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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, SOCIAIS

E HUMANAS

MONOGRAFIA

A NECESSIDADE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO


PARTIDO POLÍTICO QUE FORMOU O GOVERNO
CESSANTE E OS IMPACTOS DA SUA (IN)EXISTÊNCIA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

ESTUDANTE: CUSTÓDIO GRAÇA COJI


LICENCIATURA: DIREITO
OPÇÃO: JURÍDICO-ECONÓMICO
ORIENTADOR: ANTÓNIO FERREIRA, MSc.

BENGUELA, 2023
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, SOCIAIS E
HUMANAS

MONOGRAFIA
Para a obtenção do grau de Licenciatura em Direito
Opção: Jurídico-Económico

A NECESSIDADE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PARTIDO


POLÍTICO QUE FORMOU O GOVERNO CESSANTE E OS
IMPACTOS DA SUA (IN)EXISTÊNCIA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO ANGOLANO

ESTUDANTE: CUSTÓDIO GRAÇA COJI

Esta Monografia foi elaborada no ISP Jean Piaget de Benguela, no ano de 2022 a
2023.
EPÍGRAFE

“Assim como a mosca morta faz exalar mau cheiro e inutilizar o unguento do perfumador,
assim é para o famoso em sabedoria e em honra um pouco de estultícia”.

(Eclesiastes 10:1)

III
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais por toda a força e apoio que eles me proporcionaram
durante a formação, aos irmãos, familiares, amigos, e todos os que directas ou indirectamente
estenderam o seu braço forte de apoio.

IV
ÍNDICE

EPÍGRAFE ............................................................................................................................... III


AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. IV
SIGLÁRIO ............................................................................................................................. VII
RESUMO .............................................................................................................................. VIII
ABSTRACT ............................................................................................................................. IX
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
CAPÍTULO .............................................................................................................................. 13
I ................................................................................................................................................. 13
A REPÚBLICA E A SUA ADOPÇÃO PELA MAIORIA DOS ESTADOS MODERNOS .. 13
1.1 Governação e sua finalidade ............................................................................................... 14
1.1.1 A governação enquanto actividade dos órgãos do estado ............................................... 14
1.1.2 Finalidade da governação com objectivo de conservar a sociedade política, definir e
prosseguir os interesses gerais .................................................................................................. 20
1.2 Formas de Governo ............................................................................................................ 22
1.2.1 Formas de Governo segundo os filósofos e teóricos políticos................................... 23
1.2.2 Forma de governo adoptado pelos estados contemporâneos ........................................... 26
1.2.3 Forma de governo adoptada pelo Estado angolano ......................................................... 26
1.2.4 Formas de governo adoptadas por outros Estados........................................................... 28
1.3 Forma Republicana De Governo ........................................................................................ 29
1.3.1 Critérios da forma republicana de governo ................................................................ 31
1.4 Modos de acender à governação ......................................................................................... 31
CAPITULO .............................................................................................................................. 36
II ............................................................................................................................................... 36
A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA, SEU EXERCÍCIO E O SEU MODO DE EXECUÇÃO AO
NÍVEL DAS REPÚBLICAS DEMOCRÁTICAS ................................................................... 36
2.1 Manifestação da vontade Política do Estado ...................................................................... 37
2.1.1 Vontade do Estado ........................................................................................................... 38
2.1.2 Órgãos .............................................................................................................................. 39
2.2 Partidos Políticos ................................................................................................................ 41
2.2.1 Natureza jurídica.............................................................................................................. 43
2.3 Responsáveis pela Gestão Pública em Angola ................................................................... 45
2.4 Os aspectos gerais da gestão e da governação .................................................................... 50
V
2.4.1 Função da gestão ............................................................................................................. 50
2.4.2Níveis de gestão ................................................................................................................ 52
2.4.3 Tarefas e aptidões do gestor ............................................................................................ 53
CAPÍTULO .............................................................................................................................. 57
III .............................................................................................................................................. 57
PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PARTIDO POLÍTICO QUE FORMOU O GOVERNO
CESSANT COMO CONDIÇÃO NATURAL E NECESSÁRIA, NO ORDENAMENTO
JURÍDICO ANGOLANO ........................................................................................................ 57
3.1 Âmbito da prestação de contas dos Partidos Políticos no Ordenamento Jurídico Angolano
.................................................................................................................................................. 58
3.2. Fundamentação da necessidade da implementação e regulamentação da prestaçãode
contas do Partido Político que formou o governo cessante ...................................................... 61
3.3 Implicações inerentes a inexistência da prestação de contas DP Partido Político que
formou o Governo cessante ...................................................................................................... 72
CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 77
RECOMENDAÇÕES............................................................................................................... 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 79

VI
SIGLÁRIO
CRA - Constituição da República de Angola

CRP - Constituição da República Portuguesa

CRCV - Constituição da República de Cabo Verde

CRM - Constituição da República de Moçambique

LOEG – Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais

CC – Código Civil

PR – Presidente da República

Rev. - Revista

Cfr. - Conferir

Idem - o mesmo autor

Ibidem - na mesma obra

VII
RESUMO

O nosso trabalho, subordinado ao tema: A necessidade prestação de contas do Partido


Político que formou o Governo cessante, e os impactos da sua inexistência no ordenamento
jurídico angolano; visa apresentar o partido político como um dos pilares fundamentais da
Governação ao nível do Estado angolano, e por isso não deve ser ignorado pelo Direito, mas
pelo contrário, deve-se lhe prestar atenção, pois que é ele o concorrente nas eleições gerais e
consequentemente, torna-se no gestor público, o qual influência intensamente a política geral
do Estado. Porque o partido político que vence as eleições gerais ocupa uma posição
privilegiada na governação do Estado, apresentamos a necessidade de se implementar uma
prestação de contas ao partido político gestor no fim da gestão; e porque não existe a
respectiva prestação de contas, trouxemos como outra variante, que consubstancia-se nos
impactos da inexistência da prestação de contas ao nível do ordenamento Jurídica angolano,
deixando claro os seus efeitos na governação.

Palavras-chave: Governação, Prestação de contas, Partido Político, Governo cessante.

VIII
ABSTRACT

Our work, subordinated to thetheme: Theneed for accountability of the Political Party that
forms the outgoing Government, and the impacts of its non-existence in the Angolan legal
system; aims to presente the political party as one of the fundamental pillars of Governance at
the level of the Angolan State, and the refore should not be ignored by law, but on the
contrary, its hould be paid attention, since heis the competitor in the general elections and
consequently beomes the public manager, whichhasan intense influenceonthe general policy
of the State. Because the political party that wins the general elections occupies a privileged
position in state governance, we presente the need to implemente accountability to the
political party manager at the end of management; and because thereis no accountability, we
have brought as another variant, the impacts of the lack of accountability at the level of the
Angolan legal system, making clear its effects on governance.
Keywords: Accountability, PoliticalParty, OutgoingGovernment.

IX
INTRODUÇÃO
Este trabalho, sob o tema “a necessidade da prestação de contas do partido
político que formou o governo cessante e os impactos da sua (in)existência no ordenamento
jurídico angolano”, representa o epílogo de um processo de formação conducente ao grau de
Licenciatura em Direito, que foi ministrado no Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de
Benguela.
A gestão pública é o ponto de partida, e ela consiste no mecanismo usado pelos
Estados modernos para a manutenção financeira da nação, obedecendo a diferentes
características, dependendo dos princípios basilares que cada estado adota segundo o seu
regimento interno. O Estado angolano, obedece aos princípios republicanos e democráticos,
baseados na vontade do povo, fundada na soberania popular, soberania esta que pertence ao
povo, e que a exerce por meio do sufrágio universal, livre, igual, direto, secreto e periódico. É
conhecida a formulação de Lincoln quanto a essência da democracia: “governo do povo, pelo
povo e para o povo” e até hoje, considera-se ainda esta formulação como a síntese mais
lapidar dos momentos fundamentais do princípio democrático.
Significa que, sendo o povo o titular do poder político, cabe a ele delegá-lo de
forma legal e legítima à quem poderá colocá-lo em execução, pela óbvia impossibilidade de
exercê-lo ele mesmo. Em Angola, os únicos entes constitucionalmente reconhecidos como
aptos a manifestarem a vontade do povo são os partidos políticos investidos, constituindo a
governação do Estado angolano em monopólio partidário.
Deste ponto, considerando que é o povo quem atribui o poder de governação aos
partidos políticos, em forma de mandatos, e que estes mesmos partidos devem governar na
base da democracia, isto é, no interesse do povo, representando o povo, na base de uma
fiscalização. Entendemos que mediante a mesma democracia, o partido que chegasse a
governar a nação deveria prestar contas da sua governação no fim do seu mandato; dado o
facto de que governar é administrar e toda administração deve carecer de uma prestação de
contas do gestor perante o seu mandante e por isso o partido político governante deveria
prestar contas (mutatismutandis) como acontece nos contratos de representação jurídica, de
mandato, ou como acontece noutros tipos de contratos que comportam uma prestação de
contas.
Infelizmente, apesar da suma importância atribuída ao partido político governante
(manifestação da vontade pública), a Constituição da república de Angola (CRA revista) nada
diz a respeito da prestação de contas do partido governante no fim do seu mandato,

10
mencionando apenas a prestação de contas dos partidos políticos em relação ao uso de fundos
públicos, i é, exigindo aos partidos políticos a publicarem o seu património, contas, e
justificando o uso dos seus bens, sejam eles reais ou obrigacionais, independentemente do
exercício ou não do poder público (governação) ou assento no parlamento; mas que maior
relevo tem aquele duque este, omite completamente em pronunciar-se da sua implementação e
consequente regulação do seu regime jurídico, deixando uma lacuna a qual entendemos ser de
grande relevância ao nível jurídico.
Por isso, trabalharemos no sentido de chegar a questão, respondendo claramente
os quesitos que se demonstrarem ambíguos e trazer assuntos cuja matéria é de carácter novo,
capaz de fazer compreender a necessidade da implementação da prestação de contas do
partido que formou o governo cessante ao nível do ordenamento jurídico angolano.
Em função da natureza do tema que nos propusemos a abordar, trouxemos como
questão de partida: Qual é a ratio da implementação da prestação de contas do partido político
que formou o governo cessante no ordenamento jurídico angolano?
No intuito de desenvolvermos o tema em questão, traduzindo a ideia para os
leitores, temos como objectivos os seguintes:

Geral:

 Expor a ratio da implementação e regulamentação da prestação de contas do partido


político que formou o governo cessante.

Específicos:

 Evidenciar as consequências da falta da prestação de contas do partido político que


formou o governo cessante;
 Alertar da semelhança existente entre os contratos e as eleições gerais assim como as
obrigações do partido eleito;
 Apresentar os tipos de responsabilidades aplicáveis.
Para que os objectivos fossem alcançados, servimo-nos dos métodos teóricos,
empíricos, históricos e comparado.

Teórico:

 Indutivo-Dedutivo: Este método, de investigação, afirma um raciocínio que visa a


conexão de factos (conexão ascendente ou descendente) por meio de premissas, e será
11
usado no processo de investigação do nosso trabalho na medida em que procurarmos
adequar o tema as regras gerais do direito e vice-versa.
Empíricos:

 Pesquisa bibliográfica: Servir-nos-emos deste método para a recolha de matérias já


publicadas, de modo a recolher informações de livros, artigos e materiais
disponibilizadas na internet que serviram de conteúdo necessário ao nosso trabalho.
 Análise documental: Usaremos este método na medida que analisarmos todos os
documentos relacionados ao governo e prestação de contas em geral
 Histórico: Usaremos este método na medida em que procuraremos vestígios
históricos ligados ao nosso tema e nos servirmos dela, caso houver, de modo a achar
uma sequência lógica dos acontecimentos que fundamentem o tema em questão.
 Comparado: Com este método, procuraremos comparar ao nível de alguns
ordenamentos jurídicos existentes em diversos países, no intuito de determinar a
existência ou inexistência da figura da prestação de contas do partido político que
formou o governo cessante, ou institutos análogos.
 A Importância do tema em questão, está no fato de que acarreta no seu núcleo
elementos novos ou pelo menos recente, factos pouco debatidos que por causa da sua
relevância e delicadeza, urge a necessidade de ser levada à arena académica e
científica para poder ser traduzido e estudado com mais profundidade, tornando
possível a sua compreensão e adesão social. Acreditamos que com o tema em questão,
contribuiremos no desenvolvimento não apenas social, como também ao nível do
sistema jurídico angolano; explicitando o tipo de relação existente entre o povo e o
partido político governante, a sua responsabilidade, as consequências resultantes da
gestão danosa, as implicações resultantes da ausência da prestação de contas e as
vantagens jurídicas e sociais que poderão advir da sua implementação.
O nosso trabalho está constituído em três capítulos, os quais são: Capítulo I- A
república e a sua adopção pela maioria dos estados ao nível do mundo; CapítuloII- A
organização política, seu exercício e o seu modo de execução ao nível das repúblicas
democráticas; Capítulo III-Prestação de contas do partido político que formou o governo
cessante como condição natural e necessária, no ordenamento jurídico angolano.

12
CAPÍTULO
I
A REPÚBLICA E A SUA ADOPÇÃO PELA MAIORIA DOS
ESTADOS MODERNOS
1.1 Governação e sua finalidade

Segundo dicionário, a governação, cuja etimologia é o latim: Gobernatio + onis =


Gobernationis; “consiste no acto ou modo de governar um Estado”1. De fato a governação no
ponto de vista estadual, consiste em governar, em dirigir o Estado a determinado fim.
Marcelo Caetano, quanto a sua apreciação em relação a governação, afirma que,

“governar é uma função política comandada pelo interesse geral e que


se desenvolve para assegurar a unidade e a coesão nacional, visa
definir os ideias colectivos, escolher os objectivos concretos a
prosseguir em cada época e os meios mais idóneos para alcança-los,
manter o equilíbrio das tensões políticas e das forças sociais, garantir
a segurança do Estado e defender os interesses nacionais na ordem
externa”; e defini-o como sendo “as actividades dos órgãos do
Estado, cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade
política e a definição e prossecução dos interesses gerais mediante a
livre escolha dos rumos ou soluções considerados preferíveis”2.

Da definição de Marcelo Caetano, podemos subtrair duas variantes; uma Primeira


variante, que consiste nas actividades dos órgãos do Estado; e a segunda variante, que
consiste nos objectivos directo e imediato de conservar a sociedade política, definir e
prosseguir os interesses gerais. A primeira variante sugere o significado daquilo que vem a ser
a governação, e a segunda variante, sugere-nos aqueles que são as suas finalidades.

1.1.1 A governação enquanto actividade dos órgãos do estado

Caetano apresenta-nos a governação como sendo o conjunto de actividades dos


órgãos do Estado, isto é, aquelas actividades exercidas pelos órgãos políticos do estado, que
servem de meio para se alcançar os fins dos respectivos fins.
As actividades desenvolvidas pelos aparelhos (órgãos) do poder estatal, chamam-
se funções do Estado, e servem para promover e coordenar as tarefas concernentes a
prossecução dos seus fins3. As funções do estado não podem ser confundidas com as funções
dos seus diversos órgãos e agentes, as funções do Estado são processos a acção que se
diversificam em diversas actividades específicas, realizadas pelos seus órgãos e agentes, com
vista a alcançar os fins essenciais da comunidade política4.

1
Dicionário Moderno da língua Portuguesa, voz: “Governação”, Escolar Editora, Angola.
2
Marcelo CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2005, p. 8.
3
Cfr. António José FERNADES, Introdução a Ciência Política,3ª ed., Porto Editora, Portugal, 2010, p.107.
4
Cfr. Ibidem,p.108.
14
Relativamente as funções do Estado, existem várias teorias, mas dentre as quais
elas, escolheremos a Teoria Integral das Funções do Estado e a Teoria Orgânico-estrutural das
Funções do Estado5.
1. Teoria Integral das Funções do Estado defendida: Esta teoria foi apresentada pelo
professor Marcelo Caetano, pela qual tenta traçar um quadro que abrangesse
integralmente as diversas modalidades de actividades desenvolvidas pelos Estado
modernos6.
Segundo esta teoria, as funções do Estado dividem-se em Jurídicas e não
Jurídicas:
a) Funções jurídicas do Estado
I. Função legislativa Actividades dos órgãos do Estada que tem por objectivo directo e
imediato, estatuir normas de carácter e impessoais inovadoras da ordem jurídica;
II. Função executiva A actividade dos órgãos do Estado, que tem por objecto directo e
imediato, promover e assegurar o cumprimento das normas e aplicar sanções aos
infractores dela.

b) Funções não jurídicas do Estado


I. Função política, que é a actividade dos órgãos do Estado, cujo objectivo directo e
imediato é a conservação da sociedade política e a definição e prossecução do
interesse geral, mediante a livre escolha dos rumos ou das soluções consideradas
preferíveis;
II. Função técnica, que é a actividade dos agentes do Estado cujo objectivo directo e
imediato, consiste na produção de bens ou prestação de serviços destinadas a satisfazer
as necessidades colectivas de carácter material ou cultural, de harmonia com os
preceitos práticos tendentes a obter a máxima eficiência dos meios empregados.

2. Teoria Orgânico-estrutural das Funções do Estado: Para esta teoria, a função do


Estado, consiste no conjunto de actividades dirigidas à realização de cada um dos fins
que lhe incumbe; portanto, o Estado, para a realização dos seus fins, desenvolve
quatro funções distintas e, entre si, complementares e interdependentes em funções
políticas e funções técnicas.

5
Cfr. António José FERNADES, Op. Cit., pp. 110-115.
6
Cfr. Ibidem
15
a) Funções Políticas
I. Função governativa: A função governativa ou função política como designa Marcelo
de Sousa, “consiste em definir a actividade de direcção superior da colectividade
política”7.
“É a função exercida pelos dirigentes de um Estado, investidos a
determinar as orientações políticas gerais de um país, de assegurar
as suas relações diplomáticas, de regular os regulamentos
necessários a aplicações das leis, e de assegurar a execução das leis,
graças a disposição de uma força material de coerção e de serviços
administrativos apropriados”8.

II. Função Legislativa: A função legislativa, traduz-se na expressão formal da posição


que o Estado adopta a respeito dos diversos problemas inerentes à sociedade política.
É a função pela qual o Estado formula ou cria as regras de Direito Objectivo e
organiza instituições destinadas a assegurar a sua aplicação; e tais regras de conduta
impõem-se aos indivíduos que vivem em sociedade cujo respeito é considerado num
dado momento como a garantia do interesse comum, cuja violação implica uma
reacção colectiva de repressão (sanção organizada) contra o autor dessa violação.

b) Funções Técnicas
I. Função Administrativa: a função a administrativa, é aquela que engloba o conjunto
de actividades que o Estado desenvolve para proporcionar aos indivíduos os benefícios
concretos que determinam a constituição da sociedade política; é com esta função que
o Estado assegura aos seus cidadãos um certo número de serviços, destinados a
satisfação das necessidades colectivas de carácter material e cultural (por meio da
Administração Publica).
II. Função Jurisdicional: É a função que releva as acções empreendidas pelo Estado,
para solucionar os conflitos de interesses entre partes, por meio dos tribunais. Ela
consiste no julgamento de litígios resultantes de conflitos de interesses privados ou
públicos e privados, bem como na punição da violação da Constituição e das leis,
através dos órgãos entre si independentes; colocados numa posição de passividade e
imparcialidade, e cujos titulares (os Juízes) não movíveis, e em princípio, não podem
ser sancionados pela forma como exercem a sua actividade9.

7
Cfr. Marcelo Rebelo DE SOUSA e Sofia GALVÃO, Introdução ao Estudo do Direito, 5 ed., Lex, Lisboa,
2000, p. 31.
8
António José FERNANDES, op. cit.
9
Cfr. Marcelo Rebelo de SOUSA e Sofia GALVÃO, op. cit., pp. 31-32.
16
Relativamente a estas duas teorias, a doutrina maioritária prefere esta última
(Teoria Orgânico-estrutural das Funções do Estado), por ser mais sólida em relação àquela;
por isso, pelos mesmos motivos, também sufragamos esta teoria, cujas funções apresentadas
são: Função Governativa, Legislativa, Função Administrativa e a Função Jurisdicional.
Como se percebe dentre as funções do Estado, apenas uma possuem o cariz de
direcção superior da colectividade; que é a função Governativa. A função governativa, é
exercida pelo órgão de carácter político, os quais são o Chefe do Estado, o Governo e o
Parlamento10; são estes órgãos que de fato, dentro de um Estado exercem a governação.
a) Chefe de Estado: O chefe de estado é um dos órgãos supremo que garante a unidade
estadual, o qual pode revestir um carácter singular (nas monarquias ou nas
Repúblicas), ou colegial (os duúnviros e triúnviros), cuja designação do seu titular
pode ser por herança (nas monarquias), por cooptação (nas chefias colegiais), e por
sufrágio universal, ou restrito (pelas assembleias respectivas por um colégio eleitoral)
As suas funções variam de país para país, consoante a época, e pode restringir-se
em mera prestação protocolar da unidade política do Estado nas relações internacionais, como
compreender o exercício efectivo na autoridade do domínio governativo. 11 Em Angola, as
funções do Chefe de Estado consistem em: Convocar as eleições gerais e as eleições
autárquicas, nos termos estabelecidos na Constituição e na lei, dirigir mensagens à
Assembleia Nacional, promover junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva e
sucessiva da constitucionalidade de actos normativos e tratados internacionais, bem como de
omissões inconstitucionais, nos termos previstos na Constituição, nomear e exonerar os
Ministros de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado e os Vice-Ministros, nomear o
Juiz Presidente do Tribunal Constitucional e demais Juízes do referido Tribunal, nomear o
Juiz Presidente do Tribunal Supremo, o Juiz Vice-Presidente e os demais Juízes do referido
Tribunal, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial, nomear o Juiz
Presidente do Tribunal de Contas, o juiz Vice-Presidente e os demais Juízes do referido
Tribunal, nos termos da Constituição, nomear o Juiz Presidente, o Juiz Vice-Presidente e os
demais Juízes do Supremo Tribunal Militar, nomear e exonerar o Procurador-Geral da
República, os Vice Procuradores Gerais da República e os Adjuntos do Procurador-geral da
República, bem como os Procuradores Militares junto do Supremo Tribunal Militar, sob
proposta do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, nomear e exonerar o
Governador e os Vice-Governadores do Banco Nacional de Angola, nomear e exonerar os

10
Cfr. António José FERNADES, op. cit., p. 115
11
Cfr. Ibidem, p.123
17
Governadores e os Vice-Governadores Provinciais, convocar referendos, nos termos da
Constituição e da lei, declarar o estado de guerra e fazer a paz, ouvida a Assembleia Nacional,
etc12.
b) O Parlamento: O Parlamento, consiste na reunião de cidadãos representantes do povo,
em assembleia, que podem ser designados por um Chefe de Estado (nas Estados de
sistema semipresidencialista), por sufrágio universal directo, ou por um colégio, para
decidirem sobre as questões fundamentais da colectividade política; cuja natureza,
funções e funcionamentos, variam, até mesmo em Estados com sistema constitucional
semelhantes13.
A variação da natureza, funções e funcionamento, depende de vários factores, tais
como: a estrutura vertical do Estado (federações, Estados Unitários Centralizados e
descentralizados), o sistema eleitoral (maioritário ou de representação proporcional), o
sistema partidário (mono partidarismo, bipartidarismo ou pluripartidário) e o sistema de
governo (Parlamentar, Semi-presidencial ou Presidencial)14.
As funções do Parlamento no Estado Angolano são: Aprovar alterações à
Constituição, nos termos da presente Constituição, aprovar as leis sobre todas as matérias,
salvo as reservadas pela Constituição ao Presidente da República, conferir ao Presidente da
República autorizações legislativas e apreciar, para efeitos de cessação de vigência ou
modificação, os decretos legislativos presidenciais autorizados, nos termos da lei, apreciar,
para efeitos de conversão em lei ou rejeição, os decretos legislativos presidenciais provisórios,
aprovar o Orçamento Geral do Estado, fixar e alterar a divisão político-administrativa do país,
nos termos da Constituição e da lei, conceder amnistias e perdões genéricos, pronunciar-se
sobre a possibilidade de declaração pelo Presidente da República de estado de sítio ou estado
de emergência, pronunciar-se sobre a possibilidade de declaração pelo Presidente da
República de estado de guerra ou de feitura da paz, propor ao Presidente da República a
submissão a referendo de questões de relevante interesse nacional, aprovar para ratificação e
adesão os tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais que versem
matéria da sua competência legislativa absoluta, bem como os tratados de participação de
Angola em organizações internacionais, de rectificação de fronteiras, de amizade, de
cooperação, de defesa e respeitantes a assuntos militares, aprovar a desvinculação de tratados,
convenções, acordos e outros instrumentos internacionais, promover o processo de acusação e

12
Cfr. art. 120º CRA 2010 (rev)
13
Cfr. António José FERNANDES, op. Cit., p. 125
14
Cfr. Ibidem
18
destituição do Presidente da República, nos termos previstos nos artigos 127º e 129.º da
presente Constituição e desempenhar as demais funções que lhe sejam cometidas pela
Constituição e pela lei; e ainda as funções de controlo15.
Dentre todos estes órgãos que exercem a função governativa, destacamos o
Governo, no intuito de abordarmos mais concretamente do seu titular como o manifestador da
vontade do respectivo órgão, mostrando a sua natureza e as suas responsabilidades como
gestor.
c) O Governo: O Governo é o terceiro órgão que exerce o poder governativo dentro do
Estado, o órgão citado, tem a função principal de conduzir a política geral do país e
superintender a Administração Pública16; cuja formação e competências depende de
Estado para Estado.
Nos Estados com sistema de governo Parlamentar, o Governo é um órgão de
soberania, formado pelo parlamento, é responsável perante o respectivo Parlamento, e é
composto pelo Primeiro-ministro (o chefe de Governo), Ministros e Secretários de Estado17.
Nos Estados com sistema de governo Semi-presidencial, o governo é formado
pelo chefe de Estado, constituído pelo Chefe de Estado (o Chefe de governo), Primeiro-
ministro, pelos Ministros e Ministros de Estado; e o Governo Responde perante o Chefe de
Estado.
Nos Estados com sistema de governo Presidencial, o Governo não consta na lista
dos órgãos de soberania18. A CRA, em nenhum momento refere em seus preceitos o Governo,
mas refere-se em relação ao Executivo19. A CRA, determina que o PR é o titular do poder
executivo, auxiliado por um Vice-presidente, Ministros e Ministros de Estado20, significando
que estas só exercem os poderes delegados pelo PR.
Em todos os Estados, existe um Governo, o que significa que nos países onde
impera o sistema político presidencialista, também existe. Diogo Freitas e Carlos Feijó, apesar
de não identificarem o Governo no respectivo sistema, afirmam que ao nível internacional, o
PR é o Chefe de Governo, e titular do poder executivo ao nível interno21.

15
Cfr.António José FERNANDES, op. Cit., pp. 162-163.
16
Cfr. José Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, Coimbra,
p. 460
17
Cfr. António José FERNANDES, op. Cit., p. 130.
18
Cfr. Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, Direito Administrativo Angolano, Almedina, Coimbra,
2016, p. 251.
19
Ibidem, p. 252.
20
Cfr. art 108º CRA 2010 (rev).
21
Cfr. Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, Direito Administrativo Angolano, Almedina, Coimbra,
2016, pp. 251-252.
19
Nós anuímos esta posição, e ainda acrescentamos as seguintes ideias:
1. Por mais que não existe a menção do Governo na CRA, servimo-nos do Direito
comparado para localiza-lo, determinando as competências do Governo.
Em relação as competências do Governo, trazemos a tona, as principais competências do
Governo, presentes do Governo Cabo-verdiano e do Governo Português, onde existe o
Governo identificado como órgão de soberania. Nestes Estados, as competências do Governo
consiste em:
a) Definir e executar a política geral interna e externa do país; (art. 202º nº1, al. a)
CRCV; art. 200 º nº1, al. a); 197º, al. b) CRP);
b) Propor à Assembleia Nacional o Orçamento do Estado, e aprova-lo (202º, al. d)
CRCV; 199º, al. b) CRP);
c) Dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar,
superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a
administração autónoma (art. 204º, al. c) CRCV; 199º, al. d), CRP)
d) Garantir o respeito pela legalidade democrática (204º, al. e), CRCV; 199º al. f) CRP);
e) A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência; a declaração de guerra e
a feitura da paz (202º nº 2 al. a) e b) CRCV; 197º al. f) e g), CRP).
Usando estas competências como detector do Governo no ordenamento Jurídico
Angolano, percebemos que tais competências pertencentes ao PR (120 CRA)22. Esta lógica
faz-nos entender que porque as competências do governo são executados pelo PR,
entendemos que diferente dos outros sistemas, no sistema presidencial o Governo é um órgão
unipessoal e está acumulado ao PR.
2. Executivo não é sinónimo de Governo, o executivo é o executor das decisões do órgão
Governante “Governo”, ou seja, executa as decisões do PR.

1.1.2 Finalidade da governação com objectivo de conservar a sociedade política,


definir e prosseguir os interesses gerais

Agora importa-nos a vertente teleológica da governação; quais fins a governação


prossegue?

22
Cfr. art 120, a), b), h), i), j); 121, CRA
20
São os órgãos do Estado que agem no intuito de manifestarem a vontade do
Estado, pois que é este que pretende alcançar os respectivos fins, e aqueles colaboram para
que tais fins sejam alcançados23.
Como já vimos na definição de Marcelo Caetano, aquelas funções realizadas pelos
órgãos do Estado, visam diversos fins, os quais elencou a unidade nacional, a escolha dos
objectivos concretos em cada época, e os meios idóneos para alcança-los, manter o equilíbrio
das tensões políticas e das forças sociais, garantir defesa do Estado e por fim defender os
interesses do Estado ao nível externo; constituindo-se tais fins, em fins públicos ou comuns.
Ao nível do Direito Constitucional, tem-se apresentado três fins, que constituem
os fins efectivos dos Estados; os quais aglutinam aqueles apresentados por Marcelo Caetano;
e eles são a segurança, a justiça e o bem-estar económico e social24:
a) Segurança: A segurança é um dos grandes fins prosseguidos pelo Estado, pois que ela
assegura o Estado externamente de todas as entidades agressoras no plano
internacional, no plano das pessoas e no plano do poder; e internamente, na
manutenção da ordem pública, da segurança de pessoas e bens, na prevenção e
repressão de danos de bens sociais, para alem da própria aplicação geral do Direito.
Faltando este elemento em determinado Estado, a comunidade política viverá em
medo e angústias constantes, causados pela eminência de desrespeitos as suas esferas
jurídicas, pelas instabilidades dos actos praticados e da durabilidade dos seus efeitos, das
eminentes evasões estrangeiras e de todos os tipos de violências imagináveis, ao nível interno
ou provindo dos estrangeiros.
b) Justiça: A Justiça é outro fim prosseguido no âmbito da governação, e ela apresenta
duas vertentes:
I. Justiça comutativa: é aquela que se impõe a estabelecer as relações de igualdade,
abolindo as situações de privilégio, com uniformes critérios de decisão;
II. Justiça distributiva: é aquela que se impõe a dar a cada um o que lhe pertence pelo
mérito ou pela sua situação real, numa visão não necessariamente igualitarista.
Sabe-se que o ser humano é naturalmente egoísta e maldoso na maioria das vezes
quando se relaciona com outros da suas espécies, por isso aparece a justiça como padrão de

23
Cfr. Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, o., cit., p. 144
24
Cfr. Jorge Barcelar GOUVEIA, Direito Constitucional de Angola, IDILP-Instituto do Direito de Língua
Portuguesa, Lisboa, 2014,p.131.
21
acção; fazendo que se evite todos os actos que causem injustiça, no intuito de garantir a
certeza e segurança jurídica dentro do estado25.
c) Bem-estar: O bem-estar, é outro fim do Estado que também possui duas vertentes; as
quais são:
I. Bem-estar económico é aquela que possibilita a provisão dos bens que o mercado não
pode fornecer, ou não pode fornecer satisfatoriamente; e
II. Bem-estar social, que visa a prestação de serviços sociais e culturais a cargos do
Estado, normalmente desinserido no mercado.
Estes fins, também são as causas que motivaram a criação da comunidade política
Estado, tudo porque as sociedades viam-se expostas ao perigo, a discricionariedade e
instabilidade nas decisões e as dificuldades económicas e sociais; por isso, criou-se um ente
superior que resolvesse estes problemas da colectividade, que garantiria a justiça, a segurança
e o bem-estar económico-social.
O Estado, para a prossecução dos respectivos fins, serve-se de meios coercivos,
obrigando a cada membro da sociedade a obediência dos ditames pré-estabelecidos por meio
dos ditames legais.26
O Estado uma vez instituído, criou-se órgãos que servem de cabeça, tronco e
membros, para manifestarem a vontade do respectivo Estado; onde os órgãos cabeça dirigem
o destino de todos. No âmbito estadual, os órgãos que dirigem ou governam o Estado, são
aqueles que exercem o poder político; e eles são o Chefe do Estado, o Governo e a
Assembleia da República 27 , que por sua vez são dirigidos por pessoas singulares que
(dependendo do sistema de governo) são ou não (pelo menos em um dos órgãos) vinculados
aos partidos políticos.

1.2 Formas de Governo

Quando falamos de formas de governo, referimo-nos ao modo como um


determinado governo organiza e divide seus poderes e, sobretudo, como aplica o poder sobre
quem é governado; elas consistem na política de governação adoptada na organização das
nações.
Vários autores debruçaram-se sobre as formas de governos no intuito de acharem
a melhor forma que resolvesse os dilemas e vícios inerentes ao exercício do poder por parte

25
Cfr. Jorge Barcelar Gouveia, op. cit., p. 230.
26
Cfr. António José Fernandes, op. cit. p. 115.
27
Ibidem.
22
dos governantes em relação aos governados, e por isso, cada um deles em função da sua
cosmo visão, formulou teorias que dessem respostas à questão.
Os vários autores interessados nessa temática, não foram todos contemporâneos,
pelo contrário estiveram distribuídos ao longo tempo, desde a idade clássica ate a idade
contemporânea. Dentre vários autores, seleccionaremos aqueles cujas contribuições foram
mais decisivas nas formulações das formas de governos existentes e as respectivas indicações
das melhores formam.

1.2.1 Formas de Governo segundo os filósofos e teóricos políticos

a) Platão (Idade Clássica)


Platão, natural de Atenas e discípulo de Sócrates, foi o primeiro na Grécia antiga a
formular diferentes formas de governo; ele apresenta-nos cinco formas28:
I. Monarquia: é a forma de governo em que o poder se centra em uma única pessoa,
exercido no interesse comum; que poderia ser uma sofiocracia quando o poder é
exercido por um rei filósofo;
II. Tirania: quando poder é exercido de forma absoluta por apenas um homem, violento e
sem luzes da filosofia;
III. Oligarquia: é a forma de governo em que o poder político está concentrado num
pequeno número pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou
grupo económico ou corporação, poderia ser uma timocracia se o poder fosse tomado
pela classe de guardas (baseado na sua cidade ideal e utópica), e se instalar o
predomínio de espírito de guerra sobre a soberania;
IV. Plutocracia: governo de uma minoria de ricos baseados na prossecução de interesses
pessoais voltado contra os pobres;
V. Democracias: governo da maioria, sendo a mais detestada por Aristóteles por
considerar as massas como incapazes de possuir a verdade, a razão e a sabedoria.
Para Platão, o melhor governo é o da sabedoria, da razão, da inteligência e a
forma de governo ideal é a monarquia sofiocrática (governo do rei filósofo, sofiocrata).
Entendia Platão que o poder poderia ser entregue àqueles que sabem, aos mais instruídos

28
Cfr. Diogo Freitas do AMARAL, História das ideias políticas, Vol I, Almedina, Coimbra, 2009, p.101.
23
pelas ciências políticas e filosóficas capazes de responderem adequadamente em cada
circunstância29.

b) Aristóteles (Idade Clássica)


Aristóteles de Estagira (Macedónia), discípulo de Platão, trouxe grandes
contributos a respeito das formas de governo, contribuições que as gerações subsequentes
repetiram durante séculos. Para Aristóteles, não existe uma forma legítima de governo ou
conveniente; para ele todos os governos que tenham por fim a utilidade comum dos cidadãos
são bons, e todos aqueles que só tendem para o benefício particular dos homens que
governam estão no caminho errado30.
Aristóteles classifica as formas de governo em formas sãs e formas degeneradas
(ou puras e impuras).
1º. Formas sãs (ou puras) de governo:
I. Monarquia: Governo de um só homem exercido no interesse comum;
II. Aristocracia: Governo da minoria exercido no interesse comum;
III. República: Poder político detido pelo povo e governo da maioria.
2º. Formas degeneradas (ou impuras) de governo:
I. Tirania: Governo de um só, exercido de forma violenta e no interesse exclusivo do
monarca;
II. Oligarquia: governo da minoria exercido no interesse dos ricos;
III. Democracia: Governo da maioria exercido somente no interesse dos pobres.
Uma vez que o governo é a autoridade suprema nos Estados, entende Aristóteles
que esta autoridade suprema, necessariamente tem de estar nas mãos de um só homem, de
vários homens ou nas mãos da multidão; daí que quando um só, vários ou a multidão usam da
autoridade de acordo com a utilidade comum, esses governos têm necessariamente de ser
bons; mas aquele que usam do poder senão no interesse de um só ou vários ou da multidão,
são desvios em relação a esses bons governos.
Aristóteles não apresentou melhor forma de governo, pois, entende que a resposta
não pode ser a mesma para todos os países e para todas as épocas por causa das variações
políticas em razão do tempo e do espaço. Defende Aristóteles que cabe a ciência política
procurar a melhor forma de governo em função das condições perfeitas e desejáveis que
convenham mais a este ou aquele povo.
29
Cfr. Diogo Freitas do AMARAL, Op. Cit., p.123
30
Cfr. Ibidem, pp.125-127.
24
c) Maquiavel (Idade Moderna)
Diferente de outros autores que trouxeram uma classificação tripartida, Maquiavel
traz uma classificação bipartida das formas de governo as quais são31:
I. Principados: Governo dirigido pela vontade de um só indivíduo (soberano singular).
II. República: Governo dirigido por uma vontade colectiva, seja de poucos, seja de
muitos (soberano colectiva).
Apesar de Maquiavel apresentar uma classificação bipartida das formas de
governo, ele faz uma correspondência com as classificações tripartidas ora apresentadas pelos
autores que o antecederam (Platão, Aristóteles e outros), no sentido de adequa-las umas às
outras, isto é, ao principado, defendido por ele, correspondia a monarquia defendido por
aqueles; e a república abrange tanto a aristocracia como a democracia dos referidos clássicos.
Para Maquiavel, a república poderia ser aristocrática ou democrática (popular) como temos
hoje, ou seja, a aristocracia e a democracia têm por base a república, e sobre ela se
desenvolvem as suas orientações; e por isso destacou a república em aristocráticas populares
ou democráticas32.
Repúblicas aristocráticas: Consiste na combinação entre a república e a
aristocracia, onde aquela é a base; caracterizado pelo governo da minoria designada pela
maioria para a administrar, gerir e governar os assuntos públicos do Estado, no interesse
público.
Repúblicas populares ou democráticas: É o resultado da combinação entre a
república e a democracia, onde aquela é a base; cujo puder é originário do povo e o governo é
exercido pela maioria e no interesse público. Maquiavel não apresentou formas boas ou más
de governo, como que servindo-se da moral para tal, nem tão pouco a legitimidade ou
ilegitimidade; pois que para ele não existe uma melhor forma de governo, mas sim, uma mais
conveniente que outras conforme as circunstâncias. O fato de Maquiavel não aprestar uma
melhor forma de governo, não significa que não tenha inclinações, por isso, em relação as
formas der governo por ele apresentadas, inclina-se mais à república (à forma republicana de
governo), não por critérios morais mas por conveniências políticas33.

31
Diogo Freitas do AMARAL, Op. Cit, pp.202-204.
32
Ibidem
33
Ibidem, p. 204
25
1.2.2 Forma de governo adoptado pelos estados contemporâneos

Desde a sua génesis, os estados sempre procuraram uma forma de uso do poder
político que seja justo à todos os seus membro, que beneficie a nação inteira; por isso os
grandes filósofos e teóricos políticos debatiam sobre a política, o governo e a melhor forma de
governo. Os Estados (não unicamente no sentido contemporâneo de estado) experimentaram
diversas formas de governo; e por conta das experiências adquiridas ao longo do tempo,
foram preferindo umas em relação a outras.
Como vimos acima, o debate sobre a (melhor) forma de governo na época clássica
visava a procura da melhor forma de governar o Estado, e caso a encontrassem, seria esta
aplicada aos Estados. Contrariamente aos clássicos, Maquiavel trouxe apenas a conveniência
das formas de governo em relação a cada circunstância que envolvesse determinado Estado; e
é esta ideia que pela sua maleabilidade, foi adoptada pelos estados.
Hodiernamente, a unicidade nas formas de governo entre os estados não é um
fato, e cremos que também não o foi em outras épocas; pois que baseados na soberania, cada
estado escolheu a forma que mais lhe convinha, aquela que mais trazia o senso de justiça entre
seus membros. Dentre as formam apresentadas pelos teóricos, a maioria dos Estados
acolheram a república, a forma republicana de governo, por entenderem que é a forma que
mais se adequados aos seus interesses e que facilita a acesso e a aplicabilidade da justiça por
um lado, e garantidor do respeito pelos seus membros de forma individual e colectiva por
outro lado.
Há registos de Estado (s) monárquico (s), que despensa (m) a república como
forma de governo; o que não significa excepção a regra como se a forma republicana de
governo fosse a regra na época contemporânea, mas apenas conveniência como defende
Maquiavel, pois que para este não existe uma forma de governo perfeita, mais uma que seja
conveniente em função das circunstâncias, e baseados na soberania, cada Estado tem o poder
de escolher a forma de governo que mais lhe convier34.

1.2.3 Forma de governo adoptada pelo Estado angolano

Desde 1975, ano em que foi proclamada a independência de Angola até aos dias
actuais, o Estado angolano sempre adoptou a república como forma de governo, esteve

34
Jorge Barcelar GOUVEIA, op. cit., p. 245.
26
presente na Constituição de 1975, de 1992 até na de 2010 (revista) que vigora até a presente
data.
1. Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975
O Estado angolano, por meio da sua Constituição, vem adoptando a república
como forma de governo (desde a proclamação da independência) que devia vigorar nos
limites da sua circunscrição; e apesar de não ser acusado directamente, de ser uma república,
nos termos da Lei Constitucional de 1975, a sua redacção “A república popular de Angola é
um Estado soberano, independente e democrático, cujo primeiro objectivo é a total libertação
do povo angolano dos vestígios do colonialismo …” dá-nos a percepção de que tratava-se de
uma república35.
2. Lei Constitucional de 1992
Não existiu nos preceitos constitucionais de 1992 uma norma que consagrasse ou
determinasse directa e taxativamente o Estado angolano como sendo uma república, mas
bastava olhar para os preceitos legais que compunham os princípios fundamentais da lei
constitucional de 1992 para perceber que Estado angolano estava baseado na forma
republicana de governo, e como exemplos destacamos os artigos 1º, 2º, 8º, 15º, 16º, 17º, e
outros tantos espalhados na referida lei.
3. Constituição de 2010 (Revista)
Diferente da Lei constitucional de 1992, a constituição de 2010 (rev) qualifica
expressamente o Estado angolano como sendo uma república: Angola é uma República
soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo
angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa,
democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social (art.1º, primeira parte). Este fato,
de longe sana qualquer dúvida sobre qual forma adoptada pelo Estado angolano, e por isso
despensa qualquer esforço no sentido de provar tal facto. Importa salientar que o legislador,
percebendo da extrema importância da referida forma de governo, não evitou esforços para
sua salvaguarda, pelo contrário, garantindo a sua segurança e permanência decidiu enquadra-
lo dentre os limites materiais de revisão constitucional, de forma a perpetua-la36.

35
Cfr. Art 1º, Lei Constitucional de 1975.
36
Cfr. Art. 236, c), CRA 2011 (revista)
27
1.2.4 Formas de governo adoptadas por outros Estados
Para além do estado angolano, outros países adoptaram a forma republicana de
governo como modelo de governo; dentre os quais podemos destacar o Estado Cabo-verdiano,
Estado Moçambicano e o Estado português.

1. Estado Cabo-verdiano
Obviamente, são as constituições estaduais que determinam a forma de governo
vigorante no respectivo Estado; o Estado cabo-verdiano não é excepção, e a Constituição
Cabo-verdiana determina o seguinte: Cabo Verde é uma República soberana, unitária e
democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a
inviolabilidade e inalienabilidade dos Direitos do Homem como fundamento de toda a
comunidade humana, da paz e da justiça37.
Interessa-nos a apenas a primeira parte da redacção: Cabo Verde é uma República
Soberana…. Tal como vimos na Constituição angolana, a Cabo-verdiana também é directa no
âmbito da determinação da forma de governo adoptada pelo Estado, e a forma é a republicana,
por isso agrega todos os valores republicanos, os quais os atores públicos devem respeitar
durante o exercício do poder político estadual.
O resto da redacção do citado artigo, espelha os valores do Estado republicano,
que vão desde a democracia (que constitui o corolário da república), o respeito pela dignidade
da pessoa humana, por este ser o centro das actividades do Estado, os direitos humanos, até a
paz e a justiça como fim último dos Estados Democráticos e de Direito.

2. Estado Moçambicano
A Constituição Moçambicano não determina directamente a forma de governo
adoptada pelo Estado, mas na sua redacção, designa directamente o Estado como sendo uma
república: A República de Moçambique é um Estado independente, soberano, democrático e
de justiça social; A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo
de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e
liberdades fundamentais do Homem38.
Apesar de não haver uma norma que determine directamente a forma de governo
adoptado, o princípio das redacções dos artigos acima levam-nos a entender que trata-se de

37
Cfr. Art. 1º, nº 1º, Constituição da República de Caba-Verde
38
Cfr. Art. 1º e 3º, Costituição da República de Moçambique
28
um estado republicano, ou seja, deve-se inequivocamente concluir que Moçambique é um
Estado que adoptou a república como forma de governo, e por isso, também agrega os valores
republicanos.

3. Estado português
A constituição portuguesa, possuindo a redacção do artigo 1º semelhante a da
constituição angolana, ela determina claramente que Portugal é uma república: “Portugal é
uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e
empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”39. Sendo uma república,
também agrega os valores republicanos, onde alguns deles encontram-se figurados ao longo
da redacção do artigo citado.

1.3 Forma Republicana De Governo

República traduz-se uma comunidade política, uma unidade colectiva de


indivíduos que se auto determina politicamente através de manutenção e criação de
instituições políticas próprias, assente na decisão e participação dos cidadãos no Governo. A
auto governação, é condição de soberania popular, e para que haja um auto governo, deve-se
obedecer três regras: (1) uma representação territorial; (2) um procedimento justo de selecção
dos representantes; (3) uma deliberação maioritária dos representantes, limitados pelo
reconhecimento prévio dos direitos e liberdades dos cidadãos40.
A título de exemplo, temos a República Romana da época pré-clássica, período
que vai de 509 a.C. a 27 a.C., caracterizado como o período do nascimento da República
Romana (de res + publica: coisa pública ou coisa do povo) que surge com a expulsão do
último rei etrusco, Tarquínio, o soberbo, deposto pela classe patrícia, pois que o seu reinado
tinha assumido carácter tirânico, e no seu lugar, foram eleitos dois Cônsules, aos quais foram
atribuídos supremo poder (suma potesta)41.
Com o surgimento da república como forma de governo, os romanos tiveram de
criar uma forma republicana de governo; e para isto, os romanos desconcentraram os poderes
públicos de uma só pessoa e os distribuíram em órgãos autónomos criados para a
administração dos bens públicos no interesse público, evitando os acessos de poderes à um

39
Cfr. art. 1º CRP
40
Cfr. José Gomes CANOTILHO, Op. Cit. p.224.
41
https://www.todamateria.com.br/republica-romana/
29
único indivíduo, como se de alguma forma tivesse mais legitimidade em relação aos demais
cidadãos.
Os órgãos criados para a descentralização e desconcentração de poderes, tiveram
por base as providências de contrapeso, a quando das decisões de extrema importância ao
nível estadual, quer sejam nos âmbitos civil, político ou militar, tendo como limite de
actuação de cada órgão o princípio da legalidade42.
Apesar de ela não ter o alcance de república actual, visto que na época, nem todos
detinham direitos de cidadania (como os plebeus) e nem de participação política (e tal
realidade também acontecia na Grécia, o que nos leva a entender que era uma característica
das repúblicas antigas); o Estado romano obedecia as bases da República e estarreceu os
princípios da forma republicana de governo, os quais eram a separação de poderes, instituição
de órgãos públicos, periodicidade na titularidade dos órgãos públicos, respeito pela dignidade
da pessoa humana, o respeito pelo princípio da legalidade, das liberdades, da igualdade entre
os indivíduos e entre outros.
José Canotilho entende que porque a república assume-se como respublica,
respopuli, exclui qualquer título de legitimação metafísica; abrangendo não apenas as
tradicionais de domínio de carácter dinástico hereditário, divino ou divino-dinástico como
também as modernas, assentes na vontade do chefe, do partido único ou de deus; pois que a
república é uma ordem de domínio de pessoas para pessoas sujeito a deliberação política de
cidadãos livres e iguais43.
Entende ainda o mesmo autor que a forma republicana de governo está associada
a ideia de democracia deliberativa; entendendo-se por democracia deliberativa como uma
ordem política na qual os cidadãos se comprometem: (1) a resolverem colectivamente os
problema colocados pelas suas escolhas colectivas através das funções públicas; (2) aceitar
como legítimas as instituições políticas de base, na medida em que estas constituem o quadro
de deliberações públicas tomadas com toda a liberdade44.
A forma republicana de governo, pressupõe ainda, o uso do poder público do
Estado no interesse da colectividade, pois que é o povo o titular do Estado, e por isso os
assuntos públicos devem ser tratados com publicidade e no interesse público. A forma
republicana de governo, afasta toda e qualquer tentativa de governo na vontade singular,
como se dá nas Monarquias onde o monarca é, não apenas o titular de todos os poderes do

42
Cfr. José Gomes CANOTILHO, Op. Cit., p. 229.
43
Cfr. Ibidem.
44
Cfr. Ibidem.
30
Estado, como também é o titular do próprio Estado em si, sendo ele o suma potesta ao nível
Estadual. Na República, o Estado pertence ao povo, bem como os respectivos poderes (podre
político do Estado), os interesses a prosseguir são públicos, e o povo controla o exercício do
poder em relação ao executor.

1.3.1 Critérios da forma republicana de governo

1. Estrutura político-organizatória garantidora das liberdades cívicas e políticas:


Este critério aponta para a criação de órgão, competências e funções dos respectivos
órgãos políticos para balanceamento, de freios e contrapesos (cheks and balances) que
sirva como um esquema de organizatório controlo de poder.45
2. Regime de liberdades: Consubstancia-se na atribuição de liberdade aos cidadãos, não
apenas uma liberdade, mas várias liberdades que vão desde as liberdades de natureza
pessoal, de participação política, liberdades de defesa individual, entre outros.
3. Respeito pela dignidade da pessoa humana: Respeitar a dignidade da pessoa
humana, significa reconhecer o indivíduo como o limite e fundamento do domínio
político da república, ou seja, na república o homem é o centro, e é a república que
serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos políticos organizatórios (a
república)46.
4. Legitimação do poder político: A legitimação do poder político pressupõe que a
aquisição e o exercício do poder político estadual, deve obedecer aos critérios legais; e
a forma legítima da aquisição e exercício do referido poder ao nível do ordenamento
jurídico angolano, é a eleição geral; tornando-se ilegítimas todas as outras formas de
aquisição, execução e manutenção do poder47.

1.4 Modos de acender à governação

Falar de governação ou da aquisição e exercício da respectiva actividade ao nível


estadual, leva-nos automaticamente a falar de política, e este do poder. A política, como
define Freitas do Amaral: é uma actividade humana de tipo competitivo, que tem por

45
José Gomes CANOTILHO, Op. Cit., p. 223.
46
Cfr. Ibidem, p.225.
47
Cfr. Art. 3º. nº1; 4º., nº 1 e 3; 106º, CRA (2010 rev).
31
objectivo a conquista e o exercício do poder48; e o poder segundo Xenofonte: a faculdade de
mandar e capacidade de se fazer obedecer49.
Com isso, podemos definir em termos básicos, a governação como sendo o
exercício do poder político estadual numa determinada circunscrição territorial (Estado),
consiste no uso da prerrogativa governativa atribuída pelo Estado à um indivíduo ou ente, a
fim de administrar, dirigir, gerir e governar o respectivo Estado.
Ascender à governação, consubstancia-se no fenómeno de aquisição do poder
político Estadual; e os modos (de ascender), nas formas e mecanismos ou meios usados para
se chegar ao referido poder político.
Imbuídos pelo carácter de moralidade, equidade, modéstia, intelectualidade e bom
censo, a política Clássica apregoava a ética na forma de aquisição e o exercício do poder,
estabelecendo limites na actuação dos políticos por meio de leis naturais ou sociais, visando
um governo justo e pacífico 50 . Na idade moderna por sua vez, marcada pelas ideias de
Maquiavel, houve uma grande mudança no pensamento político, e consequentemente na
forma ideal de aquisição do poder político; invertendo-se todos valores que norteavam a
política até aos dias de hoje51.
No seu pensamento político, Maquiavel, ignora todos os valores ideias apregoadas
na idade clássica a respeito da aquisição do poder e sua execução e manutenção, e apresenta
as suas ideias com valores reais do exercício da política; trazendo de fato os actos que
realmente levam ao poder e que mantém o referido poder (segundo Maquiavel). Tais
pensamentos foram apresentados em um livro denominado “O principe”, escrito entre 1513-
1514, mas publicada em 1531 quatro anos depois da sua morte; no qual afirmou Maquiavel,
ter o conhecimento das acções dos grandes homens, conhecimento tal adquirido pela
experiência das coisas modernas e as leituras atentas das coisas antigas; o que lhe permitiu
formular regras de acção (dos e) para governantes por um lado, e por outro, possuir o
conselho sobre o modo de adquirir o poder e sobre o modo de conservar o poder quando
recentemente adquirido52
Quanto as formas de ascender à governação, Maquiavel em seu livro “O
Príncipe”, trás uma fórmula completamente diferenciada e revolucionária em relação as ideias
até então apresentadas pelos teóricos políticos, afirma ele que o fim último da política é a

48
Diogo Freitas do AMARAL, Op. Cit., p. 21.
49
Ibidem, p. 78.
50
Cfr. Ibidem, pp. 59-149.
51
Cfr. Ibidem, p. 200.
52
Cfr. Ibidem, pp. 199-100.
32
conquista e a conservação do poder, e por isso, para a sua conquista e manutenção, o Príncipe,
como bom político, deve usar todos os meios necessários para alcançar o fim desejado (o
poder), não importando se tais meios venham a ser a legítimos ou ilegítimos, desde que se
consiga conquistar e manter o poder já será bom para o político, ao cabo de tudo; para
Maquiavel, os fins justificam os meios53.
Esta fórmula da amoralidade no exercício da política proposta por Maquiavel, foi
criada para o uso do Príncipe no acto de conquista de poder sobre outros Estados (ocupação
de outro Estado) e manter o referido poder; mas nada obsta que tal fórmula seja adoptada e
adaptada pelos políticos que exercem a política na circunscrição estadual, a fim de conquistar
e manter o poder político estadual; e como muitas vezes tem sido usado pelos políticos da
época actual.
Usando a fórmula proposta por Maquiavel, entende-se que para ele, assim como
não existe uma melhor forma de governo, também não existe uma forma adequada de
ascender à governação, pois que, o que importa é o alcance e a manutenção do poder de
governação, os actos considerados imorais, possuem validade política e por isso não existem
formas ilegítimas de aquisição do poder, mas simplesmente formas de aquisição do poder54.
Esta aferição, traz consigo uma grande questão, um problema que surge das ideias
políticas de Maquiavel, a questão com cariz filosófico, visando saber se os governastes e
políticos estão isentos da moral comum, se há uma moral em geral e outra particular para os
políticos, se em política, o único critério de julgamento dos governantes e político, é o do
êxito; como diz um autor, a questão de fundo é a de saber até que ponto o êxito político
desculpa o comportamento imoral? Estará a política isenta do juízo ético?55
Para quem cogita tal como Maquiavel e afirma que na política apenas o sucesso
importa e por isso todos os actos cruéis e imorais praticados no processo político de aquisição
do poder podem ser ignorados, justificados e apagados, pois que o bem “maior” foi alcançado,
dará razão ao Maquiavel.
Freitas do Amaral por seu turno, afirma que o sucesso político não é o único
critério. A política não está isenta dos valores éticos de aprovação ou de reprovação, e que
pode a reprovação moral ser feita em nome dos valores religiosos ou humanos (ex: Os

53
Cfr. Diogo Freitas do AMARAL, Op. Cit., pp.212-2013.
54
Cfr. Ibidem.
55
Cfr. Ibidem, pp. 218-219.
33
Direitos dos Homens); há sempre valores fundamentais que estão acima do poder político e
que permitem aferir da validade e da correcção de ética do comportamento dos políticos56.
Sufragamos a posição de Freitas do Amaral, pois que, para além dos pontos
levantados por ele, em forma analítica, entendemos que em função das situações pessoais e
políticas que Maquiavel vivia a quando da elaboração do príncipe, viciaria de alguma maneira
asua moralidade: (1) Maquiavel encontrava-se em uma situação precária, de desgraça, distante
da vida pública na qual estava acostumado e foi morar e m um campo, lugar e situação da
qual queria ver-se livre, por isso escreveu o príncipe como pagamento da indulgência; (2) O
príncipe foi escrito no intuito de agradar a Lorenzo de Medicis (ou Lorenço o Magnífico) a
fim de obter dele favor de um emprego57; por isso entendemos que Maquiavel não poupou
esforços na tentativa de convence-lo, preterindo até mesmo da moral, apresentou as suas
recomendações amorais, isto é, sendo o autor, o fim justificava o meio; (3) Por fim,
Maquiavel viveu em uma época em que o expansionismo era uma realidade comum, os
Estados viam-se ameaçados uns pelos outros, e por isso os contornos da política tinha uma
envergadura diferente daquela que temos hoje ao nível nacional e internacional.
Chegados aqui, podemos asseverar que existem formas legítimas e ilegítimas de
ascender à governação:
a) Formas legítimas: as formas legítimas de ascender à governação consistem no
exercício do poder político em obediência da lei, ou seja, considera-se o poder político
legítimo quando para a sua aquisição, usa-se meios legais, respeitando os valores
constitucionais que norteiam a república ou o Estado.
Oposta a ilegitimidade, a legitimidade tem por base a legalidade, ao respeito da
norma jurídica imperativa no Estado, que para além da permissão ou aceitação jurídico-legal,
possuir uma determinada aceitação social por causa do carácter moral ou ético que tais actos
apresentam; como já dito, apenas uma forma é legalmente aceitável na maioria ou em todos
os Estados actuais, que é a ascensão por meio das eleições populares58.
b) Formas ilegítimas: A ascensão à governação considera-se ilegítima, quando ignorado
o princípio da legalidade e todos outros normativos que orientam os modos legais de
aquisição do poder político estadual, usa-se de meios impróprios, ilegais, violentos e
injustos para a sua aquisição.

56
Cfr. Ibidem.
57
Cfr. Ibidem, p. 198.
58
Cfr. Art. 4. N 1 CRA (2010 rev)
34
A ilegitimidade da ascensão em concreto, fundamenta-se especialmente na
ilegalidade dos actos para a aquisição do poder, pois que os Estados actuais, são orientados
pela forma republicana de governo, pela democracia e pelo primado da lei; por isso, todo o
governante ou político está obrigado respeitar a lei e todos os valores norteadores do Estado
(art. 2 n.1 CRA revista); assim, são ilegítimos os golpes de estado e todas outras formas
forçadas do exercício do poder.
A Constituição da República de Angola (revista), no seu artigo 4 n.2 afirma que:
são ilegítimas e criminalmente puníveis a tomada do exercício do poder político com base em
meios violentos ou outras formas não previstas nem conforme com a Constituição. Quer isto
significar que no Estado angolano, o exercício legítimo do poder político é limitado pelos
princípios da exclusão e exclusividade, isto é, exclui-se qualquer outra forma de ascender à
governação e permanece única e exclusivamente a forma legalmente prevista, que a ascensão
por meio da eleição popular (art. 4 n.1); assim o são e afirmam outras constituições, tais como
a de Cabo Verde59, a de Moçambique60 e de Portugal61.

59
Cfr. art. 2,3 e 4 CRCV
60
Cfr. art. 1, 2, 73 e 77 CRM
61
Cfr. art. 2, 3, 10, 108 e 113 CRP
35
CAPITULO
II
A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA, SEU EXERCÍCIO E O SEU
MODO DE EXECUÇÃO AO NÍVEL DAS REPÚBLICAS
DEMOCRÁTICAS
2.1 Manifestação da vontade Política do Estado

O Estado é uma pessoa colectiva pública, cuja definição Barcelar Gouveia, afirma
ser “a estrutura juridicamente personalizada, que num dado território exerce um poder
político soberano em nome de uma comunidade de cidadãos que ao mesmo se vincula”62. O
Estado como uma comunidade jurídica de cidadãos, é criado com base na vontade dos
indivíduos (vontade pública)63; e da sua definição, sufraga-se três elementos tradicionais os
quais são64:
1. O Povo que constitui o conjunto de pessoas localizadas em determinada
circunscrição territorial, cuja ligação com o espaço, traduz-se no vínculo jurídico
político de cidadania.
2. O Território que consiste no domínio geográfico em que o poder do estado é
exercido, denominado como território estatal;
3. O Poder Político que consiste no meio usado para a operacionalização das actividades
estadual, no intuito de alcançar os respectivos fins; cuja aplicação e interpretação,
constitui a soberania de valência nacional e internacional.
Interessa-nos mais neste ponto, a qualificação abstracta da pessoalidade do
Estado, da sua qualidade de pessoa na ordem jurídica existencial, a pesar de não o ser no
âmbito material, no ponto de vista técnico jurídico, o Estado existe como uma pessoa, com
uma vontade própria e capacidade decisória própria de uma pessoa, e por isso, é detentor de
personalidade jurídica, que consubstancia-se na susceptibilidade de ser titular de direitos e
deveres.
O Estado é uma pessoa colectiva pública; é colectiva porque é organização
constituída por uma colectividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à
realização de interesses comuns ou colectivos às quais a ordem jurídica atribui a
personalidade jurídica. “Trata-se de organização integradas essencialmente por pessoas ou
essencialmente por bens, que constituem centros autónomos de relações jurídicas autónomos
mesmo em relação aos seus membros”65, e é pública porque nasce da vontade ou iniciativa de
toda a comunidade nacional, e por isso, coube segundo o ordenamento jurídico, em maior ou
menor grau, uma tal posição de supremacia, uma possibilidade de afirmar uma vontade

62
Jorge BarcelarGOUVEIA,Op. Cit., p. 130.
63
Cfr. António José FERNANDES, op. cit., p. 75.
64
Cfr. Jorge Barcelar GOUVEIA, Op. Cit.
65
Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Teoria Geral Do Direito Civil, 2ª ed., NORPRINT-a casa do livro,
Luanda, 2014, p. 312.
37
imperante (possuem o iusimperi)66. Define-se pessoa colectiva pública como sendo aquela
criada por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e
por isso, dotados em nome próprio de poderes e deveres públicos67.
Como denota-se na definição de pessoa colectiva pública, percebe-se que ela
possui interesses e que devem ser prosseguidos; o que significa que sendo o Estado uma
pessoa colectiva pública, possui interesses que precisam ser prosseguidos. Os interesses do
Estado, são frutos da sua vontade como pessoa, vontade esta que é manifesta no intuito de
sustentar, organizar e manter o respectivo Estado.
Percebeu-se até agora que o Estado é uma pessoa de facto, e como pessoa, possui
vontade, e que por meio deste elemento volitivo, o Estado demonstra os seus interesses e a
respectiva prossecução. Sabendo que o Estado é uma pessoa, apesar de não o ser no ponto de
vista físico, não possui um centro volitivo natural (cérebro) nem meio de execução de
actividades (corpo), por isso precisamos entender como a respectiva vontade é manifesta, isto
é, como se processa e manifesta o fenómeno volitivo do Estado.

2.1.1 Vontade do Estado

A vontade do Estado, consiste na vontade colectiva dos indivíduos que a


compõem, em organizar e prosseguir os interesses da respectiva comunidade. Num ponto de
vista geral, a vontade do Estado é o resultado da vontade dos seus membros, pois que são
estes que a criaram com o escopo de prosseguirem os interesses da colectividade, aqueles
interesses que não constituem prioridade singular dos indivíduos, mas que por causa da sua
elevada importância, devam ser prosseguidas; e por isso são prosseguidos por um ente público
criado única e exclusivamente para tal fim.
Num ponto de vista restrito, a vontade do estado consiste na vontade pessoal do
respectivo Estado, na vontade de agir do próprio Estado, ou seja, a vontade do Estado
pertence ao próprio estado como pessoa, cujo escopo é a prossecução de interesses públicos.
Como titular da vontade pública, é ele (o Estado) o competente a manifesta-la na ordem
externa e visível, que só é possível, através da sua estrutura organizativa composta por órgãos,
os quais são responsáveis pela manifestação da vontade do Estado.

66
Cfr. Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Op. Cit., p. 331.
67
Cfr.Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, op. cit., p. 140.
38
2.1.2 Órgãos

Todas as pessoas colectivas, e portanto todas as pessoas colectivas públicas, são


dirigidas por órgãos; e a este cabe tomar decisões em nome da pessoa colectiva, ou noutra
terminologia, manifestar a vontade imputável à pessoa colectiva. Um órgão é pois, o elemento
de uma pessoa colectiva incumbido pela lei ou pelos estatutos de tomar decisões jurídicas em
nome dessa pessoa colectiva68.
As afirmações acima, levantadas são defendidas por Diogo Freitas do Amaral e
Carlos Feijó, elas levam-nos a entender que no âmbito da manifestação da vontade da pessoa
colectiva Estado, são os órgãos como seu elemento que o fazem, é ao órgão que se incumbe a
competência de agir em nome do Estado, ou seja, agindo o órgão, age Estado
(mutatismutandis, como acontece com os órgãos humano ou de outro ser vivo). Em termos
práticos, os órgãos traduzem-se na força motriz do Estado, nos membros do Estado, criados
especificamente para responder ou calar-se em nome do Estado.
Apesar de que são os órgãos quem agem em nome do Estado e por isso
manifestam a sua vontade, eles não o fazem por si mesmos, os órgãos precisão da intervenção
de pessoas físicas, e a princípio aqueles que compõem a pessoa colectiva Estado, para que
estes ajam em nome dos órgãos; e aqui percebemos mais uma relação de dependência, onde a
pessoa singular (humano) torna-se no elemento do órgão incumbido pela lei ou estatuto de
tomar decisão em nome do órgão69.
Considerando tais factos e servindo-se de uma interpretação lógica e silogística
em torno da situação, afirmaríamos o seguinte: o Estado depende dos órgãos; o órgão depende
dos homens; logo, o Estado depende dos homens. Esta lógica coloca o homem como o centro
da dependência estadual no âmbito do exercício das suas actividades; e como decerto o é.
Ainda dentro da lógica diremos: os órgãos manifestam a vontade do Estado; os homens
manifestam a vontade dos órgãos, logo, os homens manifestam a vontade do Estado.
As interpretações silogísticas abarcam as duas perspectivas a respeito da natureza
dos órgãos debatidas por duas grandes teorias no âmbito do Direito Administrativo, isto é, na
perspectiva da organização administrativa onde o órgão é uma instituição e na perspectiva da
actividade administrativa onde o órgão é o indivíduo70.

68
Cfr. Ibidem, p. 144.
69
Cfr. Marcelo CAETANO, Op. Cit., pp. 178-179.
70
Cfr., Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, op. cit., pp. 146-147
39
Seguindo a lógica argumentativa, entendemos que quem manifesta a vontade do
Estado de facto são as pessoas singulares, que ocupam as posições no (ou do órgão,
dependendo da perspectiva) órgãos e por isso decidem, administram, ou governam o país, de
modo a dar-lhe determinado destino em função de um programa pré-estabelecido.
O Estado é um ente que não possui vontade própria e por isso não pode auto
governar-se, mas depende de entes diferente dele, com capacidade volitiva para governar em
seu nome, e por isso é integrado por indivíduos organizados; e no caso em concreto de
Angola, e de todos outros Estados que sejam democráticos e de direito, a inserção dos
respectivos indivíduos no aparelho governativo do Estado, é feito por meio eleitoral realizado
periodicamente para a alteração ou renovação de mandatos.
Hodiernamente, os governos dos Estados são tomados por indivíduos que
organizados e num sistema organizado, são designados para tal, por meio das eleições a fim
de prosseguirem os interesses da colectividade. A inserção dos indivíduos no aparelho
governativo do Estado obedece ao princípio da legalidade, desde os requisitos de ou para a
inserção, o processo de inserção, até a legitimação do poder.
Quanto aos requisitos de inserção, os estados democráticos de direito limitam o
acesso ao aparelho governativo do Estado ao conjunto de indivíduos sistematicamente
organizados, cujo fim da respectiva organização seja unicamente o alcance e manutenção do
poder políticos do Estado; tal organização denomina-se por Partidos políticos. Quer isso
significar que por mais que quem manifesta de fato a vontade do Estado seja uma pessoa
singular, são os partidos políticos que concorrem nas eleições para o governo, e no ponto de
vista legal, são eles que de antemão se constituem na entidade eleita para o governo; e porque
os partidos constituem-se por um conjunto de indivíduos (pessoas singulares), são os tais
indivíduos que por um lado agem em nome do partido e do povo por outro lado. Nesta lógica,
percebe-se que em princípio, o partido que vence as eleições, é o legítimo governante. Apenas
os partidos políticos podem concorrer nas eleições para a governação do Estado, sendo vetada
tal possibilidade a todo e qualquer indivíduo de forma singular, ainda que se organizem de
outra forma. Conclui-se que no âmbito da governação estadual, apenas os partidos políticos
estão autorizados, como se infere nos preceitos constitucionais (art. 111º. nº 1 e 2; 131º nº 2;
146º nº 1, CRA).

40
De tal modo, também processa-se no ordenamento jurídico Cabo-verdiano, cujo
Estado apenas permite o concurso partidário para as eleições gerais, limitando qualquer outro
ente com carácter político71

2.2 Partidos Políticos

Como ora apresentado, o partido político é uma organização de indivíduos cujo


fim é a busca do poder político estadual e a sua manutenção, na obrigação de prosseguirem os
interesses públicos. Definições mais elaboradas foram minuciosamente apresentadas por
vários autores, e por isso, passaremos por apresentar alguns deles.
Para Benilde Malé,
“os Partidos políticos são entidades formadas pela livre associação
de pessoas, com organização estável, cujas finalidades são alcançar e
ou manter de maneira legítima o poder político-estatal e assegurar,
no interesse do regime democrático de direito, a autenticidade do
sistema representativo, o regular funcionamento do governo e das
instituições políticas, bem como a implementação dos direitos
humanos fundamentais”72.

Paulo Bonavide,
“o Partido político é a organização de pessoas que inspiradas por
ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder,
normalmente com o emprego de meios legais, e nelas conservar-se
para realização de fins propugnados”73.

O autor Benilde Malé considera alguns elementos indispensáveis na formação dos


partidos políticos, os quais são”74:
 Um grupo social;
 Um princípio de organização;
 Um acervo de ideias e princípios, que inspiram a acção do partido;
 Um interesse básico em vista: A tomada do poder;
 Um sentimento de conservação deste mesmo poder ou de domínio do aparelho
governativo quando este lhe chega as mãos.

71
Cfr. Art. 105 n1, 2 e 3, Costituição da República de Cabo Verde.
72
Benilde MALÉ, Direito Eleitoral, 1ª ed., DF Editora, Luanda, 2022, p. 167.
73
Paulo Bonavide, apud, Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 165.
74
Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 167.
41
Para Norberto Bobio, Nicola Matteucce e Giafrancopasquino,
“Os Partidos são grupos intermediários, agregadores e
simplificadores; compreendem associações assaz diversas, desde os
grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações
complexas de estilo burocráticas impessoais, cuja característica
comum é a de se moverem na esfera do poder político”75.

As associações propriamente consideradas como partidos, surgem quando o


sistema político alcançou um certo grau de autonomia estrutural, de complexidade interna e
de divisão de trabalho que permitam, por um lado, um processo de tomada de decisões
políticas em que participem diversas partes do sistema, e por outro lado, que entre estas
partes, se incluam por princípio ou de fato, os representantes daqueles de quem as decisões
políticas se referem. Daí que a noção de partido político entram todas as organizações da
sociedade civil surgidas no momento em que se reconheça teórica ou praticamente ao povo o
direito de participar na gestão do poder político. É com esse fim que ele se associa, cria
instrumento de organização e actua76.
Joseph Lapalombara afirma que uma definição rígida de partido político deve ser
construída de seguintes elementos77:
Uma organização durável, ou seja, uma organização cuja esperança de vida
política seja superior que a dos seus dirigentes no poder;
Uma organização local bem estabelecida e aparentemente durável, mantendo
relações regulares e variadas com escala nacional;
A vontade deliberada dos dirigentes nacionais da organização de chegar ao poder,
e exerce-lo sozinho ou com outros, e não simplesmente influenciar o poder;
A preocupação, em fim, de procurar suporte popular através das eleições ou
qualquer outra maneira.
A lei angolana dos partidos políticos define o partido político como:
“Organizações de cidadãos (associação), de carácter permanente e
autónoma, constituídas com o objectivo fundamental de participar
democraticamente da vida política do País, concorrerem livremente
para a formação e expressão da vontade popular e para a
organização do poder político, de acordo com a Constituição da
República de Angola, com a lei e com os seus estatutos e programas,
intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral, mediante a
apresentação ou o patrocínio de candidaturas”78.

75
Norberto Bobio, Nicola Matteucce e Giafrancopasquino apud, Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 165
76
Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 165
77
Joseph Lapalombara, apud, Benilde MALÉ, Op. Cit.,, p.166.
78
Cfr. Art. 1º, Lei 22\10 de 3 de Dezembro -Lei dos partidos políticos.
42
Importa salientar que a referida definição apresentada pela lei dos partidos,
abrangem as formações políticas coligadas (Coligações partidária), assentes no consórcio de
partidos políticos formados no propósito de actuação conjunta e cooperativa na disputa
eleitoral; possuindo tal ente denominação própria79.

2.2.1 Natureza jurídica

A natureza jurídica é um conceito cujo objectivo é determinar a essência de


determinados institutos, classificação de fatos ou entes jurídicos em função dos elementos que
os compõe.
Determinar a natureza jurídica de um instituto, afirma Benilde Malé, é preciso a
prender os elementos fundamentais que integram a sua composição específica, contrapondo-
os, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas, de modo a classificar o
instituto enfocado no universo de figuras existentes no Direito. Partindo desse pressuposto,
servir-nos-emos de tal fórmula, e por isso, para determinar a natureza jurídica dos partidos
políticos, devemos abduzi-lo, e determinar os elementos fundamentais que integram a sua
composição específica e compara-lo aos entes ou figuras afins80.
Os pressupostos a serem considerados quanto a natureza dos partidos políticos são
os seguintes:
1. Personalidade colectiva: Os partidos políticos integram-se nas pessoas colectivas
porque constituem-se nas organizações formadas essencialmente por uma
colectividade de pessoas à realização de interesses comuns, os quais a ordem jurídica
81
atribui personalidade jurídica, e a consequente autonomia . Levantado este
pressuposto, enquadramos os partidos políticos no universo das pessoas colectivas,
coutados de personalidade jurídica, e por isso assemelha-se, quanto a sua essência, a
todas outras pessoas colectivas existentes ao nível do ordenamento jurídico angolano.
Toda a pessoa colectiva possui e deve possuir dois elementos essenciais a sua
constituição, os quais são o seu substrato e o reconhecimento; pressupomos que sendo o
partido político uma pessoa colectiva, possui tais elementos82.
a) Substrato: O substrato é o conjunto de elementos da realidade extra jurídica, elevado
à qualidade de sujeito jurídico pelo reconhecimento. É a realidade que dá peso terreno

79
Cfr. Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 167.
80
Cfr. Ibidem, pp. 170-171.
81
Cfr. Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Op. Cit., pp. 312.
82
Cfr. Ibidem, pp. 317-321.
43
à pessoa colectiva, que lhe dá existência no mundo exterior; é imprescindível e
condição necessária para a existência da pessoa colectiva; estes são: elemento pessoal
ou patrimonial; elemento teleológico; elemento intencional e o elemento formal
organizatório83.
b) Reconhecimento: é o elemento de direito; verificado o reconhecimento por meio do
registo ou outro meio legal, surge uma nova pessoa jurídica; a pessoa colectiva. Como
sujeito jurídico, a pessoa colectiva toma-se titular de relações jurídicas84.
Assim como todas as pessoas colectivas necessitam do substrato e do
reconhecimento como elementos essenciais para a sua constituição, os partidos políticos
também necessitam dos referidos elementos para a sua existência ao nível da ordem jurídica;
e neste caso, quanto ao substrato, ele possui como elemento pessoal a colectividade de
indivíduos que se agrupam para a realização de uma determinada actividade, visando um
escopo comum; tendo como elemento teleológico, a aquisição e manutenção do poder, pois
que esta é a causa primordial da formação da colectividade social; tendo como elemento
intencional, a vontade ou intuito de criar uma pessoa jurídica diferente dos seus associados
(animus personificandi); e por fim como elemento formal ou organizatório, a criação de
órgãos e instituição de preceitos contidos num estatuto, com o fim de disciplinar o
funcionamento da respectiva organização. Quanto ao reconhecimento, os partidos políticos
são entes que para ascenderem a tal posição, precisaram do seu reconhecimento e aprovação
por parte do Estado.85
Natureza dos interesses: os partidos políticos por serem uma associação de
pessoas por união voluntária, que prosseguem fins comuns, formando assim a pessoa
colectiva; criada por vontade privada, baseada na liberdade de organização partidária 86,são
pessoas de utilidade pública sem fins lucrativos; e a par da prossecução dos interesses
públicos, prosseguem os interesses dos seus membros (a busca e manutenção do poder), que
são um fim privado87.
A partir daqui, identificados os elementos fundamentais que compõem os partidos
políticos, podemos com toda a clareza e certeza determinar a natureza jurídica dos partidos
políticos.

83
Cfr. Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Op. Cit., p. 323
84
Cfr. Ibidem, p. 324.
85
Cfr. Art.13°, Lei nº 22/10 de 3 de Dezembro -Lei dos partidos Políticos.
86
Cfr. art. 17º. n. 2 al. b), CRA (rev).
87
Cfr. Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Op. Cit., p. 334-338.
44
Baseado na apresentação daquilo que vem a ser pessoa colectiva e a natureza dos
seus interesses, percebemos desde logo que sendo uma pessoa colectiva, os partidos são
formados com base na vontade particular e prosseguem os interesses próprios, que são a busca
do poder. Considera-se privado os interesses prosseguidos pelos partidos políticos porque
apesar de o exercício do poder constituir uma actividade pública, consubstanciando este na
gestão pública ou governação do país, o partido que o exerce encontra-se na posição de
particular porque a sua essência é privada, ele torna-se apenas em um particular no poder ou
com o poder de governo, não se torna parte do aparelho do estado; como afirma Canotilho,
“os partidos políticos não devem ser qualificados como corporações de direito público, pois
embora lhes seja constitucionalmente atribuída uma função política, nem por isso se pode
falar num estatuto singular de direito público”88.
Por causa destes factos, logicamente argumentados e defendidos, consideramos
que os partidos políticos têm a natureza privada, ou seja, são pessoas jurídicas de direito
privado.

2.3 Responsáveis pela Gestão Pública em Angola

As pessoas colectivas, não são pessoas no ponto de vista natural, e por isso
carecem de uma vontade ou actividade intrínseca natural; por esse motivo, é designado
pessoas singulares (físicas) para que tais sejamos atores que as dão a actividade; pois que a
vontade e a acção natural são característicos do ser humano. Significa que, para que as
pessoas colectivas funcionem, é necessários que se integrem pessoas singulares na sua
estrutura, a fim de agirem como gestores da respectiva pessoa colectiva.
Considerando que os Estados se integram na categoria de pessoas colectivas, a
regra da designação de actor(es) para sua estrutura abrange-lhes; e abrangendo a todos os
Estados, o Estado angolano não se constitui excepção a regra.
É gestor do Estado angolano, aquele que governa, aquele que tem o poder
estadual, aquele que ocupa posição de governante da nação, poder tal adquirido através da
transferência do poder popular, por meio do voto. Este(s) ente(s) responsável(is) pela gestão
estadual, são designados por atores políticos, aqueles que possuem a prerrogativa de constituir
o centro de definição política Estadual, e por isso definem as políticas públicas, controlam os
recursos financeiros, têm acesso privilegiado aos mass media, superintendem no aparelho

88
José Gomes CANOTÍLHO, Op. Cit, p.316.
45
democrático, e ainda tendem a controlar as preferências dos cidadãos, dos grupos de
interesses, e dos próprios meios de comunicação89.
Como já dito, a designação dos gestores do estado angolano, é feito por meio das
eleições, no caso, eleições gerais, processo constitucional e democrático, que é e deve ser
universal, livre, directo, secreto, e periódico (art. 106, conjugados com os art. 111 n.1 e 146
n.1 da CRA revista); organizado por um órgão de administração eleitoral independente (art.
107 da CRA rev).
Em Angola e nos demais Estados democráticos de direito, as únicas pessoas aptas
a concorrerem nas eleições gerais, para a gestão estadual, são os partidos políticos, como
prevê a lei dos partidos políticos: Partidos Políticos são as organizações de cidadãos, de
carácter permanente e autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar
democraticamente da vida política do País, concorrer livremente para a formação e expressão
da vontade popular e para a organização do poder político, de acordo com a Constituição da
República de Angola, com a lei e com os seus estatutos e programas, intervindo,
nomeadamente, no processo eleitoral, mediante a apresentação ou o patrocínio de
candidaturas (art. 1). Desde que estejam devidamente reconhecidos pelo tribunal
constitucional (artigos 13º, 15º e 16º da Lei nº 22/10 de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos
políticos)90.
A partir daqui, considerando que os partidos políticos detêm o monopólio na
participação eleitoral, no preenchimento dos lugares na assembleia nacional e na formação do
governo; entendemos que (no ponto de vista geral), os partidos políticos são os atores
responsáveis pela gestão pública do Estado angolano.
Este entendimento, é absolvida a partir da análise dos dispostos normativos que
vão desde a Constituição da República (lei magna) até as leis ordinárias relativas as eleições
gerais e aos partidos políticos.
Na verdade, em relação ao ponto da gestão pública ou governação, podem surgir
questões sobre quem governa de fato, se é o partido político ou se é o executivo (com o
Presidente como titular); e ainda considerando o mandato individual dos Deputados e do
Presidente da República. Para a resposta destas questões, usaremos alguns critérios, os quais
são:

89
Cfr. J.A. Oliveira ROCHA, Gestão de processo político e políticas publica, Escolar Editora, Lisboa, 2010, p.
8.
90
Cfr., art. 31-34 LOEG
46
1. Critério do candidato eleito no âmbito das eleições gerais: Como já dito, as
eleições gerais consistem no sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e
periódico (realizado num intervalo de 5 anos), com a finalidade de escolher o(s)
governante(s) ou o(s) gestor(es) do Estado.
Com este critério, pretendemos determinar quem efectivamente concorre nas
eleições e que pode ser escolhido para administrar, governar ou gerir o Estado angolano.
Baseando-nos na norma angolana, especificamente os artigos 34º nº 1 e 57.º n º3 da Lei n.º
36/11 de 21 de Dezembro; 111º nº 1, 109º nº1 e 146º nº 1 CRA revista; entendemos que no
âmbito das eleições gerais, nenhuma pessoa singular ou grupo político que não seja um
partido ou coligação de partidos políticos pode concorrer e ser eleito. Para melhor
compreensão, passaremos a redigi-los:
I. As candidaturas para Presidente da República são propostas pelos partidos políticos
ou coligações de partidos políticos. (Artigo 111.º nº1 CRA Revista)
II. É eleito Presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista, pelo círculo
nacional, do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no
quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do artigo 143.º e seguintes da
presente Constituição. (Artigo 109.º n º 1 CRA revista)
III. As candidaturas são apresentadas pelos partidos políticos, isoladamente ou em
coligação, podendo as listas integrar cidadãos não filiados nos respectivos partidos,
nos termos da lei. (Artigo 146º n º1 CRA Revista)
IV. Só podem propor candidaturas os partidos políticos legalmente constituídos e
registados antes do início do prazo fixado para a apresentação de candidaturas.
(Artigo 34.ºn º1 Lei n.º 36/11 de 21 de Dezembro)
V. A não apresentação de novo candidato a Presidente da República ou a Vice-
Presidente da República ou a sua recusa pelo Tribunal Constitucional implica a não-
aceitação da candidatura do partido político ou coligação de partidos políticos às
eleições gerais. (Artigo 57.º n º3 Lei n.º 36/11 de 21 de Dezembro).
Interpretando os artigos acima apresentados, perceberemos que as candidaturas
para o cadeirão máximo da nação, são feitas no âmbito partidário, e só depois estes
apresentam a lista dos seus candidatos ao tribunal constitucional, ou seja, sãos os partidos
políticos quem propõem as listas daqueles que pela sua vontade, ocupem as posições electivas
no âmbito das eleições gerais, pois que os indivíduos não o podem fazer singularmente. Por
outro lado, afirmando a lei que o partido político que não apresentar a lista onde conste o

47
nome do indivíduo proposto para a presidência, implica a não-aceitação da candidatura do
partido político; sugere que são os partidos políticos quem concorrem nas eleições gerais, e
não os indivíduos singulares. (Parte b) do nº 3º da Lei n.º 36/11 de 21 de Dezembro).
Os pontos acima levantados, leva-nos a concluir com toda a segurança e certeza,
que no âmbito das eleições gerais quem concorre são os partidos políticos, e por isso são eles
quem efectivamente são eleitos para governarem a nação.

2. Critério do sistema eleitoral: O sistema eleitoral, consiste na conversão dos votos em


mandatos, ela surge no intuito de traduzir os votos dos eleitores em4 mandato do
partido, do Presidente e Deputados da república, baseado em determinado método.
Existem dois principais sistemas eleitorais, os quais são o sistema proporcional e
o sistema maioritário. O sistema proporcional ou voto proporcional é um sistema eleitoral
de vencedor múltiplo, no qual a proporção de cadeiras parlamentares ocupada por cada
partido é directamente determinada pela proporção de votos obtida por ele; tal sistema é um
sistema eleitoral normalmente baseado em listas de partidos91. O sistema maioritário, é um
sistema em que determinado partido vence as eleições possuir a maioria dos votos, e por isso
existe apenas um único vencedor.
O sistema jurídico angolano, adoptou o sistema misto (os dois tipos de sistema); o
sistema proporcional para a conversão dos votos para mandato dos Deputados de diferentes
partidos (art. 27.º da Lei n.º 36/11 de 21 de Dezembro, e sistema maioritário para a
determinação do partido vencedor das eleições, cujo candidato proposto para o cargo de
Presidente torna-se o Presidente da República e Titular do poder Executivo, como prevê o
artigo 109.º n º 1 CRA revista).
Dentre os dois tipos de sistema, destacamos o sistema maioritário, usado para a
formação do Governo, como prevê o artigo acima citado, cuja redacção denota: “É eleito
Presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do
partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais,
realizadas ao abrigo do artigo 143.º e seguintes da presente Constituição”, (109.º n º 1 CRA
Revista). Este artigo, dano-nos a entender que a elevação do cabeça de lista à presidente da
República, depende da vitória do partido político cuja lista proposta consta seu nome; os seja,
a ascensão da pessoa singular ao cargo de Presidente da República, depende da vitória do

91
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit., p. 215
48
partido político em que se vincula; estando a posição daquele condicionado pela posição
deste.
Neste critério, podemos concluir que no âmbito das eleições gerais, o sistema
eleitoral, torna vencedor em primeiro lugar, o partido político concorrente e
concomitantemente eleva o candidato proposto a presidente, formando assim o governo; por
isso, entendemos que o sistema eleitoral visa essencialmente a conversão dos votos em
mandato dos Partidos políticos.

3. Critério do programa e da agenda política: O programa político consubstancia-se


nos fins, objectivos, e na indicação resumida das acções políticas e administrativas que
o partido se propõe realizar, no caso de os seus candidatos serem eleitos para os
órgãos do Estado92; e a agenda política, consubstancia-se numacolecção de problemas,
objecto de atenção pelos poderes públicos; é um processo pelo qual os governos
decidem quais questões precisam de sua atenção93. Ela enfoca, entre outras coisas, a
determinação e definição do que constitui o “problema”, e que acções de política
pública subsequente se destinam a resolve-los94.
De acordo harmonia com Dawns (1957), a agenda pública, consiste nos
problemas de âmbito nacional que as elites querem que o governo resolva e que estão
reflectidos nas agendas partidárias95.
4. Critério do vínculo e autonomia do representante partidário: Os candidatos
propostos aos cargos electivos dos órgãos do Estado, uma vez titulares dos respectivos
órgãos, ganham uma autonomia em relação ao partido, isto é, por causa do princípio
Democrático, onde o representante é essencialmente para o povo; os representantes
ganham um mandato autónomo.
Por mais que exista independência no mandato, dos candidatos propostos, é certo
que as influências partidárias sobre os respectivos titulares dos órgãos electivos do Estado é
um fato inquestionável, pois que a maioria das decisões, especialmente importantes, são
fortemente influenciadas pelos partidos que pertencem, favorecendo politicamente os
respectivos partidos; e por isso entendemos existir uma dupla representação.

92
Cfr. Art. 20º nº3, Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro.
93
J.A. Oliveira ROCHA, Op. Cit., p. 95.
94
XunWu M. RAMESH, Michael Howlett SCOTT FRITZEN, Guia de Políticas Públicas: Gerenciando
processos, Enap, Brasília, 2014, p. 29.
95
J.A. Oliveira ROCHA, Op. Cit., p. 99.
49
2.4 Os aspectos gerais da gestão e da governação

1. Gestão
A gestão é um processo que possibilita a coordenação das actividades realizadas
no âmbito de uma organização. Sebastião Teixeira afirma que,
“Vivemos numa sociedade dominada por organizações, grandes ou
pequenas, com ou sem fins lucrativos (hospitais, escolas, igrejas,
forças armadas, empresas, o Governo e organismos oficiais) nas
quais as pessoas trabalham em conjunto com vista à prossecução de
objectivos que seriam impossíveis de atingir se as pessoas
trabalhassem isoladamente”96.

Em relação as organizações acima apresentadas, acrescentamos o Estado na lista,


o qual constitui a organização mais importante dentre todas, pois que todas outras
organizações, desenvolvem-se na sua estrutura e dela dependem para a sua criação e
funcionamento. Quer isto significar que sendo o Estado uma organização, precisa ser gerido, a
fim de se prosseguir interesses e objectivos que seriam impossíveis de atingir de outra forma.
Sebastião Teixeira define a gestão como sendo “o processo de conseguir obter
resultados (bens ou serviços) com esforço dos outros; traduzindo a ideia de existência de uma
colectividade de pessoas que desenvolvem uma actividade em conjunto para melhor atingir
objectivos comuns” 97; excluindo do conceito de gestão qualquer trabalho individual de quem
trabalhe individualmente. Baseando-nos na lógica de que gerir é governar, podemos servir-
nos da definição de Teixeira e definir o ato de governar com sendo um processo de conseguir
resultados (que consistem na produção de bens e serviços ao nível estadual) com o esforço de
outras pessoas.

2.4.1 Função da gestão

A função da gestão, consiste nos tipos de actividades levadas a cabo no âmbito da


gestão pelos respectivos gestores; as quais vão desde o Planeamento, a Organização, a
Direcção e o Controle de todos os esforços realizados em todas as árias e em todos os níveis
da empresa (organização), a fim de atingir os respectivos objectivos98.
O conteúdo sobre gestão a qual nos servimos aqui, possui uma fonte privada; mas
tal conteúdo pode ser perfeitamente usado para análise no âmbito da gestão pública, e por
isso, as funções de gestão aqui apresentadas, também são aplicáveis no âmbito da gestão do
96
Sebastião TEIXEIRA, Gestão das Organizações, 3ª ed., Escolar Editora, Lisboa, 2013, p. 3.
97
Ibidem. P. 4
98
Cfr. Ibidem, pp. 3-5.
50
Estado. Quer isto significar que no âmbito da gestão do Estado, são levados a cabo vários
tipos de actividades pelos respectivos gestores; actividades estas que também são de modo
geral, o Planeamento, a Organização, a Direcção e o Controle do trabalho realizado no intuito
de prosseguir o interesse público.
Como acima referenciado, as quatro funções fundamentais da gestão são99:
1. O planeamento: O planeamento é definido como o processo de determinação
antecipada daquilo que deve ser feito e como faze-lo, é definir as funções que
competem a cada elemento da organização, os recursos disponíveis e como se
distribuem.
Dirigir uma organização, assemelha-se a comandar um navio no oceano, como
afirmam Bob Nelson e Peter Economy, e para se chegar ao destino, tem de se ter um plano,
um mapa, que lhe indique para onde se dirigir100; e por isso, antes de se executar determinada
actividade no âmbito organizacional, é necessário que se planifique, que se determine com
antecedência, o que deve ser feito (em função da missão da organização), como deve ser feito
(talvez dividindo em fases e tarefas); definindo-os de forma precisa, de modo que sirva de
guias claros para os gestores e para o pessoal da empresa (organização). Os planos
estabelecem a forma como a organização se irá desenvolver no futuro; há que se definir quem
vai actuar para que isso aconteça, quem são as pessoas, como se relacionam, com que meios,
que actividades ou função cabe isoladamente ou em grupo.
2. A organização: A organização consiste em estabelecer relações formais entre as
pessoas, e entre estes e os recursos, para atingir-se os objectivos propostos. Salienta
ainda Sebastião Teixeira que ela possui como aspecto fundamental, o asseguramento
de que pessoas certas e qualificadas, estejam no local e no tempo certo para que
melhor sejam cumpridos os objectivos101.
Quer significar que é neste ponto em que se estabelece a posição de cada membro
da organização, suas competências e distribuição em árias (e espaços geográficos), a natureza
dos meios a serem utilizados pelos membros em função da posição de cada um deles, baseada
em uma prévia autorização, o modo de utilização dos referidos meios, e tantos outros
elementos necessários à gestão, no intuito de alcançar os objectivos propostos.

99
Cfr. Sebastião TEIXEIRA, Op. Cit., pp. 6-7.
100
Cfr. Bob NELSON e Piter ECONOMY, A Bíblia da Gestão, Gestãoplus Editora, 2006, p. 12.
101
Cfr. Sebastião TEIXEIRA, Op. Cit., p. 8
51
3. A direcção: A direcção consiste no processo de afectar ou influenciar comportamento
dos outros; e nela envolvem a motivação, Liderança e Comunicação102.
a) Motivação: é entendida de modo geral como o reforço da vontade das pessoas se
esforçarem por conseguir alcançar os objectivos, procurando convergir os objectivos
comuns da organização aos objectivos individuais dos membros da organização;
b) Liderança que consiste na capacidade de o líder conseguir que os outros façam aquilo
que o líder quer que façam;
c) Comunicação que consiste no processo de transferência de informações, ideias,
conceitos ou sentimentos entre pessoas; pois que para perceber a importância do
referido elemento, basta ver que a maior parte do dia do gestor, é passada a comunicar.
4. O Controlo: este consiste no processo de comparação do actual e desempenho da
organização com o padrão previamente estabelecido (ou com o desempenho passado
da organização), e corrigindo os eventuais erros ou desvios103.
Nesta função, o ponto focal é a comparação de desempenho, corrigir desvios caso
ajam e definir as acções necessárias para que sejam corrigidos e evitados no futuro. Para além
da comparação e correcção, pedagogicamente, formam-se as pessoas para que sejam melhor
qualificadas ou ainda, reformula-se os planos inicialmente estabelecidos por impossibilidade
práticos, incoerente ou outra característica negativa dos objectivos aí apresentados.
Estas quatro funções fundamentais da Gestão, não devem ser vistas isoladamente,
pois que entre elas existe uma relação de total dependência. Não resta dúvida de que planear
implica a existência cujas informações podem levar a melhorar planos futuros; a organização
depende do planeamento efectuado, isto é, dos objectivos e das estratégias definidas, o estilo
de direcção depende do tipo de organização; e o controle será exercido de forma diferente,
consoante o estilo de direcção.

2.4.2Níveis de gestão

É comum pensar nos membros do conselho de administração, da gerência ou da


direcção geral da organização, sempre que se estiver falando da gestão, pois que se entende
que Gestão é a actividade levada acabo por estas pessoas; porem, nem todo gestor tema
responsabilidade pela organização no seu todo.

102
Ibidem.
103
Ibidem, p. 8.
52
Sabe-se que gestores são todos aqueles que numa organização, conseguem coisas
feitas com esforço ou trabalho dos outros. Estes gestores, não se encontram todos no mesmo
nível, como afirma Sebastião Teixeira; pois que estão divididos em três níveis de gestão, os
quais são: 1). Institucional; 2). Intermédio; e 3). Operacional104.
1. Nível Institucional: O nível institucional, abarca os membros dos mais altos escalões
dentro da organização, aos membros de direcção geral da organização, aos quais
compete a formulação das políticas gerais, isto são definidas de forma genérica e
dizem respeito a toda a organização, que para a prossecução dos objectivos, usam
todos os recursos disponíveis (com acções de médio e longo prazo), aplicando-se
essencialmente a componente estratégica.
2. Nível Intermédio: O nível intermédio compete aos directores das distintas áreas da
organização (isto no âmbito das empresas), caracterizado pelo uso de recursos
determinados (em acções de curto prazo), elaboração de planos reprogramas
específicos em relação a área ou função de respectivo gestor; e nela aplica-se
essencialmente a componente táctica da gestão.
3. Nível operacional: A gestão operacional compete aos supervisores, chefes de serviço,
de secção etc., as suas actividades traduzem-se fundamentalmente na execução de
rotinas e procedimentos, e usa-se a componente técnica no âmbito da gestão.
A partir daqui, podemos perceber que apesar de serem todos gestores, pois que
conseguem resultados por meio de esforços dos outros, encontram-se em escalas e funções
diferentes; e por isso usam métodos diferentes para a prossecução dos objectivos.

2.4.3 Tarefas e aptidões do gestor

1. Tarefas
A actuação dos gestores, é avaliada por padrões de eficácia e eficiência
(consistindo nisso as suas tarefas), determinando e distinguindo o bom do mau gestor105.
a) Eficiência: Define Teixeira a eficiência, como sendo a relação proporcional entre a
qualidade e quantidade de imputes a qualidade e quantidade dos outputs produzidos;
pois quanto menores forem os factores produtivos, maior é o grau de eficiência106.
Em termos básicos, a eficiência será o mecanismo que permite a elevação do
volume produtivo em baixo custo dos factores de produção107.

104
Cfr. Sebastião TEIXEIRA, Op. Cit., pp. 9-10.
105
Ibidem, p. 11.
106
Ibidem.
53
b) Eficácia: Estaremos diante da eficácia na gestão, sempre que os outputs produzidos,
aproximam-se dos objectivos propostos, isto é, quanto menos forem os desvios entre o
planeado e o realizado, maior é o grau de eficácia108.
2. Aptidões
Para que a actividade gestionária obedeça as tarefas acima apresentadas, os
gestores, durante o exercício das suas actividades devem desenvolver algumas aptidões
essenciais, dentre elas consideram-se fundamentalmente três, as quais são: Aptidão
Conceptual, Técnica e Aptidão em Relações Humanas109.
a) Aptidão Conceptual: É a capacidade de apreender as ideias gerais e abstractas
aplicando-as em situações concretas; e ela engloba a capacidade de ver a organização
como um todo.
A aptidão conceptual, possui um âmbito global de actuação, e por isso deve estar
presente e desenvolvido essencialmente pelos gestores de nível Institucional, pois que estes
exercem a gestão global.
b) Aptidão Técnica: É a capacidade para usar o conhecimento, métodos ou técnicas
especiais no seu trabalho em concreto; ao nível das empresas; falaríamos de
conhecimento em engenharia, informática, contabilidade e outros conhecimentos
técnicos ligados directamente ao trabalho.
c) Aptidão em Relações Humanas: É a capacidade de compreender, motivar e obter
adesão de outras pessoas (no âmbito da prossecução dos objectivos). Envolve
características relacionadas com as capacidades de comunicar, entender as atitudes
comportamento dos indivíduos e dos grupos, para possibilitar a tomada de decisão,
pois que gerir implica acima de tudo, decidir.
A tomada de decisão é a verdadeira essência da gestão e está contida e cada uma
das funções de gestão referida; decidir que objectivos prosseguir, qual sua hierarquia em
termos de relevância, quais caminhos seguir para os atingir, isto é, quais estratégias, tácitas ou
técnicas aplicar, como organizar os recursos humanos e materiais disponíveis, como dirigir os
subordinados, etc.
Importa salientar que estas três aptidões fundamentais devem estar presentes em
todos os níveis de gestão; mas o seu grau de desenvolvimento, está relacionado com o nível
de gestão em que se situa o gestor.

107
Cfr. Sebastião TEIXEIRA, Op. Cit., p. 11
108
Cfr. Ibidem.
109
Cfr. Ibidem, p.12
54
3. Governação
Entendemos que os aspectos gerais da gestão aplicam-se no âmbito da
governação, pois que o Governante, no âmbito da execução das suas actividades, planifica,
organiza e controla, usando diferentes níveis de gestão, os quais vão desde nível institucional,
intermediário, até ao nível operacional, tendo em conta a eficácia e a eficiência durante a
execução da respectiva actividade gestionária.
Como já vimos acima, o responsável em concreto da gestão pública no Estado
angolano, é o partido político que vence as eleições gerais; pois que é ele que no âmbito do
sistema político presidencialista forma o governo (governo unipessoal formado por pelo PR),
o qual dirige o executivo e a política geral de governação do país 110 . No sistema
presidencialista, o presidente é o chefe de Estado, e é ele que como representante do povo e
do partido político vencedor nas eleições, exerce a gestão institucional que auxiliado por um
Vice-Presidente, Ministros de Estado e Ministros, planifica e organiza a actividade
governativa, e ainda dirige políticas gerais do Estado. Ainda entendemos que por ocasião do
alargamento das competências do PR enquanto titular do poder executivo (gestor) também é
ele o responsável pelos níveis de gestão intermediários e operacional, mas representado por
outro ente (Governadores: Gestão intermediário; Administradores e directores: Gestão
operacional).
Durante a execução da actividade gestionária, o gestor deve levar em conta, os
pressupostos da eficiência e da eficácia (os quais constituem as tarefas do gestor), o que lhe
possibilitará alcançar os seus objectivos. Quer isto significar que em primeiro lugar, deve
haver uma proporcionalidade entre a qualidade e a quantidade de trabalho exercido pelo
Governante (gestor) e a qualidade e quantidade dos resultados obtidos da respectiva
actividade; isto é, se o objectivo do governante for o melhoramento do sistema de educação, o
Governo deverá mover recursos (humanos ou não), aptos ou qualificados a melhorarem a
qualidade do sistema de educação; se os esforços e os recursos produzirem resultados
positivos em relação ao melhoramento do sistema de educação, considerar-se-á a governação
(gestão) como eficiente; mas caso a movimentação dos recursos não responder positivamente
para o melhoramento do sistema da gestão (custos elevados e baixo rendimento), a
governação (gestão) será considerada ineficiente.

110
Cfr. Art. 108º e 120º CRA (rev)
55
Em segundo lugar, para que haja eficácia, os resultados das actividades levadas a
cabo pelo governante, devem cumprir com os objectivos propostos, ou pelo menos serem
próximos aos respectivos objectivos. Significa que se o governante movimentar recursos para
a construção de 30 escolas em um determinado local e em determinado tempo; devem ser de
fato construídas 30 escolas no local e no tempo pré-determinado. Caso contrário, forem
construídas 15, 20 ou 60 escolas, ou se forem construídas 30 escolas, mas em outro lugar ou
extemporaneamente, estaremos fora da eficácia, pois que estaremos diante de um desvio do
objectivo propostos pelo gestor, o que de alguma forma, prejudicará as contas previamente
feitas.
A ineficiência e a ineficácia prejudicam os planos do governante (gestor) porque
em função dos planos, disponibilizam-se determinados valor económico a ser canalizado em
diversos projectos; quando em um projecto usa-se mais fundo duque se devia, outro projecto
estará em falta (ineficiência), e se for usado menos fundo do que se devia em outro projecto, o
respectivo projecto será de baixa qualidade ou durabilidade (ineficácia), excepto se no
momento houver uma deflação.
Em relação as aptidões, assim como nas privadas, as públicas também velam pelas
aptidões dos seus colaboradores. Os governantes seleccionam colaboradores com certas
aptidões ou forma para a obtenção das respectivas aptidões; pois que tais pressupostos
determinam no modo e qualidade da gestão. É no entendimento de que funcionários bem
qualificados, produzem bens ou serviços de qualidade, e por isso no âmbito estadual, o
governante deve possuir todas as aptidões (aptidões conceptuais, técnicas e em relações
humanas), cuja inclinação, deve obedecer a respectiva arrumação.

56
CAPÍTULO
III
PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PARTIDO POLÍTICO QUE
FORMOU O GOVERNO CESSANT COMO CONDIÇÃO
NATURAL E NECESSÁRIA, NO ORDENAMENTO JURÍDICO
ANGOLANO
3.1 Âmbito da prestação de contas dos Partidos Políticos no Ordenamento
Jurídico Angolano

A prestação de contas consiste num balanço apresentado em forma de relatório,


em que consta todas as informações de uma empresa ou instituição, referentes a receitas e
despesas e a respectiva correspondência, em um determinado período estabelecido111. É uma
forma concreta de verificar os ganhos e gastos da companhia. Através dela, se obtém um valor
jurídico na comprovação das próprias despesas e receitas.112

Os partidos políticos estão obrigados a prestarem contas, a tornarem público o


respectivo patrimónios e contas (art. 17 º al. i) CRA rev);

“o sentido desta exigência constitucional é a de submeter à


publicidade crítica, dos militantes ou membros associados do partido
e membros da sociedade civil em geral, as fontes de financiamento do
partido e consequentemente as pessoas ou grupos que influência o
respectivo programa político democrático”113.

A prestação de contas dos partidos políticos não se limitam apenas no uso de


fundos públicos, ele abrange a toda a forma de financiamento partidário, que vai desde o
financiamento das actividades partidárias, regida pela lei sobre o financiamento dos partidos
políticos (Lei nº 10/12 de 22 de Março) que tem como finalidade a apresentação de contas das
fontes de financiamento, a inclusão da dotação orçamental para os partidos e coligações que
tenham assento na Assembleia Nacional, assim como a necessidade de prestação pública de
contas que devem ser elaboradas anualmente; até ao financiamento das eleições, regida pela
lei orgânica sobre as eleições gerais (Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro, artigos), nos artigos
80°- 85° cuja finalidade primordial é exercer o controlo financeiro do processo eleitoral, de
forma a impedir o abuso de poder, notadamente aquele de carácter económico,
financiamentos proibidos, bem como garantir a igualdade entre as formações políticas
concorrentes.
Os partidos políticos, prestam contas em relação ao Estado, no âmbito do seu
financiamento; ou seja, a lei determina a prestação de contas dos partidos políticos face ao
Estado, que desencadeia-se no âmbito do financiamento aos partidos políticos que desdobra-

111
https://www.pipefy.com/pt-br/blog/prestacao-de-contas/
112
https://expenseon.com/gestao-de-despesas/prestacao-de-contas/
113
José Gomes CANOTILHO, Op. cit., p. 324
58
se em dois, os quais são: (1) O financiamento das actividades partidárias comuns; (2) O
financiamento respeitantes as eleições gerais.
1. Financiamento das actividades partidárias comuns: O financiamento das actividades
partidárias comuns, consiste em todo o financiamento cujo escopo seja a
sustentabilidade dos partidos políticos, possibilitando-lhes a prossecução do respectivo
objecto social.
Sendo o partido político uma pessoa colectiva, ela possui patrimónios (art.10 da
Lei 10/12 de 22 de Março), que lhe serve de apoio á prossecução do seu objecto social; sendo
o objecto social a actividade levada a cabo pelos membros do partido 114, ela traduz-se na
participação democrática da vida política do país, o concurso livrem para a formação e
expressão da vontade popular e a organização do poder político, de acordo com a Constituição
da República de Angolano processo eleitoral. Sendo os patrimónios gastáveis, e aqui
destacamos os património moveis e pecuniários, os partidos políticos precisam de
financiamento para manterem-se em activa; desde que tais financiamentos estejam em
conformidade com a lei, pois que considerando a natureza das suas actividades, a lei restringe
o universo dos financiadores.
Quanto ao universo dos financiadores, a lei sobre o financiamento aos partidos
políticos determina em relação a fonte de financiamento, o critério da exclusão num
momento, excluindo todos aqueles que figuram no artigo 6º da lei supra citada (conjugado
com o n. 2 do artigo 4 da mesma lei), os quais são: Os organismos autónomos do Estado, os
órgãos locais do Estado, as associações de direito público, institutos públicos e pessoas
colectivas de utilidade pública empresas públicas e governos ou organizações não-
governamentais estrangeiros, permitindo neste caso o Estados, as pessoas singulares e
colectivas nacional; e num outro momento elenca outros entes como autorizados a
financiarem os partidos políticos, e sem ser exaustivo, não estabelece o critério do numerus
clausus, mas da abertura à outros não especificados na lei desde que se obedeça o critério da
exclusão (art. 4. n. 1 e 2 da lei supra citada). Esta determinação legal, visa impedir as
influências estrangeiras e outras nocivas na política interna do país.
Por causa destas normas de restrição, estabeleceu-se a prestação de contas a fim
de fiscalizar a legalidade dos financiamentos dos partidos políticos e a respectiva utilização de
fundos, tornando pública tal situação, garante a honestidade por parte dos actores políticos e
assegura a política interna. Por isso, todos os partidos, quer tenham ou não assento no

114
Jorge Manuel Coutinho DE ABREU, Curso de Direito Comercial (das sociedades), Vol. II, 4ª ed, Almedina,
Coimbra, 2013, p. 8.
59
parlamento, devem prestar contas da utilização dos seus fundos e do seu financiamento,
apresentados em um relatório, todos os anos diante da Assembler nacional (art. 7º nº 1-4 da
Lei nº 10/12 de 22 de Março), a fim de se avaliar os seus méritos, os deméritos e aplicar a
respectiva consequência.
2. Financiamento respeitantes as eleições gerais: O financiamento respeitante as eleições
gerais, consiste no financiamento que visa dar apoio aos partidos políticos
concorrentes no âmbito das eleições gerais para o uso durante as campanhas eleitorais,
disponibilizado uma vez, em cada intervalo de cinco (5) anos.
O financiamento respeitante as eleições gerais, é regulado pela lei orgânica sobre
as eleições gerais (Lei nº 36/11 de 21 de Dezembro), cujo objectivo é o estabelecimento dos
princípios e das regras estruturantes relativos às eleições gerais (art. 1. n. 1 da lei citada); e
importa referir que todos os artigos apresentados neste ponto, e que não sejam referenciadas o
diploma legal a que pertençam, devem ser entendido que pertence na Lei Orgânica sobre as
eleições gerais, Lei nº 36/11 de 21 de Dezembro.
Quanto ao financiamento dos partidos políticos para as campanhas eleitoras, o
legislador, baseando-se no princípio da segurança política interna, também restringe o
universo dos financiadores; abraça novamente o critério exclusivo por um lado (art. 80º nº 2),
e como a lei nada diz em relação a abertura dos financiadores; entendemos que por outro lado,
estarrece o critério do numerus clausus (nº 1 do mesmo artigo).
Elencando os autorizados ao financiamento partidário no âmbito das eleições
gerais segundo a referida lei, são: 1) contribuição do Estado; 2) contribuições dos próprios
candidatos e dos partidos políticos; 3) donativos de pessoas singulares ou colectivas nacionais
residentes ou sediadas no País; 4) produto da actividade da campanha eleitoral; 5)
contribuições de organizações não-governamentais nacionais de cidadãos angolanos, nos
termos da presente lei e demais legislação aplicável; 6) empréstimos contraídos em
instituições privadas de crédito instaladas no País; e os não autorizados são: 1) governos e
organizações estrangeiras ou financiadas por governos estrangeiros, ainda que registadas em
Angola; 2) instituições públicas de crédito, institutos públicos, empresas públicas, órgãos da
administração local do Estado, Autarquias Locais, bem como de pessoas colectivas de
utilidade pública; 3) sociedade de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos; 4) pessoas
singulares ou colectivas não nacionais.
Determina a lei referida, que o financiamento do Estado para o partido político, é
feito até ao 5.º dia posterior à divulgação pelo Tribunal Constitucional da lista definitiva das

60
candidaturas admitidas, e por isso, depois da aprovação das listas dos candidatos definitivos,
os partidos têm até 15 dias para indicar o administrador eleitoral, o qual é responsável pela
recolha de fundos, pela contabilidade das receitas e despesas, pela movimentação da conta da
campanha e pela apresentação do relatório financeiro. (art. 8º nº3 e 82º).
O legislador orienta a indicação do administrador eleitoral no intuito de dividir as
responsabilidades e competências entres os membros ou órgãos dos partidos políticos por
lado, evitando o descontrole que pode ser causada pelas agitações próprias durante as
campanhas eleitorais, e por outro, para facilitar o processo de arrecadação de fundos, do
controle das despesas e seus destinos, e a apresentação do relatório financeiro perante o órgão
competente para a respectiva prestação de contas.
Aqui a prestação de contas dos partidos políticos, visa especialmente o controle da
legalidade, da honestidade no processo eleitoral, na determinação do quantitativo recebido e
gasto durante as campanhas e o remanescente do valor cedido pelo Estado, afim de os
partidos políticos devolverem ao Estado para que o referido valor seja usado no Orçamento
Geral do Estado (art. 83º nº 1 e 2), e por fim, tornar público todas as actividades partidárias
realizadas no âmbito das eleições gerais, no intuito de apresentar ao público, a certeza da
obediência ou desobediência das normas legais e a aplicação das equivalentes consequências.
A referida prestação de contas, deve ser realizada no período de 45 dias, após a
proclamação oficial dos resultados do escrutínio diante da Comissão Nacional Eleitoral e é
publicado num dos jornais diários mais divulgados no país. A Comissão Nacional Eleitoral
analisa a regularidade das receitas e despesas, caso verificar qualquer irregularidade nas
contas, deve notificar a respectiva entidade para apresentar, no prazo de 15 dias, a
regularização das contas; e se um dos partidos políticos concorrentes às eleições furtar-se de
prestar as contas nos prazos fixados, ou se concluir-se que ouve infracção do artigo 83º, a
Comissão Nacional Eleitoral fará a respectiva participação ao Tribunal de Contas, para os
efeitos legais (art. 83 nº1, 2, 3 e 5).

3.2. Fundamentação da necessidade da implementação e regulamentação da


prestaçãode contas do Partido Político que formou o governo cessante

Sabe-se que o governo é um órgão do Estado, um órgão de direcção para ser mais
específico, como afirma António José Fernandes: os Chefe de Estado, o Parlamento e o
Governo, são órgãos de direcção do Estado, e os órgãos de direcção do Estado, exercem o

61
poder político 115 ; aos quais está encarregue a administração da vida política, económica,
financeira, social, e tantas outras áreas que compõem o Estado enquanto organização. Como
acima dito, o órgão, é o elemento de uma pessoa colectiva incumbido pela lei ou pelos
estatutos, de tomar decisões jurídicas em nome dessa pessoa colectiva; e como definido por
Diogo Freitas do Amaral e Carlos Feijó, “os órgãos são centros institucionalizados de
poderes funcionais, a exercer pelos indivíduos que nele estejam investidos, com o objectivo
de expressar a vontade juridicamente imputável ao Estado”116; ou por Barcelar Gouveia, “os
órgãos público ssão centros de decisões que formulam uma vontade que é referida a
respectiva pessoa colectiva pública”117.
Por outra, como já dito, os órgãos são integrados por pessoas singulares, a fim de
lhe emprestarem a sua vontade psicológica e agirem em seu nome; actuação esta que é
imputada ao Estado. A integração das pessoas singulares aos órgãos, não é feita de forma
deliberada, pois que existem métodos e procedimentos adequados para se chegar a tal
posição; e com isso, aludimos aos modos de designação dos titulares.
Quanto aos modos de designação dos titulares dos órgãos no âmbito público,
Barcelar Gouveia apresenta dois modos; os quais são: 1). A designação por mero efeito do
Direito; e 2). A designação por efeito do Direito e da vontade118.
1. A designação por mero Efeito do Direito: A designação por mero efeito do Direito,
significa que de alguma maneira, já existe uma designação por uma previsão jurídico-
normativa, cuja efectivação está dependente de determinado acontecimento.
Segundo o autor, a referida designação pode dar-se por inerência, quando a
escolha de alguém para um cargo dá-se pelo facto de o indivíduo ser titular de outro cargo;
por sorteio, quando a escolha de alguém é fundado numa solução estatística, entre um mais
amplo leque de hipóteses; por rotação, quando a escolha a assunção ao cargo depender de
uma sequência plural de igual distribuição por várias pessoas; por antiguidade, quando a
escolha depender da antiguidade de exercício de outro cargo, antiguidade que também pode
ser idade; e por herança, quando a escolha depender de um direito adquirido por
hereditariedade.

115
António José FERNANDES, Introdução a Ciência Política (teorias, métodos e temáticas), 3ª ed., Porto
Editora, Portugal, 2010, p.122.
116
Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJO, Op. Cit, p. 145.
117
Jorge Barcelar GOUVEIA, Op. Cit., p.386.
118
Cfr. Ibidem, p.393.
62
2. A designação por efeito do direito e da vontade: Neste modo de designação de
titulares do órgão, para além da designação depender da previsão jurídico-normativa,
ela também depende de uma determinada vontade.
Ainda segundo o mesmo autor, esta designação, pode dar-se por eleição, quando a
escolha tiver por base um universo pluralista no colégio de vontades, assim como no conjunto
de candidatos apresentados; por nomeação, quando a escolha for por indicação unilateral, sem
qualquer contraditório das candidaturas; por cooptação, quando a escolha e feita por membros
que pertencem a determinado órgão, a fim de que o escolhido também faça parte do órgão que
escolhe ou indica; por aquisição revolucionária, quando a escolha se der na sequência de um
processo revolucionário, com ruptura da ordem constitucional; e por aclamação, quando a
escolha se der através da expressão de uma vontade colectiva e pública.
No âmbito da designação dos indivíduos para ocupação de cargos nos órgãos
públicos de direcção, o ordenamento jurídico angolano, estabelece critérios bem específicos,
tendo por base o modo de designação por efeito do Direito e da vontade, concretamente a
eleição. Os órgãos de direcção ou políticos são essencialmente três (3), nomeadamente, o
Presidente da República, a Assembleia Nacional e o Governo119, e segundo a lei, os cargos
destes órgãos são electivos (art. 109º nº 1, 108º nº 1, 142º CRA). Importa dizer ainda, que tais
eleições, não são feitas de forma singular, pois que elas são feitas no âmbito colectivo,
subordinados as listas dos partidos políticos; e este facto, dá o monopólio partidário na
representação política, como afirma José Canotílho em relação ao Estado Português120.
Nesta lógica, os partidos políticos, tornam-se os únicos entes que têm a permissão
de sugerirem as pessoas singulares que ao seu entender, podem ocupar os cargos nos órgãos
de direcção do Estado; e a partir daqui, podemos perceber que antes mesmo de se chegar aos
modos de designação acima mencionados para os órgãos do Estado, existe a designação ao
nível partidário; que sendo estas pessoas jurídicas121, aqueles modos de designação também
lhe servem, fato que acontece antes da designação para a ocupação em concreto dos órgãos de
direcção do Estado.
Dentre várias funções dos partidos políticos, esta é uma das funções a qual
queremos dar atenção, pois que constitui um ponto muito importante ao nível da política
angolana. A lei determina que apenas os partidos políticos podem propor candidatos elegíveis
aos cargos dos órgãos centrais electivos do Estado (art. 31.º n º da Lei n.º 36/11 de 21 de

119
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit.
120
Cfr. José Gomes CANOTILHO, Op. Cit., p. 316.
121
Cfr. Carlos Alberto B. Burity DA SILVA, Op. Cit., p. 356.
63
Dezembro); e no âmbito da selecção dos candidatos, os partidos políticos obedecem ao modo
de designação por efeito do Direito e da vontade como acima referido, e isto significa que ao
nível partidário, tem havido eleições para a escolha dos respectivos candidatos; os quais
concorrerão de alguma maneira ao nível das eleições gerais.
Estas eleições realizadas ao nível partidário no intervalo de cada (5) anos, são
sempre realizadas antes das eleições gerais, ou seja, em primeiro lugar os membros do
partido, reúnem-se em congresso e elegem aqueles que serão proposto ao cargo de direcção
electivo do Estado, formulam a lista dos candidatos, e só assim apresentam a lista dos
respectivos candidatos ao órgão competente do Estado, afim de averiguadas e serem
aprovadas para as eleições gerais. Tendo em conta os tipos de eleições, entendemos que
apesar de a Constituição no se artigo 106º afirmar de outro modo, as eleições gerais realizadas
em Angola, são indirectas e não directas, porque o cidadão eleitor não elege directamente o
candidato ao cargo do electivo do órgão do Estado, pois que tal facto verifica-se
anteriormente ao nível partidário.
Este modo de eleições faz-nos perceber quem realmente é eleito; pois que no
âmbito das eleições, como outrora dito, quem realmente concorre e é eleito, é o Partido
político; e se basearmo-nos no conceito de eleições directas constantes na Constituição
angolana, teremos de compreender que é directa em relação ao partido político, e não em
relação aos candidatos constantes nas listas apresentadas pelos partidos políticos, porque estes
já foram eleitos no âmbito partidário, e o máximo dos efeitos dos votos dos cidadãos sobres
estas listas, serão a ascensão ou não aos cargos pelos quais foram propostos.
Por outro lado, percebemos também quem realmente é o escolhido para a gestão
pública; e nesta lógica, se segundo a lei, quem de facto concorre às eleições gerais são os
partidos políticos; deve-se entender também que é este, que quando vence as eleições, torna-
se o responsável pela gestão pública, torna-se o gestor público. Considerando o conceito de
gestão, é o partido político que visa conseguir resultados (bens e serviços) com esforço dos
outros, é o partido que organiza um conjunto de pessoas para realizarem uma determinada
actividade, a fim de atingir melhor os seus objectivos.
Afirma António Fernandes que são os partidos políticos que depois de
conquistarem o poder político, exercem-no por um lado122, e coordena o programa político de
governo por outro lado123. Podemos relacionar estas afirmações, com os factos que se tem
verificado no âmbito das eleições ao nível do Estado angolano. Verifica-se nas vésperas

122
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit.p. 188.
123
Cfr. Ibidem, p. 191.
64
eleitorais que os partidos políticos no âmbito das campanhas eleitoras apresentam programas
políticos de governação, aprovados como tal pelo órgão competente do Estado; e tal programa
serve de base de governação quando o referido partido vence as eleições. E no âmbito da
prossecução dos fins públicos em concreto, é o partido político que venceu as eleições quem
forma o governo e estabelece na sua agenda, as questões a serem resolvidas com prioridade;
cabendo apenas ao governo formado por si, seguir os planos previamente estabelecidos pelo
partido governante (normalmente, com pequenas variações).
Diz Marcelo Caetano: “o partido político exerce a autoridade através dos seus
membros que são titulares dos órgãos governativos e que actuam naquela qualidade,
submetidos as decisões e instruções emanadas dos órgãos partidários competentes”124. Esta
declaração de Marcelo Caetano, vem simplesmente dar apoio a ideia por nós defendida acima,
de que sãos partidos políticos quem criam e coordenam as políticas de governo ao nível do
Estado angolano, e por isso são eles quem governam por meio dos membros do governo
formado por ele, ou seja, entendemos que no âmbito da representação, deve se considerar que
de alguma forma, aqueles membros do partido governante que constituem o governo,
representam o referido partido e por isso de alguma maneira, sempre que estes membros
agirem, deve se considerar que quem age de fato, é o partido, o qual eles representam.
Esta interpretação, vem da lógica da acção da pessoa colectiva, pois, considerando
que pessoa colectiva é uma associação de indivíduos que visam um fim comum, e a sua
actuação depende da acção dos seus órgãos ou representantes. Significa que os actos dos
órgãos ou representantes, pertencem a pessoa colectiva que o órgão pertence ou que o
representante representa; e como exemplo, apresentamos a situação de uma empresa de
prestação de serviços, que envia os seus agentes à prestarem determinado serviço; para todos
os efeitos, considerar-se-á que os serviços foram prestados pela empresa em que os agentes
executores pertencem.
Para além destes motivos que naturalmente fundamentam e justificam a
necessidade da implementação e regulamentação de prestação de contas do partido político
que formou o governo cessante; apresentamos também os seguintes motivos:
3. Gestão pública encabeçada por pessoa privada
Como apresentamos acima, quem gere a coisa pública, é quem foi eleito para tal, e
na realidade angolana, os únicos entes com permissão para concorrerem no âmbito das
eleições gerais, são os partidos políticos. São os paridos políticos que quando um dentre eles

124
Marcelo CAETANO, Manual de Ciências Políticas e direito Constitucional, 6ª ed., vol. 1, Almedina,
Coimbra, 2009, p. 388.
65
vence as eleições, forma o governo para que este dê respostas as gritantes necessidades da
colectividade, com base no programa político de governação do referido partido; servem-se
do poder político outorgado pelo povo e dos bens públicos para que aquelas necessidades
sejam satisfeitas.
Os partidos políticos, são pessoas colectivas, distintas do Estado, elas não formam
uma unidade com o Estado, os Estado é uma pessoa colectiva e o Partido político é outra
pessoa colectiva, com personalidades e naturezas jurídicas distintas.
O Estado é uma pessoa colectiva pública, enquanto os partidos políticos possuem
uma natureza privada, assim como afirmam Burity da Silva125 Gomes Canotílho126 e Benilde
Malé127; significa isto que é uma pessoa privada encabeçada pelo povo por meio das eleições
à administrar ou gerir o Estado. Na finalidade de governar ou prosseguir os interesses da
colectividade, o partido político que eventualmente ganha as eleições, não se torna em um
órgão do Estado (bastando apenas um na realidade angolana, que é p Presidente da República,
isto com base no sistema presidencial acolhido pelo Estado angolano), ele forma o governo
com os seus representantes para que estes ponham em prática os planos constantes nos
programas e agendas políticas, materializando-os, a fim de prosseguir o referido fim público.
O governo é um órgão do Estado responsável pela definição e orientação da
política do país, e por outra, pela direcção da política geral de governação do País e da
Administração Pública. A sua estrutura e funcionamento, depende do sistema de governo
adoptado em cada Estado; assim, nos Estados com o sistema parlamentar, o Governo é um
órgão colegial e soberano formado pelo parlamento128, composto pelo Primeiro-ministro que
figura como chefe do Governo sendo responsável perante o referido parlamento, pelos
Ministros e pelos Secretários de Estado e podemos encontrar tal sistema no Estado cabo-
verdiano 129 ; nos Estados com o sistema presidencial, o Governo é um órgão unipessoal
exercido pelo Presidente da república e que figura como o chefe do Governo, figurando o
Vice-Presidente, Ministros e Ministros de Estado como seus auxiliares, tal sistema podemos
encontrar no Estado Angolano130; e nos Estados com o sistema semi-presidencial, o Governo
é um órgão colegial, dependendo da sua inclinação para o parlamentarismo ou
presidencialismo, neste sistema, o Governo pode ser chefiado pelo Presidente da República

125
Cfr. Carlos Burity DA SILVA, Op. Cit., pp. 355-356.
126
Cfr. José Gomes CANOTILHO, Op. Cit., p. 316.
127
Cfr. Benilde MALÉ, Op. Cit., p. 171.
128
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit.p. 152.
129
Cfr. Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJO, Op. Cit, p. 248.
130
Cfr. Ibidem, p. 151-153.
66
quando este exista, ou por um Primeiro-ministro quando aquele não faça parte, e para além de
um daqueles, é composto pelos ministros e secretários de Estado, e funciona como órgão de
soberania; este sistema vigora nos Estados Moçambicano e Português131.
Como já vimos acima, o órgão Governo, é um órgão da pessoa colectiva Estado
responsável pela política geral interna e externa do Estado, ocupado temporariamente pelo
representante do partido político que governa.
Por causa dos factos levantados neste ponto, entendemos que porque a gestão
pública é levado a cabo por um ente privado, findo o seu tempo de gestão, a referida pessoa
colectiva privada deveria prestar contas da sua gestão, pois que em toda administração
exercida por um terceiro em nome de outrem, deve-se prestar contas diante do proprietário132
Ainda em relação a representação, para que não haja outro entendimento, importa-
nos aclarar que a pessoa designada para o cargo do órgão de direcção Governo, não representa
apenas o partido político que o designou; como que se interessasse unicamente pelos
interesses do partido político a que pertence ou que o propôs, mas como também é designado
para velar pelos interesses da colectividade pública que forma o Estado. Chegamos a este
entendimento em função dos seguintes factos: em primeiro lugar, sendo o partido político
uma pessoa colectiva, a sua acção depende dos seus órgãos133 ou representantes134, e a pessoa
singular proposta para o Governo (Presidente da República por inerência) constitui-se num
representante do referido partido, e muitas vezes a referida pessoa singular, acumula o cargo
do órgão de Presidente do Partido; em segundo lugar, porque a democracia visa a
representação do povo, como afirma Lincoln: a democracia é o governo do povo, para o povo
e pelo povo.
Queremos com esta ideia dizer que, como a designação para a integração ao cargo
de governante é feito no âmbito partidário, porque dela depende, o referido designado tem um
vínculo com o partido político que o propôs (salvo uma desvinculação partidária durante o
exercício da governação; aí existira uma prestação de contas da pessoa do presidente, caso
haja alteração na política e plano de governação), um vínculo de representatividade e que de
algum modo, o Governante age em nome do partido e no fim das contas, o partido age em
nome do Povo; e por outra, porque o governante é eleito no âmbito da democracia
(democracia representativa) ele representa directamente o povo, independentemente da sua

131
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit. p. 155.
132
Cfr. Art. 465 c), e 1161 d) CC.
133
Cfr. Diogo Freitas DO AMARAL e Carlos FEIJÓ, Op. Cit., p. 144.
134
Cfr. Pedro Pais DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed, Almedina, Coimbra, 2007, p.
319.
67
vinculação partidária; e a este facto, denominamos por dupla representação, onde a
representação democrática ou popular se constitui como o principal facto de atenção do
governante e da governação.
a) Meio de ascensão à gestão pública
Como já dito, a ascensão à gestão pública, é feito por meio das eleições gerais,
realizadas num intervalo de 5 anos, aonde os partidos polípticos são os concorrentes,
aspirando a vitória e a ascensão do seu representante ao Governo. As eleições gerais, para
além de ser um acto político com afirmam alguns autores, entendemos que também é acto
jurídico e a sua existência, o seu regimento, os parâmetros para a sua execução, são
legalmente prescritos por lei; significa dizer que a ascensão a gestão pública, dada sua
importância, também está subordinada ao princípio da legalidade imperante no Estado
angolano, pois que esta constitui-se num Estado Democrático de Direito.
A eleição geral, constituem-se num ato jurídico porque configuram-se em um
comportamento voluntário juridicamente relevante, comportamento o qual o direito reconhece
relevância como comportamento voluntário e livre135, como previsto na lei (art.3º nº 1. CRA).
Esta voluntariedade e liberdade presentes no acto da eleição geral, pressupõe uma autonomia
das partes envolvidas no acto electivo, e para aclarar, apesar de que o voto é realizado por
várias pessoas singulares, todos eles constituem uma única parte 136 em relação ao partido
político; pois que todos os universos de eleitores formam a pessoa colectiva Estado.
Até aqui, já conseguimos perceber que as eleições, constituem-se em um acto
jurídico voluntário; é um acto porque existe um comportamento do Estado em relação ao
partido, é jurídico porque o Direito atribui relevância jurídica e é voluntário porque
entendemos que as eleições processam-se na liberdade, tanto do Estado porque ele pode
determinar a forma de escolha que bem entender, como para o partido político que podem
livremente abster-se de concorrer nas eleições gerais (art. 9º da Lei nº 10/12 de 22 de Março
Lei do financiamento aos partidos políticos).
Por mais que exista esta liberdade, está limitada, tudo porque o Estado prescreveu
normas jurídicas que de alguma maneira, obriga o Estado a aceitar as candidaturas (desde que
estejam regulares) de todos os partidos políticos legalmente constituídos; como se existisse
um contrato promessa feito pelo Estado. A título de exemplo, temos o artigo 31º da Lei
orgânica sobre as eleições gerais:
Legitimidade:

135
Cfr. Pedro Pais DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed.,Almedina, Coimbra, 2007, p. 405
136
Cfr. Carlos Burity da Silva, po. Ci., p. 440
68
“ As candidaturas param o cargo de Presidente da República, de
Vice-presidente da República e Deputados à Assembleia Nacional,
sãs apresentadas por partidos políticos ou coligação de partidos
políticos” (Lei nº 36/11 de 21 de Dezembro), e ainda: “Partidos
Políticos são as organizações de cidadãos, de carácter permanente e
autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar
democraticamente da vida política do País, concorrer livremente para
a formação e expressão da vontade popular e para a organização do
poder político (art. 1. Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro)

4. Natureza contratual do ato electivo


Ainda em relação do carácter jurídico que as eleições gerais possuem, entendemos
que o ato electivo possui uma natureza jurídica contratual; e estaremos explicando o porquê
de tal interpretação.
O acto eleitoral, é legalmente prescrito 137 , precedido de campanhas eleitorais,
onde cada partido político apresenta a sua proposta e programa de governo ao povo eleitor, no
intuito de cada um agradar o eleitorado com o seu programa e ser eleito para governar.
António José Fernandes e alguns outros autores, entendem que os partidos políticos possuem
uma função intermediaria (intermediários entre o Governo e os poderes públicos de um lado e
o conjunto dos cidadãos por outro, como notou André Hauriou), cujo objectivo é auxiliar os
eleitores a tomarem decisões diante de diversas opções políticas, esclarecendo-os
politicamente, guiando-os na escolha dos que melhor podem governar 138 ; nós porém, em
relação a realidade angolana, não entendemos do mesmo modo.
Para a realidade angolana, os partidos políticos não se constituem em meros
intermediários; pois que eles aspiram o poder de governo, o qual buscam conquistar no
âmbito das eleições gerais, sendo eles os primários e únicos 2concorrentes das eleições
gerais139 visando vitória para o alcance do poder e a manutenção do referido poder, tornando
o governo dependente da organização partidária140.
Entendemos que o ato eleitoral constitui-se em um ato contratual, porque os seus
contornos, preenchem o conceito do contrato. Menezes Leitão define o contrato como sendo
“um acordo vinculativo assente em duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta,
de um lado; aceitação do outro), contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que

137
Cfr. Art 106º CRA.
138
Cfr. António José FERNANDES, Op. Cit., pp. 190-191.
139
Cfr. Art.31º-34º LOEG.
140
Cfr. António FERNANDES, Op. Cit. p. 192.
69
visam estabelecer uma composição unitária de interesses” 141 . Em relação as eleições,
também em princípio, existe um acordo, onde o partido político concorda em concorrer, e o
eleitorado concorda em eleger (nos termos da lei); em seguida, os partidos políticos ao
trazerem, as suas propostas de governação diante do eleitorado (proposta), no intuito de
convence-lo por um lado, e o eleitorado por outro lado, analisa as propostas feitas pelos
partidos concorrentes, e decide escolher uma dentre várias propostas (aceitação), na certeza de
que as propostas do escolhido responderão as suas necessidades, e por isso, o eleitorado cria
uma determinada expectativa depois da escolha.
Para além dos fatos acima apresentado, as eleições também processam-se no
âmbito da voluntariedade (apesar de ser mais restrita), pois que por um lado, o eleitorado (de
forma singular e colectivo), decide em quem há-de depositar o seu voto e que
consequentemente governará a nação, não estando e nem podendo ser obrigado a escolher o
partido A ou B, sem dizer que tal fato violaria o princípio do Estado Democrático de Direito e
o sistema multe partidário vigorante em Angola; por outro lado, os partidos políticos também
gozam da voluntariedade no concurso eleitoral142, pois que a sua constituição não pressupõe a
obrigatoriedade da sua candidatura, têm a prerrogativa de concorrerem quando se sentirem
preparados, ou não, quando não se sentirem preparados.
Ainda dentro do elemento volitivo, importa dizer que existem duas partes143, as
quais emitem declarações de vontades; constituindo-se em duas partes distintas, isto é, o
partido político de um lado, e o eleitorado do outro lado, onde o partido pretende alcançar o
poder, e o povo eleitor pretende cede-lo (vontades opostas, mas harmonizáveis)144.
Por fim, o referido acordo, produzirá um vínculo obrigacional, onde as partes
ficam obrigadas a cumprir com os termos do contrato; isto é, o Estado fica obrigado a ceder o
exercício do poder político ao partido político eleito, e o partido político deverá cumprir com
o programa político pelo qual foi eleito; materializando-se mais uma das características do
contrato, que se consubstancia numa fonte de obrigações145.
Sendo o ato eleitoral um ato de natureza contratual, importa ainda determinar o
tipo ou espécie de contrato em que se enquadra o respectivo ato. Dentre os vários tipos de
contratos existentes ao nível do ordenamento jurídico angolano, procuramos aquele que se
enquadraria ao ato eleitoral; e da procura, entendemos que o tipo de contrato em que se

141
João de Matos Antunes VARELA,Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, Coimbra2003, p. 212.
142
Cfr, art. 9º Lei nº 10/ 12, 22 Março (Lei do Financiamento as Partidos políticos)
143
Cfr. Carlos Buryti DA SILVA, Op. Cit., p. 440.
144
Cfr. João de Matos Antunes VARELA, Op. Cit. p. 216.
145
Cfr. Ibidem, p. 211.
70
enquadra o ato eleitoral, é o contrato de mandato, previsto nos termos do artigo 1157ºss do
Código Civil; mutatis mutandis, transformado para o mandato político (contrato de mandato
político) como conhecido; elevado ao nível dos contratos públicos.
O mandato é um contrato pelo qual uma parte se obriga a praticar um ou mais
actos jurídicos por conta de outrem146, é o contrato em que o mandatário assume a obrigação
de praticar actos jurídicos147. Percebe-se que de alguma forma, o ato eleitoral, visa mandatar
determinado partido político na governação e gestão do Estado; tornando-o responsável pelos
negócios do Estado; e o Partido político obriga-se a governar o Estado, tendo por base, os
planos políticos apresentados a quando das campanhas políticas para as eleições gerais.
Ainda com as necessárias adaptações, o partido político uma vez eleito, age por
conta e em nome do Estado (no âmbito da governação), o que nos leva ao mandato com
representação previsto nos termos do artigo 1178º nº 2 do Código Civil, cuja redacção afirma
que “o mandatário a quem haja sido conferido poderes de representação, tem o dever de agir
não só por conta, mas em nome do mandante a não ser que outra coisa tenha sido
estipulada”
O mandato como outros tipos de contrato que comporta direitos e obrigações,
tanto do mandatário como do mandante; sendo as obrigações do mandatário, direitos para o
mandante, e obrigações do mandante, direitos para o mandatário. Dentre as obrigações do
mandatário, a lei destaca a prestação de contas findo o mandato, ou quando o mandante
exigir148; no intuito de o mandatário apresentar os seus actos de administração ou gestão.
Nós entendemos que porque os contornos do ato eleitoral preenchem os
pressupostos do mandato, mutatis mutandis, o ato eleitoral constitui-se num contrato de
mandato (mandato político), e por isso também comporta direitos e obrigações tanto para o
partido político eleito, como para o Estado (enquanto organização); que dentre as quais,
também deveria constar a prestação de contas do partido político que formar o governo
cessante (findo o mandato). As obrigações do mandante segundo o art. 1161 do Código Civil
são: 1º. A prática de actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
2º. A prestação de informações que o mandante lhe peça, relativo aos actos da gestão; 3º. A
prestação de contas findas o mandata ou quando o mandante exigir; 4º. A entrega ao

146
Cfr. Art. 1157 CC.
147
Cfr. Luís Manuel tTeles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III, 4ª ed., Almedina, Coimbra,
2006. p. 432.
148
Cfr. Art. 1161º, al. d) do CC.
71
mandante, o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se não o despendeu
normalmente no cumprimento do contrato149.
As obrigações do mandante, consistem em: 1º. O fornecimento dos meios
necessários á execução do mandato; 2º. Pagar retribuição ao mandatário, quando ao caso
competir, e fazer provisão segundo os usos; 3º. Reembolsar o mandatário das despesas feitas
que fundadamente tenha considerado indispensável, com juros legais desde que foram
efectuados; 4º. A indemnizar o mandatário do prejuízo que vier a sofrer em consequência do
mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa150.
São estes os direitos e deveres presentes no contrato de mandato; que devidamente
adaptados, imperam no âmbito eleitoral.
Este é outro motivo que nos leva a fundamentar que o partido político que forma o
governo cessante, deve prestar contas da sua gestão; porque a gestão foi cedida no âmbito de
um contrato, cuja espécie, cobra uma prestação de contas ao gestor.

3.3 Implicações inerentes a inexistência da prestação de contas DP Partido


Político que formou o Governo cessante

Em função dos vários sentidos de compreensão da palavra impacto, queremos


aclarar que aqui, trouxemos o sentido de efeito ou consequências; e reformulando, diríamos:
As consequências inerentes a inexistência da prestação de contas do partido político que
formou o governo cessante.
Como acima dito, o Governo é um órgão do Estado responsável pela definição da
política geral do Estrado, criado para manifestar a vontade imputável ao Estado (dentro das
competências que lhe foram legalmente atribuídas), no intuito deste prosseguir os seus
interesses151; cujo(s) titulare(s) é (são) pessoa(s) singulare(s) partidariamente delegado(s), a
princípio como representante(s) do povo e do partido político.
Para a formação do Governo, os partidos políticos obedecem as regras baseadas
no princípio Democrático de Direito, que consiste na limitação jurídica do poder público
segundo um conjunto de regras que se imponham ao Estado, ou a ideia de que a actuação do
Estado, ou poder político em geral, longe de se desenvolver fora de Direito (se lhe devia
submeter)152; e consistindo também na organização de poder público, em que os governados

149
Cfr. Idem, art.1161º,al. a), b), c), d) e e) do CC.
150
Cfr. Ibidem, art. 1167, a), b), c) e d) do CC
151
Cfr. Diogo Freitas do AMARAL e Carlos FEIJÓ, Op. Cit. pp. 156-157.
152
Jorge Barcelar GOUVEIA, Op. Cit. pp. 212-213.
72
influenciam a actividade e o percurso dos governantes, sobre eles exercendo efectivo
controle 153 . O regime jurídico que disciplina ascensão dos candidatos à governação,
encontram-se constantes na CRA, e na Lei orgânica sobre as Eleições Gerais, conjugados com
os preceitos da Lei dos Partidos Políticos e a Lei Sobre o Financiamento aos Partidos
Políticos.
As Leis acima aludidas, determinam uma forma específica para se chegar à
governação, e consequentemente formar o Governo. A Lei determina que é necessário que o
interessado concorra no âmbito das Eleições Gerais, e vença as respectivas eleições por ser
eleito pela maioria dos eleitores154. Dentre os procedimentos eleitorais existentes durante o
respectivo concurso, destacamos aqui a campanha eleitoral previstos nos artigos 61º-69º da
Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais, o qual é definido como,

“A actividade de justificação e de promoção das candidaturas, sob


diversos meios, no respeito pelas regras do Estado Democrático de
Direito, com vista à captação de votos através da explicitação dos
princípios ideológicos, programas políticos, sociais e económicos,
plataformas de governação por parte dos candidatos, dos titulares
dos órgãos que os propõem, seus agentes ou quaisquer outras
pessoas”155.

Como adiantado na definição, a campanha eleitoral visa a captação de votos por


meio da promoção de candidatura e explicitação de ideologias, programas políticos, sociais e
económico do partido candidato. É este o meio para chegar à camada eleitoral, dando-lhes a
conhecer dos seus planos e estratégias de governação caso vençam as eleições pleiteadas com
outros partidos concorrentes.
Anteriormente, quando tratamos da fundamentação da necessidade da
implementação e regulamentação da prestação de contas do partido político que formou o
governo cessante, apresentamos o acto electivo como sendo um ato contratual, no qual, o
povo aceita os termos propostos por um dos partidos. Nesta lógica, o entendemos o voto
como uma aceitação a proposta feita pelo partido eleito, durante as campanhas políticas
eleitorais.
O partido político uma vez eleito, forma o Governo156, e torna-se o responsável
pela definição política geral do país. Por causa dos fatos ora apresentados, entendemos que a

153
Ibidem, p.259.
154
Cfr. Art. 4 CRA; 32º, 33º, 31º e 34º LOSEG.
155
Idem, art. 61º.
156
Cfr. Art. 108º, 109º e 120º CRA 2010 (rev).
73
falta da prestação de contas partido político que formou o governo, isto é, no fim do mandato
do respectivo partido, suscita alguns impactos ao nível do ordenamento jurídico angolano, das
quais podemos elencar as seguintes:
1. Leviandade no cumprimento dos termos (contratuais) pelos quais foi eleito:
Consiste na falta de seriedade por parte do partido político que venceu as eleições no
cumprimento do conjunto de propostas que convenceu o povo eleitor, apresentadas na
fase da campanha eleitoral.
Em todas os pleitos eleitorais, a campanha eleitoral, onde os partidos políticos
concorrentes apresentam a sua filosofia de governo, seu plano de governação, (especificando
os projectos da sua agenda), etc., constitui o elemento principal para a influência dos votantes,
isto, é na campanha eleitoral onde os partidos concorrentes procuram convencer o eleitorado
com os seus termos e propostas; e como consequência, baseados nestas propostas, o
eleitorado vota, aceitando uma das propostas, por achar ser o melhor no tempo e no espaço,
ficando na esperança de que o partido eleito cumprirá com os termos constantes no contrato
(legitima expectativa do Estado).
Nesta lógica, os termos do contrato, constituem-se no objecto do contrato (a
prestação de actividades) 157 , e por causa desta tamanha importância, devia existir uma
prestação de contas, o partido político que formar o governo cessante, devia apresentar um
relatório para averiguar-se se de fato, houve cumprimento ou não dos termos do contrato (pois
que foi por meio dele que o respectivo partido foi escolhido), que sem o qual não teria sido
escolhido. Enquanto não haver prestação de contas do partido político que formou o governo,
entendemos que haverá graves desvios no cumprimento do objecto do contrato (porque não
haverá cobrança, e sem cobrança, não haverá responsabilização nem remorso) por parte do
partido político eleito; por fim, será sempre o Estado o prejudicado.
2. A falta da declaração do uso de fundos públicos: Consiste na ausência da
declaração dos destinos dos bens e dos fundos públicos disponibilizados pela
Assembleia Nacional por meio do OGE (Orçamento Geral do Estado) para
determinados fins.
O desenvolvimento e o funcionamento de qualquer Estado, depende totalmente do
OGE, que se consubstancia no valor anual disponibilizado pela A.N, para dar respostas às
necessidades do estado em diferentes sectores. Este valor, é recebido pelo Governo, o qual
distribui às diversas áreas, segundo as necessidades. O destino dos bens e o uso de fundos

157

74
públicos, devem ser declarados por parte do partido político que formou o Governo cessante,
para que se garanta a transparência na gestão. Infelizmente, vezes há que não se procede a
declaração ou deficitária quando se procede; tudo porque no fim das contas, o gestor (o
partido político) não é juridicamente censurado, e por isso, fá-lo sem qualquer receio.
3. Projectos inacabados, apesar do total pagamento dos valores: Consiste na reunião
de todos os materiais necessários para se concluir determinado projecto, lança-se a
primeira pedra, mas injustificadamente não se da o acabamento em tempo útil, nem
sem a injecção de novo financiamento por parte do Estado.
Projectos inacabado e injecção de novo financiamento, constituem-se em outro
impacto negativo da falta da prestação de contas do partido político que formou o governo
cessante, pois que se fica na ideia de que o povo o eleitor nunca saberá e por isso, nunca
cobrará.
4. Falta de responsabilização diante dos prejuízos causados pelo gestor (Partido
Político): Consiste na ausência da responsabilização por parte do Estado, contra o
gestor que causa prejuízos ao Estado durante a governação.
Porque se despreza a influência do Partido político na governação, também se
despreza a possibilidade da sua responsabilidade como gestor público, tornando-lhe inocente
de todas as repercussões da governação.
A falta da regulamentação do regime jurídico da prestação de contas do Partido
Político que formar o governo cessante, deixa o sistema jurídico impotente em relação ao
respectivo Partido (no âmbito da governação), a lei não pode obriga-lo a seguir um padrão
específico de governação, nem tão pouco ao cumprimento integral das propostas (contratuais)
pelas quais foi eleito; dando um enorme espaço à discricionariedade durante toda a
governação.
Entendemos por outra que, caso a prestação de contas do partido político que
formou o Governo cessante fosse implementado, surgiriam impactos positivos no âmbito da
governação, onde dos vários, podemos elencar:
1. Cumprimento rigoroso dos termos (contratuais) pelos quais foram eleitos;
2. Rigorosidade na aplicação e fiscalização no uso de fundos públicos;
3. Rigorosidade no cumprimento dos projectos, em harmonia com o valor
disponibilizado;
4. Responsabilização pelos prejuízos causados pelo gestor (governante).

75
Estes impactos positivos e outros que não foram mencionados, surgem como
resposta aos impactos causados pela inexistência da prestação de contas do partido que
formou o governo cessante, e que para tal seja possível, é necessário que no fim d cada
mandato, o partido político que tiver formado o Governo, deverá apresentar um relatório de
governação diante do órgão competente; o qual será avaliado em função do seu plano de
governação e a respectiva execução, onde o partido visado justifica todas as anomalias
presentes no relatório.
Se o Estado por meio de normas jurídicas, pudesse controlar a governação do
Partido político que vencer as eleições gerais, entendemos que também teria a possibilidade
de aplicar sanções, caso o respectivo Partido não obedecesse ou violasse determinadas normas
jurídicas pré-estabelecidas; e a título de exemplo, apresentamos a admoestação, a suspensão
temporária ao concurso nas eleições gerais (ou autárquicas), responsabilidades civis e
criminais (independentemente das responsabilidades singulares dos membros do Partido), e
por fim, uma possível extinção do partido por graves prejuízos à nação.
Porque a governação é o fato mais importante do Estado, entendemos que o órgão
a ser competente para tratar da prestação de contas do partido político que formou o Governo
cessante, deve ser a Assembleia Nacional, por este ser o órgão do Estado constituído pela
maioria dos representantes do povo.

76
CONCLUSÕES
Tendo em vista os aspectos analisados, concluímos que o Estado angolano é uma
República Democrática de Direito, significando que é uma coisa pública, uma coisa que
pertence ao povo, por isso é um objecto do poder do povo, o qual delega por sufrágio
universal e directo nos termos da lei, e toda a gestão pública é feita por terceiros, por conta ou
em nome do Estado; por isso, o governante deve prestar contas da sua governação diante do
seu mandante.
Por outra, também concluímos que a prestação de contas do Partido político que
formou o Governo cessante, é uma necessidade jurídica, pois que a governação é o resultado
das eleições partidárias, onde estas apresentam as suas propostas e termos ao eleitorado, no
intuito de o eleitorado analisa-lo e aceita-lo, por ser a que mais se adequa as suas expectativas.
Neste ponto, percebe-se que o acto electivo, possui uma natureza contratual, é um facto com
relevância jurídica, e por isso, deve-se lhe dar o tratamento adequado.
Concluímos ainda que a falta da prestação de contas do Partido político que
formou o Governo cessante, causa impactos negativos para o Estado angolano; permite o
desvio dos termos pelos quais o Partido foi eleito, inibe a lei de responsabiliza-lo diante dos
prejuízos, causando prejuízos profundos e duradouros.
Por fim, concluímos também que a prestação de contas do Partido político que
formou o Governo cessante, não possui uma história, porque nunca foi uma realidade em nem
um dos Estados passados; e nem é um facto existente na actualidade, porque em termos de
direito comparado, nenhum Estado, ao nível mundial, possui a respectiva prestação de contas.

77
RECOMENDAÇÕES

Abordadas as questões relativas a necessidade da prestação de contas do Partido


político que formou o Governo cessante, e os impactos da sua inexistência no ordenamento
jurídico angolano; apresentada a sua importância, apresentamos uma única recomendação; a
qual é:

 Que o legislador angolano, no uso das competências, legisle sobre a matéria da


prestação de contas do Partido político que formou o governo cessante; estabelecendo
o respectivo regime jurídico e a sua regulamentação, no intuito de mitigar as
consequências da sua inexistência no ordenamento jurídico angolano.

78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Fontes da Web
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 https://www.pipefy.com/pt-br/blog/prestacao-de-contas/

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