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Experimentos derrubam mitos sobre o uso de ferramentas pelo macaco-prego – Foto: Tiago Falótico
Macaco-prego (Sapajus libidinosus). Macho adulto registrado no Parque Nacional Serra da Capivara,
PI, Brasil – Foto: Tiago Falótico
QUEBRANDO O COCO
Tudo começou em 2003, quando o proprietário da Fazenda Boa Vista,
localizada no sertão do Piauí, foi procurado por interessados em promover o
ecoturismo na região.
“Foi muito difícil chegar lá. Era um lugar bem isolado e de natureza muito
preservada”, conta ela, ao destacar que seus registros iniciais renderam um
primeiro artigo, publicado em 2004, e foram o início de uma pesquisa maior, a
partir de 2005.
Uma fêmea adulta e um juvenil registrados no Parque Nacional Serra da Capivara – PI, Brasil – Foto:
Tiago Falótico
“Colocávamos duas pedras, uma maior e uma menor. A maior era oca, a
menor densa. Eles iam direto na maior para quebrar o coco; quando eles a
levantavam, ela era leve e eles largavam. Eles cutucavam a outra que era mais
densa e pegavam aquela”, ilustra Patrícia, ao explicar ainda que os macacos-
prego ajustavam todas as condições das pedras dependendo das espécies de
coco que pretendiam quebrar.
“Fomos descobrindo muitas coisas que foram derrubando mitos sobre o uso
de ferramentas pelo macaco-prego e mesmo de cognição do mundo físico”,
pontua Patrícia.
NATUREZA E CRIAÇÃO
“O interessante desse artigo é que mostramos como a influência social se dá,
não em sua totalidade, mas em um aspecto de como o parceiro social afeta e
potencializa a aprendizagem dessa tarefa”, sintetiza Patrícia, ao reafirmar que
uma das principais conclusões do trabalho foi postular que, por meio da
observação dos macacos, ficou claro que uma tradição afetou um processo
biológico, no caso, o da aprendizagem.
Animais como cães e cavalos são capazes de reconhecer algumas de nossas emoções, mas essas espécies
foram domesticadas para realizar tarefas que requerem interação conosco, como caça ou pastoreio – e
pode ser que no processo tenham sido selecionados indivíduos com mais aptidão para interpretar
expressões humanas. Já no caso das cabras e de outros animais de fazenda, a interação com o homem é
menos relevante – daí os resultados deste estudo inédito serem tão surpreendentes, trazendo novas
questões – Foto: Alan McElligott
O ESTUDO
A ideia do trabalho surgiu há dois anos, quando Natália
Albuquerque, doutoranda do Instituto de Psicologia (IP) da USP,
desenvolvia uma parte de sua pesquisa na Universidade de Lincoln,
na Inglaterra.
Pesquisas foram feitas com a colaboração do Santuário de Buttercups, instituição de caridade que
acolhe cabras maltratadas ou abandonadas – Foto: Alan McElligott
CIÊNCIA RIGOROSA
Um aspecto crucial nos estudos em etologia, a ciência que estuda o
comportamento animal – e que tem representantes respeitados
como César Ades – é o de controlar ao máximo todos os
parâmetros durante os experimentos. É a única forma de se ter
certeza que um comportamento está sendo causado por um
determinado estímulo e não por outro.
“Nos estudos de comportamento e cognição temos que controlar
tudo. Por isso demoram tanto para serem feitos. Outras áreas
publicam bem mais rápido, exatamente porque não têm que lidar
com esse tipo de viés”, afirma Natália.
OS PRÓXIMOS PASSOS
Para a professora Carine, os novos resultados, longe de fechar o
tema, trazem consigo muitas outras perguntas.
Natália Albuquerque: “Não existe nenhuma pessoa no Planeta que não interaja com animais. Por isso
entender essas relações é extremamente importante para nós” – Foto: Arquivo pessoal
Outra possibilidade seria que, embora as cabras não tenham sido
domesticadas pela sua capacidade para interagir com seres
humanos, essa qualidade tenha vindo junto com outras que sim
foram selecionadas, como a mansidão. Ou pode ser ainda que a
capacidade para reconhecer emoções humanas não esteja restrita
a animais domésticos, mas seja comum a certos grupos de
animais.
“Nós não somos quem nós somos sem a nossa interação com os
animais. Não existe nenhuma pessoa no Planeta que não interaja
com animais. Por isso entender essas relações é extremamente
importante para nós”.