade humana. Só nestes limites fica assegurada a liberdade
económica do indivíduo.
Outrossim, deu maior relevância à função social da propriedade, querendo isto dizer que
ela cria obrigações ao seu titular e que seu uso deve ser condicionado ao interesse geral
(art. 89.º n.º 1 al. e)). Rompendo os cânones do direito individualista, a Constituição conferiu
ao Estado competência para legislar sobre socialização das riquezas naturais e as empresas
económicas.
Assim, depreende-se que o nascimento do Direito Económico se deu diante da necessidade
de se normatizar um conjunto de princípios e regras que disciplinassem o processo de
intervenção do Estado na ordem económica e social.

1.4.2. Conceito
Após a análise de sua evolução histórica, podemos conceituar o Direito Económico que em
termos gerais pode ser entendido como o ramo de Direito público que disciplina as formas
de interferência do Estado no processo de geração de rendas e riquezas da nação, com o
fim de direcionar e conduzir a economia à realização e ao alcance de objectivos e metas
socialmente desejáveis.
Bastante sugestiva é posição sufragada por Vizeu FIGUEIREDO, segundo a qual:
(...) podemos conceituar o Direito Económico como o ramo do Direito público que disciplina
a condução da vida económica da Nação, tendo como finalidade o estudo, o disciplinamento
e a harmonização das relações jurídicas entre os entes públicos e os agentes privados,
detentores dos factores de produção, nos limites estabelecidos para a intervenção do
Estado na ordem económica. Outrossim, podemos conceituar, subjetivamente, o Direito
Económico como o ramo jurídico que disciplina a concentração ou colectivização dos bens
de produção e da organização da economia, intermediando e compondo o ajuste de
interesses entre os detentores do poder económico privado e os entes públicos. Podemos
11
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

definir, ainda, objectivamente o Direito Económico como o conjunto normativo que rege as
medidas de política económica concebidas pelo Estado para disciplinar o uso racional dos
factores de produção5, com o fito de regular a ordem económica interna e externa6.

Num primeiro momento, considerámo-lo um ramo do direito público, uma vez que
disciplina as relações jurídicas travadas pelo Poder Público em face dos agentes
económicos privados que actuam e operam no mercado. Todavia, conforme veremos
adiante, trata-se de ramo eclético do Direito, uma vez que é fortemente permeado de
institutos do Direito privado, por disciplinar actividades típicas do particular.
Para nós, o Direito Económico deverá ser entendido como o conjunto de normas, princípios
e regras, que visam a organização e direcção das actividades económicas, desenvolvidas por
agentes públicos ou privados, desde que para tal estejam habilitados por lei, ou seja, quando
dotados de capacidade de editar e contribuir para a edição de regras com carácter geral,
vinculativos aos agentes económicos.

1.4.3- Objecto do Direito Económico


A questão do objecto do Direito Económico não é tratada de forma unívoca pela doutrina.
A maioria dos autores sustenta que se trata de uma nova disciplina, com identidade própria
e autonomia científica. Para outros, o que existe é uma mera justaposição de diversas
disciplinas tradicionais.
Para Andrè de Laubadère, o objecto do Direito Público da Economia são as intervenções
do Estado na economia, ou melhor, "o direito aplicável às intervenções das pessoas
públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções"7. A definição do autor francês é
bastante interessante. Porém, comete-se um descuido terminológico que merece ser
explicado.
A noção de "intervir" pressupõe um agir numa esfera da qual não se tem domínio. Ocorre
que, na grande maioria das constituições actuais, inclusive a CRA, a ordem económica é
tratada como um dos objectos de acção do Estado, e não como um factor externo. Desta
forma, o Poder Público não tem condições de intervir em algo que é seu. O que ele pode
fazer é regular.
Além desta questão terminológica, pode-se argumentar que o conceito aqui exposto deixa
de fora um dos fundamentos do Direito Económico; mais especificamente, o segundo.
Laubadère não se refere à possibilidade de regulação da economia pelos entes privados, e
também não deixa claro se os órgãos regulatórios podem ter personalidade de direito
privado.

5
Por factores de produção podemos entender todo o aparato à disposição do homem para criar bens e serviços
necessários e úteis à vida em sociedade.
6
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
7
LAUBADÈRE, André de. Direito Público Económico. Coimbra: Almedina, 1985, p.28.
12
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Tendo isto em mente, pode-se citar um conceito mais recente de Direito Económico, que
procura dar conta de toda a sua complexidade:
No presente estádio do conhecimento, e de forma aproximativa, define-se o objecto da
disciplina do Direito Económico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica
específica da organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos se
(ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a
edição de regras com carácter geral, vinculativa dos agentes económicos8.

Mesmo assim, algumas críticas podem ser direcionadas a este conceito:


Em primeiro lugar, o Direito Económico não se preocupa somente com a regulação. É bem
verdade que esta é uma de suas principais facetas, mas parece mais adequado se referir
somente à ordenação da actividade económica. Com isto, abre-se espaço para outras
figuras que também são acolhidas por este ramo do Direito, como as privatizações, a
economia mista e a auto-regulação.
Em segundo lugar, deve-se questionar se as regras de Direito Económico devem ter
carácter geral e vincular todos os agentes económicos. Parece que não. Este mesmo
raciocínio é seguido por Agustin Gordillo, ao tratar da regulação económica e social: "Pero
em modo alguno há de verse aqui um muestrario de reglas generales a aplicar a casos
concretos; antes bien al contrario, intentaremos uma vez más demonstrar la ausência de
reglas generales en materia regulatoria"9.
Diz-se isso porque existem regras que não se aplicam a todos os agentes económicos, mas
somente a alguns deles. Existem, por exemplo, regras destinadas somente aos agentes
que actuam no sector de telecomunicações; outras que se dirigem ao sector de
transportes. Pode-se argumentar que este tipo de regra não deixa de ser geral, pois, se
aplicam a todos que pretenderem ingressar naquele mercado específico. Para estes casos
pode-se dar um outro exemplo, que é bastante complexo: a obrigação de contratar,
imposta pelo Estado, ao detentor de essential facilities, as quais podem ser traduzidas
como instalações essenciais para a concorrência10.
Estas regras são destinadas a agentes económicos específicos, e contrariam o conceito que
limita o Direito Económico ao exame de regras gerais destinadas à ordenação da economia.
A pretensão seria grande demais ao se formular um novo conceito de Direito Económico.
No entanto, parece necessário levar em consideração estas duas críticas e procurar
compreender o objecto do Direito Económico como algo mais amplo do que os conceitos
apresentados.

8
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.13.
9
GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey e FDA, 2003. T. 2. p.VIII-
6.
10
Sobre o tema, cf.VILLAR ROJAS, Francisco José. Las instalaciones esenciales para la competencia. Granada:
Comares, 2004; e, no Brasil, NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infra-
estruturas e redes. São Paulo, Dialética, 2007

13
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.4.4- Denominação e Natureza Jurídica


Sendo que o Direito Económico é um ramo de formação recente, distingue-se amplamente
o seu posicionamento perante a fisionomia da bifurcação das grandes famílias tradicionais
do Direito (Direito Público/Direito Privado), bem como a sua natureza face o seu objecto
de estudo. Daí, vislumbrar a problematicidade da sua distinta denominação movediça na
indústria académica que gravita em torno do edifício jurídico da sua designação - Direito
Económico, ou Direito da Economia.
Ora bem, perante o imbróglio meramente académico da etimologia do léxico jurídico-
económico, foram avançadas várias ideias antagónicas para tentar a superação da tal
situação. Destas, temos a destacar as expressões “Direito Económico” e o “Direito da
Economia” que tiveram a sua construção na escola francesa e alemã, respectivamente.
Para a escola alemã, a opção é pela designação de Direito da Economia, pois que, esta
traduziria melhor a inclusão deste ramo de direito no âmbito do Direito Público, já a escola
francesa, opta pela designação de Direito Económico, pois, assim é possível vislumbrar a
dupla natureza deste novo ramo de direito (pública e privada) sendo, portanto, um ramo
misto com predomino do Direito Público, tendo em conta as funções do Estado regulatório
organizatório por via do Direito Administrativo da Economia11.
“Brevitatis causa”, podemos asseverar que as expressões acima destacadas, à luz da
unidade do sistema jurídico económico angolano e o carácter da ciência do Direito
Económico presidida pela dupla natureza (Público-Privada) somos a preferir o designativo
do Direito Económico, daí também inferir-se a sua natureza como Direito híbrido de dupla
natureza com predomínio Público, atento a forte intervenção do Estado na economia.
Relativamente à natureza, como acima aludido, não se encontram no Direito Económico
algumas das manifestações clássicas dos ramos clássicos do Direito, como a codificação12.
Mas isso não impede que ele seja tratado como um ramo em formação:
Como ramo de Direito (e na constituição dos ramos de Direito jogam factores histórico-
culturais mas também um certo convencionalismo), o Direito Económico tem vindo a
construir-se a partir da reavaliação de certos núcleos temáticos oriundos de outros ramos
de Direito (relações entre economia e constituição, intervenção económica do Estado, bens
produtivos, etc.) e da consideração de novas realidades para as quais os ramos existentes
se mostraram insuficientes ou inadequados (empresa, concorrência, concertação social,
etc.)13.

Levando em consideração estas advertências, é difícil estabelecer o plano em que se situa


o Direito Económico. Ele é direito público ou privado?

11
O Direito Económico Administrativo, é aquele que é constituído pelas normas de Direito Administrativo que
regula as formas de intervenção do Estado na Economia, quando actua sob forma administrativa, dispondo de
poderes especiais de autoridade. - SOUSA FRANCO, citado por FERREIRA, EDUARDO PAZ, – Direito da Economia,
Lisboa, AAFDL-2003. Pág. 43.
12
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.16.
13
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
14
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Para o nosso caso, é possível situá-lo, preponderantemente, no âmbito do direito público,


pois, a maioria de suas regras tem origem constitucional, ou no Direito Administrativo. No
entanto, com os processos de privatização a que se tem dado efeito – seja a privatização
de gestão ou substancial14– uma série de normas tem assumido a natureza de direito
privado.
A verdade, portanto, é que dois movimentos convergem em direção ao Direito Económico:
a privatização da esfera pública e a publicização da esfera privada15, e nenhum destes
movimentos tem sido taxado de barbarismos. Isto não quer dizer que estes movimentos
puseram um fim à distinção entre público e privado, o que seria um exagero. Uma opinião
mais comedida parece indicar o caminho correcto:
Mais correcto parece ser afirmar que no campo do Direito Económico há um relativo
apagamento da importância dessa distinção o que, longe de ser um obstáculo à sua
afirmação como disciplina autônoma, constitui mesmo uma das problemáticas mais
aliciantes que contribuem para a sua diferenciação16.

Não há, portanto, como se definir com certeza a natureza do Direito Económico. Mas, por
outro lado, também não há como negar que ele tem se fixado, cada vez mais, como um
ramo autônomo, com seus próprios desafios e objecto de estudo.
À guisa de conclusão, podemos asseverar que, não obstante as dificuldades em proceder
à classificação do Direito Económico como ramo do Direito Público ou do Direito Privado
de acordo com as habituais distinções tradicionais, porquanto em boa razão, denota-se
que no Direito Privado há manifestação do um princípio de igualdade dos sujeitos e, por
seu turno no Direito Público identifica-se com a realidade da manifestação do Ius Imperi17,
por via da legalidade, é consensual afirmar a qualificação do Direito Económico como
Direito misto com predominância do Direito Público, pois que, abarca no seu seio uma
amálgama de normas de fonte de produção privatística e de fonte de produção pública.

1.4.5- Objectivos
A intervenção do Estado na ordem económica18 somente se legitima na realização do
interesse público. Em outras palavras, somente há que se falar em interferência do Poder

14
Sobre privatizações, ver, dentre outros, OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração
pública. In: Os caminhosda privatização da administração pública: IV colóquio luso-espanhol de Direito
Administrativo. Studia Iuridica 60. Coimbra: Coimbra ed., 2001. p.31-57.
15
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, op. cit., p.16.
16
Idem.
17
Cfr. Ibid., Pág. 19.
18
No que se refere à classificação das formas de intervenção do Estado na Economia, merecem destaque os
critérios propostos tanto por Luís S. Cabral de Moncada (Op. Cit., p. 33-38) quanto por André de Laubadère (Op.
Cit., p. 28-31) para classificação das formas de intervenção económica do Poder Público, a saber:
a) Quanto à abrangência: intervenções globais, sectoriais e pontuais ou avulsas: a.1) Intervenção global: quando
o Estado fixa uma política macro de planejamento económico, intervindo em carácter conjunto na economia
nacional, através de normas gerais e abstractas; a.2) Intervenção sectorial: quando o Estado fixa políticas
15
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Público no processo de geração de riquezas da nação quando esta se der no interesse


colectivo, a fim de garantir a persecução do bem-estar social.
No que tange à nossa actual Constituição, perfazendo-se uma exegese sistemática dos
dispositivos que disciplinam a Constituição Económica, seja em sentido material ou em
sentido formal, depreende-se que a interferência do Poder Público na vida económica da
nação somente se justifica quando visa colimar fins maiores de interesse colectivo,
mormente o atendimento das necessidades da população.
Por óbvio, uma vez que a República de Angola adopta a livre-iniciativa como princípio
fundamental e valor da ordem económica, a interferência do Poder Público na economia
da Nação somente se justifica quando objectivar a persecução de interesses sociais
maiores, tais como os objectivos fundamentais, positivados nos artigos 21.º, 89.º n.º 1, 90.º
e 99.º todos da CRA.
Note-se que, os agentes económicos, ou seja, os sujeitos das actividades económicas
perfazem uma gama de entidades bastante ampla, estando ali inclusos os indivíduos
particulares, o Estado, as empresas, os órgãos nacionais, internacionais e comunitários,
bem como os titulares de direitos difusos e colectivos, e o Direito Económico actua no
sentido de cumprir a espinhosa missão de conciliar os interesses económicos de todos eles
por meio da política económica elaborada. É assim que, concebe-se que o Direito
Económico tem como finalidade a realização das metas de transformação social e
maximização do desenvolvimento da sociedade, mediante a harmonização das medidas de
política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com a
ideologia constitucionalmente adoptada.

aplicáveis, tão somente, a sectores determinados da economia, através de normas gerais e abstractas; a.3)
Intervenção pontual (avulsa): ocorre quando o Estado necessita intervir no caso concreto em determinadas
entidades empresariais que actuam no mercado, através de actos concretos e específicos.
b) Quanto aos efeitos: intervenções imediatas e mediatas: b.1) Intervenção imediata: são os casos de intervenção
directa, que produzem efeitos instantâneos, tendo carácter nitidamente econômico; b.2) Intervenção mediata:
são os casos de intervenção indirecta, que produzem efeitos graduais, que só se fazem perceber ao longo do
tempo, uma vez que tal intervenção tem carácter político, com reflexos econômicos.
c) Quanto à manifestação de vontade: intervenções unilaterais e bilaterais: c.1) Intervenção unilateral: quando
o Estado actua no exercício de seu ius imperii proibindo ou autorizando determinadas actividades, intervindo no
mercado econômico através de actos unilaterais (leis, regulamentos ou actos administrativos normativos), nos
quais não há espaço para manifestação volitiva do agente econômico; c.2) Intervenção bilateral: ocorre quando
o Estado, em que pese actuar no exercício de seu ius imperii, condiciona a eficácia do acto de intervenção à
conjugação da manifestação de vontade do agente econômico, subordinada à ratificação do Poder Público.
d) quanto à actuação do Estado: intervenção direta e indirecta: d.1) Intervenção direta: ocorre quando o próprio
Estado assume para si a exploração da atividade econômica, na qualidade de agente empreendedor no mercado;
d.2) Intervenção indireta: ocorre quando o Estado se limita a condicionar o exercício da exploração da actividade
econômica, sem assumir posição de agente econômico activo.
16
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.4.6- Autonomia
O Direito enquanto ciência é uno e indivisível. A segregação em ramos jurídicos se dá, tão-
somente, para fins didácticos de estudos científicos. Um ramo jurídico somente é
considerado autónomo quando possui princípios próprios que orientem a sua produção
normativa, legando-lhe um ordenamento jurídico peculiar, independente da produção
legislativa de outros ramos do Direito.
O Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na intervenção do Estado na vida
económica. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas,
normas e princípios próprios construídos de direito que dá autonomia tanto científica e
pedagógica.
Mas, fala-se de uma interdisciplinaridade no estudo do Direito Económico que ultrapassa o
campo jurídico, querendo com isto sublinhar-se o especial peso que os temas económicos
assumem no objecto desta disciplina. Por vezes, chega mesmo a ser visto numa óptica
funcionalista, como mero instrumento da economia, um Direito ao serviço dos ditames
económicos, que apenas vê justificada a sua existência na medida em que cumpre esses
objectivos.
Deste fuste, somos a asseverar que a linha que separa o Direito Económico de outros ramos
de Direito é bastante ténue, uma vez que, tratando-se de um ramo de Direito recente,
muitas das matérias por ele abordadas, já foram tratadas por outros ramos de Direito,
embora o faça normalmente numa perspectiva diferente, ou seja, ramos como o Direito
Administrativo, o Direito Constitucional e tantos outros tratam já de matérias relativas às
actividades económicas, no entanto, apenas o Direito Económico as adopta com primazia,
considerando a regulação dessas, de modo a torna-las numa política económica objecto
exclusivo seu.
A sua finalidade é, dessa forma, regulamentar a actividade económica do mercado,
estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas. Ele trata de
estabelecer uma política económica19, no sentido de concretização dos ditames e princípios
constitucionais, ou seja, a política económica é definida com base na ideologia existente na
Constituição.
Outro aspecto a se ter em conta no tocante ao assunto em afloramento é o facto de que,
alguns domínios jurídicos que a priori seriam abrangidos pelo Direito Económico foram se
especializando e autonomizando, como é o caso do Direito Agrário e do Direito Bancário.
No entanto, vale aqui ressaltar que o Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na
intervenção do Estado na vida económica, tendo como conteúdo específico as actividades

19
Por política económica deve-se entender a reunião das prioridades, medidas e metas económicas traçadas e
executadas, de forma a serem atingidos os objetivos de determinada ideologia vigente. É a superação dos limites
dos interesses privados ou dos conflitos destes com os públicos. (...) e esta política económica é definida com
base a ideologia existente na Constituição. (Helena PRATA, Lições de Direito Económico, Casas das Ideias, Luanda,
2020. P. 25).
17
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

económicas que ocorrem no mercado, sejam elas provenientes do sector privado ou


público. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas,
normas e princípios próprios construídos de direito que lhe dá autonomia tanto científica
e pedagógica.

1.4.7- Princípios Gerais


O Direito é um conjunto de normas de conduta, entendendo-se estas como os valores
axiológicos juridicamente protegidos que fundamentam o ordenamento legal. Por sua vez,
as normas se dividem em duas espécies: os princípios e as regras.
Os princípios são a viga mestra do Direito, sendo comandos gerais dotados de alto grau de
abstração, com amplo campo de incidência e abrangência, que orientam a produção do
ordenamento jurídico. Em razão de seu maior campo de amplitude, os princípios admitem
maior flexibilização às situações sociais, aquando da aplicação da literalidade do texto da
norma aos casos concretos.
Da mesma forma, as regras são comandos aplicáveis em um campo de incidência
específico, com elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um indivíduo
na titularidade de direitos subjetivos. O comando normativo da regra aplica-se no campo
de acção individual de cada pessoa, sendo mais restrito na realização de seus objectivos,
não admitindo tamanha amplitude e flexibilização por parte do operador do Direito.
Assim, podemos verificar que a distinção entre princípios e regras se encontra em seu grau
de abstração. Princípios e regras concretizam-se à medida que vão sendo positivados no
texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior.
Os princípios gerais do Direito Económico são fundados, norteados e permeados,
concomitantemente, em valores de Direito público e privado, dado o ecletismo que
caracteriza este ramo jurídico, outorgando aos referidos princípios traços próprios e
específicos que os distinguem de sua aplicação em outros ramos do Direito.

a) Princípio da Economicidade
O princípio da economicidade provém do Direito Financeiro, pelo que, a sua aplicação no
Direito Económico deve ser precedida de um exercício de interpretação com base nos
valores e ideais constitucionalmente consagrados, processo este que exige uma simbiose
de valores muitos deles provenientes do Direito privado, mas que caracterizam,
igualmente, este ramo jurídico.
Deveras, o sentido do termo “economicidade” é muito mais amplo do que simples princípio
económico, ao qual se liga intrinsecamente a ideia de lucro financeiro, ou do custo
benefício (Finanças) visando a satisfação das necessidades da colectividade (Cfr. o art. 88º;
90º, da al. e) e 99º, nº 1, da CRA), ou seja, o Direito Económico busca harmonizar as medidas
18
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

de política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com o


primado da ideologia constitucionalmente adoptada20.
Neste contexto, o princípio da economicidade pode ser definido como aquele através do
qual se busca a concretização dos objectivos constitucionalmente traçados por uma linha
de maior vantagem, isto é, de forma mais viável possível para o suprimento de determinada
necessidade, seja esta de que ordem for, não apenas patrimonial, mas também social,
política, cultural, ética e moral21.
Bastante sugestiva é a apreciação da Advogada de Minas Gerais (Brasil) CLÁUDIA MARIA
SILVEIRA, segundo a qual muitas vezes, a solução mais vantajosa para a situação não se
trata daquela mais lucrativa em termos financeiros, capitalistas. Tudo dependerá da
finalidade que se busca atingir. Se se almeja, por exemplo, o alcance da instalação
telefónica em meios rurais de difícil acesso, apesar de ser uma obra extremamente
dispendiosa e de pouco retorno financeiro, se concretizando tal meta, o objectivo social
terá sido realizado, embora não sejam auferidos lucros em matéria de rendas mas sim de
benefícios para a população22.
Destarte, o emprego deste princípio, vem a corresponder à necessidade de flexibilidade
das normas de Direito Económico face às diversas circunstâncias com que este se depara
ao longo da trajectória económica de um País23. Porém, um mesmo facto em contextos
distintos pode levar a decisões inteiramente contrárias, sem a ocorrência de qualquer
contradição. Trata-se de simples ajuste ao dispositivo constitucional adequado para
situações individualizadas, realizado pelo instrumento harmonizador da economicidade.
O que significa dizer que, maior vantagem há de ser adequada aos objectivos
constitucionalmente definidos. Permite, desta maneira, a opção mais justa ou
recomendável, em política económica, a ser realizada pelo aplicador ou intérprete da
norma, aquando da realização concreta de situações hipoteticamente previstas. O ideal é
que se consiga conciliar aquilo tomado como certo economicamente, com o considerado
justo juridicamente. Em caso de incompatibilidade, deve prevalecer o justo. Afinal a “linha de
maior vantagem” é pautada em temos do “valor da justiça”. Restringe-se o arbítrio, o poder
de decidir do aplicador, o qual se deve ater às disposições constitucionais e princípios
hermenêuticos, preterindo-se qualquer subjectividade24.

20
Capitalismo ou socialismo.
21
Cfr. SILVEIRA, CLÁUDIA MARIA, - Advogada em Belo Horizonte (Minas Gerais) art. Direito Económico e
Cidadania - fonte internet. http://jus.com.br/946428-claudia-maria-toledo-silveira/publicacoes#ixzz2wfzDdXQK.
Consultada 10/2/2014.
22
Ibidem.
23
Daí que, o Direito Económico tem como característica marcante a efemeridade e a flexibilidade das suas
normas. Efemeridade devido ao facto de que elas são, necessariamente, adstritas à ideologia de determinada
constituição. Revogada ou reformada esta, acrescentando-se palpáveis modificações em termos ideológicos,
consequentemente, muda-se aquela, para que, novamente, se adeque à nova ordem.
24
Ibidem.
19
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

b) Princípio da Eficiência
É oriundo do Direito Administrativo, sendo aplicado no Direito Económico mediante
exegese sistêmica de vários princípios, mormente o da livre-iniciativa e a livre concorrência.
Assim, no campo do Direito, determina que o Estado, ao estabelecer suas políticas públicas,
deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar e maximizar a produção de resultados da
actividade económica, conjugando os interesses privados dos agentes económicos com os
interesses da sociedade, permitindo a obtenção de efeitos que melhor atendam ao
interesse público, garantido, assim, o êxito de sua ordem económica.
Através deste princípio, as entidades públicas ficam obrigadas a acomodar a sua gestão
económica a um aproveitamento racional dos meios humanos, económicos e financeiros
de que dispõem, minimizando os custos de produção de distribuição comercialização de
modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe
satisfazer.
É corolário do princípio da economicidade que visa criar as condições para que a
rentabilidade empresarial seja possível25. O que significa dizer que o Estado quando está a
regular ou a intervir na economia visa alcançar a eficiência e não abstruir. A Lei
constitucional de 1992, já consagrava a eficiência no artigo 11º, nº 2, por conseguinte, na
actual Constituição Económica vem consagrada no art. 21º, al. p), da CRA.

c) Princípio da Generalidade
Confere às normas de Direito Económico alto grau de generalidade e abstração, ampliando
seu campo de incidência ao máximo possível, a fim de possibilitar sua aplicação em relação
à grande multiplicidade de organismos económicos, à diversidade de regimes jurídicos de
intervenção estatal, bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no
mercado. Isto porque o ordenamento de Direito Económico deve ser capaz de se adaptar
às alterações mercadológicas de maneira célere, garantido a eficácia de sua força
normativa, como instrumento disciplinador do facto económico.

1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico


Na verdade, é natural que as discussões sobre a natureza, objecto, sentido e limites da
disciplina ainda não tenham se pacificado. Afinal, trata-se de um ramo do direito com ainda
poucos anos de existência, em comparação com outros ramos mais tradicionais, o que
justifica que a doutrina não tenha entrado em um acordo sobre estas questões. O que se
pode fazer, porém, é definir quais os fundamentos e quais as condições sociais e teóricas
que presidem a necessidade de sua emergência26.

25
Cfr. MONCADA, Luís Cabral de, - Direito Económico, 5ª edição, 2007, Pág. 334.
26
SANTOS, António Carlos; GONÇALVES, Maria Eduarda; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel. Direito Económico.
5. ed. Coimbra: Almedina, 2006.
20
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

O primeiro fundamento é o de que nem mesmo as economias de mercado mais liberais não
são, actualmente, produto de um funcionamento automático do mercado, regido somente
pelas leis económicas do século XIX. Neste sentido:
Com as transformações da ordem liberal clássica, surgiram, com efeito, formas específicas
de regulação pública da economia, dando origem a um conjunto de normas, princípios e
instituições que regem a organização e direcção da actividade económica nas suas diversas
manifestações (produção, circulação, distribuição e consumo), impondo limites,
condicionando ou incentivando os agentes económicos ou mesmo alterando, de um ponto
de vista estrutural, algumas tendências que resultam do livre funcionamento do mercado 27.

Este conjunto de normas, princípios e instituições de origem pública buscou suprir as


lacunas deixadas pelo direito privado clássico e até hoje constitui o núcleo mais relevante
do Direito Económico: a regulação. Mas esta regulação não se confunde com a típica
regulação administrativa; pois, ela utiliza técnicas privatísticas que as diferenciam
consideravelmente. Portanto, no presente contexto, o mercado de regulador passou a
instituição regulada.
Já o segundo fundamento é o de que as próprias entidades privadas passaram a produzir
normas, seja por delegação pública, seja por sua própria iniciativa. Isto se deve, em grande
parte, à multiplicação e complexificação dos agentes económicos28. Algumas dessas
normas são fruto de negociações, nos moldes do direito privado, entre o Poder Público e
os agentes económicos. É possível, inclusive, discutir a validade e a natureza destas
normas, mas é inegável que elas tratam de matérias vitais para a compreensão de diversos
sectores económicos. Estamos diante da chamada auto-regulação.
Acordos de concertação social, pactos sociais, regulamentos associativos, códigos de
conduta, instituições mistas, são fenómenos de direcção ou organização, global ou sectorial,
da economia e que traduzem complexa imbricação das esferas pública e privada clássicas,
possibilitando um especial desenvolvimento do Direito Económico29.

O terceiro e último fundamento refere-se à crescente complexidade das relações entre o


sistema económico e os sistemas jurídico e político30. Ao longo do século XX descobriu-se
que a economia também é um poder, e que, por isso, a política e a justiça não podem
permanecer indiferentes. Isto toma ainda mais forma no momento em que se configura
um Estado Social, preocupado em garantir aos cidadãos as necessidades básicas e a
protecção de seus direitos fundamentais. Este fundamento traz consigo as questões de
controle do poder económico pelo Poder Público e da constituição económica (direito do
trabalho, do consumidor e ambiental são alguns exemplos)31.

27
Ibid., p.10.
28
Idem.
29
Ibid., p.10-11.
30
Ibid., p.11.
31
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
21
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.6- Características do Direito Económico


Com tudo o que já foi exposto, é possível enumerar algumas das características do Direito
Económico:
1- Carácter recente do Direito Económico: tanto no Direito angolano como noutros
ordenamentos jurídicos do Direito comparado, é sempre considerado como nova
disciplina em relação as disciplinas tradicionais, ou seja, mais antigas do Direito,
designadamente Direito civil, Direito das Obrigações, Direitos Reais e etc.
2- Suas fontes são dispersas e heterogêneas: o Direito Económico tem uma pluralidade
de fontes. Existem, em primeiro lugar, fontes internas. Dentre elas, a primeira fonte
é a Constituição. A CRA, por exemplo, contém um conjunto extenso de preceitos que
se referem directamente à economia, e constitui a essência da ordem económica32. À
Constituição seguem as Leis, os Decretos e os demais actos do Poder Público que
produzem efeitos sobre a economia.
Há também fontes internacionais, costumeiramente previstas em tratados ou
convenções. As fontes internacionais têm grande importância para os países da
União Europeia, a qual emite uma série de directivas a fim de ordenar um direito
comunitário. Estas directivas, diga-se, tem apontado para a privatização da
economia, inclusive dos serviços públicos.
Ainda, as regras de Direito Económico podem ter origem privada, ou mista. Como já
se noticiou anteriormente, os agentes económicos privados podem se reunir e emitir
regras com carácter supletivo ou complementar33, ou eles podem se reunir com o
Poder Público, e definir medidas de concertação. Não se pode esquecer, por fim, da
importância das decisões jurisdicionais e administrativas para o desenvolvimento da
disciplina.
3- A ampliação do âmbito das fontes tradicionais: como fontes tradicionais, deve-se
compreender as "leis". O Direito Económico não se restringe ao modelo clássico de
lei, que prevê uma regra primária e outra secundária (preceito-sanção). Pelo
contrário, há a inclusão de leis-plano, leis-medida, actos de fomento. Todas estas
modalidades não eram conhecidas pela doutrina jurídica clássica.
4- Mobilidade, ou mutabilidade: esta característica se manifesta "na transitoriedade da
vigência e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas
normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e
políticas e pela sua ligação às políticas económicas conjunturais"34.
5- Privatização das fontes: trata-se da elaboração de normas pela auto-regulação, pelo
processo de concertação entre autoridades privadas e públicas, e também pelo

32
Ibid., p.22.
33
Sobre a autorregulação, cf. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra:
Almedina, 1997.
34
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.25.
22
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

processo de privatização de gestão das entidades governamentais.


6- Declínio da coercibilidade: no Direito Económico predominam as regras de conteúdo
positivo, ou seja, regras que permitem e incentivam. As regras proibitivas são menos
numerosas. Estas características podem até mesmo fazer alguns juristas
questionarem o carácter jurídico do Direito Económico, já que as suas regras não
trabalham com o sistema clássico de preceitos e sanções. Mas a eles, o que se pode
responder é que a realidade é esta, e ela deve ser observada no âmbito jurídico.

1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica


Como é de práxis, as normas e princípios jurídicos que constituem qualquer ramo de
Direito tem sempre como centro as pessoas, isto é, pessoas físicas e/ou colectivas de
Direito Público ou de Direito Privado, como sendo os seus destinatários. Relativamente a
teoria da relação jurídica, ela pode-se definir, segundo a doutrina de MANUEL DOMINGUES
DE ANDRADE, como uma relação da vida social disciplinada pelo direito, mediante
atribuição à uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente
imposição à outra pessoa de um dever ou de uma sujeição35.
O que será, no caso particular a relação jurídica económica? LUÍS CABRAL DE MONCADA diz
que, - “A relação jurídica Administrativa é, deste modo, o vínculo abstracto e geral ou
individual e concreto constituído entre dois ou mais sujeitos de direito por uma norma de
direito administrativo ou por um acto individual concreto, mediante o qual cada um dos
intervenientes pode exigir de outro certa conduta positiva ou negativa”36.
Portanto, podemos inferir a partir da compreensão das contribuições dogmáticas acima
referenciadas e que, neste passo, a relação jurídica económica pode ser axiomada na
seguinte definição: - “um o vínculo geral e concreto que se estabelece entre dois sujeitos ou
mais Agentes Económicos disciplinado por uma norma de Direito Público ou Privado,
contrato ou por um acto individual concreto, mediante atribuição de um direito subjectivo a
um dos intervenientes, do qual pode-se exigir de outrem certa conduta positiva ou
negativa”37. Para o Direito moderno todo indivíduo é pessoa para todos efeitos jurídicos,
no entanto, outras entidades, as pessoas não humanas também são pessoas jurídicas
próprio da construção do Direito, pois que, veem reconhecidas a personalidade jurídica.
Neste sentido, a personalidade do sujeito jus-económico define-se como conjunto de
direitos e deveres atribuídos em função da organização e direcção económica; e será
sujeito ius-económico, todo centro de imputação das normas ius-económicas, atribuídas
em função do papel que cada um desempenha no seio do sistema económico38.

35
Cfr. ANDRADE, MANUEL A. DOMINGUES, – Teoria Geral da Relação Jurídica – vol. I, Sujeito e Objecto, Coimbra
2003, Reimpressão, Pág. 2.
36
Cfr. MONCADA, LUÍS CABRAL DE, – Relação Jurídica Administrativa, Coimbra editora 2009, Pág. 13.
37
Definição nossa.
38
Cfr. PRATA, HELENA, – Lições de Direito Económico, casa das ideias Pág. 138.
23
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.7.1- Critérios de determinação e tipos legais de sujeitos jus-económico


Regra geral, são sujeitos jus-económico aquelas todas entidades (públicas ou privadas) as
quais serão centro de imputação das normas económicas segundo o papel que cada uma
delas desempenha no âmbito da relação jurídica económica.
Para a determinação do tipo legal de sujeitos jus-económicos são utilizados dois critérios:
o económico e o jurídico. Para o critério económico, ou de agentes económicos (aqueles
que intervêm de uma maneira directa no circuito económico – da produção ou consumo).
Nesta perspectiva são sujeitos o Estado, as Empresas e os Consumidores.
No entanto, nós seguimos o critério jurídico, que é mais extenso, pelo que, a sua
classificação parte dos nexos funcionais de titularidade e outros teleologicamente jus-
económico que imputam ou vinculam, quer em termos característicos da pessoa jurídica,
quer em termos análogos e eruptivos à essa classificação o Estado; as Associações
Privadas de natureza económica, as famílias39, o Consumidor e as Empresas.
Nestes moldes, segundo a Prof.ª Helena PRATA, podemos identificar seis tipos de sujeitos
jus-económico: o Estado, as empresas, as associações económicas, o consumidor e os
agrupamentos de empresas40.

1.8- Fontes
1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica
Num primeiro momento, os conceitos de Ordem Económica e de Ordem Jurídica
Económica ou Ordem Jus-económica são tomadas como conjunto de regras e princípios,
segundo os quais a actividade económica se pauta. No entanto, a presente justaposição
não é inteiramente coincidente: a ordem económica em sentido económico, aquém ou
além das regras e princípios jurídicos vigentes, integra leis ajurídicas que exprimem o
funcionamento da Economia e que cognitivamente relevam da Ciência da Economia,
encerrando uma ideia de um certo determinismo funcional causal.
Deveras, a Ordem Jurídica Económica (OJE) vai mais longe, extensiva e intensivamente,
quando concebida como o conjunto de normas e princípios jurídicos que pautam a
actividade económica41. Gerard FARJAT distingue-nos, adentro desta vasta ordem
económica jurídica, uma ordem pública da economia como conjunto de normas, medidas
tomadas pelos poderes públicos com o fim de organizar as relações económicas que a
opõe a uma ordem privada da economia e a uma ordem mista ou ordem concertada, todas
passíveis de coexistirem num mesmo espaço.

39
A família no Direito Económico como instituição social não é sujeito jus-económico por lhe escapar aquele
substrato jurídico de personalidade e capacidade jurídicas, ou seja, de ser centro de imputação de direitos e
obrigações
40
Helena PRATA, Op. Cit., pág. 112.
41
Conceito de ordem jurídica económica: conjunto de regras jurídicas, institutos e princípios incluídos, que
regulam a actividade económica.
24
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico


A Ordem Jurídica Económica é constituída por todas as normas e actos jurídicos que
disciplinam a actividade económica, sejam elas normas internacionais, leis, decretos
presidenciais, portarias despachos ou outros.
Por fontes do Direito entende-se os modos de produção e revelação das normas jurídicas.
Em matéria de Direito Económico podemos encontrar as fontes tradicionais (a
Constituição, actos normativos, regulamentos) e as fontes não tradicionais (os acordos de
concertação económica; as várias formas contratualistas estabelecidas entre o Estado e os
particulares)42. Isto faz com que as fontes de Direito Económico tenham como
características principais a complexidade e diversificação, uma vez que elas podem ser
públicas, mistas e privadas, estando na base desta situação os seguintes factores:
✓ A perda do monopólio dos poderes públicos na produção de normas jurídicas;
✓ A emergência de uma ordem negociada entre poderes públicos e privados (o direito
de concertação económica);
✓ Auto-regulação por devolução pública.

1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais.

A) Fontes Internas
✓ A Constituição (naturalmente, é a primeira e a mais importante fonte do Direito,
porque é a Lei fundamental é a carta magna, portanto, fixa as grandes balizas de
toda actividade económica como por exemplo os artigos: 2º, 8º, 12º, 14º, 15º, 16º, 38º,
78º, 89º, e ss da CRA);

✓ Actos normativos (Leis, Decretos-lei, Decretos); e,

✓ Regulamentos – São um conjunto de regras e princípios jurídicos que regulam uma


determinada actividade económica art. 201º da CRA.

B) Fontes Internacionais:
São fontes do Direito Económico Internacional os tratados Internacionais e regionais.
Efectivamente são numerosas as convenções Internacionais que vinculam o Estado em
matéria económica que ingressam na ordem jurídica económica através da transposição
semiplena e plena nos termos densificados no corpo do art. 13º, da CRA. Por outro lado,
confluem para efeitos das fontes do Direito Económico no plano internacional a Lei nº 4/11,
de 14 de Janeiro, Lei sobre os Tratados Internacionais ex.: GATT, SADC, OMA, OMC etc.

42
Cfr. AAVV. – DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS/GONÇALVES, MARIA EDUARDA/MARQUES, MARIA MANUEL
LEITÃO, - Op. Cit., pp. 21-25.
25
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.8.4- Fontes não Tradicionais


Em consequência da evolução que se tem verificado no mundo actual, na forma de
conceber a actividade económica e o papel do Estado quer quando intervém diretamente,
quer quando procura obter resultados por outra via, as fontes não tradicionais tendem a
ganhar uma importância crescente no Direito Económico, pois, a regulação da actividade
económica tem origem pública, particular ou mista.
É este o caso dos Acordos de concertação económica, de várias formas contratualistas
estabelecidas entre os Estados e os particulares etc. Em qualquer caso, é difícil fazer uma
valoração definitiva da importância dessas fontes de Direito, que de alguma forma revelam
um grande poder de adaptação do Direito Económico às mutações económicas e sociais.

26
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA

2.1- Direito e Economia


Economia é a ciência que estuda a forma pela qual os indivíduos e a sociedade interagem
com os fatores de produção, integrando-os em um ciclo económico (produção, circulação
e consumo). Trata dos fenómenos relativos à produção, distribuição e consumo de bens.
Microeconomia é a teoria clássica económica, baseada nas unidades individuais da
economia (liberdade individual nas relações jurídico-económicas), focando-se, tão-
somente, em cada agente económico. Macroeconomia ou economia política é a moderna
teoria económica, que teve origem com o processo de intervenção do Estado na economia,
focando-se no funcionamento do fenómeno económico em caráter colectivo, como um
todo. Conforme o magistério de Carlos Maximiliano, “não pode o Direito isolar-se do
ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e
económica. [...] As mudanças económicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de
toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e
imperativas toda a evolução do igualitarismo”43 (grifamos).
A clássica doutrina económica é fortemente permeada no pensamento de Adam Smith,
cuja teoria da mão invisível partia do pressuposto de que os negócios jurídicos realizados
no mercado, em condições perfeitas de competição, resultam na satisfação dos interesses
coletivos da sociedade, mesmo que os agentes ajam, tão-somente, em interesse individual
e próprio.
Por sua vez, a moderna doutrina económica segue novas tendências de pensamentos,
mormente a teoria dos jogos, desenvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no
início do século XX, que analisa a forma como agentes económicos ou sociais definem sua
actuação no mercado, considerando as possíveis acções e estratégias dos demais agentes
económicos44. Vale ressaltar o pensamento do economista, ganhador do Prêmio Nobel,
John Nash, que aprofundou os estudos de equilíbrios entre os agentes económicos,
mormente em relação à aplicação da Teoria dos Jogos em ambientes não cooperativos.
Denomina-se “Equilíbrio de Nash” a solução para determinado mercado competitivo no
qual nenhum agente pode maximizar seus resultados diante da estratégia do outros
agentes45.
Destarte, pela conceituação acima delineada, resta claro que o Direito económico se
interessa pelos fenómenos macroeconómicos, focando seu estudo nas relações jurídicas
oriundas da intervenção do Estado no controle e condução da utilização racional dos
factores de produção por parte de seus detentores. Assim, o Direito Económico visa, com

43
MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 157-9.
44
Ver, a respeito da teoria dos jogos: BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory
and the Law. Cambridge: Harvard University Press, 1998.
45
SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill, 1999. p. 199
27
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

a condução da política económica, alcançar e realizar os interesses coletivos e


transindividuais traçados pelo Estado.

2.2- Classificação das Actividades Económicas


O estudo do Direito Económico envolve, inicialmente, a preocupação com a compreensão
do que seja actividade económica, principalmente o seu modo de acontecer, para que as
normas jurídicas não interfiram nas regras naturais da Ciência Económica. Do ponto de vista
estritamente concebido, a actividade económica corresponde a todo acto de produção e
consumo de bens e serviços, cuja finalidade é a satisfação das ilimitadas necessidades
humanas46-47.
Desfazendo este primeiro entendimento podemos conceber por actividade económica
todo o empreendimento envidado no sentido de se produzir, circular ou consumir bens, a
fim de atender as necessidades colectivas e individuais da sociedade. Por sua vez, o ciclo
económico corresponde ao conjunto das etapas em que irão ser criados os bens, colocá-
los no mercado para se efectuar as trocas comerciais, bem como disponibilizá-los para
consumo final.
Observe-se que, o atendimento das necessidades humanas pode se dar tanto por parte do
particular quanto por parte do Poder Público. Como é óbvio, o agente privado constituído
sob a forma empresarial actua sempre no sentido de alcançar seus interesses próprios,
vendo nas necessidades colectivas e individuais da sociedade uma forma de se obter lucro.
Assim, quando participa do ciclo económico seu objectivo imediato e principal é a
persecução de resultados financeiros, que serão alcançados mediante o atendimento das
necessidades da colectividade, por meio da venda de seus bens e produtos. Trata-se da
teorizada “mão invisível” advogada por Adam Smith.
Por sua vez, o Estado tem por finalidade maior o atendimento dos interesses da sociedade,
em especial as necessidades da parcela da população que, por qualquer razão que seja, não
pode, por si, auferir renda e adquirir com o produto de seu labor os bens necessários para
a subsistência48. Para tanto, actua sempre em regime de Direito Público, de modo a
garantir o acesso universal aos bens que disponibiliza e, excepcionalmente, em regime de
direito privado. Isto porque, no que se refere ao mercado privado, o consumo de bens é
estritamente ligado à capacidade económica dos indivíduos. Em outras palavras, a
aquisição de bens é directamente proporcional ao poder de geração de renda do cidadão.

46
Lei n.º 5/02, de 16 de Abril: art.º 1.º São actividades económicas aquelas que se destinam à produção e
distribuição de bens e à prestação de serviços a título oneroso e com finalidade lucrativa.
47
No âmbito das actividades económicas é usual distinguir-se três sectores: o primário, composto pela
agricultura, pesca, caça, pecuária e silvicultura; o secundário, pela indústria, podendo ser esta compreendida
enquanto actividade transformadora; e o terciário, integrado pelas actividades latamente aferidas ao comércio
e aos serviços.
48
Essa é uma filosofia de actuação e missão que tem no moderno Estado Social a sua origem e fundamento.
28
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Todavia, tal facto não se traduz no abandono do mais desfavorecido por parte da
sociedade civil, uma vez que, esta se organiza juridicamente em torno do Estado, a quem
incumbe conduzir o processo de redistribuição de renda e atendimento dos necessitados
(Cfr. art.º 90.º da CRA). Assim, aqueles que, por si, possuem renda e podem adquirir os bens
essenciais à vida, contribuem na arrecadação de receitas do Poder Público (princípio da
capacidade contributiva), para que este disponibilize à parcela desfavorecida da sociedade
os bens necessários à existência digna.
Destarte, podemos conceber que a actividade económica em sentido lato envolve tanto o
atendimento das necessidades da sociedade pelo mercado privado, quanto pelo Poder
Público. Este actua prestando serviços públicos à sociedade como um todo, mormente aos
mais desfavorecidos, ao passo que aquele actua explorando actividades económicas em
sentido estrito. Assim, podemos classificar as actividades económicas em:
a) Actividade económica em sentido estrito
Trata-se de todas as actividades típicas do mercado, que envolvem a produção, circulação
e o consumo de bens e serviços, sendo regidas exclusivamente pelas normas do direito
privado. Assim, as actividades económicas em sentido estrito são exploradas
precipuamente pelo particular e subsidiariamente pelo Poder Público, somente nas
hipóteses e excepções constitucionalmente previstas, devendo o mesmo, para tanto, estar
previamente autorizado por lei, sempre em regime de direito privado e em caráter
concorrencial com o particular49.
b) Serviços Públicos
Por serviços públicos entende-se toda a actividade prestada para atendimento das
necessidades do Estado ou da sociedade, sempre sob regime de Direito Público. Os
serviços públicos são precipuamente prestados pela Administração Pública, cabendo,
todavia, sua delegação aos particulares, seja por via de concessão ou permissão, precedida
obrigatoriamente de concurso. Observe-se que a regência de tais actividades será sempre
por normas de Direito Público, ainda quando prestadas por particular em regime de
concessão50.

49
Observe-se que a oferta e aquisição dos produtos oriundos da exploração de actividade económica em sentido
estrito são restritas, tão somente, à parcela da população com renda própria para tanto. Isto porque a exploração
destas actividades se orienta em princípios de direito privado e nas leis de mercado, não havendo como se impor
aos agentes económicos particulares atendimento caritativo e assistencialista às necessidades dos
desfavorecidos. Estes, quando se fizer necessário, devem valer-se das políticas públicas de redistribuição de
renda, de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais a serem implementadas pelo Poder
Público. Tal facto não se traduz na volta ao liberalismo puro, uma vez que ao Estado compete normatizar, regular
e planejar sua ordem económica e seu mercado interno, conduzindo-os ao atingimento de metas socialmente
desejáveis. Some-se a isso que o próprio agente económico tem funções sociais a desempenhar perante o
mercado e a colectividade. Todavia, o fim maior de realização da justiça social, tendo em vista a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, compete precipuamente ao Estado, que nada mais é do que a Nação
juridicamente organizada em torno da Constituição e das leis.
50
Observe-se que, no modelo de Estado Regulador, não compete mais ao Poder Público o atendimento irrestrito
de toda e qualquer necessidade da população, mas sim focar esforços para realização dos objectivos
29
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

2.3- Sistemas Económicos


Inicialmente, há que se ter em mente que sistema se trata de um conjunto de elementos
que se sustentam por si. Assim, os sistemas ou modelos económicos são, especificamente,
a forma pela qual o Estado organiza suas relações sociais de produção, na qual estrutura
sua política, isto é, a forma adoptada pelo Estado no que se refere à propriedade dos
factores de produção e distribuição do produto do trabalho. Alternativamente, é o
conjunto de princípios e técnicas com os quais os problemas de economia são
endereçados, tais como o problema da escassez com a alocação de recursos produtivos
limitados. É composto por pessoas, instituições e a sua relação com os recursos produtivos,
como seja a convenção de propriedade. Vale destacar que o sistema económico pode ser
concebido como uma especialização do sistema de direito51.
Inicialmente, o mundo adoptou dois sistemas económicos bem definidos, que foram
classificados em dois grandes modelos, diametralmente opostos, a saber, capitalismo e
socialismo. Actualmente, diante das actuais necessidades económicas internas e da nova
configuração da economia mundial, presenciamos o surgimento de modelos económicos
que mesclam tanto características capitalistas, quanto socialistas. Destarte, a classificação
a seguir delineada se dá para fins meramente didáticos, uma vez que, no mundo
globalizado, as relações jurídico-económicas podem assumir feições de cunho capitalista,
em que pese embora serem oriundas de um sistema socialista, como ocorre, actualmente,
na República Chinesa.

A) Capitalismo
É o sistema económico no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade
privada dos bens em geral, dos factores de produção, na ampla liberdade de iniciativa e de
concorrência, bem como na livre contratação de mão de obra. Tem no capital um de seus
principais factores de produção, sendo este um dos elementos preponderantes para a
sustentação da vida económica. É, outrossim, denominado sistema da livre empresa.
Este sistema assenta-se basicamente no individualismo próprio do liberalismo económico,
tendo como principais características:
a) Propriedade privada dos meios de produção;

fundamentais da sociedade em especial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o


desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e
regionais; e a promoção indiscriminada do bem de todos (Cfr. art.º 21.º da CRA). Assim, a prestação dos serviços
públicos por parte do Estado deve ter como finalidade o atendimento precípuo das necessidades da parcela da
população que, por qualquer razão que seja, não esteja em condições de auferir renda e, com o produto de seu
labor diário, adquirir os bens essenciais à sua existência digna.
51
Por sistemas de direito, podemos entender o conjunto de normas, regras e princípios, que regerão as diversas
formas pelas quais a sociedade organizará os mecanismos de legitimação política da autoridade estatal; de
participação popular na condução da vida política do Estado; os paradigmas de comportamento para a regulação
da vida no meio social; bem como as diversas formas de relação, individual e social, com as riquezas e os factores
de produção.
30
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

b) Trabalho assalariado como base de mão de obra; e,


c) Sistema de mercado baseado na livre-iniciativa e na liberdade de concorrência.
Neste sistema económico, os meios de produção e distribuição são de propriedade privada
e com fins lucrativos. As decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e
investimentos não são tomadas pelo governo, mas concebidas pelo mercado, os lucros são
distribuídos para os proprietários que investem em empresas e os salários são pagos aos
trabalhadores pelas empresas. Não há consenso sobre a definição exacta do capitalismo,
nem como o termo deve ser utilizado como categoria analítica.

B) Socialismo
É o sistema económico baseado na autoridade estatal, que centraliza e unifica a economia
em torno do Poder Central. É oriundo do processo crítico que apontou as falhas no modelo
capitalista, principalmente no que se refere ao acirramento das desigualdades sociais e
empobrecimento do proletariado, sendo um sistema de cunho social e político, além de
económico.
Tem como principais características:
a) Direito de propriedade limitado e mitigado pela vontade estatal e, não raro,
suprimido;
b) Estatização e controle dos factores de produção e recursos económicos por parte
da classe trabalhadora;
c) Gestão política que visa à redução das desigualdades sociais; e,
d) Remuneração do trabalho mediante a repartição do produto económico que se dá
por decisão do governo central.
Refere-se, portanto, a um sistema de organização económica baseado na propriedade
pública ou colectiva e na administração dos meios de produção e distribuição de bens por
parte de uma única autoridade central. Por sua vez, a sociedade se caracteriza pela
igualdade de oportunidades para todos como um meio mais igualitário de compensação
das diferenças naturais entre os indivíduos.

31
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Quadro sinóptico das soluções dadas pelos dois sistemas às questões fundamentais da
economia:
Economia de mercado: Economia planificada:
Produzir
Capitalismo Socialismo
O consumo é determinado pelos
Cabe à Direcção Central interpretar as
O quê? consumidores que definem as suas
necessidades dos sujeitos económicos,
necessidades, prioridades e
(consumo) estabelecendo quais são elas e qual a
intensidades, confrontando-as no
prioridade relativa de satisfação.
mercado livre.
A produção é organizada livremente
Como? pelos agentes económicos que Cabe à Direcção Central através da
escolhem as técnicas e os bens a planificação da economia, definir quais os
(Produção) produzir, tendo em conta a lei da bens a produzir e em que quantidades.
procura e da oferta no mercado livre.
A repartição do produto é feita através
A Direcção Central fixa as quotas de
dos mercados de factores de produção
Para quem? resultados de produção que são
(em que uns vendem trabalho, capital,
distribuídas a cada sujeito económico, a
(Repartição) terra ou técnica e outros compram tais
cada factor de produção, a cada região e
bens com as receitas da venda dos seus
sector.
produtos.)
O sistema de economia de mercado é
um modelo económico abstracto O sistema de economia planificada é um
totalmente descentralizado, em que a modelo económico abstracto totalmente
resolução dos problemas económicos centralizado, dependendo de um plano
Síntese

fundamentais se passa central obrigatório, que constitui o seu


espontaneamente, como se não instrumento privilegiado para a resolução
houvesse Estado, através dos de todos os problemas económicos
mecanismos da procura e da oferta fundamentais.
num mercado de livre concorrência.

2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado


Trata-se do estudo da forma de participação do Estado nas actividades de cunho
económico, desenvolvida em seu respectivo território. O ponto de partida é o de que a
intervenção é um fenómeno historicamente permanente, uma vez que desde sempre
existiram formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa e
quantitativamente diferentes das que são, por exemplo, as características do Estado de
Direito Social dos nossos dias.

32
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Desta feita, entende-se claramente que a questão da intervenção estatal na economia


descreveu assim uma clara evolução, cujos contornos interessa precisar de modo a melhor
identificar as suas características principais nos nossos dias. Historicamente, a maioria das
normas interventoras anteriores às actuais assumiam um carácter proibitivo e repressivo,
não se pretendendo com elas levar os entes privados a adoptar certos comportamentos
ou a efectuar certas prestações positivas conformes ao interesse geral definido pelas
autoridades.
Desta feita, pode-se identificar as seguintes formas económicas de Estado:

2.4.1- Estado Liberal


Baseia-se na doutrina filosófica e política do liberalismo, que se assenta no respeito do
Estado ao pleno exercício dos direitos e garantias por parte de seus respectivos indivíduos.
A principal manifestação económica do Estado Liberal é o postulado da livre-iniciativa, que
se traduz no direito de qualquer cidadão exercer actividade económica livre de qualquer
restrição, condicionamento ou imposição descabida do Estado.
Outrossim, cumpre ressaltar que tal sistema económico igualmente pautava-se na plena
liberdade contratual, devendo o Poder Público garantir o cumprimento das cláusulas
pactuadas, a fim de se manter a estabilidade e a segurança nas relações jurídicas
contratuais.
Por fim, o Estado Liberal, igualmente, se assenta na liberdade de mercado, na qual o
sistema económico fica sujeito à auto-organização (auto-regulação) da economia, não
sofrendo qualquer influência ou interferência estatal (sistema económico autônomo –
descentralização das decisões económicas), uma vez que, ao Governo Central compete tão
somente a manutenção da ordem interna e a defesa externa das fronteiras. Consubstancia-
se, no plano jurídico, no princípio da autonomia de vontades privadas, no dirigismo
contratual e no carácter absoluto dos direitos privados, tais como a propriedade e a
liberdade52.
No plano económico, o Estado Liberal é fruto directo das doutrinas do filósofo escocês
Adam Smith, que defendia que a harmonia social seria alcançada por meio da liberdade de
mercado, aliando-se a persecução do interesse privado dos agentes económicos a um
ambiente concorrencialmente equilibrado.

52
Os primeiros economistas clássicos pensavam que os mercados se auto regulavam, sendo a economia liberal
identificada como economia não regulada, querendo com isto dizer-se, não que funcionava desreguladamente,
pelo contrário, mas sim que para funcionar reguladamente não precisava ser hetero-regulada ou regulada
artificialmente. Eles argumentavam que as tentativas para aliviar a pobreza através das intervenções
governamentais na economia eram esforços inglórios que acabariam simplesmente por reduzir o rendimento
nacional total. Esta perspectiva foi contestada pelo economista inglês John Stuart Mill, o qual, embora alertando
contra as interferências no mecanismo de mercado, argumentou que as políticas governamentais podiam reduzir
a desigualdade.

33
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Por meio do devido processo competitivo, os agentes mais aptos iriam se sobressair sobre
os menos eficientes, sendo estes naturalmente eliminados. Desta feita, em um mercado,
cujos participantes estão em constante disputa para atrair maior número de consumidores,
estes experimentam os benefícios da competição, tendo à disposição produtos e bens
qualitativamente diferenciados, por preços cada vez menores, garantindo, assim, a
maximização de seu nível de bem-estar socioeconómico. Tal teoria económica é a
denominada “Mão Invisível”.
No campo do Direito Constitucional comparado, merece destaque o Estado Liberal Norte-
Americano, inaugurado com a Constituição de 1787, emendada aditivamente pelo Bill of
Rights de 1791, bem como o francês, inaugurado pela Carta de 1789. Neste sentido, cabe
citar o magistério de Manoel Afonso Vaz:
Laissez-faire, laissez-passer; le monde va de lui-même – eis o lema apontado por Adam Smith
que, na sua “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776),
preconizava: cessem todas as medidas de limitação e surgirá por si próprio o sistema claro
e simples da liberdade natural. (...) De acordo com o sistema da liberdade natural só restam
ao Estado três funções para desempenhar: a) a obrigação de defender a nação contra as
violações e ataques de outras nações independentes; b) a obrigação de salvaguardar todo
o membro da própria nação contra ataques, mesmo legais, de todos os outros, ou seja,
manter uma legislação imparcial; c) criar e manter certas instituições públicas cuja criação e
manutenção não possam ser esperadas da iniciativa privada53.

Conforme bem observado por Nagib Slaibi Filho, o Estado Liberal caracteriza-se por uma
postura abstencionista, uma vez que actua de forma neutra e imparcial no que tange à
actividade económica. Na lição do ilustre constitucionalista:
O Estado liberal é absenteísta quanto à actuação na Economia (...) Se o Estado absenteísta
pretende deixar fluir as forças naturais do mercado, isto é, não corrige nem dirige os
aspectos económicos, já o Estado intervencionista actua sobre a ordem económica,
legislando e transformando os factores de produção, de acordo com o ideário político que
inspira sua actuação54.

Após a derrocada do modelo estatal liberal houve a ascensão de uma nova forma de
posicionamento do Poder Público em face da economia e dos mercados, não havendo mais
que se falar em liberalismo puro, mas em diferentes formas e aspectos intervencionistas,
cada qual influenciado pelo ideário político da corrente partidária que se encontra no
poder, conforme adiante explicitado.
De tudo o que fica dito resultam na prática um conjunto de elementos que caracterizam o
sistema económico capitalista liberal:
✓ Não intervenção do Estado na economia;
✓ Liberdade de iniciativa económica privada em todos os sectores;

53
VAZ, Manoel Afonso. Direito econômico, a ordem econômica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1985. p. 15.
54
SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 862-863.
34
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

✓ O mercado é auto-suficiente, soluciona todos os problemas com que se depara (“a


mão invisível” de Adam Smith - o bem comum como objectivo a alcançar provém
dos interesses individuais).
Este sistema económico predominou na economia mundial (ocidental) durante o Séc. XIX
e sensivelmente até ao fim dos primeiros quinze anos do Séc. XX.

2.4.2- Modelo Jurídico do Estado Social: Surgimento Do Estado Providência


Todas as sociedades têm de tomar medidas para ajudar os seus cidadãos pobres. Mas o
que é dado ao pobre tem de vir de outros grupos e esse é, indubitavelmente, o ponto mais
contestado dos programas redistributivos.
No final do Séc. XIX, Bismarck, na Alemanha, Gladstone e Disraeli na Grã-Bretanha seguidos
por Roosevelt nos EUA, tomaram medidas que constituíram um marco histórico no papel
económico do governo, introduzindo um novo conceito de responsabilidade do governo
quanto ao bem-estar da população.
Foi o nascimento do Estado Providência em que o governo modifica as forças de mercado
para proteger os indivíduos contra determinadas contingências, bem como garantir aos
indivíduos um padrão de vida mínima.
Mas é em meados do Séc. XX que emerge o “Estado Social” ou “Estado Providência”,
intervindo na área económica e social, tanto pela participação directa na produção e
prestação de bens e serviços como pela regulação da actividade económica, passando-se,
desta feita, do “Estado circunscrito” ao “Estado inserido” na economia.
A era da intervenção económica do Estado começou com a I Guerra Mundial e acentuou-
se depois da crise de 1929. Surgiu uma específica “administração económica” e
multiplicaram-se novas formas organizatórias de administração, incluindo os institutos
públicos e empresas públicas.
O quadro liberal do abstencionismo económico do Estado estava decididamente
abandonado. A economia começava a fazer parte do Estado e obtinha lugar na própria
Constituição. Na verdade, agora a economia deixou de ser assunto puramente privado,
passando a interessar a toda a Nação e tornando-se uma questão de Estado, a quem
competia a sua regulação e disciplina.
O Estado passa a ter uma concepção daquilo que é desejável para a evolução das
sociedades. Para a prossecução desses objectivos, o Estado vê-se forçado a uma
intervenção profunda na economia que se traduz no fenómeno de publicização do direito
privado à qual não pode deixar de se contrapor uma certa privatização do direito público,
criando empresas que vão actuar, tendencialmente, de harmonia com o direito privado.

35
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

As alterações do papel económico do Estado, reflectiram-se desde logo no crescimento do


peso das despesas públicas no produto nacional. Juntamente com as tarefas públicas
cresceu também naturalmente o aparelho do Estado e da Administração pública.
O objectivo base do Estado Providência moderno é proporcionar uma segurança mínima
para quem está temporária ou permanentemente incapacitado de ganhar para si próprio
rendimentos adequados.
Na base desta política está a promoção de uma maior igualdade. Existem diferentes
conceitos de igualdade. Para começar as sociedades democráticas afirmam o princípio da
igualdade dos direitos políticos, onde sobressai o direito de voto. Na década de sessenta,
os filósofos liberais expuseram a ideia de que as pessoas deveriam ter também
oportunidades económicas iguais. Todos deviam estar sujeitos às mesmas regras num jogo
não viciado. Todos deviam ter acesso idêntico às melhores escolas e formação profissional
e aos melhores empregos. A discriminação com base na raça e no género deveria assim
desaparecer. Foram tomadas muitas medidas para promover uma maior igualdade, mas
provou-se que as desigualdades de oportunidades eram muito persistentes.
Um terceiro objectivo mais longínquo é a igualdade do resultado económico. Neste sonho
ideal e rigorosamente utópico, as pessoas teriam o mesmo consumo, quer fossem espertas
quer não fossem, quer fossem esforçadas ou preguiçosas, felizardas ou desafortunadas.
Os salários seriam os mesmos para o médico e para a enfermeira, para o advogado e para
a secretária. Karl Marx formulou esta filosofia do seguinte modo: “de cada um de acordo
com as suas capacidades, a cada um de acordo com as suas necessidades”. Actualmente
até mesmo os socialistas mais radicais reconhecem que são necessárias algumas diferenças
no resultado económico para um funcionamento eficiente da economia. Sem uma
remuneração diferenciada como poderíamos assegurar que houvesse pessoas para
executar trabalhos desagradáveis, perigosos e complexos?
Nas medidas importantes do Estado Providência incluem-se as pensões, os seguros de
acidente e de doença, os subsídios de desemprego, os seguros de saúde, os programas de
alimentação e habitação, os abonos de família e suplementos ao rendimento de certos
grupos de indivíduos.
Relativamente à saúde pública, ela é um dos maiores sectores da economia e dos que têm
tido um crescimento mais rápido. É caracterizada por muitas falhas de mercado que levam
os governos a intervir intensamente. Os sistemas de saúde têm importantes
externalidades que incluem a prevenção de doenças contagiosas e a descoberta de novos
conhecimentos biomédicos.
Finalmente, dado que a saúde é tão importante para o bem-estar humano e para a
produtividade do trabalho, os governos procuram proporcionar um nível mínimo de
cuidados mínimos de saúde à população.
Da consolidação do Estado Providência surge a Social Democracia como modelo político
de um socialismo democrático moderado e parlamentar.
36
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Na maioria dos países, incluindo a Grã-Bretanha, o Estado Providência foi uma criação tanto
de esquerda como de direita, mas no período do pós-guerra os socialistas chamaram a si a
paternidade da ideia.
Este modelo abrangendo concepções políticas tão alargadas, ou de largo espectro,
adoptou políticas substancialmente diversas, tal como aconteceu com os sistemas de
segurança social que alimentaram. Assim, o sistema do Reino Unido põe a tónica nos
serviços sociais e na saúde, fazendo depender os benefícios do nível de rendimento dos
beneficiários. Os Estados Providência dos países escandinavos e nórdicos, baseados num
nível de impostos elevado, proporcionam benefícios generosos incluindo os serviços de
saúde. Os sistemas da Europa central assumem compromissos relativamente baixos em
serviços sociais, mas proporcionam serviços bem financiados noutros domínios, sendo
pagos na maior parte com descontos sobre os rendimentos do trabalho e baseados em
contribuições para a segurança social. Os sistemas do sul da Europa, semelhantes aos da
Europa Central são menos abrangentes e dispensam níveis inferiores de ajuda.

2.4.3- O Neoliberalismo
O pensamento neoliberal teve como principal objectivo combater o Governo todo
poderoso, tendo tido diversas origens.
Na Grã-Bretanha Edmund Burke o patriarca do conservadorismo expressou o seu desprezo
pelo Estado o qual, se crescer demasiado, se torna inimigo da liberdade e da auto-
suficiência. O conservadorismo Americano é, de há muito hostil ao governo central.
O Thatcherismo assimilou este pensamento, mas também o cepticismo liberal clássico
acerca do papel do Estado, que se fundamenta em argumentos económicos sobre a
superioridade da livre iniciativa. A tese do mínimo de Estado está intimamente ligada a ideia
de que a sociedade civil cria por si própria os mecanismos de solidariedade social.
O Estado através da sua intervenção não deve limitar o progresso e desenvolvimento das
pequenas organizações da sociedade civil. A sociedade civil funcionando por si própria
seria um “mar” de virtudes, tais como “bom carácter, honestidade, sentido do dever,
espírito de sacrifício, honra, vontade de servir, autodisciplina, tolerância, respeito, justiça,
progresso pessoal, confiança, cortesia, firmeza, coragem, integridade, diligência,
patriotismo, consideração pelos outros, frugalidade e reverência”. O que acabou de ser
referido soa-nos a um sonho vivido no passado, tudo isso porque o poder do Estado
sabotou a sociedade civil e tudo o que ela eventualmente poderia produzir por si mesma.
O Estado, em especial o Estado-Providência, é acusado de destruir a ordem civil, o que não
acontece com os mercados, pois estes florescem com a iniciativa individual. Tal como a
ordem civil se funcionar por si própria irá trazer enormes benefícios para a sociedade. Os
mercados são “ máquinas de movimento perpétuo, que apenas requerem um quadro legal

37
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

de actuação e a não interferência dos governos para proporcionarem o crescimento


continuo.
Os Neoliberais relacionam as forças livres do mercado com a defesa das instituições
tradicionais, especialmente a família e a nação. Os deveres e obrigações terão de ser
promovidos no seio das instituições tradicionais, mas o poder de iniciativa própria
desenvolve-se no âmbito da economia.
O Thatcherismo reage de forma indiferente as desigualdades, sendo até possível que as
defenda. A ideia de que “a desigualdade social é má ou prejudicial” é “ingénua e não está
provada”. Acima de tudo, é contra o igualitarismo. As políticas igualitárias, principalmente
as aplicadas na União Soviética, criam uma sociedade de uniformidade cinzenta. No
entanto, os que se encontram mais próximos de uma teoria liberalista veem a igualdade de
oportunidades como sendo desejável e necessária. Tendo sido com esse sentido que John
Major afirmou ter intenção de criar uma sociedade sem classes. Uma sociedade em que as
forças de mercado sejam livres, podendo essa liberdade criar desigualdades materiais, mas
ao mesmo tempo dar oportunidade a todos os que tenham habilitações e vontade de
ascender a posições de acordo com as suas capacidades.
Uma das referências que mais distingue os Neoliberais será o antagonismo demonstrado
em relação ao Estado-Providência. Considerado a origem de todos os males. O Estado-
Providência provoca danos enormes nos seus supostos beneficiários, pelo facto de que
cerceia o espirito de iniciativa e de progresso do indivíduo, homem ou mulher, depositando
uma carga profunda de ressentimento nos próprios alicerces da nossa sociedade livre.
Tudo isto se deve ao facto de o Estado acompanhar o indivíduo desde que nasce até à sua
morte sem nunca lhe proporcionar a possibilidade de ele poder escolher o seu próprio
caminho como “se se tratasse de um filho nosso que mesmo depois de adulto nós
quiséssemos que ele continuasse a agir de acordo com o nosso pensamento”. Com o
desaparecimento do Estado-Providência e a emancipação dos mercados este passará a ser
regulado de uma forma livre o que nos conduzirá a um crescente desenvolvimento da
economia.
Deste modo a protecção social não deveria ser encarada como um benefício do Estado
deveria sim, ser o resultado da maximização do progresso económico e em consequência,
da riqueza global, deixando que o mercado operasse os seus milagres. Esta orientação
rejeita as preocupações ambientais. Neste campo coube a Thatcher dar um novo rumo em
direcção ao “capitalismo verde”.
Os riscos ambientais, tem sido dito, são exagerados ou não existem. Sendo uma
perspectiva linear do processo de modernização, que quase anula quaisquer limites ao
desenvolvimento económico.
O Neoliberalismo ao contrário da social-democracia clássica, tem uma teoria globalizante
e tem dado um contributo muito importante para as forças que defendem a globalização,
aplicando à escala mundial a filosofia que os orienta nas suas realizações à escala regional.

38
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Para os seus teorizadores a sociedade funcionará melhor se os mercados puderem


funcionar com pouca ou nenhuma, interferência do Estado. Os Neoliberais defensores de
uma nação tradicional, adoptam uma teoria realista de relações internacionais. A sociedade
global continua a ser uma sociedade de Estados nacionais e num mundo de Estados
nacionais o que conta é o poder. Tal como a social-democracia clássica, o neoliberalismo
desenvolveu-se no seio da ordem bipolar e revela as marcas da sua origem.

2.4.4- A Terceira Via


A Terceira Via inclui aspectos políticos e sociais, e apresenta-se como uma tentativa para
compatibilizar as políticas de mercado, próprias do capitalismo, com fórmulas destinadas
a amenizar os problemas sociais provocados pelo neoliberalismo. Esta concepção,
formulada originalmente pelo sociólogo Anthony Guiddens, foi a bandeira da campanha
com a qual por exemplo, o neo-trabalhista britânico Tony Blair conseguiu destronar os
conservadores, que se mantiveram no poder durante mais de duas décadas.
Entre os pontos principais de interesse dos defensores da Terceira Via estão a definição do
papel dos governos na promoção da educação como chave para reduzir as desigualdades,
o aumento do crescimento económico e a consolidação da cooperação internacional em
todos os terrenos. A terceira via (ou novo centro) pretende ser um meio termo entre o
marxismo e o capitalismo.
Como centro da questão está a intervenção do Estado. O marxismo defende-a de forma
mais intensa. A social-democracia pretende que o Estado garanta o bem-estar social, mas
sem restrições à liberdade. O neoliberalismo quer a abolição total da intervenção do
Estado. A terceira via defende um Estado apenas regulador, mas com garantias sociais.
“A Terceira Via é o caminho para a renovação e o sucesso da social - democracia moderna.
Não é simplesmente um acordo entre a esquerda e a direita. Ela busca pegar os valores
essenciais do centro e do centro-esquerda e aplicá-los a um mundo de mudanças sociais e
económicas fundamentais - e fazer isso livre de ideologias ultrapassadas” - Tony Blair.
A Europa é hoje o ponto de convergência doutrinária da nova geração de líderes socialistas
– o francês Lionel Jospin, o alemão Gerhard Schöder e o português António Guterres – a
posição destes lideres assemelha-se mais a tese defendida por Blair do que à velha
esquerda sindical.
O mentor intelectual da Terceira Via, Anthony Guiddens, vem da London School of
Economics da qual é Director. O termo foi introduzido no Governo Blair que, com o seu
trabalhismo, conseguiu vencer as eleições depois de 18 anos de um governo conservador,
o governo Tatcher. Anthony Giddens argumenta que, infelizmente, a Inglaterra se recusa
a aceitar a Terceira Via, a chegar a um porto seguro, resiste ao progresso e à actualidade,
embora contando com o grande esforço de Blair que é, segundo Giddens, um grande
estadista com visão teórica correcta: "A Grã-Bretanha é ingrata! A Grã Bretanha não merece

39
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

o Sr. Blair, não merece a London School of Economics, não me merece a mim, desabafa
Giddens55.
No entendimento de Guiddens, o problema da antiga esquerda é que ela era muito
identificada com o Estado, a nova esquerda se identifica com a democracia e a
democratização do Estado. É um momento cuja força de trabalho está crescendo, pois, a
antiga esquerda nunca esteve enfraquecida.
Giddens acredita que a globalização não é apenas económica, mas também um fenómeno
social e intelectual: "E já não devemos voltar atrás. Acabou a família, com a igualdade das
mulheres; e acabou o Estado-Nação, com a vitória do liberalismo económico e a imposição
do comércio mundial. Só resta adaptarmo-nos e entrarmos na corrida". Questionado sobre
o impacto negativo da globalização em países e povos empobrecidos e sobre o injusto
crescimento das desigualdades sociais, com a crescente concentração da riqueza nas mãos
de poucos e o empobrecimento das maiorias, Giddens não soube dar uma resposta
convincente, o que deixa claro que essa não é a preocupação da Terceira Via.
Para Giddens, a Terceira Via difere da social democracia e do neoliberalismo. Politicamente,
"a Terceira Via representa um movimento de modernização do centro. Embora aceite o
valor socialista básico da justiça social, ela rejeita a política de classe, buscando uma base
de apoio que perpasse as classes da sociedade". Em economia, a Terceira Via apregoa uma
nova economia "mista", pautando-se no "equilíbrio" entre a regulamentação e a
desregulamentação e entre o aspecto económico e não económico na vida da sociedade.
Ela deve "preservar a competição económica", quando ela é ameaçada pelo monopólio.
Deve também, "controlar os monopólios nacionais" e "criar e sustentar as bases
institucionais dos mercados".
Segundo o entendimento de Tony Blair, "a Terceira Via é a rota para a renovação e o êxito
da moderna social-democracia. Não se trata simplesmente de um compromisso entre a
esquerda e a direita. Trata-se de recuperar os valores essenciais do centro-esquerda e
aplicá-los a um mundo de mudanças sociais e económicas fundamentais, e de fazê-los livres
de ideologias antiquadas. (...) Na economia, a nossa abordagem não elege nem o laissez-
faire nem a interferência estatal. O papel do governo é de promover a estabilidade macro-
económica, desenvolver políticas impositivas e de bem-estar"56.

55
Jornal O Expresso, Portugal, 15-05-99
56
Tony Blair e Gerhard Schroeder • 17/06/1999
40
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA


3.1- Noção de Constituição Económica
À semelhança da origem e formação do Direito Económico enquanto ramo autónomo, o
conceito de Constituição Económica na doutrina é bastante recente, tendo a sua mais
directa raiz embrionária e posterior desenvolvimento na doutrina germânica quando após
a Primeira Guerra Mundial com a Constituição de Weimar57 de 1919 e, com certa

57
A estrutura da Constituição de WEIMAR é claramente dualista: a primeira parte tem por objectivo a
organização do Estado, enquanto a segunda parte apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais,
acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social.
Essa estrutura dualista não teria minimamente chocado os juristas de formação conservadora, caso a segunda
parte da Constituição de WEIMAR se tivesse limitado à clássica declaração de direitos e garantias individuais.
Estes, com efeito, são instrumentos de defesa contra o Estado, delimitações do campo bem demarcado da
liberdade individual, que os Poderes Públicos não estavam autorizados a invadir. Os direitos sociais, ao contrário,
têm por objecto não uma abstenção, mas uma actividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde,
ao trabalho, à previdência social e outros do mesmo género só se realizam por meio de políticas públicas, isto é,
programas de acção governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas indivíduos, que passam a
exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimentos e de distribuição de bens;
o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado uma redistribuição de renda pela via tributária.
Essa orientação marcadamente social e não individualista aparece até mesmo nas disposições que o constituinte
classificou como se referindo a pessoas individuais. Assim é que o art. 113º, de modo pioneiro, atribuiu a grupos
sociais de expressão não alemã o direito de conservarem o seu idioma, mesmo em processos judiciais, ou em
suas relações com a Administração Pública. Marcou-se, desta forma, a necessária distinção entre diferenças e
desigualdades. As diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação a
outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade
ou superioridade de pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem ser
rigorosamente prescritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas,
conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural.
Mas foi, sem dúvida, pelo conjunto das disposições sobre a educação pública e o direito de trabalho que a
Constituição de WEIMAR organizou as bases da democracia social.
A secção sobre a vida económica abre-se com uma disposição de princípio, que estabelece como limite à
liberdade de mercado a preservação de um nível de existência conforme à dignidade humana (art. 151º).
A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre: “a propriedade obriga” (art.
153º, al. a). O projecto para a Constituição foi redigido por HUGO PREUSS, discípulo do historiador do direito e
teórico do antigo comunitarismo germânico, OTTO V. GIERKE. Desde a sua concepção, portanto, a Constituição
de WEIMAR se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar ideias pré-medievais com exigências
socialistas ou liberais-capitalistas da civilização industrial.
A Constituição de WEIMAR e o Estado Social - A Constituição de WEIMAR formulou alguns dispositivos em relação
à ordem económica e social em texto por si só esclarecedor. Se ela reconhece a propriedade como tal, por um
lado, por outro diz no artigo 153º, que a propriedade impõe obrigações. Seu uso deve estar a serviço do mais
alto interesse comum. Quanto à propriedade da terra, o artigo 155º diz que o Reich (este nome foi mantido!)
será responsável pela inspecção do aproveitamento do solo, visando a coibição de abusos e a garantia de que
cada alemão tenha uma habitação saudável e que as famílias tenham um pedaço de terra suficiente para a
exploração económica de acordo com suas necessidades. O texto constitucional weimariano abre, inclusive, a
possibilidade de expropriação a bem do interesse comum e sob certas condições tornando a propriedade
colectiva (artigo 156º).
Instalada em 6 de Fevereiro de 1919, na cidade de WEIMAR a assembleia nacional constituinte encerrou seus
trabalhos em 31 de Julho seguinte, quando foi aprovada a nova Constituição por 272 votos contra 75 e várias
abstenções. Pouco antes, porém, em 9 de Julho, a assembleia havia ratificado o tratado de Versalhes, que impôs
à Alemanha indemnizações de guerra em montante desproporcional e insuportável. Como advertiu KEYNES, as
potências vencedoras criavam com isso as condições predisponentes de um futuro colapso financeiro da
República Alemã, tornando impossível a sua normal integração no concerto europeu do pós-guerra. O factor
desencadeante da bancarrota adveio dez anos após, com o colapso da Bolsa de Nova York e a grande depressão
41
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

antecipação, a Constituição Mexicana de 1917 e a Lei Fundamental Russa de 1918, iniciaram


a consagração explícita de normas sobre matérias económicas e sociais, rompendo com a
tradição das Constituições Políticas e espelhando o declínio ou o abandono da Ideia de
Estado Liberal puro, abstencionista quanto à “coisa económica” para salvaguardar a
legitimação dos poderes do Estado de intervir na economia58.
Entende-se por constituição económica59 o conjunto de normas e princípios constitucionais
relativos à economia, ou seja, a Ordem Constitucional Económica. Do ponto de vista formal
a Constituição Económica é a parte económica da Constituição do Estado, em que estão
contidos os dispositivos essenciais ao ordenamento da actividade económica desenvolvida
pelos actores económicos (indivíduos, pessoas colectivas, incluindo o Estado).
É neste conjunto de dispositivos que se encontram escalpelizados os direitos, deveres,
liberdades e responsabilidades destes mesmos actores no exercício da actividade
económica. Seguindo Sousa Franco e Oliveira Martins, a Constituição económica é, desta
feita, conformadora das restantes normas da ordem jurídica da economia60 e a ela cabe
definir a estrutura de um dado sistema económico e instituem a respectiva ordem
económica. Este facto faz sobressair a necessidade de se distinguir a ordem jurídica
económica da Constituição Económica, pois, enquanto esta é o segmento da Constituição
que trata dos princípios e regras fundamentais da ordem jurídica económica, aquela
constitui-se de todas as normas ou instituições jurídicas que têm por objecto as relações
económicas. Vista as coisas nestas perspectivas é lógico concluir-se que a ordem
económica é muito mais extensa do que a Constituição Económica, pois, só algumas
normas possuem carácter fundamental e se inserem, desse modo, no corpo da
Constituição.

mundial que se lhe seguiu. Abria-se, assim, o palco para a entrada em cena da barbárie nazista, que destruiu a
República de WEIMAR em poucas semanas, no início de 1933.
Importância histórica. Apesar das fraquezas e ambiguidades assinaladas, e malgrado sua breve vigência, a
Constituição de WEIMAR exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o
Ocidente. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição
mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em
vários países após o trágico interregno Nazi-Fascista e a 2ª Guerra Mundial. A democracia social representou
efectivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis
e políticos — que o sistema comunista negava — com os direitos económicos e sociais, ignorados pelo liberal-
capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da democracia social,
iniciado por aquelas duas Constituições no início do século.
Mas pergunta-se quem foi WEIMAR? “WEIMAR” não é uma pessoa física, é uma pessoa jurídica colectiva
territorial germânica, ou seja, foi e é uma, pequena e pacata cidade clássica germânica de intelectuais próximas
de Gotha, de Erfurt e de Leipizig, mas longe de Berlim, onde se realizou Assembleia Constituinte da Constituição
de 1919, conhecida Como Constituição de WEIMAR o jeito de enaltecer a cidade.
58
Neste sentido, é legítima a ideia do Prof. EDUARDO PAZ FERREIRA segundo a qual a Constituição Económica
surge como uma consequência (ou instrumento) da passagem do Estado Liberal Clássico para o Estado
Intervencionista (FERREIRA, EDUARDO PAZ, – Direito da Economia, Pág. 57), pelo que hoje em dia podemos
verificar que todos sistemas económicos têm a Constituição Económica.
59
J. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p.
383
60
Ver a Constituição Económica Português, Coimbra; Almedina, 1993, p.16
42
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.2- Concepções da Constituição Económica


A questão em voga levanta-se no âmbito da necessidade de se definir, de facto, o que deve
ser entendido como uma norma constitucional do ponto de vista da Constituição
Económica. Para se dar resposta a esta questão doutrinariamente foram concebidas duas
teorias: (i) a Teoria Formalista da Constituição Económica e, (ii) a Teoria Materialista da
Constituição Económica.
Para a primeira, a norma constitucional é, exclusivamente, a que se encontra de modo
explícito inserida no texto constitucional. Esta concepção levanta duas questões cujas
respectivas conclusões são óbvias: (i) nos regimes económicos pré-contemporâneos, as
constituições não tinham regras económicas consagradas, pelo que, não existiam
Constituições Económicas; (ii) sendo a constituição de natureza eminentemente estática,
as normas fundamentais sobre a economia que forem sendo aprovadas, após a entrada em
vigor do texto constitucional formal, não serão normas constitucionais.
Já para a segunda, concebe-se que serão parte da Constituição Económica todas as normas
e regras jurídicas fundamentais relativas à economia, estejam ou não inseridas no texto
constitucional formal, importando, somente, a materialidade constitucional das referidas
normas. Entende-se ser esta a tese mais pacífica, mormente por responder positivamente
às questões levantadas no âmbito da concepção formalista, e sendo assim, na época pré-
contemporânea (correspondente ao regime liberal), independentemente da não inscrição
das regras e princípios jurídicos fundamentais que regulassem a actividade económica no
texto constitucional, existiam constituições económicas e, por outro lado, a estabilidade
das constituições não implica que as normas com dignidade constitucional sobre a
economia que têm sido ou venham a ser aprovadas não sejam normas constitucionais61.
Outrossim, importa referir que a funcionalidade de uma norma, para que esta tenha ou não
a dignidade constitucional é a estruturação do sistema económico. Ou seja, se a norma tem
a ver com o sistema económico, ela tem dignidade constitucional porque é fundamental,
caso o contrário, não será fundamental. Aponta-se como exemplo a Lei n.º 5/02, de 16 de
Abril – Lei das Delimitações de Sectores.

3.3- Funções da Constituição Económica


As funções desempenhadas pela Constituição Económica decorrem do seu objecto e
natureza ou dimensão das respectivas normas e princípios jurídicos de que deve relevar,
em primazia, a natureza constitucional dos mesmos, comum a todos os objectos

61
É o conceito de constituição económica em sentido material que nos interessa, porque permite a integração
de um conjunto de leis que são fundamentais na definição da ordem jus-económica, tais como as leis da
concorrência ou as leis que regulam a actividade específica de determinados sectores da economia.

43
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

específicos de que se constitui. Assim, Constituição Económica desempenha as seguintes


funções:
a) Função Sistemática Central ou Unitária – exprime-se quer no primado da
Constituição, quer no princípio da unidade da Constituição, quer no da
conformidade com a Constituição, tendo como o destinatário o legislador, bem
como o interprete-aplicador das normas da dimensão da Constituição Económica;
b) Função Estruturante e Legitimadora – delimita os poderes do Estado e demais
agentes que realizam ou participam na definição e execução da política económica
da organização e direcção da economia, revelam aqui aspectos do sistema
económico. É o estatuto do modelo;
c) Função de Garantia dos Direitos Liberdade e Garantias Económicas Fundamentais -
esta função realiza-se numa dimensão preceptiva contraposta do Estado, isto é,
trave mestra do sistema económico porque prescreve um conjunto de directrizes
normativas de direitos e liberdades e garantias económicas fundamentais que o
Estado deve respeitar e assegura para que tal se concretizem na sua plenitude;
d) Função Directiva – realiza-se e manifesta-se através da dimensão prospectiva ou
programática da Constituição Económica, nas suas directrizes ou objectivos
económicos e nas incumbências cometidas ao Estado ou outros agentes segundo
as mais diversas formas de intervenção ou concertação para sua concretização.
Entretanto, é uma função que não deixa reflectir certas dimensões preceptivas
dirigidas aos destinatários das respectivas normas, máxime, ao legislador e à
Administração Pública que lhes limita as suas acções em termos de eficácia
vinculativa e do princípio da proporcionalidade62.

3.4- Tipos de Constituição Económica


Sistematicamente os tipos de Constituição Económica apresentam o seguinte
desenvolvimento:
✓ Constituição Económica Formal – é a parte da Constituição Política que trata matérias
de natureza económica. Desde logo, está inserida no texto legal único que lhe
confere uma magnitude constitucional no sentido formal, quer sejam
relevantemente fundamentais ou não em razão do critério determinante adoptado;
no entanto, compreende apenas as normas integradas no texto constitucional com
objectivo de definir um quadro legal genérico de actividades económicas ou outras
que acabam por produzir igualmente um efeito ordenador;

✓ Constituição Económica Material - integra o núcleo essencial de normas jurídicas que


regem o sistema e os princípios básicos das instituições económicas, quer constem,

62
Cfr. Com mais desenvolvimento, JOÃO, DOMINGOS FRANCISCO, - Temas Essenciais do Direito da Economia
Angolana, escolar editora 2014, Pág.45.
44
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

ou não no Texto Constitucional63. Dito de outro modo – a Constituição Económica


Material – é o conjunto de normas inseridas ou não no texto legal da Constituição
Política. É, no fundo, uma manifestação da «abertura» da Constituição;

✓ Constituição Económica Preceptiva ou Estatutária - é composta por um conjunto de


normas que disciplinam uma determinada forma económica que justamente
identificam como tal64. Dito numa outra feição, poderia se dizer que são normas
jurídicas contidas na Constituição Económica que definem o estatuto do ius
económico ex.: a Propriedade; (art. 37º, da CRA)65, Banco Nacional de Angola; (art.
100º, da CRA) e etc.;

✓ Constituição Directiva ou Programática - são aquelas normas tarefas do Estado por


ex.: 21º; 23º; 35º e 89º, da CRA.
Portanto, a constituição económica é conformadora das restantes normas da ordem
jurídica económica, conformação esta que é feita através de normas estatutárias ou de
garantia – que garantem as características básicas do sistema – e de normas directivas ou
programáticas – onde se apontam as principais linhas de evolução desse sistema.
Não obstante o modo objectivo e acutilante com o qual se tem abordado essa matéria a
nível da doutrina, a ideia de Constituição Económica não logrou impor-se em todos os
ordenamentos jurídicos, falando-se em alguns casos em ordem pública económica e em
outros em princípios gerais de Direito Económico.
Partindo de cada um desses sentidos, há que responder a três questões:
✓ Qual a relação entre Constituição Económica e Constituição Política?
✓ Qual o âmbito da Constituição Económica?
✓ Qual o sentido da Constituição Económica?

3.5- Relação entre Constituição Económica e Constituição Política


Longe de encontrar um ponto de consenso entre os doutrinadores, as opiniões construídas
com fito de dar uma resposta à questão em epígrafe têm sido agrupadas em três
orientações:
✓ A primeira posição, defendida por SOUSA FRANCO, entende que a Constituição
Económica (enquanto regime normativo da ordem fundamental da economia) se
emancipou do pensamento político-constitucional, integrando-se materialmente
no Direito da Economia.

✓ Uma segunda posição, defendida por JORGE MIRANDA, entende que a Constituição
Económica se integra plenamente na Constituição Política, não sendo possível uma

63
Cfr. FRANCO, ANTÓNIO SOUSA, – Direito da Economia, 1º Volume. Pág. 93.
64
Ob. Cit. Pág. 38.
65
Vide Art. 1302.º CC.
45
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

contraposição entre elas, uma vez que ambas correspondem à mesma unidade
jurídica.

✓ Por último, uma terceira corrente, defendida por VITAL MOREIRA, considera que o
problema teórico da relação entre Constituição Económica e Constituição Política
não se coloca em termos de discrepância entre dois conceitos referidos a estruturas
diversas da formação social. Para este autor, a Constituição Económica e
Constituição Política são conceitos colocados no mesmo plano a nível da estrutura
política. A Constituição Económica e Constituição Política não têm natureza
diferente.
Postas em evidência estas teorias, nos seus mais importantes pressupostos doutrinais, e
sem descurar o valor teórico de cada uma delas, parece-nos preferível a primeira posição,
também perfilhada por MENESES CORDEIRO, desde logo por pôr em evidência uma
aspecto que parece ter sido ignorado pelas demais correntes, que é o facto de demonstrar
claramente que a Constituição Económica se afirmou a partir da realidade jurídico-
económica, havendo, contudo, áreas de interferência material entre Constituição Política
e Constituição Económica, que, segundo o Professor Sousa Franco, se situam em três
planos:
✓ A definição dos poderes e fins da actuação económica do Estado;
✓ A definição dos fins supremos da comunidade;
✓ A atribuição de garantias de natureza económica aos agentes económicos.

3.6- Âmbito e Sentido da Constituição Económica


À semelhança da questão anterior, para se dar uma resposta relativa ao âmbito da
Constituição Económica destacam-se três posições:
✓ A primeira, da autoria de SOUSA FRANCO, determina que o âmbito da Constituição
Económica, deverá quanto muito, ser delimitado com o recurso a critérios
económicos, isto é, em função do sistema económico das suas instituições ou de
outras realidades subjacentes, onde os factores económicos teriam um papel
determinante.

✓ A segunda posição defendida por SIMÕES PATRÍCIO, faz uma opção inversa,
afirmando que a Constituição Económica emerge de critérios jurídicos, pois que,
neste sentido, ao Direito compete qualificar como constitucionais as normas que,
à luz dos seus princípios, surjam como fundamentais.

✓ Por último, a terceira posição defendida por JORGE MIRANDA, faz uma tentativa
de síntese entre as duas posições anteriores. Segundo este autor, a Constituição
Económica surge da relação dialéctica que existe entre a norma constitucional e a
realidade económica.

46
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

O âmbito da Constituição Económica deve, quanto a nós, ser precisado com recurso à
critérios jurídicos. Trata-se, com efeito, de conhecer os princípios fundamentais do Direito
Económico. É ainda a juridicidade que preside a delimitação da Constituição Económica,
bem como explicar que determinadas matérias de teor económico sejam excluídas da
Constituição, versando apenas aqueles aspectos que, sendo susceptíveis de
regulamentação em função da ordenação e direção económicas, se revelem como
fundamentais em termos jurídico-económicos.
Outrossim, o sentido da Constituição Económica implicará a definição do sistema
económico que a enquadra e determina. Em termos puramente teóricos é possível
vislumbrarmos dois sistemas extremos e opostos: o da direção planificada da economia e
o da economia livre de mercado.
O primeiro funciona na base de um plano geral e obrigatório, que deverá ser executado
por todos os agentes económicos. A entidade que elabora o plano, determina a
necessidade dos sujeitos, a sua prioridade, fixa os níveis de produção e opera a distribuição
dos bens produzidos.
O segundo sistema é o presidido pelo princípio da economia livre, que prescinde de
qualquer entidade central; o consumo é determinado por cada sujeito, a produção é fixada
pelos produtores e a distribuição feita pela circulação livre dos bens; as decisões dos
agentes ajustam-se através dos mecanismos de mercado.
Os sistemas assim sintetizados são, como se disse, simples modelos abstractos de
referência teórica. Na prática, eles sofrem adaptações diversas, em função de coordenadas
histórico-culturais, de forma a melhor corresponderem às realidades materiais que visam
regular66. Assim, é possível combinar elementos da direção central e da economia livre, de
modo a obter elementos que conduzam a outros sistemas concretos que podem ser
inúmeros, correspondendo a múltiplas combinações e adaptações possíveis.
Perante estas opções a Constituição Económica poderia:
✓ Consagrar um modelo de economia de mercado;
✓ Exprimir um esquema de economia mista;
✓ Traduzir uma superação da economia livre;
✓ Sedimentar um esquema de economia centralizada; e,
✓ Surgir como totalmente neutra.

66
Deveras, o sentido da CE deve colocar-se em concreto, perante determinada experiência histórica
geograficamente delimitada.
47
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.8- A Constituição Económica Angolana


3.8.1- A Evolução da Constituição Económica Angolana
A abordagem sobre a evolução da Constituição Económica angolana impõe que se tenha
por base não só os textos constitucionais que vigoraram no período anterior à actual
Constituição da Republica de Angola de Fevereiro de 2010, mas também as leis ordinárias
reguladoras da economia em alguns casos.

a) A Lei Constitucional de 1975


Aprovada na sequência da proclamação da independência a 11 de Novembro de 1975, o
texto originário caracterizava-se, em matéria de organização económica, pelo facto de
garantir as transformações revolucionárias, bem como também continha um projecto de
“transição para o socialismo, mediante a apropriação colectiva dos principais meios de
produção”.
Esta constituição caracterizou-se basicamente por conjugar os princípios do mercado, o da
planificação da economia (artigos 2.º e 8.º) e da coexistência de sectores de produção
(artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º e 17.º), garantido assim, um sistema económico complexo,
assente na coexistência de três sectores de actividade económica e de três tipos de
iniciativa (pública, privada e cooperativa), embora o sector privado deixava de
desempenhar um papel predominante na ordem económica constitucional, atribuindo-se
particular importância ao sector público e cooperativo.

b) Os efeitos das Revisões da Lei Constitucional na Constituição Económica


Ao longo dos seus mais de 38 anos de existência, a carta magna de Angola conheceu 186
revisões pontuais com efeitos na Constituição Económica nos termos que a seguir são
catalogados:
✓ 1976 (Lei nº. 71/76 de 11 de Novembro);
✓ 1977 (Lei 13/77 de 7 de Agosto);
✓ 1978 (Lei Constitucional revista de 7 de Fevereiro de 1978);
✓ 1979 (Lei nº 1/79 de Janeiro);
✓ 1980 (Lei Constitucional revista de 23 de Setembro de 1980);
✓ 1986 (Lei nº 1/86 de 1 de Fevereiro);
✓ 1987 (Lei nº2/87 de 31 de Janeiro);
✓ 1991 (Lei nº12/91 de 6 de Maio);
✓ 1992 (Lei nº23/92 de 16 de Setembro).

48
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

c) A Periodização da Constituição Económica de Angola de 1975 a 1992


As várias revisões à Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975, com excepção as que
tiveram lugar a 6 de Maio de 1991 e 16 de Setembro de 1992 visaram essencialmente a
organização política do Estado.
Assim de 1975 a 1991 não houve alterações essenciais à Constituição Económica, embora a
revisão de 7 de Fevereiro de 1978 sobre ela tenha também incidido em termos de reforço
dos comandos jurídico-económicos da planificação da economia e do reforço da
intervenção do Estado na economia. Importa agora no âmbito da periodização da
Constituição Económica de Angola no período em referência densificar os principais
fundamentos da ordem jurídica da economia, seguindo de perto Ovídio Pahula67.

i) Constituição Económica Estatutária (1975/1991)


A Constituição Económica Estatutária neste período consagrava dentre outros os
seguintes princípios fundamentais:
✓ Independência económica virada para o bem-estar social das camadas populares
mais exploradas pelo colonialismo;
✓ Reconhecimento e protecção dos diversos sectores da economia (pública,
cooperativa e privada);
✓ Tributação progressiva dos impostos directos.
Como se pode ver através dos princípios enunciados, temos consagrados princípios de
base económica socializante, assentes no desiderato da construção do socialismo, da
igualdade e justiça social, de forte matriz ideológica.

ii) Constituição Económica Directiva (1975/1991)


A Constituição Económica Directiva assentava nos seguintes princípios fundamentais:
✓ Acentuado dirigismo do Estado;
✓ (Des) intervenção directa e ou indirecta do Estado na economia.
Estes princípios comportam a planificação directa e/ou indirecta da economia muito típica
do socialismo e do centralismo que marcavam os ideais daquela época, a presença quase
que incontornável do Estado na Economia, bastante administrativa, com barreiras
burocráticas e planos rígidos.
Com a revisão da Lei Constitucional de 7 de Fevereiro de 1978 (ver artigos 2º e 9º) abre-se
um pequeno foco à iniciativa e propriedade privada. É ainda neste período que se verificam
as nacionalizações, confiscos, participações públicas, sociedades de economia mista,

67
Ver outros desenvolvimentos in A Evolução da Constituição Económica Angolana, Casa das Ideias, p. 98 e
seguintes.
49
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

extinção de empresas estatais, (re)privatizações, reforma do mercado, do sistema


financeiro e bancário, criação e fomento de empresas privadas, cooperativas, abertura ao
investimento estrangeiro e ou privado e ao comércio externo.
São prova disso a aprovação de inúmera legislação económica de que podemos salientar a
Lei n.º 3/76 de 3 de Março, a Lei n.º 43/76 de 19 de Junho, a Lei n.º 10/88 de 2 de Julho, a Lei
n.º 12/88 de 9 de Julho, a Lei n.º 13/88, o Decreto-Executivo n.º 18/99 – E.F.E.C.E.M – UEE, o
Decreto n.º 2/89 – Títulos de Reajustamento, o Decreto n.º 3/89 – Títulos de Poupança
Particular, Decreto n.º 36/89 – Gabinete de Redimensionamento Empresarial, a Lei n.º 5/91
de 20 de Abril – Lei das Instituições Financeiras.

d) Constituição Económica no Período de 1988-1991


A Constituição Económica de Angola no período em referência advém de profunda viragem
da política económica em Angola resultante de factores de natureza exógenos e
endógenos, designadamente (i) a transformação dos Estados “protectores” de bem-estar,
providência em Estados sociais democráticos e de direito, assim como (ii) uma profunda
crise económica e política monetária, cambial e fiscal ineficaz.
Este período foi ainda caracterizado por elevados índices de inflação e de um débil
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A degradação do poder de compra dos
salários da função pública e da população angolana, bem como profundas assimetrias
económico-sociais entre a Capital, províncias, municípios, comarcas e povoações e grandes
movimentos populacionais para as localidades do litoral como resultado da guerra que se
estendeu um pouco por todo o País.
Data de 1988 o primeiro programa tentativo de recuperação económica e financeira
conhecido em Angola como SEF68. Eram objectivos deste programa a reestruturação do
sector empresarial público, a reforma económica do mercado, reavaliação do processo de
reprivatizações, reforma do sistema monetário, bancário, cambial e fiscal, passos
tendentes a abertura ao comércio externo e ao investimento privado estrangeiro69-70.

68
Programa de Saneamento Económico e Financeiro.
69
Este conjunto de legislação integra para muitos autores a Constituição Económica Material.
70
Uma nota importante que ressalta neste processo é o facto de todo este conjunto de leis ter sido aprovado
sem que se tivesse revisto a Constituição aprovada em 1978, contrariando, grosseiramente, o espírito e a letra
daquela Constituição, pondo mesmo em causa o regime económico vigente na altura. Coloca-se então, a questão
de se saber se aquele conjunto de leis deveria, ou não, ser considerado inconstitucional. O pensamento
perfilhado nesta altura era o de que se estava perante uma ampla e profunda abertura material da Constituição
e que, à luz do pensamento sistemático-teleológico, tais leis seriam, portanto, plenamente válidas. Contudo, uma
boa parte da doutrina considera hoje aquelas leis inconstitucionais, desde logo porque, por um lado, procederam
uma certa neutralização ideológica de vários preceitos constitucionais, com o esbatimento de normas
programáticas de índole socialista, mediante a atenuação da intervenção pública na economia e maior
consideração conferida à iniciativa privada. Acresce ainda o facto de não se ter tido em conta as garantias das
primitivas transformações operadas no sistema económico, nomeadamente em matéria de nacionalizações,
permitindo-se a privatização de bens de domínio público, consolidando, assim, com carácter definitivo (e não
apenas transitório), um sistema de economia mista (Helena PRATA, Op. Cit., p. 58).
50
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Este quadro Económico-Constitucional, proporcionou a abertura para a criação de


empresas privadas, mistas e familiares, prevalecendo o princípio das zonas económicas de
reserva pública (absoluta e relativa). As zonas económicas de reserva pública absoluta
contribuíram sendo o banco central e emissor, a indústria bélica, actividades consideradas
como serviços públicos e reservados, por lei, à Administração Pública.
Como reserva pública relativa estavam reservadas áreas económicas como a distribuição
de água e electricidade para o consumo público, saneamento básico, telecomunicações
públicas e correios, comunicação social, transportes aéreos, ferroviários e marítimos de
longo curso, transportes rodoviários públicos, colectivos e urbanos (pesados e ligeiros),
administração de portos e aeroportos.
Esta fase da periodização da Constituição Económica revela já um volte face no socialismo
enquanto modelo económico de desenvolvimento, dando nota ao período de transição da
economia com base no princípio do plano-mercado.

e) A Constituição Económica de 1992


A Constituição Económica de 1992, não pode ser lida de modo estanque, ou seja,
considerando apenas o texto resultante da revisão da revisão global de 1992. Uma boa
leitura da Constituição Económica de 1992 deve ter em conta a evolução histórica da
Constituição cuja periodização vem de uma matriz socialista, a abertura material aos
conteúdos dos nossos dias.
Nesta perspectiva encontrámos nela consagrados os princípios da coexistência de sectores
de titularidade de direitos económicos fundamentais. A Lei de Revisão n.º 23/92 deu à Lei
Constitucional, sobre esta matéria, uma nova redacção expressa no seu artigo 10º ao
consagrar que “o sistema económico assenta na coexistência de diversos tipos de
prioridade pública, privada, mista, cooperativa e familiar, gozando todos de igual
protecção”.
O livre acesso e a reserva pública bem como a liberdade económica (livre iniciativa) foram
outros princípios plasmados na Constituição Económica de 1992. O artigo 11º da Lei
Constitucional corporizou estes princípios com remissão para Legislação ordinária dos
aspectos da sua regulação.
A eficiência71 e a intervenção do mercado e do plano são outros princípios que podemos
surpreender na Constituição Económica de 1992, quando estabelece como critério a
utilização racional de todas as capacidades produtivas e recursos naturais (artigo 9º, 2ª
parte da Lei Constitucional), incumbindo ao Estado a criação de condições para o
funcionamento eficaz do processo económico, por outras palavras, do mercado (artigo 10º,
da Lei Constitucional).

71
Ver artigo 11º n.º2 da Lei Constitucional
51
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

O artigo 10º da Lei Constitucional fundamenta ainda o princípio da democracia económica,


porquanto, é em sede do mesmo que se afirma que o Estado estimula a participação no
processo económico de todos os agentes.

3.8.2- A Constituição Económica de 2010


A Nova Constituição Económica de Angola, resultante da aprovação da Constituição da
República de 5 de Fevereiro de 2010, reafirmou a consagração de uma economia de
mercado na base dos princípios e valores da sã concorrência, da moralidade e da ética,
previstos e assegurados por lei. Para alcançar tal desiderato, cabe ao Estado o papel
regulador do desenvolvimento económico nacional.
A organização e a regulação das actividades económicas assentam na garantia dos direitos
da liberdade económica em geral, na valorização do trabalho, da defesa do consumidor e
do ambiente, constituindo limites ao poder económico, seja ele público ou privado.
A Nova Constituição Económica de Angola enumera outros princípios fundamentais sob os
quais se alicerça a organização económica, financeira e fiscal, tais sendo dentre outros:
✓ Livre iniciativa económica e empresarial, a exercer nos termos da lei;
✓ Respeito e protecção à propriedade e iniciativas privadas;
✓ Função social da propriedade - Redução das assimetrias regionais e desigualdades
sociais;
✓ Concertação social.

a) Endereço da Constituição Económica na Constituição da República de Angola

Na actual Constituição da República de Angola a Constituição Económica tem endereço


certo. Dela fazem parte o direito à livre iniciativa económica previsto no artigo 38º da CRA
inscrito no Capítulo II sobre direitos, liberdades e garantias fundamentais; a propriedade
intelectual prevista no artigo 42º da CRA, também inscrito no Capítulo II; o direito ao
trabalho e os direitos do consumidor previstos respectivamente nos artigos 76º e 78º da
CRA e ambos inscritos no Capítulo III sobre direitos e deveres económicos, sociais e
culturais.
O título III relativo à organização económica, financeira e fiscal, dedica 16 artigos com
disposições referentes a organização económica (do artigo 89º ao artigo 104º).
Também é de considerar nesta sede o título IV da organização do poder do Estado, os
dispositivos constitucionais sobre competências para a definição da política económica
pelos órgãos de soberania, como o que resulta do artigo 120º referente as competências

52
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

do titular do Poder Executivo72, em especial no que diz respeito às alíneas b), c) e d); artigo
162º alíneas b), d) referentes às competências de controlo e fiscalização da Assembleia
Nacional no exercício do Poder Legislativo.

b) O Modelo de Economia do Texto Constitucional

Genericamente, pode-se dizer que a CRA, na sua versão actual, mantendo a anterior
abertura a diversas formas de concretização, é compatível com a auto-representação do
sistema económico como economia social de mercado, economia mista e economia
concertada (art.º 89, n.º 1 da CRA), impondo e permitindo a regulação pública de alguns
aspectos do seu funcionamento e salvaguardando os direitos dos trabalhadores e dos
consumidores, enquanto limites ao poder económico público e privado. Esse modelo
procura estabelecer um equilíbrio entre economia de mercado e interesse público e social
que se projecta em vários preceitos da CRA.
Por um lado, defende-se a propriedade privada, estabelece-se a liberdade de empresa,
favorece-se a concorrência, define-se a posição central do sector privado no processo
económico e permitem-se as privatizações. Por outro lado, para garantir a democracia
económica e social (art.º 2.º da CRA), atribuem-se ao Estado incumbências em matéria de
orientação e controlo da actividade económica – impondo-se ou permitindo-se, em
importantes sectores, a regulação pública de alguns aspectos do seu funcionamento (art.º
89.º, n.º 1 al. a) da CRA), de redistribuição de rendimentos e de salvaguarda dos direitos
fundamentais dos cidadãos na esfera económica enquanto limites ao poder económico
privado ou público, consagrando-se expressamente a segurança no emprego e o direito à
greve, concede-se o direito de informação ao consumidor, proíbe-se a publicidade
enganosa e protege-se a qualidade ambiental.
Estamos, pois, perante uma Constituição económica explícita na definição de restrições
objectivas ao livre funcionamento do mercado, restrições essas que derivam não só da
capacidade do Estado para enquadrar e limitar a actividade económica privada ou para
concorrer com ela na produção de bens ou serviços, mas também do facto de a
Constituição reconhecer e garantir direitos eventualmente conflituantes com o livre
funcionamento do mercado como podem sê-lo os direitos dos consumidores ou os dos
trabalhadores.
Resumidamente, a Constituição faz assentar a organização económica e social na
subordinação do poder económico ao poder político, na pluralidade de sectores de
actividade económica e de formas de iniciativa – privada, pública e cooperativa – na
propriedade pública de meios de produção e de recursos naturais de acordo com o
interesse colectivo, no planeamento democrático da economia e na intervenção

72
Ao Conselho de Ministros enquanto órgão auxiliar do Presidente da República, compete pronunciar-se nos
termos do n.º4 do artigo 134º do CRA, sobre instrumentos de planeamento nacional de medidas gerais de
execução do programa de governação do Presidente da República.
53
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

democrática dos trabalhadores na economia. Assim, podemos concluir que a ordem da


Constituição Económica é uma ordem liberal, mas mediatizada pelas tarefas próprias do
Estado Social, tarefas essas que co-envolvem ampla intervenção e até produção de bens
públicos. A ordem em causa é, pois, complexa e multifacetada, mas o ponto de partida é,
hoje, o do liberalismo.

c) Princípios Gerais da Organização Económica Angolana

Entende-se na génese jurídica que o princípio pode ser definido como regra que se funda
num juízo de valor e que constitui um modelo para acção (…)73, mas para RONALD
DWORKIN, o termo princípio diz respeito a um tipo de norma cuja observação é um
requisito de justiça ou equidade, ou de alguma outra dimensão moral. À luz dessa noção,
os princípios do Direito Económico podem reportar as definições gerais e específicos de
um sector de actividade económica com cariz constitucional ou ordinário.
Assim sendo, no nosso ordenamento jurídico podemos indicar alguns princípios
estruturantes e informadores, ou princípios expressivamente constitucionais da ordem
económica onde assenta a Constituição Económica angolana, nomeadamente:
✓ Supremacia da Constituição e legalidade (art. 6º, da CRA);
✓ Democracia económica (art. 2º, da CRA);
✓ Coexistência de sectores de titularidade (art. 92º, da CRA);
✓ Livre acesso e reservas Públicas (art. 38º, 93º e 95º, da CRA);
✓ Eficiência e intervenção (art. 89º e 91º, da CRA);
✓ Mercado e planeamento (art. 89º e 91º, da CRA); e
✓ Nacionalizações e privatizações (art. 97º, da CRA).

3.8.3- Os direitos e deveres fundamentais, com incidência na ordem económica,


consagrados pela CRA
a) Direitos, liberdades e garantias, e direitos e deveres económicos
Por natureza, os direitos fundamentais delimitam a esfera de liberdade e protecção de que
dispõem os diversos intervenientes ou destinatários do processo económico.
Na Constituição eles são reconhecidos ora como direitos, liberdades e garantias, ora como
direitos e deveres económicos. Embora não seja sempre nítida a distinção entre uma
categoria e outra, pode dizer-se que na primeira se incluem a maioria dos direitos que
definem a posição jurídica dos indivíduos face ao Estado, delimitando negativamente a sua
esfera de interferência, enquanto no segundo grupo encontramos, sobretudo, os direitos
e prestações por parte do Estado, ou seja, aqueles direitos de feição positiva que exigem
do Estado a afectação de recursos para a sua concretização mobilizando, para o efeito, os

73
Vide in Universal, Dicionário integral de língua portuguesa, textos editora 2010, 3ª edição Pág. 1210.
54
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

princípios gerais do Estado Democrático de Direito, bem como, outras opções valorativas
orçamentais previstas, nos termos do artigo 28º, nº 2, da CRA, sob desígnio do instituto da
“Reserva do possível”74.

74
A ideia da Reserva do Possível é frequentemente associada à alegação de insuficiência de recursos apresentada
pelo Estado como forma de se eximir do cumprimento de suas obrigações no campo dos direitos económicos e
sociais. A invocação da cláusula da reserva do possível serviria como uma escusa, ou seja, livre-trânsito, utilizado
de forma genérica pelos entes estatais, para não concretizar os direitos fundamentais. Como decorrência dessa
concepção, a cláusula da reserva do possível tem sido muito criticada. Há quem entenda que o subprincípio da
Reserva do Possível argumento estatal relativo à ausência de disponibilidade financeira não pode ser aceite, uma
vez que cabe ao Estado implementar os direitos fundamentais, especialmente aqueles previstos na própria
Constituição.
Há, porém, quem entenda que o argumento pode ser aceite em determinadas hipóteses, pois, não há como
negar que os recursos financeiros são limitados, ao passo que as necessidades dos indivíduos são ilimitadas,
devendo ser compatibilizadas com os recursos existentes. Observa-se, assim, que a ideia corrente de reserva do
possível está ligada à insuficiência dos recursos estatais para tornar efectivos todos os direitos previstos na
Constituição Política de Angola de 2010, sendo a expressão relacionada, portanto, com a situação económica do
Estado angolano.
Todavia, a despeito deste entendimento os recursos estatais são de factos finitos e que diversas questões podem
ser levantadas em termos de custos relativos à realização dos direitos, mas por vezes tem sido negligenciado
como escapatória do poder político em não satisfazer esta ou aquela necessidade. Com efeito, considerando a
cláusula da reserva do possível tal como formulada ela se relaciona muito mais com a razoabilidade das
pretensões dos indivíduos perante o Estado, a determinar o que é possível ou não ser exigido da colectividade,
do que propriamente com a noção de escassez de recursos económicos para atender a estas pretensões, noção
com a qual a expressão é usualmente identificada.
A origem da expressão “reserva do possível”
A expressão “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen) foi utilizada pela primeira vez pelo Tribunal
Constitucional Federal Alemão, em julgamento proferido em 18 de Julho de 1972. Trata-se da decisão na qual se
analisou a constitucionalidade, em controlo concreto, de normas de direito estadual que regulamentavam a
admissão aos cursos superiores de medicina nas universidades de Hamburgo e da Baviera nos anos de 1969 e
1970. Em razão do exaurimento da capacidade de ensino dos cursos de medicina, foram estabelecidas limitações
absolutas de admissão (numerus clausus). Essas restrições de acesso ao ensino superior foram questionadas
perante o Tribunal Constitucional Federal Alemão. Alegava-se estar diante de ofensa ao artigo 12º, I, da Lei
Fundamental alemã, que cuida da liberdade profissional e dispõe que “todos os alemães têm o direito de
livremente escolher profissão, local de trabalho e de formação profissional”.
Nos termos desse dispositivo constitucional, o direito fundamental à liberdade profissional é amplo, abrangendo
não só o direito de escolher profissão e local de trabalho, como também o direito de escolher o local de formação
profissional. A formação é um estágio que antecede o início da profissão. O direito de admissão ao curso
universitário seria, então, uma decorrência do direito à livre escolha da profissão e do local de ensino, associado
aos princípios da igualdade e do Estado Social.
Logo, uma limitação ao acesso às universidades (local de formação profissional) configuraria ofensa ao direito à
liberdade profissional, ressalvada a possibilidade de regulamentação desse direito por lei, ou com base em lei.
Essa limitação de acesso poderia não só afectar a escolha do local de formação, como influenciaria a escolha da
própria profissão, pois seria capaz de modificar a intenção original do candidato ao curso. Apesar disso, o Tribunal
entendeu ser possível restringir o acesso aos cursos de medicina, uma vez que os direitos sociais de participação
em benefícios estatais “se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo,
racionalmente falando, exigir da colectividade”. Por conseguinte, foi empregada a expressão reserva do possível
para se sustentar que não é possível conceder aos indivíduos tudo o que pretendem, pois há pleitos cuja
exigência não é razoável. Mais adiante, na mesma decisão, o Bundesverfassungsgericht, se referiu à capacidade
financeira estatal no seguinte trecho:
“Fazer com que os recursos públicos só limitadamente disponíveis beneficiem apenas uma parte privilegiada da
população, preterindo-se outros importantes interesses da colectividade, afrontaria justamente o mandamento
de justiça social, que é concretizado no princípio da igualdade. (Decisão consultada em Schwabe, Jürgen.
Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Organização e introdução por LEONARDO
MARTINS. Montevidéu: KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG, 2005, Pág. 656- 667. Para conferir no idioma original, v.
55
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

O Princípio da Reserva do Possível, pode ser considerado um sub-princípio do Direito


Económico, e que numa primeira aproximação pode ser entendido como uma excepção de
não cumprimento da realização dos direitos fundamentais proclamadas na Constituição,
mas não um livre transito de inobservância do cumprimento dos direitos fundamentais,
sendo por esta linha, como aquela actividade financeira que consiste de certo modo na
satisfação gradual das necessidades económicas e sociais colectivas através do OGE,
(art.21º, al. c), e 28º, nº2, da CRA), ou seja, dito de outro modo, consiste na actividade de
exercício financeiro por via orçamental de afectação e gestão dos recursos escassos, para
satisfazer as necessidades da colectividade, não na sua plenitude à luz do contrato social
(contrato económico), pois que, as necessidades colectivas são em certa medida
insaciáveis.
Entre os direitos, liberdades e garantias incluem-se alguns direitos dos trabalhadores
(como a segurança no emprego – Cfr. art.º 51.º da CRA), direito de propriedade e livre
iniciativa económica (art.º 37.º e 38.º da CRA) e entre os direitos e deveres económicos
encontramos o direito ao trabalho (art.º 76.º da CRA), e os direitos dos consumidores (art.º
78.º da CRA).

3.8.4- Configuração Constitucional da propriedade, iniciativa económica e


concorrência
Nos sistemas de economia de mercado, como é o nosso (Cfr. Art.º 89.º al. c) da CRA), a
actividade económica depende essencialmente da capacidade dos indivíduos de
organizarem a produção e a distribuição de bens e serviços, com o objectivo de assim
obterem rendimentos de que esperam ser os principais beneficiários. Outrossim, esse
sistema comporta alguns pressupostos básicos para o seu funcionamento. Tratam-se dos
princípios da Propriedade, Livre Iniciativa Privada e Livre Concorrência. A propriedade
garante a fruição e a disposição dos bens e a iniciativa, a possibilidade da sua livre
composição e utilização produtiva. Este trio principiológico merece, pois, uma abordagem
cuidada, que a seguir expomos:

a) Propriedade privada
A propriedade privada é um dos princípios basilares se não mesmo essencial do
funcionamento económico e como meio de realização da democracia económica, pois que,
a propriedade desde os tempos imemoriais, foi sempre objecto de disputas e lutas entre
os agentes económicos para o domínio da sua posse e propriedade plena.

http://www.servat.unibe.ch/dfr/bv033303.html). No original: Artikel 12 [Berufsfreiheit] (1) Alle Deutschen


haben das Recht, Beruf, Arbeitsplatz und Ausbildungs- stätte frei zu wählen. Die Berufsausübung kann durch
Gesetz oder auf Grund eines Gesetzes geregelt werden (tradução livre do autor).
56
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

A propriedade é um direito subjectivo privado absoluto de abstenção universal, “erga


omnes” que consiste numa relação de pertença entre um sujeito e uma coisa. A
Constituição Económica angolana consagra-a e reconhece-a em sede de direitos e deveres
económicos como direitos análogos aos direitos fundamentais (art. 37º e 89º, da CRA e art.
17º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 Dezembro de 1948). A
Propriedade como direito real pleno de conteúdo positivo na sua máxima extensão é
densificado nos seguintes caracteres com amplitude económica:
✓ Poder de uso;
✓ Poder de fruição);
✓ Poder de transmissão; e
✓ Poder de reivindicação.
Como Direito Económico, o direito de propriedade abrange os meios de produção, ainda
que a Constituição estabeleça quanto a estes, algumas especificidades. De facto, o direito
de propriedade privada não tem um carácter absoluto, podendo ser objecto de limitações
ou restrições, relacionadas com princípios gerais de Direito (função social da propriedade,
abuso de Direito), com razões de utilidade pública, ou com a necessidade de se conferir
eficácia a outros princípios ou normas constitucionais, incluindo outros direitos
económicos ou sociais e as disposições da organização económica, tal como é conformada
na Constituição.
As restrições admissíveis ao direito de propriedade privada podem reflectir-se sobre uma
das suas componentes em especial, ou sobre todas elas. Em primeiro lugar, é necessário
ter em conta que existem bens insusceptíveis de apropriação privada, como é o caso dos
bens de domínio público (art.º 95.º da CRA). Os bens assim classificados só podem ser
economicamente explorados por entidades privadas, cooperativas ou de outra natureza
em regime de concessão. Trata-se, pois, de uma reserva de propriedade pública, mas não
de uma reserva de actividade económica pública.
Como se pode ver, estas limitações e restrições estão sujeitas ao princípio da tipicidade que
ALBERTO VIEIRA designa de conteúdo negativo público e conteúdo negativo privado do
Direito Real, que numa perspectiva de adaptação doutrinal aplicativa e coloquial para o
Direito Económico, pode ser assim exposta:

i) Conteúdo Negativo Público do Direito Real Económico


O Conteúdo Negativo Público do Direito Económico – consiste naquelas situações
restritivas limitativas passivas de direito subjectivo de propriedade em que o particular
cede a propriedade ao ente público perante realidades factuais e de Direito no interesse
público, configurados nos Institutos de Expropriação, Requisição, e Servidões
Administrativas, Ius aedificandi (conteúdo negativo, ou situações passivas, do Direito
Público, cfr. o art. 37º, nº 2, in fine).

57
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Além dos institutos supra, com base no espírito do art.º 97.º da CRA, admite-se, ainda,
outras formas de apropriação colectiva dos meios de produção, entre as quais se destaca
a nacionalização de empresas e confiscos de empresas e bens.

ii) Conteúdo Negativo Privado do Direito Real Económico


Conteúdo Negativo Privado do Direito Real Económico – nas relações intersubjectivas
potestativas económicas dos particulares o direito subjectivo de propriedade cede
excepcionalmente perante outro, ou seja, a ordem jurídica permite ao particular intervir
unilateralmente na esfera económica patrimonial de outrem de modo justificado nos
termos do Abuso do Direito da Propriedade (art.334º, do CC.) através dos Institutos de
Escavações, Relações de Vizinhança, Passagem Forçada Momentânea, Estilicido, Tapagem
do Prédio, Abertura de Varandas, Portas Semelhantes Sobre o Prédio (conteúdo negativo
de Direito Privado, art. 1344º; 1346º; 1348º; 1349º; 1352º; 1356º; 1359º; 1360º; 1362º; 1363º, nº 2
e 1472º, todos do Código Civil).

b) A Livre Iniciativa Económica


O Princípio de Livre Iniciativa Económica, considerado, simultaneamente, um direito
económico e um princípio da organização económica (art.ºs 14.º, 38.º e 89.º, n.º 1 al. b)), é a
consequência lógica do princípio da democracia económica, e traduz-se na possibilidade
de exercer uma actividade económica privada, nomeadamente através da liberdade de
criação de Empresas e da sua gestão. Compreende como componentes a liberdade de
investimento ou de acesso, a qual se exprime no direito de escolha da actividade
económica a desenvolver, a liberdade de organização, ou seja, a liberdade de determinação
do modo como a actividade vai ser desenvolvida (incluindo a forma, qualidade e preço dos
produtos ou serviços produzidos) e a liberdade de contratação ou liberdade negocial, que
compreende a liberdade de estabelecer relações jurídicas e de fixar, por acordo, o seu
conteúdo.
O direito de iniciativa privada é, pois, um direito independente do direito de propriedade,
não obstante as naturais conexões, visto que, pode haver iniciativa económica não fundada
na propriedade e vice-versa. Exemplo da primeira situação é o caso da exploração
económica de bens públicos por entidades privadas e, da segunda, a exploração de bens
privados por cooperativas. Contudo, na maioria das situações a liberdade de iniciativa
privada tem como suporte a propriedade privada; (art.ºs 14º e 38º, da CRA)75. Desde logo, a
iniciativa privada e livre concorrência, são assim, dois princípios básicos cumulativos para o

75
Cfr. AVV. DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS /GONÇALVES, MARIA EDUARDA/MARQUES, MARIA MANUEL
LEITÃO, – Direito Económico-5ª Edição Reimpressão/2004, Pág. 42 e 46.
58
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

funcionamento da economia, bem como, para a materialização da democracia económica,


pois que, a iniciativa possibilita a sua livre composição e reutilização produtiva76.
Esta liberdade de iniciativa privada, à semelhança do direito de propriedade privada,
também não é reconhecida em termos absolutos, admitindo-se, por isso, restrições e
condicionamentos, que poderão resultar da Constituição ou da lei, atingindo o Direito em
geral, ou qualquer das suas componentes em especial, mas nunca tocando no conteúdo
essencial do Direito, isto é, naquela parte que se mostra indispensável para a satisfação
básica dos interesses do seu titular.
Essas restrições e condicionamentos são justificados, ora pela necessidade de protecção
do interesse público em geral, ora pela necessidade de protecção de interesses de
terceiros, nomeadamente de grupos com uma relação específica com a actividade da
empresa (trabalhadores, credores, etc.).
As excepções admitidas são, desde logo, as que resultam da possibilidade de existirem
sectores vedados à iniciativa privada, ao abrigo do art.º 93.º da CRA, princípio da reserva a
favor do sector público, e, em geral, das limitações e condicionamentos relativos ao
exercício de determinadas actividades económicas. O preceito constitucional supra
referido encontra-se densificado em sede da Lei n.º 5/02, de 16 de Abril – Lei da Delimitação
dos Sectores. Outrossim, o Estado protege o investimento e a propriedade de
estrangeiros, nos termos da lei, o que significa dizer que a lei deverá disciplinar o
investimento estrangeiro, com o objectivo de o adequar ao desenvolvimento do País e
defender os interesses dos trabalhadores.
Por outro lado, a liberdade de organização não impede que a lei configure os tipos que as
empresas podem assumir, quando sob forma de sociedades comerciais. Existem regras
obrigatórias sobre o modo como devem ser internamente organizadas as empresas,
sobretudo em relação aos órgãos sociais. O mesmo sucede quanto a relação com o mundo
exterior, como é o caso da integração urbana e a protecção do ambiente77.
Por fim, a liberdade negocial está ela também sujeita a numerosas restrições de ordem
pública, ou seja, relativas às relações contratuais da empresa com terceiros, como sejam
os trabalhadores (em matérias de contrato de trabalho de estabilidade do emprego),
consumidores (nulidade de certos tipos de cláusulas contratuais), ou outras empresas
(proibição de comportamentos ou acordos restritivos da concorrência).

76
Ob. Já Cit. Pág. 77.
77
Neste âmbito são cada vez mais significativas as restrições que visam a protecção de valores ambientais ou
ecológicos, acolhidas nos sistemas de licenciamento industrial.
59
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

c) A Livre Concorrência
A concorrência surge no contexto do mercado, como instrumento privilegiado de direção
do mercado, caracterizando um tipo de relação entre os agentes económicos, entendido
como a essência do sistema de economia de mercado. Como um instituto jurídico
económico, tem sido abordado nas distintas vertentes, mas ela repousa na Lei de procura
e oferta que vai determinar o preço e a qualidade de bens e serviços, ou seja, a Lei da
Procura e Oferta constitui o berço de ouro da concorrência.
Deveras, «a concorrência é o sinónimo de competição dos Agentes Económicos no
Mercado, através da Lei da procura e oferta, sob vigilância do Direito da Regulação e
Supervisão dos Poderes Públicos/Privados que compõem a Direcção Económica». Este
princípio encontra-se recortado no art. 89º, nº 1, al. c), da CRA.
Assim, a Prof.ª PAULA FREIRE78, entende que, “numa economia plenamente concorrencial,
o Mercado garante que a sociedade produza os bens aptos à satisfação das necessidades
dos seus membros, nas quantidades por eles desejadas”. Entretanto, esta autora que ainda
vamos continuar a seguir a sua abordagem, diz que, (…) através do preço, o Mercado
desempenha uma função de regulação da oferta e da procura, isto é, uma função de
equilíbrio entre as quantidades produzidas e consumidas.
Mas, para além da harmonia da economia, também a harmonia social surge através do livre
funcionamento do Mercado. Ao assegurar que as decisões e os actos individuais se
compatibilizam entre si e concorrem para prossecução do interesse comum, através do
mecanismo da mão invisível de ADAM SMITH79, que vai de certo modo permitir a obtenção
de um resultado socialmente óptimo geral. Segundo o Prof. MENEZES CORDEIRO, citando
WOLFGANG KILIAN, a concorrência “pode ser apresentada como um sistema de tomada
descentralizada de decisões, através da garantia de liberdade de actuação dos sujeitos
económicos”80. Ela encerra duas modalidades que vamos particularmente reputar com
algum detalhe sucinto para uma pré-compreensão, designadamente:

i) A Concorrência Perfeita
Defende o Prof. MENEZES CORDEIRO, no sentido de dar noção de concorrência, -
“afirmando-se, lato sensu, que ela designa a disputa entre dois sujeitos económicos ou
sectores económicos, com o fito de produzir ou comprar nas melhores condições. Sendo
assim, um Mercado de Concorrência perfeita seria aquele em que a formação dos preços
se daria pelo ajustamento recíproco da oferta e da procura, através de uma plena liberdade
de comportamentos dos Agentes Económicos, determinados pelo objectivo da maior
vantagem individual e com influência infinitesimal nas quantidades oferecidas e procuradas

78
Cfr. FREIRE, PAULA, - Eficiência Económica e Restrições Verticais, AAFDUL, 2008, Pág. 30.
79
Apud, FREIRE, PAULA, - Eficiência Económica e Restrições Verticais, AAFDUL, 2008, Pág. 31. SMITH, ADAM,
(1999) Vol.I, Pág. 166.
80
Cfr. AAVV, CORDEIRO, MENEZES, - Regulação e Concorrência, Almedina editora, 2005, Pág. 9.
60
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

e nos preços de Mercado”81, ou seja, é aquele em que os agentes económicos, só de per si,
não têm capacidade de influenciar os preços, estando em igualdade uns com os outros,
dominando ali o atomismo.

ii) Concorrência Imperfeita


A definição de PAULO SAMUELSON, citado por CARLOS LOBO BAPTISTA, reporta-nos que,
a concorrência imperfeita verifica-se numa actividade, ou num grupo de actividades,
sempre que os vendedores individuais são concorrentes imperfeitos enfrentando curvas
da procura não horizontais, detendo, por tal motivo, um certo grau de domínio sobre o
preço82, ou seja, aqui os agentes não aparecem dispersos, estando agrupados, controlando
o mercado e influenciado os preços.
A concorrência é representada, regra geral, por regras de Direito Penal, destinadas a
impedir ou reprimir práticas anti-concorrenciais particularmente intoleráveis, e, outras
vezes, por regras que visam prevenir os casos em que o comportamento dos sujeitos
econômicos ofende as regras da moralidade e lealdade na actuação dos agentes
económicos no mercado.

iii) Defesa da concorrência


A Defesa da Concorrência é matéria fundamental do Direito Económico, numa Economia
de mercado, uma vez que para além dos direitos económicos dos cidadãos, importa
garantir a transparência e a fluidez do mercado.
Assim, a defesa da concorrência é uma imposição constitucional. É que a defesa da
concorrência entre as unidades produtivas compreende nos nossos dias um conjunto
ordenado de normas de polícia. O legislador partiu do princípio de que a concorrência não
se desenvolve espontaneamente entre as empresas participantes no Mercado, não lhe
competindo tão-só estabelecer um conjunto de regras tendo por objectivo simplesmente
a prevenção e repressão de situações em que o comportamento das empresas lesam
intoleravelmente certos interesses públicos. Entretanto, algumas das práticas típicas
concorrenciais proibidas que podem modificar o Mercado são: DUMPING DE PREÇOS83;

81
Cfr. LOBO, CARLOS BAPTISTA, Concorrência Bancaria? Almedina editora, 2001, Pág. 158.
82
Apud, LOBO, CARLOS BAPTISTA, Concorrência Bancaria? Almedina editora, 2001, Pág. 160.
83
O Dumping de Preços, consiste na venda de produtos com prejuízo ao Mercado Concorrencial, isto é, a oferta
para venda, ou venda de um bem por preço inferior ao valor normal de um produto semelhante.
61
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

MONOPOLIOS84; OLIGOPOLIOS85; DUOPOLIOS86; CARTEL87; JOGOS88; ABUSOS DE


POSIÇÃO DOMINANTE AUXILIO DO ESTADO89.

3.8.6- Princípio da Defesa do Ambiente


Ambiente é definido «ipsis verbis» de acordo o calvinhado na Lei de Bases do Ambiente de
Angola Lei nº5/98, de 19 de Junho, como “um conjunto de sistemas, químicos, físicos,
biológicos e as suas relações e factores económicos, sociais e culturais com efeito directo
ou indirecto, mediato ou imediato sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”.
A Constituição angolana consagra no seu texto legal o Ambiente em numerosas
disposições que tratam directamente ou indirectamente de matérias ambientais, das
quais, podem ser reconduzidas a vectores binários constitucionais essenciais distintos
como, designadamente:
a) Tarefas fundamentais do Estado, Direito do Ambiente; (art. 21º, al. m), da CRA) de
conservação e protecção da natureza, meio ambiente do espaço ecológico e
património cultural da humanidade, e;
b) Direitos Fundamentais, ao Ambiente; (art.39º, da CRA), direito subjectivo público
de obtenção geral universal.
Regra geral, onde existe actividade económica suscita sempre o cumprimento das regras
ambientais, ou seja, onde existe actividade económica há possibilidade de ocorrer danos
ecológicos, patrimoniais e culturais. Daí que a tutela do ambiente é um valor
constitucional independente e hétero determinante dos comportamentos económicos
dos agentes económicos, que vai para além do planeamento e do desenvolvimento90.

84
O termo Monopólio provem do grego clássico, mono que significa "um" e polein que significa "vender"; o
Monopólio - é a exploração sem concorrente de um negócio ou indústria, em virtude de um privilégio e pode
ser Monopólio Natural ou Monopólio de Demónio e coercivo.
85
O oligopólio é caracterizado por um conjunto de Empresas que dominam determinado sector da economia
ou produto colocado no Mercado. Em geral, impõem preços abusivos e elimina a possibilidade de concorrência,
através da aquisição de pequenas Empresas.
86
Significa uma falha de Mercado de tipo específico de oligopólio em que apenas dois produtores existem em
um Mercado. Este termo é geralmente usado apenas quando duas Empresas têm o controle dominante do
Mercado.
87
Consiste num acordo (também caracterizado como conluio) explícito ou implícito entre concorrentes para,
principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de Mercados de actuação ou,
por meio da acção coordenada entre os participantes, eliminar a concorrência e aumentar os preços dos
produtos, obtendo maiores lucros, em prejuízo do bem-estar do consumidor.
88
São entendidos como um conjunto de regras que governam o comportamento de dado número de Agentes
Económicos individuais ou agrupados de ponto de vista de Mercado relevante geográfico ou de produtos
dominados por Agentes Económicos (batoteiros) jogadores individuais ou agrupados no Mercado, ou seja, o jogo
é uma sucessão de lances e partida é uma sucessão de escolhas.
89
Diz respeito a uma posição de poder económico detida por uma Empresa que lhe permite afastar a manutenção
de uma concorrência efectiva no Mercado em causa e lhe possibilita comportar-se, em medida apreciável, de
modo independentemente em relação aos concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores.
90
Cfr. MONCADA, LUÍS CABRAL DE, - Manual Elementar de Direito Público da Economia e da Regulação, Almedina
editora-2012, Pág. 94.
62
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Porque, por extensão, abarca a conservação e gestão dos recursos naturais e o combate
à poluição que se configura nos princípios do Direito do Ambiente, nomeadamente:
✓ Princípio da Prevenção; previsto na al. c), do art. 4º, da Lei de Bases do Ambiente
nº 5/98, de 19 de Julho;
✓ Princípio Precaução; previsto no nº 2, do art. 39º, da CRA; e,
✓ Princípio do Poluidor Pagador; previsto na al. g), do art. 4º, da Lei de Bases do
Ambiente nº 5/98, de 19 de Julho.
Este direito, além das suas múltiplas facetas, constitui também um dos limites
constitucionais ao livre exercício da actividade económica (pública, privada ou
cooperativa) e pode ter reflexos em vários dos seus momentos. Portanto, ele cabe
perfeitamente nos chamados “direitos de interferência”91, que aqui no nosso
ordenamento jurídico, encontram o assento nos art.ºs 21º ; 39º e 74º, da CRA).
Com base nesse entendimento, o acesso e a organização de uma actividade económica, a
sua instalação, condições de funcionamento e as suas relações com terceiros, ou mesmo
a sua extinção, podem ser condicionados ou determinados por razões ambientais; os
custos de produção, existindo mesmo, em alguns ordenamentos jurídicos, o princípio do
poluidor-pagador. Tal como é concebido pela Constituição, o direito ao ambiente
compreende o direito a uma acção positiva do Estado no sentido de defender e controlar
as acções poluidoras. Entre as obrigações do Estado, para além da preservação dos
espaços naturais e da intervenção nos espaços degradados, inclui-se também o
ordenamento da implantação urbana e industrial e da exploração agrícola e florestal.
Inclui ainda uma proibição de acções atentatórias do ambiente, quer por parte do Estado,
quer por parte de outros agentes económicos, conferindo ao cidadão – individual e/ou
colectivamente – o direito de exigir a cessação de tais acções e uma indemnização pelos
prejuízos causados.
Para além disso, o direito do ambiente vincula ainda os particulares, consagrando o dever
de defesa do ambiente, podendo traduzir-se num dever geral de abstenção ou de acção
(dever de impedir acções que atentem contra o ambiente e exigir do Estado determinadas
prestações). Desta feita, pode-se dizer que o direito ao ambiente comporta:
✓ Um direito subjectivo individual (dever geral de abstenção – vertente negativa –
e direito de exigir do Estado determinadas prestações – vertente positiva);
✓ Um dever individual e de grupo;
✓ Tarefa do Estado.

91
Entende-se como direito de interferência como sendo aqueles que normalmente obstaculizam ou interferem
actividade de agente económico devido as exigências do cumprimento dos padrões do direito do ambiente,
consumo, saúde pública, etc., que antigamente não eram observados por inópia legislativa. – Hoje, ditos direitos
difusos que o Prof. VASCO DA SILVA os considera inexistentes, por má qualificação ou incapacidade intelectual
do homem de os qualificar como tal. Mais desenvolvimento ver VASCO PEREIRA DA SILVA, Contencioso
Administrativo, Divã da Psicanálise...
63
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.8.7- Princípio da Defesa do Consumidor


Antes de mais, este princípio refere-se ao Direito do Consumidor e não defesa do direito
do consumo como tem-se confundido os termos na literatura jurídica menos avisada. Mas
de qualquer modo, o Direito do Consumidor pertence a um passado recente da cultura
humana. Os registos históricos apontam a partir dos anos 30 do século XX conhecida por
grande depressão ou “grande Boom”, e, seguiram-se ritmos acelerados de
desenvolvimento empresariais de produção em massa de bens e serviços e, sua
comercialização a nível planetário tornou-se global, associados os avanços tecnológicos
da informática, – como lembra RAÚL RODRIGUES, entrou-se na chamada sociedade de
consumo ou de abundância92.
O princípio económico de defesa do consumidor visa limitar, prevenir eventuais abusos
nas relações de consumo, e desta garantia subjazem dois aspectos que tem singular
importância, designadamente:
✓ A elevação da defesa do consumidor ao princípio constitucional colocando esta
matéria num lugar de proeminência na economia nacional;
✓ Qualquer norma contrária à defesa do consumidor é inconstitucional93.
O Princípio da Defesa do Consumidor tem assento na Constituição de Angola de 2010,
nos precisos termos do sublinhado no art. 78º, da CRA; e é alargado pela Lei nº 15/03, de
22 de Julho. No mercado de consumo existe um esquema contratual cujo conteúdo
normativo pré-elaborado está composto de uma série de condições gerais, formuladas
de modo geral, uniforme e abstracto94.
Por este raciocínio, por vezes o consumidor é elevado simplesmente a aderir95, sem
possibilidade de fazer constar nas cláusulas a sua vontade e preferência. Em razão disso,
o legislador adoptou medidas especificas para equilibrar os interesses económicos em
causa (art. 15º, da LDC)96 e estabelecer proibições que, a não serem requisitados dão
causa à nulidade da matéria contravertida.
Para o efeito, a defesa do consumidor realiza-se através de mecanismos extrajudiciais,
Administrativos (art. 25º, da LDC) e jurisdicional, sendo que, Lei especial confere a
legitimidade aos órgãos públicos designadamente, Ministério Público (art. 28º, al. d) da
LDC), as Associações de Defesa do Consumidor (art. 32º, da LDC) e qualquer interessado,
impetrar em juízo as acções administrativas, cíveis e inibitória (art. 20º, da LCGC)97, Acção

92
Cfr. RODRIGUES, RAÚL CARLOS DE FREITAS, – O Consumidor no Direito Angolano, Almedina -2009, Pág. 22.
93
Ob. Cit. Pág. 54.
94
Ob. Cit. Pág. 186.
95
Apesar de que, o contrato de adesão deve sempre respeitar os imperativos da disciplina das cláusulas gerais
dos contratos, prevista na Lei nº 4/02, de 18 de Fevereiro, Lei Sobre as Cláusulas Gerais dos Contratos.
96
Lei nº 15/03, de 22 de Julho, Lei da Defesa do Consumidor.
97
Lei nº 4 /02, de 18 de Fevereiro, Lei Sobre as Cláusulas Gerais dos Contratos.
64
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Popular; (art. 74º, da CRA)98 e penais tendentes à tutela de interesses individuais e


colectivos dos titulares do direito fundamental (do consumidor) constitucional
económico associado ao respeito à dignidade da pessoa humana99.
Na tutela dos direitos do consumidor no computo geral visa-se garantir os seguintes bens
jurídicos100: Qualidade de bens e serviços; Formação e informação; Saúde; Segurança de
bens e serviços; Interesses económicos; Reparação dos danos; e, Publicidade
transparente.

98
Acção Popular, - não é um mecanismo processual autónomo, mas sim é o alargamento da legitimidade
processual para defesa da legalidade do interesse público.
99
Cfr. MAGALHÃES, CARLOS, – Defesa do Consumidor, a Responsabilidade Civil do Fornecedor, escolar editora
2010, Pág. 25 e ss.
100
Cfr. PAHULA, OVÍDIO, – Evolução da Constituição Económica Angolana, casa das ideias 2009, Pág. 126.
65
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

PARTE II – ORGANIZAÇÃO E DIRECÇÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA

CAPÍTULO I - A INTERVENÇÃO PÚBLICA DIRECTA NA ECONOMIA


1.1- Conspecto Geral
O Estado pode intervir na economia de forma directa ou indirecta. Contudo, só a forma
de intervenção directa faz do Estado um verdadeiro agente económico101. Esta existe
quando o próprio Estado assume o papel de agente produtivo, criando empresas públicas
ou actuando através delas, intervindo nos circuitos de comercialização. Em síntese, são
apontados como factos causais que deram origem ao Sector Empresarial do Estado
Angolano as nacionalizações, confiscos, a criação de empresas estatais ex novo, ou por
transformação e sucessão das empresas nacionalizadas.

101
As Empresas do Sector Empresarial Público, podem ser classificadas de acordo o critério da titularidade ou
das participações nos fundos que constituem o acervo patrimonial, ou seja, o capital social. Por essa via a Lei de
Base do Sector Empresarial Público do Estado, da Lei nº 11/13, de 3 Setembro, definiu no art. 2º, como já
dissemos, o “númerus cláusus” densificada numa classificação das Empresas nos seguintes termos:
✓ Empresa Pública (ex: TAAG; ANGOLATECOM; PORTO DO NAMIBE; CAMINHO D FERRO DE
MOÇÂMEDES; ENANA; SONANGOL; etc.);
✓ Empresas Com Domínio Público (ex. BCI, BPC, BAI, etc.);
✓ Participação Públicas Minoritárias (PAVITERRA, BANCO SOL, BCP, MILLENIUM- ATLANTICO, BANCO
ECONOMICO, BFA, etc.)
No entanto, existe um outro critério de classificação das Empresas com Capitais Públicos, que reside no seu
âmbito territorial, apesar do nosso legislador ainda não ter disciplinado em termos legais o regime e em que
termos operativos deve vincular. Assim sendo, as Empresas de Capitais Públicos são integradas nas seguintes
categorias:
✓ Empresa Públicas de Âmbito Nacional (SONANGOL, TAAG, EDIAMA, ENANA, ENSA, ENDE)
✓ Sector Empresarial Regional (v.g. Caminhos de Ferro de Luanda, Caminhos de Ferro de Benguela e
Caminhos de Ferro de Moçâmedes);
✓ Sector Empresarial Local (v.g. Porto de Cabinda, Luanda, Lobito, Namibe, Empresas das águas, Emutrac
(E.P.) – Lubango).
Quanto ao critério do volume de negócio ou sua dimensão, as Empresas podem ser classificadas:
✓ Microempresas (aquelas Empresas de expressão individual ou familiar sob forma de sociedades
comerciais unipessoais ou em nome colectivo);
✓ Pequenas Empresas (aquelas Empresas individuais que tem mais de 3 três trabalhadores, sob forma
de sociedades por quotas ou outra, mas não sob forma de sociedade anónima;
✓ Médias Empresas: Aquelas Empresas que tem um volume de negócio considerável constituídas sob
forma de uma sociedade por quotas, ou quaisquer outros tipos societários mas com número de
trabalhadores não superior a 500 trabalhadores);
✓ Empresas de Grande Dimensão ou Estratégicas: (aquelas de capital social superior
USD:20.000,00(vinte mil dólares americanos) equivalente em kwanzas e que o número de
trabalhadores são superior à 500 efectivos, e por conseguinte, são estratégicas quando são tituladas
pelos activos do Estado com fins, como diz o próprio nome, de realizar estratégias económicos do
Estado ao nível da economia interna ou internacional, ex. TAAG, SONANGOL, PORTO DE LUANDA…,AGOL-
TELECOM, ENANA e etc., são exemplos pragmáticos de Empresas de grande dimensão e
simultaneamente estratégicas. Já por exemplo o OMATAPALO, COCA-COLA, BANCO – BIC, são
Empresas de grande dimensão com volume de negócios expressivos e com mais de 500 trabalhadores
sem escopo de estratégia assinalável se quer para o interesse do Estado).

66
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.2- A Intervenção Económica do Estado e o Princípio da Subsidiariedade


Como agente, a intervenção directa do Estado na esfera económica tem como fundamento
a satisfação das necessidades da comunidade, sendo a instituição de um sector empresarial
o modus de realização do princípio constitucional de bem-estar, enquanto elemento
imprescindível do conceito de Estado Democrático de Direito fundado na dignidade de
pessoa humana, conforme resulta da Constituição da Republica de Angola de 2010102.
Assumindo o Estado uma função de produtor de bens e prestador de serviços, a
prossecução do bem-estar representa uma das suas principais tarefas, suscetível de ser
analisada sob diferentes perspectivas103, entretecida por um conjunto de necessidades da
pessoa e da comunidade que, pelas suas características, o Estado está adstrito a satisfazer.
Naturalmente, deste princípio decorre de um “dever de agir”104, tendo em conta as
necessidades da comunidade, visando o desenvolvimento da qualidade de vida da pessoa
e a qualidade de vida no país, servindo-se do critério das necessidades circunstancialmente
interpelantes de um dado momento – curto, médio e longo prazo –, especificidades locais,
regionais e a conjuntura de todo o país.
A existência de meios de produção do Estado no contexto de uma economia de múltiplos
sectores – público, privado e cooperativo105 – levanta alguns problemas quanto a questão
da iniciativa pública e, bem assim, os limites que informam tal iniciativa. Para este efeito,
partindo da delimitação do conceito de bem-estar social poderemos determinar o grau de
intervenção económica do Estado106. Esta intervenção pode consubstanciar-se numa
intervenção necessária concebendo o Estado como encarregue da prossecução de
actividades prestadoras em termos económicos, sociais e culturais ou, diversamente,
fundamentar a excepcionalidade da intervenção pública directa, baseada numa ideia de
subsidiariedade107.

102
Cf. Artigo 21.º d), artigo 89.º a) e 90.º, da CRA, aprovada pela Assembleia Constituinte de 21 de Janeiro de
2010 e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 111/2010, de 30 de Janeiro, ao 3 de Fevereiro
de 2010.
103
V. PAULO OTERO, Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra:
Coimbra Editora, 1998, pp. 13 e seg., fazendo um recorte do Estado social de Direito, estabelece três perspectivas
do princípio de bem-estar: material, imaterial e temporal.
104
Cf. SOFIA TOMÉ D’ALTE, A Nova Configuração do Sector Empresarial do Estado e a Empresarialização dos
Serviços Públicos, Coimbra: Almedina, 2007, p. 39.
105
Cf. artigo 92.º, n.º 1 da CRA.
106
Cf. SOUSA FRANCO e GUILHERME DE OLIVEIRA MARTINS, A Constituição Económica Portuguesa – Ensaio
Interpretativo, Coimbra: Almedina, 1993, p. 219, para quem “intervenção económica do Estado é todo o
comportamento do deste (ou de outras entidades públicas equiparáveis) cuja função e finalidade consiste na
modificação concreta do comportamento de outros agentes ou sujeitos ou das condições concretas da actividade
económica. Não se limita à ordenação abstracta de regras ou instituições jurídicas que orientam, enquadram ou
condicionam o desenvolver da actividade económica (ordenação económica). Nem se traduz nos
comportamentos em que o próprio Estado (ou entidade equiparada) desenvolve uma actividade económica
própria, dispondo de bens raros susceptíveis de aplicações alternativas para satisfazer necessidades (próprias do
aparelho estadual ou da sociedade) que lhe cumpre satisfazer (actividade financeira) ”.
107
No âmbito do ordenamento português, considerando que o Estado deve pautar-se nas suas relações com a
sociedade civil de harmonia com o princípio da subsidiariedade dado que os princípios da igualdade e in dúbio
67
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Tal como sintetiza PAULO OTERO108,


“tudo está em saber se uma intervenção do Estado na produção de bens e na prestação de
serviços se auto justifica num princípio geral de legitimação da acção dos poderes públicos
ou, bem, diferentemente, a actividade directa do Estado no sector económico como um seu
agente apenas dever ter lugar supletivo, visando suprir casos de inércia ou desinteresse da
sociedade civil”.

Reconhecendo a existência de um princípio da subsidiariedade da intervenção económica


do Estado, salienta JOÃO PACHECO DE AMORIM, sem prejuízo das normas e princípios
constitucionalmente consagrados, a Administração não tem o monopólio no que concerne
a realização dos interesses gerais. Pelo contrário, o Estado Liberal e, bem assim, o Estado
Social
“(…) assenta numa economia de mercado, satisfação das necessidades ou interesses
colectivos que não tenham sido publicizados pela lei (ainda que sejam publicizáveis) está
confiada, em regra, à iniciativa privada, devendo os poderes públicos, não existindo uma
particular justificação, evitar interferir directamente no mercado, através, designadamente,
do desenvolvimento de actividades industriais e comerciais submetidas ao direito privado e
em concorrência com os agentes”109.

Nesta vertente, uma vez que a Constituição consagra expressamente direito-liberdade de


iniciativa empresarial enquanto dimensão do direito à livre iniciativa económica (artigo 38.º
da CRA) que, enquanto direito, liberdade e garantia apenas poderá ser restringido nos
casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos, implicaria dizer que, existindo esses direitos e interesses constitucionalmente
protegidos, o Estado deverá abster-se de intervir economicamente no mercado uma vez
que tal intervenção, quando desprovida de fundamento, poderá ser considerada
inconstitucional por conflituar com o direito de iniciativa económica privada, não obstante
conhecer-se a ampla margem de conformação que a Constituição concedeu ao legislador
no âmbito deste direito-liberdade110.
Não obstante as supra referidas premissas, demos conta da existência de uma terceira via
tendente a harmonizar estas duas formas antagónicas de se conceber a intervenção do
Estado na economia. Esta via baseia-se numa compreensão menos rígida e arcaica do

pro libertate não permitem extrair outra solução interpretativa, v. PAULO OTERO, in Vinculação e liberdade...,ob.,
cit., p. 37.
108
In Ob., cit., p. 23.
109
In As Empresas Públicas no Direito Português – em especial, as empresas municipais, Coimbra: Almedina,
2000, p. 102.
110
Numa perspectiva financeira-fiscal, v. CASALTA NABAIS, O Princípio do Estado Fiscal, in Estudos Jurídicos e
Económicos em Homenagem ao Professor João Lumbrales, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 376-377.
Segundo o Professor, “ (…) a acção económica do Estado, numa economia de disposição privada dos meios de
produção, dos bens e serviços, é, por natureza, subsidiária ou supletiva, o que naturalmente implica ou
pressupõe, em termos do sistema económico-social (global), que o suporte financeiro daquele não decorra da
sua actuação económica positivamente assumida como agente económico, mas do seu poder tributário ou
impositivo”. V. ainda CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra: Almedina, 1998, p.
205 e passim.
68
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

princípio da subsidiariedade, entendemos que o mesmo não possa continuar a ser


concebido no sentido de uma prioridade da actividade privada e na consideração de que
toda organização económica e social, incluindo a estadual, tem de limitar-se a servir o
desenvolvimento da personalidade e dignidade individuais, descurando, assim, que a
dignidade da pessoa humana decorre (igualmente) do bem-estar social, colectivo ou
geral111. Pugnamos por uma compreensão “dinâmica”, na medida em que pressupunha o
seu enquadramento nos fundamentos do Estado Liberal-Social e de economia de mercado,
de acordo com a qual o Estado deverá intervir perante a detecção de falhas de mercado,
externalidades, monopólios naturais, razões de redistribuição de rendas, etc.112.
Deste modo, somos de opinião que se deverá afirmar a tendencial existência de um
Princípio da subsidiariedade, por mor do qual a actuação empresarial do Estado se
reconduza, como primeiro alvo, às áreas dos sectores básicos, essenciais, e também
àqueles que se afigurem estratégicos, confiando os demais ao funcionamento do mercado
e à iniciativa económica privada, sendo por isso neste âmbito considerada a iniciativa
pública como subsidiária.
Assim, entendemos que no tocante às áreas referentes aos serviços supra mencionados,
afirmar-se-á um Princípio de Natural Intervenção Pública, a qual não tem de modo algum
de se considerar exclusiva, mas atendendo designadamente a importância destes sectores
mencionados, concluímos que o Estado estará habilitado a actuar nesse campo de forma
primária e ao abrigo da cláusula constitucional de bem-estar, emergindo (igualmente) um
Princípio da Complementaridade entre a iniciativa económica pública e a privada113, mas já
não um princípio que imponha uma intervenção subsidiária às entidades públicas, pois que
trata-se de sectores naturalmente integrados na actuação pública para concretizar o bem-
estar da colectividade.
Parece-nos, pois, que no campo em que se constate que o mercado e a sua lógica
funcionam suficientemente bem, se poderá advogar a existência de um Princípio de
Subsidiariedade da Intervenção Económica Estadual, na medida em que, nesse cenário,
caberá ao Estado desempenhar um papel secundário, residual, destinado essencialmente
a cobrir ou suprir as falhas de mercado (se eventualmente existirem), relativamente a
determinado bem, serviço ou sector.
Entretanto, este poder de intervenção económica não é concebido em termos absolutos
ou desprovido de qualquer limite – que de algum modo entraria em conflito com a

111
Neste sentido v. NUNO DA CUNHA RODRIGUES, “Golden Shares” – As empresas participadas e os privilégios
do Estado enquanto accionista minoritário, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 34 e seg.; com semelhante
argumentação, embora rejeite o princípio da subsidiariedade, v. CABRAL DE MONCADA, Direito Económico,
Coimbra: Coimbra Editora, 3ª ed., 2000, p. 173.
112
A este propósito v. SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, Coimbra: Almedina, 2001, p.
36 “Os casos de incapacidade de mercado geram, pois, situações em que, normalmente, é apenas a intervenção
de entidades públicas – das quais tomaremos o Estado como protótipo – que permite realizar o bem-estar social,
em termos que todos achem desejáveis”.
113
Cf. SOFIA TOMÉ D’ALTE, A Nova Configuração do Sector Empresarial do Estado e a Empresarialização dos
Serviços Públicos, Coimbra: Almedina, 2007, p. 73.
69
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

liberdade das entidades privadas –, mas subordinada à prossecução do interesse público114


e aos princípios da constitucionalidade e da legalidade115.
Pode, então, concluir-se que a iniciativa económica pública – que abarca a intervenção
empresarial do Estado –, na realização do interesse público/geral, não se configura como
direito ou liberdade das entidades públicas, mas assume a natureza de poder-funcional,
competência ou dever-função116.
Deste modo, o interesse público constitui o fundamento da iniciativa económica pública,
ele funciona também como limite, pois que, como conclui PAULO OTERO, é inválida a
criação de uma empresa pública sem que a actividade que lhe está subjacente seja de
interesse público, ou sem que tenha em vista prosseguir finalidade públicas nem se integre
nos fins ou atribuições da entidade instituidora117.
Assim não podemos deixar de afirmar que esta será, segundo nos parece, uma boa forma
de equacionar os imperativos de uma economia de mercado que necessita de agilidade,
competitividade e concorrência, com a garantia constitucional de uma economia que
também é mista, e neste sentido comprometida na realização do bem-estar e justiça social
confiados aos poderes públicos.

114
Na esteira de ALEBRTO ALONSO UREBA, La Empresa Publica – Aspectos Jurídico-Constitucionales y de Derecho
Economico, Madrid: Editorial Montecorvo, 1985, p. 138, e ENCARNACION MONTOYA MARTIN, Las Empresas
Públicas Sometidas al Derecho Privado, Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 66, pode se afirmar que o interesse
público/geral constitui o leitmotiv que justifica a essência da Administração num Estado social e democrático de
Direito, encontrando-se esta indissociavelmente supraordenada pelo interesse público; ou na expressão de
GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2006, pp. 794-795, “o interesse público é um momento teleológico necessário de qualquer
actividade administrativa”, ou seja, os entes administrativos, mesmo no sob alçada de poderes discricionários,
não podem prosseguir uma qualquer finalidade, mas apenas àquela considera pela lei ou pela Constituição, que
será sempre uma finalidade de interesse público.
115
Entendemos que os meios e as formas de exercício da iniciativa económica pública devem obedecer a uma
tipicidade legal, enquanto mecanismos de intervenção nos termos do artigo 165.º, nº 1, alínea b), da CRA. Para
este efeito, assinala PAULO OTERO, Vinculação e Liberdade…, ob., cit., p. 205, “(…) a intervenção empresarial do
Estado tem sempre que se fundar no princípio da legalidade, sendo a lei o fundamento habilitador directo de
criação ex novo de uma empresa ou da simples participação do Estado no capital de uma empresa já constituída,
isto sem prejuízo de cada decisão em concreto se poder fazer através de acto praticado no exercício da função
administrativa ou, em alternativa, resultar destes actos públicos uma permissão de utilização de mecanismos de
Direito Privado”.
116
CABRAL DE MONCADA, Direito…,ob., cit., p. 174, PAULO OTERO, Vinculação e Liberdade…, ob., cit., p. 125,
SOUSA FRANCO e GUILHERME DE OLIVEIRA MARTINS, A Constituição…, ob., cit., p.207, SOUSA FRANCO, Noções
de Direito da Economia, 1.º vol., Lisboa: AAFDL, 1991, pp. 23-24, ENCARNACION MONTOYA MARTIN, Las
Empresas Públicas…, ob., cit., pp. 52 e 61, ALEBRTO ALONSO UREBA, La Empresa Publica…, ob., cit., p. 138.
117
In Vinculação e Liberdade…, p. 124-129, onde o autor reafirma que “o interesse público representa o
fundamento, o limite e o critério da iniciativa e actuação económica pública e, por conseguinte, da intervenção
empresarial do Estado”. Concluindo no mesmo sentido, v. ENCARNACION MONTOYA MARTIN, Las Empresas
Públicas…, ob., cit., pp. 64 e 68, ALEBRTO ALONSO UREBA, La Empresa Publica…, ob., cit., p. 137-138, ANTONIO
TRANCOSO REIGADA, Privatizacíon, Empresa Publica y Constitucíon, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 161, JAIME
RODRIGUEZ-ARANA, La Privatizacíon de la Empresa Publica, Madrid: Editorial Montecorvo, 1991, pp. 53 e 42, e
PIERRE MOOR, Droit Administratif, vol. III, Berna: Editions Staemplfli & Cie SA, 1992, p. 144.
70
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

1.3- Intervenção Económico-Empresarial


A intervenção económica pública e bem-estar são, desde o advento do Estado Social de
Direito, realidades indissociáveis. Daí que, quando se pretende reflectir sobre a actividade
prestadora do Estado em geral (e do seu sector empresarial em especial) a relação entre
bem-estar e intervenção económica não pode jamais sair de perspectiva.
Visto que o Estado se encontra constitucionalmente comprometido com a cláusula de bem-
estar, impõe-se o problema de saber qual a melhor forma de prestar. Neste sentido,
procurando por possíveis soluções, e acima de tudo eficazes, emergiu na esfera estatal a
possibilidade de actuar como um operador de mercado, e assim deu asas ao exercício da
iniciativa pública. Ao contrário do que se possa pensar, esta iniciativa não tem
necessariamente de ser unicamente identificada com a sua actuação empresarial –
embora, para o efeito, seja a mais relevante. Pelo contrário, esta última apresenta-se como
uma parte específica que se pode encontrar quando se começa a analisar a primeira.
Daí que, para que se compreenda a importância do sector empresarial do Estado é
essencial atender à distinção que é possível fazer entre a actividade económica por um
lado, e actividade empresarial por outro. De entre as várias formas de actuação pública em
que se traduz o exercício da iniciativa económica amplamente considerada, a actividade
empresarial é dotada de algumas especificidades que permitem distingui-la destas. Iremos,
então, proceder à distinção a que acabamos de aludir para que nos possibilite expor com
maior clareza as questões em análise.

1.4- A Natureza Empresarial de uma Actividade Económica


Determinar qual o alcance daquilo que se deva entender por “actividade económica” não
é, de todo, uma tarefa isenta de dificuldades118. No entanto, é essencial que o foco incida
não exclusivamente na importância técnico-jurídica do conceito, como também nas
implicações que derivam da qualificação de uma actividade económica que, além disso, é
também uma actividade de natureza empresarial. O ponto de partida é naturalmente saber
quais são, afinal, os índices qualificativos, os critérios ou os elementos através dos quais
podemos aferir a natureza empresarial de uma dada actividade.
A título primário, sendo verdade que toda a empresa prossegue uma actividade
económica, o inverso nem sempre sucede, visto que, nem toda a actividade económica se
revela apta de ser exercida ou prosseguida através de uma empresa. Assim, um dos
critérios identificativos de uma actividade económica que revele também a natureza
empresarial será exactamente o facto de existir uma estrutura organizada de factores
através da qual essa actividade seja efectivamente prosseguida de forma estável. Nesta
medida, inócua se torna qualquer conclusão que poderemos chegar a propósito da

118
Nos termos da Lei n.º 5/02, de 16 de Abril: art.º 1.º “São actividades económicas aquelas que se destinam à
produção e distribuição de bens e à prestação de serviços a título oneroso e com finalidade lucrativa (...)”.
71
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

natureza empresarial de uma actividade económica sem uma abordagem sobre a figura da
empresa.
Para efeitos da análise que se seguirá, se apresenta de capital importância o conceito de
empresa em sentido objectivo, por forma a assentar a análise do carácter empresarial de
uma dada actividade económica em alicerces suficientemente resistentes a polissemia que
circunda a realidade “empresa”. No seguimento de COUTINHO DE ABREU, poderemos
então considerar que empresa em sentido objectivo vem a ser, “(…) a unidade jurídica
fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício
relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”119.
Assim a actividade económica só revelará verdadeira natureza empresarial se assentar na
estrutura específica que é a empresa, e ser regida através de uma forma de actuação
também ela específica, instigada de uma mecânica própria, a que corresponde àquilo que
se designa por “critérios de actuação empresarial”. Estes critérios são balizados por alguns
parâmetros, que ajudam a percepcionar a diferença que separa a actividade económica
daquela outra que, além de o ser, é também empresarial. Critérios (estes) que são: (i)
produção/distribuição de bens e/ou serviços; (ii) satisfação de necessidades humanas, (iii)
colação desses bens no mercado, contra um preço; (iv) existência de um risco específico
no exercício da actividade; e, (v) objectivo de obtenção de um ganho.
Destes critérios parecem mais relevantes os três últimos, tendo em conta que os dois
primeiros se apresentam insuficientes, pois que, toda a actividade económica (exercida em
termos empresariais ou não) pressupõe a produção de bens ou serviços, sendo, os
mesmos, destinados à satisfação das mais diversas necessidades humanas.

1.5- O Direito Privado como Instrumento da Actividade Empresarial


No âmbito da actuação económica do Estado são frequentemente chamados à colação
meios de direito público e de direito privado, de modo que impossibilita a aplicação dos
mesmos em moldes quimicamente puros. Sem embargo da importância dos meios
públicos, aliás, muito presentes no que concerne a intervenção estadual, podemos afirmar
que a actuação em moldes privados tem acompanhado o crescimento das suas tarefas de
intervenção económica.
Nas últimas décadas vimos a assistir a uma crescente procura por parte da administração
pública de formas jurídico-privadas de actuação. Deste feita, temos vindo a presenciar ao
nascimento de pessoas jurídicas de direito privados – maxime sociedades comercias –
criadas por órgãos da administração pública e que têm por escopo de actuação
competências que, em primeira linha, pertencem aos diferentes órgãos da administração

119
In, Da Empresarialidade: As empresas no direito, Reimpressão, Coimbra: Almedina, 1999, p. 304. Veja-se
também, a propósito do conceito de empresa, OLIVEIRA ASCENÇÃO, Direito Comercial, vol. I, Lisboa, 1989/99,
pp. 137 e ss., criticando, porém, a concepção de empresa em sentido objectivo, avançada por COUTINHO DE
ABREU, a pp. 150.
72
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

pública, como o Estado. No entender de certa doutrina, o fenómeno da crescente remissão


para o direito privado por parte das entidades públicas tem especial razão de ser nos
nossos dias, sendo aduzidos, sistematicamente, um conjunto de argumentos que
espelham as vantagens desta utilização.
Desde logo, os autores120 aduzem que a razão decisiva prende-se com a maior eficiência
proporcionada pela utilização dos meios de direito privado, nomeadamente os contratuais,
do ponto de vista do exercício das actividades económicas produtivas a que se dedica nos
nossos dias o Estado, nomeadamente quando actua através de empresas públicas. Sendo
que para este desiderato, o Estado para além de utilizar o direito privado também procede
a transferência para entidades privadas a gestão dos serviços que tem a seu cargo,
tratando-se especialmente de actividades que possam ser levadas a cabo em termos
empresarias.
Acresce a isto outras razões, tais como, maior facilidade na criação e extinção de
instituições; favorecimento da descentralização e autonomia, possibilitando a criação de
âmbitos de responsabilidade próprios e autónomos, dada a menor influência partidária;
libertação de regras de direito público; adopção de processos de decisão e actuação mais
flexíveis, desburocratizados, rápidos, transparentes e eficientes, sujeitos às regras de
mercado e de concorrência, maior possibilidade de obter resultados mais rentáveis,
através da redução de custos administrativos; maior flexibilidade de cooperação com
outras entidades privadas ou públicas.
Contudo, a mesma doutrina apresenta alguns inconvenientes, considerando que o perigo
da utilização de formas jurídico-privadas consiste sobretudo na possibilidade de “a
administração, através de uma «fuga para o direito privado», libertar das suas vinculações
jurídico-publicas, tendo em atenção, igualmente, ao risco de maior arbitrariedade que esta
utilização comporta por parte das autoridades administrativas121.

1.6- Direito aplicável no SEP Angolano


Um ponto essencial do regime das empresas públicas é marcado pela problemática do
Direito que, genericamente, lhes seja aplicável. O art. 8.º, n.º 1 estatui (de modo
indiscriminado) que “as empresas públicas e as empresas com domínio público122 regem-
se pela presente Lei, pelos diplomas que aprovam os respectivos estatutos e, no que não

120
Cf. MARIA JOÃO ESTORNINHO, A fuga para o direito privado…, cit., pp. 59-66.
121
Cf. Ult. A., cit., p. 68.
122
Pois bem, se as empresas com domínio público adoptam a forma de sociedade comercial, o que supõe que as
mesmas sejam reguladas (em boa parte) pela Lei das Sociedades Comerciais, apresente-se contraditório, em
nosso entender, considerar a Lei de Base como regime aplicável à estas sociedades. Parece-nos mais acertado
dizer-se que às empresas com domínio público, por se tratar de uma sociedade comercial, deve ser regulada pelo
direito privado (máxime, direito comercial), salvo no que estiver especialmente regulado na Lei de Base – que
pressuponha a existência do interesse público.
73
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

estiver especialmente regulado, pelo direito privado, salvo quando o fim não seja contrário
ao interesse público, nos termos da probidade pública”.
O presente esquema de fontes requer algumas contemplações. Particularmente em aberto
ficam dois pontos: a existência e o critério de hierarquia de fontes e o papel/natureza do
direito privado, quando seja chamado para regular alguns aspectos das empresas públicas.
A letra do artigo 8.º, n.º 1 parece revelar uma hierarquia de fontes com seguinte sentido:
bases gerais do sector empresarial público, estatutos da empresa pública considerada e,
por fim, o direito privado.
Com efeito, havendo um regime expresso com bases gerais, é de esperar que os estatutos
singulares se lhes submetem, limitando-se a concretizar ou especificar certas linhas de
desenvolvimento; por outro lado, as próprias bases gerais funcionam como especialidade
face ao Direito comum – para o caso, o Direito privado – aplicando-se, pois, em termos
prevalentes. Tudo isto funciona, contudo, apenas de modo tendencial. Mas do que um
qualquer critério hierarquizante o factor determinante para se proceder a articulação
destas fontes será a natureza das relações que se estabelecem.
Assim, nas situações jurídicas puramente internas relativas, a título de exemplo, a questões
como a constituição, modificação e extinção das empresas públicas, à sua orgânica, à tutela
e superintendência, à gestão ou aspectos similares, será aplicável a título principal o regime
das Bases gerais ou o respectivo estatuto, o direito privado terá uma aplicação subsidiaria.
Já nas situações jurídicas externas, que têm, designadamente, que ver com relações entre
empresas públicas e terceiros, a aplicação do direito privado será a título principal.
Quando estejamos, pois, perante o primeiro tipo de situações, há que esgotar as hipóteses
de analogia ou a utilização de princípios gerais, no contexto das regras especiais sobre a
empresa pública – bases gerais e estatutos – antes de recorrer ao direito privado que tem
aplicação subsidiária; quando, contrariamente, nos deparamos com o segundo tipo de
situações, o direito privado é imediatamente aplicável, sempre que nenhuma norma o
afaste123.
Quanto a questão de saber qual a natureza do direito privado aplicável às empresas
públicas, a sua solução é feita depender, em parte, da natureza comerciante ou de não
comerciante das empresas públicas124. Naturalmente, uma resposta a esta questão estará
dependente da capacidade para a prática de actos de comércio. Assim, nada existe no
artigo 13.º do Ccom. que obsta as EPs de serem comerciantes. Visto que o n.º 3 do mesmo
artigo concede a natureza de comerciante a sujeitos dotados de personalidade jurídica
quando exerçam uma actividade mercantil. Logo, as empresas públicas são comerciantes

123
Cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito da Economia, vol. I, Lisboa: AAFDL, 1986, pp. 280- 281.
124
Para efeito de saber se as empresas públicas são comerciantes ou não se veja, FERREIRA DE ALMEIDA, Direito
Económico, cit., pp. 145, segundo o qual as empesas públicas não são comerciantes; e numa posição contradita
por SIMÕES PATRÍCIO, Curso de Direito Econômico, cit., pp. 634 ss.
74
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

quando o seu objecto consista no exercício de actividades jurídico-mercantis, quando


através delas realizados sejam actos de interposição nas trocas125.
Perante o quadro geral do nosso direito comercial, pode, num primeiro momento, admitir-
se que, aos actos objectivamente comerciais praticados pelas empresas públicas (quer
sejam comerciantes ou não) aplica-se o direito comercial, surgindo o direito civil a título
meramente subsidiário. Esta aplicabilidade do direito comercial já fica prejudicada quanto
aos actos subjectivamente comerciais, pois que são actos cuja comercialidade está
dependente da qualidade de comerciante ou não da empresa pública que os pratica –
acabando por ficar sob alçada das normas comuns de direito civil, no caso de se tratar de
empresas públicas que não sejam comerciantes.
Entretanto, esta regra de aplicação do direito privado nas relações externas comtempla
excepções. Excepções provenientes do facto de existirem determinadas empresas
públicas que exploram serviços de interesse público. Estas empresas podem precisar, e
muitas vezes precisam, de combinar o recurso ao direito privado com a possibilidade de
lançar a mão do direito público, sempre que necessário, porque têm a seu cargo altos
interesses públicos cuja salvaguarda pode exigir a utilização do jus imperii.
Estes privilégios ou prerrogativas incluem a possibilidade de certas empresas públicas
praticarem actos administrativos, celebrarem contratos administrativos, promoverem
expropriações por utilidade pública, exercerem poderes de polícia, recrutarem pessoal no
regime da função pública126.

1.7- O Sector Empresarial do Estado Angolano


1.7.1- A evolução do Sector Empresarial Público Angolano
Fruto das profundas políticas, económicas e sociais ocorridas em Angola, o SEP foi alvo de
diversas e consideráveis alterações nas últimas décadas. As empresas com capitais públicos
já têm alguma história de existência, na ordem jurídico-económica de Angola. Podemos
distinguir quatro fases neste processo, 1.ª fase de transição (de intervenção na gestão e no
capital de empresas); a 2.ª fase da Lei n.º 3/76 (de nacionalizações e confiscos); a 3.ª fase de
consolidação e gestão do S.E.E.; a 4.ª fase do redimensionamento127.
A Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975 teve na consagração do princípio da
coexistência de sectores o seu ápice, em termos daquilo que consideramos a Constituição

125
Neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Definição…, cit., pp. 198-200.
126
V. o artigo 8.º, n.º 2 do RJSEP. Quando esteja em causa estas empresas que, materialmente, se aproximem de
funções administrativas, todo o esquema das fontes pode ser afectado. Sendo que, a acorrer esta situação, os
estatutos que se das respectivas empresas terão de constar, no mínimo, de decreto-lei, conforme adverte
MENEZES CORDEIRO, Direito da Economia, cit., p. 289.
127
Neste sentido, v. JOSÉ MORAIS GUERRA, Direito da Economia Angolana, Vol. I, Lisboa: Escher Editora, 1994,
p. 184. Fruto das alterações operadas na regulamentação do Sector Empresarial do Estado, podemos ainda falar
de uma 5.ª fase, de transformação do SEP como instrumento efectivo de desenvolvimento estratégico, conforme
consta do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017. Disponível em
75
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Económica. Do ponto de vista programático, às nacionalizações e confiscos de empresas


ou partes do capital social de empresas foi resultado de um processo operado desde a fase
de transição, passando pela da Independência, maxime, ao abrigo da Lei n.º 3/76, de 3 de
Março (Lei da Política Económica de Resistência, das nacionalizações e confiscos).
Constituindo, a referida lei, o substrato da construção do vastíssimo sector público ou
Sector Empresarial do Estado angolano, assim como foi a base em que assentou a
transformação do modelo misto da Constituição Económica, da versão original da
Constituição 1975 no modelo socialista ou de transição para o socialismo da C.E., pós-
revisão de 1978128.
Tendo em conta este contexto, de “massiva” intervenção, após a independência são
promulgadas quer a Lei n.º 3/76, de 3 de Março129, que a chamada Lei da Política de
Resistência travejada por duas directrizes programáticas, representadas pelos títulos I e II,
por um lado, as «nacionalizações e confiscos de empresas e outros bens» (título I) e, por
outro lado, «Unidades Económicas Estatais» (título II), quer ainda um conjunto de outras
leis de intervenção na gestão ou confisco e nacionalizações de todo ou parte de
patrimónios pertencentes a empresas dos mais variados sectores de actividades
económicas, designadamente, agrário, mineiro, da indústria transformadora e bancária e
predial urbana e habitacional. Sendo certo que, deste conjunto de leis umas são
concretizações das normas e princípios da Lei n.º 3/76, outras configuram quer normas
gerais e abstractas, bem como actos administrativos que concretizam a aplicação da
referida lei130.
É, porém, na fase de redimensionamento – maxime do Pacote Legislativo do Saneamento
Económico e Financeiro (S.E.F,) de 1988 e da última revisão constitucional de 1992/Lei n.º
23/92, que o conceito e âmbito do Sector Empresarial do Estado acaba por ganhar
consagração legal de modo expresso131. Do designado Pacote Legislativo destacam-se as
seguintes Leis que posteriormente vieram a ser regulamentadas ao longo dos anos 1989 e
seguintes:
✓ Lei n.º 10/88, de 2 de Julho – Lei das Actividades Económicas;
✓ Lei n.º 11/88, de 9 de Julho – Lei de Bases Gerais das Empresas Estatais.

128
V. JOSÉ MORAIS GUERRA, Ob., Cit., pp. 94-95.
129
Quer o preâmbulo quer o artigo 1.º, n.º 2, aludem ao regime de intervenção em empresas, ao abrigo do D.L.
n.º 128/75, cuja nacionalização se considere determinar pelo Conselho da Revolução, sob proposta do Conselho
de Ministro por razões de interesse nacional.
130
Cf. Lei n.º 8/76 (nacionaliza participações da CUCA, e Unitécnica e outras), a Lei n.º 17/76 (Siderurgia Nacional)
são, entre outros, exemplos de aplicação de aplicação da Lei n.º 3/76. Como sublinha JOSÉ MORAIS GUERRA,
Ob., Cit., nota. 350 “É inumerável o conjunto das Leis, Decretos e despachos que ao longo da 2.ª metade da
década de 70 e durante as décadas de 80 a 90 foram realizando confiscos, nacionalizações e intervenções/criação
de novas «unidades económicas estatais» de âmbito nacional, regional e local ilustrativo quer das empresas ou
sectores estratégicos quer das razões circunstanciais que relevaram no contexto.
131
A expressão «Sector Empresarial do Estado» só é recebida pela Lei n.º 10/88, no seu artigo 23.º, ao postular
a directriz programática do seu redimensionamento. Com efeito, o princípio da propriedade socialista sofre
restrições representadas pela consagração do princípio do redimensionamento do Sector Empresarial do Estado
tomado no sentido amplo, cf. DOMINGOS FRANCISCO, Ob. Cit., pp. 67-69.
76
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Entretanto, na sequência das alterações constitucionais iniciadas em 1991 e concluídas em


1992, o Estado concluiu que ao vedar à actividade a um certo número de áreas, acabava por
fazer uma delimitação dos sectores de actividade económica que não se mostrava ajustada
às grandes opções feitas, quanto ao desenvolvimento de uma economia de mercado e
consequente diminuição da intervenção directa do Estado na economia. Foi assim que a
Lei 10/88 em referência foi revogada pela Lei n.º 13/94, de 2 Setembro, que veio reformular
a matéria respeitante a chamada reserva do Estado reduzindo consideravelmente o seu
campo de aplicação e flexibilizando-a, pela adopção de conceitos e regimes de “reserva
absoluta”, reserva de controlo” e “reserva relativa”.
Foi também neste contexto que foi publicada a Lei n.º 9/95, de 15 de Setembro que veio
revogar a Lei n.º 11/88. Esta Lei 9/95, embora mantendo, no geral, a estrutura e a
sistematização da Lei 11/88 alterou, desde logo, a denominação da própria lei, acolhendo o
conceito de «Empresas Públicas» ao invés de empresas estatais. Esta nova terminologia
não só estaria mais consentânea com a nova filosofia de economia de mercado, como
também é a que figurava no texto constitucional que vigorava na altura.
Com a aprovação da Constituição de 2010, entramos na última fase de redimensionamento
do Sector Empresarial do Estado. Deste modo, tendo em conta a importância que o sector
empresarial público representa para a economia nacional e a necessidade de se dotar o
mesmo de uma legislação que, por um lado, reflicta as modernas concepções sobre as
relações do Estado com as suas empresas e, por outro, que permita alcançar a eficiência na
gestão destas empresas, foi aprovada a Lei 11/13, de 3 de Setembro, que estabelece, pela
primeira vez, o Regime Jurídico do Sector Empresarial Público – embora careça (até o
momento) de regulamentação. São estes, em termos sintéticos, os factos que marcam a
evolução do daquilo que hoje a lei qualifica como sector empresarial Público, que
constituirá objecto de estudos das páginas que se seguem.

1.7.2- Âmbito do Sector Empresarial do Estado


A actividade empresarial do Estado Angolano é hoje regulada pela Lei 11/2013, de 3 de
Setembro de 2013 (doravante RJSEP). A actual legislação, com contornos mais abrangentes
do que a sua antecessora, revogou a Lei n.º 9/95, de 15 de Setembro (Lei das Empresas
Públicas).
O actual RJSEP prevê dois modelos jurídicos de organização das empresas integrantes do
sector empresarial do Estado: as constituídas nos termos da lei comercial, isto é, sob a
forma de direito privado; e as com natureza de pessoas colectivas de direito público, as
denominadas como empresas públicas.
No epicentro do regime se encontra a empresa pública, pessoas colectivas de direito
público de tipo institucional, que são concebidas como realidade diversa das sociedades
comerciais de capitais públicos, onde nas quais o Estado ou outra entidade pública possam

77
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante, em virtude de


circunstâncias tipificadas132.
Com o novo regime ora instituído, para além da manutenção da empresa pública
institucional, assiste-se (igualmente) à ascensão de empresas estatais de tipo societário,
sob o conceito de empresas com domínio público. Surge, portanto, um novo conceito que
urge analisar, não só ao nível de regime jurídico que passa agora a vigorar, mas também e
talvez sobretudo ao nível das consequências práticas que do mesmo possam resultar.
Uma das mais evidentes é desde logo o facto de, com este regime, se assistir a um
alargamento da regulamentação, dado que as empresas de base societária passam a ter
um regime jurídico comum (em parte) com as empresas públicas de tipo institucional,
naturalmente justificado por razões de interesse público.
Todas a empresas integrantes do sector empresarial público, quer sejam de tipo
institucional ou societário, podem ser encarregadas da gestão de serviços públicos,
designadamente através do controlo e com sujeição obrigatória a um regime jurídico
pautado por princípios de direito público compensando o Governo os défices de
exploração das mesmas actividades.
Em síntese, estabelece o novo regime, como formato-regra133, o figurino da empresa
pública, em sentido estrito, dotadas de “capital estatutário”, de fundo institucional. Ao
lado desse esquema mantém, também, as empresas de societárias de “mão pública”,
oriundo do direito privado, com o respectivo capital titulado em partes sociais134. Hoje o
Sector empresarial do Estado integra um universo de cerca de 68 Empresas, sendo 53
Públicas, 13 de Domínio Público e 1 referente a Participações Minoritárias do Estado135.

1.7.3- A Empresa Pública


A detenção do conceito de empresa pública carece de uma prévia aproximação do Direito
Comparado, quer na dimensão terminológica quer na matéria do conceito em si. Adiantar
que, a empresa pública de direito angolano tem no direito comparado de países de
economia de mercado – e mais estritamente e dentro destes, no dos países de círculo
jurídico românico, tal como Portugal, França e Espanha – as suas diretas bases referenciais,
tanto quando corresponde a uma estrutura que é propriedade exclusiva (ou maioritária)
do Estado, dotada de personalidade jurídica e autonomia patrimonial, prosseguindo

132
Cfr. artigo 4.º do RJSEP.
133
Por alguma ironia do destino, desde a aprovação deste novo RJSEP apenas assistimos à criação de empresas
estatais sob a forma de sociedade comercial, o que denota a centralidade que, em termos de iniciativa
empresarial pública, estas figura têm vindo a alcançar.
134
Surgem, aqui, fenómenos de associação entre público e privado, pelo importará distinguir as sociedades de
capitais exclusivamente público e das denominadas sociedades mistas, apenas objecto de detenção parcial.
Apenas serão consideradas empresas com domínio público aquelas que forem objecto de detenção maioritária
pelo Estado ou por outras entidades públicas estatais. Já ficarão de fora do SEP as sociedades meramente
participadas, embora esta participação (minoritária) esteja integrada no sector empresarial do Estado.
135
Dados estatísticos, consultar «http://www.isep.co.ao/home/sep/directorio-das-empresas-do-sep.aspx».
78
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

actividades económicas produtivas e sujeita a controlo e supervisão pública ou


governamental.
Ainda em países de sistema jurídico de matriz anglo-saxónica a figura equivalente é
representada pelas «public corporations», como empresas criadas pelo Estado,
igualmente, dotadas de personalidade jurídica, autonomia patrimonial e sujeitas a um
controlo governamental136. Neste mundo da economia de mercado, as Empresas públicas,
com as características gerais apontadas, têm-se apresentado sob diversas espécies ou
figuras afins, desde as empresas nacionalizadas, serviços públicos industriais e comerciais,
sociedades concessionárias ou de capitais inteira ou maioritariamente públicos, às
empresas públicas «stricto sensu». Estas espécies ou figuras estreitamente ligadas com a
evolução das formas de intervenção directa, no fundo, são funções de extensões mais ou
menos amplas do conceito de empresa pública, cuja expressão apenas se consagra, aliás,
após a Segunda Grande Guerra, em França137-138 .
É deste modo que acabamos por ter conceitos amplos de empresas públicas, no Direito
Comparado, tais como «organizações empresariais sob controlo público» ou mesmo no
contexto da União Europeia como «toda a empresa sobre a qual os poderes públicos
podem exercer, directa ou indirectamente, influência dominante, com base na
propriedade, na participação financeira ou nas regras que a regem».
É disto exemplo original o caso de Portugal com o seu Decreto-Lei n.º 260/76 ao definir no
seu artigo 1.º empresas públicas como «empresas criadas pelo Estado, com capitais
próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para exploração de actividades de
natureza económica e social, de acordo com o planeamento económico nacional, tendo
em vista a constituição e desenvolvimento de uma sociedade democrática de economia
socialista».
Regra geral, as empresas públicas são definidas segundo elementos essências,
designadamente: a origem pública (criação), o capital (próprio), objecto (actividades
económico-sociais), natureza orgânica (a de uma empresa), regime (de funcionamento e
controle, sujeição ao Planeamento económico e à tutela, autonomia), e objectivos
programáticos da constituição, personalidade e capacidade jurídica (outorgadas pelo art.
2.º), distintas do Estado, surgindo, assim, com uma nova personalidade face às empresa do

136
Para mais desenvolvimento desta matéria v. FERREIRA DE ALMEIDA, In Direito Económico, I, Lisboa: AAFDL,
1979, pp. 117 e ss.
137
Cf. ANDRÉ DE LAUBADÉRE, Direito Público Económico, Coimbra: Almedina, 1985, p. 46, «corrente hoje em
dia» a expressão «empresa pública» não era empregada antes da Segunda Guerra Mundial e parece ter nascido
em 1946 no recenseamento do sector público industrial que foi estabelecido por instruções do Ministro das
Finanças, Robert Schuman… Deste modo a princípio falou-se das «empresas nacionalizadas»; pp. 463-465.
Empresa Pública como organização empresarial de capitais públicos, vide Decreto-Lei Português n.º 48 007, de
26 de Outubro de 1967, que acolhe a expressão «empresa pública» e Decreto-Lei n.º 133/73, 28 de Março (que
cria a Empresa Pública de Parques Industriais – E. P. P. I.).
138
CF. FEREIRA DE ALMEIDA, Ob., Cit., Parte I. O Autor refere-se à tentativa francesa (que não foi além do
projecto) de um estatuto elaborado em 1948, p. 123, nota 1. Nos P. A. L. O. P. em geral com as suas leis de bases
gerais das empresas estatais ou públicas v.g. Cabo Verde e seu Decreto-Lei n.º 11/78, de 18 de Fevereiro; Guiné-
Bissau e seu Decreto-Lei n.º 33/79, de 3 de Novembro; Angola e suas Leis n.º 3/76, 17/77, 11/88.
79
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

sector privado e cooperativo. Com este conceito legal especificamente delimitado, todas
as demais figuras que atrás cabiam na noção ampla de empresas públicas tornam-se figuras
próximas mas distintas139.

a) Conceito de Empresa Pública no Direito Angolano


Doutrinalmente, a caracterização de empresa pública alcança-se, em primeira instância, na
própria análise dos termos integrantes da sua designação. A existência de uma empresa e
a adjectivação da mesma como pública, ou seja, o substrato da entidade em questão e um
substrato empresarial (nos termos supra analisados) sujeitado a uma direcção e orientação
pública.
A definição de empresa estatal aparece pela primeira vez na Lei n.º 11/88, de 9 de Julho,
enquanto «unidades económicas propriedade do Estado, criadas através dos mecanismos
previstos na presente lei, destinados à produção, distribuição de bens e à prestação de
serviços, tendo em vista a construção das bases material e técnica do socialismo».
A lei 9/95, de 15 de Setembro, já com a denominação de empresa pública, introduziu alguns
elementos àquela definição. Entendo, no seu art. 1.º, definia a empresa pública como
“unidades económicas criadas pelo Estado, através dos mecanismos estabelecidos na
presente lei, com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, destinadas
à produção e distribuição de bens e à prestação de serviços, tendo em vista a prossecução
dos interesses públicos e o desenvolvimento da economia nacional”.
Definição, esta, que já não se faz constar no novo regime jurídico do sector empresarial
público. Assim, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da RJSEP, as empresas públicas são aquelas
que, por diploma legal, assim são expressamente qualificadas, sendo que o seu n.º 2 adianta
dizendo que, o seu capital é integralmente detido pelo Estado. Como se pode notar, o
legislador não apresenta uma definição de empresa pública140.
No entanto, face os pertinentes dados normativos (designadamente, os constantes na
RJSEP), e porque ainda se mostra operativa, podemos partir da noção de empresa pública
que já (há muito) avançada por algum sector da doutrina, em muito tributárias dos textos
legais vigentes em diversos países, que definia as empresas públicas como «empresas
criadas pelo Estado com capitais próprios destinados à formação de organizações de meios
produtoras de bens para a troca (empresa em sentido objectivo), com denominação

139
Cf. JOSÉ MORAIS GUERRA, Direito da Economia…, cit., pp. 189-190.
140
Terá o legislador seguido o entendimento de que a melhor técnica legislativa evita inserir na lei definições
que, tantas vezes não só se apresentam deficientes, bem como, a curto prazo tendem a ser ultrapassadas pela
evolução “científica”(?). Cf., por exemplo, SIMÕES PATRÍCIO, Direito Económico, cit., 579 ss. e AFONSO VAZ,
Direito Económico, cit., 197 ss… quanto as dificuldades surgidas nas definições de empresa pública v. MARIA DA
GLORIA DIAS GARCIA, Direito da Economia/Empresas Públicas, 1983, pp. 3 ss.
80
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

parcialmente taxativo-exclusiva e que, sob a superintendência e tutela estaduais, visam


prosseguir (indirectamente ou directamente) finalidades públicas»141.
Esta particular feição das empresas públicas reivindica o estudo de certas características
constitutivas de conceito da empresa pública de natureza institucional.

b) Criação e Extinção
As EPs são empresas criadas pelo Estado, embora apresentem uma dualidade de origem.
Do ponto de vista formal, entre nós, as empresas públicas são sempre criadas por Decreto
Presidencial ou por Decreto Executivo conjunto do Ministro responsável pelo Sector
Empresarial Público e do Ministro responsável pelo sector de actividade, por delegação do
Titular do poder Executivo, consoante estejamos perante uma empresa de interesse
estratégico ou empresas que não o sejam (cf. art. 40.º). Cabendo a lei determinar quais os
critérios para classificação da empresa pública, como sendo de interesse público
estratégico142.
De uma perspectiva material, não haverá dúvidas de que o acto de criação e extinção de
uma empresa pública é um acto individual e concreto não incorporando qualquer regra de
conduta para os particulares ou para a administração ou um critério de decisão para esta
última ou para o juiz, antes pelo contrário, tal acto apresenta uma eficácia meramente
consumptiva, esgotada com a respectiva aplicação. Significa isto que, o acto de criação da
empresa pública não é (materialmente) um acto legislativo, mas sim um acto
administrativo pese embora praticado sob a forma de decreto. Sucede, porém, que nos
termos do n.º 4 do artigo 40.º da Lei de Base “os estatutos das empresas públicas são
aprovados e publicados como anexo ao diploma que os cria.
A extinção das empresas públicas pode ser entendida em dois sentidos: em sentido amplo,
podendo visar a reorganização das actividades desta, mediante a sua transformação, cisão
ou fusão com outras; ou destina-se a pôr termo a essa actividade, sendo então seguida da
liquidação do respectivo património (extinção em sentido estrito).
As modificações estruturais (transformação, fusão, cisão) processam-se mediante decreto-
lei, que devem estar em consonância com o regime previsto na Lei de Delimitação de
Sectores da Actividade Económica e na Lei-Quadro das Privatizações (cf. art. 56.º). E a
extinção em sentido estrito é efectuada (igualmente) por decreto-lei, cabendo a este
diploma determinar a entidade que procederá a respectiva liquidação e o prazo para que
esta seja concluída (cf. art. 60.º, n.º 1 e 2). Contudo, cabe ressaltar que à extinção não são

141
Cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2014, pp. 262-263.
Na esteira da definição exaustivamente analisada, na vigência do antigo regime português das empresas
públicas, que constava do DL n.º 260/76, de 8 de Abril, em Definição de Empresa Pública, Coimbra, 1990, pp. 95
ss.
142
E assim faz o artigo 13.º do RJSEP, deixando claro que esta classificação não se esgota na diferenciação entre
pequenas, médias e grandes empresas, ao contrário do anterior regime das empresas públicas.
81
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

aplicáveis as regras sobre dissolução e liquidação, nem os institutos de falência e


insolvência (cf. art. 60.º, n.º 3).

c) Personalidade e capacidade
Nos termos do art. 7.º, n.º 1 “as empresas públicas e as empresas com domínio público143
são pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica e com autonomia administrativa,
financeira e patrimonial. A personalidade jurídica autónoma é assim condição indispensável
para que a actividade empresarial possa ser configurada como a actividade principal da
entidade e a partir daí construir em tal conformidade o respetivo regime jurídico.
De facto, a personalidade jurídica independente garante a autonomia organizativa,
financeira e de decisão próprias da condição de empresário, isto é, exigindo normalmente
uma separação jurídico-organizatória entre a entidade encarregada da actividade
económica e a Administração ligada normalmente à outorga de personalidade jurídica
autónoma a favor daquela.
Da qualificação das empresas públicas como sujeitos jurídicos (e não somente objectos)
poderá extrair-se algumas consequências. Por um lado, pode ser criada uma EP - pessoa
sem que haja ainda substrato empresarial (organização de factores produtivo) ou de o ter
inacabado, não pronto a funcionar. Por outro lado, as empresas, enquanto instrumentos
para o exercício de actividades de produção, exigem determinados meios produtivos
organizados, pois bem, no caso das EPs, pode suceder existirem no seu património meios
de produção (assim como bens) não afectados às respectivas empresas (em sentido
objectivo), meios que não são elementos destas empresas (embora integrantes do
património das pessoas colectivas-EPs).
No entanto, parece-nos que elas devem ser entendidas como pessoas colectivas
públicas144, tendo em consideração os seguintes aspectos: a sua criação e extinção é
efectuada pelo Estado, mediante um acto de autoridade – não sendo para tal aplicáveis os
institutos da falência ou insolvência (v. art. 60.º RJSEP); O Governo exerce tutela
económica e financeira e superintende a sua actividade (v. arts. 43.º e 44.º RJSEP) e, por
último, porque revestem uma forma e uma organização institucional alheias ao direito
privado.
A capacidade jurídica das empresas públicas não diverge da capacidade das pessoas
colectivas prevista no Código Civil. Vigorando para elas o princípio da especialidade do n.º
1 do artigo 160.º, nos termos do qual não podem praticar actos contrários aos seus fins,

143
Não obstante considerarmos as empresas com domínio público como parte integrante da administração
indirecta privada do Estado, não se percebe a referência às empresas com domínio, uma vez que estas
“empresas” são sociedades comerciais e são reguladas em primeira instância pela Lei das Sociedades Comerciais,
à mesma Lei caberá a conformação da personalidade jurídica destas empresas. Por isso impõem-se uma
interpretação restritiva deste artigo, de modo a aplicar-se única e exclusivamente às empresas públicas.
144
Neste sentido, veja-se COUTINHO DE ABREU, Definição…, cit., pp. 184-185.
82
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

medindo-se, pois, a capacidade em concreto, pelo seu objecto tal como este é definido nos
respectivos estatutos, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei de Bases.
O objecto da empresa pública é sempre definido especificamente pela lei, nem se
compreenderia de outra forma, na medida em que ele existe para o desempenho de uma
função de interesse público. Este objecto funciona como um limite à sua competência,
sendo nulos todos os actos e contratos praticados e celebrados pela empresa que
transcendam ou contrariem o seu objecto. Por sua vez, para a prática de actos só
indirectamente relacionados com o objecto da empresa torna-se necessária a autorização
do Governo ou o parecer dos órgãos da empresa, consoante os casos, conforme definem
por vezes os seus estatutos.

d) Autonomia patrimonial e financeira


A concessão de personalidade jurídico-pública traz consigo, como seus corolários, a
autonomia de decisão próprias da condição de empresário, a representação através de
órgãos próprios e a autonomia patrimonial e financeira. Sendo a lógica empresarial
orientada para a produção de bens e serviços destinados a posterior transacção, deve a
empresa dispor dos meios jurídicos necessários para poder orientar naquele sentido a sua
actividade.
É nesta perspectiva que se compreende que através dos órgãos próprios possa a empresa
administrar, não tendo os organismos do Estado e outras entidades públicas o direito de
interferir na sua gestão e no seu funcionamento, com a excepção das formas legais de
controlo previstas na lei (cf. art. 20.º). As empresas públicas gozam de autonomia
financeira, na justa medida em que elas dispõem de um orçamento privativo, por elas
elaborados e aprovado pelo executivo. Este orçamento não faz parte do orçamento do
Estado nem sobre ele incide qualquer acto de aprovação parlamentar.
Por esta razão tem a empresa competência para cobrar as receitas provenientes da sua
actividade ou que lhe sejam facultadas nos termos dos estatutos ou da lei, e para realizar
as despesas inerentes à prossecução do seu objecto. Por força disto, pelas dívidas das
empresas públicas responde apenas o respectivo património145, excluindo os bens do
domínio público sob administração da empresa, manifestando-se, assim, a autonomia
patrimonial que eles gozam.
Para o efeito, a lei prevê alguns instrumentos de gestão das empresas públicas. Entre eles,
contam os planos plurianuais e anuais, financeiros e de actividade e os orçamentos anuais
de exploração e de investimentos, nos termos dos artigos 22.º e 23.º Estes instrumentos de
gestão são apreciados e aprovados preventivamente pelo Conselho de Administração da
empresa. Esta aprovação não desencadeia a entrada em vigor, pois, trata-se de um acto

145
Em bom rigor, o Estado acaba funcionando como uma garante das dívidas destas entidades, que estão na sua
orientação.
83
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

meramente preparatório da aprovação final que compete ao Governo, manifestando aqui


os seus poderes de superintendência146.
Independentemente da estratégia econômico-financeira que se fazem constar nos
aludidos instrumentos de gestão, as empresas públicas dispõem de competência para
celebrar contratos-programa mediante os quais se concretizam os seus objectivos
econômico-financeiros e médio prazo, nos termos do artigo 28.º, n.º 1. De outro modo,
significa dizer que a gestão previsional da empresa não teria de constar globalmente dos
planos e orçamentos a aprovar pelo Executivo, pois que, a par deles dispõe de competência
para determinar autonomamente a sua política de investimentos através de instrumentos
convencionais. Apesar das limitações impostas pelo dever de conciliar os objectivos da
empresa com a coesão social e a luta contra a exclusão social (?), trata-se de uma clara
manifestação de uma ideia de autonomia económica da empresa.

e) Órgãos das empresas públicas


As empresas públicas são dotadas de uma estrutura orgânica específica, embora não seja
diversa o suficiente da estrutura organizatória das sociedades comercias. À estes órgãos
cabe a adequada realização daquilo que constitui o objecto social da empresa, devendo,
para tal, serem adaptados à dimensão e especificidades de cada empresa (cf. art. 15.º).
As empresas públicas são dotadas, fundamentalmente, de um órgão de administração, que
gere as actividades compreendidas no respectivo objecto e a representa, e um órgão de
fiscalização, a quem compete, essencialmente, vigiar pela observância da lei e dos
estatutos – por parte dos gestores - (cf. art. 45.º).
O órgão competente para gerir as actividades da empresa é o Conselho de Administração,
cuja composição tem o limite máximo de até 11 (onze) administradores, tendo a seu cargo
a prática de todos os actos que se reconduzem à prossecução do objecto da empresa. A lei
enumera, exaustiva e exemplificativamente, os actos que considera de gestão, neles
incluindo como típicos de gestão a aprovação dos objectivos e políticas de gestão da
empresa (cf. art. 47.º, n.º 1 alínea a)), aprovar os planos de actividades e financeiros anuais
e plurianuais e os orçamentos anuais (cf. art. 47.º, n.º1 alínea b)), sendo estes, entre outros
actos, constitutivos da chamada “alta direcção”.
Compete (ainda) ao Conselho de Administração a prática de actos (materiais ou jurídicos)
de execução ou desenvolvimento daquela “alta direcção”, quer de carácter
extraordinários, quer os de “gestão corrente” ou técnico-operativos quotidianos147. Sendo
certo que a prática de determinados actos a lei faz depender da autorização do órgão
governamental responsável pela tutela administrativa.

146
V. art. 43.º do RJSEP, onde no seu n.º 4, determina a ineficácia jurídica dos actos sujeitos à aprovação ou
autorização prévia.
147
Conforme a distinção efectuada por COUTINHO DE ABREU, Governação das sociedades comerciais, Coimbra:
Almedina, 2010, pp. 40-41.
84
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Contra os ventos do antigo regime, o novo regime das Bases Gerias deixou de considerar
como obrigatória a existência do Conselho de Administração, contemplando um sistema
orgânico diverso. Deste modo, tendo em conta que em “situações devidamente
ponderadas” (?) pode existir, em substituição do Conselho de Administração, um Conselho
de Coordenação e Orientação Estratégica em conjunto com uma Comissão Executiva,
ambos compostos por 5 membros (cf. art. 48.º, n.º 1).
Decorre, pois, deste modelo a atribuição da administração da empresa em dois órgãos, ao
Conselho de Coordenação estará reservada a definição das grandes linhas da actividades
da empresa – “a alta direcção” –, na medida em que à Comissão Executiva estará
encarregada da gestão corrente empresa, nesta se compreendendo todos os poderes de
gestão necessários ou convenientes para o exercício da actividade da empresa, de acordo
com os instrumentos de gestão aprovados (cf. art. 48.º, n.º 2 e 3). As empresas públicas
podem ser sujeitas a controlos vários, de maior ou menor intensidade, de carácter parcial
ou geral, interno ou externo.
O controlo interno da empresa pública é feito pelo Conselho Fiscal, composto por três
membros ou apenas um, por determinação estatutária, Fiscal Único. (cf. art. 49.º, n.º 1 e 4).
Ao Conselho fiscal competirá fiscalizar a gestão, examinar a contabilidade, emitir pareceres
sobre os documentos de prestação de contas, designadamente o relatório de contas de
exercício e, no geral, pronunciar-se sobre qualquer assunto de interesse para a empresa
(cf. art. 50.º). Por determinação legal (cf. art. 16.º, n.º 3) um dos membros do órgão de
fiscalização das empresas públicas deve possuir experiência profissional ou formação
superior no âmbito da contabilidade, fiscalidade, auditoria ou áreas conexas148.

f) As Empresas com Domínio Público


Nos termos do artigo 4.º da Lei de Base, as empresas com domínio público são sociedades
comerciais criadas ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais, em que o Estado
directamente, ou através de outras entidades públicas, exerce isolada ou conjuntamente
uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da totalidade ou maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração
ou de fiscalização.
Deste conceito de empresa com domínio público podemos descortinar dois critérios. Um
critério (pouco rigoroso) de natureza formal – a empresa com domínio público é uma
sociedade comercial criada ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais. As sociedades
comerciais são definidas no art. 1.º, n.º 2 da LSC como aquelas que, gozando de

148
Igualmente aplicável ao Fiscal-Único, nos termos do artigo 16.º, n.º 4 do RJSEP
85
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

personalidade jurídica a partir da data do registo definitivo do acto constitutivo149, tenham


por objecto a prática de actos de comércio150 e adoptem um dos seguintes tipos
societários: sociedade em nome colectivo, sociedade por quotas, sociedade anónima,
sociedade em comandita simples ou sociedade em comandita por acções (cf. o art. 2.º da
LSC).
O texto normativo refere apenas «sociedades comerciais criadas ao abrigo da Lei das
Sociedades Comerciais». O que parece pouco rigoroso, pois que, não é de excluir a hipótese
de tais sociedades serem criadas de forma diversa das permitidas pela LSC, que (quase) só
regula actos constituintes de natureza negocial privada. Uma empresa com domínio pode
ser constituída, originariamente, por um decreto-lei (ou lei) – incluindo os casos de
transformação de EPs em empresas com domínio público – ou em resultado de um
processo de nacionalização de participações sociais. Deste modo, aqui será aconselhável
proceder a uma interpretação extensiva do preceito, tal como também sugere, no âmbito
do ordenamento jurídico português, COUTINHO DE ABREU151.
Outro critério (igualmente) importante é de natureza substancial/funcional, assenta na
influência dominante que o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer
sobre a sua orientação ou gestão. A influência de uma entidade pública pode ocorrer de
dois modos distintos: directo ou indirecto. Através da influência dominante exercida
directamente, é reservado ao sócio de direito público o controle da sociedade. Já
estaremos perante uma influência dominante indirecta quando uma entidade pública
participante exerce um controle sobre uma empresa (primeira), que por sua vez exerce
influência dominante sobre outra empresa (segunda). Neste caso, dizemos que a entidade
pública participante detém influência dominante indirecta sobre a segunda empresa.
Passamos, então, a explicitar os casos que servem para constatar a presença de uma
influência dominante.
a) A influência dominante e o controle da sociedade

149
Cf. art. 5.º, da LSC. Para COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das sociedades, Coimbra:
Almedina, 2014, p. 93, embora as sociedades passem a gozar de personalidade jurídica e existirem como pessoas
jurídicas ou colectivas a partir da data do seu registo, a sociedade existe antes do registo, e tem subjectividade e
pode actuar antes da sua efectivação. De modo diverso, MANUEL NOGUEIRA SERENS, Notas sobre a sociedade
anónima, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, pp. 23- 25. O Autor afirma que a sociedade só existe a partir
do registo definitivo, e antes disso poderá falar-se em uma “pré-sociedade”.
150
O art. 2.º do Código Comercial angolano define os actos de comércio como “(…) todos aqueles que se achem
especialmente regulados na presente lei e demais legislação complementar e, além deles, todos os contratos e
obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não
resultar”. Uma definição (em boa parte) semelhante a que vigora no Direito Português, de modos a serem
integrados no conceito quer os actos objectivos de comércio e os actos subjectivos de comércios. Para uma
conceptualização rigorosa v. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I (introdução, actos de
comércio, comerciantes, empresas, sinais distintivos) p. 54, que define actos de comércio como “(…) factos
jurídicos voluntários especialmente regulados em lei comercial e os que, realizados por comerciantes, respeitem
as condições previstas no final do art. 2.º do CCom. Português (de idêntico teor literal com o CCom. Angolano).
151
In Curso…, vol. I, cit., pp. 260-261
86
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Para serem consideradas empresas com domínio público Estado e/ou as entidades públicas
devem obrigatoriamente exercer uma influência dominante sobre a sociedade comercial
em questão. Nota-se que a essa influência dominante está associada ao controle da
sociedade, pressuposto que nos permite estabelecer uma correspondência entre a
participação detida pelo Estado e/ou entidade pública com a figura do sócio controlador. A
legislação angolana não apresenta uma definição expressa da figura dos sócios
controladores.
Contudo, convinha não nos olvidarmos de que a RJSEP, expressis verbis, identifica as
circunstâncias em que essa influência dominante está presente ou é exercida. Com efeito,
estaremos diante desta influência dominante quando a presença do Estado e/ou entidade
pública na estrutura societária corresponder à “detenção da totalidade do capital ou da
maioria do capital ou dos direitos de voto” (art. 4.º, alínea a), “ao direito de designar ou de
destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização” (art. 4.º,
alínea b). Nas sociedades comerciais pluripessoais, via de rega, a influência dominante é
exercida pela detenção da maioria do capital – o que supõe que à participação social
maioritária corresponde a maioria dos votos –, o que vai implicar por parte das entendidas
públicas participantes uma participação social superior a 50% (cinquenta por cento) do
capital.
Contudo, pode suceder que as entidades públicas, mesmo detendo menos de 50% do
capital social da empresa, podem exercer uma influência dominante sobre a sociedade.
Podemos então fazer referência aos mecanismos que permitem o controlo da sociedade
(control-enhacing mechanisms) por um ou mais sócios, independentemente da detenção
de maioria do capital social. Deste modo, esta influência dominante vai encontrar
fundamento autonomamente na maioria de votos.
Conforme expressamente prevê a primeira parte o art. 4.º, b) da RJSEP, as entidades
públicas participantes exercem uma influência dominante sobre as sociedades comerciais
quanto têm o dinheiro de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de
gestão/administração ou de fiscalização.
Naturalmente esta influência dominante está igualmente ligada a possibilidade de livre
destituição desses membros do órgão de gestão ou de administração, que (até certo
ponto) contribui para que eles actuem como verdadeira longa manus das entidades
públicas participantes. No entanto, no tocante a influência dominante do Estado, temos
para nós que o critério adoptado na alínea b) do n.º1 do artigo 4.º para sustentar o conceito
de empresa com domínio público se apresenta controverso.

87
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

g) As Participações Públicas Minoritárias


As participações públicas minoritárias reconduzem-se às situações em que o conjunto das
participações detidas pelo Estado ou outras entidades públicas não origine qualquer
situação de influência dominante, conforme ficou dito supra152.
O objecto das participações minoritárias são sociedades comerciais de capitais
pertencentes maioritariamente a entidades privadas. Como explícita o art. 5.º, n.º 2 do
RJSEP, a integração das empresas participadas no sector empresarial público aplica-se
apenas à respectiva participação pública, no que diz respeito ao controlo e exercício do
pelo Estado dos seus direitos de sócio, cujo conteúdo deve tomar em consideração os
princípios decorrentes deste regime.
A detenção pelo Estado de participações minoritárias está vinculada à prossecução do
interesse público, pelo que o objecto social da empresa participada deve reflectir o
intrínseco interesse público que justifica e avaliza a participação social detida pelo Estado.
Deriva do próprio princípio da prossecução do interesse público uma preferência pela
detenção da participações sociais totalitárias/maioritárias públicas, sendo legítimo concluir
que a detenção de uma participação social pública minoritária deverá ser,
tendencialmente, excepcional153.
A título exemplificativo, adiantaremos algumas situações que legitimam a detenção de
uma participação social pública minoritária independentemente do objecto social
prosseguido pela empresa participada:
✓ A participação pública minoritária pode ter uma função de “testemunha” ou de
simples “presença”154, que permita ao Estado estar presente na gestão de tais
empresas, exercendo uma fiscalização interna directa (v.g. em empresas criadas na
sequência da outorga da concessão de serviço público);
✓ Como forma de regular o mercado (intervenção económica indirecta do Estado, v.g.
visando a regulação do sector financeiro através da detenção de uma participação
social privilegiada numa instituição de credito com determinada dimensão no
mercado, que condicione a actuação empresarial dessa instituição)155;

152
Cf. o art. 5.º, n.º 1 do RJSEP
153
Neste sentido, ROGER TAGAND, Le Regime Juridique de la societe d’Economie Mixte. Paris: L.G.D.J., 1969;
Igualmente PAUL OTERO, Vinculação…, cit., p. 208, considera que a transitoriedade de qualquer forma
minoritária de participação pública determina, ainda segundo exigência de prossecução do interesse público, e
sob pena de se assistir à sua violação por omissão, uma de duas soluções: a alienação da totalidade da
participação minoritária ou a aquisição do valor de participações sociais que atribua ao Estado (ou outra entidade
pública) uma posição maioritária. Fazendo referência a um “eunwirkunggspflicht”, ou seja, um dever jurídico de
influência da Administração da Administração nas empresas públicas que permita imputar à Administração a
responsabilidade pelos actos cometidos na gestão empresarial da entidade, v. G. PUTTNER apud ENCARNACION
MONTOYA MARTIN, Las empresas…, cit., p. 101.
154
A expressão de PAULO OTERO, Vinculação… cit., p. 208.
155
Cf. NUNO CUNHA RODRIGUES, Ob., cit., pp. 151-152.
88
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

✓ Como um mecanismo que permita aceder a know-how, sedimentado e melhorado


ao longo dos anos por entidades privadas (v.g. na área das novas tecnologias)156;
✓ Uma participação minoritária do Estado pode (ainda) derivar da transformação de
um crédito, resultante da concessão de um aval do Estado a uma sociedade
anónima, em acções da mesma sociedade157.
Esta essencialidade imposta pelo interesse público se afigura necessária não apenas
aquando da aquisição, mas sim enquanto perdurar a participação estatal. Então, pergunta-
se, o que aconteceria se o seu objecto social deixasse de atender a prescrição legal, ou seja,
deixasse de prosseguir um fim de relevante interesse público, perdendo conexão com a
respectiva atribuição da entidade público participante? A esta luz, é legítimo concluir que
apenas caberia a entidade pública participante proceder a alienação – e aqui frisa-se,
obrigatória – da sua participação. Ainda porque, a sua manutenção nos novos termos do
objecto social, seria ferida de ilegalidade.
Podemos verificar que a RJSEP apenas faz referência a perda da influência – que tanto pode
resultar da alienação total ou parcial da participação do Estado. O elemento literal nos leva
a acreditar que a criação de uma sociedade comercial participada pressupõe a pré-
existência de uma sociedade comercial parcial ou totalmente detida pelo Estado, na qual,
em momento posterior, acorra a perda da influência dominante158.
No entanto, não vislumbramos na norma qualquer referência no que diz respeito à
aquisição de participações sociais ou à constituição de uma sociedade comercial
participada. Pese embora a lei nada diz sobre estas modalidades de criação de uma
participação minoritária do Estado, entendemos que não existe razões para se impedir que
o Estado (ou uma entidade pública) proceda a aquisição de participações sociais ou
interceda na constituição de uma sociedade comercial participada.
Como vem pressuposto, é necessário que a actividade desenvolvida ou a desenvolver pela
sociedade tenha especial conexão com o interesse público. É o mesmo interesse público
que impõe o dever de constituir esta participação sobre uma sociedade de
responsabilidade limita e, consequentemente, as entradas só podem ser realizadas em
dinheiro, sendo proibido, v.g. que a entrada fosse realizada através da transferência de um
imóvel público (pois que, nesse caso, haveria outras questões de ordem administrativa, tais
como a afectação do património público e a inalienabilidade do bem público).
Por último, pode suscitar-se o problema de saber quais os limites temporais a que a
detenção de uma participação social pública minoritária se deve sujeitar. Como foi

156
ROGER TAGAND, Le Regime Juridique de la societe… cit., p. 7, informa que, nas sociedades de economia mista
francesas, o Estado ou outras entidades públicas beneficiam da experiência e da iniciativa dos particulares na
“prática de negócios empresariais”.
157
Situação pouco comum, com a emergência das Leis uniforme. No entanto, sobre a concessão de avales do
Estado, veja-se RAÚL VENTURA, “Aval do Estado” in Revista da Banca, n.º 4, Out.-Dez. 1987, pp. 67-96 eEDUARDO
PAZ FERREIRA, “O aval do Estado”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Coimbra: Coimbra
Editora, 2003, pp. 997-1030.
158
Cf. artigo 69.º da RJSEP.
89
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

analisado previamente, o interesse público constitui o fundamento da intervenção


empresarial do Estado, devendo a detenção de participações sociais públicas permitir
prosseguir o interesse público, no quadro da estrutura empresarial em que se insere. Este
objectivo será prosseguido de forma superior quando o ente público-accionista dispõe de
um poder efectivo de decisão empresarial alcançado através de uma participação
accionista maioritária. Daí concluir-se que a detenção de uma participação minoritária
deverá ser, tendencialmente, excepcional.
Não equivale isto a dizer que todas as participações sociais públicas minoritárias devam ser
transitórias. A transitoriedade pode ser associada à detenção de participações sociais
minoritárias em empresas que actuem em mercados concorrenciais ou perante regimes
especiais criados de forma casuística em determinadas empresas – maxime no caso de
criação de acções privilegiadas (golden-shares) –, o que decorre do facto de serem gerados
por leis-medida que possuem, elas próprias, carácter transitório. Todavia, em
determinadas empresas, especialmente naquelas que desenvolvem uma actividade de
serviço público, v.g. no caso de empresas às quais foi atribuída a concessão de um
determinado serviço público, a detenção de uma participação social pública, ainda que
minoritária, poderá justificar o seu carácter permanente como forma de assegurar um
controlo intra-societário relativamente ao desenvolvimento da actividade em causa.
Apesar de algumas limitações que impendem sobre as sociedades comerciais participadas,
aquisição de participações pode se revelar muito importante para a administração, na
medida em permite uma intercomunicabilidade entre sectores estratégicos, visto que esta
composição social pode, em termos práticos, se revelar uma verdadeira parceria público-
privada de tipo institucional.

90
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO II- DAS NACIONALIZAÇÕES E CONFISCOS

2.1- Conspecto Geral


As nacionalizações do ponto de vista histórico, não têm a mesma importância que tinham
na altura da independência, pois que, as nacionalizações foram utilizadas como
instrumentos necessários à instauração de uma economia centralizada que se
caracterizava pela apropriação colectiva dos meios de produção com objectivos de
construção duma economia socializante, ou seja, o socialismo.
A propriedade colectiva produtiva angolana teve como base as nacionalizações conforme
o postulado no art. 97º, da CRA. Alguns conceitos respeitantes a este último princípio
configuram-se nos institutos económicos de nacionalizações, como figura central e, por
conseguinte, confisco, expropriação por utilidade pública, requisição administrativa.
Todos esses institutos são figuras afins às nacionalizações, porquanto geralmente
promanam de um acto de soberania e revestido na fisionomia de uma lei em sentido
formal. Daí ser considerando a figura central na hierarquia da intervenção do Estado sobre
a Economia. Assim sendo, vamos dar a noção de algumas figuras:

2.2- Nacionalizações
A nacionalização em sentido restrito pode ser definida, segundo o Prof. EDUARDO PAZ
FERREIRA, como uma medida coactiva que opera a transferência da propriedade de
Empresas, participações sociais, universalidades de bens, prédios rústicos e/ou urbanos
ou ainda de outros bens das pessoas privadas para as entidades públicas por razões
política económica e social159.
Deste conceito pode-se abstrair alguns traços característicos da nacionalização,
designadamente:
1º- A nacionalização opera-se sempre por via coactiva, não se podendo falar de
nacionalização se tiver havido uma compra pelo Estado de bens privados;
2º- É preciso que se verifique uma transferência efectiva da propriedade dos bens
que deixam de se integrar no sector privado;
3º- A nacionalização tem sempre uma motivação de ordem económica e
social, visando que os bens atingidos fiquem ao serviço do interesse geral160.
O renomado Professor de Lisboa Doutor EDUARDO PAZ FERREIRA, citado pelo Prof.

159
Cfr. FERREIRA, EDUARDO PAZ, - Sumários de Economia, AAFDL 1996, Pág.290.
160
Cfr. FERREIRA, EDUARDO PAZ, - Sumários de Direito Econômico 1996, Pág.290. Neste sentido vide Acórdão
do Tribunal Constitucional Português nº39/88, de 9 de Fevereiro, in D.R. 2ª série nº 35, de 11 de Fevereiro de
1988. 295 Apud, AAVV, PARDAL, PAULO ALVES, - Direito da Economia Vol. I. editora AAFDL. Lisboa 2014. Pág. 172-
174.
91
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

PAULO ALVES PARDAL, destaca que uma nacionalização implica uma transferência
efectiva da propriedade dos meios de produção, por via coactiva, para entidades públicas,
devido a razões de política económica e social161. Este autor salienta, porém, que as
motivações subjacentes podem ser da mais diversa ordem, tais como:
(i) Ideológicas (v.g., nacionalizações decorrentes de um programa
revolucionário de índole colectivista, como o que ocorreu em 1975);
(ii) Intervencionismo Económico; (v.g., para colmatar falhas de mercado, ou
seja, o Estado em protecção da economia);
(iii) Punitiva (v.g., em Angola a nacionalização da COTONANG, DIAMANG,
NGOL e etc. E na Europa pós-guerra a nacionalização da Renault na
França);
(iv) Retaliatórias (v.g., nacionalização de uma empresa estrangeira em
retaliação de idêntica medida tomada por esse Estado sobre acções detidas
pelo Estado em causa);
(v) Afirmação na Cena Internacional (v.g., nacionalização do Canal de Suez por
parte do Egipto; e, para evitar uma falência técnica de uma empresa
relevante na economia de um País, no caso menos perene de intervenção
do Estado angolano no Banco Espírito Santo Angola (BESA) para evitar
colapso financeiro e risco sistémico com efeitos de contágio no sistema
financeiro angolano.
Posto isso, deste excurso de exposição telegráfica, cumpre-nos, agora, dar uma noção de
nacionalização, como sendo, “uma forma directa e imediata de intervenção do Estado na
Economia que consiste no acto de soberania mediante o qual se transfere a propriedade
e bens vitais dos particulares para economia estatal, com a simultânea transferência, ou
modificação da respectiva gestão por razões de política social e do interesse público”162.
O mesmo é dizer-se, que se trata da transferência de titularidade e gestão da propriedade
privada para esfera jurídica do Estado revestido por acto de soberania em forma de Lei no
sentido formal, nos termos permitidos pela Lei fundamental de magnitude económica de
Angola (art. 97º, da CRA) e legislação ordinária; (Lei nº 3/76, de 3 de Março, designada de
Lei dos Confiscos e Nacionalizações).
A doutrina clássica defende que dois elementos devem, cumulativamente, caracterizar a
nacionalização: não só a transferência da propriedade privada para o Estado como
exercício da actividade ligada àquela propriedade deve ser realizada em conformidade
com o interesse social ou o interesse geral.

161
Ibidem. Pág. 172.
162
A nossa construção, e, o mesmo sentido Cfr. ABRANTES, MARIA LUÍSA, - As Privatizações em Angola, editora
Multitema, 2009, Pág. 43.

92
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

2.2.1- Natureza Jus Económica dos Actos de Nacionalizações e Confiscos


Juridicamente, a nacionalização constitui uma espécie de expropriação, traduzindo-se na
transferência forçada, por acto de autoridade, de uma unidade económica – exploração,
estabelecimento, empresa – da propriedade privada para a propriedade pública - do
Estado ou de outras pessoas colectivas públicas.
No entanto, a nacionalização distingue-se da expropriação propriamente dita tanto pelo
seu objecto (desapropriação por via de um acto administrativo de um bem imóvel
privado) quanto pelo seu fim (em benefício de uma entidade pública ou privada, por
variados motivos). Já a nacionalização é um acto político (visando a ordenação
económica), normalmente sob forma legislativa (que deve revestir a forma de lei, ainda
que sob proposta do Titular do Poder Executivo – art.º 2.º da Lei n.º 3/76, de 3 de Setembro.
Nacionalização Expropriação
A nacionalização é um acto de soberania e A expropriação obedece à lei, mas pode
um acto político-legislativo, que se reveste ser feita por um acto administrativo.
sempre da forma de lei.
A declaração de expropriação pode ser
O acto de nacionalização não pode ser atacada com base em ilegalidade.
impugnado judicialmente, senão com base
A expropriação é um acto normal de
em inconstitucionalidade.
Administração pública
A nacionalização tem fundamentos
A expropriação é uma providência
político-ideológicos ou político-
corrente.
económicos.
A lei que autoriza a expropriação,
A nacionalização é uma providência
pressupõe actos jurídicos posteriores
extraordinária.
A lei que leva a efeito a nacionalização,
produz efeitos automáticos

Quanto aos confiscos, não obstante a sua natureza de medida penal, a lei angolana,
acometeu ao Conselho de Revolução a competência para determinar confiscos de
empresas uma vez instruído o processo de confisco (art.º 5.º da Lei n.º 3/76, de 3 de
Setembro). Mesmo quando os confiscos assumem a forma de lei, dada a ratio punitiva
que comportam, explícita nos fundamentos de ordem económica e previstos nas leis que
o contemplam, afiguram-se-nos como sanções penais, de natureza essencialmente
administrativa e como tal fazem parte do Direito Penal Administrativo.

2.2.2- Objecto das Nacionalizações e dos Confiscos


Quanto ao objecto das nacionalizações é genericamente definido e delimitado pela figura
de bens jus-económicos, cuja especificação passará em regra, pelos bens de produção ou
conjunto de bens de produção, tendo em conta a expressão “empresa” utilizada pelo
93
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

legislador. No entanto, por adequação valorativa, acreditamos tratar-se, não da empresa


enquanto sujeito que ela representa, mas como o conjunto ou parte dos bens titulados
pela empresa comercial. É a cognominada universitas. Já a referência a bens de cidadãos
é exclusiva dos confiscos, ainda que estes vejam o seu objecto também estendido às
empresas.

2.2.3- Tipos de Nacionalização

✓ Directas - (Quando o Estado decide e obtem a posse e a gestão das empresas);


✓ Indirectas - (quando por consequência da nacionalização de uma empresa, outra
empresa cai na esfera económica do Estado, por aquisição de partes, mesmo se tal
não era a vontade inicial do Estado;
✓ Sectoriais (implica a nacionalização de todas as empresas que aí actuarem);
✓ Empresariais (a nacionalização incide sobre o património da empresa, passando o
Estado a ser o titular desta unidade de produção);
✓ de Participações sociais (nacionalizam-se as participações, mas a empresa subsiste.
Estes bens móveis mudam dos privados para o Estado de bens do activo (só se
retira, só se transfere para o Estado os bens activos)

2.2.4- Efeitos Jurídicos das Nacionalizações


Os efeitos das nacionalizações podem distinguir-se em efeitos nucleares ou centrais e
efeitos periféricos, cuja sede legal é representada pelos artigos 6.º a 9.º da Lei nº 3/76, de
3 de Março.

i) Efeitos Centrais

A) Aquisição Originária
Ainda que a lei o não contemple expressamente, este efeito estaria implícito na natureza
do acto de nacionalização, ou pelo menos em cada acto casuístico de nacionalização. A
Lei n.º 3/76, de 3 de Março, prevê expressamente que: “os direitos relativos aos
nacionalizados consideram-se transmitidos para o Estado para todos efeitos legais,
independentemente de quaisquer formalidades, ónus ou encargos que sobre eles
impendam”. Esta transferência ope legis, para o Estado de direitos dos ex-titulares dos
bens objecto de nacionalização, representa uma aquisição originária de direitos reais e
não derivada, pois não depende da existência de um direito real anterior.

94
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

B) Regime de Gestão
Um, outro efeito central das nacionalizações é a alteração do regime de gestão a que
estavam os bens nacionalizados - antes sujeitos ao regime de direito privado, e depois, a
um regime de gestão pública.

ii) Efeitos Periféricos


O objecto das nacionalizações limita-se exclusivamente aos bens das empresas. Assim, os
efeitos periféricos referem-se a parte ou o todo da universidade dos bens, direitos e
obrigações que a empresa representa na ordem jurídico-económica. De qualquer modo,
podemos distinguir assim, quatro efeitos periféricos:
(i) Efeitos em relação a ex-Empresa privada;
(ii) Efeitos em relação aos ex-titulares da Empresa;
(iii) Efeitos em relação à nova Empresa; e,
(iv) Efeitos em relação aos trabalhadores.

Efeitos em Relação à Ex-Empresa Privada


Nos termos do artigo 7º, da Lei n.º 3/76, de 3 de Março, - «os órgãos sociais das sociedades
nacionalizadas serão dissolvidas na data da respectiva nacionalização». Equivale isto dizer
que, os órgãos sociais constituídos nos termos da legislação comercial, estando
dissolvidos, ope legis, perdem toda a legitimidade para exercerem as suas funções legais
e estatutárias. Consequentemente, todo o activo e passivo da ex-Empresa privada, é
também transferido para o Estado, pelo que o efeito regra é o da constituição de uma
nova entidade jurídica e a dissolução, ipso iure, da sociedade de direito privado, salvo nos
casos em que, nos termos gerais da Lei n.º 3/76, de 3 de Março (art.º 7º, nºs 2 e 3), as
sociedades mantenham a sua personalidade jurídica.
Um exemplo característico de casos em que as sociedades mantêm a sua personalidade
jurídica é o caso do Banco Comercial de Angola, confiscado pela Lei nº 70/76, que se limitou
a alterar-lhe a denominação para Banco Popular de Angola, e, mais tarde de BPC,
continuando a reger-se pelas disposições legais e estatutária vigentes na parte em que
não contrariassem o disposto naquela Lei.

Efeitos em Relação aos e Ex-Titulares: o Direito à Indemnização


Com a dissolução dos órgãos sociais e com a consequente transmissão para o Estado dos
bens nacionalizados, os sócios das Empresas nacionalizadas, perdem todos os seus
direitos de sócios. Como reverso da parda da qualidade de sócio, estes ganham uma
expectativa de indemnização.
95
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Efeitos em Relação à Nova Empresa


Viu-se anteriormente, que em relação a ex-Empresa privada pode-se verificar um efeito
alternativo: o da manutenção da personalidade ou o da dissolução desta. Aqui, cumpre
destacar os efeitos mediatos num caso e noutro.
a) No caso de manutenção da personalidade jurídica da empresa privada, cumpre
destacar que essa continuidade se dá com uma implícita alteração dos seus
estatutos, nomeadamente, quanto ao elemento pessoal da sociedade comercial e
quanto aos órgãos sociais. Quanto ao elemento pessoal este vê-se reduzido a um
único sócio o Estado, – se e enquanto não forem integrados outros sócios. Trata-
se de um caso de sociedade unipessoal consentida pela legislação sobre
nacionalizações, ao arrepio da legislação comercial. Todavia, esta sociedade
unipessoal continua a ser regida pela legislação comercial em tudo que não
contrarie aquela legislação. Resulta assim que, rigorosamente, neste caso, não se
está perante uma nova Empresa, mas sim perante uma pessoa jurídica com
alteração em alguns dos seus elementos estruturais.
b) Em caso de dissolução, ope legis, da sociedade, constitui-se em regra uma nova
empresa estatal.

Efeitos em Relações aos Trabalhadores


Os trabalhadores da ex-Empresa privada permanecem com os seus vínculos laborais
incólumes porque transferidos para a nova Empresa (em caso de criação de uma nova
Empresa). Equivale isto dizer que eles continuam a sujeitar-se, ainda que transitoriamente,
à legislação laboral que até à nacionalização regeu as suas relações com a Empresa
nacionalizada.

2.2.5- Irreversibilidade das nacionalizações


Uma outra questão que deve merecer atenção especial nesta recta final, prende-se com
a figura económica da irreversibilidade das nacionalizações. A antiga Lei Constitucional
consagrava-a no seu artigo 13º e, curiosamente, o legislador não hesitou em reconduzir
este princípio da irreversibilidade das nacionalizações que na monta projecta-se de modo
reputado no art. 97º, da CRA.
Significa que estamos perante um amplo princípio de irreversibilidade das nacionalizações
para a salvaguarda da validade e da eficácia dos actos de nacionalização e confiscos
operados no passado que constituem o núcleo duro da revolução de 1975; no entanto,
não se trata mais de nacionalização com um fim-função de construção do socialismo, mas
sim no âmbito do intervencionismo do Estado por questões económicas pertinentes de

96
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

interesse público e estratégico. Este princípio da irreversibilidade é limitado pela


imposição de um outro novo princípio das (re) privatizações, incorporado na última parte
do artigo 97º, da CRA. Estamos, pois, perante princípios opostos para cuja aplicação o
intérprete terá de lançar mão às técnicas avisadas de interpretação jurídica163.

2.2.6- Figuras afins das nacionalizações.


i) Confisco
O Confisco - é uma figura jurídica similar até certo tempo à nacionalização, mas tem um
alto pendor punitivo. Nesta ordem de ideias, o confisco, consiste na intervenção indirecta
do Estado sobre a economia que se vai caracterizar na perda dos bens titulados pelos
particulares a favor do Estado, (art. 97º, da CRA e Lei nº 3/76, de 3 de Março, Lei dos
Confiscos e Nacionalizações, Lei nº43/76)164.

ii) Expropriação por Utilidade Pública


A expropriação por utilidade pública é um acto através do qual uma entidade pública exige
dos cidadãos a cessão de um bem (geralmente imóveis, terreno), mediante uma
indemnização, com a finalidade de ser utilizado para a satisfação de interesses colectivos,
nos termos do art.37º, da CRA. Este instituto aproxima-se às Demolições Administrativas
e por vezes confunde-se.
Daí cumpre-nos, todavia, esclarecer que na expropriação é uma cessão da propriedade
que se funda no título registral válido de propriedade privada, enquanto que, as
Demolições Administrativas fundam-se no poder de autoridade da Administração Pública
com vista a repor a legalidade de ordenamento do território urbano em função de
ocupação e construção não autorizada pelo Estado nos termos do Decreto 278/ 71, de 23
de Junho. Por vezes, há demolições como acto de execução material como consequência
lógica da expropriação de um prédio (limpar o terreno) e há demolições com dupla
vertente, primeiro como acto formal de actuação do Estado através de uma ordem
(despacho, edital, portaria) da Administração que vise pôr fim àquela ocupação ilegal e
lesiva o património do Estado, e, no segundo plano é a materialização da ordem que vai
consistir num conjunto de operações multi-sectorial da Administração Económica em
respeito aos direitos fundamentais e figuras a fins.

163
Pois que a figura da privatização, pode ser entendida no sentido amplo, como sendo, a transferência por
alienação total ou parcial da Empresa ou de bens do Estado, e em sentido restrito, é entendido como
reprivatização, como já dissemos que é a transferência da propriedade do Estado nacionalizada e voltar para
esfera dos particulares.
164
Vide o Acórdão Tribunal Supremo de Angola Proc.nº103/2004, sobre anulação do despacho de anulação do
confisco por ilegalidade.
97
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

iii) Reversão
A Reversão, consiste na transferência dos bens dos particulares para esfera patrimonial
do Estado em função da extinção do organismo ou pessoa colectiva, ou por “rés nullium”,
abandono, o seu património reverte-se à favor do Estado, vide art.166º, do CC e art.11º, do
Decreto Presidencial nº 92/2016, de 4 de Maio, Regulamento de Aquisição Gestão e Abate
da Frota de Veículos Automóveis do Estado, art.12º, do Decreto Presidencial nº177/10, de
13 Agosto, Instruções de inventariação dos Bens Patrimoniais Públicos.

iv) Requisição Administrativa


Consiste num acto pelo qual em casos excepcionais legalmente previstos, em que uma
autoridade pública exige dos cidadãos mediante indemnização a prestação de certos
serviços a cessão de coisas móveis ou utilização temporárias de certos bens para ocorrer
as necessidades ingentes, art.37º, da CRA; art.1309º e 1310º, do CC165.

165
Tanto a expropriação quanto a requisição administrativa, nos termos do artigo 37.º da CRA, têm critério de
validade a justa e pronta indemnização, que significa que aquela deverá ser prévia, integral e efectiva.
98
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO III - O SECTOR PRIVADO E AS PRIVATIZAÇÕES

3.1- Conspecto Geral


O Sector Privado compreenderá, numa dimensão restrita, apenas os bens de produção
cuja propriedade é titulada e gerida pelas Empresas Privadas sob forma societária (art. 8.º,
da Lei nº 1/04, de 13 de Fevereiro (LSC)166 e art. 2º, da Lei nº 19/12, de 11 de Junho, LSU), ou
em nome individual e, em sentido lato, compreenderá também as empresas participadas.
As sociedades comerciais são estruturas típicas da Empresa nas economias de Mercado,
desenvolvem actividade económica lucrativa. O Código Civil trata a sociedade como um
contrato de consortes (art. 980º, do CC), pois que, as sociedades comerciais são pessoas
jurídicas (art.5º, da LSC) que têm, necessariamente, por objecto a prática do acto do
comércio revestido em actos de natureza objectiva e subjectiva167.

3.2 - O acesso à actividade económica


Na economia de mercado, rege o princípio da liberdade de acesso ao exercício da
generalidade das actividades económicas. Este princípio, não obstante, estar
constitucionalmente consagrado, não significa uma impossibilidade absoluta de
limitações ao modo como os direitos dele resultantes podem ser exercidos. Essas
limitações aparecem, por vezes, combinadas com uso de incentivos, concretizando-se
quer através de actos unilaterais da Administração, quer através de contratos.
As excepções admitidas ao regime da liberdade de acesso são, desde logo, as que
resultam da possibilidade de existirem sectores vedados à iniciativa privada, ao abrigo do
art.º 93.º da CRA, princípio da reserva a favor do sector público, e, em geral, das limitações
e condicionamentos relativos ao exercício de determinadas actividades.
As restrições à liberdade de iniciativa podem traduzir-se, desde logo, em interdições ao
acesso de determinadas actividades, em função da natureza do sujeito que pretende
exercer (público, privado, cooperativo, nacional ou estrangeiro, detentor ou não de uma
determinada formação profissional), ou do tipo de actividade (sector básico, indústria
poluente, etc.). A Lei da Delimitação de Sectores, Lei n.º 5/02, de 16 de Abril, define quais
os sectores vedados à iniciativa privada, dando corpo ao preceito constitucional supra
referido.
Em sentido amplo, contudo, o problema do acesso à actividade económica não se reduz
à liberdade de iniciativa e respectivas excepções. Abrange também o direito de

166
LSC- Lei das Sociedades Comerciais.
167 Nos termos do art.2º, da LSC, prevê-se um “numerus clausus”, ou o princípio da tipicidade que se afigura nos
tipos de legais de sociedades. A tipologia das sociedades no ordenamento jurídico angolano à luz da Lei nº 1/04,
de 13 de Fevereiro, é a definida no art. 2º, da LSC.
99
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

operacionalizar as condições materiais necessárias para o início e desenvolvimento da


actividade económica. Entre elas destacam-se as que se relacionam com a instalação e
funcionamento do estabelecimento e dos restantes instrumentos, bem assim como
regras relativas à construção. O que está agora em causa não é a liberdade de empresa
em abstracto, mas sim, o direito de exercer uma actividade económica em concreto, num
determinado local e com determinadas características168.

3.2.1- Sectores Económicos e Delimitação da Actividade Económica


A Constituição Económica da República de Angola de 2010, reduziu os sectores de tipo de
propriedade e privilegiou consagrar taxativamente os três sectores de propriedade nos
dispostos marcos do art. 92º, da CRA. A regra no Estado democrático de direito é de livre
acesso à propriedade privada e iniciativa empresarial nos diversos sectores da actividade
económica. Mas esta regra encerra excepções através do Princípio da Delimitação da
Actividade Económica e das Reservas Públicas reportado, ou seja, consagrados no artigo
93.º e seguintes da CRA, considerando que a actividade económica é desenvolvida no
âmbito da existência dos sectores públicos, privados e cooperativos conforme garante a
Constituição Económica angolana em homenagem ao artigo 92º, nº 1, da CRA.
Portanto, os direitos fundamentais económicos, ou seja, o acesso às actividades
económicas podem ser limitados e restringidos.
No direito angolano, o limite dos direitos económicos fundamentais constitui no âmbito
das competências, reserva absoluta, pois, compete Assembleia legislar sobre a matéria
(art. 164º, da CRA). Já as restrições ou as restrições limitativas constituem no âmbito de
competência das reservas relativas art. 165º, nº 1, al.) b); c); d); e; f); g); j); k); i); m); n); p);
q); r) e t), da CRA.

168
O processo que precede a instalação e o início de laboração de um estabelecimento comercial ou industrial é
comumente designado por licenciamento industrial ou comercial, cujo regime de acesso é o que a seguir se
expõe: regime regra – liberdade de acesso; excepções – existência de sectores vedados à iniciativa privada, as
ditas reservas a favor do sector público.
100
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

a) Reservas Absolutas169
As reservas absolutas, como consequência lógica da limitação do acesso aos direitos
económicos pelos Agentes Económicos, a Lei indica uma prescrição configurada no art.
93º, da CRA. Todavia, através de mais disposições legais, o legislador orienta quais das
actividades económicas são vedadas a outros Agentes Económicos, nomeadamente:
✓ Produção, distribuição de material de guerra art. 11º, al. a), da Lei nº 5/02, de 16
Abril;
✓ Actividade bancária, respeitante às funções do banco central e emissor art. 93.º
da CRA e art. 3º, nº 1 e 6º, da Lei nº 16/10, de 15 Julho, Lei do BNA. E art. 11º, al. b),
da Lei nº 15/03, de 16 de Abril, Lei de Delimitação de Sectores da Actividade
Económica;
✓ A propriedade das infra-estruturas relativas às actividades portuárias e
aeroportuárias; art. 11º, nº 2, al. c), da Lei nº 5/02, 16 de Abril;
✓ A propriedade das infra-estruturas que integram a rede básica de
telecomunicações art. 11º, nº 2, al. d), da Lei nº 5/02, de 16 Abril.

b) Reserva de Controlo
Neste segmento, a ordem económica qualifica certas actividades económicas como
reservas de controlo do Estado por serem de interesse público geral e do consumidor da
sociedade angolana de certos bens e serviços, e que, sua essencialidade consubstancia-se
na produção distribuição e comercialização de bens e serviços. A reserva de controlo,
donde temos as actividades económicas desenvolvidas por privados em regime de
concessão, mas onde se exige, além disso, que o capital social das empresas
concessionárias seja maioritariamente público, podendo ser detido pela província ou
autarquia.
✓ Serviços básicos postais – art. 12º, nº 2 al. a), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril;
✓ As infra-estruturas de dimensão local, quando constituem extensão de rede
básica de telecomunicações art. 12º, nº 2, al. b), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril.

169
Dessas reservas absolutas nem tudo é absolutamente vedado aos particulares, porque por exemplo o
previsto na al. a) do art. 11º, da Lei nº 5/02, de 16 de Abril, isto é, a produção, distribuição e comercialização
de material de guerra. O Poder Executivo angolano excepcionalmente pode abrir mão à esta actividade e ser
desenvolvida por Empresas que resultam da associação de sector público, em posição obrigatoriamente
maioritária do capital social, com outras entidades nacionais ou estrangeiros, desde que, disponham de
exclusivos de natureza tecnológica, ou detenham posição dominantes em Mercados Internacionais de estrutura
oligopolista em sector público que não tenham, por si só, capacidade de penetração no Mercado angolano, nos
termos do art. 11º, nº 3, da Lei nº 5/02, 16 de Abril. Portanto, a reserva absoluta significa um acto normativo
de limitação do acesso certas actividades ou a titularidade de propriedade dos bens e serviços, como já
referimos. No entanto, para outras actividades é apenas consagrada a reserva de propriedade, admitindo-se
que a sua exploração possa ser entregue a entidades privadas em regime de concessão, ou outro que não
envolva a propriedade dos bens a explorar.
101
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Portanto, a reserva de controlo que compreende as áreas acima destacadas pode ser
desenvolvida por Agentes Económicos do sector público ou sociedades participadas com
capitais do Estado onde detenha posição privilegiada ou dominante nos termos do art.12º,
nº 1, da Lei nº 5/02, de 16 de Abril. Conquanto que, esta reserva de controlo pode ser
enquadrada na excepção do aceso à actividade económica como restrições limitativas.

c) Reserva Relativa
O recuo do Estado, em bom rigor, não corresponde a uma verdadeira «desintervenção»
mas apenas a uma substituição de formas directas de intervenção apostadas na figura do
Estado produtor e até empresários por formas indirectas reportadas a estas à mera fixação
dos quadros normativos gerais da intervenção, mas sem dar ao Estado a responsabilidade
directa na produção.
Ao abrigo do disposto na dimensão da norma do art. 13º, da Lei nº 5/02, de 16 de Abril,
estabelece que constituem reservas relativas do Estado as actividades económicas
compreendidas nas seguintes áreas:
✓ Saneamento básico art. 13º, al. a), da já citada Lei nº 5/02, de 16 de Abril;
✓ Produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público,
art. 13º, al. b), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril;
✓ Captação, tratamento e distribuição de água para o consumo público através de
redes fixas, art. 13º, nº2, al. c), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril;
✓ Exploração de serviços portuários e aeroportuários art. 13º, nº 2, al. d), da Lei nº
5/02, de 16 de Abril;
✓ Transporte ferroviário, art. 13º, nº 2, al. c), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril;
✓ Transporte aéreo regular de passageiros domésticos art. 13º, nº 2, al. f), da Lei nº
5/02, de 16 de Abril;
✓ Serviços complementares postais e de telecomunicações art. 13º, nº 2, al. g), da
Lei nº 5/02, de 16 de Abril; e,
✓ Infra-estruturas que não integram a rede básica, bem como os respectivos
serviços de telecomunicações art. 13º, nº 2, al. h), da Lei nº 5/02, de 16 de Abril.
Relativamente ao transporte colectivo urbano, exploração dos recursos naturais,
transporte aéreo internacional, o Poder Executivo deve determinar em que
circunstâncias, por razões de utilidade pública, o exercício da actividade privada deve ser
feita mediante o contrato de concessão, nos termos do art. 13º, nº 3, 4 e 5, da Lei nº 5/02,
de 16 de Abril.

102
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

3.2- Privatizações e o Fenómeno da Liberalização da Economia


A tendência actual é, como já se sabe, para o recuo do Estado no terreno da economia,
devido a causas económicas e políticas. Quer isto dizer que, actualmente, a taxa de
estatização tem baixado significativamente pelo mundo, e aumento exponencial da taxa
de privatização da economia, porque muitos governos concluíram que para fomentar o
crescimento económico é necessário investir na economia privada e que as empresas
estatais não têm capacidade para competir e acompanhar o crescimento e crescente
inovação tecnológica das empresas privadas num mercado cada vez mais exigente e
global, resultando na ineficiência económica, aumento dos gastos do Estado, bem como
o crescimento da dívida pública.
São apontadas como principais vantagens da privatização:
✓ Geração de riqueza para o governo;
✓ Aumento de investimento;
✓ Estimula a competitividade;
✓ Melhorar a qualidade dos serviços oferecidos; e,
✓ Aumento da receita fiscal.
A privatização é um processo de transmissão da titularidade de empresas do sector
empresarial do Estado para o sector privado, podendo estar enquadradas ou não em
sectores estratégicos e/ou essenciais. O conceito de privatização é utilizado, muitas vezes,
em sentido amplo, o que o identifica com todas as formas de redução do universo público
em benefício do privado. No entanto, importa ter presente que quando se fala em
privatizações, se está, sobretudo, a pensar na transferência de unidades produtivas do
sector público para o sector privado, cuja venda da empresa pública aos investidores
privados constitui a forma de privatização por excelência.
Existem até casos de privatização, menos comuns, meramente formais, bastando-se estes
com o simples recurso a meios de direito privado para a prossecução de fins públicos,
continuando a propriedade e a gestão caber a entidades públicas.
Avulta ainda a contratação de bens ou serviços pelos poderes públicos com entidades
privadas (outsourcing) que assim se substituem aos fornecedores públicos que consiste
numa perspectiva de «desintervenção», o que não correspondeu, portanto, ao
desaparecimento da regra jurídica como garante da disciplina da produção e consumo dos
bens e serviços sociais em causa. A complexidade respectiva requer a norma jurídica,
sucedendo apenas que ela é agora com frequência de origem não estatal170.
Segundo a doutrinadora angolana, Dr.ª MARIA LUÍSA ABRANTES171, defende as seguintes
definições sobre as Privatizações:

170
Cfr. MONCADA, CABRAL DE, - Direito Económico … Pág. 442-444.
171
Cfr. ABRANTES, MARIA LUÍSA, … ibidem.
103
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

a) Em sentido restrito, a privatização é uma medida através da qual o sector


público cede à iniciativa privada meios de produção, para que esta os explore com maior
eficiência e racionalidade.
b) Em sentido amplo, a privatização é uma medida tendente a reduzir o sector
público, quer administrativo, quer empresarial, abrangendo medidas directas e
indirectas, destinadas a transferir não só a propriedade e a gestão dos bens de produção
públicos para o sector privado, mas também a transferência de todos, ou da maior parte
dos principais serviços de assistência social do Estado para o sector privado, como por
exemplo a saúde, a educação, segurança social entre outros.
As privatizações no ordenamento jurídico angolano comportam duas modalidades que
podem ser total ou parcial nos termos do Lei das Privatizações nº 10/94, de 31 de Agosto
art. 4º, sendo considerada privatização total quando o Estado aliena a favor de terceiros
através da transferência da titularidade da propriedade de Empresas, património, e
participações sociais (art.5º, da LP), e privatização parcial, quando se efectua a
transferência dos bens ou serviços através do contrato de cessão de exploração e gestão
(art. 15º, da LP).

3.3.1- Causas e Objectivos das Privatizações


A privatização é um fenómeno antigo, cujos antecedentes se encontram na passagem do
Estado mercantilista para o Estado liberal. As suas causas são essencialmente políticas e
económicas e visam a redução do papel do Estado na vida económica e social.
Assim, se numa óptica microeconómica, a política de privatizações visaria melhorar o
fundamento das empresas, numa óptica macroeconómica teria em vista restaurar os
mecanismos de mercado e de concorrência em determinados sectores e reduzir o peso
do Estado na economia. Portanto, razões de ordem financeira, económica, política e
ideológica conjugam-se, pois, no leque de justificações do processo de privatizações.
Portanto, regra geral, a política de privatizações obedece a objectivos de diversa
natureza: económicos, financeiros, sociais e políticos.
✓ O objectivos económicos têm a ver com a modernização e a competitividade das
unidades económicas e a reestruturação sectorial e empresarial.
✓ Nos objectivos financeiros incluem-se a redução do peso do Estado, assim como
a dívida pública na economia e, sobretudo, a utilização das receitas das
privatizações para a amortização da dívida pública, mormente as resultantes das
nacionalizações, a par de novas aplicações de capital no sector produtivo (art. 2.º
e 3.º da Lei das Privatizações).
✓ Entre os objectivos sociais destaca-se a intenção de possibilitar uma ampla
participação dos cidadãos na titularidade do capital das empresas, dando
particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e os pequenos
104
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

subscritores.
✓ Por fim, os objectivos económicos ou de sistema, donde releva a redução do peso
do Estado na economia.

3.3.2- Dificuldades e Evolução do Processo das Privatizações


Apesar da existência de um ambiente favorável às privatizações, vários obstáculos
tiveram de ser transpostos: grande resistência política, dificuldade de escolha dos
modelos de venda das empresas. A nível geral do Continente Africano outras situações
têm vindo a comprometer o sucesso dessa modalidade de gestão, como são os casos da
escassez de capitais privados e problemas éticos relacionados com a redistribuição de
riqueza.172
Em Angola o processo de privatizações foi iniciado pelo pacote legislativo SEF, que visou,
essencialmente, reordenar, readequar e reajustar as empresas do sector empresarial do
Estado e transferi-las para o sector privado, ou criar formas de associação entre Estado e
os privados.
Segundo Helena PRATA, o processo de privatizações em Angola pode ser dividido em três
fases:
✓ A primeira ocorreu ao longo dos anos 80 e foi marcada pelas reprivatizações de
empresas que tinham pertencido ao sector privado e posteriormente foram
nacionalizadas, a partir de 1976.
✓ A segunda iniciou-se com a aprovação da LC de 1992, estando inserida num
contexto de racionalização de recursos públicos, desintervenção do Estado na
economia, redução e redefinição do papel do Estado.
✓ A terceira fase do processo de privatizações teve início a partir de 1994, com a
aprovação da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto – Lei das Privatizações – e, com a
aprovação da Lei da Delimitação dos Sectores de Actividade Económica – Lei n.º
2/05, de 16 de Abril, cujo objectivo foi o de estabelecer as bases sobre as quais o
Governo concederia a terceiros os direitos de exploração de áreas de reserva do
Estado.

3.3.3- Sociedades de Capitais Públicos e as Sociedades de Economia Mista


As sociedades de capitais públicos são sociedades comerciais, nas quais o Estado ou
outras entidades públicas detêm a totalidade das participações sociais. Por sua vez, nas
sociedades de economia mista, o Estado ou outras entidades públicas participam
juntamente com outras entidades privadas. Quando o ente público detém mais de 50%

172
Helena PRATA, Op. Cit., p. 168.
105
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

das participações sociais, diz-se que se está perante uma sociedade de economia mista
controlada.
Porém, casos há em que o Estado mesmo detendo apenas uma parte minoritária do
capital, exerce poderes de controlo da sociedade. Trata-se de acções privilegiadas (Golden
shares), que conferem assim ao Estado poderes de gestão de empresas
desproporcionados em relação aos direitos de propriedade que lhe cabem. Mesmo sendo
titular de uma única acção; no valor mínimo exigido pela lei, v.gr., o Estado pode exercer
uma faculdade reservada a acionistas com considerável valor de participação social.
Golden share tem sido utilizada, por vezes, como um meio de proteger empresas
especialmente vulneráveis à tomada de controlo por entidades estrangeiras.

3.3.4- Destino das Receitas e Controlo do Processo de Privatizações


A letra e o espírito do artigo 18.º da Lei das Privatizações nos faz crer que é pensamento
do legislador que as receitas obtidas pelo Estado em consequência do processo de
privatizações sejam exclusivamente afectadas à realização de despesas públicas por
impor a sua inscrição no OGE, apesar de que a ratio juris impõe que estas receitas devam
realizar dois grandes objectivos: a amortização da dívida pública – em especial a resultante
do processo de nacionalizações – e a novas aplicações de capital no sector produtivo.
Com efeito, o quadro actual de acentuado crescimento da dívida pública, a ser retomado
o processo de privatizações, seria bom que elas fossem incluídas num programa
específico que se faça acompanhar de uma afectação das receitas das privatizações
quase, exclusivamente, à amortização da dívida pública.
Em consonância com as nuances de carácter público e privado que medram da figura das
privatizações, a Constituição e a ordem legal que a densifica tiveram a preocupação de
assegurar ao processo de privatizações os meios de controlo da sua legalidade, isenção na
sua condução e a sua transparência (Cfr. art.ºs 6.º, 8.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 10/94, de 31 de
Agosto). Fruto dessa preocupação foi acometida ao ISEP a competência de acompanhar
todo o processo de privatização. Em nossa opinião, o ISEP devia constituir um exemplo de
administração mista, apoiada em magistrados e em peritos exteriores à Administração
Pública integrada ou não por comissões especiais para acompanhamento, caso a caso, dos
processos de privatização, de modo a garantir a plena observação dos princípios da
transparência, rigor, da isenção, da imparcialidade e da melhor defesa do interesse público.

3.3.5- A Privatização e a Reprivatização


As razões que levaram à opção pela reprivatização são de duas ordens: políticas e de
eficiência económica.
Podem dar-se pela via da pura privatização (quando originariamente pertenceram ao
106
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Estado e foram posteriormente transferidas para o sector privado), ou pela via da


Reprivatização (quando o bem já tinha pertencido ao sector privado, tivera sido
transferido para o sector público e devolvido ao sector privado). A regra é a “Pura
Privatização” vide art.97º, da CRA e da Lei nº10/94, de 31 de Agosto com a recentes
alterações.
A Devolução – é a privatização de um bem do Estado que anteriormente já tinha
pertencido ao sector privado tiver sido transferido para sector público (por via de
nacionalização e confisco ou figuras afins) para antigo proprietário, art. 97º, da CRA.
Redimensionamento - não é uma figura do Direito Económico, é apenas uma terminologia
adoptada para a dimensão empresarial que se pretendia mais diminuta no que a função
empresarial do Estado diz respeito. O redimensionamento, ou seja, a transferência de
bens públicos para entes privados se processa tendo como base a figura jurídica da
“privatização” ou se for o caso, da “nacionalização”, quando o processo se dar forma
diferente (de um ente privado para o Estado), foi criado por um Decreto do Conselho de
Ministro Dec. nº 36/89, de 22 de Julho, que institucionalizou o Gabinete de
Redimensionamento Empresarial (GARE).

107
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO IV - SECTOR COOPERATIVO

4.1- Conspecto Geral e Evolução Histórica


Do ponto de vista histórico, o movimento cooperativista teve início na Europa
precisamente na Inglaterra, França e Alemanha e mais tarde na Itália no século XIX, como
uma forma alternativa do Mercado liberal. Na Inglaterra este movimento cooperativo
deveu-se a intensificação da luta dos trabalhadores, durante o movimento cartista, em
pleno regime de economia liberal, com a fundação da Sociedade dos Probos Pioneiros de
Rochdale (Rochdale Society of Equitable Pioneers), em 1844173.
Já na França, despoletou o movimento das cooperativas de produção. Não menos
importante que o movimento inglês, embora não com o mesmo sucesso, o movimento
francês teve participação marcante na consolidação do movimento cooperativista no
mundo174. Por seu turno na antiga Prússia (Alemanha), foram constituídas, a partir de
1849, as cooperativas de crédito e de consumo175.
O movimento cooperativo voltou-se para os pequenos produtores urbanos e para os
artesãos pois que este novo modelo societário se contrapunha ao capitalismo,
sustentando-se em evidência ante os modelos societários capitalistas então existentes.
Cooperativismo é a doutrina que preconiza a colaboração e a associação de pessoas ou
grupos com os mesmos interesses, a fim de obter vantagens comuns em suas actividades
económicas cujo fundamento é o progresso social da cooperação e associação, bem como
o auxílio mútuo segundo o qual, aqueles que se encontram na mesma situação
desvantajosa de concorrência mercantil conseguem, pela soma de esforços, garantir a
sobrevivência.
Entretanto, como fenómeno económico e social, o cooperativismo temo como escopo de
actuação de reduzir os custos de produção, obter melhores condições de prazo e preço,
edificar instalações de uso comum, enfim, interferir no sistema económico em vigor à
procura de alternativas a seus métodos e soluções.
É assim que o Congresso de Praga de 1948 definiu a sociedade cooperativa nos seguintes
termos:
“Será considerada como cooperativa, seja qual for a constituição legal, toda a associação
de pessoas que tenha por fim a melhoria económica e social de seus membros pela
exploração de uma Empresa baseada na ajuda mínima e que observa os Princípios de

173
Vide site da internet.www.zemoleza.com.br/.../humanas/direito/origem-das-cooperativas, consultada dia
20/4/2016.
174
BENJAMIN BUCHEZ (1776-1860) E LOUIS BLANC (1811-1882) criaram, além de cooperativas de produção,
associações de trabalhadores, nas quais os operários eram co-proprietários e co-administradores. Ibidem
175
HERMAN SCHULZE (1808-1883) foi o fundador da Associação das Cooperativas Alemãs, em 1859. Vivia na
cidade de Delitzsch, na Alemanha, daí o nome do modelo cooperativista "SCHULZE-DELITZSCH". Ibidem.
108
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Rochdale”176 .
A Constituição angolana consagra o direito cooperativo como forma de titulação, ou seja,
acesso a propriedade e actividade económica, nos precisos termos do art. 92º, da CRA,
como um instituto de Direito Económico e da coexistência sectores de propriedade, ou
seja, a forma como a propriedade em Angola pode ser titulada pelos Agentes
Económicos. Mas, por conseguinte, esta actividade crismada como comunitária, por
vezes, societária ou Empresa, entronca e tem o seu campo de eleição, como se denota,
em três áreas de sector da actividade, nomeadamente: agricultura, pesca e sector social.
Daí considerar-se que o legislador consagrou com especial atenção um sector
cooperativo, designadamente:
✓ Sector Cooperativo do Empresariado do Sector Primário da Economia: com
enfoque na agricultura e pesca, indústria, ou seja, sector estruturante da
economia primária art. 21º, da al. i), da CRA in fine e art. 38º, da CRA, e art.16º, a),
da Lei das Cooperativas;
✓ Sector Cooperativo Social: que comporta o sector social da Saúde, art. 77º, nº 2,
da CRA, Educação e Cultura, art. 79º, nº 3, da CRA, Ambiente, Habitação art.16.º,
da Lei das Cooperativas.
✓ Sector Cooperativo de Comércio, Construção, Crédito, Consumo, Transporte,
Seguros e Serviços: que compreende as actividades desencadeadas pelas
Cooperativas no sector secundário e terciário da economia de factores de
produção, distribuição, comércio e consumo e questões ambientes, vide, art.16º,
da Lei das Cooperativas.
O cerne da ordem jurídico-constitucional do cooperativismo angolano é o facto de a
realidade cooperativa ser encarada como um sector de propriedade dos meios de
produção, ao lado dos sectores públicos e privado. Não se pode, portanto, deixar de
reflectir em torno do sentido dessa opção do legislador177.
As cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e
composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com
obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das
necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles178.
No espaço jurídico-constitucional do cooperativismo é possível surpreender um conjunto
de princípios, a partir dos quais se pode compreender melhor a lógica desse território
jurídico:
✓ Princípio da Coexistência -Traduz-se na garantia de que os três sectores de
propriedade dos meios de produção, reconhecidos no art. 92º, da CRA, convivem

176
Ibidem.
177
Cfr. NAMORADO, RUI, - Introdução ao Direito Cooperativo, Almedina Editora, 2000, Pág. 131.
178
Ob. Cit. Pág. 181.
109
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

entre si, ou melhor, têm de conviver entre si. Significa, portanto, que o sector
cooperativo e social é encardo e concebido como tendo de existir em conjunto
com os sectores público e privado;
✓ Princípio da Conformidade com a Identidade Cooperativa - Assumida pela Lei
ordinária e está patente na expressa exigência, inscrita no texto constitucional, de
que a prática das cooperativas obedeça aos princípios cooperativos, dado estar
adquirido pela doutrina que os princípios referidos pela CRA são os adaptados pela
Lei ordinária, (art. 5º e 12º, da Lei nº 23/2015, de 31 de Agosto, Lei das Cooperativas;
✓ Princípio da Autonomia - Manifesta-se na divisão da área não-pública,
diferenciando, do que nela é autenticamente privado, um território normativo que
neste caso se designa como “cooperativo e social”, (art.5º, al. d), e art.9º, da Lei
das Cooperativas;
✓ Princípio da Unidade - Materializa-se no facto de as cooperativas serem encaradas
pela CRA como um todo, isto numa primeira apreciação; numa segunda linha,
surge um outro conjunto de princípios, sem a mesma energia estruturante dos
anteriores, mas com importância idêntica, (art.5º, al. b) e art. 7º, da Lei das
Cooperativas;
✓ Princípio da Liberdade - O princípio da liberdade é um reflexo dos princípios
cooperativos, mas adquiriu uma força própria, através do nível em que a CRA o
situa. Os constituintes afirmam-no com toda a força, quer no plano da
Constituição, quer no plano do funcionamento, quer no plano da organização179, (
art. 5º, al. a) e art. 6º e 13º, da Lei das Cooperativas;
✓ Princípio da Protecção - Resulta de preceitos constitucionais que expressamente o
consagram, envolvendo a garantia de que o sector cooperativo e social, nas suas
duas vertentes, deve ser especialmente estimulado e protegido, (art.5º , al. b) e
art.7º, da Lei das Cooperativas;
✓ Princípio da Abertura - Traduz-se na consagração de um sector de propriedade dos
meios de produção que não se limita a ser cooperativo, uma vez que também é
social, ou seja, um “sector cooperativo social”, (art.5º, al. e) e art.10º, da Lei das
Cooperativas.
✓ Princípio da Inter-Cooperação - Cuja menção autónoma pode até parecer
redundante, dado estarmos neste caso perante um dos princípios formalmente
consagrado pela Lei ordinária, (art. 5º, al. f) e art.11º, da Lei das Cooperativas.
A Constituição Cooperativa angolana deve, pois, repercutir-se no plano da legislação
comum em dois níveis. Por um lado, deve obviamente reflectir o que resulta directa e
expressamente dos preceitos constitucionais com incidência cooperativa. Por outro lado,
deve ser consonante, deve ser convergente com as mensagens normativas que resultam

179
Ibidem.
110
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

dos princípios informadores da Constituição Cooperativa, incorporando a sua energia


normativa e a lógica deles resultante180.
As Cooperativas são definidas como pessoas colectivas autónomas, de livre constituição,
de capital e composição variáveis, que através da cooperação e entreajuda dos seus
membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a
satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles181.
Uma Cooperativa é uma associação autónoma de pessoas unidas voluntariamente para
prosseguirem as suas necessidades e aspirações comuns, quer económicas, quer sociais,
quer culturais, através de uma Empresa comum e democraticamente controlada182, cuja
forma de constituição varia de acordo a tipologia da Cooperativa (art.21º e ss, da Lei das
Cooperativas).
As Cooperativas baseiam-se nos valores de auto-ajuda, responsabilidade individual,
democrática, igualdade, equidade e solidariedade. Fieis à tradição dos seus fundadores,
os membros das cooperativas assumem os valores éticos da honestidade, transparência,
responsabilidade social e altruísmo183. Como se vê, os valores em causa são explicitados
em dois grupos distintos. O primeiro projecta-se, em primeira mão, na actividade das
cooperativas como organizações. O segundo dirige-se directamente aos cooperadores
enquanto tais. Por último, a terceira tese, vendo uma profunda diferença qualitativa entre
escopo cooperativo e escopo lucrativo, qualifica a cooperativa como associação.

4.2- Classificação das Cooperativas


As cooperativas podem ser classificadas de acordo com um critério não rigorosamente
típico de organização e natureza, mas que advém do critério do impulso ou fonte
inspiradora constitutiva da cooperativa. Assim temos:
✓ Cooperativismo estimulado: aquele cuja constituição é impulsionada por
movimento social, político e económico que é externo ao pensamento dos seus
fundadores;
✓ Cooperativismo espontâneo: aquele que advém da criatividade ou iniciativa dos
cidadãos com cultura associativa para realizar uns dos fins económicos lucrativos
ou altruístas com base no postulado Cooperativo;
✓ Cooperativismo obrigatório: consiste numa imposição legal que obriga os
interessados caso queiram desenvolver uma actividade económica lucrativa ou
altruísta em regime de cooperativo e terem benefícios decorrente da intervenção

180
Cfr. NAMORADO, RUI, - Introdução ao Direito Cooperativo, Almedina Editora, 2000, Pág. 171-175.
181
Ob. cit. Pág. 181.
182
Ob. Cit. Pág. 187.
183
Cfr. POULSON, LAZARINO, - As Parcerias Público-Privadas, Almedina Editora, 2011, Pág. 28
111
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

do Estado, constituírem cooperativas.


Entretanto o ordenamento jurídico cooperativo angolano desenhou através da Lei nº
23/2015, de 31 de Agosto, o numerus clausus, no qual está alicerçado a tipologia de
Cooperativas no critério jurídico legal do formato organizacional e do objecto social,
nomeadamente184:
✓ Cooperativas de Primeiro Grau: que são constituídas por pessoas singulares e/ou
colectivas, cujo objecto assenta na prestação directa de serviços aos seus
membros;
✓ Cooperativas de Segundo Lugar ou de Grau Superior: constituídas de uniões,
federações ou confederações de cooperativas, cujo objectivo assenta na
coordenação, financiando, formação, orientação e organização produtiva em
maior escala dos serviços das suas cooperativas filiais, bem como na defesa e
promoção dos interesses das suas filiais perante instituições públicas.
✓ Cooperativas Polivalentes: são aquelas que abrangem mais de uma área de
actividade relacionadas ou conexas, e organizadas por secções.

184
Vide o art.3º, da Lei nº 23/2015, de 31 de Agosto, Lei das Cooperativas.
112
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO V - PARCERIA PÚBLICO-PRIVADAS

5.1- Conspecto Geral


Parceria Público-Privada pode ser entendida como um modelo de contratação pública
utilizado na provisão de infraestruturas e serviços. Os sectores público e privado
estabelecem uma relação (contratual ou institucional), com responsabilidades
preestabelecidas, para projectar, financiar, construir e gerir uma determinada
infraestrutura e/ou disponibilizar um serviço. Neste sentido, uma PPP pode consistir num
contrato de concessão de obra pública ou serviço público e, geralmente, inclui uma
componente significativa de financiamento privado, na forma de capital e/ou dívida
assumida pela banca comercial ou pelos Mercados de Capitais185.

5.2- Conceito e Caracterização das Parcerias Público-Privadas


Parceria Público-Privada é qualquer forma de colaboração entre o sector público e o
sector privado, que tenha por objecto uma actividade em benefício da colectividade. As
definições mais alargadas do conceito indicam uma colaboração entre o público e o
privado para o alcance de vantagens mútuas, geralmente sociais para o primeiro, e,
frequentemente financeiras ou económicas para o segundo. A sua definição legal está
prevista no art.º 2.º da Lei Sobre as PPP. Na escrita de YESCOMBE, podemos definir a PPP186
como:
✓ “Um contrato187 de longo prazo (“o contrato de PPP”) entre um parceiro do sector
público e um parceiro do sector privado;
✓ Que tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma
infra-estrutura pública, a cargo do parceiro privado;
✓ Mediante pagamentos feitos ao privado ao longo da vida do contrato de PPP, seja
pelo Estado com recurso a dotações orçamentais, seja directamente pelos utentes
ou utilizadores através da cobrança de tarifas ou taxas;
✓ Assegurando-se que a infraestrutura ou permanece na propriedade do Estado ou
reverte para este, no final da vigência do contrato de PPP, ainda que o mesmo
possa ser objecto de renovação”.

185
Cfr. AVV. CRUZ, CARLOS OLIVEIRA, - O Estado e as Parcerias Público-Privadas, Sílabo Editora, 2012, Pág. 31
186
Cfr. POULSON, LAZARINO, Pág. 28.
187
Vale cá realçar que, o formato ou configuração contratual (normalmente um contrato administrativo nos
termos do regime dos contratos públicos – Lei n.º 41/20, de 23 de Dezembro) não é o único que as PPP podem
tomar, havendo também a possibilidade de tomarem a formato institucional (que se traduz na criação de uma
sociedade ou de uma empresa local com capital privado ou na criação de uma associação, com pessoas colectivas
públicas e privadas ou sociais como sócias), bem como o formato de concertação (de carácter menos vinculativo,
mais se parecendo a simples protocolos de cooperação, que se traduzem numa intenção, nem sempre
formalizada – acordos de concertação – de desenvolver um projecto comum).
113
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Da definição legal, infere-se que o legislador angolano optou por uma definição mais
restrita na senda de YOSCOMBE, onde se destacam os seguintes traços188:
✓ Contrato duradouro: implica uma relação jurídica baseada na estabilidade e
continuidade entre uma entidade pública e uma privada. O legislador, de acordo
com o princípio da liberdade contratual (art. 405º, do CC), deixou ao critério das
partes fixarem o período de vigência das PPP’s. Todavia, tendo em conta a
natureza e objecto das actividades que serão sujeitas à PPP’s estamos em crer
que serão contratos de médio e longo prazo;
✓ Parceiro Público-Privado: no ordenamento jurídico angolano são parceiros
públicos designadamente o Estado, as Autarquias Locais, Fundos e Serviços
Autónomos, e, por fim, as Entidades Públicas Empresariais. Este elenco de
entidades públicas fixadas pelo nº 2, do artigo 2 º, da Lei das PPPs merece as
seguintes observações. Em primeiro lugar, encontra-se o Estado em toda sua
dimensão (Legislativa, Executiva e Judicial). Se preferirmos dizer, qualquer
instituição do Estado que represente um dos três poderes de soberania pode se
vincular contratualmente por via de uma PPP. Do mesmo modo, apesar de ainda
não estarem materialmente instituídas, as Autarquias Locais também podem ser
parte de uma PPP189. Por fim, o legislador reservou um privilégio ao sector
empresarial público: a possibilidade das várias formas empresariais públicas
tomarem parte de uma PPP. Assim, uma Empresa Pública, uma Sociedade de
Capitais Público pode ser envolvida numa PPP. Noutra banda, o legislador
consagrou uma norma específica para o co-contraente público que merece a
seguinte nota: “para já o legislador deveria fazer um elenco de entidades
privadas. Contudo, percebe-se que disse menos do que pretendia. Desse modo,
podemos concluir que para além das empresas privadas (que são a regra) outras
entidades privadas de fins não lucrativos nomeadamente as associações,
fundações ou ONG podem vincular-se a um parceiro público mediante uma PPP”.
✓ Responsabilidade de financiamento: o conceito legal de PPP em Angola é preciso
neste domínio. A lei ao determinar que o financiamento e responsabilidade pelo
investimento incumbe no todo ou em parte ao parceiro privado, está a restringir
a intervenção financeira das entidades públicas. Neste caso, o pagamento ao
privado pode revestir duas formas essenciais: mediante dotações orçamentais
públicas (que não cobrirão a totalidade do investimento) ou mediante cobrança
directa de taxas junto dos utentes. Desse modo, fica proibida a constituição de
PPP’s em que a parte pública cobre todos os custos, ou seja, nas PPP a entidade

188
Cfr. POULSON, LAZARINO, - As Parcerias Público-Privadas, Almedina Editora, 2011, pág. 29-31.
189
Já os Fundos Autónomos (fundações Públicas) podem ser parte de uma PPP. Contudo os fundos sem
personalidade jurídica não podem estar vinculados directamente a uma PPP. Por sua vez, os Serviços Autónomos,
designadamente Institutos Públicos Associações Públicas podem igualmente ser parceiro público de uma
oportuna PPP.
114
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

pública ou financia parte ou o ente privado suporta sozinho o investimento190.


✓ Actividade voltada à satisfação de uma necessidade colectiva: contrariamente
aos outros ordenamentos jurídicos que operam com o conceito de infraestrutura,
o nosso optou pela expressão «actividade tendente à satisfação de uma
necessidade colectiva». No fundo, são expressões equipolentes. Falar de
actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva é debruçar sobre
uma «infraestrutura», tal como uma estrada, ponte, ou ainda a realização de um
serviço de carácter público como a gestão de um hospital ou a exploração de uma
companhia aérea.
As PPP’s configuram uma via alternativa exequível e abrangente que, de forma
paradigmática, está ao dispor do decisor público para mobilizar as capacidades de
financiamento e gestão do sector privado e fomentar a sua participação na esfera da
prestação pública, uma vez que os ventos actuais reclamam respostas menos
complacentes com as imperfeições da gestão pública, assim como a procura de ganhos
de eficiência e qualidade, rompendo com as formas tradicionais de prestação dos
serviços públicos, cujo carácter monopolista e burocrático não assegura uma solução
adequada.

5.3- Classificação das Parcerias Público-Privadas na Ordem Económica Angolana


De acordo com LAZARINO POULSON191, as PPP’s podem adaptar várias formas
contratuais, nos termos disciplinados pelo nº 4 do artigo 2º, da LPPP’s. Assim, são
classificadas seis espécies de PPP’s que podemos surpreender no nosso ordenamento
jurídico, nomeadamente:
✓ Contrato de Concessão de Obras Públicas: contrato administrativo pelo qual um
particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública, mediante
retribuição a obter directamente dos utentes, através de pagamento por estes de
taxas de utilização;
✓ Contrato de Concessão de Serviços Públicos: contrato administrativo pelo qual um
particular se encarrega de montar e explorar um serviço público, sendo retribuído
pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente dos utentes;
✓ Contrato de Fornecimento Contínuo: contrato administrativo pelo qual um
particular se encarrega, durante um certo período, de entregar regularmente à uma
entidade pública certos bens necessários ao funcionamento de um serviço público;
✓ Contrato de Prestação de Serviço: abrange dois tipos completamente diferentes um
do outro. O contrato de transporte é o contrato administrativo pelo qual um

190
Deste fuste, na esteira de Paz FERREIRA, é imperioso que uma projecto de PPP tenha a capacidade de gerar
recursos que garantam o pagamento e a remuneração do capital investido, tendo, pois, a vantagem de se
autofinanciar, respondendo às dificuldades orçamentais do Estado, pressionado por políticas macroeconômicas
restritivas da despesa pública (Cfr. D. F. JOÃO, Op. Cit., p. 397).
191
Cfr. POULSON, LAZARINO, - As Parcerias Público-Privadas, Almedina Editora, 2011, Pág. 83-84.
115
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

particular se encarrega de assegurar a deslocação entre lugares determinados de


pessoas ou coisas a cargo da Administração; e o contrato de provimento, é contrato
administrativo pelo qual um particular ingressa nos quadros permanentes da
Administração Pública e se obriga a prestar-lhe a sua actividade profissional de
acordo com o estatuto da função pública;
✓ Contrato de Gestão: é o ajuste através do qual a Administração transfere o controle,
a condução, o gerenciamento de um dado empreendimento, resguardando, no
entanto, para si, o poder de decisão. Cuida-se, assim, da actividade de mediação, a
qual representa um serviço técnico profissional especializado comum em obra de
grande porte;
✓ Contrato de Colaboração: quando esteja em causa a utilização de um
estabelecimento ou uma infraestrutura já existente - trata-se de um contrato que
atribui ao particular, sem a contrapartida de qualquer vantagem, a prerrogativa de
utilização de um bem público existente.

5.4- Pressupostos para a Formação de PPP


Os pressupostos para a formação das PPPs estão expressamente consagrados no art. 6º,
da LPPP’s para cuja leitura remetemos.
Na prática profissional e na literatura académica os processos de desenvolvimento de PPP
são referidos como privatizações parciais, estando associados ao fenómeno de
desintervenção do Estado. No entanto, este processo não se confunde com a privatização
stritu sensu.
Cabe aqui realçar que uma das características das PPP’s radica na assunção do risco pelo
particular, porquanto, o conceito de risco, que tem sido o centro das discussões sobre a
PPP, é indissociável do conceito de incerteza, embora não sejam totalmente equivalentes,
tal como sustenta SAVAGE, citado por CARLOS OLIVEIRA CRUZ/RUI NAMORO, pois que,
a incerteza é uma característica de alguns aspectos do universo. Ao reduzir-se o universo
ou o sistema em análise a algumas variáveis, a estimação das mesmas é uma tarefa difícil,
senão mesmo impossível (v.g., estimar o número de doentes que afluirão a uma
determinada infraestrutura hospitalar ou estimar o custo de energia num horizonte de 30
anos). Ainda que seja possível definir um intervalo com um determinado grau de confiança
para cada uma das variáveis, existe sempre incerteza no processo192.

5.5- Classificação do Risco das PPP’s


Os riscos, no entender de CARLOS OLIVEIRA CRUZ, citando os autores como MARQUES e
BERG, podem ser classificados, ou seja, são vários os tipos de riscos em projectos de
infraestruturas e/ou serviços públicos. E por conseguinte, propuseram uma classificação

192
Cfr. AVV CRUZ, CARLOS OLIVEIRA, - O Estado e as Parcerias Público-Privadas, Sílabo Editora, 2012, Pág. 41.
116
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

de risco baseada em quatro categorias193:


1- Risco político: eleições, greves, convulsão social, golpe de Estado, guerra e
terrorismo;
2- Risco de planeamento: projecto, expropriação, construção, ambiental,
manutenção, operação, tecnológico, e desempenho, entre outros;
3- Risco comercial: procura, competição e cobrança, entre outros;
4- Risco do contexto económico e financeiro: financiamento, inflação, legal,
regulatório, modificação unilateral, contestação pública e força maior, entre
outros.
Note-se que, “quando a transferência de propriedade material não ocorre, ou quando
esta possui uma duração limitada no tempo, regulada por algum documento contratual
(estatutos, acordo parassociais e contrato de concessão de exploração e de gestão),
finda a qual a propriedade do activo retorna ao domínio público, então estamos perante
uma forma de PPP”194.

5.6- Fundamentos e Sectores em que se Desenvolvem as PPP’s195


Os fundamentos invocados para a realização de PPP podem ser vislumbrados a partir de
dois pontos de vista, correspondentes aos dois entes que intervêm neste tipo de relação
jurídica.
Assim, do ponto de vista do sector público, são sucintamente invocados os seguintes
fundamentos:
✓ A redução da despesa pública;
✓ A procura da melhoria dos serviços públicos;
✓ O estímulo da actividade económica privada; e,
✓ Um eventual reforço da cidadania.
Já para o sector privado podemos aqui invocar:
✓ A extensão ou conservação dos seus mercados;
✓ A partilha dos riscos e encargos com o sector público; e,
✓ A diminuição do impacto dos ciclos económicos.
Relativamente aos sectores em que se desenvolvem podemos aqui referir que, regra

193
Ibidem, Pág. 42.
194
Ibidem, Pág. 38-39.
195
Cfr. Domingos Francisco JOÃO, Lições de Direito Económico de Angola, ZOE Publicações, Luanda, 2018, pp.
395-396.
117
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

geral, são os serviços económicos, sociais e até culturais, como são os casos específicos
da distribuição de água, recolha do lixo, transportes, serviço de educação e de saúde,
assistência aos idosos, construção e administração de prisões, a construção e exploração
de ponte, estradas, complexos desportivos, centros culturais e de museus, manutenção
de jardins e parques...

5.7- Vantagens e Desvantagens


As PPP’s apresentam para o Estado e para a economia no geral as mesmas vantagens
que O SEP, aliadas ao facto de que este contrato se afigura como sendo o instrumento
privilegiado de coexistência entre o sector público e o privado.
Em muitos países do mundo, este instrumento de governação é tratado com seriedade
e é transversal ao sector empresarial e administrativo, onde, até os tribunais e prisões
são geridos na base das PPP’s, acrescidos ao facto de que ao contrário da visão
tradicional deste instrumento jurídico, actualmente podemos constatar o recurso a ele
não só nas grandes obras de engenharias, mas também nas simples gerências de um
hospital municipal, por exemplo.
No entanto, chama-se atenção ao facto de que muitas PPP’s têm acabado por descarrilar
e passado a acarretar para o Estado e para as gerações futuras encargos acrescidos. Além
disso, o pouco rigor na fiscalização da execução dos respectivos contratos, sobretudo
em relação ao horizonte temporal de vigência do mesmo, tem levado muitas empresas
privadas a ganharem muito mais do que o merecido, constituindo monopólios ou
explorado muito mais o Estado, fazendo com que ao invés de ser o Estado a ser
financiado é este que tem vindo a financiar os agentes privados.

118
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO VI - DIREITO DA REGULAÇÃO

6.1- A Regulação Pública da Economia196: Aspectos Gerais


É um dado adquirido a ideia de que é necessária a intervenção do Estado na actividade
económica, e a doutrina jus-económica tem apresentado duas principais e tradicionais
formas de intervenção económica. Trata-se da intervenção Directa, onde o Estado
intervém enquanto agente produtor de bens e serviços e o faz por intermédio das
Empresas Públicas e as Sociedades de Capital Público e Capital Misto, aquilo que constitui
o Sector Empresarial do Estado197, bem como da Intervenção Indirecta, onde o Estado
intervém enquanto agente regulador com um conjunto de medidas legislativas,
administrativas e convencionadas através das quais controla, influencia e regula o
comportamento dos agentes económicos.

6.2- Noção e Modalidades


A noção de regulação da economia é hoje um conceito incontornável em Direito
Económico, devendo considerar-se dois aspectos fundamentais: a regulação pública
(quando empreendida pelo Estado) e auto regulação (quando levada a cabo por
entidades privadas desde que estejam habilitadas a criar normas vinculativas).
Para Vital MOREIRA, a regulação econômica é "o estabelecimento e a implementação de
regras para a actividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento
equilibrado, de acordo com determinados objectivos públicos".
A regulação tem como fim último a defesa do interesse público, mediante a correcção de
eventuais desvios, com vista a garantia do bom funcionamento do mercado que assenta
sempre na afirmação plena dos agentes económicos privados, desde que garantidos a
livre e leal concorrência e os direitos dos consumidores. É, pois, consensual a ideia de que
o interesse público, cuja protecção constitui o fim último da intervenção do Estado, é
referente não apenas ao plano económico, mas também social.
Segundo Helena PRATA, a regulação pública da economia consiste no conjunto de
medidas legislativas, administrativas e convencionadas, através das quais o Estado, por si,
ou por delegação, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes
económicos, tendo como objectivo evitar que os efeitos desses comportamentos sejam

196
Digna de menção neste quesito é a posição de Joseph STIGLITZ, segundo a qual “é necessária a intervenção
pública na economia, mas que tal intervenção não pode ser apenas directa, pois, desta forma sufocaria as
liberdades individuais de natureza económica e social, bem como estagnaria o sistema produtivo porque
sobrecarregaria o aparelho administrativo e o Estado não teria capacidade para dar respostas às necessidades,
conduzindo-se assim à sua própria falência (...) STIGLITZ no fundo entende que o Estado deve intervir quer de
forma directa como de forma indirecta, pois, só desta forma se chega à resultados satisfatórios”.
197
Trata-se do Estado nas vestes de um verdadeiro sujeito económico, lançado no mercado como se de um
sujeito privado se tratasse, estando, por isso, sujeito aos princípios oponentes e conflituantes como o princípio
da concorrência, da defesa do ambiente, da defesa dos direitos dos trabalhadores e dos consumidores.
119
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

lesivos de interesses sociais, orientando-os em direcções socialmente desejáveis198.


As regulações assumem diversas modalidades:
✓ Intervenções globais, setoriais e pontuais. Afetam a economia no seu conjunto, ou
em um determinado sector. As intervenções globais e sectoriais têm as
características de serem gerais; as pontuais se referem a uma situação particular.
As primeiras são realizadas por medidas regulamentares; as últimas por actos
individuais.
✓ Intervenções directas e indirectas. As acções directas visam os agentes
econômicos; já as indirectas têm a economia como objecto mediato.
✓ Intervenções por via unilateral e por via convencional. A via unilateral é a mais
comum, pela qual o Estado regulamenta, autoriza, proíbe a actividade econômica.
Por sua vez, a via convencional tem sido preferida, em especial por meio de
contratos.
✓ Intervenções relativas às empresas privadas e sector público econômico. Trata-se
da distinção mais importante para o Direito Público Econômico. As pessoas
públicas podem adoptar medidas em relação a agentes privados, mas também
podem, elas mesmas, tomar a actividade econômica para si.

6.3- Âmbitos e Fins da Intervenção Indirecta ou Reguladora


A intervenção indirecta do Estado enquanto mecanismo apropriado para disciplinar,
controlar e influenciar o comportamento dos agentes económicos pode ter diferentes
amplitudes, quer do ponto de vista material, assim como territorial.
O âmbito territorial pode ser nacional, regional ou local em função do espaço territorial
onde essas normas reguladoras se aplicam. Já o âmbito material traduz-se no impacto que
tais medidas reguladoras causam na economia, podendo (i) ser dirigidas ao conjunto de
toda a economia ou (ii) apenas a um dado sector desta mesma economia.
Tendo em conta a importância e a vastidão da regulação pública da economia, há vários
domínios a considerar, no seu âmbito geral: (i) Planeamento económico; (ii) Regras de
acesso à actividade económica; (iii) Defesa da concorrência; (iv) Direitos dos
consumidores e regras de publicidade; (v) A actividade financeira; e, (vi) Normas relativas
ao ambiente.

198
O conceito de regulação é, portanto, menos amplo que o de intervenção pública na economia, visto que exclui
a actividade directa do Estado como produtor de bens e serviços, implicando, meramente, a alteração dos
comportamentos dos agentes económicos em relação ao que seria se esses comportamentos obedecessem
exclusivamente às leis de mercado ou formas de auto-regulação. Também se distingue da regulação de mercado
e das regras provenientes de entidades privadas dotadas de poder económico suficiente para as tornarem
efectivas. Contudo, cabem no conceito de regulação pública aqui proposto as medidas convencionadas ou
contratualizadas entre entidades públicas e privadas, assim como a regulação produzida por entidades privadas
por delegação e com base no enquadramento produzido por entidades públicas.
120
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

Em função dos objectivos visados, as medidas de regulação pública podem ser


qualificadas em três categorias básicas:
✓ Medidas de Criação de Infra-estruturas: de natureza administrativas e visam a
criação de condições óptimas para o aproveitamento do território nacional a fim
de facilitar a eliminação dos desiquilíbrios económicos regionais e disciplinar a
utilização do solo;
✓ Medidas de Polícia ou Políticas Económicas: são aquelas de carácter preventivo ou
repressivo que visam restringir, condicionar e muitas vezes proibir o exercício de
determinadas actividades económicas e estabelece as sanções aplicáveis aos
ilícitos jurídico-económicos; e,
✓ Mediadas de Fomento: aquelas que incentivam e auxiliam as actividades dos
agentes económicos que assumam determinados comportamentos favoráveis ao
desenvolvimento de políticas públicas.

6.4- Procedimentos de Regulação Económica


A regulação económica é feita mediante procedimentos de duas naturezas: unilaterais
e/ou bilaterais ou negociados:
✓ Os procedimentos unilaterais caracterizam-se por terem natureza legislativa ou
administrativa, de âmbito geral ou individual, limitando, por esse meio, a
liberdade dos agentes económicas, ou até proporcionando-lhes determinadas
vantagens, condicionadas a assumpção de determinados comportamentos.
✓ Os procedimentos bilaterais ou negociados caracterizam-se por terem uma
natureza contratual, isto é, por derivar de um acordo de vontade entre os Estado
e um ente económico privado. Normalmente despidos do seu ius imperii, nestes
o Estado estabelece acordos com os agentes económicos com o fito de
comprometê-los a um determinado programa económico público. São exemplos
destes tipos de procedimentos os contratos económicos e os acordos de
concertação social.

6.5- Principais Áreas de Regulação Pública


As áreas de regulação, tal como os demais fenómenos sociais, tem variado ao longo do
tempo, por razões que se prendem quer com o desenvolvimento tecnológico, quer com
os fenómenos das internacionalização e globalização da economia, quer mais
recentemente com as políticas desreguladoras e de privatização. No entanto, podemos
destacar sete áreas principais, designadamente:
✓ Planeamento e formas de orientação e auxílio aos agentes económicos;
✓ Restrições e condicionamentos à actividade económica;
121
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

✓ Concorrência de preços;
✓ Actividade monetária e financeira;
✓ Ambiente;
✓ Qualidade e protecção dos consumidores;
✓ Informação e comunicação.

6.6- A “NOVA” Regulação da Economia


A regulação da economia é muitas vezes encarada como uma actividade realizada
exclusivamente pelo Estado. No entanto, nem mesmo a doutrina tem se ficado por aí,
donde que a regulação estadual não é a única modalidade de regulação da economia, pois,
da nova regulação temos a auto-regulação, e a regulação supra-estadual, cuja exposição
telegráfica é a seguir exposta:

a) A Auto-regulação ou Regulação Autónoma


A auto-regulação ou regulação autónoma é a regulação assegurada pelos regulados (ou
pelos seus representantes), em que os próprios agentes económicos, que actuam num
dado sector, regulam e supervisionam as actividades que praticam. É um fenómeno
comum em vários países, e Angola não foge à regra, sendo que, por cá, esta tarefa é
normalmente levada a cabo pelas ordens profissionais e as câmaras de indústria e de
comércio. Na maioria dos casos existem organismos colectivos representativos dos
agentes (com natureza pública) que exercem esta função de regulação, mas nada impede
que a regulação seja realizada por entidades dotadas de poderes públicos ou por simples
acordo entre os agentes.
Podemos apontar vários inconvenientes inerentes a este modelo de regulação, com
especial ênfase para a dificuldade em compatibilizar os interesses públicos com os
interesses colectivos, ambos prosseguidos por estas entidades. Uma das possíveis
respostas a estes problemas é a chamada meta-regulação, em que o Estado assume
meras funções de supervisão e orientação dos processos de auto-regulação.

b) A Regulação Supranacional e Internacional


A hetero-regulação não é uma actividade exclusiva dos Estados. Há entidades supra-
nacionais e internacionais que assumem funções de regulação.
Em sede da regulação internacional, são raros os exemplos de uma verdadeira regulação
económica internacional – mesmo que seja discutida a necessidade de uma regulação
transnacional dos mercados financeiros globalizados. A regulação económica
internacional é uma regulação de média ou fraca intensidade, dependente, em muito, da
122
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

cooperação dos Estados. Pode ser desenvolvida diretamente por acordos interestaduais
ou por organizações internacionais. Das organizações internacionais de regulação
económica temos a destacar:
✓ Organização Mundial do Comércio – OMC – que desenvolve a actividade de
regulação do comércio internacional;
✓ Fundo Monetário Internacional – FMI – que desenvolve a actividade de supervisão
do sistema monetário internacional e da monitorização das políticas financeiras e
económicas tomadas pelos seus Estados membros;
✓ Grupo de Acção Financeira - GAFI – organismo intergovernamental que tem como
objetivo desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de
combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo;
✓ Banco Mundial – tem desenvolvido actividades de avaliação e reflexão das
regulações praticadas em vários países, máxime, no sector da regulação e
supervisão bancária.

123
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

CAPÍTULO VII – PLANEAMENTO E AUXÍLIOS DO ESTADO

7.1- Conspecto Geral


O surgimento do planeamento económico ocorre no século XX, com o objectivo de
direccionar o mercado, deixando de ser regido pelas suas “leis naturais”, passando a
racionalidade das informações e decisões empregadas na economia a ser a finalidade do
planeamento.
É verdade que numa determinada época o plano económico passou a ser considerado um
acto jurídico que definia e hierarquizava os objetivos do Estado, que deviam ser buscados
no domínio económico-social durante o período que abrangia o plano e, ao mesmo
tempo, contendo os meios para o alcance desses objectivos almejados.
Existem várias definições de planos, mas no geral pode ser entendido como o acto jurídico
que se estrutura como sendo o conjunto de medidas previstas para a adopção correctiva
dos desiquilíbrios estruturais e dos desvios conjunturais de uma determinada economia.
Para Sousa Franco, Plano é um acto jurídico aprovado por órgãos ou autoridades públicas,
que define e hierarquiza os objectivos a prosseguir no domínio económico e social,
durante um determinado período de tempo, estabelece as acções destinadas a prossegui-
los e pode definir os mecanismos necessários à sua implementação. Cabral Moncada
define-o como o acto jurídico que define e hierarquiza objectivos de política económica a
prosseguir em certo prazo e estabelece as medidas adequadas à sua execução 199. São
elementos do conceito de plano económico a previsão, os objectivos e os meios a utilizar
numa perspectiva sempre temporária200.
Quanto ao planeamento económico serve para controlar certas pretensões da iniciativa
privada, fazendo com que o Estado intervenha na realidade político-econômica,
controlando e organizando processos económicos do País201. A sua elaboração assenta
num conjunto de instrumentos técnicos – diagnóstico de situação, técnicas de previsão
macroeconómicas – e decisões políticas – definição de objectivos. A sua execução
pressupõe a coordenação de acções entre vários agentes estaduais e não estuais.

199
D. F. João, Op. Cit., p. 446.
200
No cômputo geral, o plano económico compõem-se sempre de duas operações essenciais: o diagnóstico e o
prognóstico. No primeiro contabilizam-se os dados globais e sectoriais da actividade económica, que são o
pressuposto de qualquer estimativa com destaque para o cálculo da procura global e sectorial. No segundo,
projectam-se para o futuro as estimativas mais verosímeis, observadas durante a fase do diagnóstico, na base
dos comportamentos considerados mais prováveis dos agentes económicos visados, ao mesmo tempo que se
indicam os meios apropriados.
201
Alguns autores vêm o planeamento económico como sendo um processo técnico instrumentado para
transformar a realidade existente no sentido de objectivos previamente estabelecidos. Assim visto, o
planeamento económico consistiria num processo de intervenção estatal no domínio económico com o fim de
organizar actividades económicas para obter resultados previamente colimados.
124
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

7.2- Sistema de Planeamento Económico e Social de Angola


Na sequência da ascensão à independência nacional, a Lei Constitucional de 1975 veio a
atribuir grande importância ao plano como instrumento de coordenação e direção geral
da economia, prevendo planos a curto, médio e longo prazo. O plano era definido pela
sua função de orientação, coordenação e disciplina da actividade económica, e
caracteriza-se por ser imperativo e obrigatório.
Com a Revisão Constitucional de 1992, a LCA deixou de fazer referência explícita à figura
unitária do plano, substituindo-a pela referência genérica a “planos”, tendo, ao mesmo
tempo, suprimido à disposição relativa à força jurídica do plano. O planeamento deixou,
como consequência, de ser concebido como instrumento de ordenação e indução da
conduta dos agentes económicos, para passar a ser um conjunto de documentos onde se
definem as grandes metas macroeconómicas e de desenvolvimento económico e social,
bem como as linhas gerais de orientação da acção do Estado.
Na sequência da conformação constitucional e legal dos actos jurídico-económicos do
Estado, a CRA veio atribuir grande importância ao plano como instrumento que
coordena, regula e fomenta o desenvolvimento nacional, e com o objectivo de promover
o desenvolvimento sustentado e harmonioso do País, assegurando a justa repartição do
rendimento nacional, a preservação do ambiente e a qualidade de vida dos cidadãos, e
tal como resulta do art.º 91.º da CRA.
Existem três níveis de planeamento:
✓ As grandes opções – grandes orientações estratégicas – planos com definição das
opções globais e sectoriais, a aprovar pela NA 202, sob forma de lei, sob proposta
do Titular do Poder Executivo;
✓ Os planos anuais – contemplam as medidas a concretizar pelo Poder Executivo no
ano a que respeitam e a correspondente programação financeira expressa no
OGE, a aprovar pelo Titular do Poder Executivo;
✓ Os planos a médio prazo – a aprovar pelo Governo, e que contêm a estratégia de
desenvolvimento económico e social para o período de cada legislatura.
Como princípios orientadores do sistema de planeamento, destacam-se:
a) Quanto à elaboração:
✓ Princípio da supletividade da intervenção do Estado face ao livre
funcionamento da iniciativa privada e do mercado;
✓ Princípio da coordenação dos planos com os instrumentos internacionais;

202
Em obediência ao princípio democrático do planeamento, a aprovação das grandes opções pela NA deve
ser entendida como uma condição prévia da adopção de quaisquer planos pela Titular do Poder Executivo
(art.º 120.º, al. c) da CRA). À NA cabe ainda apreciar os relatórios de execução dos planos (art.º 162.º al. b) da
CRA).
125
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

✓ Princípio da participação social203.


b) Quanto à execução:
✓ Princípio da compatibilização com o Orçamento;
✓ Princípio da execução descentralizada.

7.3- Instrumentos de Aplicação do Plano


Os planos, apesar de aprovados por instrumentos legislativos, constituem essencialmente
documentos conformadores da direcção política, económica e social que, como tal,
embora vinculando o Estado, não vinculam os demais agentes económicos. Só os
instrumentos de execução do plano são susceptíveis de revestir carácter normativo.
Todavia, no sentido de promover a adequação dos agentes económicos aos objectivos
fixados nos planos de ajuda, o Estado utiliza incentivos de vária ordem, por meio da
adopção de regimes legais de ajuda às empresas e às actividades económicas, recorrendo
a procedimentos unilaterais ou negociados – contratos programa.

7.4- Auxílios do Estado


Os auxílios ou medidas de estímulo ou fomento económico consistem basicamente em
prestações da Administração Pública a favor de actividades de interesse geral
desempenhadas por agentes económicos que lhe são estranhos.
Estas medidas que vêm sendo adoptadas e postas em prática pelo Estado e Administração
Pública nacional, apoiados em fundos e programas nacionais ao investimento privado,
visam criar estímulos à prática de certos actos ou ao desenvolvimento de uma dada
actividade no quadro de um conjunto de objectivos definidos pela administração,
normalmente constantes de um plano.
Em função do seu conteúdo assumem diferentes formas tais como as ajudas financeiras,
os benefícios fiscais, a assistência técnica ou mesmo, em determinadas circunstâncias, a
participação pública no capital das empresas, as ajudas materiais como a construção de
uma estrada quando possam ser individualizadas, servindo apenas uma empresa.
Os auxílios do Estado, podem, em função do conteúdo, ser agrupadas em três grandes
tipos:
✓ Entrega directa de verbas aos beneficiários (subsídios de exploração; subsídios

203
O princípio da participação exprime-se na intervenção dos Conselhos de Auscultação ou Conselhos
Económicos e Sociais no processo de elaboração dos planos, bem como na apreciação dos relatórios da sua
execução (art.º 162.º al. a) da CRA).
126
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

de equipamento; subsídios para garantir o rendimento; etc.);


✓ Renúncia de créditos (situações em que o Estado aceita a não remuneração de
capitais públicos aplicados em empresas, ou renuncia ao direito à participação
em lucros que lhe sejam devidos, ou ainda permite o não cumprimento de
obrigações legais por parte dos subvencionados);
✓ Utilização dos mecanismos de crédito (incluem-se aqui a concessão directa de
empréstimos, a simples bonificação ou garantia);
✓ Benefícios ou subvenções fiscais (transferência de fundos através da abstenção
de tributar).

7.5- A Concorrência e a Problemática dos Auxílios de Estado


As medidas de estímulo do Estado aos agentes económicos constituem uma forma de
Estado transferir rendimentos ou os isentar de encargos, eventualmente mediante
algumas condições.
Ao ajudar uma empresa ou uma certa produção o Estado pode, contudo, estar a favorece-
la relativamente a uma sua concorrente nacional ou estrangeira. O facto de determinadas
medidas concedidas pelo Estado ou provenientes de recursos estatais poderem restringir
ou falsear a concorrência explica que o art.º 1.º, n.º 2 e 22.º, da Lei n.º 14/03, de 18 de Julho,
tenham regulado o instituto dos auxílios do Estado, estabelecendo o princípio da
incompatibilidade destes com o mercado nacional.
Portanto, claro está que esta figura quando não for bem doseada poderá constituir o
clientelismo económico ao favorecimento de um grupo de elite económico apesar
desfavorecido mas entra em contradição com o princípio da igualdade e do Mercado e
livre concorrência, tem repercussão negativa, nos art. 14º, 23º e 89º, da CRA, salvo por
excepção permitida pelo legislador no plano de fomento e incentivos fiscais e protecção
de Micro, Pequenas e Medias Empresas.

127
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

7.6- Contratos de financiamento

A classificação destes novos contratos deve ser cautelosa, sem deixar de os ligar ao seu
“território de origem”: o Direito Económico é entendido como o tecido normativo inerente
à relação entre Estado e os agentes económicos, tanto numa perspectiva de exercício de
autoridade, como de eventuais atitudes na qualidade de agente económico. De larga
aplicabilidade na vida das empresas e em outros domínios da vida social, são capazes de
influenciar toda a estrutura económica, como exemplo, os contratos de locação financeira,
factoring e franchaising.

A) A locação financeira (Leasing)


Na sua forma moderna, a locação financeira ou leasing surgiu nos Estados Unidos da
América, como nova fórmula comercial e financeira.
Em Portugal, no decurso da década de 80, as empresas, inseridas numa conjuntura
económica restritiva, suportando fortes dificuldades de acesso ao crédito e uma elevada
carga fiscal, recorreram aos empréstimos a médio e curto prazo junto das instituições
monetárias, com consequências em muitos casos desastrosas, mas como única forma de
sobrevivência de um sector empresarial constituído pelas PMEs, levando a um grande
desenvolvimento do leasing no nosso país, onde tinha sido regulamentado em 1979.
O leasing permite o aumento da capacidade de endividamento da empresa sem afectar a
sua capacidade de obtenção de empréstimos, proporcionando a cobertura total do
investimento e ainda a total dedutibilidade das prestações a pagar.
O contrato de locação financeira é recebido da ordem jurídica portuguesa como um
contrato de locação financeira, e o art. 1º DL 171/79 definia-o como o contrato pelo qual uma
das partes se obriga, contra a retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma
coisa, adquirida ou construída por indicação desta, e que a mesma pode comprar, total ou
parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço
determinado ou determinável nos termos do próprio contrato.
Nestes termos, o modelo adoptado foi o do contrato de amortização total com opção de
compra no fim: trata-se de um contrato de locação com opção de compra, de quaisquer
bens, desde que realizado por um período inferior ao da vida útil do objecto do contrato;
nestes termos, a locação financeira é, um contrato de médio ou longo prazo, dirigido a
“financiar” alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do
uso de um bem. Hoje a locação financeira tem o seu regime jurídico no DL 149/95 de 24 de
Junho. A actual definição legal, diz, que “locação financeira é todo o contrato pelo qual uma
das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa,
móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá

128
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável,


mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
Como traços essenciais, pode-se destacar os seguintes:
✓ O objecto do contrato pode ser quaisquer bens;
✓ Quanto à forma apenas é necessário documento particular, embora, no caso de
bens imóveis, se exija reconhecimento notarial presencial das assinaturas das
partes;
✓ Compete ao Banco de Portugal estabelecer os limites mínimos e máximos do valor
residual;
✓ A locação de coisas móveis pode ser celebrada por um prazo mínimo de 18 meses,
e a de imóveis por um prazo mínimo de sete anos;
✓ O locador obriga-se a adquirir ou mandar construir o bem a locar, conceder o gozo
do bem para os fins a que se destina, e vender o bem ao locatário, se este estiver
interessado, findo o contrato;
✓ O locatário obriga-se a pagar as rendas, facultar ao locador o exame do bem locado,
não aplicar o bem diverso daquele a que se destina, assegurar a sua boa
conservação, efectuar o seguro do bem locado e a restitui-lo findo o contrato,
quando não opte pela sua aquisição, entre outras obrigações.
Por fim, referia-se que as sociedades de locação financeira, definidas como instituições de
crédito que têm por exclusivo o exercício daquela actividade, têm o seu regime jurídico
contido no DL 72/95 de 15 de Abril.

B) Factoring
É a actividade parabancária, que consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados
da venda de produtos ou da prestação de serviços, no mercado interno e externo.
Encontra-se previsto no ordenamento jurídico português desde 1965, na qualidade de
actividade parabancária típica, e já em 1986, foram regulamentadas as sociedades de
factoring (DL 171/95 de 18 de Julho):
a) A actividade de factoring é definida com uma cessão de financeira, consistindo na
aquisição de créditos de curto prazo, derivando da venda de bens ou da prestação
de serviços, tanto no mercado interno como no externo;
b) Aquela actividade só pode ser desenvolvida por sociedades de factoring e pelos
bancos;
c) O contrato de factoring tem sempre forma escrita e nele intervêm o factor ou
cessionário e o aderente ou cedente dos créditos;
d) O direito subsidiário aplicável às sociedades de factoring é o regime geral das
Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.

129
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

As sociedades que tenham por objecto a actividade de factoring têm que constituir-se sob
a forma de Sociedade Anónima, não podendo desenvolver qualquer outra actividade.
Modalidades:
✓ Serviço completo (Full Factoring): trata-se de um acordo consubstanciado através de
um contrato do qual o fornecedor se compromete a ceder sistematicamente a uma
sociedade de factoring todos os seus créditos provenientes da venda de
mercadorias ou da prestação de serviços e que esses créditos se encontram
representados por facturas ou por outra documentação equivalente.
✓ Factoring com recurso: os aspectos da cobrança e antecipação dos fundos são
privilegiados, o factor não classifica os devedores, limitando-se a uma análise
sumária da sua credibilidade, não garante o risco de crédito e reserva o direito de
regresso sobre o aderente no caso de insucesso das cobranças; obriga o factor a
uma análise mais complexa e pormenorizada da aderente e do produto ou serviços
fornecidos.
✓ Matority factoring: a grande incidência nesta versão verifica-se na prestação de
serviços, não sendo praticamente contemplada a componente financeira.
✓ Bulk factoring: o factor apenas procede à antecipação dos fundos e não efectua
qualquer prestação de serviços; consiste no desconto de facturas, com a diferença
que os créditos são efectivamente cedidos ao factor (na prática).
✓ Factoring confidencial: destina-se a aderentes que necessitam da antecipação dos
fundos mas que têm o seu próprio serviço de cobranças pelo que não pretendem
usar o factor.

C) Franchaising
Este não é propriamente um contrato de financiamento, embora esta operação esteja
presente, mas reflexamente, pelo que constitui uma das características do contrato.
Trata-se essencialmente de um contrato de expansão e desenvolvimento, para o
franquiador, e a possibilidade de iniciar uma nova etapa da sua vida empresarial, para o
franquiado. Dispondo de um mercado mais vasto, com um mínimo de investimento, ao
contrário das filiais, em que o investimento é integralmente suportado por uma única
estrutura empresarial, no franchaising o franquiador conta ainda com os pagamentos do
franquiado: prestações periódicas e preços de aquisição dos produtos, residindo aqui, o
elemento dinamizador de expansão e desenvolvimento. Juridicamente o franchaising é um
contrato atípico. Isto quer dizer que se trata dum contrato que não tem regime jurídico
próprio, ao contrário da locação financeira e do factoring, os quais são contratos tipificados
na lei. O contrato de franchaising, consiste num sistema de distribuição em que uma parte
(o franchisador) concede a uma outra parte (o franchisado) o direito de distribuir os
produtos ou prestar serviços e a explorar um negócio de acordo com um dado sistema de
marketing, com o mínimo de risco e de investimento. Atendendo a este facto, toda a sua

130
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

disciplina, no nosso ordenamento jurídico se reporta à parte geral dos contratos, onde
impera o princípio da liberdade contratual das partes (art. 405º e segs. CC). À luz deste
princípio (autonomia privada), cabe às partes fixarem, em termos vinculativos, a disciplina
que mais lhe aprouver, desde que conforme com a lei.
✓ Contrato de franchaising de distribuição: é o contrato pelo qual o franquiado se
obriga a vender determinados produtos num estabelecimento seu, mas com o
nome e imagem do franquiador, ou seja, o contrato visa a comercialização de
determinados produtos do franquiador.
✓ Contratos de franchaising de serviço: o franquiado oferece serviços sobre a insígnia,
o nome comercial ou a marca do franquiador, garantir a qualidade dos serviços
fornecidos por operadores independentes sob a imagem e indicação dos
franquiadores.
✓ Contrato de franchaising de produção industrial: o franquiado fica autorizado,
mediante o fornecimento know-hout, por parte do franquiador, a produzir bens que
depois vende sob a marca deste, resumindo, o sistema franquiado tem por objecto
o fabrico e venda de um determinado produto.
Os direitos permanentes (do franchisador) são normalmente indicados como principal
fonte de rendimento do franchisador e constituem a maior contribuição para as suas
despesas centrais, podem ser pagos numa das três formas:
✓ Um royalty, uma percentagem fixa do volume de negócio, sobre o volume dos
negócios.
✓ Uma margem sobre o preço dos materiais adquiridos ao franchisador;
✓ Um montante regular fixo por estabelecimento.

131
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”

REFERÊNCIAS
BILLIER, J.-C., & MARYIOLI, A. (2005.). História da filosofia do direito. (T. M. Andrade,
Trad.) São Paulo: Manole.
FERREIRA, H. P. (2010). Lições de Direito Económico. Luanda: Casa das Ideias.
FIGUEIREDO, L. V. ( 2006). Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense.
JOÃO, D. F. (2018). Lições de Direito Económico de Angola. Luanda: ZOE Publicações.
LAUBADÈRE, A. d. (1985). Direito Público Económico. Coimbra: Almedina.
MAXIMILIANO, C. (1997). Hermenêutica e aplicação do direito (6.ª ed. ed.). Rio de Janeiro:
Forense.
MONCADA, L. C. (2007). Direito Económico (6.ª ed ed.). Coimbra: Almedina.
MOREIRA, V. (1997.). Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra:
Almedina.
SAMUELSON, P. A., & NORDHAUS, W. D. (1999). Economia. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill.
SANTOS, A. C., GONÇALVES, M. E., & LEITÃO MARQUES, M. M. (2006). Direito Econômico (
5.ª ed. ed.). Coimbra: Almedina,.
SMITH, A. (1983). A riqueza das nações, investigação sobre sua natureza e causas. São
Paulo: Manole.

132

Você também pode gostar