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CONTEXTOS DE SOCIABILIDADE HOMOSSEXUAL DA REGIÃO

METROPOLITANA DO RECIFE

Larissa Barbagelata Cabral1; Karla Galvão Adrião2


1
Estudante do Curso de Psicologia - CFCH – UFPE; E-mail: larissa.barbagelata@ufpe.br,
2
Docente/pesquisador do Depto de Psicologia – CFCH – UFPE. E-mail: karla.galvao@ufpe.br

Sumário: O presente estudo buscou compreender, analisar e discutir os diferentes


contextos e vivências de interação de homens que fazem sexo com homens em suas
relações com a vulnerabilidade ao HIV/AIDS, na Região Metropolitana do Recife. A
metodologia utilizada envolveu observação participante, realização de entrevistas em
profundidade, transcrição, tratamento e análise temática dos dados obtidos. O estudo
permitiu entender o conjunto de marcadores econômicos, sociais e culturais que mobilizam
esses homens que fazem sexo com homens na construção das suas escolhas pelos espaços
de sociabilidade. Concluímos que, apesar das distinções no marcador de renda e classe
social, esse não foi, por si só, o único a atravessar as escolhas na hora de estabelecerem
relações com os espaços de sociabilidade; enquanto a estilização de gênero e conformação
corporal aparecem como os principais fatores de influência. Em relação aos aspectos
vulnerabilizantes ou protetivos à infecção pelo HIV, concluímos que a pandemia da
COVID-19 intensificou as formas de proteção individual; visto que, na tentativa de evitar a
contaminação do novo coronavírus, alguns homens que fazem sexo com homens passaram
a evitar relacionar-se com diferentes parceiros.

Palavras–chave: homens que fazem sexo com homens, Região Metropolitana do Recife,
sociabilidade homossexual

INTRODUÇÃO
O Brasil vem, nos últimos anos, experimentando um aumento nos indicadores de
vulnerabilidade e risco para o HIV na população em geral, especialmente entre os homens
que fazem sexo com homens (HSH). Segundo dados do Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), em 2019, o risco de contrair o HIV era 26 vezes
superior para homens gays e outros HSH do que para o resto da população adulta
masculina (UNAIDS, 2021). Isso revela uma epidemia de múltiplas dimensões,
relacionada, principalmente, a fatores estruturais, como estigma, discriminação e violência
com base na orientação sexual. Além disso, a epidemia da infecção pelo HIV e da AIDS
configura-se como um verdadeiro mosaico de sub-epidemias regionais, que espelha as
desigualdades socioeconômicas encontradas no território brasileiro. No Recife, por
exemplo, a prevalência de casos de AIDS em homens que fazem sexo com homens, em
comparação com todas as categorias de casos relatados entre os homens, saltou de 5,3%,
em estudo realizado em 2003, para 21,5% (KERR et al, 2013; KERR et al, 2018). Nesse
sentido, o estudo buscou mapear e descrever os espaços de homossociabilidade online e
offline; identificar se/como os marcadores sociais de classe, raça, gênero, conformação
corporal e idade produzem modalidades de inserção nas dinâmicas dos espaços por onde
transitam os HSH; e relacionar tais contextos e vivências de interação à vulnerabilidade ao
HIV/AIDS, fundamentando-se nas pesquisas de Rios (2008), Meira e Adrião (2020), entre
outros autores.

MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo previu observação participante online e off-line (dentro das possibilidades que a
pandemia da COVID-19 permitiu), nos espaços de homossociabilidade da RMR;
realização de entrevistas em profundidade com os HSH; e, por fim, transcrição, tratamento
e análise dos dados obtidos. A técnica da observação participante objetivou possibilitar
uma Descrição Densa dos contextos de investigação (GEERTZ, 1987). Paralelamente às
observações, foram realizadas entrevistas temáticas com enfoque biográfico, que
abordaram dois eixos: 1) lugares de homossociabilidade e suas dinâmicas; e 2) práticas
soroadaptativas e novidades da prevenção; sendo que o foco de análise deste estudo
voltou-se para o primeiro deles. Buscou-se garantir a heterogeneidade de marcações dos
entrevistados (sexo-gênero, idade, classe social, escolaridade, religião e raça/cor). Até o
final da execução do projeto, o banco de dados da pesquisa contou com 38 entrevistas, as
quais foram gravadas, transcritas e tabuladas no quadro analítico, composto pelos seguintes
eixos temáticos: identificação do informante; dados sociodemográficos/marcadores sociais;
indicadores de classe; território; sociabilidade; estilizações; sexualidade; uso da camisinha;
e outras medidas de prevenção.

RESULTADOS
A partir da análise dos dados de identificação e marcadores sociais dos 38 informantes foi
possível estabelecer alguns perfis e chegar a alguns resultados. Em relação à idade, variava
entre 20 a 38 anos, o que corresponde a um público de jovens adultos e adultos. No que diz
respeito à identidade sexual referida pelo próprio informante, 23 se disseram gays; 2 se
disseram homens; 3 disseram ser homens cis; 4 se disseram bissexuais; um se disse bicha,
um masculina e um fluido. No que se refere aos estilos de gênero, as pintosas estão entre a
maioria dos entrevistados: 15 deles; já na categoria referente aos boys, temos 11
informantes. A raça dos informantes é predominantemente negra, incluindo pretos (10) e
pardos (15). Há apenas 13 informantes que se reconheceram enquanto brancos. Já o estado
civil, por sua vez, prevalece o status de solteiro: apenas 5 informantes relatam estar
namorando, enquanto outros 3 informam estar coabitando com o parceiro. Além disso, os
entrevistados apresentam diferentes níveis de escolaridade, o que varia entre ensino médio
concluído a nível superior: 6 dos informantes possuem ensino médio completo; 20
apresentam superior incompleto; 11 informantes são graduados (ensino superior completo),
estando um deles na pós-graduação; e somente um entrevistado afirmou possuir formação
técnica. A renda individual não é informada por 10 dos 38 informantes, enquanto o restante
afirmou ganhar menos que ½ salário (2); aproximadamente meio salário (3);
aproximadamente um salário (11); dois salários (10); e 2 com aproximadamente quatro
salários.

DISCUSSÃO
A partir das interpretações das informações presentes no quadro de análise, observamos
que a circulação de HSH por locais de lazer aciona diversas representações desses homens
acerca de diferentes temáticas que qualificam os espaços por eles frequentados. É possível
apreender que frequentar determinados espaços e a sociabilidade que existe neles se
relaciona inicialmente com renda e idade, com implicações de “gosto”, entendido como
aquilo que dá prazer. A partir da análise do discurso dos informantes, o que parece
influenciar esse gosto e a escolha por determinados espaços de sociabilidade está
relacionado mais às dimensões subjetivas e existenciais - como o aspecto geracional
(público-alvo dos frequentadores dos espaços), segurança, identificação entre os pares,
discrição e rede de amigos -, do que aos fatores de classe e renda. Ainda, foi possível
interpretar, a partir dos discursos, que a escolha por espaços de sociabilidade offline, como
aplicativos de namoro, é atravessada por marcadores semelhantes aos mencionados
anteriormente, principalmente no que diz respeito à estilização de gênero e conformação
corporal.

CONCLUSÕES
A partir do estudo foi possível concluir que o marcador de renda e classe social, quando
analisado unicamente, não foi o único a atravessar as escolhas na hora de estabelecerem
relações com os espaços de sociabilidade. Por outro lado, estilização de gênero e
conformação corporal aparecem enquanto principais fatores de influência na preferência
por espaços de interação social. Nesse sentido, ressalta-se a importância dos coletivos
artísticos, que têm ganhado força, por serem espaços que permitem trocas artísticas,
políticas, éticas e estéticas. Outra conclusão a qual podemos chegar diz respeito à força
que os aplicativos de namoro ganharam nos últimos tempos, principalmente após a
pandemia da COVID-19. Esses espaços online têm sido utilizados não só para buscar
parceiros, mas também para interações sociais de forma geral e sofrem as mesmas
influências dos espaços offline, no que diz respeito aos marcadores sociodemográficos. Por
fim, ao considerarmos os aspectos vulnerabilizantes ou protetivos à infecção pelo HIV e
outras ISTs, é válido ressaltar que a pandemia da COVID-19 intensificou as formas de
proteção individual; visto que, na tentativa de evitar a contaminação do novo coronavírus,
alguns HSH passaram a evitar relacionar-se com diferentes parceiros.

AGRADECIMENTOS
Agradeço ao apoio financeiro na forma de bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq e
apoio institucional do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
Pernambuco. Agradeço, ainda, aos professores Karla Galvão Adrião e Luis Felipe Rios,
pela orientação; e aos colegas do LabESHU pelas discussões e construções coletivas.

REFERÊNCIAS

GEERTZ, C. (1987). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara.

KERR, L. et al. (2013). HIV among MSM in a large middle-income country. AIDS,
27(3):427–435.
KERR, L., C. et al. (2018). HIV Prevalence among Men Who Have Sex with Men in
Brazil: Results of the 2nd National Survey Using Respondent-driven Sampling.
Medicine. 97(1S): S9-S15.

MEIRA, Isabela França; ADRIÃO, Karla Galvão. (2020) Artivismos em


movimentos coletivos de dissidências sexuais e de gênero: entre dissensos e a
insurgência das (cri)ações de resistência a heteronormatividade de Recife para o
novo mundo. DOSSIÊ TEMÁTICO: TEORIA SOCIAL CRÍTICA E LGBTI.
REBEH. v. 3 n. 10

RIOS, L. F. (2008). Corpos e prazeres nos circuitos de homossociabilidade


masculina do centro do Rio de Janeiro. Revista Ciência e Saúde Coletiva, 13: 465-
475.

UNAIDS (2021). HIV e homens gays e outros homens que fazem sexo com homens:
série de fichas informativas sobre Direitos Humanos. Disponível em:
<https://www.unaids.org/sites/default/files/media/documents/03-hiv-human-rights-
factsheet-gay-men_pt>. Acesso em 15 set 2022.

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