GEORGE ORWELL

A NOVELA GRÁFICA

ADAPTAÇÃO

FIDO NESTI
ERA UM DIA FRIO E LUMINOSO DE ABRIL, E OS RELÓGIOS BATIAM AS 13 HORAS. WINSTON SMITH ESGUEIROU-SE DEPRESSA POR ENTRE
AS PORTAS DE VIDRO DAS MANSÕES VITÓRIA, MAS NÃO TÃO DEPRESSA QUE EVITASSE A ENTRADA, COM ELE, DE UMA RAJADA
DE POEIRA ARENOSA.

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ERA INÚTIL TENTAR O ELEVADOR. MESMO NA MELHOR DAS ALTURAS, RARAMENTE FUNCIONAVA, E DE MOMENTO A CORRENTE
ELÉCTRICA PERMANECIA CORTADA DURANTE O HORÁRIO DIURNO, COMO PARTE DE UM ESFORÇO DE CONTENÇÃO DE CUSTOS NA
PREPARAÇÃO PARA A SEMANA DO ÓDIO.

O APARTAMENTO FICAVA NO SÉTIMO WINSTON, QUE TINHA TRINTA E NOVE PAROU PARA
ANDAR. ANOS E UMA ÚLCERA VARICOSA ACIMA DO DESCANSAR VÁRIAS
TORNOZELO DIREITO, SUBIU DEVAGAR... VEZES.

UMA VOZ LIA ALTO UMA LISTA DE NÚME-

ROS REFERENTE AO CUMPRIMENTO DOS
OBJECTIVOS DO NONO PLANO TRIENAL.

A PRODUÇÃO DE FERRO-FUNDIDO...

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O VOLUME DO INSTRUMENTO (CHAMA- QUALQUER SOM CAUSADO POR WINSTON ENQUANTO ELE PERMANECESSE NO
VA-SE TELECRÃ) PODIA SER REGULADO, QUE ULTRAPASSASSE O NÍVEL DE UM CAMPO DE VISÃO ENQUADRADO PELA
MAS NÃO HAVIA FORMA DE O DESLIGAR SUSSURRO MUITO DELICADO SERIA POR PLACA DE METAL, PODERIA SER NÃO SÓ
POR COMPLETO. ELE REGISTADO. VISTO, MAS TAMBÉM OUVIDO.

É CLARO QUE NÃO HAVIA FORMA DE UMA PESSOA SABER SE ESTAVA A SER OBSERVADA NUM DADO MOMENTO. TANTO O TIPO
DE SISTEMA UTILIZADO PELA POLÍCIA DO PENSAMENTO PARA SE LIGAR A CADA APARELHO INDIVIDUAL, ASSIM COMO A FREQUÊN-
CIA COM QUE O FAZIA, ERA FRUTO DE ESPECULAÇÃO. ERA ATÉ POSSÍVEL QUE CONTROLASSEM TODA A GENTE O TEMPO TODO.

UMA PESSOA ERA OBRIGADA A VIVER —
E VIVIA, GRAÇAS A UM HÁBITO TRANS-
FORMADO EM INSTINTO — ACREDITANDO
QUE CADA SOM EMITIDO PODERIA SER
ESCUTADO.
E, EXCEPTO NA ESCURIDÃO, CADA MOVI- WINSTON MANTINHA
MENTO METICULOSAMENTE VIGIADO. AS COSTAS VOLTA-
DAS PARA O TELECRÃ.

ERA MAIS SEGURO.

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LONDRES, A CIDADE PRINCIPAL
DA PISTA UM, A TERCEIRA PROVÍNCIA
MAIS POPULOSA DA OCEÂNIA.

TENTOU EVOCAR ALGUMA

MEMÓRIA DE INFÂNCIA QUE
LHE DISSESSE SE LONDRES
SEMPRE FORA ASSIM.

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TERIA SEMPRE EXISTIDO AQUELE CENÁRIO
DE CASAS OITOCENTISTAS DETERIORA-
DAS, COM AS PAREDES LATERAIS ESCORA-
DAS COM VIGAS DE MADEIRA, AS JANELAS
REMENDADAS COM CARTÃO, OS TELHA-
DOS REFORÇADOS COM CHAPA ONDULADA,
OS DECRÉPITOS MUROS DE JARDINS A
SOÇOBRAR EM TODAS AS DIRECÇÕES?
E AS ZONAS BOMBARDEADAS, ONDE O
GESSO EM PÓ RODOPIAVA NO AR E A SAL-
GUEIRINHA CRESCIA E SE ESPALHAVA POR
ENTRE OS MONTES DE ENTULHO?
E OS LOCAIS EM QUE AS BOMBAS TINHAM
ABERTO CLAREIRAS MAIORES, ONDE
IRROMPERAM SÓRDIDAS COLÓNIAS DE
HABITAÇÕES DE MADEIRA SEMELHAN-
TES A GALINHEIROS?

NÃO VALIA A PENA, NÃO CONSEGUIA TUDO O QUE LHE RESTARA DESPROVIDOS DE PAISAGEM DE FUNDO
LEMBRAR-SE. DA INFÂNCIA ERA UMA SÉRIE E QUASE SEMPRE ININTELIGÍVEIS.
DE QUADROS FORTEMENTE
ILUMINADOS.

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 DIZIA-SE QUE O MINISTÉRIO DA VERDADE,
ONDE WINSTON TRABALHAVA, TINHA
TRÊS MIL SALAS ACIMA DO NÍVEL DO
SOLO E RAMIFICAÇÕES SUBTERRÂNEAS
EM IGUAL NÚMERO.
GRAVADOS NA PAREDE BRANCA, OS TRÊS EM LONDRES HAVIA APENAS TRÊS OUTROS
SLOGANS DO PARTIDO: EDIFÍCIOS DE APARÊNCIA E DIMENSÕES
SEMELHANTES.

ERAM AS SEDES DOS QUATRO MINISTÉRIOS ENTRE OS QUAIS SE DIVIDIA A TOTALIDADE DO APARELHO GOVERNAMENTAL. O
MINISTÉRIO DA VERDADE, RESPONSÁVEL POR NOTÍCIAS, ENTRETENIMENTO, EDUCAÇÃO E BELAS-ARTES. O MINISTÉRIO DA PAZ ,
RESPONSÁVEL PELA GUERRA. O MINISTÉRIO DO AMOR , QUE ASSEGURAVA A LEI E A ORDEM. E O MINISTÉRIO DA RIQUEZA , RES-
PONSÁVEL PELOS ASSUNTOS ECONÓMICOS. OS SEUS NOMES, EM NOVILÍNGUA*: MINIVERO , MINIPAX , MINAMOR E MINIRRICO.

O MAIS ASSUSTADOR DE TODOS ELES
ERA O MINISTÉRIO DO AMOR. O EDI-
FÍCIO NÃO TINHA UMA ÚNICA JANELA.
ERA IMPOSSÍVEL ENTRAR NO PRÉDIO A
NÃO SER EM SERVIÇO OFICIAL, E MESMO
NESSES CASOS SÓ TRANSPONDO UM
LABIRINTO DE ROLOS DE ARAME FAR-
PADO, PORTAS DE AÇO E NINHOS OCULTOS
DE METRALHADORAS.
MESMO AS RUAS QUE LEVAVAM ATÉ ÀS
BARREIRAS EXTERIORES ERAM PATRU-
LHADAS POR GUARDAS ARMADOS COM
CARA DE GORILA E DE UNIFORME NEGRO.

* NOVILÍNGUA ERA A LÍNGUA OFICIAL DA OCEÂNIA. PARA SABER MAIS SOBRE SUA ESTRUTURA E ETIMOLOGIA , VER APÊNDICE.

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 WINSTON AJUSTARA AS FEIÇÕES DE MODO
A OSTENTAR A EXPRESSÃO DE OPTIMISMO
TRANQUILO QUE ERA RECOMENDÁVEL
ASSUMIR DIANTE DO TELECRÃ.
PARA PODER SAIR DO MINISTÉRIO ÀQUELA
HORA, SACRIFICARA O ALMOÇO NA CAN-
TINA; SABIA QUE A ÚNICA PEÇA DE
COMIDA EXISTENTE NA COZINHA ERA
UM NACO DE PÃO ESCURO QUE TINHA
DE SER GUARDADO PARA O PEQUENO-
-ALMOÇO DO DIA SEGUINTE.

A BEBIDA PARECIA ÁCIDO NÍTRICO E, AO LOGO DE SEGUIDA, PORÉM, O ARDOR NO

ENGOLI-LA, TINHA-SE A SENSAÇÃO DE ESTÔMAGO ESMORECEU E O MUNDO COME-
RECEBER UM GOLPE NA NUCA COM UM ÇOU A PARECER-LHE MAIS ALEGRE.
BASTÃO DE BORRACHA.

O TELECRÃ OCUPAVA UMA POSIÇÃO POUCO HABITUAL. EM VEZ DE ESTAR INSTALADO, COMO ERA HÁBITO, NA PAREDE DO FUNDO,
DE ONDE PODIA CONTROLAR A SALA INTEIRA, ENCONTRAVA-SE NA PAREDE MAIS COMPRIDA. DE UM DOS LADOS HAVIA UM
LIGEIRO RECANTO QUE, POR ALTURA DA CONSTRUÇÃO DOS APARTAMENTOS, PROVAVELMENTE SE DESTINARIA A ACOMODAR
ESTANTES DE LIVROS.

AO SENTAR-SE NO
RECANTO, BEM
ENCOSTADO AO FUNDO,
WINSTON CONSEGUIA
FICAR FORA DO
ALCANCE DO TELECRÃ.
PELO MENOS NO QUE
DIZIA RESPEITO À VISÃO.

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FORA EM PARTE A INVULGAR CONFI-
GURAÇÃO DA SALA QUE LHE SUGERIRA
A IDEIA DE FAZER AQUILO QUE ESTAVA
PRESTES A FAZER AGORA.
VIRA-O EXPOSTO NA MONTRA DE UMA
PEQUENA LOJA DE VELHARIAS (JÁ NÃO SE
RECORDAVA AO CERTO EM QUE BAIRRO)
E FORA, NO MESMO INSTANTE, TOMADO
PELO DESEJO AVASSALADOR DE O POSSUIR.
WINSTON NÃO ESTAVA HABITUADO A
ESCREVER À MÃO. O HABITUAL ERA DITAR
TUDO AO FALASCREVE.
MAS TAMBÉM LHE FORA SUGERIDO PELO
LIVRO.
A COISA QUE ESTAVA PRESTES A FAZER
ERA COMEÇAR UM DIÁRIO.
HESITOU POR UM SEGUNDO. UM TREMOR
CORREU-LHE PELAS ENTRANHAS.
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DE PAPEL ACETINADO, COR CREME, UM
POUCO AMARELECIDO PELA IDADE, ERA
DE UM TIPO QUE JÁ NÃO SE FABRICAVA
HAVIA PELO MENOS QUARENTA ANOS.
NÃO QUE ISSO FOSSE ILEGAL (NADA ERA
ILEGAL, UMA VEZ QUE JÁ NÃO EXISTIAM
LEIS), MAS CASO FOSSE DESCOBERTO
ERA PRATICAMENTE CERTO DE QUE SERIA
PUNIDO COM A MORTE OU COM PELO
MENOS VINTE E CINCO ANOS DE PRISÃO
NUM CAMPO DE TRABALHOS FORÇADOS.
MARCAR O PAPEL ERA O ACTO DECISIVO.
ESTAVA
FOI POSSUÍDO
POSSUÍDO POR SENSAÇÃO
POR UMA UMA SENSA-
DE NOS TEMPOS QUE CORRIAM ERA IMPOS- PARA QUEM ESTAVA
ESTAVA ESCREVENDO AQUELE
A ESCREVER AQUELE
ÇÃO DE ABSOLUTO
ABSOLUTA DESAMPARO.
IMPOTÊNCIA. PARA
PARA COMEÇAR, SÍVELFIXAR
SÍVEL PRECISAR UMAPRECISA,
UMA DATA DATA SEMSEM UMA DIÁRIO? PARA O FUTURO, PARA OS NÃO
QUE
COMEÇAR,
NÃO TINHA NÃO SABIASE
A CERTEZA COM CERTEZA
ESTAVA SE
MESMO MARGEM DE ERRO DE UM OU DOIS ANOS. NASCIDOS.
AINDA COMO POR
ESTAVAM FAZERNASCER.
PARA COMUNI-
COMO
ESTAVA
EM 1984.MESMO EM 1984. CAR-SE UMA
PODIA COM PESSOA
O FUTURO?COMUNICAR COM
O FUTURO?

ERA ALGO IMPOSSÍVEL POR NATUREZA.
OU O FUTURO SERIA SEMELHANTE AO
PRESENTE E NESSE CASO NÃO LHE DARIA
OUVIDOS, OU SERIA DIFERENTE, E O SEU
DILEMA DEIXARIA DE TER ENTÃO QUAL-
QUER SENTIDO.
NÃO SÓ PARECIA TER PERDIDO A CAPACI- DURANTE SEMANAS PREPARARA-SE PARA
DADE DE SE EXPRIMIR, COMO SE ESQUE- AQUELE MOMENTO E JAMAIS LHE PASSARA
CERA DO QUE ORIGINALMENTE PRETENDIA PELA CABEÇA QUE FOSSE NECESSÁRIO OUTRA
DIZER. COISA QUE NÃO CORAGEM.

A ESCRITA, EM SI, SERIA FÁCIL. BASTAVA NAQUELE DE REPENTE COMEÇOU A ESCREVER,

TRANSFERIR PARA O PAPEL O MONÓ- MOMENTO, TOMADO POR PURO PÂNICO.
LOGO INTERMINÁVEL E INQUIETO QUE PORÉM, ATÉ O
SE DESENROLAVA NA SUA CABEÇA, MONÓLOGO
LITERALMENTE, DESDE HÁ ANOS. CESSARA.

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 WINSTON PAROU DE ESCREVER, EM
PARTE PORQUE ESTAVA COM UMA
CÃIBRA. NÃO SABIA O QUE O LEVARA
A DESPEJAR AQUELA TORRENTE DE
DISPARATES.
MAS O CURIOSO ERA QUE, ENQUANTO
ELE O FAZIA, UMA RECORDAÇÃO COM-
PLETAMENTE DIFERENTE TOMARA FORMA
NA SUA MENTE.

FORA POR CAUSA DESSE OUTRO
INCIDENTE, APERCEBIA-SE AGORA,
QUE TOMARA A DECISÃO REPENTINA
DE VIR PARA CASA E COMEÇAR HOJE
O DIÁRIO.
ACONTECERA NESSA MANHÃ. ERAM QUASE 11 HORAS, E NO DEPARTAMENTO DE
ARQUIVO , ONDE ELE TRABALHAVA, JÁ ESTAVAM A ARRASTAR AS CADEIRAS PARA
O CENTRO DO SALÃO, EM PREPARAÇÃO PARA OS DOIS MINUTOS DO ÓDIO . DE
REPENTE, DUAS PESSOAS QUE CONHECIA DE VISTA, MAS COM QUEM NUNCA TROCARA
UMA PALAVRA, ENTRARAM NA SALA.

UMA DELAS ERA UMA RAPARIGA COM
QUEM MUITAS VEZES SE CRUZAVA NOS
CORREDORES.
DESCONHECIA O NOME DELA, MAS SABIA
QUE TRABALHAVA NO DEPARTAMENTO
DE FICÇÃO.
PARTIA DO PRESSUPOSTO — JÁ QUE
A VIRA ALGUMAS VEZES COM AS MÃOS
SUJAS DE ÓLEO E MUNIDA DE UMA CHAVE
DE FENDAS — DE QUE DESEMPENHARIA
FUNÇÕES DE CARÁCTER MECÂNICO EM
ALGUMA DAS MÁQUINAS DE ESCREVER
ROMANCES.

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TRAZIA UMA FAIXA ESTREITA, ESCAR-
LATE, INSÍGNIA DA LIGA JUVENIL ANTI-
-SEXO.
SENTIA UM ESTRANHO DESCONFORTO,
UMA MISTURA DE MEDO E HOSTILIDADE,
SEMPRE QUE ELA SE ENCONTRAVA POR
PERTO.
POR UM MOMENTO, AO VEREM APRO-
XIMAR-SE O FATO-MACACO PRETO DE
UM MEMBRO DO PARTIDO INTERNO ,
O GRUPO DE PESSOAS QUE SE REUNIA
JUNTO DAS CADEIRAS FICOU EM SILÊNCIO.
WINSTON SENTIRA AVERSÃO POR ELA
DESDE O PRIMEIRO INSTANTE EM QUE A
VIRA. OS ADEPTOS MAIS FANÁTICOS DO
PARTIDO , OS DEVORADORES DE PALAVRAS
DE ORDEM, OS ESPIÕES AMADORES E OS
FAREJADORES DE HETERODOXIA ERAM
SEMPRE MULHERES, SOBRETUDO JOVENS.
O CONTRASTE ENTRE OS SEUS MODOS
DELICADOS E O SEU FÍSICO DE PUGILISTA
INTRIGAVA-O.
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MAS AQUELA RAPARIGA EM PARTICULAR
DAVA-LHE A IMPRESSÃO DE SER MAIS
PERIGOSA DO QUE A MAIORIA.
A OUTRA PESSOA ERA UM HOMEM
CHAMADO O’BRIEN, DETENTOR DE UM
CARGO TÃO IMPORTANTE E IMPRECISO
QUE WINSTON TINHA APENAS UMA VAGA
IDEIA DA SUA NATUREZA.
ACREDITAVA QUE A ORTODOXIA POLÍ-
TICA DELE NÃO ERA PERFEITA. EXISTIA
QUALQUER COISA NO SEU ROSTO QUE
O FAZIA ACREDITAR PIAMENTE NISSO.
TALVEZ AFINAL NÃO FOSSE ISSO O QUE
ESTAVA INSCRITO NAQUELE ROSTO, MAS
SIMPLESMENTE INTELIGÊNCIA.
POUCO DEPOIS, UM GUINCHO MEDONHO,
ESTRIDENTE, COMO SE TIVESSE SAÍDO DE
ALGUMA MÁQUINA MONSTRUOSA MAL
OLEADA, ESCAPOU DO ENORME TELE-
CRÃ POSICIONADO NO FUNDO DA SALA.
ERA UM BARULHO DE ABALAR
OS NERVOS E FAZER ERIÇAR
OS CABELOS NA NUCA.
TINHA COMEÇADO O ÓDIO.
DE QUALQUER MODO, O’BRIEN TINHA A
APARÊNCIA DE SER UMA PESSOA COM
QUEM SE PODERIA FALAR, CASO FOSSE
POSSÍVEL LUDIBRIAR O TELECRÃ E ENCON-
TRÁ-LO A SÓS.
ERA O RENEGADO E APÓSTATA QUE,
OUTRORA, FORA UMA DAS FIGURAS
PROEMINENTES DO PARTIDO , QUASE
TÃO IMPORTANTE QUANTO O PRÓPRIO
GRANDE IRMÃO.
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WINSTON NUNCA FIZERA O MENOR
ESFORÇO PARA TIRAR A SUA DÚVIDA A
LIMPO: NA VERDADE, NÃO HAVIA MANEIRA
DE O FAZER.
COMO DE COSTUME, O ROSTO DE EMMA-
NUEL GOLDSTEIN, O INIMIGO DO POVO ,
SURGIRA NO TELECRÃ.
E QUE DEPOIS DE SE DEDICAR A ACTIVI-
DADES CONTRA-REVOLUCIONÁRIAS, FORA
CONDENADO À MORTE E EM SEGUIDA
CONSEGUIRA FUGIR E DESAPARECER MIS-
TERIOSAMENTE.
A PROGRAMAÇÃO DOS DOIS MINUTOS DO ÓDIO VARIAVA TODOS OS DIAS, MAS GOLDSTEIN ERA SEMPRE A PERSONAGEM PRIN-
CIPAL. ELE ERA O TRAIDOR PRIMEVO, O PRIMEIRO PROFANADOR DA PUREZA DO PARTIDO. TODOS OS ACTOS DE SABOTAGEM E
DESVIOS ERAM O RESULTADO DIRECTO DOS SEUS ENSINAMENTOS. DE UMA FORMA OU OUTRA, ELE CONTINUAVA VIVO E A PLANEAR
AS SUAS CONSPIRAÇÕES: TALVEZ ALGURES ALÉM-MAR, TALVEZ ATÉ SOB A PROTECÇÃO DOS SEUS PATRONOS ESTRANGEIROS,
TALVEZ ATÉ — DE ACORDO COM ALGUNS RUMORES — EM ALGUM ESCONDERIJO NA PRÓPRIA OCEÂNIA.

GOLDSTEIN ATACAVA O GRANDE IRMÃO ,
DENUNCIAVA A DITADURA DO PARTIDO ,
EXIGIA A CELEBRAÇÃO IMEDIATA DA PAZ
COM A EURÁSIA , DEFENDIA A LIBERDADE
DE EXPRESSÃO, DE IMPRENSA E DE PEN-
SAMENTO, GRITAVA HISTERICAMENTE QUE
A REVOLUÇÃO FORA TRAÍDA.
O SOM LENTO E RITMADO DAS BOTAS
DOS SOLDADOS DO EXÉRCITO EURASIÁ-
TICO FORMAVA O PANO DE FUNDO DA
VOZ QUEIXOSA DE GOLDSTEIN.
A VISÃO OU MESMO A IDEIA DE GOLDSTEIN
PRODUZIAM AUTOMATICAMENTE O MEDO
E A RAIVA. ESTRANHAMENTE, EMBORA
AS SUAS TEORIAS FOSSEM ESMAGADAS
TODOS OS DIAS, NOS PALANQUES, NOS
TELECRÃS, NOS JORNAIS E LIVROS, O
RITMO DE CRESCIMENTO DA SUA INFLUÊN-
CIA PARECIA NUNCA DIMINUIR.

NÃO PASSAVA UM DIA SEM QUE ESPIÕES
E SABOTADORES A AGIREM SOB AS SUAS
ORDENS NÃO FOSSEM DENUNCIADOS PELA
POLÍCIA DO PENSAMENTO.
ELE ERA O COMANDANTE DE UM VASTO
EXÉRCITO NAS SOMBRAS, UMA REDE
CLANDESTINA DE CONSPIRADORES DEDI-
CADOS AO DERRUBE DO ESTADO.
TAMBÉM CIRCULAVAM HISTÓRIAS SOBRE
UM LIVRO TERRÍVEL, UM COMPÊNDIO DE
TODAS AS HERESIAS, DO QUAL GOLDS-
TEIN ERA O AUTOR E QUE CIRCULAVA
CLANDESTINAMENTE AQUI E ALI. UM
LIVRO SEM TÍTULO.

A FRATERNIDADE ,
ESSE ERA SUPOSTA-
MENTE O SEU NOME. QUANDO QUERIAM
REFERIR-SE A ELE, AS
PESSOAS DIZIAM
APENAS O LIVRO.

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NO SEGUNDO MINUTO, O ÓDIO TRANS-
FORMOU-SE EM DELÍRIO. AS PESSOAS
SALTAVAM DOS LUGARES E GRITAVAM A
PLENOS PULMÕES, NUM ESFORÇO DE AFO-
GAR A EXASPERANTE VOZ QUE IRROM-
PIA DO ECRÃ.
APÓS TRINTA SEGUNDOS, JÁ NÃO ERA
NECESSÁRIO FINGIR. UM ÊXTASE TERRÍ-
VEL DE MEDO E VINGANÇA, UM DESEJO
DE MATAR, DE TORTURAR, DE ESMAGAR
ROSTOS COM UMA MARRETA, PARECIA
CIRCULAR POR AQUELE GRUPO DE PES-
SOAS COMO UMA CORRENTE ELÉCTRICA,
TRANSFORMANDO AS PESSOAS, MESMO
CONTRA A SUA VONTADE, EM LUNÁTICOS
AOS BERROS E DE ROSTO CONTORCIDO
PELA FÚRIA.
NUM MOMENTO DE LUCIDEZ, WINSTON
DESCOBRIU QUE BERRAVA JUNTAMENTE
COM OS OUTROS.
A RAIVA QUE SENTIAM ERA UMA EMO-
ÇÃO ABSTRACTA, SEM RUMO, QUE PODIA
SER DIRECCIONADA DE UM OBJECTO PARA
OUTRO COMO A CHAMA DE UM MAÇARICO.
NESSES MOMENTOS, O SEU CORAÇÃO
SOLIDARIZAVA-SE COM O HEREGE SOLI-
TÁRIO E RIDICULARIZADO QUE SURGIA
NO ECRÃ, ÚNICO GUARDIÃO DA VER-
DADE E DA SAÚDE MENTAL NUM MUNDO
DE MENTIRAS.
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A PARTE HORRÍVEL DOS DOIS MINUTOS
DO ÓDIO NÃO ERA O FACTO DE UMA PES-
SOA SER OBRIGADA A DESEMPENHAR UM
PAPEL, MAS DE SER IMPOSSÍVEL MAN-
TER-SE À MARGEM.
ASSIM, A DADA ALTURA, O ÓDIO DE
WINSTON NÃO TINHA GOLDSTEIN COMO
ALVO, PELO CONTRÁRIO, VISAVA SOBRE-
TUDO O GRANDE IRMÃO , O PARTIDO E
A POLÍCIA DO PENSAMENTO.
ISSO NÃO O IMPEDIA DE, NO INSTANTE
SEGUINTE, JUNTAR-SE ÀQUELES QUE
O CERCAVAM, TRANSFORMANDO A SUA
AVERSÃO SECRETA PELO GRANDE
IRMÃO EM VENERAÇÃO, AO PASSO QUE
GOLDSTEIN EMERGIA COMO UM FEITI-
CEIRO SINISTRO, CAPAZ DE DESTRUIR
A ESTRUTURA DA CIVILIZAÇÃO COM O
MERO PODER DA SUA VOZ.
WINSTON CONSEGUIU TRANSFERIR O SEU IMAGINAVA AGREDI-LA ATÉ À MORTE AGORA PERCEBIA MAIS CLARAMENTE POR
ÓDIO PARA A RAPARIGA MORENA ATRÁS COM UM BASTÃO DE BORRACHA. QUE A ODIAVA. ODIAVA-A PORQUE ERA
DE SI. ALUCINAÇÕES VÍVIDAS PERPAS- JOVEM E BELA E ASSEXUADA.
SARAM-LHE PELA MENTE.

PORQUE EM TORNO DA SUA ADORÁVEL O ÓDIO ATINGIU O CLÍMAX. O ROSTO DE

CINTURA GRACIOSA, QUE PARECIA CON- GOLDSTEIN TRANSFORMOU-SE...
VIDAR UM HOMEM A ENVOLVÊ-LA COM
O BRAÇO, EXISTIA APENAS A ODIOSA
FAIXA ESCARLATE, SÍMBOLO AGRESSIVO
DA CASTIDADE.

FOI SUBSTITUÍDO PELO ROSTO DE UM QUE DEU LUGAR AO ROSTO DO GRANDE

SOLDADO EURASIÁTICO... IRMÃO.

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