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História Militar Brasileira II: período

Universidade do Sul de Santa Catarina


republicano.
O material foi elaborado visando a uma
aprendizagem autônoma e aborda conteúdos
especialmente selecionados e relacionados à sua
área de formação. Ao adotar uma linguagem

História Militar
didática e dialógica, objetivamos facilitar seu
estudo a distância, proporcionando condições

História Militar Brasileira II: período republicano


favoráveis às múltiplas interações e a um
aprendizado contextualizado e eficaz.

Bom estudo e sucesso!


Brasileira II:
período republicano
Equipe UnisulVirtual.

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História Militar Brasileira II:
período republicano
Disciplina na modalidade a distância
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Aureliano Pinto de Moura
Carlos Roberto Carvalho Daróz

Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha


VA Armando de Senna Bittencourt (Diretor)
Ten Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator)

Eduardo Henrique de Souza Martins Alves


Nilson Vieira Ferreira de Mello
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

História Militar Brasileira II:


período republicano
Livro didático

Design instrucional
Marina Cabeda Egger Moellwald

Palhoça
UnisulVirtual
2010
Copyright © UnisulVirtual 2010
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professores Conteudistas
Aureliano Pinto de Moura
Carlos Roberto Carvalho Daróz
Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha
VA Armando de Senna Bittencourt (Diretor)
Colaboraram: CMG Francisco Eduardo Alves de Almeida e
CMG Paulo Fernando Dias Vianna
Ten Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator)
Eduardo Henrique de Souza Martins Alves
Nilson Vieira Ferreira de Mello
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Design Instrucional
Marina Cabeda Egger Moellwald

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Adriana Ferreira dos Santos
Jordana Paula Schulka

Revisão Ortográfica
Amaline Boulus Issa Mussi

981.05
H57 História militar brasileira II: período republicano : livro didático / Aureliano Pinto de
Moura ... [et al.] ; design instrucional Marina Cabeda Egger Moellwald. –
Palhoça: UnisulVirtual, 2010.
415 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Brasil - História – República Velha, 1889-1930. 2. Brasil – História – 1964-


1985. 3. Brasil – História – Nova República, 1985. 4. Brasil – Política e governo.
5. História militar. I. Moura, Aureliano Pinto de. II. Moellwald, Marina Cabeda
Egger.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
Palavras do professor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 – Do ocaso da monarquia à consolidação da república


(1870-1898). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
UNIDADE 2 – Transformações e evolução das instituições militares
no início do século XX (1898 – 1918) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
UNIDADE 3 – Década de 1920: instabilidade política e rebeliões
militares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
UNIDADE 4 – Era Vargas: de 1930 a 1945 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
UNIDADE 5 – A Marinha do Brasil no período republicano. . . . . . . . . . . . 267
UNIDADE 6 – Aviação Militar, Aviação Naval e Força Aérea Brasileira. . . . 331
UNIDADE 7 – Transformações e evolução das instituições militares
brasileiras após a Segunda Guerra Mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399


Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
Sobre os professores conteudistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409
Respostas e comentários das atividades de autoaprendizagem. . . . . . . . . 411
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415
Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina História Militar


Brasileira II: período republicano.

O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma


e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados
à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática
e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância,
proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a
um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre-se de que sua caminhada nesta disciplina será


acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual. Neste sentido, a indicação “a
distância” caracteriza apenas a modalidade de ensino por que
você optou para a sua formação. Na relação de aprendizagem,
professores e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade entre em contato. Você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e-mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem,
que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e
recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade.
Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe
atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

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Palavras dos professores

Prezado(a) aluno(a),

A história vai chegando perto de nosso tempo, um caminho


que foi definindo, com mais rigor, a teoria e a metodologia
praticada por historiadores e estudiosos do nosso passado
recente. Os meios de comunicação evoluíram vertiginosamente
e a capacidade de se registrarem os fatos cresceu de modo
exponencial. As possibilidades de pesquisa se multiplicaram,
farta documentação veio à luz, progressivamente, nesse
período durante o qual vem acontecendo a república no Brasil
e tudo a nossa volta passou a nos dizer alguma coisa de nosso
passado.

Um dia, soldados inconformados com o rumo que tomavam


as coisas no Brasil, insatisfeitos com a incapacidade do
governo imperial em conduzir o país em um período de crise
econômica e social, cansados com a falta de compromisso das
elites políticas com o destino da nação derrubaram o gabinete
e, com ele, a monarquia. Abriram caminho à república.

Talvez não imaginassem que teriam de consolidar o novo


regime. Talvez não imaginassem que aquele movimento do dia
15 de novembro de 1889 iria envolver, a eles e às instituições
militares, durante um século, no dia a dia de coisas da política
partidária e da administração do estado. Não imaginavam
quão difícil seria cuidar, ao mesmo tempo, da própria profissão
militar, das próprias instituições a que pertenciam.

Vamos percorrer, juntos, este século da História Militar


brasileira, lembrando que os últimos 50 anos ainda não são
história; ainda constituem um grande volume de informações
a ser explorado e analisado na busca da verdade sobre tudo o
que ocorreu e vem ocorrendo.
Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no desenvolvimento


da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva


em conta instrumentos que se articulam e se complementam,
portanto a construção de competências se dá sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ O livro didático.

„„ O Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA).

„„ As atividades de avaliação (a distância, presenciais e


de autoaprendizagem).

„„ O Sistema Tutorial.

Ementa
As instituições militares brasileiras no período republicano.
Ações militares nas lutas internas para a garantia da lei e
da ordem. Participação de militares no ciclo revolucionário
do Brasil República. Participação de militares na política
partidária e administrativa do país. Emprego do poder militar
brasileiro em lutas externas. Participação em ações e forças
de paz internacionais. Evolução do pensamento militar e das
instituições militares no Brasil. A participação militar na
sociedade, na economia e na vida política nacionais.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivos

„„ Relacionar criticamente a evolução das instituições


militares, as peculiaridades do emprego do poder militar
nos conflitos internos e externos com a evolução da arte
da guerra e do pensamento militar no Brasil, no período
republicano.

„„ Identificar e caracterizar a participação militar na


sociedade, na economia e na vida política brasileira neste
período.

Carga Horária
A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula, 4 créditos,
incluindo o processo de avaliação.

Conteúdo programático/objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação.

Unidades de estudo: 7

Unidade 1 - Do ocaso da monarquia e consolidação da república (1870-1898)

Esta unidade deverá trazer-lhe a história desde o fim da Guerra


da Tríplice Aliança contra López em 1870 até a campanha contra
o Conselheiro em Canudos, procurando indicar os principais
fatos que envolveram as instituições militares no período.

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História Militar Brasileira II

Unidade 2 - Transformações e evolução das instituições militares no início


do século XX (1898 – 1918)

Este período, que resultou da estabilização política e econômica


obtida no final do governo de Prudente de Moraes, permitiu a
reorganização do Exército Brasileiro e da Marinha do Brasil.
Permitiu que o governo sufocasse as revoltas ocorridas logo
no início do século XX, principalmente na capital federal, e
enfrentasse a revolta do Contestado de forma muito mais eficaz
e profissional do que ocorrera em Canudos. É o período da
chamada “reforma Hermes” no Exército e dos programas Julio
de Noronha e Alexandrino na Marinha. É o período de grande
influência do pensamento geoestratégico do Barão do Rio Branco
e termina com a participação do Brasil na I Guerra Mundial.

Unidade 3 - Década de 1920: instabilidade política e rebeliões militares

Após a I Guerra Mundial, muda o mundo e também o Brasil. O


modelo construído para permitir o funcionamento da república se
esgota, a estrutura política busca manter o estado de coisas, mas a
sociedade reclama, reage, e, com ela, a oficialidade mais jovem do
Exército. Rebeliões vão marcar a vida e as ações das instituições
militares em um período que registra, também, a presença e
influência da Missão Francesa no Exército.

Unidade 4 - Era Vargas: de 1930 a 1945

Optamos por chamar Era Vargas o período de seu primeiro


governo, embora haja historiadores que o estendem até 1954.
Preferimos assim, porque é muito peculiar. A identificação do
Exército com o poder executivo, a Revolução Constitucionalista
de 1932, as intentonas comunista de 1935 e integralista de 1938,
a implantação do “Estado Novo” e a participação do Brasil
na II Guerra Mundial, que envolveu intrincado jogo político

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Universidade do Sul de Santa Catarina

interno e externo, no qual as nossas Forças Armadas, já incluída


a Força Aérea, são protagonistas. É uma epopeia rever tudo o
que significaram para o país as campanhas em que as nossas
Forças Armadas estiveram envolvidas. É claro que a Força
Expedicionária Brasileira e o Grupo de Caça, que combateram
na Europa, roubam a cena, mas não menos importantes e não
menos destacadas foram as ações da Marinha e da Força Aérea
no patrulhamento de nosso litoral e do Atlântico Sul. Devemos
nos lembrar da presença militar na zona de interior e o que isso
representou para a sociedade brasileira. Igualmente, atentemos
para as consequências imediatas desta participação.

Unidade 5 - A Marinha do Brasil no período republicano

Como já o fizemos antes, abrimos uma unidade para cuidar


exclusivamente do poder naval. Acreditamos que, trabalhando
com o texto produzido pela Diretoria do Patrimônio Histórico
e Documentação da Marinha, você terá uma informação mais
coesa e uniforme sobre a Marinha no período republicano.

Unidade 6 - Aviação Militar, Aviação Naval e Força Aérea Brasileira

Prometemos, quando estudamos a HMG II, que trataríamos


do poder aeroespacial só agora. Procuraremos informar-lhe
sobre como a aviação cresceu e se fez atuante na história militar
brasileira. Também o faremos em unidade própria, pelas mesmas
razões que o fizemos com o poder naval.

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História Militar Brasileira II

Unidade 7 - Transformações e evolução das instituições militares depois da


Segunda Guerra Mundial

Aqui está o período sobre o qual a história ainda está sendo


escrita. É claro que há características bem definidas por
episódios, dos quais conhecemos o principal, mas não tudo.
Guerra fria, instabilidade interna, confronto ideológico leste-
oeste; mas o principal foi uma modernização acelerada da
economia, da política e da sociedade brasileiras. Você, que não
viveu essa revolução, irá admirar-se daquilo que o brasileiro
foi capaz de fazer em tão pouco tempo. E não foi pequena
a participação das instituições militares nesse processo. Do
ponto de vista militar, propriamente dito, esses cinquenta anos
testemunharam uma evolução significativa do pensamento
militar e da doutrina nas Forças Armadas. Conversaremos mais
sobre isto.

Agenda de atividades/ Cronograma

„„ Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar


periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos
depende da priorização do tempo para a leitura, da realização
de análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus
colegas e tutor.

„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir


as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado
no EVA.

„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas


ao desenvolvimento da disciplina.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

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1
unidade 1

Do ocaso da monarquia à
consolidação da república
(1870-1898)
Aureliano Pinto de Moura
Carlos Roberto Carvalho Daróz
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)
Nilson Vieira Ferreira de Mello
Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator – DPHDM)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução das instituições militares brasileiras,
as peculiaridades do emprego do poder militar nos
conflitos internos e externos e a evolução da arte da
guerra e do pensamento militar no Brasil no período
republicano.

„„ Identificar e caracterizar a participação militar na


sociedade, na economia e na vida política brasileira, no
período republicano.

Seções de estudo
Seção 1 As instituições militares brasileiras da monarquia
à república

Seção 2 O 15 de Novembro e o governo provisório

Seção 3 Governo de Floriano Peixoto – A “Revolução


Federalista” e a “Revolta da Armada”

Seção 4 Governo Prudente de Morais – Campanha de


Canudos (1896 – 1897)
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A guerra da Tríplice Aliança contra Solano López ou Guerra
do Paraguai foi um divisor de águas na história do Brasil e,
particularmente, na história de suas instituições militares.
Brasileiros de todos os rincões do território nacional, das “ilhas”
do grande “arquipélago”, acorreram ao chamado do império e
se dirigiram aos campos do Paraguai. Lá, lutaram e viveram,
morreram, adoeceram, conviveram com a gente platina e
guarani e se conheceram. De volta, foi custoso e demorado se
reconhecerem, até porque não foram reconhecidos. A pátria não
precisava mais de seus soldados nem daqueles que se haviam
tornado soldados.

Mas a nação também já não era a mesma. A sociedade se


mobilizara, deixara adormecidas suas questões menores e
comemorara a vitória. Mas não sabia mais o que fazer com ela
mesma, com sua economia agroexportadora em declínio, com
sua elite política inerte ou omissa e governos pífios, incapazes de
gerenciar com acerto as coisas do país. E o velho Imperador, já
mais velho que imperador; uma princesa inteligente e enérgica,
com um marido estrangeiro que, mesmo se mostrando um
bom comandante no final da guerra, jamais soubera angariar a
simpatia e a confiança dos brasileiros.

As instituições militares relegadas ao abandono burocrático


começavam a sentir o que Camões dissera com propriedade –
“Que um fraco rei faz fraca a forte gente”! Os velhos líderes que
emprestavam sua fidelidade e prestígio à monarquia faleceram.
As gerações seguintes já não tinham o carisma e as condições
para sensibilizar seja a tropa em favor do trono, seja os governos
em favor de seus soldados e marinheiros.

E ainda havia a escravidão! Por quê? Se abolicionistas eram quase


todos, do imperador aos próprios escravos. Mas, propriedade e
força de trabalho, o escravo tornara-se a própria vida dos grandes
fazendeiros, elite socioeconômica e sociopolítica em decadência.
O Exército, que, havia muito tempo, se tornara a porta da
liberdade para os negros e os mestiços escravos, não suportava
mais a escravidão.

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História Militar Brasileira II

Veio a grande revolução: em um instante, de um só golpe, a


Princesa Regente faz a abolição da escravatura no Brasil. De
um só golpe, virou de pernas para o ar a ordem econômica e a
ordem social vigente, particularmente na Corte e no seu entorno
imediato.

E a ordem política? Que ordem? A elite política já não era mais


poderosa o suficiente para administrar o caos que se sucedeu. O
vazio de poder que selou aquela incompetência de que já falamos,
abriu caminho para a República.

Tropeços e intrigas nos gabinetes de governo, boatos, ação


e inação no meio militar terminaram por fazer crescer o
movimento sedicioso com o qual as tropas da corte, com o
Marechal Deodoro à frente, derrubaram o gabinete Ouro Preto
e, com ele, a monarquia.

Naquele dia 15 de novembro de 1889, inicia-se o


período republicano, nascido de um golpe de estado,
de fato um golpe militar, e, durante cem anos, ver-
se-ão militares envolvidos na política partidária e
administrativa do país, arrastando com eles, muitas
vezes, as próprias instituições a que pertenciam.

Mas, no trabalho silencioso das casernas, durante esses mesmos


cem anos, prevalecerá sempre o compromisso do soldado para
com a nação, para com a sociedade a que serve. Por isso, serão
contidas revoltas; por isso, as instituições militares continuarão
fiadoras da integridade territorial e imaterial do Brasil;
continuarão a cumprir seu dever constitucional de garantia da lei
e da ordem; continuarão a ser parte indivisível do povo brasileiro.

Venha conosco percorrer este caminho recente, sujeito ainda a


inúmeras versões e interpretações históricas, sujeito a surpresas
de fontes primárias que só agora vão-se tornando acessíveis ao
pesquisador isento e veraz. Os textos que ofereceremos não são
uma história militar brasileira. Constituem sínteses conclusivas
de episódios militares importantes, os quais servirão para motivar
a pesquisa, o estudo e a discussão que resultarão, sempre, em

Unidade 1 19
Universidade do Sul de Santa Catarina

uma nova história militar do Brasil. Sugerimos que você leia,


na Midiateca, um roteiro que lhe facilitará o estudo da história
militar no período republicano.

Seção 1 - As instituições militares brasileiras da


monarquia à república
Nilson Vieira Ferreira de Mello

O Exército Brasileiro herdou, mais intensamente do que os das


demais nações sul-americanas, a tradição militar europeia. O fato
de a independência haver sido alcançada sem grande mobilização
popular permitiu que se mantivesse aqui a organização militar
e a doutrina de emprego do Exército português. Nos outros
países do continente, ao contrário, lutas prolongadas para obter
e consolidar a independência exigiram a participação de grandes
contingentes de civis nas forças combatentes, democratizando-as
de algum modo, mas fazendo delas instrumento das ambições
políticas.

O fenômeno do caudilhismo nasceu daí.

Ademais, a instalação de um governo europeu no Brasil em


1808 fortaleceu a absorção de hábitos e costumes de além-mar
pelas tropas coloniais, que -- ressalte-se -- já haviam acumulado
experiências de guerra importantes na expulsão de invasores
estrangeiros. Instalada a Corte no Rio de Janeiro, logo foram
encetadas campanhas militares ao norte (Guiana Francesa) e ao
sul (Cisplatina), que contribuíram para um melhor entrosamento
entre as tropas coloniais e as vindas de Portugal.

20
História Militar Brasileira II

1.1 - A Independência e o Império


A revolução liberal de 1821 no Porto repercutiu no Brasil. Aqui
havia os que concordavam com o retorno de D. João VI para
Portugal e aqueles que desejavam a sua permanência entre
nós. O rei, como de costume, hesitava: pensou, até, em enviar
seu filho mais velho para Portugal e constituir dois governos
sob duas constituições. Acabou cedendo às pressões daqueles
que, em Lisboa, não suportavam o fato de o Brasil haver sido
alçado à categoria de reino e de estar, aqui, a sede da monarquia
portuguesa. Estes, obviamente, não poderiam concordar também
com a amputação do império lusitano, justamente da sua parte
mais importante, com a divisão dos governos de Lisboa e do Rio
de Janeiro.

Decidindo-se a partir, D. João nomeou D. Pedro regente do


Brasil e embarcou de volta para Portugal em abril de 1821. Porém
a animosidade entre portugueses e brasileiros não desapareceu
com o afastamento de D. João VI. Ao contrário, continuou a
crescer, chegando ao extremo de o Gen Avilez, comandante da
Divisão Auxiliadora trazida de Portugal quando da Revolução
Pernambucana de 1817, recusar-se a cumprir ordens do Príncipe
Regente.

Desiludido com a falta de lealdade da tropa lusitana, D. Pedro


chegou a preparar seu retorno a Portugal, porém o decidido
apoio do povo e das tropas brasileiras levou-o a reconsiderar sua
decisão, no episódio que ficou conhecido como o Dia do Fico.

Percebendo a necessidade de recompor a unidade do país,


prejudicada com o antagonismo entre brasileiros e portugueses,
D. Pedro decidiu visitar algumas províncias, a começar pelas
mais próximas: Minas Gerais e São Paulo. Nesta última,
quando viajava de Santos para a capital provincial, foi alcançado
por mensageiro com despachos de Lisboa contendo novas e
humilhantes exigências, entre as quais a de retornar a Portugal
para completar sua educação. Era a tarde do dia sete de setembro
de 1822 quando D. Pedro, num gesto muito próprio do seu

Unidade 1 21
Universidade do Sul de Santa Catarina

temperamento impulsivo, declarou rompidos os laços que nos


uniam a Portugal. A este ato meramente declaratório deveria
seguir-se a submissão de todas as províncias ao governo central,
bem como a configuração legal do Estado a ser estabelecida por
uma Constituição.

Mas o prestígio enorme do jovem imperador, autor da


independência, vinha sendo abalado por comportamentos
privados dissolutos e por atos públicos autoritários, entre os quais
a dissolução da Assembleia Constituinte. Para este ato de força,
D. Pedro I valeu-se de um estratagema para obter o apoio do
Exército: diante da tropa formada, declarou que os constituintes
haviam acabado de votar sua deposição e que o próximo ato dos
deputados seria dispersar as unidades militares pelo interior do
país. Decorrido pouco mais de um ano de vida independente e já
o país presenciava ato de autoritarismo, envolvendo ardilosamente
o exército.

Dissolvida a Assembleia Constituinte, criou-se um Conselho


de Estado para elaborar o texto constitucional. Em março de
1824, a nova Constituição foi jurada e outorgada à nação por D.
Pedro I. Calcada em textos europeus e adequadamente adaptada
à realidade brasileira, vigorou até 1889, portanto, por 65 anos,
sendo a mais duradoura do Brasil.

A institucionalização constitucional do país não foi capaz de


restaurar o prestígio do imperador e nem de criar um ambiente
favorável à boa administração governamental. Continuaram
os atritos entre brasileiros e portugueses, em particular no
Exército, onde muitos desconfiavam que D. Pedro I privilegiava
seus patrícios, em detrimento dos brasileiros. Uma campanha
malsucedida no sul (Campanha Cisplatina), onde o exército
fora mandado travar uma guerra longa e impopular, desgastava
o soberano. A vida dissoluta de D. Pedro, a morte prematura
da imperatriz Leopoldina, a prisão de militares envolvidos em
conflito de rua no Rio de Janeiro (noite das garrafadas), tudo
contribuía para criar um clima de animosidade popular e militar
contra o monarca. A notícia de que o governo mandara prender
diversos líderes liberais precipitou os acontecimentos.

22
História Militar Brasileira II

As tropas, sob o comando do próprio Comandante das Armas,


Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, aderiram à multidão
reunida no Campo de Sant´Ana. Impossibilitado de contar com
a força militar para conter a rebelião, D. Pedro abdica em favor
do seu filho, então com apenas cinco anos de idade. No dia 7
de abril de 1831, o Exército, com seu comandante institucional
à frente e ao lado do povo, participa de um ato político que
implicava a quebra da lealdade devida ao imperador. Não houve
uma insurreição popular; a revolução foi nada mais do que uma
sedição militar.

Com a abdicação, desapareceu subitamente o esteio principal


da monarquia. A figura do soberano representava um último
recurso para a solução dos problemas sobre as quais as diferentes
correntes de opinião não se entendiam. Criou-se um vácuo
político que se pretendeu preencher com a criação da Regência
Trina Provisória. Reunidos no Senado, os parlamentares
indicaram para compô-la dois senadores e o Comandante da
Armas, o Brigadeiro Lima e Silva.

Era a primeira vez que um militar em função de


comando participava do governo no seu mais alto
nível.

Transformada a Regência Trina em Permanente, nela


permaneceu o Comandante das Armas para dar ao colegiado o
respaldo da força. Mesmo assim, o clima de agitação e rebeldia
perdurou durante toda a menoridade de D. Pedro de Alcântara.
Vários batalhões amotinaram-se contra o governo a despeito de
nele figurar o Comandante das Armas da Corte. Muitas dessas
unidades tiveram de ser dissolvidas por indisciplina, aumentando
a sensação de insegurança na capital do país. Improvisou-se,
então, por sugestão do Maj Luís Alves de Lima e Silva, filho do
Regente, uma tropa de 400 oficiais para garantir a segurança
pública no Rio de Janeiro. Como solução para o restante do país, Esta tropa foi denominada de
criou-se a Guarda Nacional em 18 de agosto de 1831. o Batalhão Sagrado.

Unidade 1 23
Universidade do Sul de Santa Catarina

O Decreto Legislativo de 1834 promulgou Ato Institucional


que, entre outras modificações da Constituição, estabelecia a
Regência Uma e concedia maior autonomia às províncias. Criava-
se uma espécie de monarquia federativa, assemelhada ao modelo
republicano. No ano seguinte, eclodia a Revolução Farroupilha
que, alimentada por questões políticas e de posição geográfica,
evoluiu, nos 10 anos de sua duração, para o separatismo
republicano, obrigando o emprego do Exército para restaurar
a unidade nacional. Mas as agitações e revoltas continuavam a
ocorrer em outras províncias, robustecendo a ideia da declaração
da maioridade do jovem príncipe. Em todas, houve a participação
do Exército contra ameaças internas de desagregação, e, nelas,
distinguiu-se Caxias, justamente por isto cognominado de
“Pacificador”.

Decretada, em 1840, a maioridade do adolescente Pedro de


Alcântara, assumia ele o Trono com apenas 15 anos incompletos.
Iniciava-se o 2º Reinado durante o qual o Exército Brasileiro
participou de duas guerras externas, uma das quais longa e difícil
e que teve duradoura influência na formação da mentalidade
militar brasileira. Na Guerra do Paraguai, surgiu certo
inconformismo militar com a forma como os políticos tratavam
o Exército em operações num teatro longínquo e inóspito,
ignorando ou protelando o atendimento de suas prementes
necessidades. Ideias como a da abolição do trabalho servil e, em
menor escala, a de república, começaram a circular e a receber
numerosas adesões.

Terminada a Guerra da Tríplice Aliança, seguiram-se anos


economicamente prósperos, graças à renda proporcionada pela
exportação do café, mas financeiramente difíceis. Havia uma
vultosa dívida a pagar, assumida para financiar o conflito e
que o comércio do café não cobria. O exagerado otimismo dos
pacifistas favorecia a ideia de que seria insensato queimar recursos
com as Forças Armadas, instituição para a qual os pacifistas,
no seu míope imediatismo, sequer encontravam uma ocupação
válida. Em consequência, os orçamentos militares foram
drasticamente glosados, assim como os efetivos em pessoal, que
chegaram a níveis próximos daqueles da Regência, quando se
pensou em extinguir o Exército. Esta foi a razão pela qual se
colocou, em todas as constituições republicanas, o dispositivo que
as declara nacionais e permanentes.

24
História Militar Brasileira II

1.2 - A transição para a República


Por volta de 1880, os veteranos da Guerra do Paraguai,
especialmente os mais velhos, compreendiam a necessidade
do respeito à hierarquia e à disciplina. Comportavam-se
segundo os padrões clássicos do militar profissional. Entre
eles, encontravam-se os oficiais que vieram diretamente das
categorias de praças, sem cursos escolares, que eram chamados
de tarimbeiros. Os mais jovens, oriundos da Escola Militar,
que, majoritariamente, haviam ingressado na carreira depois de
terminado o conflito, mostravam-se críticos da realidade nacional
e menos adeptos aos rigores profissionais. Bacharéis em Ciências
Físicas e Matemáticas, julgavam-se mais preparados do que a
elite civil, em magna parte constituída de Bacharéis em Direito,
para promoverem o progresso nacional. Aos poucos, foram
desenvolvendo um sentimento de superioridade e de animosidade
em relação aos juristas diletantes que militavam nos partidos
políticos ou ocupavam cargos rendosos na administração pública.

Porém tanto os mais jovens quanto os veteranos do Paraguai,


todos comungavam um sentimento de superioridade moral
em relação aos casacas, cujas colocações na vida pública
resguardava-os dos perigos, desconfortos e servidões da vida
militar.

Neste ponto, cabe uma digressão para lembrar que a engenharia


nacional nasceu do seio generoso do Exército. Desde a criação
da Escola Militar por D. João em 1811 até quando a velha escola
do Largo de São Francisco foi transferida para a jurisdição
de ministério civil, engenheiros e oficiais formaram-se numa Neste momento, passou a
mesma organização de ensino de caráter militar. denominar-se Escola Poli-
técnica.
A despeito das diferenças de mentalidade apontadas, as várias
gerações de oficiais encontravam um denominador comum na
crença da missão civilizadora do Exército, na qual incluíam:

„„ a abolição da escravidão;

Unidade 1 25
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ a construção de estradas e ferrovias estratégicas; e,

„„ a divulgação de preceitos de civismo e de higiene.

Essas ideias, avançadas para a época, ganharam impulso com


a doutrinação positivista, intensa na Escola Militar da Praia
Vermelha, onde lecionava Benjamin Constant. Os políticos,
pragmáticos, preocupavam-se, sobretudo, com suas carreiras
e, neste divórcio de mentalidades, eram inábeis no trato
das questões militares. Contudo, quando lhes parecia útil,
aproximavam-se dos chefes das Forças Armadas, estimulando-
os a praticarem atos de natureza política, inclusive atraindo-os
para as suas agremiações partidárias. Os políticos sempre viram
os militares como um instrumento a ser explorado em benefício
próprio. Segundo Oliveira Viana, o exército, ao longo da nossa
história, tem sido instrumento das ambições civis.

Este entendimento contribuiu, entre outros fatores, para induzir


uma parcela dos militares (que afinal preponderou) a não entregar
o poder aos políticos imediatamente após a vitória da Revolução
de 1964.

José Honório Rodrigues considerava que faltava às elites


brasileiras uma mística nacional que as inspirasse na busca da
prosperidade, enquanto reconhecia a existência de uma mística
militar que impulsionava os homens de farda à prática de atos
coletivos de solidariedade. A Questão Militar é um exemplo da
solidariedade corporativa castrense. Tratava-se de definir se os
militares tinham, ou não, o direito de discutir, em público e
através da imprensa, assuntos profissionais e de criticar decisões
das autoridades civis competentes. Consultado quando já ia longa
a pendência, o Conselho Superior Militar de Justiça exarou a
seguinte interpretação: “[...] os oficiais, como outros cidadãos, têm
o direito de usar a imprensa como meio de expressão de opinião”.
E concluiu: “O militar só deve obediência nos limites da lei”,
entendimento que passou a constar em todas as constituições
republicanas, exceto nas de 1937 e 1988.

A fundação do Clube Militar, ocorrida em assembleia reunida


na sede do Clube Naval em 26 de junho de 1887, teve como
propósito maior institucionalizar um canal para a expressão das

26
História Militar Brasileira II

opiniões correntes no seio da oficialidade. Foram empossados


como seu presidente e vice-presidente, respectivamente, o
marechal Deodoro da Fonseca e o tenente-coronel Benjamin
Constant. Aliás, foi na condição de presidente do Clube Militar
que Deodoro endereçou a famosa carta à Princesa Regente,
pedindo que o exército não mais fosse empregado na captura de
escravos foragidos, desvelando a posição dos militares a favor da
abolição.

No final de 1880, o trabalho servil seguia um processo gradual


de extinção com a promulgação de leis que o restringiam
progressivamente. Ninguém duvidava de que em breve ele
seria completamente extinto, mas poucos se preocupavam em
assegurar aos escravos libertados adequadas condições de vida.
Havia o problema crucial da mão de obra na agricultura cafeeira,
totalmente servil em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito
Santo. Em São Paulo, já estava adiantada a substituição do
escravo pelo imigrante estrangeiro, mais rentável em termos de
produtividade.

Os abolicionistas queriam simplesmente o fim da


escravidão, enquanto os emancipacionistas, menos
numerosos, achavam que a abolição devia ser
acompanhada da indenização prevista em lei, bem
como de medidas de amparo social aos emancipados.

No domingo, 13 de maio de 1888, a Princesa Izabel embarcou


num trem em Petrópolis e veio ao Rio de Janeiro. Na tarde desse
dia, no Paço da Cidade, assinou uma lei de apenas um artigo,
abolindo a escravidão. Assinada com uma pena de ouro, esse
lacônico diploma passou à história como Lei Áurea. Enquanto
a multidão a aclamava a então Regente, da Europa chegava um
telegrama, igualmente lacônico, nos seguintes termos: “Parabéns
à Redentora. Seu pai, Pedro”. Um ano e meio depois, na mesma
praça do Paço da Cidade, a família imperial embarcava, à noite e
às pressas, para o exílio.

Esse ato, ardentemente desejado pelos brasileiros, que divergiam


apenas na maneira de executá-lo, repercutiu diferentemente
em determinadas províncias. Para os agricultores mineiros,

Unidade 1 27
Universidade do Sul de Santa Catarina

fluminenses e capixabas, cujas economias baseavam-se na


produção cafeeira e que colhiam sua safra em maio, foi grande o
prejuízo. Para os de São Paulo, estado cuja mão de obra contava
com numerosos imigrantes estrangeiros que colhiam sua safra em
setembro, foi grande o regozijo.

Você sabia que existia até um projeto de lei no


Congresso para atender a essa diferença de época de
colheita? De autoria do senador paulista Antônio do
Prado, fixava o dia 28 de setembro para a abolição,
quando as safras de ambas as regiões produtoras
já estivessem colhidas. Subitamente, o senador
modificou aquela data, antecipando-a para maio. Isto
desorganizou a colheita do café na Zona da Mata, no
Vale do Paraíba e em certos municípios do Espírito
Santo. Desde então, teve início a decadência dos
“barões do café” fluminenses, cujas belas fazendas são
hoje tristes testemunhos de uma época de fausto e
riqueza, riqueza e fausto que se transferiram para São
Paulo.

Até as primeiras décadas do século passado, as suntuosas


residências da Avenida Paulista atestavam essa prosperidade,
agora identificada pelos arranha-céus da era industrial. Quanto
aos ex-escravos, desassistidos e sem trabalho, migraram para as
cidades onde se amontoaram em habitações precárias, chamadas
de cortiços, inicialmente, e de favelas, após a Campanha de
Canudos, quando principiaram a subir pelas encostas dos
morros. Entregues à própria sorte, muitos descambaram para a
marginalidade, o alcoolismo e a prostituição, tornando-se vítimas
inocentes de uma providência generosa que pretendia resgatá-los
para a vida plena da liberdade e da cidadania.

1.3 - O exército na transição para a República


Durante o tempo dos vice-reis, não havia unidade de comando
e administração no Exército. Isso se deveu principalmente aos
seguintes fatores:

28
História Militar Brasileira II

„„ dimensões geográficas do país;

„„ dificuldades de ligação; e,

„„ tradição de autonomia das capitanias hereditárias.

Com a instalação da Corte no Brasil, em 1808, surgiu um quartel


general que, todavia, não exercia as funções próprias de um
órgão de coordenação geral. Os presidentes de província tinham
ascendência sobre os comandantes das organizações militares
aquarteladas em seus territórios, o que muitas vezes ocasionava
choques com os governadores das armas.

Paulatinamente, o Governador das Armas da Corte foi


adquirindo certa autoridade doutrinária sobre seus homólogos
das províncias. Em1857, criou-se a Ajudância-General do
Exército, primeira providência para dar certa organicidade à força
terrestre, não obstante os planos de operações continuarem sendo
formulados localmente, sob a responsabilidade dos comandantes
das armas. Ao Ajudante-General cabia cuidar da disciplina, do
abastecimento, da administração, dos hospitais e das fortalezas. Cargo cujo primeiro ocupante
Em 1889, o Ajudante-General era o marechal Floriano foi Caxias, então marquês.
Peixoto, a mais alta autoridade do Exército Imperial, seu virtual
comandante em chefe. As questões referentes ao material ficavam
a cargo do Quartel-Mestre-General, que despachava diretamente
com o ministro.

Como já mencionado, a ascendência dos presidentes das


províncias sobre as tropas localizadas em seus territórios gerou
não poucos atritos, como os ocorridos na Campanha Cisplatina
e na Revolução Farroupilha (na República, problema semelhante
ocorreu em Canudos). Por isto é que Caxias exigia enfeixar
em suas mãos o poder político e o militar, quando convidado a
pacificar uma província. Outra peculiaridade ligada ao comando
supremo das forças armadas é que a Constituição de 1824 não
atribuía ao imperador essa função. Esta é a razão pela qual, na
capitulação dos paraguaios em Uruguaiana, durante a Guerra da
Tríplice Aliança, D. Pedro II não pôde assumir o comando em
chefe das operações.

Unidade 1 29
Universidade do Sul de Santa Catarina

A abolição da escravidão agravou o clima de


conspiração latente em que se vivia no Brasil, no fim do
século XIX.

O Visconde de Ouro Preto, na chefia do Gabinete em 1889,


vinha sendo informado desses indícios de conspiração, assim
como o Imperador que, por convicções liberais ou porque
confiava no Exército, dava-lhes pouca importância. Não obstante,
D. Pedro II só se referia ao Exército como “a tropa”, expressão
que muitos interpretavam como de desprezo pelos militares. Mas
Ouro Preto, com as responsabilidades de governo, decidiu tomar
precauções: diminuiu a quantidade de unidades do Exército no
Rio de Janeiro e aumentou a presença da polícia e da Guarda
Nacional. Isto robusteceu os rumores de que o governo cogitava
extinguir o Exército e substituí-lo pela Guarda Nacional,
revivendo receio que já se manifestara durante a Regência. Em
novembro precipitaram-se os acontecimentos.

Na noite do dia 9, enquanto se realizava o famoso baile da Ilha


Fiscal, Benjamin Constant e outros exaltados republicanos
discutiam, em reunião no Clube Militar, a derrubada da dinastia
dos Bragança. No dia seguinte, 10 de novembro, Benjamin
Constant foi à casa de Deodoro, sob o pretexto de dar-lhe ciência
do que ocorrera na reunião da véspera, mas, realmente, para
convencer o velho marechal de que a única maneira de salvar
a Pátria e o Exército seria a substituição da monarquia por um
regime mais democrático. Deodoro levantou objeções, alegando
saúde precária e amizade ao soberano.

Mas, diante da insistência e da argumentação de que o Trono


não resistiria a um terceiro reinado, com a Princesa Izabel
reinando com seu marido, um príncipe estrangeiro malvisto
pelos brasileiros, teria dito que, não havendo outro remédio, que
viesse a República. Assinale-se a contradição entre essa posição
de Deodoro e o que ele escrevera a um sobrinho que cursava
a Escola Militar do Rio Grande do Sul, apenas um ano antes,
recomendando que não se metesse em questões republicanas,
pois a república no Brasil seria uma desgraça completa. Aliás,
a aquiescência do marechal não resultou de um convencimento

30
História Militar Brasileira II

da necessidade de se fazer a república, mas, provavelmente, do


desconforto que lhe causava a visita de Benjamin Constant,
agravando seus padecimentos de homem doente e idoso, a quem
já faltava firmeza para manter seus pontos de vista.

E, assim, a 15 de novembro de 1889, declarou-se instaurada a


República pela ação de um monarquista e pela força das armas.
O povo assistiu a tudo “bestificado”, segundo registrou Aristides
Lobo, republicano convicto.

1.4 - A República
Ao definir a destinação das forças armadas, a primeira
constituição republicana assim estabelecia:

Art 14 - As forças de terra e mar são instituições


nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria
no exterior e à manutenção das leis no interior. A força
armada é essencialmente obediente, dentro dos limites
da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a
sustentar as instituições constitucionais. (Do texto
da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 24 DE
FEVEREIRO DE 1891).

A declaração de serem as forças armadas permanentes tinha o


propósito de evitar a repetição do receio dos militares quanto à
extinção do Exército em determinadas situações. A expressão
dentro dos limites da lei visava manter certa autonomia militar
quanto ao seu emprego, parcialmente obtida com a Guerra do
Paraguai e reforçada com o golpe militar de 15 de novembro.
Em suma, garantia aos chefes militares julgarem se, quando e
onde os governantes estariam empregando as forças armadas em
proveito de seus objetivos políticos pessoais.

Unidade 1 31
Universidade do Sul de Santa Catarina

E como foi que se estabeleceu o exército nos primeiros anos da


República?

1.4.1 - As praças
A lei que instituiu o serviço militar obrigatório por sorteio
datava de 1874. Mas, por falta de regulamentação, em 1889 o
Exército ainda preenchia os claros de praças de suas unidades
pelo engajamento, pelo voluntariado e, principalmente, pelo
recrutamento forçado. O sistema, injusto e discriminatório,
funcionava mal. Os corpos de tropa estavam sempre com grande
número de claros, justamente quando o serviço da guarda das
repartições públicas, atribuído ao Exército, consumia efetivos
diários muito grandes. Para contornar o problema, ofereciam-se
vantagens e facilidades aos engajados e aos voluntários, do que
resultava ser a tropa constituída, em grande parte, por elementos
permanentes, os quais, aos 20 anos de serviço, obtinham a
reforma. Assim, o sistema, além de injusto e discriminatório, não
produzia reserva e onerava o orçamento.

O grosso dos soldados era recrutado nas camadas mais


pobres da população. A possibilidade de obter engajamentos
sucessivos determinava a existência de praças com muitos anos
de serviço, durante os quais muitas constituíam família e iam
se instalar nas imediações do quartel, formando comunidades
que sobrecarregavam os comandos com problemas sociais e
disciplinares. Quando o Exército marchava para operações
demoradas, essas famílias acompanhavam os soldados, não
apenas nas campanhas externas, como ocorreu no Império, mas
também nos conflitos internos, como na Revolução Federalista de
1893-1895 e em Canudos.

O primeiro degrau da hierarquia era o anspeçada, simples


soldado, cuja função era a de substituir o cabo em seus
impedimentos. Usava uma divisa única na manga do uniforme.
Com os engajamentos sucessivos, surgia a figura do cabo velho
que, não podendo progredir na carreira por falta de capacidade
intelectual, esbanjava dedicação ao trabalho e conhecimento
prático de muitos aspectos da vida no quartel.

32
História Militar Brasileira II

Há a história real, pois conheci o chefe militar a que


ela se refere, de um companheiro que, na década dos
anos 1960, comandara como coronel o Regimento
de Cavalaria de Alegrete. Passados cerca de 20 anos,
já general em visita àquela unidade, lembrou-se do
soldado Adão, que fora seu ordenança. Perguntou por
ele e soube que ainda servia no Regimento. Chamado
à sua presença, apresentou-se com garbo e atitude
perfeita. O general, para criar uma atmosfera menos
formal, exclamou: “Mas você já é cabo?” Ao que o Adão
orgulhosamente respondeu:
“I eu drumo, Excelença?”

A instrução dos recrutas durava seis meses e a instrução


específica de tiro era muito negligenciada, pois os corpos de
tropa não dispunham de linha de tiro. Os sargentos possuíam
conhecimentos teóricos e, sobretudo, práticos da profissão.
Além da dedicação à instrução da tropa, os de melhor letra
eram encarregados da escrituração da unidade e da subunidade.
Naquele tempo, não havia máquina de escrever e muito menos
computador. A escrituração era toda feita à mão. Havia:

„„ o sargento-ajudante ou brigada;

„„ o sargento quartel-mestre, que exercia funções próximas


do atual subtenente;

„„ os 1º e 2º sargentos; e

„„ os furriéis, atuais 3ºs sargentos.

O brigada era uma figura respeitada: como auxiliar do capitão-


ajudante, controlava o efetivo das praças, fazia as escalas de
serviço, colocava a parada diária em forma e nela passava
revista antes de apresentá-la ao ajudante. Quando em serviço,
usava uma espada ou espadim, símbolo da autoridade de que
estava investido. O sargento quartel-mestre era o auxiliar do
almoxarife da unidade. Os 1ºs sargentos eram peça fundamental
das subunidades, mas os 2ºs sargentos geralmente nelas não
trabalhavam, pois eram empregados na casa-das-ordens, na

Unidade 1 33
Universidade do Sul de Santa Catarina

secretaria, na fiscalização, etc., para fazerem a escrituração


da unidade. Os furriéis exerciam as funções que hoje são
desempenhadas pelos 3ºs sargentos.

1.4.2 - Os oficiais
Como já foi dito, em 1889 havia duas categorias de oficiais:

„„ os egressos das escolas militares, ou seja, os doutores; e,

„„ os que vieram diretamente da tropa, isto é, os


tarimbeiros.

A preponderância intelectual dos primeiros conduziu a certo


desprezo pelas coisas práticas da profissão, um academicismo
prejudicial à eficiência do Exército. Um antigo chefe, o Gen
Tito Escobar, em artigo publicado na revista A Defesa Nacional
no mês de outubro, assim se expressava, criticando o excessivo
bacharelismo dos oficiais doutores:

Raros soldados de escol formaram as escolas militares e


raríssimos exemplares deles nos legaram; sobram-nos,
entretanto, enraizados burocratas, literatos, publicistas
e filósofos, engenheiros e arquitetos notáveis, políticos
sôfregos e espertíssimos, eruditos professores de
matemática, ciências físicas e naturais, bons amigos da
santa paz universal, do desarmamento geral, inimigos da
guerra, e dos exércitos permanentes. (Outubro, 1914.)

Nessa crítica, excessivamente severa, pois são muitos os soldados


de escol formados na Escola Militar da Praia Vermelha,
Este era o estabelecimento de percebe-se a grande influência que a religião da humanidade
ensino a que o Gen Tito Escobar exercia sobre os alunos do então chamado tabernáculo do saber.
preferencialmente se referia. O Exército era católico, assim como a maioria dos brasileiros.
Religião oficial durante a monarquia, seus rituais eram praticados
nos quartéis como atos de serviço. Contudo, entre oficiais
formados sob a influência positivista, muitos eram ecléticos ou
francamente materialistas.

34
História Militar Brasileira II

No Império, era comum o oficial filiar-se a partidos políticos.


Destacados chefes, como Caxias e Osório, tiveram carreiras
políticas paralelas e ocuparam cadeiras no Senado. Diferenças
outras de mentalidade entre os oficiais de 1889 e os de hoje
ocorriam, também, em detalhes menos importantes, como o uso
da barba, o comprimento dos cabelos, a cobertura posta inclinada
sobre a cabeça e certa flexibilidade no uso de peças do uniforme
não regulamentares, particularmente em campanha. Lembro
do chapéu de feltro de abas largas e do poncho de Osório, e até
mesmo traje civil completo, como registra fotografia do Gen.
Artur Oscar, em Canudos.

Veja esta fotografia na página 26 do livro “O Exército na


História do Brasil”, volume “República”, publicado pela
BIBLIEX – ODEBRECHT.

1.4.3 - A rotina diária


A rotina diária nos quartéis era diferente da de hoje. Não
havia os dois tempos de instrução --manhã e tarde -- porque a
preocupação era com as escalas de serviço. O Exército fornecia
as guardas das repartições públicas federais e, em muitas cidades,
patrulhava as ruas. Em cada corpo de tropa havia um único
oficial instrutor, nomeado em boletim. Os demais, ociosos,
reuniam-se na sala do oficial-de-estado (oficial de dia) e matavam
o tempo no dominó, no gamão, na dama e em outros jogos de
salão, excluídos os esportivos, visto que os esportes eram pouco
praticados no Brasil. Não havia, ainda, o cassino dos oficiais
e o expediente diário começava à hora do almoço, entre 10 e
11 horas, e terminava à tarde, com o toque de ordem para a
leitura do boletim diário. O oficial subalterno pouco se envolvia
com a sua subunidade; somente o capitão se preocupava com a Acumulava a fiscalização
administrativa com as atuais
administração e a disciplina, e pouco com a instrução. Os oficiais
funções do subcomandante.
mais sobrecarregados de trabalho eram o fiscal, o ajudante e o
encarregado do rancho.

Unidade 1 35
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.4.4- Justiça e disciplina


As questões de justiça e disciplina eram reguladas pelo Alvará
de 1710, conhecido como ”Artigos de Guerra” ou “Regulamento
do Conde de Lippe”. Deste constavam punições como o
espancamento com a espada sem corte, abolida em 1874, mas
empregada irregularmente até os primeiros anos da República.

Os castigos corporais foram causa de uma rebelião


republicana: a revolta dos marinheiros em 1910 ou
“Revolta da Chibata”. Aproveite para pesquisar este
assunto na Internet.

Em 1889 havia mais um número enorme de avisos e resoluções


que faziam da administração da disciplina e da justiça um
labirinto difícil de ser percorrido. A maioria das praças recrutada
para a Marinha e para o Exército tinha maus antecedentes,
obrigando os comandantes, em situações de serviço delicadas,
a adotarem procedimentos rigorosos, ainda que não previstos
nos atos regulatórios oficiais. A propósito, lembro que os
castigos corporais não tinham a conotação humilhante que têm
hoje. Objetos como a vara de marmelo e a palmatória faziam
parte do rol de instrumentos de educação das crianças no lar
e dos alunos nas escolas. Ainda recentemente -- se é possível
considerar recente o ano de 1979 --, quando exercia o cargo de
adido do Exército em Paris, fui procurado por um oficial a mim
subordinado, que me pediu para obter da direção da escola de seu
filho que o isentasse de castigos corporais. A direção da escola
informou que tais castigos estavam previstos no regulamento
escolar, do qual os pais tomavam conhecimento ao matricular
seus filhos. Winston Churchil, na sua autobiografia, narra os
castigos físicos que sofreu quando interno em colégio inglês,
portanto os fatos históricos devem ser apreciados considerando-se
o tempo em que ocorreram.

36
História Militar Brasileira II

1.4.5 - Estratégia, tática e armamento


As ideias estratégicas em curso na França, derrotadas em 1871,
e no Brasil, nos primeiros anos do século XX, eram basicamente
defensivas. A preocupação era manter a soberania e a integridade
territorial contra ameaças externas; no caso brasileiro, vindas do
sul do continente. Para as forças armadas brasileiras, a manobra
estratégica estava assim esquematizada, tendo Porto Alegre como
ponto de apoio:

a) defender a fronteira do Rio Uruguai com uma flotilha


fluvial, operando em combinação com força terrestre;

b) defender a fronteira seca ao sul com o Exército (máximo


de força terrestre); e,

c) defender a região lacustre com forças navais operando de


forma combinada com força terrestre.

O dispositivo estratégico tinha nas ferrovias elemento vital para


o apoio logístico e operacional. O próprio Osório defendia esse
mesmo ponto de vista. Em caso da impossibilidade de manter
o terreno no Estado do Rio Grande do Sul, previa-se uma
ação retrógrada em linhas sucessivas, apoiadas em obstáculos
naturais para, afinal, deter o invasor e retomar o território
estrategicamente cedido. Todavia não havia planos formalmente
elaborados por um órgão central de planejamento. As ideias
acima expostas eram de oficiais mais intelectualizados que se
preocupavam com os problemas profissionais publicados nas
revistas especializadas. Só mais tarde é que o Estado-Maior do
Exército, com as hipóteses de guerra, viria a formalizar os planos
de operações.

As ideias táticas eram influenciadas pelo progresso do


armamento.

Unidade 1 37
Universidade do Sul de Santa Catarina

Sentia-se a necessidade de diminuir em combate a concentração


da infantaria e da cavalaria, enquanto a metralhadora e o
canhão iam impondo seu domínio no campo de batalha. No
Exército brasileiro, a instrução tática de infantaria, até as
grandes manobras de 1907-1908, dava pouca importância ao
aproveitamento do terreno. Os rígidos movimentos de entrar
em linha ou em coluna, formar quadrados, desenvolver linha
de atiradores haviam resistido a Canudos, a despeito dos
inconvenientes evidenciados na ocasião.

Na defensiva, a posição comportava uma linha exterior de postos


avançados, um reduto principal, com obras de organização
do terreno formando pontos fortes e uma retaguarda menos
preparada defensivamente, mas em condições de apoiar o reduto
principal, desfechando contra-ataques. Assim foi no Paraguai.
A cavalaria empregava uma tática baseada em complicadas
formações como a linha em duas fileiras, em coluna e a
formação em batalha. A carga, assim como o assalto a baioneta
para a infantaria, culminava o combate. Com a crescente
importância do fogo na batalha, essas táticas foram sendo
substituídas pelo emprego mais constante em reconhecimentos
e em destacamentos de descoberta e de cobertura. Também a
organização dos regimentos de cavalaria foi alterada: metade dos
esquadrões era armada com lanças, e a outra metade, com armas
de fogo, mas o regulamento da cavalaria ainda era o de Beresford,
herdado do Exército português. A artilharia, arma mais técnica,
dava mais importância à instrução no tiro do que às questões de
emprego tático.

O armamento da infantaria era o fuzil comblain, retrocarga,


calibre 12mm, alça graduada de 100 em 100m a partir de 200
até 1.200m. Os cartuchos eram metálicos e carregados com
pólvora negra, pois ainda não se conhecia a pólvora sem fumaça.
A cavalaria era armada parte com o mosquetão comblain e
parte com a lança. Usava-se, também, a carabina winchester.
Os oficiais de todas as Armas usavam espada, assim como as
praças das armas montadas, e o revólver gerard, calibre 8mm.
Os sargentos usavam revólver nagant. O material de artilharia
compreendia:

„„ canhões;

„„ obuseiros;

38
História Militar Brasileira II

„„ morteiros; e,

„„ pedreiros, que lançavam pedras. Este material, embora


disponível e distribuído, não era mais regulamentar.

Esses materiais ostentavam marcas de fabricantes renomados,


como La Hitte, Whitworth e Krupp. As munições de artilharia
usavam, como as de infantaria, a pólvora negra, tanto na
carga de projeção como na de arrebentamento. Os projetis
eram cilíndrico-ogivais e dividiam-se em granada, shrapnel e
lanternetas.

Em 1889, a cultura dominante no Brasil era jurídica e literária.


Emprestava-se pouca importância aos técnicos, em particular
os voltados para a produção e manutenção de material bélico.
Não obstante, o Arsenal de Guerra fundiu canhões de bronze,
fabricou peças de armamentos diversos e espoletas para as
munições de artilharia, enquanto o arsenal da Ilha das Cobras
fazia outro tanto para a Marinha, inclusive embarcações. Não
havia nenhum estímulo para as atividades industriais militares.
Pouco antes da proclamação da República, o próprio Imperador
relutava em direcionar recursos para a fabricação de material
bélico. Certa vez, tendo ele concordado, de má vontade, com a
modificação de um determinado armamento, irritou-se quando,
passado algum tempo, propuseram-lhe nova modificação na
mesma arma. Consta que teria dito: “Tanto põem e tiram a
sapata nessa arma que acabarão deixando o Tesouro descalço!”

Acesse a Midiateca e veja a lista de conflitos internos


ocorridos na República, bem como alguns fatos que
repercutiram na evolução da arte militar no Brasil.

Aproveito este espaço para anexar em nosso material didático,


uma transcrição elaborada pelo Estado-Maior do Exército sobre a
importância da questão militar como uma das causas da proclamação
da República. Vamos a ela?

Unidade 1 39
Universidade do Sul de Santa Catarina

A questão militar
(In BRASIL. Estado-Maior do Exército. História do Exército
Brasileiro. (Sobre a) Questão Militar. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.
vol 2. p. 676 - 679.)

Na década dos 80, começou a exaltação no meio militar, gerada,


em princípio, pelo dasapreço à classe por parte do governo
imperial. Iniciava-se a chamada questão militar.
Segundo Oliveira Viana, desaparecera o sentimento de fé nas
antigas instituições. O próprio Nabuco afirmava que “nos últimos
anos do Império, havia mais coragem em se dizer alguém
monarquista do que em ser republicano”
A questão militar constituiu uma sucessão de incidentes que
feriu o espírito de corpo da classe. Situá-los todos, hoje, é
mais difícil, pois teríamos que discriminar, com justiça, os que
efetivamente ofendiam a honorabilidade militar, daqueles
provocados por questões pessoais ou, na fase derradeira do
processo de transformação do regime, criados para facilitar a
queda da monarquia.
Um projeto do Marquês de Paranaguá sobre o montepio militar,
1883, provocou agitações na classe.
Nesta oportunidade apareceu a personalidade marcante de Sena
Madureira, oficial veemente, que surgiu em outros incidentes,
sempre vigilante contra atitudes do governo, capazes de
prejudicar os seus camaradas.
Os anos seguintes não trouxeram calma ao ambiente. Ao
contrário, das crises resultou, talvez, o início do movimento
militar que culminou com a derrubada da monarquia e a
proclamação da República. Oliveira Viana: “Essas questões
militares de 86-87 têm uma grande importância – porque delas
é que partiu toda a dinâmica do movimento que haveria de dar,
dois anos mais tarde, com o trono em terra”.
Ainda em 65, o Coronel Cunha Matos fizera uma inspeção a
uma unidade do exército no Piauí. Verificando a existência de
irregularidades, Cunha Matos solicitou a apuração dos fatos,
através de um conselho de guerra e a conseqüente retirada do
capitão do comando da unidade.
O capitão estava ligado ao deputado Simplício de Resende que,
da tribuna da Câmara, atacou violentamente o coronel. Este
não hesitou e revidou, pela imprensa, aos ataques considerados
injustos. No calor dos debates, pela tribuna, um, e pela imprensa,

40
História Militar Brasileira II

o outro, o capitão sai prejudicado; é punido pelo Ministro da


Guerra, Conselheiro Alfredo Chaves.
Mas, se Cunha Matos se curvou aos ditames da disciplina
e silenciou, da tribuna do senado, um militar, o senador e
general José Antônio Corrêa da Câmara, Visconde de Pelotas,
chefe militar que empreendeu a última ação contra López, em
Cerro Corá, levantou a luva e procurou desagravar a honra do
companheiro injuriado, fazendo-o altivamente.
Enquanto o incidente Cunha Matos se esvaziava, Sena Madureira,
intimorato abolicionista, anteriormente punido e afastado do
comando da Escola Geral de Tiro (por haver recebido, na Escola
que comandava, em Campo Grande - Realengo - com honras, os
jangadeiros cearenses que se recusaram a transportar escravos),
voltava a carga.
No Rio Grande do Sul, para onde fora transferido, juntou-se a
Júlio de Castilhos. Em entendimentos com ele, escreveu um
artigo no jornal Federação. Evitou tratar de assuntos militares
(aos militares era proibido tratar de assuntos militares pela
imprensa, não os de outros assuntos), mas, repelindo um ataque
feito pelo Senador Franco de Sá, acabou por insinuar que
nem sempre “os velhos soldados tomamos a sério os generais
improvisados que perpassam rápida e obscuramente pelas altas
regiões do poder”.
Sena Madureira referia-se ao Ministro da Guerra, Conselheiro
Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, ferrenho escravocrata.
Por ordem deste, o Ajudante-General do Exército telegrafou ao
General Manoel Deodoro da Fonseca – Presidente da província e
comandante das armas do Rio Grande do Sul – perguntando se
aquele oficial obtivera permissão para publicar o artigo.
O futuro proclamador da república respondeu por telegrama e
ofício. Neste último, declarou que não lhe parecia necessária a
permissão, pois, aos militares, era vedado tratar, pela imprensa,
de assuntos militares ou de questões que envolvessem os
ministros das pastas militares ou outros militares; por isso não via
por que haver autorização para artigos assinados por militares,
envolvendo membros do parlamento, no caso, o Senador Franco
de Sá.
Repreendido, Sena Madureira não se conformou e lançou
enérgico protesto pelo jornal Federação. Interveio Júlio de
Castilho com uma série de artigos iniciada com o título de
Arbítrio e Inépcia. No parlamento, o Visconde de Pelotas
protestou contra o ato ministerial. Formara-se nova crise

Unidade 1 41
Universidade do Sul de Santa Catarina

que minava as fundações do Império, facilitava a abolição da


escravidão e aproximava o Brasil do regime republicano.
Com a permissão de Deodoro, reuniram-se, em Porto Alegre, a
oficialidade da ativa, reformados e honorários para resolverem
sobre a forma de homenagearem Sena Madureira pelo
desassombro com que defendera os direitos da classe.
Nova interpelação a Deodoro, agora do Presidente do Conselho de
Ministros, o Barão de Cotegipe. Respondeu o general que aprovara
e permitira a reunião porque havia ressentimentos no exército
e, textualmente, “os militares não podem, não devem estar
sujeitos a ofensas e insultos de francos de Sá e simplícios, cujas
imunidades não os autorizam a dirigir insultos, nem os isentam da
precisa e conveniente resposta... A ferida foi forte, cruel e mortal,
e, com justa razão, sangrará enquanto Madureira e Cunha Matos
estiverem sob a pressão da injustiça de que foram vítimas.”
Sena Madureira solicitou conselho de guerra. O pedido não
tinha cabimento, mas o presidente do Conselho de Ministros
resolveu ouvir o Conselho Superior Militar e de Justiça. A decisão
foi: “os militares, como qualquer cidadão, podiam discutir pela
imprensa, mas que era contrária à disciplina toda e qualquer
discussão, pela imprensa, entre militares por objeto de serviço”.
Apoiados neste conceito, os punidos anteriormente por questões
com civis, através da imprensa, pleitearam a anulação das
punições. O Barão de Cotegipe replicou que cabia aos militares,
prejudicados, requererem. Estes se recusaram, alegando que,
reconhecida a ilegalidade das punições, incumbiria ao Governo
anulá-las ex-ofício.
Formava-se outra crise e, a este tempo, Deodoro, destituído dos
cargos que exercia no Rio Grande do Sul, estava na Corte, como
Quartel-Mestre-General. Não se escusava em tomar a vanguarda
daqueles que lutavam por um exército mais adestrado e
aparelhado e com seus elementos respeitados pelos políticos.
Não se estranhe que, dentro desse ideal, estivesse também o
da abolição e, por que não dizer, o da instauração do regime
republicano.
Os ânimos acaloraram-se na capital do Império, onde se
reuniu em um de seus teatros, a oficialidade exaltada. Coube
ao Visconde de Pelotas e a Deodoro, este agora exonerado
da função de Quartel-Mestre-General, a missão de endereçar
ao Parlamento e à Nação um manifesto. Prudentemente, o
Presidente do Conselho de Ministros resolveu cancelar as
punições, causa de tanta celeuma.

42
História Militar Brasileira II

Muitas outras pequenas crises locais se sucederam, envolvendo


pessoal militar e autoridades. Não houvesse tanta insatisfação,
e não estivesse o país vivendo uma profunda crise econômica e
social, nem estivesse o poder político fraco e incapaz, enfim, não
houvesse se esgotado o modelo sociopolítico até então vigente,
e as questões institucionais menores não poderiam ter sido
exploradas pelos interesses políticos de qualquer natureza, nem
crescerem a ponto de provocar a sedição da guarnição militar da
Corte. Naquele momento, a jovem oficialidade se tornara crítica
quanto ao estado de coisas institucionais e nacionais, fazendo eco
à insatisfação da caserna e dando espaço à pregação republicana
e positivista de Benjamim Constant Botelho de Magalhães.
Funda-se o Clube Militar e levantam-se as vozes contra o
governo e contra o próprio regime monárquico.

Para saber mais sobre isso, acesse os artigos de Renato


Jorge Paranhos Restier Junior na Midiateca.

Seção 2 - O 15 de Novembro e o governo provisório


Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Figura 1.1 - Proclamação da República, 1893. Óleo sobre tela, 123,5 x 198,5 cm. Benedito Calixto (1853-1927).
Fonte: Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

Unidade 1 43
Universidade do Sul de Santa Catarina

Desde o Manifesto Republicano, ocorrido no dia 3 de dezembro


de 1870, os republicanos propagavam suas ideias através de
jornais, clubes e outras manifestações, principalmente na Corte
e nas províncias do sul do país. Defendiam o federalismo, não
se arriscavam muito sobre a escravidão, se aproximavam dos
positivistas e não tinham as forças armadas permanentes entre
suas propostas. Eram poucos e não empolgavam a maioria
da população. Habilmente souberam explorar os diversos
incidentes havidos, tornaram o abolicionismo também coisa
sua e aproximaram a oficialidade jovem do exército. Não
titubearam em atacar com virulência a família imperial e
em incompatibilizar a opinião pública com o Conde D’Eu.
Com a abolição da escravidão e o caos que se seguira,
enfraquecida a sustentação do trono, ali estavam juntos, em
1889, os republicanos federalistas e liberais e os positivistas
que acreditavam que só uma ditadura daria ao país ordem e
progresso.

Em junho, o Imperador chama o Visconde de Ouro Preto


para formar o gabinete que proporia as reformas urgentes
indispensáveis ao reordenamento socioeconômico do país. A
Câmara recusa o voto de confiança ao programa proposto pelo
presidente do Conselho e é dissolvida. Eleições são realizadas em
31 de agosto e foi marcada a data 20 de novembro para o início
dos trabalhos parlamentares. Mas, até lá, o governo não teria
trégua. Repetiam-se, na Corte, as manifestações de hostilidade a
Ouro Preto e seu ministério.

Deodoro chegou de volta ao Rio de Janeiro em setembro,


enquanto novos pequenos incidentes com militares acirravam
os ânimos na guarnição. Deodoro e Câmara se integraram ao
descontentamento militar e cuidaram de derrubar o gabinete
em 19 de novembro, véspera da abertura dos trabalhos
parlamentares. Em 9 de novembro, o baile da Ilha Fiscal não
teve a presença de nenhum oficial do exército. Na verdade,
muitos deles, particularmente os da mocidade militar, estavam
reunidos no Clube Militar, quando deram liberdade de ação a
Benjamim Constant. No dia 11, houve uma reunião na casa de
Deodoro, que se mostrou reservado quanto ao movimento. Os
circunstantes, entretanto, já se haviam decidido pela derrubada
da monarquia, especialmente os comandantes dos corpos de
tropa estacionados na Corte.

44
História Militar Brasileira II

Floriano, Ajudante-General do Exército, chamado por Deodoro


no dia 13, adere à derrubada do gabinete. Benjamim continua
aliciando adeptos, inclusive na Marinha. O movimento termina
antecipado para o dia 15, graças aos boatos espalhados pelo
Major Solon Ribeiro, no dia anterior, sobre uma ordem de
prisão contra Deodoro e Benjamim e sobre a movimentação de
unidades para o interior. No mesmo dia, à noite, rebelam-se
as tropas da 2ª Brigada e outras unidades aquarteladas em São
Cristóvão. Iniciara-se a derrubada do gabinete e do regime, e o
governo não tinha mais condições de contê-la. As unidades que
deveriam garantir o gabinete vão aderindo, uma após outra, ao
movimento. Floriano nada faz. Deodoro, aclamado no velho
quartel-general da Secretaria da Guerra, avisa que o gabinete não
mais existe e que tinha em mãos a proposta de ministério que
levaria ao Imperador. Depois disso, volta para casa.

No Paço, D. Pedro ouve Ouro Preto e tenta formar novo


gabinete. Só o Conselheiro Saraiva se dispõe a tentar. Ele e
o Conde D’Eu, através de amigos comuns, tentam falar com
Deodoro, mas não conseguem. Os republicanos, que não haviam
participado do golpe militar, ansiosos por mudar o regime
conseguiram, já à tarde, redigir, na Câmara de Vereadores do
Rio de Janeiro, um decreto proclamando a república. Foram a
Deodoro, que se recusou a assinar. Só o fez, quando o Major
Solon Ribeiro mente mais uma vez, dizendo que se formara o
governo com o General Gaspar Silveira Martins, desafeto de
Deodoro. Quando Saraiva tentou um entendimento, era tarde.
Estava proclamada a República. D. Pedro não questionou a
mudança do regime e aceitou o banimento, partindo para a
Europa com toda a família, no vapor Alagoas, escoltado até
Fernando de Noronha pelo encouraçado Riachuelo.

Em 16 de novembro, um governo provisório prestava juramento


na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Era presidido
por Deodoro, o velho chefe militar que foi buscado pelos
republicanos e positivistas para lhes emprestar o prestígio
e a liderança que não tinham eles próprios. Rui Barbosa e
Wandenkolk, Campos Salles e Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva
e Demétrio Ribeiro completavam o ministério.

Unidade 1 45
Universidade do Sul de Santa Catarina

Avisadas por telegrama, as províncias foram aos poucos sabendo


da mudança do regime. Uma ou outra reação pessoal mostrou
que, se republicanos não havia tantos, também não havia
monarquistas dispostos a questionar a república. Transformado
em república federativa, o Brasil viu suas províncias tornarem-se
estados, manteve sua bandeira, trocado apenas o brasão imperial
e, mais tarde, o hino nacional. Resistiu aos desejos positivistas
de adotar uma ditadura. Uma comissão elaborou um projeto de
constituição e foram convocadas as eleições para uma assembleia
constituinte.

Algumas medidas imediatas foram tomadas. No Exército,


se referiram ao ensino militar, sob a inspiração de Benjamim
Constant. Outras medidas envolvendo promoções e
condecorações desgastaram o governo no meio militar. Mas
não só isto. Rebeliões aqui e acolá mostraram dificuldades que
exigiram medidas de exceção, aumentando o descontentamento
e a desconfiança no meio militar. Mas, de qualquer modo,
a Assembleia Constituinte aprovou a nova Constituição,
promulgada em fevereiro de 1891, e elegeu os primeiros
presidente e vice-presidente da república: Deodoro e Floriano,
que concorreram em chapas diferentes, mas iriam ser os
principais protagonistas da implantação do novo regime.

Seção 3 - Governo de Floriano Peixoto – A “Revolução


Federalista” e a “Revolta da Armada”
Carlos Roberto Carvalho Daróz
Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator – DPHDM)

Logo no início do que seria o primeiro governo constitucional


da república, as divergências entre o Presidente e o Congresso
levaram Deodoro a dissolvê-lo, por decreto, seguido de um
manifesto à nação em que explicou seu gesto. Apesar de adesões
recebidas, a reação é imediata e, no campo militar, o Contra-
Almirante Custódio de Melo se apossa de alguns navios da
esquadra e, com um tiro de advertência contra a torre da Igreja

46
História Militar Brasileira II

da Candelária, exige a deposição de Deodoro. Reuniões se


sucedem, algumas providências são tomadas na Marinha, mas
Deodoro renuncia e Floriano Peixoto assume a presidência em 23
de novembro de 1891.

Frota (2000, p. 488-489) descreve, da seguinte maneira, a


chegada de Floriano à presidência da república:

Chamado Floriano Peixoto, a este foi entregue a chefia


da Nação nesse mesmo dia 23. O vice-presidente era
um chefe nato, impávido, calmo; impunha a sua vontade
pela frieza; confiava, desconfiando. Sua personalidade,
cativante para uns, desagradável para outros, continua
sendo um enigma para a história, na qual conquistou o
epíteto de Consolidador. Estavam reservados para ele
dias tumultuosos. Entendeu o vice-presidente que podia
governar até o fim do mandato, apesar de ser claro que
devia convocar novas eleições, segundo o Artigo nº 42
da Constituição, pois não haviam decorrido dois anos de
mandato. Escorava sua atitude no texto do parágrafo 2º
do Artigo 1º das Disposições Transitórias o qual dava
margem a dúbia interpretação. Empolgou-se a opinião
pública: formaram-se partidos, discutia-se nos clubes,
salões, esquinas. O Congresso aprovava a conduta do
Executivo.

Entre os anos de 1893 a 1895, ocorreu a Revolução Federalista. A


seguir, observaremos com mais detalhes este processo.

Apesar dos ideais republicanos terem sofrido um período de


maturação no fim do Segundo Reinado, após 1889 o Brasil não
se encontrava plenamente preparado para a prática do regime
republicano federativo. A fragilidade e o caráter heterogêneo
das forças republicanas possibilitaram o surgimento de grupos
oposicionistas que, efetivamente, lançaram-se ao conflito para
fazerem valer suas reivindicações contra o governo central.

A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil


pouco depois da Proclamação da República e foi um
dos primeiros desafios ao regime republicano, recém
instalado no país.

Unidade 1 47
Universidade do Sul de Santa Catarina

Grupos políticos antagonistas empenharam-se em disputas


sangrentas as quais acabaram por desencadear uma guerra civil
que durou 31 meses, de fevereiro de 1893 a agosto de 1895.
Durante a Revolução Federalista, foram desencadeadas operações
militares de vulto, com o emprego de forças irregulares.
Envolvendo os três estados da Região Sul do Brasil – Rio Grande
do Sul, Paraná e Santa Catarina – a revolução contou com o
apoio dos revoltosos da Marinha e prolongou-se por três anos,
cessando sem que as diferenças ideológicas e o ódio entre os
grupos antagônicos arrefecessem.

Contrariando a crença geral de que o povo brasileiro possui


temperamento pacífico e é avesso à violência, a Revolução
Federalista foi, sem dúvida, o episódio militar interno mais
sangrento na História do Brasil, caracterizando-se pela completa
ausência de cavalheirismo no campo de batalha e pela extrema
crueldade.

Veja, no mapa a seguir, o deslocamento das tropas federalistas sob o


comando do General Gumercindo Saraiva:

Figura 1.2 – Revolução Federalista.


Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. História do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.
(Modificada pelo autor.)

48
História Militar Brasileira II

3.1 - Grupos Oponentes: Maragatos e Pica-paus


O cenário político no Rio Grande do Sul era dividido entre dois
grupos:

„„ o Partido Federalista do Rio Grande do Sul, cujos


integrantes eram apelidados de maragatos; e,

„„ o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), tendo seus


partidários conhecidos como pica-paus.

O termo maragato foi usado pela primeira vez no


Brasil, para se referir a uma das duas grandes correntes
políticas gaúchas – formadas no final do século XIX. Era
identificada com o uso do lenço vermelho. Inicialmente
o termo foi usado pelos oposicionistas com sentido
pejorativo, para denegrir os federalistas, mas dar
esse apelido aos revolucionários foi um tiro que saiu
pela culatra. A denominação granjeou simpatia –
os próprios rebeldes passaram a se denominar
maragatos – e, em 1896, chegou a circular um jornal
que levava esse nome. Eram chamados de Pica-paus
os opositores dos maragatos no Rio Grande do Sul. O
motivo da alcunha procedia dos chapéus usados pelos
militares que apoiavam essa facção. Eles possuíam
uma faixa branca que, segundo os revolucionários, era
semelhante a um tipo de pica-pau do Sul do Brasil.

O Partido Republicano era minoria por ocasião da Proclamação


e somente chegou ao poder devido às mudanças na política
nacional. Adepto do presidencialismo e sob forte influência
positivista, sob a liderança de Júlio de Castilhos, o partido
defendia um governo estadual forte e centralizado no poder
executivo, tendo, em contrapartida, uma ampla autonomia dos
estados. Com base em Augusto Comte, o PRR defendia o
princípio de que cada estado era uma “pequena pátria”. Sua base
social era a elite recente do Rio Grande do Sul, estabelecida
principalmente no litoral e na serra gaúcha.

Unidade 1 49
Universidade do Sul de Santa Catarina

Do outro lado, encontrava-se o Partido Federalista, fundado em


1892 por Gaspar Silveira Martins. Em tese, este partido defendia
o sistema parlamentar de governo e a revisão da Constituição,
pretendendo o fortalecimento do Brasil como União Federativa.
Para os federalistas, o governo federal deveria ser democratizado,
possibilitando acesso às oligarquias regionais, o que seria possível
em um governo colegiado parlamentarista. Este grupo tinha
origem nos liberais do período monárquico, e sua base social
provinha dos grandes estancieiros da campanha gaúcha.

Eis o paradoxo político do Rio Grande do Sul no início


da República: os federalistas tinham mentalidade
unitária e defendiam o sistema de governo
parlamentarista.

3.2 - Causas e irrupção do movimento


Como fatores que contribuíram para a eclosão do movimento,
destaca-se o ideológico, opondo o positivismo republicano ao
liberalismo dos federalistas. A eleição de Júlio de Castilhos
para a presidência do estado evidentemente acirrou os ânimos
entre os maragatos, que se rebelaram e pegaram em armas. A
instabilidade política chegava a um ponto insustentável e, para os
federalistas, era preciso libertar o Rio Grande do Sul da tirania
de Júlio de Castilhos.

Em janeiro de 1893, formou-se a União Nacional Federalista,


aglutinando grupos oposicionistas diversos, sob a liderança do
Dentre estes, os gasparistas, General João Nunes da Silva Tavares, o “Joca Tavares” – Barão
deodoristas e restauradores. de Itaqui, mentor do federalismo no campo militar. Juraram
lutar contra adeptos de Júlio de Castilhos. Aos federalistas,
juntaram-se Gaspar da Silveira Martins e o General Gumercindo
Saraiva.

50
História Militar Brasileira II

Veja, a seguir, duas lideranças militares federalistas:

Figura 1.3 - General Gumercindo Saraiva. Figura 1.4 – General Joca Tavares.
Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. O Exército na Fonte: <http://www.alobage.com.br/>.
história do Brasil, v.3. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1998. Acesso em: 20 nov. 2009.

Nas próximas, duas lideranças militares legalistas:

Figura 1.5 - General Hipólito Ribeiro. Figura 1.6 - Senador Pinheiro Machado.
Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.
História do Exército Brasileiro. História do Exército Brasileiro.
Rio de Janeiro: IBGE, 1972. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

A União Federalista possuía reivindicações nos âmbitos nacional e


estadual.

„„ Em nível nacional, reclamava a instituição, na República,


do sistema de governo parlamentar que havia vigorado na
monarquia.

Unidade 1 51
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ Em nível estadual, defendia o retorno de um governo


representativo, com a eliminação do autoritarismo
castilhista. Planejava proibir a reeleição do governante,
instituir uma câmara legislativa, e não simplesmente
autoritária. Visava, ainda, dar autonomia aos municípios.

No dia 2 de fevereiro de 1893, os federalistas partiram para o


confronto armado.

3.3 - Primeira invasão Federalista


Com quatrocentos homens reunidos no Uruguai, o caudilho
Gumercindo Saraiva entrou em solo gaúcho em fevereiro de
1893, logo após a posse de Júlio de Castilhos como presidente
do estado. Tais forças juntaram-se às do General Joca Tavares,
formando, no Rio Grande do Sul, o Exército Libertador,
comandado por Gumercindo Saraiva, o Leão dos Pampas, e
integrado por três mil homens, aproximadamente.

Diante da inflamação da revolta, preocupado com a gravidade


da situação política no Rio Grande do Sul e temendo pela
estabilidade do próprio regime republicano, o Presidente da
República, Marechal Floriano Peixoto, enviou tropas federais,
sob o comando do General Hipólito Ribeiro, para socorrer Júlio
de Castilhos.

As forças republicanas consistiam nas tropas regulares do


Exército, Brigada Militar, brigadas civis e corpos de patriotas.
A Brigada Militar constituía a força Para dar combate aos maragatos federalistas, foram organizadas
policial do Estado do Rio Grande três divisões: a do norte, a da capital e a do centro.
do Sul.
Imediatamente após a invasão, as tropas de Gumercindo Saraiva
se incorporaram à divisão do General Joca Tavares, que iniciou
uma marcha em direção a Santana do Livramento – o primeiro
objetivo dos federalistas. No percurso, atacaram e ocuparam a
cidade de Dom Pedrito. Outras tropas também marcharam sobre
Santana do Livramento, mas falharam na tentativa de conquistar
a cidade. De Dom Pedrito, os federalistas iniciaram uma série

52
História Militar Brasileira II

de ataques relâmpagos contra vários pontos do estado, visando à


desestabilização de posições em poder dos legalistas.

Em Uruguaiana, o Senador José Pinheiro Machado, que


havia deixado a sua cadeira no Senado Federal para juntar-
se às forças republicanas, estruturava uma brigada mista para
combater os rebeldes. Gumercindo Saraiva, ao tomar ciência de
tais preparativos, decidiu cercar a cidade a fim de neutralizar
a brigada. Mas, socorrida pela Divisão Norte, Uruguaiana foi
preservada.

A primeira derrota dos maragatos foi em maio de 1893, junto ao


arroio Inhanduí, em Alegrete, quando suas forças foram repelidas
pela Divisão Norte, liderada pelo General Frederico Rodrigues
Lima e pelo senador Pinheiro Machado. Embora não tenha
produzido resultado conclusivo, de acordo com Donato (2001)
o violento combate do Inhanduí demonstrou a incapacidade
dos federalistas para obter a vitória no campo militar. Como
resultado imediato, a coluna liderada por Gumercindo Saraiva
e constituída por cerca de 1.100 homens permaneceu no Brasil,
enquanto os demais revolucionários internaram-se no Uruguai.

3. 4 - Segunda invasão Federalista


Em 17 de agosto de 1893, na região das Missões, teve início
a segunda invasão federalista ao território brasileiro. Quando
se encontrava em Cerro do Vacanguá, em setembro do mesmo
ano, Gumercindo Saraiva tomou conhecimento da revolta da
Armada no Rio de Janeiro. Animado por mais uma força que
se levantava contra o governo de Floriano Peixoto e julgando
equivocadamente que todas as unidades da Armada se tornariam
automaticamente aliadas dos federalistas, buscou estabelecer
contato com as que estivessem mais próximo. Nesse sentido,
atravessou o Rio Ibicuí no Passo da Liberdade e atacou Itaqui,
com a intenção de juntar-se com os navios da Flotilha do Alto
Uruguai lá estacionados. No entanto, de acordo com Donato, as
embarcações da Marinha acolheram o contingente governista
local e, como consequência, Gumercindo retomou sua marcha
para o norte.

Unidade 1 53
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em novembro de 1893, o General Joca Tavares ataca


Bagé com uma tropa de 5.000 homens.

Motivados com a Revolta da Armada, os maragatos decidiram


avançar para o norte, em direção a Santa Catarina e Paraná, de
onde poderiam investir, futuramente, contra a capital federal.
Para tal, contaram com o apoio do Almirante Custódio de Melo,
líder do movimento rebelde na Marinha, que conquistou as
cidades de Desterro, atual Florianópolis, e Curitiba. No comando
geral das forças federalistas estava o General Gumercindo Saraiva
que, em Curitiba, encontrou-se com Custódio de Melo.

Ciente da movimentação federalista em direção ao norte, o


Governo Federal designou, no início do ano de 1894, o Coronel
Antônio Ernesto Gomes Carneiro para bloquear o avanço dos
revoltosos. Mesmo consciente da inferioridade numérica de suas
tropas, o Coronel Gomes Carneiro foi ao encontro dos adversários,
conseguindo detê-los na cidade da Lapa, a sessenta quilômetros a
sudoeste de Curitiba, onde protagonizou, com sua tropa, um dos
mais heroicos episódios da História Militar do Brasil.

A seguir, veja como ocorreu o cerco da Lapa:

Em meados de janeiro de 1894, os comandantes maragatos


Torquato Severo e José Serafim de Castilhos, o Juca Tigre,
iniciaram operações de cerco contra Lapa. A cidade havia sido
fortificada pelo Coronel Gomes Carneiro, que tinha ordens de
impedir a qualquer custo a progressão dos federalistas em direção
a São Paulo e ao Rio de Janeiro. No dia 17, os federalistas
realizaram um ataque coordenado contra o perímetro defensivo
da cidade, investindo contra diversas posições simultaneamente.
Nas posições denominadas Engenho e Cemitério, uma bateria
conseguiu rechaçar o ataque, resultando em dez federalistas
mortos. No dia seguinte, no entanto, a artilharia dos maragatos
empenhou-se em bater essas duas posições.

No dia 26, os revoltosos conseguiram conquistar dois objetivos


importantes no centro da cidade. Desalojaram os legalistas que
defendiam a Rua das Tropas e o Alto da Lapa. Nesses locais, os

54
História Militar Brasileira II

maragatos instalaram metralhadoras em posições que podiam


dominar as ruas centrais da cidade. Em outro local, conseguiram
aprisionar a maior parte da cavalhada dos sitiados, cerca de 650
animais, deixando-os sem meios de transporte para a munição,
alimentação e artilharia.

Um novo ataque federalista, desta vez realizando um duplo


envolvimento contra o já castigado centro da cidade, foi realizado
em 7 de fevereiro. Na ocasião, o Coronel Gomes Carneiro foi
gravemente ferido quando orientava a defesa de uma das posições
de artilharia. Em seu lugar assumiu a defesa de Lapa o civil
Joaquim Lacerda, o qual conseguiu repelir o ataque. O insucesso
do avanço esmoreceu o ímpeto dos maragatos que, depois de dez
horas de combate, tiveram cinquenta e quatro mortos.

Analise, a seguir, a imagem dos combatentes na cidade de Lapa. Nela,


você vê o Coronel Gomes Carneiro, assinalado com um “x”, junto com
seus oficiais:

Figura 1.7 – Oficiais na Lapa.


Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. O exército na história do Brasil, v.3. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1998.

Conforme Donato, o Coronel Gomes Carneiro morreu


dois dias depois, recomendando a seus homens a
continuação da resistência.

A batalha deu ao Marechal Floriano Peixoto, Presidente da


República, tempo suficiente para reunir forças e posicioná-las
no corte do Rio Itararé, detendo as tropas federalistas. Ao todo,
pouco mais de seiscentos homens, entre forças regulares e civis

Unidade 1 55
Universidade do Sul de Santa Catarina

voluntários, lutando durante vinte e seis dias contra as forças


revolucionárias formadas por mais de três mil combatentes. A
obstinada resistência oposta às tropas federalistas na cidade de
Lapa frustrou as pretensões rebeldes de chegarem à capital da
República. A resistência da Lapa representou a contenção da
revolução.

O retraimento revolucionário foi realizado em três colunas, com


uma junção prevista no sul de Santa Catarina na confluência
dos rios Pelotas e do Peixe. O deslocamento foi extremamente
penoso e acidentado, devido ao terreno e à dificuldade no
transporte de feridos. No ponto de junção previsto, verificou-se
que uma das colunas federalistas, comandada por Juca Tigre, não
chegara, tendo sido dispersada ainda no Paraná. Apesar do revés,
Gumercindo Saraiva reuniu as colunas restantes e prosseguiu
com operações ofensivas enquanto retraía.

No dia 10 de agosto de 1894, as tropas zovernistas da Divisão


Norte alcançaram os revoltosos em sua marcha para o Sul
na localidade de Carovi. Gumercindo Saraiva realizava um
reconhecimento quando, em um capão de mata, o Tenente-
coronel Bento Porto da Brigada Militar o reconhece, graças à
indiscreta admiração de um prisioneiro federalista. Bento Porto,
então, determinou a seus atiradores que realizassem “fogo de
pontaria”.

Gumercindo foi atingido mortalmente por dois tiros


no peito e, abatidas, suas tropas evitaram o combate e
seguiram destino.

Em seu retraimento para o sul, os federalistas receberam a adesão


de aproximadamente uma centena de marinheiros liderados pelo
Almirante Saldanha da Gama. Este chefe, contudo, perdeu a
vida junto com dezenas de seus comandados em Campo Osório,
em 24 de junho de 1895, em um dos últimos combates da
revolução.

56
História Militar Brasileira II

3.5 - Terceira invasão Federalista e o fim da Revolução


Com Gumercindo, morria a revolução. Em meados de 1895,
deu-se a terceira grande invasão do Rio Grande do Sul, por
3.000 federalistas, sendo atacados e derrotados, em todas as
partes, pelas tropas governistas. A solução para o conflito,
entretanto, acabou sendo política, e não militar. Em 23 de agosto
do mesmo ano, já sob a presidência de Prudente de Moraes,
foi assinada em Piratini a ata de pacificação, oportunidade na
qual o General Inocêncio Galvão de Queiroz, representante do
Presidente da República, ajustou uma paz honrosa com o General
João Nunes da Silva Tavares.

Durante a Revolução Federalista, foram realizadas operações


militares de vulto, com a participação de grandes efetivos, além
do emprego de ações de guerra irregular. Logo após o combate
de Inhanduí, em 1893, diante do resultado inconclusivo e de
verificar a incapacidade de vencer os legalistas com os meios
mobilizados, o General Gumercindo Saraiva partiu para a prática
da guerrilha, evitando combates decisivos, empreendendo uma
guerra de movimento e procurando dispersar ou dividir as forças
adversárias.

É possível verificar o sucesso dessas táticas por ocasião do


cerco de Uruguaiana, quando os federalistas conseguiram sair
da armadilha organizada pelos legalistas e, ao mesmo tempo,
desorganizaram suas tropas. Outras táticas não convencionais
foram empregadas. Durante o ataque federalista a Passo Fundo,
em 1894, os rebeldes aproveitaram o vento favorável e atearam
fogo na campina em que se encontravam os governistas,
destruindo-lhes a munição e obrigando-os a recuar.

A preocupação em tirar vantagem dos recursos logísticos do


inimigo também é observada por ocasião do combate de Cerro
do Ouro, perto de São Gabriel, em agosto de 1894. Cerca
de 2.000 maragatos, sob o comando de Gumercindo Saraiva,
impuseram uma derrota definitiva a voluntários civis. Conforme
Donato, com o custo de apenas doze baixas, os federalistas
conseguiram capturar centenas de armas, 125.000 tiros de

Unidade 1 57
Universidade do Sul de Santa Catarina

munição, carretas, provisões e até mulheres. Tática semelhante


foi empregada durante o Cerco da Lapa, quando os maragatos
privaram as tropas governistas de suas montarias, deixando-as
sem transporte.

As tropas legalistas, por sua vez, chegaram a empregar, com


eficiência, táticas defensivas já em desuso na Europa. Durante o
ataque federalista a Passo Fundo, a infantaria governista utilizou
a tática de formar o quadrado para defender-se da cavalaria
rebelde. O dispositivo funcionou muito bem, provocando
numerosas baixas entre os atacantes e preservando a integridade
da infantaria.

A Revolução Federalista foi um conflito de extrema violência,


em que ambos os contendores cometeram atrocidades, tal como
a prática da degola dos prisioneiros. Muitas vezes a degola era
praticada em meio a zombarias e humilhações. Embora não com
frequência, podia ser antecedida por castração.

Conta-se, por exemplo, que apostas eram feitas em


corrida de degolados. Na degola convencional, a
vítima, ajoelhada, tinha as pernas e mãos amarradas,
a cabeça estendida para trás e a faca era passada de
orelha a orelha. Como se degolasse uma ovelha, rotina
nas lides do campo. Os ressentimentos acumulados,
as desavenças pessoais, somados ao caráter rude do
homem da campanha acostumado a sacrificar o gado,
tentam explicar estes atos de selvageria.

As atrocidades não se limitaram à degola. De acordo com


Reverbel, o Major Menandro, oficial legalista, foi preso em
Curitiba por tropas federalistas após o cerco da Lapa, onde
combatera. Foi obrigado a cavar sua própria sepultura e, em
seguida, teve suas mãos decepadas. Na sequência, foi degolado,
jarretado como “boi de açougue” e atirado na cova, juntamente
com pedaços de outros cadáveres republicanos.

58
História Militar Brasileira II

A Morte do Barão do Cerro Azul, que apoiava, mas não


combatia pela causa federalista, e de mais cinco de seus
companheiros, também foi um exemplo da violência extrema do
conflito. Acordados no meio da noite, foram colocados em um
vagão de carga e fuzilados no quilômetro 65 da linha ferroviária
que liga Curitiba a Paranaguá.

Do ponto de vista militar e logístico, a degola decorria da


incapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros,
mantê-los encarcerados e alimentá-los, pois ambas lutavam em
situação de grande penúria. Procurava-se, pelo mesmo motivo,
poupar munição, empregando um meio rápido de execução. Ao
todo, a mais sangrenta das revoluções brasileiras produziu cerca
de 10.000 mortos, dos quais, cerca de 1.000 foram degolados,
estando na condição de prisioneiros.

A Revolução Federalista trouxe ao Brasil e, em particular, ao Sul


do país, importantes consequências. A derrota dos maragatos
afirmou a supremacia republicana, inaugurando no Rio Grande
do Sul um clima de aparente estabilidade com a hegemonia do
PRR, mas com latente crise que voltaria em nova revolta, em
1923. Ainda no Rio Grande do Sul, o castilhismo consolidou-se
como corrente política que influenciou o estado por quase quatro
décadas.

A revolução provocou incalculáveis prejuízos materiais e grande


quantidade de perda de vidas, traumatizando a sociedade rio-
grandense por muitos anos. Os ressentimentos e antagonismos
entre grupos políticos e sociais não foram eliminados, pelo
contrário, aumentaram com a violência praticada. No cenário
nacional, o regime republicano venceu seu primeiro desafio,
ainda que com o uso da força e de todo aparato político-militar
do Brasil. O resultado da Revolução Federalista contribuiu
diretamente para a consolidação da República. O custo em vidas,
porém, foi muito alto, e Galuco Carneiro (1965) a chamou de
Guerra Maldita.

Unidade 1 59
Universidade do Sul de Santa Catarina

3.6 - A “Revolta da Armada”


No início do regime republicano, os atritos políticos ocorridos
resultaram em levantes que envolveram uma parcela da Armada.
O primeiro ocorreu quando Deodoro fechou o Congresso,
devido às divergências quanto à Lei de Responsabilidades do
Presidente da República. No dia 23 de novembro, sob a liderança
do Almirante Custódio de Melo, guarnições da Armada se
rebelaram, e o resultado final foi a renúncia de Deodoro.

Em torno do Almirante Custódio movimentava-


se grande número de oficiais de baixa graduação,
que estabeleciam contatos com as guarnições dos
navios surtos na Guanabara, conseguindo adeptos e
compromissados. Um elemento que tomou parte ativa
nesse preparo da revolta foi o Capitão-Tenente Honório
José Carlos de Carvalho, Diretor das Docas do Rio de
Janeiro. Agia por intermédio de um irmão, o oficial do
Cruzador Primeiro de Março, fornecendo lanchas civis,
providenciando suprimentos para os navios, tudo sem
despertar suspeitas. (MARTINS, 1995, p. 35).

A derrubada de Deodoro não diminuiu as tensões e a


instabilidade política. Alguns levantes tiveram desfechos
rápidos, outros, repercussões internacionais. Teve início no Rio
Grande do Sul a “Revolução Federalista”, liderada por Gaspar
Silveira Martins, ex-político liberal no Império. Este levante
tinha o objetivo de derrubar Júlio de Castilhos da presidência
do Rio Grande do Sul e reelaborar a Constituição daquele
estado, adotando o sistema parlamentar de governo. Em 1893, a
Revolução Federalista se uniu ao segundo levante que envolveu
parcela da Armada, novamente liderado por Custódio de Melo.

Entre outras divergências, agora com Floriano, estava a


contestação de sua permanência na presidência da República
assumida após a renúncia de Deodoro. Custódio entendia que o
caso no Sul deveria ser resolvido com intervenção federal, estado
de sítio e deposição de Júlio de Castilhos, ideias não endossadas
pelo então presidente.

60
História Militar Brasileira II

Após a saída de Custódio de Melo do Ministério da Marinha,


assumiu o Contra-Almirante Firmino Rodrigues Chaves, após
a recusa de Baltasar da Silveira e Saldanha da Gama. Nesse
momento, ampliou-se o clima de oposição a Floriano Peixoto por
parte da Marinha.

As tensões avolumaram-se até que todos os navios de guerra


brasileiros na Baía de Guanabara ostentavam a bandeira branca
de revolta em 6 de setembro de 1893. Custódio contava apenas
com cinco navios capazes de se movimentarem com seus próprios
meios, os demais apresentavam grandes dificuldades. Foram
apresados pelos revoltosos 18 navios mercantes e rebocadores para
completar a força naval rebelde.

Uma das características da Revolta da Armada, denominação


destas ações que não envolveu a totalidade da oficialidade da
Armada, apenas parte da oficialidade, foi a frequente intervenção
estrangeira. Inglaterra, Portugal, Itália, Estados Unidos da
América e França efetuaram, através de seus navios surtos na
Baía de Guanabara, fiscalização e regulamentação das atividades
dos revoltosos e das forças governamentais. Esta intervenção
foi um dos motivos que levaram Custódio a sair da Baía de
Guanabara. Justificando tais iniciativas através de “princípios
humanitários”, os comandantes dos navios estrangeiros no Rio
de Janeiro receberam instruções dos diplomatas para agirem da
seguinte maneira:

Autorizava-os a se dirigirem ao Almirante Custódio e ao


Governo, comunicando-lhes que os navios estrangeiros
presentes na Baía de Guanabara opor-se-iam,
usando os processos que julgassem necessários, a qualquer
tentativa de bombardeio da Esquadra revoltada contra
a cidade e, concomitantemente, a atos das autoridades
legais que servissem de pretexto para o desencadeamento
de hostilidades vindas do mar. (Ibidem, p. 106).

Em novembro de 1893, as forças rebeldes começaram a


enfraquecer. A imobilidade tática e estratégica, o desgaste
material dos projetis que acertavam as embarcações, além dos
problemas de suprimentos e a resistência moral e física da

Unidade 1 61
Universidade do Sul de Santa Catarina

guarnição foram os motivos desse enfraquecimento. Soma-se


ainda a impopularidade crescente da revolta, em função do temor
e prejuízos materiais que sofria a população da capital.

Em função do impasse das operações no Rio de Janeiro, com os


navios imobilizados na Baía de Guanabara, trocando tiros com as
fortalezas sem grandes resultados, Custódio de Melo direcionou
uma Força Naval para o Sul, ocupando a cidade de Desterro em
2 de outubro de 1893.

Ainda em novembro, Saldanha da Gama aderiu à causa, ficando


com o comando das operações no Rio de Janeiro quando
Custódio de Melo se dirigiu para o Sul. Quando chegou ao Sul,
Custódio uniu finalmente as duas revoltas – a Federalista e a
da Armada – , contudo ocorreram atritos entre ele e Silveira
Martins. Estes conflitos entre as lideranças, todavia, não
impediram as operações. Entre novembro de 1893 e fevereiro de
1894, tropas federalistas invadiram Santa Catarina e Paraná.

Alguns reveses foram alterando o aspecto da revolta em 1894.


Além do “Manifesto Monarquista” de Saldanha da Gama ter
causado algumas deserções, em fevereiro do mesmo ano muitos
fatores limitaram as ações rebeldes, principalmente causadas
pelas intervenções americanas que extinguiram o bloqueio do
porto e criaram dificuldades de obtenção de suprimentos. No
início de março, a situação dos navios rebeldes no Rio de Janeiro
era desesperadora. O socorro de tropas do Sul foi negado.
As duas fortalezas nas mãos dos rebeldes estavam em ruínas.
Percebendo tal situação, Saldanha procurou dois caminhos:
capitulação honrosa ou asilo. Conseguiu, então, o apoio das
Forças Navais portuguesas, que possibilitaram o exílio em
Montevidéu. Este apoio gerou uma série de tensões diplomáticas
entre Brasil e Portugal, chegando a ocorrer o rompimento das
relações diplomáticas entre os dois países.

Floriano Peixoto recorrera à organização de uma esquadra


heterogênea, apossando-se de navios fora do Rio de Janeiro e
leais ao governo, e aguardando as unidades que estavam sendo
adquiridas nos Estados Unidos e na Europa. Para o comando,
foi escolhido o Almirante Jerônimo Gonçalves, e a Esquadra foi
denominada pejorativamente de “Esquadra de Papelão”. Segundo

62
História Militar Brasileira II

o historiador naval Almirante Hélio Leôncio Martins, nenhum


apelido “mais injusto poderia ter sido escolhido – e que soou
irônico, pois ela terminou a Revolta como vitoriosa”. (Idem, p.
111) Em dezembro de 1893, as forças navais legalistas foram
preparadas em Montevidéu com os navios que lá estavam e,
em janeiro de 1894, foram chegando as unidades compradas no
estrangeiro.

No Sul, a situação também se complicou. A rendição de


Saldanha gerou desânimo, e a missão de interceptar a Esquadra
legal, que seguia para o Norte para sua preparação, fracassou, o
que gerou a possibilidade de perder o domínio no mar. A situação
política no Rio Grande do Sul e no Paraná se tornava cada vez
mais desfavorável aos federalistas.

Em abril de 1894, o ataque rebelde sobre a cidade de Rio Grande


foi repelido. No combate do dia 16 de abril, o Encouraçado
Aquidabã, principal navio rebelde, sofreu um torpedeamento
da Torpedeira Gustavo Sampaio das forças legalistas. No dia
seguinte, a cidade de Desterro foi ocupada por tropas legais e,
em 19 de setembro, já não restava mais nenhuma resistência
federalista no Rio Grande.

Ainda em setembro, Saldanha da Gama assumiu o comando das


forças federalistas. Em nove meses, conseguiu ter três ”corpos de
exército” no Brasil, com alguns soldados federalistas derrotados
que se encontravam no Uruguai e na Argentina, um pequeno
grupo de oficiais de Marinha e grandes problemas materiais.
Entretanto, em 24 de junho de 1895, Saldanha recebeu dois
ferimentos (lançaços) em combate com as forças legais. Com a
morte de Saldanha estava finda a Revolução (Ibidem, p. 35).

Prudente de Morais, agora presidente, embora elogiasse Floriano,


tratou de acabar com as lutas cruentas do Sul. Em 1º de janeiro
de 1895, em decreto especial, indultou os desertores e estimulou
o regresso dos oficiais exilados ao Brasil. Em 23 de agosto de
1895, conseguiu a pacificação do Rio Grande do Sul. Em 11 de
outubro do mesmo ano, o Congresso aprovou anistia ampla para
todos os revoltosos. Foi preciso reconstruir a Marinha. Quando o
Almirante Alexandrino exerceu o cargo de Ministro da Marinha,
a Revolta se tornou um mito heroico.

Unidade 1 63
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 4 - Governo Prudente de Morais - Campanha de


Canudos (1896 – 1897)
Aureliano Pinto de Moura

O governo de Prudente de Morais completa a consolidação do


regime republicano. Ficaram para trás as intervenções e as ações
militares a que foi obrigado Floriano Peixoto. Mas a situação do
Exército e da Marinha era precária e quase nada se tinha feito
para lhes restituir organização, adestramento e equipamento. Ao
contrário: embora instrumentos de afirmação do poder central,
estavam mais desgastadas do que antes. E é nessa condição que o
Exército será submetido a mais uma dura prova, a insurreição de
Canudos, no interior da Bahia. A bibliografia existente é farta e
cobre todos os aspectos do conflito. Naturalmente, é controversa
e tem como ícone “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.

A síntese que apresentarei a seguir se refere aos aspectos militares.


Vamos lá?

4.1 - Antecedentes
A Insurreição de Canudos no final do século XIX, no sertão
baiano. Região árida e de caatinga, cercada por cinco serras:

„„ Canabrava;

„„ Cocorobó;

„„ Calumbi;

„„ Cambaio; e,

„„ Acipã.

Central a essa região, na margem sul do rio Vaza Barris, em


1893, Antonio Conselheiro ergueu o Arraial do Belo Monte.

64
História Militar Brasileira II

Veja o mapa a seguir:

Figura 1.8 - Região de Canudos.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

A vegetação pobre e espinhenta era formada por mandacaru,


xiquexique, macambira, catumbi, baraúna, favela e outras mais.
Os rios eram pequenos, nem sempre perenes. O clima seco, com
frequência sujeito a secas. Na região, alguns povoados pequenos
e decadentes, com casas rústicas de pau a pique e uma população
na grande maioria miserável, ignorante e supersticiosa, vivendo
em uma sociedade semifeudal dominada pelos coronéis, sob a
influência de um messianismo rústico rural, sebastianista.

Em Canudos, Antonio Conselheiro criou uma comunidade


afastada dos incômodos das leis republicanas, das autoridades,
dos coronéis, dos impostos e de uma justiça arbitrária. Viviam à
margem da sociedade, esquecidos pelas autoridades, na omissão
do Estado e da Igreja.

Unidade 1 65
Universidade do Sul de Santa Catarina

A economia do arraial era baseada na produção e venda do couro


de cabras, criadas a solta, pela caatinga. Canudos tornou-se,
em curto prazo, um atrativo para sertanejos em busca de uma
esperança, fugitivos da justiça, desertores e bandidos. Estima-se
que tenha chegado a ter de 25 a 30 mil habitantes, moradores de
cerca de 5.400 casas. Teriam chegado a mobilizar 5.000 homens,
em arma.

4.2 - Antonio Conselheiro


Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, nasceu em
Quixeramobim, no Ceará, em 1828. Filho de um comerciante,
que procurou dar-lhe a melhor educação possível. Problemas
políticos, a morte de sua mãe e difícil relacionamento com a sua
madrasta o levaram a ter uma infância complicada.

Com a morte do pai, em 1855, Conselheiro assumiu os negócios


da família e passou a cuidar das suas duas irmãs. Procurou ter uma
vida correta, mas dificuldades comerciais, um mau casamento e
envolvimento com a polícia levaram-no a partir, só, para o interior
do Ceará, onde nada deu certo. Buscou novos horizontes na religião,
seguindo o padre Ibiapina pelo sertão nordestino. Pregava para os
aflitos e os aconselhava, prometendo um mundo de esperança.

Em 1874, não mais com o padre Ibiapina, Conselheiro continuou


o seu caminho, acompanhado de numerosos seguidores pelo
sertão nordestino, onde construiu o Arraial do Bom Jesus, e onde
viveu onze anos. Embora não costumasse criar transtornos, as
autoridades locais sentiam-se incomodadas com a sua presença
e de seus seguidores. Deixou o arraial, seguindo para o interior
baiano, na região de Canudos, em 1893. Ali construiu o Arraial
do Belo Monte e criou uma comunidade onde pudessem viver em
paz. Mas nem tudo ocorreu conforme o seu desejo.

O novo arraial, Belo Monte, desenvolveu-se aceleradamente,


acolhendo milhares de sertanejos, causando contrariedades e

66
História Militar Brasileira II

apreensões às autoridades do Estado, aos dirigentes da Igreja


Católica e aos coronéis, que não viam com bons olhos a sua
liderança. Em 1895, recebeu a visita de três padres, a mando
do arcebispo de Salvador, D. Jerônimo José e do governador
do Estado, Luís Viana. A presença dos religiosos no arraial
resultou em uma reação dos seus habitantes. Só acalmou com a
intervenção pessoal do Conselheiro.

No retorno a Salvador, ao relatar sua visita ao arraial, o frei João


Evangelista fez não só restrições religiosas mas também acusou
o Conselheiro de monarquista intransigente. A partir daí, passou
a ser considerado um rebelde, mas sempre desejou viver à parte
daquela sociedade injusta, sem criar problemas. Só atuou pela
força, quando acuado ou atacado.

Em 1896, o Conselheiro mandou um dos seus homens a


Juazeiro encomendar e pagar madeira a ser usada na construção
da Igreja Nova. Não tendo recebido a mercadoria na data
prometida, mandou avisar que iria buscá-la, caso fosse necessário,
acompanhado de alguns homens. Tendo o juiz de direito de
Juazeiro, Dr. Arlindo Leone, tomado o recado como ameaça,
solicitou proteção ao governador da Bahia.

Pouco antes, em Masseté, os jagunços de Canudos haviam


massacrado 44 soldados da Polícia Militar. Preocupado com
a situação, mas não desejando se comprometer, Luiz Viana
requisitou 100 soldados ao general Sólon Ribeiro, comandante
do 3º Distrito Militar, para defesa de Juazeiro. Na oportunidade,
Sólon Ribeiro foi alertado pelo coronel Tamarino, comandante
do 9º Batalhão de Infantaria de que Canudos seria uma bomba a
explodir nas mãos do Exército.

O Distrito Militar contava, em Salvador, apenas com o 9º


Batalhão de Infantaria, de efetivo, reduzido, mal armado e mal
adestrado, que vivia alheio à instrução e ao preparo físico. De
acordo com Costa (1994), o 9º Batalhão de Infantaria recebera
ordens diretas do general baiano Dionísio Cerqueira, Ministro da
Guerra interino, para apoiar o governador.

Unidade 1 67
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja, a seguir, mais uma imagem da região de Canudos:

Figura 1.9 - Esboço de Canudos.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

4.3 - 1ª Expedição: Tenente Manoel da Silva Pires Ferreira


O tenente Pires Ferreira, do 9º Batalhão de Infantaria, foi
mandado para Juazeiro levando consigo três oficiais e 104
praças. Posteriormente seguiu um oficial médico, com uma
ambulância carregando uma equipe, mais canastras de material
e medicamentos. Não se tem registro da missão que foi atribuída
ao tenente Pires Ferreira. Teve como orientação apenas ficar
a disposição do juiz de direito, sem maiores explicações. O
apoio logístico seria de responsabilidade das autoridades locais.
A tropa seguiu para Juazeiro, via ferroviária, com as armas
disponíveis, com o calçado, o uniforme e o equipamento do dia,
não apropriados para a operação a ser cumprida. A tropa não
dispunha de barracas.

68
História Militar Brasileira II

Chegando ao destino, nada ficou definido quanto à missão,


ou como atuar diante da presença dos jagunços. As críticas ao
tenente e os boatos foram muitos e frequentes. Sentindo-se
coagido e constrangido, não querendo ser tachado de omisso
ou covarde, Pires Ferreira, no dia 19 de novembro, seguiu para
Uauá, pequena localidade ao oeste de Canudos, nas margens no
rio Vaza Barris. Chegando ao povoado, encontrou-o abandonado.
Bivacou a tropa e organizou a segurança do local, instalando
postos avançados. Os soldados encontravam-se exaustos, após
marchar 192 quilômetros, em cinco dias, por uma péssima
estrada.

A seguir, veja o trajeto percorrido pelo tenente:

Figura 1.10 - Trajeto da 1ª expedição contra Canudos.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

Às 05.00 horas do dia 21, a tropa foi surpreendida por um


tiroteio, na avançada da estrada, para os lados de Canudos. Uma
multidão de jagunços furiosos atacava Uauá. Os homens da
segurança correram, procurando abrigar-se na localidade. Mas
o soldado Teotônio Ribeiro Bacelar não foi muito rápido. Após
ser aprisionado, foi degolado. Algumas casas desocupadas foram
tomadas pelos jagunços. Para retirá-los, Pires Ferreira ordenou
incendiá-las. Travou-se um violento combate, que durou quatro

Unidade 1 69
Universidade do Sul de Santa Catarina

horas, quando os jagunços resolveram retornar para o arraial. A


tropa quase não dispunha mais de munição. Seguiu-se o incêndio
e o saque de Uauá realizado pelos soldados. Na manhã seguinte,
Pires Ferreira iniciou a retirada para Juazeiro, ordenadamente.
Morreram em combate cerca de 150 jagunços, que ficaram
insepultos. A expedição teve 10 mortos e 17 feridos.

Em sua parte de combate, Pires Ferreira avaliou ter sido


atacado por 3.000 jagunços, o que parece um exagero. Alguns
autores falam em 500. A tropa usou o fuzil Mannlincher, arma
de repetição de longo alcance, mas mecanismo de extrema
delicadeza. Facilmente emperrando com um simples grão
de areia, na câmara, impedindo o ferrolho de funcionar. Em
combate prolongado, muitas vezes apresentava problema no
carregador e extrator, com aquecimento da arma. Os jagunços
estavam armados com carabinas comblain, chuchu, garruchas,
pistolas e bacamartes, além de facões.

Após reunião, alarmados com as notícias, o governador e o


comandante do Distrito Militar resolveram organizar uma nova
expedição com o restante das tropas existentes em Salvador e
mandá-la para Juazeiro, sob o comando do major Febrônio de
Brito.

4. 4 - 2ª Expedição: Major Febrônio de Brito


O resultado da 1ª Expedição não serviu de lição às autoridades
estaduais. Continuaram sem dar importância para o assunto. A
decisão de Luiz Viana foi apenas apelar para o Distrito Militar,
pois a sua força policial carecia de capacidade operacional, assim
como não dispunha de suprimentos de boca ou de material
bélico.

O general Sólon Ribeiro não via com bons olhos a sua


subordinação às injunções do governador, mas atendeu ao pedido
por ordem direta do general Dionísio Cerqueira, Ministro da
Guerra, interino.

70
História Militar Brasileira II

A expedição foi organizada com 100 homens do Exército,


incluindo os burocratas e mais 100 homens da Polícia Militar
baiana, sendo solicitado reforço e munição aos Estados de
Alagoas e Sergipe. Logo mais, foram mandados incorporar
na expedição mais oito oficiais, sendo um médico e um
farmacêutico, com uma ambulância. Para dar mais poder de fogo,
Febrônio recebeu quatro metralhadoras e dois canhões Krupp
Cal 8, com uma pequena guarnição e um pouco de munição.

A expedição já havia seguido caminho, quando o general Sólon


Ribeiro recebeu uma recomendação de Dionísio Cerqueira,
para as suas responsabilidades militares. Mas Sólon Ribeiro não
possuía um efetivo compatível para enfrentar aquela situação.
Conforme informou, tudo fora feito de acordo com o governador,
procurando evitar um desentendimento; inclusive o major
Febrônio chegou a receber instruções diretamente de Luiz Viana.

Segue o mapa do trajeto percorrido na 2ª expedição:

Figura 1.11 - Itinerário da 2ª Expedição.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

Unidade 1 71
Universidade do Sul de Santa Catarina

A expedição partiu para Queimadas, no dia 25 de novembro,


onde estacionou no dia seguinte. Ao chegar, o major Febrônio
informou ao general Sólon Ribeiro das dificuldades que
estava enfrentando. Até aquele momento, não tinha recebido
informações precisas sobre o inimigo, apenas vagas notícias.

Em 7 de dezembro, o major Febrônio telegrafou ao comandante


do Distrito Militar, dando informações sobre boatos relativos
a Antonio Conselheiro, que mostravam ser possível atacar
Canudos, desde que, para isso, contasse com cerca de 500
homens armados. Após descrever o seu plano de manobra,
Febrônio deslocou-se para Monte Santo, a três léguas ao norte de
Queimadas, em direção a Canudos.

O general Sólon Ribeiro, não estando de acordo com o avanço da


expedição nas condições existentes, ordenou o seu regresso para
Queimadas. Deveria aguardar recursos e reforços necessários
para organizar uma tropa compatível com a missão recebida.
Para o governador, seria suficiente mandar o coronel Tamarino
com mais 100 homens e estaria resolvido o problema, com o que
discordava o general.

Para Sólon Ribeiro, como o governador não havia solicitado


intervenção no Estado, cabia a ele, governador, a responsabilidade
da manutenção da ordem pública. Luiz Viana, contrariado,
mandou retirar da expedição os 100 homens da Polícia Militar
e ordenou que seguissem sozinhos para Monte Santo, sob
o comando de um capitão. O lugarejo estava sob ameaça de
jagunços e a situação era crítica.

O governador Luiz Viana, contrariado com os desentendimentos


com o comandante do Distrito Militar, dirigiu correspondência
ao baiano Manoel Vitorino, Presidente da República em exercício
e ao general Dionísio Cerqueira, criticando a atuação das tropas
federais em Uauá e afirmando não haver mais condições de
permanência do general Sólon Ribeiro no comando do Distrito
Militar, por ser prejudicial à Bahia. Atendendo a solicitação do
governador, o general Sólon Ribeiro foi afastado do comando
do 3º Distrito Militar, sendo substituído, interinamente, pelo
Coronel Saturnino Ribeiro da Costa Junior, que passou a atender
os desejos de Luiz Viana.

72
História Militar Brasileira II

Reunidos ao governador e ao comandante interino do Distrito


Militar, foram acrescidos cerca de 600 homens à expedição
do major Febrônio de Brito, que, conforme Araripe (1985),
continuava afirmando estar em condições de derrotar os homens do
Conselheiro. Era grande a pressão das autoridades e habitantes de
Monte Santo, em particular do juiz de direito. Não são de estranhar
as manifestações do major Febrônio de Brito em querer investir
contra Canudos. A expedição deixou Monte Santo em direção
ao arraial, marchando sem incidentes até a garganta das serra do
Cambaio e Caipan. No dia 16 de janeiro, alcançou as avançadas de
Canudos, entrincheiradas, aproveitando-se do terreno.

Dois dias depois, a tropa deslocou-se sob intenso fogo dos


jagunços. Às 10.00 horas, a artilharia iniciou o bombardeio das
posições inimigas, seguida pela infantaria. Após cinco horas
de combate, com os jagunços sem ceder um palmo do terreno,
Febrônio dividiu a tropa em duas colunas e desencadeou um ataque
à baioneta, desalojando o inimigo e resultando em quatro mortos
e quinze feridos. Terminado o combate, expedição acampou a
seis quilômetros de Canudos. Pernoitaram em Tabuleirinho,
sem realizarem o necessário reconhecimento do terreno e sem
estabelecerem a segurança. Dormiram sob os olhos do inimigo.
Um grave descuido da parte do major Febrônio de Brito.

Ao amanhecer do dia 19, a tropa iniciou a sua marcha em direção


ao arraial. Sem esperar, sofreu um violento ataque, sendo envolvida
por uma enorme massa de jagunços. Após uma indecisão inicial e
certo pânico, a ordem foi restabelecida entre os soldados e a reação
foi enérgica. Febrônio ordenou a formação do quadrado defensivo e
colocou os canhões em posição, em tempo de reagir aos primeiros
ímpetos dos atacantes. Alguns jagunços morreram tentando
apoderar-se dos canhões, jogando-se sobre eles.

Apesar do êxito aparente, Febrônio ordenou a retirada por não ter


mais condições de sustentar o combate. Em sua Ordem do Dia
nº 4, de 29 de janeiro de 1897, em Monte Santo, registrou 700
mortos entre os jagunços e apenas seis militares mortos, além
de 20 feridos. Segundo Aristides A. Milton, em seu livro “A
Campanha de Canudos”, citado por Tristão de Alencar Araripe,
uma desproporção um pouco grande, difícil de crer. A tropa
retirou-se em ordem, em marcha penosa de 104 quilômetros até
Monte Santo.

Unidade 1 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

As autoridades, a imprensa e a opinião pública não perdoaram


o resultado obtido, imputando toda a responsabilidade ao major
Febrônio. Prevendo essas acusações, Febrônio reunira seus
oficiais em um conselho no dia 19 de janeiro, quando foi lavrada
uma ata, transcrita pelo tenente Henrique Duque Estrada, em
seu livro “A Guerra de Canudos”, editado pela Biblioteca do
Exército, em 1959. Nessa ata, consta que se avaliou em 4.000 o
número de jagunços que atacaram a expedição; os quais, embora
com armamento inferior, levaram a vantagem da surpresa, da
massa e do aproveitamento do terreno, e não arrefeceram o
ímpeto e a ferocidade diante das inúmeras mortes que sofreram.
No momento crítico do combate, fora de grande valia a ordem
e a disciplina da tropa em ação. Devendo ser levado em conta
que, desde 17 de janeiro, os soldados não vinham se alimentando
bem e a água estava racionada. Outra deficiência registrada por
Febrônio foi a pouca munição. Parte dela havia sido deixada
em Monte Santo, por dificuldade de transporte e por algumas
granadas e espoletas que haviam caído nas mãos do inimigo,
porque os tropeiros não puderam segurar a disparada dos muares.
Os animais que não morreram de fome ou de sede, acabaram
morrendo em combate, fazendo com que o deslocamento da
artilharia fosse realizado a braço. A retirada fora decidida por
unanimidade, sem abandonar os feridos

4.5 - 3ª Expedição: Coronel Antonio Moreira César

Os insucessos das expedições anteriores repercutiram


intensamente em âmbito nacional. Os ânimos acirravam-se
entre civis e militares assim como entre os políticos. Foi então
nomeado comandante da nova expedição o coronel Antonio
Moreira César, conceituado oficial de infantaria, veterano da
Revolução Federalista de 1893.

Moreira César era temperamental, ambicioso, decidido, valente


e polêmico. Seu desempenho durante a Revolução Federalista,
na ilha do Desterro, até hoje é motivo de críticas em função das
prisões e fuzilamentos havidos. Era também um homem doente.

74
História Militar Brasileira II

A expedição constituiu-se em uma brigada, com o efetivo de


1.330 homens, dos 7º, 9º e 16ª Batalhões de Infantaria, mais
uma bateria de canhões Krupp L24 (4 peças), um esquadrão de
cavalaria e elementos da Polícia Militar baiana. Em realidade,
um efetivo pequeno para a missão recebida. Moreira César
chegou à Bahia em 8 de fevereiro de 1897, sem preocupar-se com
os relatórios das expedições anteriores. Seguiu, no dia seguinte,
para Queimadas, onde iniciou os seus preparativos. Sua principal
dificuldade era em relação ao seu apoio logístico, pois dependeria
de recursos locais, já escassos para a população.

Veja, a seguir, o trajeto percorrido nesta 3ª Expedição:

Figura 1.12 - Itinerário da 3ª expedição.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

No dia 17, a expedição prosseguiu para Monte Santo, aonde


chegou cinco dias depois, dois dias além do previsto, em
consequência de um ataque epilético sofrido por Moreira César.
A marcha prosseguiu para o Cumbe, hoje Euclides da Cunha,
desviando o local onde Febrônio fora emboscado na expedição
anterior. Durante o trajeto, Moreira César foi acometido de outro

Unidade 1 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

ataque epilético. Mas nem os médicos nem o subcomandante,


coronel Tamarino, criaram coragem para sugerir a Moreira César
deixar o comando da expedição.

A tropa prosseguiu até Rancho do Vigário, aonde chegaram


em 2 de março. Nesse local, estava previsto um alto para o
descanso da tropa. Sem maiores explicações, Moreira César
resolveu prosseguir para Angico, na madrugada do dia seguinte.
Chegando à região de Pitombas, deu-se o primeiro encontro
com os jagunços de Canudos. O 7º Batalhão, que seguia na
vanguarda, entrou em posição, recebeu o apoio de artilharia
batendo os pontos principais da posição inimiga e desencadeou
um ataque à baioneta, desalojando os jagunços de suas
trincheiras. A marcha prosseguiu para o Angico.

Em lá chegando, próximo ao meio-dia, mais uma vez Moreira


César surpreende anunciando: “vamos almoçar em Canudos”. A
tropa, cansada pela marcha e pelo combate em Pitombas, partiu
para o ataque. O 7º e o 16º Batalhões de Infantaria, pelo flanco
esquerdo, e o 9º Batalhão mais a Polícia Militar baiana, pelo
flanco direito. A cavalaria guardava a estrada de Geremoabo.
Duas horas de preparação de artilharia e desencadeou-se o
ataque à baioneta. De início, conseguiram algum sucesso, porém
perderam a impulsão e a munição começou a escassear. Moreira
César, montado em seu cavalo, galopa em direção à frente,
procurando estimular a tropa e desencadeando uma desastrosa
carga de cavalaria. Ao retornar da frente, foi gravemente ferido.

Assumiu o comando da tropa o Comandante do 9º Batalhão


de Infantaria e Subcomandante da expedição. Mas, diante
da confusão que se formara, não conseguiu assumir de fato o
controle e o comando da tropa. Às 19 horas, Tamarino ordena
retrair para Fazenda Velha, onde, reunido com os seus oficiais,
decidiu pela retirada para Monte Santo. Moreira César, ao saber
da decisão, discorda de Tamarino, dizendo que seria realizado
novo ataque. Mas nada mais pôde fazer: faleceu logo depois, na
madrugada, e a decisão de retirada foi mantida por Tamarino.

Às 6 horas da manhã, iniciou-se uma retirada desordenada,


mantendo-se a artilharia em posição, sob o comando do capitão
Salomão, com a missão de proteger o movimento e garantir a
evacuação dos feridos. Cerca de duas horas depois, a expedição

76
História Militar Brasileira II

foi atacada de surpresa por uma massa humana de jagunços


enfurecidos. Alguns oficiais tentaram segurar a tropa para
defender-se, mas não obtiveram êxito. Tamarino, gravemente
ferido e o capitão Salomão com quase todos os seus artilheiros,
foram mortos junto aos canhões, procurando manter a posição.
O desespero foi geral, com a tropa fugindo, desordenadamente,
em direção a Cumbe e Monte Santo. Os que não conseguiram
fugir, em função de estarem feridos ou serem retardatários, foram
retalhados a facão, inclusive o coronel Tamarino, que acabou
empalado e degolado por jagunços furiosos.

4.6 - 4ª Expedição: General Artur Oscar de Andrade


Os reflexos do desastre da expedição de Moreira César tiveram
repercussão nacional. Fazia-se necessária uma operação que
desse uma solução de forma definitiva à situação de Canudos.
Foi nomeado para comandar a nova expedição a ser enviada para
o sertão baiano o general Artur Oscar de Andrade Guimarães,
comandante do 2º Distrito Militar sediado em Recife, oficial
florianista e veterano da Revolução Federalista de 1893.
Comandaria uma expedição integrada:

„„ por seis brigadas compostas por dezesseis batalhões de


infantaria;

„„ pelo 5º Regimento de Artilharia, reforçado por uma


bateria do 2ª e uma ala do 9º Regimento de Cavalaria; e,

„„ por elementos de Engenharia e da Polícia Militar baiana.

A artilharia contaria com 21 canhões Krupp, sendo quatro de


tiro rápido. Além de um canhão Winthworth 32. O 33º Batalhão
de Infantaria estava armado com fuzis Camblain, enquanto os
demais com Mannlinshen, além de metralhadoras Nordenfeldt.

Artur Oscar chegou a Queimadas no dia 21 de março, quando


deu inicio à sua organização logística. Instalou depósitos em
Queimadas e em Monte Santo, deixando o coronel Manoel
Gonçalves Campelo França como seu gestor. Deixou a desejar:
houve carência de transporte e suprimento durante as operações.

Unidade 1 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

Aproveitou, ainda, para organizar e adestrar a tropa, durante o


tempo de permanência de três meses no local.

Veja o trajeto percorrido por mais uma expedição:

Figura 1.13 - Itinerários da 4ª Expedição.


Fonte: OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

Em 5 de abril, Artur Oscar reuniu-se com os dois generais que


foram nomeados para acompanhá-lo na missão: o general João
da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, dois destacados
chefes militares da época. Ao término do estudo da situação,
decidiram organizar a operação em duas colunas, que realizariam
junção no dia 27 de junho, frente a Canudos.

O general Artur Oscar acompanharia a 1ª Coluna, que seguiu,


em 14 de abril, para Monte Santo, em direção a Canudos, sob o
comando do general Silvio Barbosa. Foi constituída por:

78
História Militar Brasileira II

„„ três brigadas;

„„ artilharia com 17 canhões;

„„ uma ala de cavalaria, com 1.900 homens; e,

„„ por trens compostos de 42 carroças, 40 carretas, bois e


muares.

Ao chegar a Aracati, no dia 23, Artur Oscar recebeu a notícia


dos combates da 2ª Coluna, em Cocorobó. Imediatamente,
enviou mensageiro a Savaget confirmando a chegada para o dia
27, junto a Canudos.

No dia 24, a Coluna chega a Rancho do Vigário, já sofrendo a


falta de víveres e munição, pelo atraso do comboio de suprimento,
levado pela Polícia Militar baiana. Ao chegar em Angico,
três dias depois, com o 25º Batalhão de Infantaria fazendo a
Vanguarda, deram de encontro com cerca de 2.000 jagunços,
que atacaram a Coluna, no início da tarde. A artilharia bateu
os pontos principais da posição inimiga, quando o 25º Batalhão
entrou em posição para o combate. Ao cessar o fogo da artilharia,
a infantaria avançou de baioneta calada, levando os jagunços à
retirada.

A coluna prosseguiu até chegar frente a Canudos, no


Morro da Favela. Exausta, sedenta e faminta, a tropa
acampou sem realizar o reconhecimento necessário
para a segurança.

A 2ª Coluna, sob o Comando de Savaget, iniciou a sua marcha


em 22 de maio, partindo de Aracaju para Canudos, passando por
Geremoabo, seguindo o rio Vaza Barril. Seguiu sob a observação
direta do inimigo. A Coluna transportava pouco suprimento, não
levando comboio a sua retaguarda para agilizar o seu movimento.
Fez os seus reabastecimentos ao longo do caminho, onde já havia
deixado postos de suprimento, com antecedência.

Unidade 1 79
Universidade do Sul de Santa Catarina

No dia 25, o piquete montado por 60 homens do 31º Batalhão,


que fazia a vanguarda, fez o primeiro contato com o inimigo
e alertou a 4ª Brigada que seguiu a sua retaguarda. Esta entra
em posição, no que é imitada pela 5ª, que vinha logo atrás. Ao
perceber esta movimentação, a 6ª Brigada fez alto, ficando em
condições de atuar tão logo recebesse ordem para tal. Eram 14
horas quando a artilharia abriu fogo sobre o inimigo, preparando
o ataque de 1.200 baionetas da infantaria de Savaget. O resultado
não foi o esperado. Os inimigos muito bem entrincheirados
mantiveram a posição, fazendo inúmeros feridos, inclusive o
general Savaget.

Por sugestão do coronel Carlos Telles, Comandante do 31º


Batalhão, Savaget partiu para a conduta de combate. A 4ª
Brigada atacou o flanco direito do inimigo, no mesmo momento
em que a 5ª atacou o esquerdo, com o montado do 31º Batalhão
ao centro e a 6ª Brigada permanecida em reserva. Após quatro
horas de combate, as 1.600 baionetas de Savaget desalojaram o
inimigo de sua posição.

Ao chegar a Canudos no dia 27, Savaget recebeu um pedido


de Artur Oscar, para que viesse a juntar-se à 1ª Coluna, que
já se encontrava sem víveres, água e munição. Os soldados
estavam comendo umbu e, alguns, graxa de canhão. A junção foi
realizada, a 2ª Coluna cedeu um dia de ração à 1ª, dos três que
possuía; racionando, deu condições para aguentar até a chegada
do comboio, no dia 13 de julho.

No dia 18 de julho – pressionado pela opinião pública, pela


imprensa e mesmo por alguns militares – Artur Oscar decidiu
acelerar os acontecimentos através de um ataque decisivo. A
situação tornara-se muito grave em consequência do estado
sanitário da tropa devido à cólera e à varíola, a previsão das
chuvas e um efetivo pequeno para a operação a realizar. Decidiu
atacar neste dia.

Pela manhã do dia 18, 3.500 homens partiram para o


ataque a Canudos.

80
História Militar Brasileira II

O general Silva Barbosa estava no comando da 1ª Coluna e


o coronel Serra Martins, da 2ª, ficando Savaget no comando
da retaguarda, no Morro da Favela. Com os jagunços muito
bem entrincheirados no Arraial de Canudos, apesar de terem
penetrado na localidade, o ataque não obteve o sucesso desejado,
mas conseguiu estabelecer uma linha de cerco. As tropas de
Artur Oscar sofreram 1.040 perdas, o que fez com que solicitasse Esta linha de segurança, que
um reforço de 5.000 homens. Neste mesmo dia, chegava em tinha que ser defendida a
Queimadas o general Miguel Maria Giscard com cerca de qualquer custo, foi denomi-
nada Linha Negra.
4.000 soldados. Mas, ao chegar, Giscard deu parte de doente e
informou que apenas 1.042 homens estavam em condições de
combate, devido à varíola que grassava entre os seus soldados.
Estes soldados chegaram a Canudos no dia 10 de agosto.

No dia 6 de setembro, novo ataque conquista Fazenda Velha


e começa a ser firmada a linha de cerco. Preocupado com
a situação, o marechal Carlos Machado Bittencourt, então
Ministro da Guerra, chegou ao teatro de operações. Sua chegada
normalizou, de imediato, o fluxo de suprimento para as tropas
empenhadas. Junto com Bittencourt, chegou o general Eugênio
de Andrade Guimarães, Comandante do 6º Distrito Militar
de Porto Alegre, trazendo consigo 2.914 soldados oriundos do
Sul do País, assim como várias unidades de Polícia Militar dos
Estados de São Paulo, Pará, Minas Gerais e Amazonas.

O bombardeio do Arraial continua, tendo como alvo prioritário


a igreja nova. No dia 22 de setembro, morreu Antonio
Conselheiro, quando já não tinha mais ação de comando sobre
os combatentes canudenses, que estavam por conta de Pajeú
de João Abade e de outros chefetes, que atuavam por suas
próprias determinações e vontades. No dia seguinte, fechou-se
definitivamente o cerco do Arraial.

Como ocorreu o assalto final?

Artur Oscar tinha a intenção de conseguir a rendição de


Canudos pelo cerco. As pressões políticas levaram-no a reduzi-
lo pelo assalto. Às 6 horas do dia 1º de outubro, iniciou-se o
bombardeio da artilharia, até o toque de “Comandante em
Chefe, infantaria avançar”, preparação clássica da doutrina
militar da época.

Unidade 1 81
Universidade do Sul de Santa Catarina

Na véspera, à noite, refez-se o dispositivo, com a 5ª Brigada


ocupando a Linha Negra e as 3ª e 6ª Brigadas, a Fazenda Velha,
atrás dos 32º e 37º Batalhões de Infantaria. O 26º Batalhão,
reforçado com elementos da Polícia Militar baiana e uma ala
da Polícia Militar paulista, junto ao rio, entre os 15º e 25º
Batalhões. Cada batalhão recebeu a determinação de manter uma
companhia em reserva, em condições de ser empregada quando
necessário. Houve escalonamento em profundidade e reserva
prevista.

Ao toque de corneta, a infantaria atacou à baioneta, só atirando


mediante ordem. Ninguém abandonaria a posição conquistada,
foi a ordem de Artur Oscar. Às 16 horas, nova investida, com a
tropa até então descansada. A localidade foi sendo conquistada
e o cerco reduzido. A pressa em ver tudo acabado aumentou a
ferocidade do combate.

Os jagunços, com sangue-frio, permitiram a aproximação da


tropa, sem dispararem um tiro. Quando já não se esperava
uma reação dos defensores de Canudos, de súbito iniciou-se um
intenso tiroteio, quase a queima-roupa. O assalto transformou-
se em ações parciais de grupos, pelotões ou companhias,
procurando continuar o avanço. O tiroteio e a luta corpo a
corpo generalizaram-se, estabelecendo uma tremenda confusão.
O combate transformou-se em furioso e feroz confronto, com
violência de ambos os lados.

Às 8 horas da manhã, o assalto foi detido, sem que tivessem


cumprido a missão. Às 13 horas, nova investida empregando
unidades, até então menos empenhadas, sob o comando do
coronel João César Sampaio. Contando com seis batalhões de
infantaria – 22º, 30º, 31º, 34º, 38º e 40º – tentou manobrar
pelo flanco esquerdo e retaguarda, sem obter resultado. Os
jagunços não cederam e a tropa não consegue penetrar no
arraial. Só no final do dia, César Sampaio conseguiu penetrar e
manter posições na maioria das casas e igrejas. Mas os jagunços
continuaram a lutar, atirando de suas tocas. Ainda tinham o
domínio de umas seiscentas casas. A tropa continuou motivada
para dar fim de vez para aquela situação.

82
História Militar Brasileira II

A ideia dos comandantes era isolar o arraial e aguardar a


rendição, pela fome e pela sede. No dia 2, Antonio “Beatinho”,
um dos chefetes jagunços, tentou negociar a rendição do Arraial,
mas Artur Oscar impôs ser incondicional. “Beatinho” queria
permissão para manter com os jagunços as armas de caça.
Somente mulheres, velhos e crianças abandonaram Canudos,
apesar de haver referências a jagunços desertores nesta fase. A
partir desse momento, a defesa foi amainando até que acabou.
Em 5 de outubro não havia mais defensores em Canudos.

4.7 - Considerações finais


As operações contra Canudos não fugiram às regras de
adaptação, pois a tropa foi obrigada a intervir com os meios
disponíveis. Não houve um período para a organização e
mobilização, pois, nas lutas internas, nem sempre há tempo para
se considerarem esses dois aspectos. Ao primeiro sinal de perigo,
foi enviado um pequeno efetivo mal armado, que julgaram ser
suficiente para enfrentar um bando de jagunços. Não houve uma
avaliação completa do inimigo, terreno e meios para desencadear
as operações. A tropa foi arrancada do quartel com a roupa do
corpo e a arma ao seu alcance.

Mesmo após o resultado alcançado pelas duas primeiras


expedições, os corpos foram trazidos de todo o País nas
condições em que se encontravam: sem instrução, sem material
de campanha e armamento de pouca confiança. Os executantes
não foram os culpados pelos insucessos. Fizeram o que foi
possível com aquilo de que dispunham.

Ao avaliar o episódio de Canudos, a análise deve ser realizada


dentro do seu contexto, tendo em vista que o episódio ocorreu
no século XIX, e não no terceiro milênio. O Exército era
formado para a guerra convencional, não estando preparado para
guerra irregular. Em função do terreno, do inimigo e dos meios
disponíveis, exigia-se uma adaptação de procedimentos.

Unidade 1 83
Universidade do Sul de Santa Catarina

As experiências de combate mais recentes do Exército Brasileiro,


eram a Guerra da Tríplice Aliança e a Revolução Federalista,
de 1893. Fazer frente à insurreição de Canudos, com suas
peculiaridades, era uma tarefa para a qual não estava preparado

Desmobilizado rapidamente e relegado a um segundo plano, logo


após o término da Guerra da Tríplice Aliança, o Exército só foi
conseguir certo alento em 1889, no início da República. Mas esse
alento durou pouco. Voltou novamente a ser discriminado, após
o governo de Floriano Peixoto. O Exército estava desprestigiado,
com o seu efetivo reduzido e seus recursos orçamentários
insuficientes. O armamento estava desgastado pelo uso e
defasado tecnologicamente. A tropa, ao partir para Canudos,
estava mal equipada, mal armada e mal fardada. A 1ª Expedição
de Pires Ferreira saiu do quartel, com o uniforme do corpo e com
o armamento individual, que estava à mão. Quanto às barracas,
as mochilas e os equipamentos, não se conhece a real situação.

O apoio logístico foi um problema permanente, durante toda a


campanha. Não havia um sistema estruturado. Para tudo eram
previstos os recursos locais, em uma região de miséria. A região
era pobre, com vilarejos miseráveis, com péssimos caminhos, não
havia condições para manter os efetivos empenhados, mesmo
sendo reduzidos como foram. Os recursos não eram suficientes
nem para a própria população local. Os ensinamentos das
expedições anteriores não foram considerados, como deveriam
ter sido, e erros foram repetidos. Desconhecia-se a realidade do
terreno e subestimou-se o valor do inimigo.

Nas duas primeiras expedições, a tropa foi empregada em


ações de polícia. Não foram operações militares propriamente
consideradas. As duas últimas, do coronel Moreira César e do
general Artur Oscar, realizaram as suas ações dentro da doutrina
militar da época, para operações regulares, e o fizeram com o
material bélico disponível e nas condições em que se encontravam
naquele momento.

84
História Militar Brasileira II

Como exemplo, pode ser vista a Coluna Savaget, que,


em momento nenhum, foi surpreendida ou sofreu
revés. Manobrou como devia e interveio, no combate,
no momento exigido. As preparações da artilharia
foram executadas corretamente e as cargas de
baionetas efetuadas com acerto, conforme a doutrina
da época. O retorno à base de partida após o encontro
era comum na época.

As críticas por vezes não consideram que realizar um ataque


a uma posição organizada requer um efetivo bem superior ao
do inimigo, inclusive quando estes estão menos armados. Para
reduzir uma localidade requer tempo e efetivo.

A Moreira César são feitas críticas. Era de fato um homem


polêmico, mas nunca um incompetente, um ignorante da arte
militar. Cometeu erros, sim. Talvez levado pela pressa, atacou
o Arraial com a sua tropa cansada pela jornada que acabava de
vencer. Além de ter empregado mal a cavalaria, não valorizando
o fogo da sua infantaria. Seu efetivo era insuficiente para atender
a missão recebida, não avaliou a importância do terreno e
subestimou o inimigo. Procurou cumprir a missão açodadamente,
a qualquer custo. Não era o comandante mais indicado para
aquela missão. Inclusive encontrava-se doente, sem condições
para exercer o comando.

Artur Oscar agiu certo ao optar pela operação de cerco. Para tal,
cumpriu todos os princípios de guerra:

„„ massa;

„„ ofensiva;

„„ manobra;

„„ unidade de comando;

„„ segurança;

Unidade 1 85
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ objetivo;

„„ surpresa; e,

„„ simplicidade.

Mas só conseguiu realizar a sua operação a contento após receber


o apoio logístico e o reforço em efetivos indispensáveis a qualquer
operação militar. Artur Oscar soube esperar o momento certo. Se
não o fez melhor, foi em consequência das limitações existentes
nos primeiros momentos da expedição. Em realidade, o Exército
não tinha uma logística organizada para uma situação de
combate.

Síntese
Qual a síntese que você faria sobre a história militar brasileira
neste período de ocaso da monarquia e consolidação da
república? Como analisar instituições militares que, depois
de um esforço de guerra sem precedentes, vitoriosas, se veem
marginalizadas pelos governos? Instituições que veem morrer
suas lideranças e são objeto do descaso dos políticos? Instituições
que, tendo sido, mais uma vez, o cadinho da unidade nacional,
veem prevalecer os interesses regionais menores? Instituições que
se aproximam da sociedade que clama contra a escravatura e por
novos rumos da política nacional? Instituições que veem seus
chefes se insurgirem, derrubarem a monarquia e implantarem a
república, quase sozinhas? Instituições que veem esses mesmos
chefes se responsabilizarem pelo novo regime? Instituições que
se veem responsáveis por, mais uma vez, restabelecerem a ordem
interna, e, novamente sem meios, sem organização, travar lutas
fratricidas, indesejadas, penosas? Como fazer a síntese de tudo
aquilo que aconteceu no último quarto do século XIX com o
Exército e a Marinha do Brasil?

86
História Militar Brasileira II

Só o equilíbrio do bom historiador saberá fazê-lo. Este é o


desafio que fazemos a você. Aplique com rigor a metodologia que
escolher, vasculhe as fontes primárias de que dispuser, interprete
depoimentos, imagens, jornais, relatórios, ordens do dia,
diários, visite os campos de luta, os caminhos percorridos e não
desanime. O segmento de história que você construir com seus
estudos e pesquisa será precioso para que o Brasil possa conhecer
e respeitar suas forças armadas.

Ajude-nos a escrever a história militar do Brasil.

Atividades de autoaprendizagem

1) Analise a “Questão Militar” como episódio catalizador do


descontentamento dos militares com a monarquia.

2) Explique o que representou a Campanha de Canudos para a evolução


do Exército brasileiro.

Unidade 1 87
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Para obter mais conhecimento sobre os assuntos tratados nesta


unidade, seguem algumas sugestões de leitura:

ARARIPE, Tristão de Alencar. Expedições militares contra


Canudos: aspecto marcial. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1985.

______. Expedições militares contra Canudos: seu aspecto


militar. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1985.

ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças


Armadas. Rio de Janeiro: Manual Editora, 2007.

BARRETO, Ruy. E tudo acabou numa grande tragédia. Rio


de Janeiro. Caderno Opinião de O Globo, de 21 de abril de
2006.

BRIGADA MILITAR. Portal da Brigada Militar do Estado do


Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.brigadamilitar.
rs.gov.br/>. Acesso em: 20 nov. 2009.

CARNEIRO, Glauco. Histórias das revoluções brasileiras.


2.ed. Rio de Janeiro: Record, 1989.

CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no


Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

CIDADE, Francisco de Paula. O exército em 1889. Rio de


Janeiro: BIBLIEX, 1939.

COSTA, Nicola S. Canudos – ordem e progresso no sertão. 7.ed.


São Paulo: Ed. Moderna, 1994.

CUNHA, Euclides da. Os sertões. 2.ed. Rio de Janeiro:


Laemmert Editora, 1903.

DONATO, Hernani. Dicionário das batalhas brasileiras. São


Paulo: Ibrasa, 2001.

88
História Militar Brasileira II

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra. Rio de Janeiro:


Companhia das Letras, 2002.

ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. História do exército


brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

______. O exército na história do Brasil. v.3. Rio de Janeiro:


BIBLIEX, 1998.

ESTRADA, Henrique Duque. A guerra de Canudos. Rio de


Janeiro: BIBLIEX, 1959.

FERREIRA, Oliveiros S. Elos perdidos. Uma nova visão do


poder militar no Brasil. São Paulo: Editora HARBRA Ltda.,
2007.

FRAGOSO, Augusto Tasso. História da guerra da tríplice


aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1960.

FROTA, Guilherme. Quinhentos anos de história do Brasil.


Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.

GOYCOCHEA. Luiz Felipe Castilhos. Gumercindo Saraiva


na guerra dos maragatos. Rio de Janeiro: Alba, 1943.

HAYES, Robert A. A nação armada: a mística militar


brasileira. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1991.

KEITH, Henry Hunt. Soldados salvadores. Rio de Janeiro:


BIBLIEX, 1989.

KOIFMAN, Fábio (org.). Presidentes do Brasil. Rio de Janeiro:


Cultura Editores e Editora Rio, 2002.

LOBATO FILHO, João Bernardo. A última noite da Escola


Militar da Praia Vermelha. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1992.

McCANN Jr., Frank D. Aliança Brasil - Estados Unidos, 1937-


1945. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1995.

______. Soldados da pátria. História do exército brasileiro,


1889-1937. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007.

Unidade 1 89
Universidade do Sul de Santa Catarina

MORAES, João Quartim; COSTA, Wilma Peres; OLIVEIRA,


Eliézer Rizzo de. A tutela militar. São Paulo: Vértice Editora –
Revista dos Tribunais, 1987.

MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do exército. Rio de


Janeiro: BIBLIEX, 1998.

OLIVIERI, Antônio Carlos. Canudos: guerra e revoluções


brasileiras. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

REVERBEL, Carlos. Maragatos e pica-paus – guerra civil e


degola no Rio Grande. Porto Alegre: LPM, 1985.

RODRIGUES, José Honório. Independência, revolução e


contra-revolução. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2002.

SCHULTZ, John. O exército na política. São Paulo: Editora da


USP, 1994.

SENA, Davis R. O grande desafio brasileiro: guerra civil


1892/5. Rio de Janeiro: Em revistas, 1995.

STEPAN, Alfred. Os militares na política. Rio de Janeiro:


Editora Artenova, 1975.

90
2
unidade 2

Transformações e evolução das


instituições militares no início
do século XX (1898 – 1918)
Aureliano Pinto de Moura
Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução das instituições militares brasileiras,
as peculiaridades do emprego do poder militar nos
conflitos internos e externos e a evolução da arte da
guerra e do pensamento militar no Brasil no período
republicano.

„„ Identificar e caracterizar a participação militar na


sociedade, na economia e na vida política brasileira
durante o período republicano.

Seções de estudo
Seção 1 Reorganização do Exército e da Marinha do
Brasil: “reforma Hermes” e os programas de Júlio
de Noronha e Alexandrino, na Marinha

Seção 2 Revoltas no início do século XX e a campanha


do Contestado

Seção 3 Campanha do Acre (1899 - 1903)

Seção 4 Participação do Brasil na Primeira Guerra


Mundial
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


As aspirações de reorganização e reaparelhamento do Exército e
da Marinha eram antigas e, até por isso, inadiáveis. Entretanto
nem a República e nem mesmo os militares puderam cuidar delas
imediatamente. Recompor o poder político e administrativo,
restabelecer a ordem econômica e social, vencer as questiúnculas
regionais e locais, debelar revoltas e insurreições, tudo isso
consumiu o tempo e o esforço dos chefes militares naquilo que
se chamou a consolidação do regime republicano. Essa tarefa,
todavia, deixou expostas as deficiências de toda ordem em que
se debatia o Exército e viu destruída a Marinha. A reforma do
ensino no Exército proposta por Benjamim Constant, logo ao
raiar da república, era tíbia e sequer chegou a ser completada. O
mau desempenho e o desgaste em Canudos passou da conta. E as
querelas políticas não explicam sozinhas o descalabro.

Mas o governo de Prudente de Morais conseguira um mínimo


de estabilidade através da ação do próprio presidente e,
principalmente, de seu ministro Campos Salles, o qual, na
pasta da Justiça e Negócios Interiores, alinhavou o que viria a
ser conhecido como a “política dos governadores” e, depois,
Um pacto entre o governo negociou um empréstimo de consoilidação da dívida externa – o
federal e os governos “funding loan” -, que permitiu reequilibrar a economia brasileira.
estaduais, no qual o poder Podem, então, os chefes militares e o próprio governo pensar na
central não interferiria nos
reorganização e no reaparelhamento das forças armadas.
assuntos locais em troca do
apoio a suas propostas na
Câmara e no Senado federais.

Seção 1 - Reorganização do Exército e da Marinha do


Brasil: “reforma Hermes” e os programas de Júlio de
Noronha e Alexandrino, na Marinha
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

O início da renovação no Exército ocorreu na administração do


Marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet no Ministério
da Guerra. Aconteceu o seguinte:

92
História Militar Brasileira II

„„ reestruturação da força terrestre;

„„ reorganização do ensino;

„„ criação, regulamentação e instalação do Estado-Maior; e,

„„ modernização da defesa da barra no Rio de Janeiro.

Comandante do Distrito Militar, o general Hermes Rodrigues


da Fonseca realizou manobras militares na região de Santa Cruz,
o que significou um divisor de águas na instrução militar daquela
época. Mais tarde, seria ministro do governo Afonso Pena,
quando, então:

„„ completou a reorganização;

„„ providenciou o equipamento;

„„ criou as Brigadas Estratégicas, com grandes unidades


permanentes;

„„ enfim, modernizou o Exéricto dentro da realidade


nacional.

Seguir-se-á a instituição do serviço militar obrigatório, a criação


dos Tiros de Guerra, a modernização do ensino militar, o envio
de oficiais para estágio no exército alemão. Tudo isso passou à
história como a “reforma Hermes”. Objetivamente, essa reforma
concebida pelo Ministro Hermes foi consubstanciada na Lei
número 1860, de 4 de janeiro de 1908 – sua maior conquista.

Neste ano de ouro – 1908 – para o Exército Brasileiro, é dada


nova organização e comando à Força Terrestre, e o território
nacional ficou dividido em 21 regiões para alistamento militar
e 13 de inspeção, assim constituídas:

Unidade 2 93
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ Amazonas e Território do Acre „„ Distrito Federal

„„ Pará e Amapá „„ São Paulo e Goiás

„„ Maranhão e Piauí „„ Paraná e Santa Catarina

„„ Ceará e Rio Grande do Norte „„ Rio Grande do Sul

„„ Paraíba e Pernambuco „„ Mato Grosso

„„ Alagoas e Sergipe „„ Estado do Rio de


Janeiro e Minas Gerais
„„ Bahia e Espírito Santo

São criados os quadros de dentistas, auditores, intendentes,


veterinários e o suplementar geral das armas, que vigora até o
presente. Termina com a promoção a marechal em tempo de paz.
Determina a citação de depósitos de remonta e estabelecimentos
agrícolas. Realiza concursos para prover cargos do magistério
militar. Coloca em funcionamento sanatórios para tratamento de
beribéri e doenças tropicais no Ceará e no Paraná. Organiza o
Exército em três categorias: 1a linha (ativa); a 2a linha (reserva); e
a 3a (Guarda Nacional).

Fixa o efetivo teto do Exército em 28 mil homens,


aproximadamente, distribuídos pelas diversas armas, da seguinte
forma:

Infantaria
„„ 15 regimentos de linha, com 3 batalhões, a 3
companhias;

„„ 12 batalhões de caçadores, a 3 companhias;

„„ 13 companhias de caçadores;

„„ 5 companhias de metralhadoras, a 3 seções; e,

„„ 12 seções de metralhadoras.

94
História Militar Brasileira II

Cavalaria
„„ 9 regimentos de linha, a 4 esquadrões;

„„ 3 regimentos independentes, a 4 esquadrões;

„„ 5 regimentos para serviço das brigadas de infantaria, a 2


esquadrões;

„„ 5 pelotões de estafetas e exploradores de brigada de


infantaria; e,

„„ 7 pelotões de estafetas e exploradores de outras unidades.

Artilharia
„„ 5 regimentos de artilharia montados, a 3 grupos, de 3
baterias, a 4 peças;

„„ 5 baterias de obuseiros, a 6 peças;

„„ 3 grupos de artilharia a cavalo, de 3 baterias, a 4 peças;

„„ 2 grupos de artilharia de montanha, de 3 baterias, a 4


peças;

„„ 3 batalhões de artilharia de posição, de 6 baterias;

„„ 6 batalhões de artilharia de posição, de 2 baterias; e,

„„ 5 parques de artilharia; 15 colunas de munição.

Engenharia
„„ 5 batalhões de brigadas de infantaria, a 4 companhias; e,

„„ 17 pelotões de engenharia.

Unidade 2 95
Universidade do Sul de Santa Catarina

Trem
„„ 5 esquadrões, sem constituir arma ou serviço especial,
sendo seus oficiais e praças pertencentes à arma de
Cavalaria.

No tocante à organização, composição de forças e número


de unidades, uma vez mais, Hermes demonstra sua visão do
problema, ainda atual. Disse ele que se preocupara em apresentar
à Nação um Exército pequeno, porém perfeitamente aparelhado
pelos recursos materiais e pela sua instrução profissional, a servir
de núcleos às forças vivas do País, desde que qualquer ameaça
exterior o levasse a apelar para as armas.

Mais tarde, de acordo com a Ordem do Dia 102, de 5 de junho


de 1908 e com os Decretos 6.971 e 6.972, do dia 4 do mesmo
mês e ano, são instituídas as grandes-unidades do Exército ativo
e fixados seus efetivos. Por estes decretos, são criados:

„„ a brigada estratégica, ou simplesmente brigada;

„„ a divisão; e,

„„ o exército.

A brigada estratégica, grande-unidade básica de formação do


Exército, que nos faz lembrar o antigo grupamento tático surgido
após a Segunda Guerra Mundial, estava assim estruturada:
quartel-general; 3 regimentos de infantaria, de 3 batalhões, a 3
companhias; 1 regimento de artilharia montado, de 3 grupos, a
3 baterias, com 4 peças; 1 bateria de obuseiros, com 4 peças; 1
regimento de cavalaria, a 2 esquadrões; 1 batalhão de engenharia,
a 4 companhias; 1 companhia de metralhadoras, com 3 seções;
1 esquadrão de trem; 1 pelotão de estafetas e exploradores de
cavalaria; 2 ou 3 batalhões de caçadores, 2 ou 3 companhias
de caçadores; 1 parque de artilharia; 3 colunas de munição; 1
comboio administrativo; 3 ambulâncias de brigada; 1 equipagem
de ponte; 1 equipamento de telégrafo; e 1 depósito de remonta
móvel. Os batalhões e as companhias de caçadores só eram
incorporados em caso de mobilização.

96
História Militar Brasileira II

A brigada de cavalaria compunha-se de: quartel-general; 3


regimentos de cavalaria, a 4 esquadrões; 1 grupo de artilharia a
cavalo, a 3 baterias, com 4 peças; 1 coluna de munição. As grandes-
unidades de efetivo superior ao de brigada só seriam formadas em
caso de mobilização ou manobra. As cinco brigadas estratégicas
organizadas foram distribuídas pelo Distrito Federal e pelos estados
de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
tendo este último recebido, ainda, três brigadas de cavalaria.

Nessa época, Rondon começa a empreender sua notável


obra de desbravamento do interior em decorrência do
plano de lançamento de linhas telegráficas no Estado
de Mato Grosso, enquanto iniciava-se a abertura das
estradas estratégicas Cacequi – São Borja – Quaraí e São
José da Terra Firme – São Luís de Cáceres.

Passando em revista suas atividades na Pasta da Guerra, ver-


se-á, a 6 de fevereiro de 1908, a nova regulamentação do
Colégio Militar do Rio de Janeiro e a transferência da Escola de
Aplicações de Infantaria e Cavalaria do Rio Pardo para Porto
Alegre, passando a funcionar anexa à Escola de Guerra por
Decreto nº 6.876, de 12 de março de 1908.

Defendendo o princípio de que se fazia mister guarnecer a


fronteira com tropas especializadas, o Decreto nº 6.885, de 19 de
março de 1908, cria as Companhias Regionais de Fronteira no
Acre, Purus, Juruá e Amapá.

Hermes, inspirado em Bismarck e admirador do Exército


prussiano, dizia que o nosso Exército só estaria em perfeitas
condições quando atingisse o nível do germânico, onde o
Estado-Maior era o verdadeiro cérebro, o organizador da vitória.
Movido por essa sua admiração pelo exército alemão, em agosto
de 1908, viajou para a Europa em busca de material bélico
moderno e de novos conhecimentos técnico-profissionais. No seu
impedimento, respondeu pelo Ministério da Guerra o Marechal
João Pedro Xavier de Câmara, então chefe do Estado-Maior
do Exército. Data desta ocasião o aparecimento, entre nós, do
tradicional fuzil Mauser e das peças Krupp, modelo 1908.

Unidade 2 97
Universidade do Sul de Santa Catarina

De volta ao Brasil, reassume o Ministério a 5 de novembro


daquele ano e distribui pelas diversas armas o material adquirido
na Alemanha:

„„ a infantaria recebe 400 mil fuzis Mauser;

„„ a cavalaria, 10 mil lanças Erahrdt, 20 mil espadas e 10


mil mosquetões;

„„ a artilharia de campanha foi dotada de 27 baterias de


canhões Krupp 75mm, modelo 1908, seis baterias de
canhões Krupp 75mm, de montanha, e de cinco baterias
de obuses Krupp 105mm.

Nesse ano, foi reaparelhada a Artilharia de Costa, iniciada a


construção do Forte de Copacabana e comprados seus canhões de
305 mm.

Em consequência dessa sua visita à Alemanha e visando o


aperfeiçoamento dos quadros oficiais das diversas armas, faz
promulgar, a 31 de dezembro de 1908, o Decreto nº 2.050, que
designa oficiais brasileiros para estagiar no Exército alemão em
missão de estudos.

Antes de seguir para o exterior, a 8 de agosto, aprovou o novo


plano de equipamento de praça, que introduziu a ferramenta de
sapa no Exército brasileiro, dadas as vantagens comprovadas em
seu uso pelos japoneses na guerra de 1904 contra a Rússia.

É de sua administração o novo plano de uniformes do Exército,


adotado pelo Decreto nº 7.201, de 30 de novembro de 1908,
que tornou o fardamento mais cômodo e distinto, abolindo os
modelos imperiais ainda existentes.

Vejam, na midiateca, como o historiador militar,


Coronel, de Artilharia e Estado-Maior, Luiz Paulo
Macedo Carvalho, retrata o Marechal Hermes.

98
História Militar Brasileira II

E o que se passou na Marinha? Segue transcrição de parte da


Introdução para a História Marítima Brasileira, da Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.

Nos primeiros anos da República houve uma progressiva


desmobilização da Esquadra brasileira. As revoltas que assolaram
a Nação e o desgaste econômico provocaram o gradativo
desmantelamento das unidades da Força Naval. E não houve
nem a modernização dos meios flutuantes nem a criação de uma
infraestrutura de apoio. Essa situação se manteve por toda a
última década do século XIX.

Em 15 de novembro de 1902, o Almirante Júlio de Noronha


encontrou uma Força Naval composta de navios reformados, na O Almirante Júlio de Noronha
sua maioria obsoletos frente às classes mais modernas que estavam assumiu o Ministério da
em processo de construção pelas potências industriais da época. Marinha em 1902, durante o
Governo de Rodrigues Alves,
passando a pasta, em 1906,
Em 1904, o Ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio ao Almirante Alexandrino
Branco, apresentou ao Almirante Júlio de Noronha pessoas Faria de Alencar.
interessadas em oferecer navios ou indicar estaleiros para a
construção daqueles que fariam parte do Programa Naval que o
almirante elaborava.

Laurindo Pitta, deputado, apresentou à Câmara, em julho de


1904, um projeto que continha o programa naval do Almirante
Júlio de Noronha. Encabeçou uma grande luta nos bastidores
da política nacional, com a finalidade de obter a aprovação do
projeto que reorganizaria toda a Esquadra, o qual foi convertido
em lei pelo Decreto nº 1.296, de 14 de novembro de 1904.

Os couraçados, cruzadores, torpedeiros não eram invenções


modernas, eram aperfeiçoamentos que a ciência e a indústria
adaptavam aos navios. O couraçado era o pesado e bem artilhado
navio de linha, o cruzador era a leve e ligeira fragata e o
torpedeiro era o brulote, destinado a incendiar as antigas naus.
Embarcação carregada de
O Programa de 1904, chamado de Júlio de Noronha, apresentava matérias inflamáveis e explo-
a vantagem de ser um plano de conjunto, ou seja, incluía a criação sivas e destinada a levar fogo
de um moderno arsenal e um porto militar, que, juntamente aos navios inimigos.

Unidade 2 99
Universidade do Sul de Santa Catarina

com os navios, formaria um tripé de sustentação da Marinha


brasileira. Foi o Almirante Júlio de Noronha quem fez nascer a
campanha de remodelação da Esquadra, que envolveu a opinião
pública e resultou na reforma da Marinha do Brasil. O programa
incluía os modelos de navios que, no momento, equipavam as
melhores esquadras do mundo.

O Deputado José Carlos de Carvalho e o Almirante


Alexandrino Faria de Alencar, então senador, foram os
grandes defensores da remodelação do Programa Júlio
de Noronha.

Em 15 de novembro de 1906, assumiu a Pasta da Marinha o


Almirante Alexandrino Faria de Alencar. Não demorou para
que conseguisse do Congresso a reforma do Programa de 1904.
A alteração mais marcante trazida pelo novo programa do
Almirante Alexandrino foram três novos encouraçados do tipo
dreadnought de 20.000 toneladas.

Nesse programa, foi cancelado o projeto de um novo arsenal:


em seu lugar optou-se por modernizar as instalações da Ilha das
Cobras. Porém admitia-se a construção de bases secundárias
em Belém e em Natal, e um porto militar de pequeno porte
em Santa Catarina. Como consequência direta do Programa
Alexandrino, a Esquadra de 1910 representou um verdadeiro
revigoramento militar e tecnológico da Marinha brasileira. O
Brasil passou a possuir uma frota de alto-mar ofensiva, podendo
levar ao longe o Pavilhão Nacional e, principalmente, apoiar a
ação diplomática do governo brasileiro; e flotilhas defensivas,
necessárias para a defesa do imenso litoral.

A incorporação de navios como os Encouraçados Minas Gerais


e São Paulo, pertencentes à classe dos dreadnoughts mais
poderosos do mundo, encheu de orgulho e confiança os cidadãos
brasileiros. Além dessas embarcações, também chegaram os
Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul; os Contratorpedeiros

100
História Militar Brasileira II

Amazonas, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas,


Sergipe, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso. Posteriormente
ao ano de 1910, o Contratorpedeiro Maranhão, os Submarinos
F1, F3, F5 e Humaitá, o Tender Ceará e os outros navios
auxiliares complementaram os efetivos navais da Marinha.

A Esquadra brasileira passou a ser organizada essencialmente


em Divisões de Encouraçados e Cruzadores, e Flotilhas de
Contratorpedeiros e de Submarinos. Porém, com o início da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Ministro da Marinha,
Alexandrino de Alencar, determinou que as principais unidades
operativas de superfície fossem reorganizadas em 3 divisões,
a fim de patrulhar as águas costeiras dentro de cada área de Foram criadas as Divisões
responsabilidade. Dessa forma, a Marinha iria enfrentar os seus Navais do Sul (São Francisco
dois grandes desafios no Século XX: as duas grandes guerras do Sul), Centro (Rio de
Janeiro) e Norte (Belém).
mundiais.

Mas, além de todos os fatores favoráveis do início do século XX


– lembre-se de que é a época do saneamento e da reurbanização
do Rio de Janeiro e também das principais capitais de Estados,
é o momento da Exposição de 1908, comemorando os 100 anos
da abertura dos portos brasileiros e lançando o país novamente
no comércio internacional –, havia outro muito importante: José
Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, à frente do
Ministério das Relações Exteriores tratava de consolidar, de fato
e de direito, a base territorial do Brasil. Seu saber, inteligência e
competência e a permanência no posto – esteve 10 anos à frente
do Ministério – promoveram todo um pensamento geopolítico e
estratégico de inestimável valor para o país, e isso incluía o que
pensava e propunha para as forças armadas.

Para saber mais sobre o Coronel Luiz Paulo Macedo


Carvalho, não deixe de ler, na midiateca, o artigo “Rio
Branco e o Exército”.

Unidade 2 101
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 - Revoltas no início do século XX e a campanha


do Contestado
Aureliano Pinto de Moura

Mas esta época alvissareira, quando pontificaram os “jovens


turcos” e a “Missão Indígena” e surgiu a revista “A Defesa
Nacional”, não foi tranquila.

„„ Em Mato Grosso, ocorreu a revolução da legalidade em


1892, a contestação à legalidade, em 1899, e a revolução
de 1906;

„„ na Capital Federal, algumas desordens e a revolução


contra a vacina obrigatória em 1904; e,

„„ no oeste de Santa Catarina, o Contestado.

Cuidaremos de dois destes acontecimentos: da revolta contra a vacina


obrigatória, pelas implicações militares que teve, e da campanha
do Contestado, por sua importância e por suas semelhanças e
dessemelhanças com a campanha de Canudos.

2.1 - Revolta contra a vacinação obrigatória no Rio de Janeiro


(novembro de 1904): suas implicações político-militares

Aproveite para acessar a Midiateca e ler dois excelentes


artigos com os quais nos brinda Charles Klajman, major
dentista do exército e historiador militar.

Francisco de Paula Rodrigues Alves assumiu o governo sem gerar


expectativas. Apelidado pela imprensa de “soneca”, seu único
objetivo confesso era o de sanear a Capital Federal e torná-la um
porto de entrada principalmente comercial, para o Brasil. Em
suma, queria atrair imigrantes e negócios.

102
História Militar Brasileira II

Nomeou, para dar cabo a esta empreitada, Francisco Pereira


Passos para prefeito da capital federal. Engenheiro, formado pela
Escola Militar do Brazil com o grau de bacharel em Ciências
físicas e matemáticas em 1856, obteve o diploma de engenheiro
civil em 1857. Chefiando a Diretoria Geral de Saúde Pública
(DGSP), Oswaldo Cruz tinha a determinação de enfrentar e Essa Diretoria seria respon-
combater as três principais doenças que impediam a ascensão sável pelas principais realiza-
do Rio de Janeiro a uma posição de destaque no cenário ções brasileiras no campo da
saúde pública nas primeiras
internacional:
décadas do século XX, jun-
tamente com o Instituto de
„„ a febre amarela; Manguinhos.

„„ a peste bubônica; e,

„„ a varíola, verdadeiros flagelos que atormentavam a


Capital.

O gerador imediato da revolta foi a epidemia de varíola.

A varíola, causada pelo vírus varíola do grupo


orthopoxvirus, era um problema praticamente em
todos os países, e o controle da doença era feito
isoladamente pelos governos locais. Em 1959, a
Organização Mundial da Saúde (WHO) decidiu pela
realização de um programa global de erradicação da
varíola. Foi declarada erradicada pela OMS em 1977
e acredita-se que o vírus da varíola só exista em dois
laboratórios no Mundo: no The State Research Centre
of Virology and Biotechnology Vector em Koltsovo –
Novosibirsk, na Rússia e no The Centers for Disease
Control – CDC, em Atlanta, Georgia, nos Estados Unidos.

A vacina, a partir da inoculação de um vírus de origem animal,


havia sido descoberta por Edward Jenner. Ao observar que
pessoas que ordenhavam vacas não contraíam a varíola, desde
que tivessem adquirido a forma animal da doença, Jenner extraiu
o pus da mão de uma ordenhadora que havia contraído a varíola

Unidade 2 103
Universidade do Sul de Santa Catarina

bovina e o inoculou em um menino saudável, em 1796. Este


contraiu a doença de forma branda e logo ficou curado. Jenner
inoculou, no mesmo menino, o líquido extraído de uma pústula
de varíola humana e ele não contraiu a doença, comprovando a
sua imunidade à varíola.

A introdução da vacina de Jenner remontava ao início do século


XIX e, em diversas ocasiões, se tornara obrigatória por alguma
postura ou decreto, mas as leis não pegaram. A legislação
antivariólica no Brasil não era uma novidade. A 28 de agosto
de 1835, o presidente da província do Rio de Janeiro, Paulino
José Soares de Souza, mais tarde Visconde de Uruguay, legislava
numa circular que seria conveniente estabelecer posturas,
impondo penas aos responsáveis que não fizessem em vaccinar
seus filhos, parentes (que não tiverem debaixo de seu poder),
escravos, etc., e igualmente aos que não levassem os vaccinados à
casa da vaccina ao oitavo dia.

A argumentação contrária à vacinação era baseada no


componente técnico, indo da qualificação dos profissionais
escalados para a tarefa, passando pela falta de credibilidade do
soro e pela truculência na legislação e na sua aplicação.

Um dos principais focos de resistência partia da Igreja


e Apostolado Positivista do Brazil. Os positivistas, suas
publicações, seus representantes no senado e na câmara,
sua presença nos sindicatos, alimentava o medo popular. A
população, num determinado momento, acreditou que seu
lar seria violado. As mulheres e filhas seriam alvo de agentes
inescrupulosos que as lancetariam na virilha ou mesmo nas
nádegas. A honra familiar seria atingida. E, atrás de tudo isto,
líderes como Lauro Sodré, militar e político, tramaram derrubar
o governo e estiveram no centro dos distúrbios e conflitos havidos
no Rio de Janeiro, terminando por sublevarem a Escola militar
do Brazil, na Praia Vermelha, que terminou fechada e extinta.

104
História Militar Brasileira II

A seguir, uma imagem da Escola.

Figura 2.1 - Escola Militar do Brazil, na Praia Vermelha.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

2.2 - Insurreição do Contestado (1912 – 1916)


A Insurreição do Contestado foi uma rebelião de caráter
messiânico, liderada por um “monge” que influiu no
comportamento dos caboclos ignorantes e miseráveis,
paralelamente com a disputa de fronteiras entre os Estados do
Paraná e de Santa Catarina.

Ao se estudar o Contestado, percebe-se o cunho social da


revolta dos caboclos contra os “coronéis”. Uma revolta dos
excluídos. Uma disputa de caráter social que, no decorrer
dos acontecimentos, transformou-se na atuação de hordas de
desordeiros saqueando e matando, sob o pretexto de disputas
lindeiras, entre o Paraná e Santa Catarina. Dando esperanças de
uma vida melhor para os sertanejos, simples massa de manobra
de bandidos e políticos mal intencionados.

A região em conflito representa uma área de aproximadamente


40.000 km² disputada pelos Estados do Paraná e de Santa
Catarina, desde muitos anos. Episódio que se estendeu até 1916,
quando, por arbitragem de Wenceslau Braz, então Presidente da
República, levou à assinatura de um acordo entre os dois Estados.

Unidade 2 105
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja o mapa a seguir:

Figura 2.2 - Área conflagrada.


Fonte: Afonso, Eduardo J. O contestado. São Paulo: Ática, 1994.

A região limitava-se:

„„ ao norte, pelos rios Negro e Iguaçu;

„„ ao leste, pela Serras Geral, e os rios Marombas e Canoas;

„„ ao sul, pelos rios Pelotas e Uruguai; e,

„„ ao oeste, pelos rios Peperiguaçu e Santo Antônio.

O Estado do Paraná tinha pretensões de manter sob a sua


jurisdição todo o vale dos rios Negro e Iguaçu, mantendo, ao sul,
os rios Pelotas e Uruguai como sua fronteira com o Rio Grande
do Sul. Manteria, assim, as terras herdadas da província de São
Paulo, por ocasião do seu desmembramento, em 19 de dezembro
de 1853, reduzindo Santa Catarina às terras litorâneas ao leste da
Serra do Mar.

106
História Militar Brasileira II

Esta disputa entre São Paulo e Santa Catarina e, após 1853, entre
o Paraná e Santa Catarina, vem desde o século XVI, quando
a região fazia parte da Capitania de Santana, cujo donatário
era Pero Lopes de Souza. No decorrer deste tempo, outras
divergências foram surgindo. Em 1723, foi criada a Comarca
de Paranaguá; e, em 1738, a de Santa Catarina, mais tarde
desmembradas de São Paulo.

D.José I, através do Marques de Pombal, deu autonomia à


Capitania de São Paulo, nomeando para seu Governador D. Luiz
Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus,
empossado em 23 de julho de 1765. Nesta oportunidade, São
Paulo assumiu os seus limites até os rios Pelotas e Uruguai,
iniciou a fortificação de Santos e fundou São Luiz de Guaratuba,
sob os protestos catarinenses.

Em 1771, Antônio Corrêa Pinto, a mando do Morgado de


Matheus, iniciou a construção da localidade de Lajes, assim
como da sua igreja matriz. No ano seguinte, o povoado passou
à condição de Vila. Já no século XIX, em 1853, a Comarca de
Curitiba desmembrou-se de São Paulo, constituindo a Província Denominada Nossa Senhora
do Paraná, herdeira do território da 5ª Comarca de São Paulo dos Prazeres de Lajes.
(Curitiba) assim como de todas as disputas lindeiras com Santa
Catarina.

Em 1865, a linha de limites entre o Paraná e Santa Catarina


passou a ser constituída pela Serra Geral, seguindo em direção ao
sul pelos rios Marombas e Canoas até o Pelotas. Avançara para
o oeste, de conformidade com o Decreto nº 3.378. Em 1879,
o Ministro Sinimbu transferiu a linha de limite para o Rio do
Peixe, bem mais para o oeste. Apesar das tentativas paranaenses,
a linha de fronteira permaneceu ali. Os recursos tentados pelo
Paraná foram favoráveis a Santa Catarina, nos anos de 1904
e 1910, por decisão do Supremo Tribunal. O Paraná defendia
seus direitos à posse baseada no uti possidetis; Santa Catarina
procurava os tribunais.

Unidade 2 107
Universidade do Sul de Santa Catarina

Antes da chegada dos portugueses e dos espanhóis nesta região,


ela foi habitada por índios Kaiakang (agricultores), habitantes
dos campos, e seus inimigos, os Guaranis e Xecrêns (caçadores),
moradores das matas.

Desde o século XVI, desbravadores ibéricos transitaram


pelas trilhas, entre o litoral atlântico e o Paraguai. Por outros
caminhos, transitavam os bandeirantes paulistas, oriundos de São
Paulo e de Curitiba. Com eles, no retorno, muitos índios preiados
eram trazidos.

No século XVIII, para atender aos trabalhadores das minas de


ouro, tropas de burro percorriam as trilhas levando mercadorias,
gado e muares, necessários aos mineiros. Da mesma forma,
transitaram as manadas de gado, levadas do litoral catarinense
(Araranguá e Laguna) para o mercado dos Campos de Curitiba.
O mesmo ocorreu no caminho do gado, entre o Rio Grande do
Sul e Sorocaba.

A Revolução Farroupilha (1835-1845) e a Revolução Federalista


(1893) contribuíram para o assentamento de muitos fugitivos
da lei. Assim foram surgindo os pousos, logo transformados em
povoados; ao crescerem, alguns chegaram às condições de Vila.

Na época da insurreição do Contestado, eram poucas as


localidades com mais de 10.000 habitantes. Dentre estas
estavam Rio Negro, União da Vitória, Palmas, Campos Novos e
Papanduva. Já no final do século XIX e início do XX, passaram
a integrar essa comunidade imigrantes alemães, poloneses e
italianos, trazidos pela Brazil Rayway, assim como cerca de
8.000 operários da construção da ferrovia, oriundos de São
Paulo, Santos, Rio de Janeiro e Salvador. Na maioria das vezes,
marginais da sociedade.

Na conquista da propriedade da terra no Contestado, o homem


ia chegando, tomando posse, muitas vezes homiziando-se
por crimes cometidos ou fugindo de uma situação política
indesejável. As terras, então, foram sendo partilhadas por
herança, negociadas ou conquistadas. Eram posseiros intrusos
em terras devolutas, aguardando as medições oficiais que jamais

108
História Militar Brasileira II

vinham. Quando vinham, chegavam viciadas por concessões


políticas a privilegiados e seus apaniguados. As disputas pela
posse da terra, não raro, terminavam em morte. A duplicidade de
jurisdição, com frequência, agravava a situação.

A vida transcorria em despejos sucessivos onde imperava a lei do


mais forte: a dos coronéis. Estes foram construindo seus impérios
com o auxílio dos seus agregados e os seus peões, que ali estavam
ao serviço do coronel, para o que desse e viesse. O caboclo coletor
de erva-mate, expulso da sua terra, vivia sem futuro ou esperança.
Ignorante e supersticioso, foi um alvo fácil para os monges
andarilhos com suas pregações messiânicas de um cristianisno
primitivo, trazendo esperanças de uma vida melhor.

A essa sociedade, juntaram-se os imigrantes alemães, polacos e


italianos para cultivar as terras recebidas à custa da expulsão dos
caboclos brasileiros. Da mesma forma, chegaram os operários
na construção da ferrovia, os quais, ao término da obra, foram
demitidos e deixados à própria sorte, sem recursos para o retorno
às suas origens.

O Contestado foi sendo transformado em uma bomba


prestes a explodir. Fervia a injustiça e a miséria, e os
políticos, mal intencionados, transformaram querelas
locais em antagonismos provincianos, usando os
ingênuos sertanejos como massa de manobra.

A presença dos monges na área rural, onde imperava a miséria


e a ignorância do povo, não foi uma exclusividade do planalto
catarinense. Como em toda área rural brasileira, existiram
inúmeros rezadores, curandeiros, benzedores, mandraqueiros,
penitentes, adivinhos, monges e outras tantas categorias. Havia
certa hierarquia entre estas diversas categorias de gente. Os que
rezavam, os que benziam, os que receitavam infusões de ervas
e poções milagrosas, os que praticavam a medicina cabocla, os
fazedores de milagres e os amuletos protetores. Envolvidos nisso
tudo, aquele povo ia sendo conduzido em busca de uma vida
melhor, atrás de uma esperança.

Unidade 2 109
Universidade do Sul de Santa Catarina

Os monges realmente desempenharam um importante papel


na evolução da sociedade cabocla da região contestada.
Influenciaram direta e indiretamente no comportamento
daquela comunidade e no desencadeamento da guerra
cabocla.

Quando se fala em Contestado, devem ser considerados:

„„ João Maria de Jesus;

„„ João Maria de Agostini, conhecido como o monge da


Lapa;

„„ João Maria Marcaf; e,

„„ José Maria de Agostinho.

Os relatos de suas vidas são cheios de incertezas, divergências e folclore.


Vamos a eles?

João Maria de Jesus, de quem pouco se fala e que pouco se


conhece, apareceu na região por volta de 1810. Era um bom
homem: andarilho e solitário. Desapareceu assim como surgiu.

Nenhum foi mais venerado do que João Maria de Agostini, o


monge da Lapa. Pessoa de boa índole, transmitia bondade e
esperança com as suas promessas de uma vida melhor, diante da
violência e desesperanças reinantes na sociedade. É o mais antigo
monge com referências escritas, na região. Nasceu no Piemonte,
tendo chegado ao Brasil em 1842 ou 1845. Homem solitário
e preocupado com as coisas do espírito. Viajava sozinho, não
permitindo companhias. Andava descalço, alimentava-se de frutos
silvestres, leite e verduras – quando as ganhava – , e dormia
ao relento. Consta que João Maria de Agostini teria pregado na
Igreja Matriz da Lapa com o consentimento do pároco local. Este
fato faz crer tratar-se de um religioso desgarrado. Certo dia, sem
informar a ninguém, desapareceu de vez.

110
História Militar Brasileira II

No início de 1893, surgiu na região de União da Vitória o


monge João Maria Marcaf (Anastás Marcaf), de origem síria
ou francesa. Simpatizante da Revolução Federalista, chegou a
acompanhar as tropas de Gumercindo Saraiva com a sua bandeira
branca com uma pomba vermelha. Após a morte do caudilho,
apregoava-se o seu retorno à frente de um exército de anjos. Não
era um homem pacífico. Foi visto pela última vez em 1908. Teria
sido sepultado ou em Lagoa Vermelha, ou em Mallet, ou em
Ponta Grossa, ou, ainda, em Taió. Com o desaparecimento do
monge, os sertanejos passaram a cultuar o surgimento de um novo
enviado de Deus. Um novo monge, um messias.

Por volta de 1910, 1912, surgiram notícias da presença de um


curandeiro pelas cercanias de Campos Novos, no sul de Santa
Catarina. Era conhecido como José Maria de Agostinho. Pelo
que se sabe, teria vindo dos Campos do Irani, no Paraná, tendo
sido ex-soldado do Exército ou da Polícia Militar do Paraná.
Dizia-se um peregrino. Com o desaparecimento de João
Maria Marcaf, procurou ocupar o seu espaço. Aos poucos, foi
conquistando a população, cada vez mais admirada.

Ledor das histórias de Carlos Magno, pregou os seus feitos e


criou uma guarda pessoal que chamou de Doze Pares de França.
Uma guarda de elite, constituída pelos 24 melhores guerreiros.
Militarizou a Irmandade Cabocla, criando a forma diária nos
quadros dos redutos. A organização política da Irmandade
confundia-se com a religiosa: a hierarquia era rígida, tendo
como insígnia uma bandeira branca com uma cruz verde. Mas
não havia uma liderança única na Irmandade, após a morte do
monge José Maria. Ele foi seu líder religioso e político-militar.
Com a sua morte, a liderança da Irmandade não foi herdada por
ninguém, mas dividida entre vários dos seus líderes menores.

As lideranças religiosas passaram a ser exercidas por jovens


caboclos que afirmavam ter contacto com o monge, através de
visões. Jovens videntes que diziam conversar com o monge e que
serviam como intermediários entre ele e a Comunidade. Tal
situação imperou na Irmandade até a conquista de Taquaruçu
pelas tropas. A partir daí, dirigiram-se para Caraguatá, onde a
infiltração de malfeitores foi aumentando consideravelmente, até
passarem a dominar a Irmandade. As lideranças passaram a ser
mais guerreiras do que religiosas.

Unidade 2 111
Universidade do Sul de Santa Catarina

A Irmandade foi se assentando na região em pequenos povoados


denominados redutos, habitados apenas por integrantes da
Irmandade Cabocla. Eram centenas ou milhares de pessoas.
A vida nos redutos era de rígida disciplina, sob todos os
aspectos. Quem ali residia tinha de aceitar a fé segundo as
crenças pregadas pelos monges e seguir uma rígida disciplina de
convivência, estabelecida para todos.

Os redutos foram construídos em clareiras, com casas rústicas


de madeira, cobertas de tabuinhas de pinho, sapé (grimpa do
pinheiro) ou palha. Alguns cobriam as casas com o couro de
boi. Dormiam em tarimbas forradas com pelegos e cozinhavam
no fogo montado no centro da cozinha, usando trempe de
ferro. No centro do reduto, uma praça. O quadrado onde estava
localizada a igreja e onde eram realizadas as formas e rezas. Ali
era, também, o local de distribuição dos trabalhos diários. Cada
missão era atribuída a uma ou mais pessoas. Havia:

„„ os homens da guerra (combatentes);

„„ os bombeiros (espiões);

„„ os piquetes xucros (encarregados do confisco de gado e


outros bens);

„„ as avançadas (sentinelas);

„„ o pessoal da lida (com o gado);

„„ os tamboreiros (tambor das solenidades), dentre outros.

Os sertanejos tinham a convicção do seu direito à terra, pela


expulsão do seu pedaço de chão. Estas eram as terras que foram
sendo doadas pelo Estado à empresa encarregada da construção
da ferrovia; aos imigrantes (alemães e polacos) trazidos pela
Brazil Railway para a produção agrícola; e aos políticos e seus
apaniguados. Mesmo reclamando às autoridades, os sertanejos
foram esquecidos e omitidos pelos dois Estados.

112
História Militar Brasileira II

Na região, foram chegando homens de todas as classes sociais


que se agruparam em torno da bandeira branca e verde do
monge José Maria. Esperavam que, em um dia, São Sebastião
descesse à Terra com seu Exército alado, proporcionando a todos
os crentes uma vida melhor. Apenas os coronéis – grandes
proprietários – não aderiram à Irmandade Cabocla; permaneciam
ligados aos chefes políticos locais e regionais. Dentre os
pequenos proprietários, os que não aderiram à Irmandade eram
simpatizantes discretos.

A Irmandade Cabocla, em sua maioria, foi constituída por


agregados, peões e ervateiros, chefiados por ex-integrantes
da Revolução Federalista ou mesmo da Guarda Nacional. Os
simpatizantes contavam com o beneplácito dos jagunços, sendo
poupados dos roubos e saques em suas propriedades. Essa
comunidade, aos poucos, foi sendo infiltrada por outro tipo
de jagunço: os bandidos e os malfeitores aventureiros. Em se
tratando de prisioneiros, nem sempre chegavam aos redutos:
eram eliminados no caminho, com requintes de crueldade; por
fuzilamento ou degola.

O combatente caboclo era valente e resistente. Formou-se,


na grande maioria das vezes, em combate. Sabia manejar o
seu facão e a sua “Winchester”. O seu adestramento era de
responsabilidade dos “comandantes da briga”.

O fanatismo e a crendice dos sertanejos, aliados às qualidades de


chefia do “monge” José Maria, levaram-no à liderança religiosa,
política e social da Irmandade. Após sua morte no combate do
Banhado Grande, nos Campos do Irani, as lideranças religiosas
passaram a ser exercidas por “videntes”, todos eles de pouca
idade.

Assim foi com a menina Teodora (11 anos), o jovem


Manoel (18 anos) e o menino Joaquim (11 anos).

Unidade 2 113
Universidade do Sul de Santa Catarina

As lideranças políticas, sociais e militares não mais se fixaram em


uma única pessoa: cada reduto passou a ter o seu próprio líder. E,
na proporção que foi evoluindo a insurreição, novas qualidades
foram sendo exigidas às lideranças. Foram surgindo chefes que
se destacaram em combate pela sua valentia, intimidade com as
armas e conhecimentos guerreiros. Eram homens autoritários,
intolerantes e valentes. A traição à covardia ou mesmo às
pretensões de liderança eram, impiedosamente, pagas com a
morte. Não havia piedade. Na maioria das vezes, esses homens
eram desertores, ex-integrantes da Guarda Nacional, capatazes
ou mesmo fazendeiros. Alguns fugitivos da justiça.

Apesar da “reforma Hermes”, o Governo voltou a se descuidar


do seu poder militar. Reduziram-se os efetivos e as verbas
orçamentárias, o que refletiu na motivação da tropa para manter
o seu adestramento. Apesar das reformas realizadas por Benjamin
Constant e Nepomuceno Mallet, a situação da tropa pouco
melhorara. Outra tentativa de profissionalização do Exército foi
realizada por Hermes da Fonseca (1908-1910).

A insurreição do Contestado, iniciada em outubro de 1912,


encontrou a tropa ainda com pouca operacionalidade. Vivia-se
um período de transição quanto à organização. O armamento
e equipamento eram ultrapassados e já desgastados, longe de
atenderem as necessidades. O Comando Militar da região, o 5º
Distrito Militar (Paraná e Santa Catarina), tinha seu Quartel
General em Curitiba e a tropa aquartelada nas cidades de:

„„ Ponta Grossa;

„„ Iguaçu;

„„ Paranaguá;

„„ Castro; e,

„„ Florianópolis.

Durante a campanha, em determinados momentos, o Exército


contou com a participação de tropa estadual do Paraná e de

114
História Militar Brasileira II

Santa Catarina. A tropa federal empenhada contra a insurreição


era a 2ª Brigada Estratégica, reforçada por unidades de outros
Distritos Militares. Em 1915, em plena campanha, esta brigada
foi transformada em Divisão de Infantaria, a duas brigadas e o
Distrito Militar transformado em Região Militar.

A princípio, o armamento usado pela infantaria foi o fuzil


Mannlinches 6,5mm; mais tarde, foi substituído pelo fuzil
Mauser 1891 e 1908 (modelo brasileiro). As companhias de
metralhadora estavam armadas com armas Norderfild, e a
artilharia contava com canhões Krupp 7 ½ e Creusot.

As forças estaduais estavam armadas com fuzis Camblain e


metralhadora Norderfild, de maneira geral em más condições de
uso.

Ao iniciar o século XX, Santa Cruz de Canoinhas não passava


de um pequeno povoado, ao norte da região contestada pelos dois
Estados sulinos. Seu posicionamento era excepcional – no meio
da mata – e foi sendo ocupado por catarinenses, tornando-se um
local de homizio de malfeitores fugidos da justiça paranaense.

Em 1911, Canoinhas foi elevada a vila. O governo catarinense


procurava expandir seu território até o vale do Paciência e do
Timbó. Valia-se do aviso do Ministro Sinimbu, que levara
a fronteira entre os dois Estados para o Rio do Peixe (1879).
Em realidade, a intenção era chegar até ao Rio Iguaçu. Paraná
fazia todo o possível para impedir o avanço catarinense. Para os
habitantes da região, era indiferente a quem cabia a jurisdição
da região. Bandos armados vão chegando à região, trazendo
insegurança e desamparo. Dizia-se que esses jagunços recebiam
recursos e armamento das autoridades catarinenses.

Preocupado com o crescer da violência, o 5º Distrito Militar


enviou uma companhia do 37º Batalhão de Infantaria de
Florianópolis para desenvolver ação de polícia nas linhas de
limites. As medidas tomadas só agravaram a situação. Criavam-
se vilas por decreto e localidades fictícias. As rixas pessoais foram
crescendo, interesses regionais foram interferindo, até que Santa
Catarina resolveu radicalizar e apelar para o Poder Judiciário.

Unidade 2 115
Universidade do Sul de Santa Catarina

Tropas federais chegam ao Timbó e à União da Vitória, e Paraná


enviou um destacamento de sua polícia militar, reforçado
por civis armados. A intervenção de tropa federal conseguiu
pacificar temporariamente a região. É neste momento que
surge, na região de Campos Novos, um “monge”, atendendo e
curando doentes, aplicando ervas, rezando, atraindo os caboclos
ignorantes e supersticiosos que iam agrupando-se em torno
do “homem santo”. Tratava-se de José Maria de Agostinho, o
“monge do Contestado”.

A pessoa do “monge” José Maria não era bem vista por Francisco
Ferreira de Albuquerque, Intendente de Curitibanos. A sua
presença em Taquaruçu, rodeado de seguidores, preocupava o
“coronel”. Além disso, José Maria havia se recusado a atender
um chamado do “coronel” e se encontrava sob a proteção de
Henriquinho Almeida, inimigo político e desafeto de Francisco
Albuquerque. José Maria foi convidado para a Festa do Divino
em Taquaruçu e, no local, resolveu criar a primeira comunidade
do “quadro santo”ou “Quadrado Santo”.
Inspirado pela lenda messiânica
sobre a volta do antido rei portu- Determinada noite, durante a apresentação de violeiros em um
guês, Dom Sebastião, José Maria entusiasmado desafio no derradeiro da trova, um jagunço gritou
agrupous diversos seguidores para “viva à Monarquia e a São Sebastião”. Foi o que bastou para
a fundação da comunidade do
Quadrado Santo, que viveu da agri-
que Francisco Albuquerque denunciasse ao governo catarinense
cultura susbistente e do furto de o perigo monarquista que surgia em Taquaruçu. A situação
gado. Não há registros fidedignos. chega ao conhecimento da Presidência da República. Hermes
da Fonseca, comandante do 5º Distrito Militar, determinou
imediatas providências para a proteção da ferrovia em construção,
marginando o Rio do Peixe. A intenção era também a de impedir
que os bandos de jagunços ultrapassassem o limite entre os dois
Estados.

Em 12 de setembro de 1912, parte de Curitiba um destacamento


do 14º Regimento de Cavalaria com 160 homens, comandados
pelo Tenente-Coronel Álvaro Pereira Franco, com destino a
Caçador, na linha férrea. José Maria, tomando conhecimento
do deslocamento da tropa , em 1º de outubro retirou-se de
Taquaruçu em direção aos Campos do Irani. A tropa estacionou

116
História Militar Brasileira II

em Caçador, sem perceber a passagem do bando de José Maria,


transpondo o rio logo ao norte de Erval, sem molestar ninguém.
O Governo do Paraná denotou perigo na invasão de bando ligado
a Santa Catarina , já os catarinenses suspeitaram das intenções do
“monge”, que estava cercado de paranaenses, como ele.

José Maria entrou em terras sob jurisdição paranaense com


seu bando armado. Poucos o tinham como integrante de um
movimento monarquista, mas, para o Paraná, o bando estava
ligado aos interesses catarinenses. A presença do bando armado
alarmou a população local, que temia pela sua segurança. Vários
apelos foram feitos pelos moradores de Palmas ao Governador
Carlos Cavalcanti, fazendo com que um pequeno destacamento
da Polícia Militar fosse enviado para a região.

Diante das preocupações alarmistas, o governador paranaense


resolveu mandar para Palmas o Regimento de Segurança Pública
do Paraná, sob o comando do Coronel João Gualberto Gomes
de Sá Filho, então Capitão do Exército. O “Diário da Tarde”,
de Curitiba, em 1º de outubro, publicou a manchete: “Invasão
Catarinense”.

Figura 2.3 - Embarque do Cel João Gualberto.


Fonte: O Exército na História do Brasil, EME/Odebrecht, 1998.

Unidade 2 117
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em 13 de outubro, o Regimento de Segurança Pública do


Paraná seguiu, por ferrovia, para União da Vitória, com destino
a Palmas, com um efetivo de 158 homens. Ao chegar ao destino,
acantonou para seguir em marcha no dia 15. Três dias depois,
chegando em Belo Horizonte, o Coronel João Gualberto
resolveu, com 70 homens, seguir para o sul, em direção ao Irani,
onde se encontrava José Maria, apesar da discordância de Vieira
Cavalcanti, Chefe de Polícia, que seguia junto com a tropa.

Tanto José Maria procurou o contato com Vieira Cavalcanti,


como João Gualberto procurou diálogo com o “monge”, através
de chefes políticos e fazendeiros locais. Uma carta impositiva,
escrita por João Gualberto, irritou José Maria por sentir-
se desconsiderado. De nada valeu a tentativa de acalmar os
ânimos por parte dos políticos locais. Ao serem recusadas por
José Maria, suas imposições contidas na referida carta, João
Gualberto decidiu-se pelo confronto armado partindo em
direção ao acampamento do monge. Na madrugada de 22 de
outubro, João Gualberto marchou na escuridão da noite, sem
muito cuidado para preservar a surpresa. Em determinado
ponto, fez alto e aguardou o clarear do dia, quando determinou
um reconhecimento da região. A tropa, nessa ocasião, chegou a
trocar tiros com as avançadas de José Maria.

João Gualberto ordenou à sua infantaria entrar em posição,


junto ao Banhado Grande, onde procurou instalar sua única
metralhadora, arma essa que de nada lhe serviu, pois caíra na
água quando transportada. Os homens de José Maria surgiram
em massa, iniciando um violento tiroteio e um encarniçado
combate corpo a corpo.

Durante o confronto, morreu João Gualberto, assim


como José Maria.

A violência do entrevero levou à debandada de vários soldados


bem como de alguns jagunços. Apesar de João Gualberto ser tido
como um excelente oficial, o combate do Banhado Grande foi
Também conhecido como batalha considerado um desastre, onde houve açodamento, negligência e
do Irani. menosprezo pelo valor de combate do inimigo.

118
História Militar Brasileira II

A notícia do desastre do combate do Banhado Grande levou a


população de Palmas ao desespero, temendo pela sua segurança.
Mas, em realidade, o bando de jagunços também havia sofrido
sérias perdas e retornado para Taquaruçu. Vieira Cavalcanti,
tão logo recebeu a notícia, tratou de informar ao Governador
paranaense sobre o triste acontecimento do Banhado Grande.

Chocado com os acontecimentos e sem meios disponíveis


para agir, Carlos Cavalcanti apelou para a Guarda Nacional e
para a sociedade civil. De imediato, mandou para Palmas os
200 remanescentes do Regimento de Segurança Pública sob o
comando do Tenente Fabriciano Rego Barros, Comandante do
Corpo de Bombeiros e oficial do Exército.

Em atenção ao apelo de Carlos Cavalcanti, o Presidente


Hermes da Fonseca determinou ao 5º Distrito Militar todo o
apoio ao Governo do Paraná, no que se referisse à situação de
instabilidade que se registrava na região de Palmas. Assim, foi
determinado ao Coronel Antônio Sebastião Basílio Pyrrho,
Comandante do 5º Regimento de Infantaria em Ponta Grossa,
com o reforço de um pequeno destacamento do 14º Regimento
de Cavalaria de Curitiba, que seguisse para Palmas. Eram, ao
todo, cerca de 1.000 homens. Concomitantemente, partiu de
Florianópolis o 54º Batalhão de Caçadores sob o comando do
Tenente-Coronel Duarte Aleluia Pires, reforçado por alguns
homens da polícia catarinense, em direção a Curitibanos.

Toda a região foi vasculhada pela tropa federal, sem nada


encontrar. O bando havia seguido em direção de Taquaruçu
e muitos jagunços haviam dispersado. No Banhado Grande,
apenas vestígios do violento combate. A tropa retorna aos seus
quartéis.

Em Palmas, a situação continuava tensa, com pressão sobre


Vieira Cavalcanti, que mandou abrir vários inquéritos os quais
terminaram arquivados no Cartório Criminal de Palmas. O
Capitão José de Souza Miranda, o Tenente João Busse e o
Alferes Adolphito Guimarães foram submetidos ao Conselho
de Guerra e absolvidos. O bando de jagunços, na retirada para
Taquaruçu, foi praticando depredações e pregando suas ideias
referentes à Irmandade Cabocla. Alguns procuraram se organizar
no vale do Timbó e do Canoinhas.

Unidade 2 119
Universidade do Sul de Santa Catarina

Após o desastre do Banhado Grande, o Contestado pôde viver


um período de paz relativa. O policiamento continuou a ser feito
por pequenos contingentes e tudo fazia crer que a vida voltava
à normalidade. O Governador do Paraná, Carlos Cavalcanti,
aproveitou o período de calmaria para procurar um entendimento
com os catarinenses e passou a olhar com mais atenção para a
região contestada.

Tanto Carlos Cavalcanti quanto Hercílio Luz, Governador


catarinense, defendiam uma aproximação para dar solução
definitiva para o problema de limites. Chegaram a contactar o
Ministro Lauro Müller, catarinense e colega de Escola Militar
de Carlos Cavalcanti, mas a situação de paz no Contestado era
apenas aparente.

O “monge” José Maria havia sido visto pelos videntes da


Irmandade perambulando pela região de União da Vitória e
Canoinhas. Os fiéis passaram a aguardar a sua ressurreição sob a
proteção de São Sebastião e do seu “exército celestial” que viria à
Terra para uma “guerra santa”. A notícia da presença do “monge”
era tão fantasiosa que deixou de preocupar as autoridades. Para
elas, José Maria havia sido sepultado no Banhado Grande.
Mas, no sertão, não era essa a crença. Jovens videntes tinham
visões com o “monge”, recebendo orientação a ser seguida pela
Irmandade.

Em Curitibanos, os conflitos políticos continuavam. O “coronel”


Francisco Ferreira de Albuquerque via na Irmandade um
sério perigo monarquista. Por isso, apela para Vidal Ramos,
Governador catarinense. Dizia-se preocupado com os 150
jagunços armados e adeptos da monarquia, nas proximidades
de Curitibanos. O Governo catarinense, em 11 de dezembro de
1913, alerta ao Paraná e ao Ministro do Interior quanto ao perigo
que se avizinhava. Pedia intervenção de tropas federais na região.
O Governo do Paraná, fundamentado em dispositivos jurídicos,
negava-se a aceitar a decisão do Supremo Tribunal Federal, em
relação aos problemas de limites.

Diante da situação em Curitibanos, que não considerava


um assunto ligado à disputa de limite entre os dois Estados,
Carlos Cavalcanti, Governador do Paraná, sugeriu acertar

120
História Militar Brasileira II

uma arbitragem para solucionar a disputa. Vidal Ramos via as


coisas de foma bem diferenciada e não aceitou a proposta. Os
parlamentares paranaenses e alguns catarinenses apoiaram
o Governador paranaense. O restante da bancada catarinense Como Hercílio Luz, Marcos
apoiou Vidal Ramos, mas nada ficou resolvido. Konder e Lebon Régis.

Na tentativa de pacificação do Contestado, várias


expedições foram mandadas para a região.

Em 13 de dezembro de 1913, foi mandada uma expedição


comandada pelo Capitão Esperidião, constituída por tropa
federal e pela polícia catarinense. Eram, ao todo, 110 homens.
Essa presença militar na região do Contestado alertou a
Irmandade concentrada em Taquaruçu. Esta expedição, após
pequeno combate sem resultado, retornou para Caçador.

No início de 1914, nova expedição foi organizada com base


no 54º Batalhão de Caçadores e sob o comando do Tenente-
Coronel Aleluia Pires. Sua missão foi investir sobre Taquaruçu.
O deslocamento da tropa em direção a Curitibanos não passou
despercebido pelos jagunços, que, liderados por Venuto Baiano
-- destacado malfeitor e desertor da Marinha -- preparou-se para
defender o reduto. Para isso, percorreram os arredores de Butiá
Verde com seus piquetes xucros, saqueando casas e fazendas,
roubando gado e armas encontradas.

As notícias de uma nova expedição causaram reação na opinião


pública e na imprensa, com repercussão até no Supremo Tribunal
Federal. As tentativas de diálogo com os jagunços foram
infrutíferas. Só restou a recomendação ao Tenente-Coronel
Aleluia Pires de que oferecesse um “tratamento humano aos
rebeldes”.

Em 3 de fevereiro, a expedição de Aleluia Pires partiu rumo


a Taquaruçu. As dificuldades vencidas foram grandes, pois os
caminhos eram muito difíceis. Chegando à região, em 8 de
fevereiro, após realizar um reconhecimento nos arredores, inicia-
se o bombardeio do reduto. No dia seguinte, foi desencadeado o

Unidade 2 121
Universidade do Sul de Santa Catarina

ataque que resultou na conquista de Taquaruçu. Após enterrarem


os mortos, seguiu-se o saque e o incêndio do reduto. Dos
sobreviventes jagunços, apenas os rastros. Haviam tomado outro
rumo.

Após a conquista de Taquaruçu pelas tropas, o fator místico


religioso da insurreição foi passando a influir cada vez menos nas
ações da Irmandade. O espírito religioso havia arrefecido. Já não
era mais o fator aglutinante. A influência dos malfeitores havia
crescido. Desbaratado Taquaruçu, os jagunços seguiram em
diversas direções: Curitibanos, Caraguatá, Perdizes Grandes ou
Perdizinha.

Uma curiosidade: nessa época, surgiu em Caraguatá


a menina Maria Rosa (14 anos), filha de Elias Souza,
um dos chefetes morador da Serra da Esperança.
Tornou-se um instrumento nas mãos dos “mentores da
fé”: era ela que indicava os nomes dos “comandantes
da briga” e das “rezas”, assim como os integrantes dos
piquetes de peia do gado. Escolhia os “bombeiros”
e os responsáveis pelas “formas”. Aos traidores, ela
sentenciava o fuzilamento. Acreditavam que Maria
Rosa possuía ligações com o mundo espiritual, com o
mundo de mistérios.

Nesta fase da insurreição, os jagunços eram mais arredios, mais


fanatizados e mais agressivos. Nesse período, destacou-se o
bando de Venuto Baiano, ex-funcionário da ferrovia. Seu bando
era formado, na maioria, por malfeitores foragidos da justiça,
além de outros das piores espécies.

Conquistado Taquaruçu, Aleluia Pires seguiu para Caçador, onde


recebeu ordem para suspender o ataque previsto a Caraguatá.
Deveria esperar o resultado de conversações com os insurretos,
que de nada adiantaram. Aleluia Pires teve piorado seu estado
de saúde, que não ia bem. Foi substituído pelo Tenente-Coronel
José Capitulino Freire Gameiro, que recebeu ordem para seguir
a Caraguatá, o seu objetivo. A expedição teve como base o 54º

122
História Militar Brasileira II

Batalhão de Caçadores reforçado com elementos dos 4°, 5º e 6º


Regimentos de Infantaria, de uma seção de artilharia de montanha,
uma seção de metralhadoras e um esquadrão de cavalaria.

Em 8 de março, estavam reunidos em Perdizes Grandes,


enfrentando fortes chuvas. A ordem recebida foi a de atacar
Caraguatá. Ao seguir para a região, em determinado ponto do
percurso, o guia declarou-se incompetente, alegando desconhecer
o caminho. Em realidade, havia levado a tropa em direção
totalmente fora da rota, fazendo com que ela passasse a marchar
de forma desorientada. Ao recuar, a expedição foi violentamente
atacada pelo bando de Venuto Baiano, não conseguindo
conquistar Caraguatá.

Diante da situação e da repercussão, o Comandante do Distrito


Militar decidiu organizar uma nova expedição. Dessa vez, sob
comando de um oficial general. Para essa missão foi nomeado o
General Carlos Frederico de Mesquita, um veterano de Canudos.
Recebeu 1.500 homens. Ao assumir o comando, dispensou
a tropa catarinense por estar em péssimo estado. Mesquita,
primeiramente, procura dialogar com os jagunços, mas não
obtém nenhum resultado. A presença da tropa na região levou os
jagunços a deixar Caraguatá, por não haver mais condições de
ali permanecerem. Seguiram para Tamanduá, no vale do Timbó.
Outros seguiram para o Timbozinho, mas Caraguatá continuou
sendo o objetivo principal.

Em suas ações, o General Mesquita conquistou Santa


Maria e Caraguatá, enquanto os jagunços retiravam-se
para o vale do Timbó e para a Serra do Tamanduá.

Após conquistar os seus objetivos, o General Mesquita deu por


encerrada a sua missão e dissolveu a expedição, para surpresa
de todos. Julgou que, com a destruição de Santo Antônio e
Caraguatá, os jagunços não teriam mais condições para se
concentrar. Ledo engano. Voltaram-se para Santa Maria. Em seu

Unidade 2 123
Universidade do Sul de Santa Catarina

relatório, o General Mesquita foi bem claro. Sua tropa estava sem
roupa, com vários doentes e às portas do inverno. Considerava
que não era missão das forças federais andarem à caça de
bandidos. Para ele, esta seria uma missão para tropas, para a
polícia estadual.

A retirada do General Mesquita da zona de operações pareceu


aos insurretos como sendo um sinal de fraqueza, como se fosse
uma “ação protetora de José Maria”. O Contestado voltou a
agitar-se, onde ”coronéis” procuravam resolver seus problemas
pessoais a qualquer custo. Bandos armados percorriam a região
realizando incursões ao seu bel prazer.

Foi neste período que o Major Matos Costa procurou conseguir


uma solução pacífica para o conflito, através do diálogo. Chegou
mesmo a ter um bom relacionamento com algumas lideranças,
mas isso de pouco ou nada adiantou, pois este foi um período
violento, com muitas ações por parte de bandos armados.

Foi nesse período que aconteceram dois terríveis episódios:

„„ a chacina de São João, onde morreu o Major Matos


Costa; e,

„„ a do Rio Iguaçu, onde 17 jagunços foram degolados


por um bando de vaqueanos do coronel Fabrício Vieira,
sob alegação de serem contrabandistas de armas. O que
não era correto. Houve apenas um acerto de contas em
negócio de dinheiro falso. Fabrício Vieira e o seu bando
eram bandidos a serviço do governo.

Após cumprir missão no Ceará, o General Fernando Setembrino


de Carvalho foi nomeado Comandante do 5º Distrito Militar e
da 11ª Inspetoria Militar, assim como da 2ª Brigada Estratégica.
Tal ato deu-se após entrevista do general com o Ministro da
Guerra, Ministro do Interior e o Marechal Hermes da Fonseca,
Presidente da República.

124
História Militar Brasileira II

A seguir, uma imagem do Gen Setembrino:

Figura 2.4 - Gen Setembrino de Carvalho.


Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/guerra-do-contestado/imagens/guerra-do-
contestado-8a.jpg

Setembrino seguiu para Curitiba em 9 de setembro de 1914,


tendo sua nomeação sido mal recebida não só pela imprensa, mas
também pela sociedade paranaense: temiam uma intervenção
militar no Estado. Ao chegar ao seu Quartel General, as
preocupações de Setembrino de Carvalho aumentaram, visto que
os efetivos militares estavam incompletos e havia falta de oficiais
superiores. Os problemas existentes eram tratados com descaso e
a tropa não estava adestrada para aquele tipo de combate que iria
enfrentar. Além disso, estava mal equipada.

Elaborou o seu Plano de Operações e deu ciência ao Ministro da


Guerra. Suas pretensões foram quase todas atendidas, inclusive
o reforço de mais 7.000 homens. Pesava sobre seus ombros os
insucessos das expedições anteriores e ainda tinha de aguentar
a má vontade de certos oficiais que não aceitavam esse tipo de
missão para o Exército. O que ajudava um pouco era o fato de
ambos os governadores dos Estados do Paraná e Santa Catarina
serem militares, facilitando o andamento dos entendimentos para
o acordo final da questão de limites.

Unidade 2 125
Universidade do Sul de Santa Catarina

O General Fernando Setembrino de Carvalho, sem se descuidar


das providências para colocar em execução seu Plano de
Operações, pretendeu valer-se de todos os meios para evitar mais
derramamento de sangue na região. Para isso, apelou ao Bispo
de Curitiba, D.Braga, procurando uma solução pacífica para o
problema do Contestado. D. Braga recomendou-lhe o Frei Rogério,
a quem foi atribuída a missão de procurar o contacto com os
insurretos para um diálogo que levasse a uma solução pacífica. O
frei deveria oferecer-lhes todas as garantias, se depusessem as armas.
Deveria, também, recolher as mulheres e crianças que porventura
estivessem entre eles. De nada adiantou sua tentativa; foi
escorraçado logo ao chegar ao reduto chefiado por Venuto Baiano.

Em 26 de setembro de 1914, foi distribuída aos habitantes


da região uma mensagem escrita e assinada por Setembrino
de Carvalho, fazendo um apelo pela paz e convidando os
insurretos a que se retirassem da região, armados ou não, para
onde estivessem as forças militares. Garantia-lhes os meios de
subsistência e terras, com seus respectivos títulos de propriedade;
também de nada adiantou.

De posse das informações possíveis, o General


Setembrino de Carvalho traçou seu Plano de
Operações, em linhas gerais, conforme consta da sua
Ordem do Dia nº 2, de 18 de setembro de 1914.

Decidido por uma operação de cerco, determinou a ocupação de


localidades situadas em pontos importantes, para isolar a zona
de operações, procurando impedir a comunicação dos insurretos
com o exterior. Constituiu, ainda, colunas móveis na base de um
regimento de infantaria, com o objetivo de descobrir o inimigo e
exterminá-lo.

As quatro linhas ficaram assim organizadas:

„„ Linha Norte: Rio Negro, Canoinhas e Barreiros, sob o


Comando do Coronel Júlio Cezar Gomes da Silva, logo
substituído pelo Coronel Onofre Ribeiro, contando com
o 28º e 29º Batalhão de Infantaria e com o 56º Batalhão
de Caçadores;

126
História Militar Brasileira II

„„ Linha Oeste: União da Vitória, São João, Calmon,


Rio Caçador, ponte sobre o Rio Uruguai (ferrovia),
sob o Comando do Coronel Arthur Eduardo Sócrates,
contando com o 57º Batalhão de Caçadores;

„„ Linha Sul: Campos Novos, Passa Dois, Curitibanos,


sob o Comando do Tenente-Coronel Estillac Leal,
contando com o 54º e o 58º Batalhão de Caçadores e o
9º Regimento de Cavalaria; e,

„„ Linha Leste: Itaiópolis, Papanduva, Moema, sob o


Comando do Coronel Júlio Cezar Gomes da Silva,
contando com o Batalhão Tático e mais tropa a ser
definida.

A seguir, um mapa representando o cerco:

Figura 2.5 - O cerco.


Fonte: Afonso, Eduardo J. O contestado. Ática, 1994.

Unidade 2 127
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ao ser apresentado o Plano de Operações, o Estado-Maior do


Comando das Forças em Operações passou a trabalhar com
o apoio administrativo, para não repetir Canudos. Ainda na
Ordem do Dia nº 2, foi iniciada a regulamentação desse apoio.
Foram instalados Armazéns de Campanha em Rio Negro e
União da Vitória, posteriormente mais um em Canoinhas. Eram
responsáveis pelo suprimento de todas as classes, tendo sido
regulamentados pela Ordem do Dia nº 5, de 22 de setembro. Os
transportes seriam executados pelos Esquadrões de Trem que,
além dos suprimentos, eram responsáveis pela evacuação dos
feridos e doentes.

O apoio de Saúde ficou regulamentado pelas normas e instruções


já existentes e em vigor. Instalaram-se hospitais em Rio Negro,
União da Vitória e Ponta Grossa, apoiados pelo Hospital Militar
de Curitiba. Nas Colunas Móveis, hospitais de sangue e postos
de socorro seriam instalados e operados pela Formação Sanitária
Regimental, responsável, também, pelas ambulâncias (equipes
móveis). Lamentavelmente, o grupo de médicos e farmacêuticos
era muito reduzido para o efetivo a ser apoiado.

Após a tentativa de pacificar a região do Contestado pela


persuasão, sem obtenção do resultado pretendido, Setembrino
de Carvalho resolveu dar continuidade ao seu planejamento
para desencadear a operação final de cerco, propriamente dita.
Decidiu, porém, realizar, em novembro de 1914, algumas ações
preliminares para dar mais segurança na execução de seu Plano
de Operações.

À Coluna Norte, com 1.663 homens, coube a missão de


conquistar os redutos de Paciência e de Salseiro, ao sul de
Canoinhas e ficar responsável pela defesa dessa localidade.
Procurando reforçar as suas tropas, o General Setembrino de
Carvalho obteve permissão para empregar o Regimento de
Por ter sido reorganizado como se Segurança Pública do Paraná, tudo sob protestos do Governo
fora um batalhão de infantaria, catarinense. Este batalhão passou a integrar a Coluna Leste,
recebeu a denominação de Batalhão que tinha sob a sua responsabilidade as regiões de Papanduva,
Tático.
Itaiópolis e Moema, localidades próximas dos redutos de Aleixo
Gonçalves e de Tavares.

128
História Militar Brasileira II

Após ocupar aquelas localidades, a Coluna Leste conseguiu


desalojar os insurretos, porém não realizou a perseguição,
permitindo a fuga de seus líderes. Este fato foi motivo de chacota
por parte dos chefetes insurretos. Em janeiro de 1915, Henrique
Wolland, o Alemãozinho, chegou a Papanduva acompanhado de
250 pessoas, afirmando que o fanatismo não passava de um puro
banditismo. Ao render-se, proporcionou importantes informações
a respeito da situação dos insurretos e da localização dos redutos.

Logo que assumiu o comando, o General Setembrino de


Carvalho solicitou a participação do Tenente Ricardo Kirk
para estruturar um “serviço de exploração aérea”. A extensão do
território e as dificuldades de deslocamento em terreno difícil,
contando com pouca tropa de cavalaria, inexistência de cartas e
a não confiabilidade nos vaqueanos, fez Setembrino de Carvalho
pensar no emprego da aviação militar. No entanto esta foi uma
tentativa frustrada.

Veja, a seguir, a equipe do Ten Kirk:

Figura 2.6 - Ten Kirk e uma aeronave.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Unidade 2 129
Universidade do Sul de Santa Catarina

O Tenente Kirk, acompanhado do italiano Ernesto Darioli,


seguiu para o Contestado, levando consigo quatro aviões
“Morane-Saulniers” e um “Blériot-sit”. Destes, dois foram
danificados durante o transporte ferroviário. Hangares foram
construídos em Porto União, Rio Negro e Canoinhas, enquanto
Kirk e Darioli preparavam as aeronaves para missões de
reconhecimento e de bombardeio.

Lamentavelmente, em 1º de março, ambos os pilotos decolaram


em missão de reconhecimento, enfrentando nebulosidade, ventos
fortes e frio. Darioli, preocupado, retornou ao campo, enquanto
Kirk sofreu um acidente fatal a poucos quilômetros de Porto
União, no atual município de General Carneiro, onde está
localizado um monumento em sua homenagem.

Em 9 de janeiro, o General Setembrino, na sua Ordem do Dia,


toma a decisão de desencadear a sua operação final, de cerco.

Para isso, reorganizou suas Colunas da seguinte maneira:

„„ a Coluna Norte recebeu a missão de atacar e ocupar a


Vila Nova do Timbó e os redutos à margem direita do
Rio Timbozinho, liderados por Manoel Machado. Para
isso, a tropa foi dividida em dois destacamentos;

„„ coube à Coluna Sul atacar Tamanduá e Santa Maria,


guarnecendo Curitibanos com tropa do 54º Batalhão
de Caçadores e, Santa Cecília, com o 9º Regimento de
Cavalaria;

„„ a Coluna Leste ficou responsável pelo ataque aos redutos


de Aleixo, Josephino e Marcello, no Rio da Areia;

„„ coube à Coluna Oeste garantir a segurança da ferrovia e


impedir a passagem de insurretos da zona de operações
para território de jurisdição paranaense.

Após muita luta, a Coluna Norte, munida do Destacamento


comandado pelo Capitão Tertuliano Potyguara, ocupou Vila
Nova do Timbó, em 30 de janeiro. Recebeu, então, determinação
para prosseguir em direção a Santo Antônio e Timbozinho.

130
História Militar Brasileira II

No início de fevereiro, a Coluna Leste atacou os três redutos


do Rio da Areia, destacando-se na ação o Major Chananeco
Antônio da Fontoura, os Capitães Figueira e Francellino, assim
como o médico Oliveira Viana e o farmacêutico H. Portella.

A Coluna Sul não foi tão feliz quanto as outras, na tentativa


de conquistar Santa Maria e Tamanduá: não obteve um bom
resultado. Estillac Leal teve problemas com os seus vaqueanos,
o que determinou que tivessem dificuldades na orientação. O
terreno era acidentado, prejudicando a ação da cavalaria. A
muito custo, em 7 de fevereiro a Coluna bivacou em Tapera, nas
margens do Rio Santa Maria, com o objetivo de atacar o reduto
no dia seguinte.

Ao desencadear o ataque, a Coluna enfrentou uma forte reação


por parte dos jagunços, tendo sido detidos os 57º e o 58º
Batalhão de Caçadores. Diante da situação, após ter conseguido
alguma progressão, Estillac Leal resolveu retrair para Tapera,
por medida de segurança. Não havia alternativa. O ataque foi
um insucesso, um baque para Estillac Leal e uma decepção
para Setembrino de Carvalho. Estillac, sem desanimar, decide
realizar um novo ataque no dia 2 de março: manda fazer o
reconhecimento e posiciona a sua artilharia. Para facilitar sua
operação, solicitou o apoio da aviação militar. Não sabia, ainda,
do triste fim do Tenente Ricardo Kirk e do apoio aéreo.

O desempenho da artilharia, na manhã do dia 2, não foi o


desejado por Estillac Leal. A posição ocupada pelos canhões
era impraticável e a munição estava “úmida e abalada”, no dizer
do Tenente Alzis. Somente no final da manhã, com a mudança
das posições, a artilharia conseguiu cumprir a sua missão,
desalojando os jagunços da suas trincheiras. Desencadeado o
ataque, até as 15.00h a infantaria não tinha conseguido desalojar
os jagunços abrigados nas furnas. Estillac Leal atribuiu esse
insucesso à “frouxidão” e ao moral abalado da tropa. Para
Demerval Peixoto, além da “frouxidão”, teria “havido indecisão”
por parte do comandante da Coluna.

Março estava em seus últimos dias e a Coluna Sul não conseguia


um bom resultado. Alcebíades de Miranda entendeu que a tropa
não estava em condições desejáveis para aquele tipo de combate.

Unidade 2 131
Universidade do Sul de Santa Catarina

Diante do insucesso, o General Setembrino de Carvalho


tentou ir ao Rio de Janeiro para conferenciar com o Ministro
da Guerra, mas não obteve permissão de ausentar-se da região
do conflito. Diante desse fato, mandou uma carta procurando
explicar e justificar o que ocorrera na zona de operações.
Segundo Alcebíades de Miranda, Setembrino apenas conseguira
denegrir a memória dos mortos em combate e taxar de covardes
sobreviventes. Elogiara a artilharia, mas chamara de “vacilante” a
atuação da infantaria. Sobre os seus oficiais, afirmara ao Ministro
que lhes faltara espírito de sacrifício e coragem. Aproveitara
ainda para criticar o General Ferreira de Abreu, seu antecessor
no Comando da 5ª Região Militar (antigo Distrito), afirmando
ter recebido a tropa em péssimas condições.

Após um minucioso estudo de situação, o General Setembrino


de Carvalho reuniu os seus comandantes subordinados para
discutir a reformulação do Plano de Operações. Decidiu por
uma operação de ação simultânea para atacar Santa Maria. A
proposta era realizar um cerco ao reduto, que seria comprimido
aos poucos. A Coluna Sul recebeu ordens para continuar o
assédio ao reduto, enquanto as Colunas Norte e Leste investiriam
sobre Santa Maria, simultaneamente. A Coluna Oeste manteria a
ferrovia em funcionamento.

Cerca de 7.000 homens marchavam sobre Santa Maria.

A Coluna Norte, sob o comando do Capitão Tertuliano


Potyguara, investiu contra Tamanduá e Vaca Branca, sem
encontrar resistência, e segue para bivacar em Reinchardt.
Enquanto isso, a Coluna Sul procurou sitiar Santa Maria,
tentando ganhar terreno palmo a palmo. A tropa, de moral baixo
pelos seguidos insucessos, começou a enfrentar o frio, devido à
falta de capotes e de calçados. Para agravar: a malária, a febre
tifoide e a disenteria começaram a produzir baixas, inclusive
entre os médicos. Apenas um tenente permaneceu em seu posto e
a tropa começava a dar sinais de cansaço.

132
História Militar Brasileira II

Neste momento crítico, o Exército começou a substituir os


uniformes, os equipamentos e as barracas por outros, dentro
de um novo plano. Os uniformes passaram a ser “caqui”, assim
como as barracas. Mudaram, também, a organização das
grandes unidades. A 2ª Brigada Estratégica passou a constituir
a Divisão Provisória. Algumas unidades foram extintas, outras
reorganizadas e o pessoal remanejado. Com o fluxo de suprimento
dificultado, foram instalados Armazéns de Campanha em
Calmon e no Rio Caçador. Outra dificuldade foi o efetivo de
muares e equídeos: os animais estavam estropiados e magros, não
havendo recompletamento suficiente. Os 400 homens recebidos
do Rio de Janeiro, como recompletamento, mais problemas
trouxeram do que desempenho; um bando de maus elementos que
começaram a criar problemas desde seu embarque.

Em 24 de março, Setembrino de Carvalho determinou que a


Coluna Sul, com 1.500 homens, realizasse uma ação secundária
na direção de Santa Maria. Estillac Leal procurou manter o
sítio através de bombardeio contínuo de artilharia e tentando
o contacto com a Coluna Norte em Vaca Branca, após ter
desalojado os jagunços de Caçador. Enquanto isso, Potyguara
havia iniciado sua ação, ultrapassando Tamanduá.

Em 1º de abril, a Coluna Sul chega em Reinchardt, ainda


procurando o contato com Potyguara, mas esse já havia passado
por ali e seguia em direção a Santa Maria. Estillac Leal
continuava enfrentando sérias dificuldades na sua progressão.
O desempenho das unidades não era homogêneo e a ordem era
manter a posição conquistada a qualquer custo. Sob intenso fogo
dos jagunços, já sentia os claros abertos, pois o recompletamento
não vinha sendo feito e as perdas eram grandes.

No dia 2 de abril, a Coluna Sul desencadeou um ataque sem obter


bom resultado, apesar dos obuseiros não terem dado descanso aos
jagunços. Diante da situação, Estillac Leal suspendeu o ataque
e procurou manter a posição conquistada apesar da opinião
contrária dos seus oficiais. A situação tornou-se crítica em face
do número de perdas. No dia seguinte, a tropa manteve-se em
posição, observando ao longe os rolos de fumaça que subiam
ao céu na direção de Santa Maria. Tertuliano Potyguara veio
trazendo de vencida aos jagunços, a ferro e fogo, desde o Timbó

Unidade 2 133
Universidade do Sul de Santa Catarina

até Santa Maria durante dias seguidos. Suas ações primaram


pela surpresa, rapidez, violência e liderança. Por onde passou, foi
arrasando os redutos, transformando-os em um monte de cinzas.
Ao entrar em Santa Maria, o reduto estava vazio.

Ocupado Santa Maria, foi realizado um reconhecimento


detalhado da vizinhança e organizada a segurança do
acampamento, utilizando-se de toras de imbuia e de pinheiro.
A expectativa da chegada da Coluna Sul continuava, mas esta
permanecia parada em Tapera. Os jagunços, não se dando por
vencidos, tentaram desalojar a Coluna Norte de sua posição, sem
conseguir. O combate foi violento, com muitas baixas em ambos
os lados. Dentre estas, o Tenente Médico Alexandre dos Santos
Castagnio, ferido na coxa, mas continuou cumprindo o seu dever.
Quando estava socorrendo um soldado, tombou atingido por um
tiro mortal; era o único médico da Coluna.

A situação foi-se tornando cada vez mais grave: começou a faltar


alimento e munição e o combate continuava, sem fim. Potyguara,
em última tentativa, ordena a ida de 30 soldados escolhidos do
53º Batalhão de Caçadores para tentar o contacto com a Coluna
Sul, que se encontrava em Tapera. A situação era insustentável.

Ao anoitecer, chegaram os vaqueanos do “coronel” Fabrício


Vieira, sob o comando do Capitão Salvador Pinheiro,
constituindo a vanguarda da Coluna Sul. Pouco depois, foi o
14º Batalhão de Infantaria que chegou. O grosso permaneceu
no alto da serra, a 2 km de Tapera, onde esperava a passagem
de Potyguara. No dia 5, foram chegando o 57º e 58º Batalhão
de Caçadores. Ao chegar a Tapera, Potyguara foi recebido por
Estillac Leal com o 51º Batalhão de Caçadores em forma, com
todas as honras. Houve uma recepção calorosa. Este desencontro,
esta falta de coordenação não estão bem explicados.

Terminada a campanha no dia 5 de abril, com a tomada de Santa


Maria, o Plano de Operações do General Setembrino de Carvalho
havia sido cumprido, apesar das dificuldades enfrentadas. Só
faltava a pacificação da região.

134
História Militar Brasileira II

Em 15 de maio, foi dissolvida a Divisão Provisória e extinta a


11ª Inspetoria Militar, substituída pela Circunscrição Militar do
Paraná e de Santa Catarina, sob a chefia do Coronel Sebastião
Pyrrho. Setembrino de Carvalho, em solenidade, discursou na
sacada do Palácio do Barão do Cerro Azul, sede do Comando
da Região Militar, quando foi inaugurada uma placa de bronze
alusiva à pacificação do Contestado. Esta placa foi arrancada
pelos vitoriosos da Revolução de 1930.

Algumas tentativas de bandos armados remanescentes ainda


tiveram que ser sufocadas, inclusive a da criação do Estado
das Missões. A pacificação ficou a cargo do General Carlos
Campos, novo Comandante da 5ª Região Militar. Em 6 de
janeiro de 1916, o Ministro da Guerra deu como encerradas
as ações do Exército no Contestado. Somente no dia 20 de
outubro do mesmo ano foi assinado o acordo que pôs fim às
disputas lindeiras entre o Paraná e Santa Catarina, assinado pelos
Governadores Felipe Schimidt, de Santa Catarina e Affonso
Alves de Camargo, do Paraná.

Antes de finalizarmos esta seção, veja imagens da tropa e constate a


evolução havida.

Figura 2.7 - Flagrantes da tropa.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Unidade 2 135
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 - Campanha do Acre (1899 - 1903)


Aureliano Pinto de Moura

Em meados do século XVII, a expedição de Samuel Fritz


penetrou na Amazônia, da qual resultou a primeira carta da
região, mais tarde, no ano de 1749, retificada por La Conamine.

No século seguinte, as seguintes expedições penetraram pela


floresta, explorando rios, dentre eles o Madeira e o Guaporé:

„„ Melo Palheta, em 1723;

„„ Felix da Gama, em 1742; e,

„„ Leme do Prado.

O Tratado de Madri de 1750 estabeleceu os limites entre as


terras portuguesas e espanholas na América, mas foi anulado
pelo Tratado de El Pardo, em 1761, quando as linhas lindeiras
voltaram ao que eram, segundo o Tratado de Santo Ildefonso,
de 1777. Apenas poucas alterações foram estabelecidas. As
demarcações, não definitivas, teriam o seu assentamento a
cargo de enviados especiais de cada parte, no entanto não se
concretizaram.

Assim se apresentava a linha de fronteira entre o Brasil


e a Bolívia, por ocasião da independência brasileira.

O Alto Peru tornou-se independente em 1825, como República


da Bolívia, herdando a região não demarcada. Era um território
deserto, que permanecia ignorado. Por ocasião da Guerra da
Tríplice Aliança, aproveitando-se do momento, o governo
boliviano insistiu em regularizar as linhas de fronteira. Na
oportunidade, ficou estabelecido que o traçado seria pelo paralelo
10º20´Sul, do rio Madeira ao rio Javari e, se as nascentes
estivessem mais ao norte, a reta sofreria um desvio para encontrá-
las, ressalvando possíveis povoados de ambos os países.

136
História Militar Brasileira II

Em 1867, o Tratado de Ayacucho estabeleceu como base o


princípio do Uti-possidetis, embora o que se referia ao rio Aquiri
(no Acre) estivesse redigido conforme os Tratados de Madri e de
Santo Ildefonso. Ambos os tratados fazem referência às nascentes
do rio Javari, cuja localização, até então, ninguém sabia ao certo.
Era conhecido como o rio Mistério.

O Tratado de Ayacucho deveria vigorar por seis anos, no que


se referisse à navegação, enquanto a questão de limites seria de
duração ilimitada. Mas, em 1870, há um começo de demarcação
que se levava, a efeito, até a Baía Negra. A vigência do tratado
dependeria de verificação posterior, in loco. Esta seria a condição
para plena vigência.

Em 1877, o nordeste brasileiro enfrentou um rigoroso e extenso


período de seca, reduzindo à miséria milhares de pessoas. Surge,
então, um problema social a ser resolvido com presteza. Ocorre a
ideia da migração de nordestinos para a região amazônica, onde
a borracha começava a destacar-se nas exportações brasileiras.
Os agentes dos seringalistas amazônicos forneciam-lhes as
passagens, embarcavam os retirantes nos conveses e porões, de
precários navios, como se fossem animais e com alimentação
precária. No trajeto, centenas de mortes. No final, eram
desembarcados em um barranco, à beira da floresta. Dentro de
pouco tempo, estavam instalados nas margens dos rios Madeira,
Purus, Acre, Tarauacá, Juruá, Abunã, Yacó e Beni, diante da
terra selvagem a ser desbravada.

Em 1895, foi nomeada uma comissão demarcatória encarregada


de demarcar os limites entre Brasil e Bolívia, de acordo com o
Tratado de Ayacucho, de 1867. O chefe da delegação brasileira,
o coronel Thaumaturgo de Azevedo, ao constatar a latitude da
nascente do Javari, ponto inicial da linha divisória entre os dois
países, percebeu que ficaria com a Bolívia uma grande região rica
em látex, ocupada por uma maioria de brasileiros. Thaumaturgo
denunciou o prejuízo para o Brasil daí decorrente, já que perderia
o alto rio Acre, quase todo o Iaco e o Alto Purus. No entanto
o ministro brasileiro não aceitou a argumentação do coronel
Thaumaturgo, o que o levou a demitir-se e denunciar, pela
imprensa, o grave erro da diplomacia brasileira, o que mobilizou
a opinião pública nacional.

Unidade 2 137
Universidade do Sul de Santa Catarina

As divergências surgidas fizeram com que sobressaísse o trabalho


de Thaumaturgo de Azevedo quando afirmava que não havia,
naquela região, um só palmo de terra que pudesse ser considerado
como pertencente à Bolívia, pois a linha do Madeira ao Javari,
consignada no Protocolo Carvalho-Medina, não estava até então
demarcada.

A questão tomou vulto, enquanto o governo brasileiro manteve-


se aferrado ao Tratado de 1867. Foi então nomeado novo
comissário o capitão-tenente Cunha Gomes, o qual cumpriu
literalmente as ordens da chancelaria brasileira, reconhecendo os
limites estabelecidos pelo Tratado.

Reconhecida legalmente a fronteira Brasil-Bolívia, o governo


boliviano enviou para o Alto Acre uma expedição militar
composta por 30 praças, comandada pelo Major Benigno
Gamarra. A precária situação econômica da Bolívia fez com que
o Piquete Gamarra passasse inúmeras dificuldades, inclusive
de alimentação. Apesar disso, em 12 de setembro de 1898, o
Piquete conseguiu chegar ao seringal Carmen, dirigindo-se
logo depois à vila de Xapuri, onde anunciou que fundaria uma
delegação nacional. Insatisfeitos com a nova situação, alguns
brasileiros, tendo à frente o coronel da Guarda Nacional Manuel
Felício Maciel, intimaram os bolivianos para que se retirassem
imediatamente de lá, o que acabou ocorrendo no dia 30 de
novembro de 1898.

Nova investida boliviana ocorreu no início de 1899, em 2 de


janeiro. Chegou ao Acre, por via fluvial, vindo de Manaus, com
a concordância do governo brasileiro, o ministro plenipotenciário
boliviano, Dom José Paravicini. Ele efetivamente instalou uma
aduana e um povoado denominado Puerto Alonso em terras
Homenagem ao então Presidente da do Seringal Caquetá, pouco acima da famosa Linha Cunha
Bolívia, Severo Fernandez Alonso. Gomes. Paravicini exerceu sua autoridade de forma rígida e
baixou sucessivos decretos, dentre os quais o polêmico ato de
abertura dos rios amazônicos ao comércio internacional, que
feria profundamente a soberania brasileira. Alem disso, passou
a arrecadar grandes somas com os impostos sobre a borracha,
a exigir a imediata demarcação dos seringais e a consequente
regularização das propriedades, até então registradas no estado
do Amazonas, causando temor aos habitantes dos altos rios
acreanos.

138
História Militar Brasileira II

A revolta começava a tomar corpo entre seringalistas e


seringueiros brasileiros que não se conformavam em ter
de obedecer às autoridades estrangeiras. Enquanto isso, se
multiplicavam as denúncias de violências cometidas contra
brasileiros, que sentiam-se cada vez mais ameaçados em seus
direitos. Com a partida do ministro boliviano para Belém, depois
dos c hamados “Cem dias de Paravicini”, os acreanos decidiram
se unir para lutar contra a dominação boliviana.

Em 30 de abril de 1899, à frente de numerosos seringueiros, o Dr.


José de Carvalho intimou os bolivianos a retirarem-se com todos os
elementos de governo. O governador boliviano cede, mas exige uma
intimação por escrito para se resguardar perante o governo de La
Paz. Este documento veio servir, posteriormente, para um protesto
diplomático. Os habitantes do Acre fizeram sentir à autoridade
boliviana que não iriam abrir mão da terra que povoaram.

Enquanto ocorriam esses fatos, Luiz Rodrigues Áreas descobriu


haver um acordo secreto entre a Bolívia e os Estados Unidos
da América, altamente prejudicial ao Brasil. Nesse documento,
os Estados Unidos se comprometiam a exigir do Brasil o
reconhecimento do acordo de Ayacucho, de 1867, assim como a
livre navegação pelos rios e alfândegas para os navios bolivianos.
Em caso de guerra entre o Brasil e a Bolívia, os norte-americanos
forneceriam recursos financeiros e material bélico à Bolívia, sendo
denunciado o tratado de 1867. A linha de fronteira passaria a
correr pela Boca do Acre e os demais territórios entre este ponto e
a atual ocupação seriam entregues aos norte-americanos. Residente
em Belém, Luiz Rodrigues Áreas levou estas informações ao
conhecimento dos governadores do Pará e do Amazonas.

Em 1º de maio de 1899, alguns seringalistas reunidos no seringal


Bom Destino, de Joaquim Vitor, sob a liderança do jornalista
José Carvalho, decidiram que era chegada a hora de expulsar
o delegado boliviano Moisés Santivanez, que havia substituído
Paravicini no comando de Puerto Alonso. Intimadas a partir
do Acre, as autoridades bolivianas em evidente inferioridade
numérica e militar não resistiram ao movimento revolucionário e
partiram para Manaus.

Unidade 2 139
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mesmo sem o disparo de um tiro, estava iniciada


oficialmente a Revolução Acreana com a assinatura de
um manifesto por mais de 60 proprietários de seringais
e outros profissionais que atuavam nesta região.

Para dar direção ao movimento, foi estabelecida uma Junta


Central Revolucionária. Pouco tempo depois, José Carvalho
retornou para Manaus doente de impaludismo. Luis Galvez,
então repórter em Belém, denunciou nos jornais paraenses,
no dia 03 de junho de 1899, a existência de um acordo secreto
estabelecido preliminarmente entre diplomatas da Bolívia e
dos Estados Unidos da América formalizando uma aliança
entre os dois países. Por esse acordo, em caso de guerra entre
o Brasil e a Bolívia pelo domínio do Acre, os Estados Unidos
da América apoiariam militarmente a Bolívia. A revelação
desse acordo preliminar chocou a opinião pública brasileira,
apesar das autoridades bolivianas e norte-americanas negarem
veementemente as denúncias veiculadas pelos jornais.

O governo do Amazonas organizou uma expedição encabeçada


por Galvez para impedir a expansão e o domínio boliviano.
Galvez, por sua vez, com o apoio da população, proclama o Acre
independente da Bolívia, em 14 de julho de 1899, em Empresa,
logo acima de Puerto Alonso. Os revolucionários alegaram
ao governo brasileiro que, se o Brasil não queria o Acre, eles,
brasileiros, não queriam ser bolivianos.

Do encontro de Galvez com os seringalistas da Junta


Revolucionária surgiu a intenção de se fundar o Estado
Independente do Acre, pois o governo brasileiro continuava
reconhecendo os direitos bolivianos sobre a região. Em 14 de
Data escolhida propositalmente, por julho de 1899, foi criado o Estado Independente do Acre,
se tratar do aniversário da Queda da com capital na Cidade do Acre, como passou a ser chamada
Bastilha, evento que marcou o início Puerto Alonso. Luis Galvez foi escolhido, por aclamação, como
da Revolução Francesa.
presidente do novo país e logo começou a organizar internamente
o Acre e a expedir inúmeras correspondências a diversos países
da Europa e da América, a fim de obter o reconhecimento
internacional.

140
História Militar Brasileira II

A legislação que Galvez elaborou organizava a existência do novo


país em seus diversos aspectos, desde a saúde até a educação,
passando pelas forças armadas. Porém uma parte dessas leis,
bastante avançadas para a época, prejudicava os interesses
de alguns seringalistas, mas principalmente de aviadores e
exportadores de Manaus e Belém. Com o acirramento da oposição,
Galvez foi deposto em 28 de dezembro de 1899 pelo seringalista
Antônio de Souza Braga, que assumiu a presidência do Acre.

A Bolívia, por sua vez, enviou uma nova comissão à região,


escoltada por um navio brasileiro e por uma coluna de 500
homens por terra. O navio permaneceu em Manaus, e a comissão
boliviana foi atacada por Souza Braga, que não conseguiu
controlar a situação, chamando Galvez para reassumir o cargo
em 30 de janeiro de 1900. Este passou a governar, preparando,
também, uma força brasileira para enfrentar a coluna boliviana,
que, em outubro de 1899, marchara para o Acre.

A partir desses acontecimentos e da enorme polêmica nacional


que se tornou a questão acreana, o governo federal mandou ao
Acre uma força tarefa da marinha. Em 15 março de 1900, a
flotilha brasileira chegou a Porto Acre com a missão de impedir
a revolução acreana. Galvez, que se preparava para resistir aos
bolivianos, não quis combater as forças brasileiras e cedeu,
retirando-se definitivamente da região.

Novas autoridades bolivianas apareceram em setembro com uma


coluna militar, agindo com tato e moderação. Entenderam-se
com as lideranças brasileiras, procurando conquistar a população,
mas a região continuava intranquila, com bolivianos atocaiados
ou mortos pelas doenças tropicais.

A questão do Acre cresceu na opinião pública, em particular


do norte do país. O interesse pela causa levou à confabulação
que resultou na ideia de mandar uma nova expedição para
libertar o Acre de mãos estrangeira. Jovens entusiasmados,
sem experiência, mais levados pelo sentimento cívico, criaram
a Expedição Floriano Peixoto e se prepararam para a ação. Na
véspera da partida, em fins de novembro de 1900, os revoltosos
capturaram a lancha militar boliviana “Alonso”, trocaram seu
nome para “Rui Barbosa” e a incorporaram à sua expedição.

Unidade 2 141
Universidade do Sul de Santa Catarina

Fretaram a gaiola “Solimões”, embarcando nela o material bélico


facilitado pelo governo amazonense, inclusive um canhão.

A “Solimões” subiu o rio com aqueles jovens idealistas e


inexperientes, sem uma liderança sequer; preocupados, trataram
de escolher alguém para chefiá-los. Surgiu o nome de Plácido
de Castro, agrimensor gaúcho, veterano da Revolução de 1893 e
que teria frequentado as Escolas Militares de Rio Pardo e Porto
Alegre, mas não sabiam onde encontrá-lo. Dissera-se que estava
na região do Purus. Ao término da viagem, encontraram-no
próximo a essa região, convalescendo de beribéri. Plácido de
Castro recusou a proposta, mas indicou Rodrigo de Carvalho,
que foi aclamado Presidente do Estado Independente do Acre,
tendo como comandante-em-chefe da expedição Orlando
Correia Lopes.

Levando atrás de si vários barcos, não foi permitida a passagem


da expedição, tendo em vista o bloqueio instaurado para evitar o
carregamento de mercadorias aos bolivianos. Os expedicionários
não podiam esperar mais dois dias para que chegasse o
restante da tropa. Resolveram, então, cheios de impetuosidade,
desencadear um ataque com apenas 200 homens que já haviam
chegado, apoiados pelo canhão e uma metralhadora. No povoado
boliviano, o ambiente era tenso: não eram os expedicionários
que preocupavam, mas a fome. Houve quem sugerisse evacuar o
Acre, mas a maioria resolveu resistir.

O avanço expedicionário foi o caos.

Atravessaram florestas e igarapés inundados. Com dificuldade


para transportar o canhão, a metralhadora enterrava-se no lodo
e a munição molhou-se, atingida pela lama. Perto de Puerto
Alonso, em 24 de dezembro, os expedicionários entraram em
posição e iniciaram o ataque. Corre-corre no povoado, sob o
troar do canhão e o ruído da fuzilaria. Rui Barbosa desencadeou
uma cerrada cortina de fogo em apoio às tropas atacantes, que
aguardavam o momento para o ataque final.

142
História Militar Brasileira II

O efetivo boliviano contava com militares experientes. Em uma


incursão ousada, o tenente Salazar silenciou o canhão brasileiro.
Os expedicionários esmoreceram, e Rodrigo de Carvalho
retirou-se do campo de batalha. Os bolivianos, aproveitando um
momento de indecisão dos expedicionários, contra-atacaram,
colocando os brasileiros em retirada, abandonando os petrechos,
inclusive o canhão e a metralhadora. Os bolivianos alcançaram
a vitória, mas não resistiam à fome. Três dias depois, o delegado
boliviano D. André Munhoz rendeu-se. Entre os brasileiros, a
discórdia. Acusavam-se mutuamente, e pedidos de demissão se
sucediam, enquanto a expedição se desagregava.

O coronel Avelino Chaves assume o comando das tropas no


Acre, mas nada encontrou para comandar, posto o agravamento
da indisciplina, do desânimo e do desejo de retorno a Manaus.
Os comandantes das gaiolas estavam parados por causa do
bloqueio; mandaram um ultimato aos expedicionários, em 25 de
dezembro, e foram atendidos, mas, em Puerto Alonso, a situação
se agravara. Faminta, ao ouvir o barulho das gaiolas, a guarnição
boliviana entrou em posição para o último sacrifício. Ordens de
defesa foram expedidas. Já amanhecendo, conseguiram distinguir
a gaiola Rio Afuá, com uma bandeira branca e com gritos de
“Viva a Bolívia”. Salvou-se por pouco o domínio boliviano.

Com a derrota da expedição, os ânimos se acalmaram


por algum tempo, e os acreanos, que vinham fazendo
emboscadas no interior, guardaram as suas armas.

O governo boliviano reassumiu o controle do Acre, ocupando


militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas,
com o firme objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou
uma expedição armada. Porém a Expedição Floriano Peixoto,
como era oficialmente chamada, foi composta por boêmios e
profissionais liberais de Manaus, sem nenhuma experiência
militar. O combate entre a Expedição dos Poetas – nome mais
popular da iniciativa – e o exército boliviano aconteceu em 29 de
dezembro de 1900, em Puerto Alonso, com a derrota dos poetas.
Os boêmios voltaram corridos para Manaus.

Unidade 2 143
Universidade do Sul de Santa Catarina

Finalmente, depois de tantos boatos e denúncias, em 11 de julho


de 1901 foi assinado pela Bolívia o contrato de arrendamento
do Acre com um sindicato formado por capitalistas norte-
americanos e ingleses. Logo depois disso, chegou ao Acre D.
Lino Romero, autoridade boliviana encarregada de preparar o
Acre para o estabelecimento do Bolivian Syndicate, que estava
previsto para ser instalado em 02 de abril de 1902. Essa notícia
repercutiu como uma bomba junto à opinião pública e aos meios
políticos nacionais. O Bolivian Syndicate representava uma
ameaça concreta e grave à soberania brasileira sobre a Amazônia.
Isso forçou o governo federal a finalmente se posicionar
na questão acreana, impedindo a efetiva instalação dessa
Companhia Comercial. A manobra impediu que o imperialismo
norte-americano assumisse o controle territorial e militar,
inclusive, de uma das regiões mais ricas da Amazônia.

A Bolívia, com o conflito no Acre, ficou em situação precária,


precisando de recursos financeiros. Imaginou arrendar o território
para alguma empresa que explorasse a borracha e oferecesse lucro
para a nação, desgastada, e a ajudasse a manter a soberania na
região. Apelou ao The Bolivian Syndicate, norte-americano, mas
com interesses ingleses.

O contrato de arrendamento foi assinado em 11 de junho de


1901. O Syndicate adquiriu o direito de administrar o Acre e
manter uma força armada, dando 60% da renda. Houve, na
Bolívia, quem condenasse o contrato. Poderiam até criar uma
nova nação no Acre ou dominar completamente a Bolívia.
Estados Unidos da América e Grã-Bretanha tinham interesse
em controlar as fontes de borracha. Brasil e Peru decidiram
desacreditar o acordo, enfrentando a diplomacia norte-americana.

Os jornais anunciavam o arrendamento do Acre ao Bolivian


Syndicate: uma completa espoliação aos acreanos. Os Estados
Unidos da América abriam caminho para a navegação dos seus
navios em nossos rios. Qualquer reação brasileira justificaria o
emprego de força militar norte-americana. Começava a guerra.
33 homens do seringueiro José Galdino investiram de surpresa,
em 6 de agosto, iniciando pelo Xapuri, onde foi declarada a
independência do Acre. Fora fácil a conquista da vila, mas não
chegava a ser uma vitória militar.

144
História Militar Brasileira II

Plácido de Castro passou a percorrer a região, rio abaixo,


procurando voluntários para libertar o Acre. A Bolívia manda o
coronel Rojas a frente de um batalhão à região. Plácido de Castro
recrutava sertanejos rijos, afeitos à selva e ao manejo das armas
e transformava-os rapidamente em um exército guerreiro, coeso
e com experiência de selva. No retorno, tomou conhecimento de
que o coronel Rojas aproximava-se. Partiu imediatamente, com 70
homens de que dispunha para destruir o inimigo em emboscada,
ocorrida no dia 18 de setembro. A tropa boliviana marchara toda
a noite guiada por um dos traidores que havia sido libertado.

Os acreanos foram surpreendidos pela emboscada, mas


agruparam-se e responderam ao fogo. Plácido de Castro
procurava estender a sua linha de frente para não se tornarem
alvos fáceis. Cada homem só dispunha de 50 tiros. Aguentaram o
fogo boliviano por uma hora, quando terminou a munição. Nada
mais restou do que a ordem de retirada. Entre os acreanos, 22
mortos e 10 feridos. Os bolivianos não se arriscaram a perseguir
os acreanos na selva, onde teriam dificuldade de orientação. Ao
contrário dos acreanos acostumados à selva, os bolivianos tiveram
10 mortos e 8 feridos.

A vitória trouxe ao coronel Rojas a certeza de uma


insurreição em Xapuri.

As tropas acreanas se reorganizaram, recebendo várias adesões.


Passaram a usar um uniforme escuro e ocultar insígnias de
oficiais, pois a luta na selva é a curta distância. O problema de
Plácido de Castro era a escassez de munição e víveres.

Foram organizados quatro batalhões:

„„ Novo Destino (150 homens);

„„ Pelotas (100 homens);

„„ Acreano (300 homens); e,

„„ o Xapuri (300 homens).

Unidade 2 145
Universidade do Sul de Santa Catarina

O armamento era Winchester 44 e armas de caça. Cada homem


com 60 tiros. Os bolivianos estavam armados com fuzis Mauser
(argentino) e tinham uma vanguarda de 340 homens e mais 500
no Abunã. Não tendo como prosseguir para Puerto Acre, Rojas
permaneceu em Vila da Empresa.

Em 2 de outubro, os comandantes de batalhão aclamaram


Plácido de Castro general do Exército do Acre, o que não foi
aceito por ele, na medida em que considerava péssimo precedente
a promoção por aclamação.

Enquanto os acreanos se preparavam, os bolivianos aterrorizavam


os seringais com o que chamavam de correrias. Em sua
primeira ação, no seringal Telheiros, que estava fortificado por
orientação de Plácido de Castro, os bolivianos aprisionaram sete
acreanos, que foram fuzilados. Os demais seringueiros fugiram
para a selva. Na segunda vez, foram detectados pela sentinela
acreana. Sem estarem acostumados à selva, começaram a atirar
desordenadamente. Ao atravessarem uma clareira para assaltar
um barracão, expuseram-se ao fogo certeiro dos acreanos,
entrincheirados em torno da casa. Muitos foram os bolivianos
mortos. O coronel Causeco, comandante da operação, foi alvo de
grandes críticas; seu fracasso fez com que um inquérito militar
fosse aberto em La Paz.

Em Puerto Acre, a guarnição se concentrou na fortificação da


localidade, barrando o trânsito no rio. Em Volta de Empresa,
iniciaram um ataque às tropas do coronel Rojas, no dia 5 de
outubro, mas os bolivianos tiveram tempo para fortificar o local,
usando, inclusive, arame farpado. Transformaram a gaiola Rio
Afuá, que estava encalhada, em um fortim.

O ataque iniciou pela madrugada, em um cenário de selva,


onde os nordestinos, sem experiência de guerra, tentaram
uma arremetida direta da posição boliviana. As primeiras
trincheiras foram tomadas à arma branca e os primeiros
sucessos entusiasmavam os seringueiros. Mas os bolivianos,
bem comandados e abrigados, respondiam ao fogo abrindo
claros entre os atacantes. A noite serviu para enterrar os mortos
e evacuar os feridos para um hospital de emergência, em
ponto abrigado. Plácido de Castro precisava poupar munição

146
História Militar Brasileira II

e transformar o nordestino barulhento de fogo cerrado em um


soldado astuto, de tiro avaro, ajustado, de um caçador veterano.

Dois dias depois do ataque, uma equipe de acreanos capturou a


gaiola encalhada e passou a impedir que os bolivianos tivessem
acesso à água, no rio. Sitiados, os bolivianos suportavam com
dificuldade a situação. Aproveitando-se, Plácido de Castro
propôs rendição, que não foi aceita pelo comandante boliviano.
Um dos desertores da tropa acreana, que serviu de guia aos
bolivianos no primeiro combate, levando à morte vários
brasileiros, foi mandado fuzilar. Esta não foi a única execução.

Chegaram até Plácido de Castro notícias de incursões


bolivianas no Baixo-Acre. Industriais de borracha bolivianos
estavam armando índios mansos e atacando seringais e
povoações brasileiras, fuzilando barbaramente quantas pessoas
encontrassem. Plácido de Castro preparou-se para o assalto
final, mas fez uma última tentativa para evitar o combate. Em
14 de outubro, mandou um oficial boliviano prisioneiro, para
propor a rendição que evitaria o derramamento de sangue
inútil, já que não havia qualquer chance de êxito para a tropa
boliviana. Passado algum tempo, surgiram bandeiras brancas no
acampamento boliviano. Plácido de Castro não aceitou a espada
do comandante boliviano, que, com um aperto de mão, pediu que
ele a guardasse, não como um troféu, mas como uma lembrança
de um amigo.

Os soldados bolivianos casados foram libertados e mandados de


volta para a casa; os demais seguiram para Manaus. O delegado
boliviano, D. Lino Romero, pediu que um dos soldados levasse
duas cartas para La Paz: uma para sua esposa e outra, para o
Presidente Pando. Nesta, procurou mostrar ao Presidente a
inutilidade em permanecer no Acre, onde o clima era de difícil
adaptação e um território cheio de brasileiros, seus desbravadores;
sugeriu um honroso acordo equitativo ou de troca de território.

O governo boliviano não poderia dar atenção a este apelo,


pois tinha compromissos com o Syndicate. Convencidos por
proprietários bolivianos interessados na presença do Syndicate,
mobilizavam seus caboclos e índios mansos, colocando um
rifle em suas mãos. E começaram a fazer sair os seringueiros
brasileiros.

Unidade 2 147
Universidade do Sul de Santa Catarina

Era o início da guerra.

Figura 2.8 - Campanha do Acre.


Fonte: História do Exército Brasileiro, EME, 1972, Vol 2, p. 760.

As notícias que chegavam ao exército acreano eram


aterrorizantes. Xapuri, ameaçada de assalto por 800 caboclos,
preparava-se para a resistência desesperada. Esses caboclos já
haviam atacado o povoado de Carmem, destruindo totalmente
a força acreana de 53 homens, fuzilando todos os feridos e
prisioneiros.

Plácido sentiu a necessidade de passar à ofensiva. Precisava


levar a guerra até Bolívia e destruir os celeiros do inimigo no
rio Orton. Puerto Acre permaneceria apenas em vigilância. A
tropa acreana prosseguiu até o Abunã, onde se defrontou, em 7
de novembro, com tropas irregulares bolivianas em Santa Rosa,
território boliviano. No dia seguinte pela manhã, os acreanos
atravessaram o rio, enfrentando cerrado tiroteio onde estavam
localizadas as linhas bolivianas atrás de sólidos parapeitos
de borracha. A luta durou cinco horas, até que os bolivianos

148
História Militar Brasileira II

dispersaram-se para dentro da selva. Tudo terminou com um


incêndio de todas as casas do povoado.

Três dias depois, Plácido de Castro marchou com 400 homens


em direção a Palestina, no interior da Bolívia, sobre o rio Orton.
Com isso, esperava atrair as tropas que guarneciam Puerto
Acre para emboscada e destruí-la Sua intenção foi frustrada.
Seus oficiais pediram para que ele não mais penetrasse em
território boliviano. Plácido de Castro, então, retrocedeu até o rio
Tuamano em operação de limpeza, destruindo o remanescente
de guerrilheiros bolivianos e, daí, retornou com urgência,
objetivando capturar Puerto Acre antes de receber reforço, com o
fim da seca.

No dia 14 de janeiro de 1903, iniciou-se o ataque a


Puerto Acre.

Diante dos fracassos anteriores e da indecisão do governo


federal, os seringalistas, insatisfeitos com a dominação
boliviana e temerosos com as consequências do Bolivian
Syndicate, articularam uma nova revolta. Outra vez receberam
financiamento do governo do Amazonas, para cujo comando
foi convidado um homem com experiência militar: Plácido de
Castro que, ao assumir a revolução, preparou um exército de
seringueiros, embora os oficiais fossem todos seringalistas, e
começou a luta em 6 de agosto de 1902, em Xapuri.

A guerra entre o exército acreano e as forças regulares bolivianas


foi dura e passou por momentos sangrentos, até 24 de janeiro de
1903, quando foi tomada Puerto Alonso, transformada em Porto
Acre. Mais uma vez foi declarado o Estado Independente do
Acre, embora o objetivo final dos acreanos continuasse sendo o
de obter a anexação do Acre ao Brasil.

A mudança na presidência brasileira foi marcada por uma nova


postura do governo brasileiro em relação ao Acre. Enquanto
Campos Sales (1898/1902) não quis envolver a problemática
República Brasileira na questão acreana, o novo Presidente
Rodrigues Alves (1902/1906) estabeleceu uma política oposta.

Unidade 2 149
Universidade do Sul de Santa Catarina

Rio Branco, nomeado ministro das Relações Exteriores, iniciou


as negociações com a Bolívia.

As questões foram resolvidas com o estabelecimento do Tratado


de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903. De acordo com este
tratado, o Acre passou a fazer parte do Brasil, restando ainda o
problema com o Peru, que só seria definitivamente resolvido em 8
de setembro de 1909, com a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro.

O sítio durou cinco dias, sob intensa chuva, que encharcava as


trincheiras. Os brasileiros aproveitavam a escuridão da noite
para avançarem e abrirem novas sapas. Dois batalhões bolivianos
defendiam-se como podiam. Plácido de Castro procurava conter
os seringueiros, que estavam propensos a um ataque à arma
branca, quando veio de Puerto Acre a notícia de paz, no momento
em que subia a bandeira branca nas trincheiras bolivianas. Os
bolivianos formaram frente aos acreanos, prestando continência,
enquanto um soldado arriava a sua bandeira tricolor. Momento de
grande emoção entre vencedores e vencidos.

Foram 171 dias de guerra nos quais os seringueiros se


organizaram, derrotaram o exército boliviano, criando um
estado e afastando de vez o Bolivian Syndicate. Enquanto, no
Brasil, a repercussão foi de entusiasmo pela conquista acreana,
na Bolívia houve um verdadeiro clamor público negativo, pelo
desastre militar liderado pelo general Manuel Pando, Presidente
da República. À frente da chancelaria brasileira estava Rio
Branco, que sentiu a situação gravíssima em relação à Amazônia
brasileira. Em sua atuação, conseguiu negociar com o governo
boliviano um bom relacionamento, no qual o Brasil ocuparia
militarmente a área até a solução final.

Na chegada das tropas brasileiras, os acreanos invadiram o


território boliviano, barrando os passos do general Pando e
sustentando um combate de quatro dias. Plácido de Castro
recebeu, então, um expediente do general brasileiro Olímpio da
Silveira, pedindo a cessação das hostilidades. O mesmo foi feito
para o general Pando. Terminaram, assim, as hostilidades. A

150
História Militar Brasileira II

partir deste momento, as forças brasileiras passaram a manter a


situação no Acre, mas o relacionamento entre o general Olímpio
e os acreanos não foi dos melhores. Os acreanos, para evitar um
choque com o comando brasileiro, licenciaram o seu exército, que
permaneceria de sobreaviso, prontos a reagirem caso o território
fosse devolvido aos bolivianos.
Neste, houve um acordo das
O que os acreanos mais queriam, na realidade, era continuar duas nações; o Brasil incor-
brasileiros. Em face dos desencontros, o general Olímpio acabou porou 191.000km² e cedeu
repreendido e afastado do seu comando. Ao seu substituto, foram 2.300km², além de receber
dadas ordens para reorganizar o exército acreano, mas isso não foi compensações em dinheiro
necessário, pois a diplomacia já havia consolidado as conquistas ou em obras, como a Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré,
acreanas, que custaram cem mil vidas. O ideal acreano foi em 17 de novembro de 1903.
consolidado no Tratado de Petrópolis. O restante da questão foi
resolvido com o Peru, pelo Tratado do Rio de Janeiro de 1909.

Para saber mais sobre as questões discutidas nesta


seção, leia “A Epopeia do Acre” de Roberto Gama e
Silva.

Seção 4 - Participação do Brasil na Primeira Guerra


Mundial
Aureliano Pinto de Moura
Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

Antes de cuidarmos da participação do Brasil na 1ª


Guerra Mundial, leia na midiateca uma pesquisa
analisando os relatórios dos Ministros da Guerra -
Generais Argolo e Caetano de Farias - no início do
século XX.

Unidade 2 151
Universidade do Sul de Santa Catarina

Verifica-se que houve um enorme esforço de reorganização e


reequipamento, com excelente resultado em relação à última
década do século XIX, mas ainda muito aquém do necessário
desejado, devido à limitação de recursos que iria agravar-se com a
guerra de 1914-1918.

4.1 - O Brasil na 1ª Guerra Mundial


Em 28 de junho de 1914, foi assassinado em Saraievo, Bósnia, o
arquiduque Francisco Ferdinando, príncipe herdeiro do Império
Austro-Húngaro. Episódio apontado como uma das causas da
1ª Guerra Mundial. Em realidade, apenas a gota d’água, mas
a honra dos Habsburgo fora ferida. Naquele verão, a sociedade
europeia vivia “La Belle Époque”, uma grande ilusão de paz
mundial, sem perspectivas de guerra. Na realidade, a Europa
mantinha-se em uma situação de “paz armada”, na qual as
grandes nações europeias trabalhavam em seus planos de guerra.

A expansão dos impérios ultramarinos, com a emigração de 26


milhões de seres humanos para a América e Oceania, entre 1880
e 1910, fez aumentar o comércio de bens de consumo naquelas
terras e a necessidade de matérias-primas para o parque industrial
das metrópoles europeias.

A disputa de mercado e a manutenção de suas áreas de influência


levavam as grandes nações europeias a uma competição sem
precedentes, marcada por alianças políticas e militares e por,
acordos e tratados secretos.. Era a luta pela manutenção do
império colonial e áreas de influência e a procura do equilíbrio de
poder.

A Alemanha, que havia chegado tarde à revolução industrial e


à partição colonial, após a queda de Bismarck empenhou-se em
transformar-se em uma potência mundial, para posicionar-se
ao nível de britânicos e franceses. Ao ser assassinado o príncipe
herdeiro austro-húngaro, toda a culpa foi dirigida ao pequeno
reino da Sérvia. O apoio da Rússia à Sérvia, os acordos entre a
França e a Rússia e o apoio alemão à Áustria acabaram levando a
Europa a uma guerra total e mundial. Com a invasão da Bélgica

152
História Militar Brasileira II

no dia 4 de agosto de 1914, a Grã-Bretanha, como fiadora


da independência belga, de acordo com o Tratado de 1839,
envolveu-se no conflito, ao lado da França.

Diante da catástrofe que se avizinhava, o Presidente Hermes


da Fonseca decidiu manter a neutralidade brasileira, embora
apresentasse à Alemanha um protesto contra a invasão
da Bélgica. No mesmo dia 4 de agosto, o Brasil proibiu o
atracamento de navios de guerra em portos brasileiros, assim
como o recrutamento de pessoal para luta no exterior. Da mesma
forma, foram vedados:

„„ o armamento de navios corsários;

„„ exportação de material de guerra;

„„ instalações de estações de rádio de apoio à nações


beligerantes, inclusive de rádio-telegrafia.

Outros decretos complementaram essas decisões.

Em função desses acontecimentos, 45 navios mercantes de nações


da Europa Central foram internados em portos brasileiros,
inclusive a canhoneira “Eber”, que havia transferido, ilegalmente,
o seu armamento e maioria da tripulação para outro navio nas
águas brasileiras da Ilha Trindade. Este fato levou o governo
brasileiro a instalar, em 1916 e naquela ilha, uma guarnição
militar.

A situação militar do Brasil, nesta época, não era das


melhores.

Em 1910, aproveitando o comércio da borracha, haviam


sido comprados dois encouraçados, dois cruzadores e 10
contratorpedeiros, além de 400.000 fuzis Mauser (1905 e 1910),
212 canhões e centenas de metralhadoras. Mas isso não foi
suficiente para atender as necessidades. Além do mais, os nossos
navios não estavam preparados para a guerra antissubmarino.

Unidade 2 153
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em 3 de maio de 1916, foi afundado o mercante “Rio Branco”


em águas restritas, operando a serviço da Inglaterra com uma
tripulação quase toda norueguesa. A partir de 13 de fevereiro
de 1917, o Almirante Tirpz autorizou aos submarinos alemães
afundarem todo e qualquer navio que entrasse na área de
bloqueio, sem cumprir as formalidades de vistoria.

Lauro Müller, Ministro do Exterior do Brasil, com apoio de nações


sul-americanas, tomou uma posição firme contra a atitude alemã. Isso
levou a um protesto alemão, através de um ofício e de uma notificação
que estabeleciam o bloqueio a partir de 31 de janeiro de 1917. O
governo brasileiro protestou, apelando para os princípios reconhecidos
pelo Direito Internacional, reconhecido pelo Brasil e pela Alemanha.
Este protesto foi simplesmente ignorado pelo governo alemão.

No dia 3 de abril de 1917, às 23h30min, no Canal da Mancha,


a 10 milhas do Cabo Basfleur (França), foi torpedeado o navio
mercante “Paraná”, que navegava com luzes acesas, bandeira
nacional içada e com “Brasil” escrito nas laterais do seu casco.
Tudo de conformidade com as leis internacionais referentes à
neutralidade. Após o torpedo, o submarino emergiu e disparou
cinco vezes o seu canhão, sem prestar o mínimo auxílio aos
náufragos do navio brasileiro. Em 11 de abril, o Brasil rompeu
relações diplomáticas com a Alemanha e devolveu os passaportes
dos funcionários alemães em serviço no País. Além disso, tomou
posse dos navios mercantes alemães, surtos nos portos brasileiros,
mas as ações dos submarinos alemães continuaram.

A decisão do governo, considerada moderada, provocou protes-


tos do povo brasileiro, pedindo a guerra. Em um discurso in-
flamado, Rui Barbosa pede a declaração de guerra. Wenceslau
Brás, Presidente do Brasil, abriu os portos nacionais para todas as
nações aliadas, inclusive permitindo a visita de quatro encour-
açados norte-americanos. Abertos os portos, navios brasileiros
passaram a patrulhar o Atlântico Sul. O comportamento alemão
levou Wenceslau Brás a enviar ao Congresso Nacional proposta
da declaração de estado de guerra com o Império Alemão. Esta
mensagem foi prontamente aprovada pelos congressistas, no
dia 26 de outubro.

154
História Militar Brasileira II

Diante dos fatos, foi criada a Divisão Naval em Operações de


Guerra (DNOG) e declarado “estado de sítio” no Rio de Janeiro,
São Paulo e nos três Estados do Sul. Em 7 de maio de 1918, a
DNOG seguiu para atuar em mares europeus, incorporando-se,
em Gibraltar, à Esquadra Britânica.

Já havia seguido, também para a Inglaterra, em 18 de janeiro,


um grupo de aviadores navais, para treinamento e missões de
combate junto à Real Força Aérea britânica. Foram oito oficiais
da Marinha e um do Exército. Além desses, alguns outros
aviadores brasileiros chegaram a servir em unidades francesas
e britânicas, participando de missões de guerra, onde alguns
perderam a vida.

Vários oficiais do Exército Brasileiro foram mandados para a


França como observadores. Alguns, devidamente autorizados,
integraram regimentos do Exército Francês e entraram em
combate. Muitos deles receberam citações em Ordem do Dia e
alguns foram condecorados.

O caso mais famoso foi o do Tenente José Pessoa


Cavalcanti de Albuquerque, que comandou pelotões
de cavalaria de três regimentos diferentes, sendo que,
no 504º Regimento de Dragões, chegou a comandar
uma subunidade equipada com carros de combate
Renault FT-17.

Esta experiência do Tenente José Pessoa influiu para que o Brasil,


após a guerra, adquirisse os primeiros carros blindados ao nosso
Exército. Foram adquiridos doze carros Renault FT-17, com
adaptações solicitadas e corrigidos alguns itens, por sugestão do
tenente. Essa companhia de carros foi colocada sob o comando
de José Pessoa, que, por todos os méritos, hoje é conhecido como
o “pai da força blindada brasileira”.

Em 16 de agosto de 1918, partiu da Praça Mauá, rumo à Europa,


a Missão Médica Militar Brasileira (MMMB), para atuar na
França. Foi a maneira com que o Brasil procurou, de forma mais
ativa, lutar pela causa aliada. O País não podia ficar indiferente,

Unidade 2 155
Universidade do Sul de Santa Catarina

assistindo ao sacrifício de outros povos que combatiam a


agressão, a qual, de alguma forma, também nos atingiu. A
MMMB seguiu para a França, sob a Chefia do coronel em
comissão Nabuco de Gouveia, professor ilustre e Diretor do
Hospital da Gamboa. Com ele, seguiram:

„„ dez tenentes-coronéis médicos;

„„ vinte capitães médicos;

„„ vinte e nove 1ºs tenentes médicos;

„„ oito 2ºs tenentes médicos; e,

„„ quinze doutorandos de medicina. Destes, cinco eram


oficiais do Exército e seis da Marinha. Os demais eram
civis, comissionados oficiais do Exército.

„„ alguns farmacêuticos; e,

„„ intendentes.

Completavam o efetivo trinta e um praças, muitos voluntários.

Após 36 dias, em 24 de setembro, a MMMB desembarcou em


Marselha, seguindo para Paris. Em lá chegando, os brasileiros
receberam a missão de auxiliar no combate à epidemia de gripe
espanhola na capital francesa. A atuação brasileira foi alvo de
elogio do Ministro da Saúde Pública da França e recebeu a
condecoração Reconaissance Française. Alguns dos integrantes
da MMMB levaram mais tempo até chegarem a solo francês.
Haviam sido deixados no hospital africano Oran, acometidos de
gripe espanhola.

Enquanto alguns médicos foram mandados para o interior da


França, em missões de saúde pública, outros, em Paris, sob as
ordens do Coronel Nabuco de Gouveia, foram trabalhar na
instalação do Hospital Militar Brasileiro (HMB), em um antigo
convento jesuíta, na rua Vaugirard, em Paris. Ao término dos
trabalhos, quatro médicos brasileiros foram agraciados com a
Legião de Honra da França. Nabuco não foi contemplado com
essa honraria, por já ser portador dessa comenda. O HMB, de

156
História Militar Brasileira II

imediato, foi classificado pelo General Fevrier, Inspetor Sanitário


Regional, como sendo de 1ª classe, em condições de receber
feridos. O HMB igualava-se ao hospital norte-americano de
Neuilly. A partir da visita do General Roger, Chefe do Serviço de
Saúde, na Praça de Paris, o HMB passou a receber grandes feridos.

Em Paris, já existia outro hospital onde alguns médicos


brasileiros atuavam. Era o Hospital Franco-Brasileiro,
mantido pela colônia, situado na rua La Pome e dirigido
pelo jovem médico Paulo do Rio Branco, filho do nosso
chanceler.

Terminada a guerra, o HMB, a partir de fevereiro de 1919,


ficou sob os cuidados dos médicos militares, do Exército e da
Marinha, sob a direção do Coronel Médico Rodrigo de Araújo
Aragão Bulcão. Em julho do mesmo ano, o hospital foi doado
à Faculdade de Medicina de Paris. No défilé de la Victoire,
desfraldando nossa bandeira, lá estava o contingente do HMB.
Hoje, apenas uma placa de bronze enfeita a fachada do prédio da
rua Vaugirar, onde se pode ler Hôpital Brésilien.

A seguir, uma imagem da equipe médica neste período, junto ao


presidente da República:

Figura 2.9 - Missão médica com o Presidente da República.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Unidade 2 157
Universidade do Sul de Santa Catarina

4.2 - A Marinha do Brasil na Primeira Guerra Mundial


A disposição do Brasil em manter-se neutro no conflito foi
evidenciada desde o primeiro minuto de combates na Europa,
em 1914. Naqueles dias conturbados, prevalecia no país uma
tendência natural de simpatia a favor dos aliados, principalmente
porque a elite nacional via na educação e na cultura francesas seus
principais paradigmas. A neutralidade foi a marca brasileira nos
três primeiros anos de guerra, mesmo quando Portugal foi a ela
arrastado em março de 1916.

O bloqueio sem restrições, firmado pelo governo alemão em 31


de janeiro de 1917, trouxe não só mal-estar a todos os neutros,
mas também preocupação ao Governo brasileiro, que dependia
fundamentalmente do mar para escoar a produção de café à
Europa e aos Estados Unidos da Anérica, nossos principais
compradores. Ademais, importávamos muitos produtos da
Inglaterra que, naquela altura, lutava desesperadamente nos
campos franceses e enfrentava com preocupação os ataques dos
submarinos alemães a seu tráfego marítimo.

O Brasil apresentou, inicialmente, seu protesto formal à


Alemanha, sendo logo depois obrigado a romper relações
comerciais com aquele país, mantendo-se, contudo, ainda na
mais rigorosa neutralidade. O que veio a modificar a atitude
brasileira foi o afundamento do navio mercante Paraná ao largo
de Barfleur na França, apesar de ostentar a palavra “Brasil” no
costado e a Bandeira Nacional içada no mastro, como narrado
na seção anteriormente. Naquela oportunidade, a população, na
capital Rio de Janeiro, atacou firmas comerciais alemãs, criando
grande desconforto para o governo de Wenceslau Braz.
O Presidente Wenceslau Braz assu-
miu o governo em 15 de novembro Seguiu-se, então, o rompimento das relações diplomáticas com
de 1914 e o transferiu quatro anos o governo alemão, em 11 de abril de 1917. Um fato importante
depois ao Vice-Presidente Delfim que influiu também na decisão do rompimento de relações com
Moreira, que substituiu o titular
o Império Alemão foi a atitude de protesto dos Estados Unidos
Rodrigues Alves, doente, o qual
viria a falecer pouco tempo depois. da América com o bloqueio irrestrito, tendo sofrido por isso
o torpedeamento de dois de seus navios. Tais acontecimentos
motivaram a declaração de guerra norte-americana.
Mantínhamos, até esse ponto, laços comerciais profundos com
esse país e claras simpatias com os Aliados.

158
História Militar Brasileira II

No mês de maio, o segundo navio brasileiro, o Tijuca, foi


torpedeado nas proximidades de Brest, na costa francesa.
Seis dias depois, seguiu-se o mercante Lapa. Antes, ele fora
abordado pelo submarino alemão, mandando que a tripulação
deixasse o vapor para depois torpedeá-lo. Esses três ataques
levaram o Presidente Wenceslau Braz a decretar o arresto de 45
navios dos Impérios Centrais, aportados no Brasil, e a revogar
a neutralidade. Muitos deles encontravam-se danificados por
sabotagem. Isso não impediu que o Brasil utilizasse 15 deles e
repassasse 30 por afretamento para a França.

Um fato curioso foi o arresto da canhoneira alemã


Eber, surta no porto de Salvador. Tratava-se de navio
militar, e não de vapor mercante, como os 45 navios
arrestados. Antes de ser abordada por autoridades
brasileiras e percebendo essa medida, os tripulantes
queimaram esse vaso de guerra e conseguiram se
transferir para outro navio mercante, que se evadiu
dos portos nacionais com o armamento e os homens
especializados, os quais seriam ainda úteis à Marinha
alemã no conflito.

Quatro meses se passaram até que novo navio brasileiro fosse


atacado e afundado, dessa feita foi o vapor Tupi nas mediações
do Cabo Finisterra. O caso tornou-se grave, na medida em
que o comandante e o despenseiro foram aprisionados por um
submarino alemão e nunca mais se teve notícia de seus destinos.
Oito dias depois, em 26 de outubro de 1917, o Brasil reconhecia e
proclamava o estado de guerra com o Império alemão.

Como estava o Brasil naquela oportunidade para


enfrentar os germânicos?

O governo brasileiro tinha consciência de que a grande ameaça


seria o submarino alemão, ávido por atacar os nossos navios
mercantes que mantinham o comércio com outros países em
pleno desenvolvimento. Além disso, naquela oportunidade

Unidade 2 159
Universidade do Sul de Santa Catarina

não existiam estradas ligando o sul e o sudeste com o norte e o


nordeste. Todas as comunicações entre essas regiões eram feitas
por mar, daí nossa grande vulnerabilidade estratégica. Tanto
a Marinha Mercante, como a de Guerra, seriam as grandes
protagonistas brasileiras nesse confronto.

Nossa Marinha Mercante era modesta. No entanto, desde


os primeiros anos do século, os governos que se sucederam
procuraram aparelhá-la -- o que foi auspicioso -- pois teríamos na
guerra um teste fundamental para a manutenção de nosso fluxo
comercial. No início do conflito, quando o Brasil ainda mantinha
irrestrita neutralidade, diversos países envolvidos na guerra
-- ávidos para cobrir as perdas provocadas por afundamentos --
ofereceram propostas de compras de muitos de nossos mercantes;
as do Lloyd Brasileiro foram as mais comuns. Entretanto
o governo nacional, premido pela necessidade de manter o
comércio com outros países e de escoar o nosso principal produto,
o café, impediu todas essas tentativas de arrendamento. No final,
essa ação veio a ser fundamental para o Brasil.

Nossa Marinha de Guerra era centrada na chamada Esquadra de


1910, com navios relativamente novos construídos na Inglaterra
sob o Plano de Construção Naval do Almirante Alexandrino
Faria de Alencar, Ministro da Marinha de então, como
anteriormente mencionado. Eram, ao todo:

„„ 2 encouraçados tipo “dreadnought”: o Minas Gerais e o


São Paulo;

„„ 2 cruzadores tipo “scouts”: o Rio Grande do Sul e o


Cruzadores leves e velozes, que Bahia, que viria a ser perdido tragicamente na Segunda
tinham a tarefa de esclarecedores Guerra Mundial; e,
em apoio à linha de batalha for-
mada por encouraçados e cruzado- „„ 10 contratorpedeiros de pequenas dimensões.
res de batalha.

Esses meios eram todos movidos a vapor, queimando carvão.

160
História Militar Brasileira II

Desde o início da participação brasileira no conflito, o governo


nacional decidiu-se pelo envio de uma Divisão Naval para operar
em águas europeias, o que representaria um grande esforço à
Marinha. Outra contribuição significativa foi a designação de
13 oficiais aviadores, sendo 12 da Marinha e um do Exército,
para se aperfeiçoarem como pilotos de caça da Royal Air Force
no teatro europeu. Depois de árduo adestramento, em que dois
pilotos se acidentaram, sendo um fatal, eles foram considerados
qualificados para operações de combate, tendo sido empregados
no 16º Grupo da RAF, com sede em Plymouth, em missões de
patrulhamento no canal da Mancha.

A propósito, a Escola de Aviação Naval Brasileira, localizada na


Ilha das Enxadas na baía de Guanabara, e a Flotilha de Aviões
de Guerra haviam sido criadas no dia 23 de agosto de 1916,
comportando, inicialmente, apenas três aviões Curtiss chegados
ao Brasil dois meses antes. A Aviação Militar, por outro lado,
operava no Campo dos Afonsos, onde funcionava a Escola de
Aviação Militar.

Um fato inusitado e curioso que, na época, provocou


o maior sucesso promocional foi o primeiro voo do
Presidente da República Wenceslau Brás em hidroavião
da Armada, em 2 de abril de 1917, um dia antes do
torpedeamento de primeiro navio brasileiro, o Paraná,
nas costas francesas. O mais interessante foi que
Wenceslau havia comparecido à formatura dos novos
pilotos na Ilha das Enxadas e não estava previsto o voo
realizado com o primeiro mandatário da República. Ao
ser provocado pelo Ministro da Marinha, Wenceslau
aceitou o convite para voar sobre o Rio de Janeiro e
Niterói. Imediatamente, colocou o capacete e a túnica
a ele oferecidos e se posicionou no avião para início
da aventura. Por cerca de 30 minutos, o Presidente
se deliciou com aquele sobrevoo, para o espanto dos
repórteres, que esperavam o seu regresso.

Unidade 2 161
Universidade do Sul de Santa Catarina

No principal porto e centro econômico e político do país, o do Rio


de Janeiro, instituiu-se uma linha de minas submarinas cobrindo
600 metros entre as Fortalezas de Lage e Santa Cruz. Duas ilhas
oceânicas preocupavam as autoridades navais de então, devido à
possibilidade de serem utilizadas como pontos de refúgio de navios
inimigos:

„„ a de Trindade; e,

„„ Fernando de Noronha.

A primeira foi ocupada militarmente em maio de 1916 com um


grupo de cerca de 50 militares. Uma estação radiotelegráfica
mantinha as comunicações com o continente e, frequentemente,
Trindade era visitada por navios de guerra para reabastecimento.
Quanto a Fernando de Noronha, lá existia um presídio do estado
de Pernambuco. A Marinha, então, passou a assumir a defesa
dessa ilha, destacando um grupo de militares para guarnecê-
la. Não houve nenhuma tentativa de ocupação por parte dos
alemães.

Com o estado de guerra declarado, os ataques aos mercantes


brasileiros continuaram. Em 2 de novembro, nas proximidades
da Ilha de São Vicente na costa Africana, foram torpedeados
mais dois navios, o Guaíba e o Acari. Depois de atingidos, seus
comandantes conseguiram encalhá-los, salvando-se a carga, o
que não impediu que vidas brasileiras fossem perdidas.

Outro ataque, já no ano de 1918, aconteceu ao mercante Taquari,


da Companhia de Comércio e Navegação, na costa inglesa. Desta
feita, o navio foi atingido por tiros de canhão, tendo tempo de
arriar as baleeiras que, no entanto, foram metralhadas, provocando
a morte de oito tripulantes. Esses ataques insuflaram ainda mais
a opinião pública brasileira, que, influenciada por campanhas
As Potências Centrais eram com- jornalísticas e declaração de diversos homens públicos, exigiu um
postas pelo Império Alemão, pela
comprometimento maior com a causa Aliada, com a participação
Austro-Hungria e pela Turquia.
efetiva no esforço bélico contra as Potências Centrais.

162
História Militar Brasileira II

Desde o início do conflito, a participação da Marinha no


confronto baseou-se no patrulhamento marítimo do litoral
brasileiro com três Divisões Navais, como já mencionado,
distribuídas nos portos de Belém, Rio de Janeiro e São Francisco
do Sul. Esse serviço tinha por finalidade colocar a navegação
nacional, a aliada e a neutra, ao abrigo de possíveis ataques de
navios alemães de qualquer natureza nas nossas águas.

A Divisão Naval do Norte, com sede em Belém, era composta de:

„„ encouraçados guarda-costas, Deodoro e Floriano;

„„ cruzadores Tiradentes e República;

„„ dois contratorpedeiros;

„„ três avisos; e,

„„ duas canhoneiras.

A Divisão Naval do Centro, com sede no Rio de Janeiro,


compunha-se de:

„„ encouraçados Minas Gerais e São Paulo; e,

„„ seis contratorpedeiros.

Por fim, a Divisão Naval do Sul, com sede em São Francisco do


Sul, era composta de:

„„ cruzadores Barroso, Bahia e Rio Grande do Sul;

„„ um iate; e,

„„ dois contratorpedeiros.

Unidade 2 163
Universidade do Sul de Santa Catarina

Segue imagem do cruzador Rio Grande do Sul:

Figura 2.10 - Cruzador Rio Grande do Sul.


Fonte: DPHDM.

A Marinha possuía também:

„„ três navios mineiros;

„„ uma flotilha de submersíveis com um tender;

„„ três pequenos submarinos construídos na Itália e uma


torpedeira;

„„ as Flotilhas do Mato Grosso, Amazonas e de Aviões de


Guerra; e, por fim,

„„ navios soltos.

O governo de Wenceslau Braz decidiu enviar uma divisão naval


para operar sob as ordens da Marinha Britânica, na ocasião,
a maior e mais poderosa do mundo. Logicamente, os navios
escolhidos deveriam ser da Esquadra adquirida oito anos
antes na própria Inglaterra, pois eram os mais modernos que
o Brasil possuía, no entanto, devido aos avanços tecnológicos
provocados pela própria guerra, esses navios se tornaram
O Cruzador-Auxiliar Belmonte
fora um dos navios alemães
obsoletos rapidamente. Em que pese tal fato, a escolha da alta
apresados logo após a administração naval recaiu nos dois cruzadores -- Rio Grande do
declaração de guerra pelo Sul e Bahia -- , em quatro contratorpedeiros -- Piauí, Rio Grande
Brasil. Levava o nome de do Norte, Paraíba e Santa Catarina -- , no rebocador Laurindo
Valesia. Pitta e no Cruzador-Auxiliar Belmonte; ao todo, oito navios.

164
História Militar Brasileira II

Segue a imagem do Contratorpedeiro Piauí:

Figura 2.11 - Contratorpedeiro Piauí.


Fonte: DPHDM.

Contra quem iríamos lutar?

A Alemanha, apesar de possuir uma esquadra menor do que a


da Inglaterra, tinha uma frota muito agressiva e motivada, que
se batera com valentia até aquele momento. No início da Guerra,
os alemães se lançaram à guerra de corso utilizando navios de
superfície, no estilo de corsários independentes que atacavam os
mercantes navegando solitários. Esta estratégia, com o decorrer
da guerra, foi abandonada. Preferiu-se a guerra submarina,
mostrando-se muito mais eficiente. Esses submarinos não
chegaram a atuar nas nossas costas, como aconteceu na Segunda
Guerra Mundial, no entanto atacaram nossos navios nas costas
europeias e os afundaram sem trégua.

Há que se notar que a Marinha brasileira era dependente de


suprimentos vindos do exterior. Não existiam estaleiros
capacitados, nem fábricas de munição e estoques logísticos
adequados. Dessa forma, a preparação da Divisão Naval em
Operações de Guerra (DNOG), como ficou conhecida essa
pequena força, foi muito dificultada por limitações que não eram
só da Marinha mas também do Brasil. Como critério de escolha,
abriu-se o voluntariado para os seus componentes e foi escolhido

Unidade 2 165
Universidade do Sul de Santa Catarina

um contra-almirante ainda muito jovem, com 51 anos de idade,


mas muito habilidoso, com grande experiência marinheira, e, na
ocasião, comandante da Divisão de Cruzadores com base no
porto de Santos, o Almirante Pedro Max de Frontin, irmão do
engenheiro Paulo de Frontin.
O engenheiro Paulo de Frontin
teve destacado papel nas reformas A principal tarefa a ser cumprida por essa divisão seria
urbanas empreendidas pelo prefeito patrulhar uma área marítima contra os submarinos alemães,
Pereira Passos, tendo sido nomeado compreendida entre Dakar, no Senegal, e Gibraltar, na entrada
chefe da Comissão Construtora da
Avenida Central em 1903.
do Mediterrâneo, com subordinação ao Almirantado inglês.

A preparação dos navios, ainda no Brasil, requereu muitos


recursos de toda a ordem. Entre os pontos a serem corrigidos,
estava a deficiência de abastecimento, principalmente a escassez
de combustível, o carvão. Dava-se preferência a um tipo de
carvão proveniente da Inglaterra, Cardiff, ou dos Estados Unidos
da América. O carvão nacional, por possuir grande quantidade
de enxofre, era contraindicado, e esse ponto nevrálgico
preocupou os chefes navais durante toda a comissão da DNOG.

Depois de três meses de adestramento contínuo com as


tripulações, os navios suspenderam do Rio de Janeiro em
Figura 2.12 - Contra-Almirante
Paulo de Frontin. grupos pequenos para se juntarem na Ilha de Fernando de
Fonte: DPHDM. Noronha. No dia 7 de maio de 1918, deixaram a Guanabara os
contratorpedeiros, seguidos, no dia 11, pelos dois cruzadores. Em
6 de julho, suspendeu do Rio de Janeiro o Cruzador-Auxiliar
Belmonte e, dois dias depois, o Rebocador Laurindo Pitta. Esses
navios ficaram responsáveis por transportar o carvão necessário
para a DNOG, daí sua grande importância logística. No dia 01
de agosto, a Divisão unida suspendeu de Fernando de Noronha
com destino a Dakar, passando por Freetown.

O propósito dessa primeira derrota até Freetown era destruir os


submarinos inimigos que se encontravam na rota da DNOG. O
armamento naquela ocasião para neutralizar esses submarinos
era bastante primitivo, não se comparando com nada que se viu
na Segunda Guerra Mundial. Existiam hidrofones primitivos
e bombas de profundidade de 40 libras, que eram lançadas pela
borda no local provável onde se encontrava o submarino. É
interessante mencionar que o próprio submarino possuía pequena

166
História Militar Brasileira II

capacidade de permanecer mergulhado durante longo período


de tempo, o que era uma grande limitação. Normalmente os
ataques contra mercantes eram realizados utilizando-se os
canhões localizados em seus conveses. A maior possibilidade de
destruição desses submarinos acontecia quando o inimigo vinha
à superfície para destruir o alvo por canhão ou mesmo com o uso
de torpedos. Nessa travessia inicial, alguns rebates de “prováveis
submarinos” foram dados, porém não tiveram confirmação.

Outro ponto interessante na travessia Fernando de Noronha/


Dakar era a faina de transferência de carvão em alto-mar.
Esses recebimentos de combustível aconteciam em quaisquer
condições de tempo e de mar e obrigavam a atracação dos navios
ao Cruzador-Auxiliar Belmonte e a utilização do Rebocador
Laurindo Pitta para auxílio nas aproximações. Foram fainas
perigosas, que demandaram muita capacidade marinheira
dos tripulantes, além da natural vulnerabilidade durante os
abastecimentos, quando os submarinos inimigos poderiam
aproveitar a baixa velocidade dos navios para o ataque torpédico.
A tensão reinante durante esses eventos era enorme, sem contar
com as difíceis condições em que eram realizadas. Os navios
ficavam literalmente negros de carvão e todos trabalhavam do
nascer do sol até o término do abastecimento.

Depois de oito dias de travessia, a DNOG chegou ao porto de


Freetown, onde se agregou ao esquadrão Britânico. Nessa cidade,
os navios permaneceram por quatorze dias, reabastecendo-se e
sofrendo os reparos necessários à continuação da missão.

No dia 23 de agosto de 1918, a Divisão suspendeu em direção


a Dakar, tendo essa derrota sido muito desconfortável às
tripulações dos navios, devido ao mau tempo reinante. Na
véspera da chegada a esse porto africano, no período noturno, foi
avistado um submarino navegando na superfície. Imediatamente,
foi atacado pela força brasileira; no entanto o submarino
conseguiu lançar um contra-ataque contra o Cruzador Belmonte,
quase atingindo seu intento, uma vez que a esteira fosforescente
do torpedo foi perfeitamente observada a vinte metros da popa
do navio brasileiro. No dia 26 de agosto, os navios aportavam
em Dakar e aí começariam as grandes provações dos tripulantes
nacionais.

Unidade 2 167
Universidade do Sul de Santa Catarina

Todo esse martírio começaria, quando determinado navio inglês, o


Mantua, iniciou uma rotina observada por nossos marinheiros, que
o viam suspender de quando em vez para o alto-mar, regressando
em seguida. Logo após, soube-se que essas saídas eram motivadas
para se lançarem os corpos dos homens de sua tripulação que
haviam contraído a terrível “gripe espanhola”. Possivelmente,
Pandemia que teve o seu ápice no o Mantua foi o responsável pela moléstia que vitimaria diversos
segundo semestre de 1918, não só tripulantes, os quais nunca retornariam ao Brasil.
na África, mas em todo o Mundo,
inclusive no Brasil. No início de setembro, as primeiras vítimas brasileiras eram
atingidas pela gripe mortal. Os sintomas eram quase sempre os
mesmos: fraqueza generalizada, seguida de grande aumento de
temperatura com transpiração excessiva. Depois de três ou quatro
dias de grande mal-estar, seguia-se a tosse com expectoração
sanguínea e congestão pulmonar. Alguns iniciavam as convulsões
e os soluços, outros se debatiam em agonia, todos ávidos por
água para debelar a sede incontrolável. Dentro de pouco tempo, a
morte se abatia derradeira e incontrolável.

A permanência em Dakar deveria ser curta. No entanto, devido


à gravidade da situação sanitária com a gripe, os navios lá
permaneceram mais tempo. A tudo isso somou-se o impaludismo
e as febres biliares africanas. Dos navios atingidos pelas doenças,
o mais afetado foi o Cruzador-Auxiliar Belmonte, que, dos seus
210 homens, contaram-se 154 doentes. Substituições solicitadas
ao Brasil vieram no paquete Ásia, para completar os claros com
as moléstias apontadas.

Foram vitimados 156 brasileiros da DNOG pela “gripe


Total de marinheiros brasileiros espanhola”. Os navios britânicos e brasileiros em Freetown e Dakar
enterrados no cemitério de Dakar. ficaram inoperantes em face das condições sanitárias reinantes,
Outros vieram a falecer mais tarde, estando a defesa do estreito entre Dakar e Cabo Verde somente a
não sendo possível, desta feita,
cargo de dois pequenos navios portugueses. Com grande esforço
precisar o número exato de perdas
causadas pela gripe.
pessoal, a DNOG conseguiu designar o Piauí e o Parahyba para
auxiliarem os portugueses naquela área de operações.

No dia 3 de novembro, a DNOG saiu de Dakar em direção a


Gibraltar, sem o Rio Grande do Sul, o Rio Grande do Norte,

168
História Militar Brasileira II

o Belmonte e o Laurindo Pitta, os dois primeiros avariados e os


dois seguintes designados para outras missões. Sete dias depois,
os navios da Divisão faziam sua entrada em Gibraltar.

No dia seguinte, o armistício foi assinado, dando a


Grande Guerra como terminada. Nossa missão de
guerra findara.

No entanto nossa Divisão prolongou sua permanência na


Europa, sendo convidada para participar das festividades
promovidas pelos vitoriosos. Por cerca de seis meses, nossos
navios permaneceram em águas europeias participando das
comemorações pela vitória e visitando países que tomaram parte
naquele grande conflito.

No dia 9 de junho de 1919, depois de tocar Recife por breves


dias, os navios da DNOG entravam na Baía de Guanabara,
porto-sede da divisão naval. Acabara, assim, a participação da
Marinha na Primeira Guerra Mundial.

Síntese
O início do século XX, apesar de tudo, foi promissor para as
instituições militares brasileiras. A consolidação do regime, a
estabilidade econômica e financeira alcançada e o pacto político
que assegurou governabilidade da “República Velha” permitiram
que se cuidasse da tão ansiada e esperada reformulação do
Exército e da Marinha.

Não se poderá desconhecer ou minimizar a influência do Barão


do Rio Branco nas medidas adotadas. Como Ministro das
Relações Exteriores, sua visão de estadista e sua experiência

Unidade 2 169
Universidade do Sul de Santa Catarina

internacional fizeram-no ligar a diplomacia agressiva e dinâmica


que consolidou nossas fronteiras e nos deixou sem tensões com
nossos vizinhos imediatos a um poder militar compatível que
a respaldasse. Emprestou seu prestígio e ação aos ministros
da Marinha e da Guerra de forma que seus projetos fossem
aprovados pelo Congresso e se tornassem políticas de governo
e de estado. As discussões públicas desses projetos mobilizaram
a opinião nacional, que os respaldou. O Exército e a Marinha
foram reorganizados e reequipados. A instrução e o adestramento
ganharam fôlego e o Serviço Militar se tornou obrigatório.

Enquanto isso, a Europa caminhava para um grande conflito


armado sem precedentes. E nem tudo era tranquilo no Brasil.
Revoltas e insurreições locais ainda ameaçaram a ordem interna,
mas foram contidas e debeladas. Delas, a chamada “Revolta da
Vacina” e a “Campanha do Contestado” teriam reflexos diretos
sobre as instituições militares. Mas basta olhar as fotografias para
que se perceba que o exército que sufocou o Contestado era muito
diferente do que sufocara Canudos. E a Armada, com novos
navios e novo adestramento, estará alinhando-se com as mais
avançadas do mundo.

Houve uma campanha externa muito peculiar – na forma como


foi conduzida, no terreno em que ocorreu e na composição
das forças que a travaram – a do Acre. Terminou vitoriosa e
referendada pela diplomacia de Rio Branco.

E houve a participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial


através de uma Divisão Naval, de uma Missão Médica e
de oficiais brasileiros que, como parte de seu adestramento,
participaram com unidades do exército francês.

As consequências de tudo isto seriam mais ansiedade


por modernização e eficácia, maior participação na vida
socioeconômica e sociopolítica do país, preâmbulo do ciclo que
se abriu na década seguinte, a década do inconformismo e da
contestação de um pacto político que se esgotava.

170
História Militar Brasileira II

Atividades de autoaprendizagem

1) Avalie a importância da Campanha do Contestado para a evolução do


pensamento militar brasileiro.

2) Avalie o reequipamento da Marinha para a evolução do pensamento


militar brasileiro.

Unidade 2 171
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Para obter mais informações sobre os assuntos tratados nesta


unidade, verifique os seguintes documentos:

„„ Ordens do Dia do Gen Setembrino de Carvalho:


1915 e 1916;

„„ Relatório do Ministério da Guerra: 1902 – Marechal


Francisco de Paula Argolo; 1904 – Marechal Francisco
de Paula Argolo; 1905 – Marechal Francisco de Paula
Argolo; 1907 – General Cordeiro de Faria; 1918 –
Marechal José Caetano de Faria; 1919 – General Alberto
Cardoso de Aguiar;

„„ Relatório do Estado Maior do Exército:


1904 – General Hermes da Fonseca;

„„ Revista especializada: A Defesa Nacional:


1998 – 2006.

172
3
unidade 3

Década de 1920: instabilidade


política e rebeliões militares
Aureliano Pinto de Moura
Eduardo Henrique de Souza Martins Alves
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução das instituições militares brasileiras,
as peculiaridades do emprego do poder militar nos
conflitos internos e externos e a evolução da arte da
guerra e do pensamento militar no Brasil, na década
de 1920.

„„ Identificar e caracterizar a participação militar na


sociedade, na economia e na vida política brasileira,
na década de 1920.

Seções de estudo
Seção 1 Da 1ª Guerra Mundial à Missão Militar Francesa
(1917 – 1920)

Seção 2 O Ciclo Revolucionário e o Movimento Tenentista


(1920-1930)

Seção 3 A Missão Militar Francesa

Seção 4 A Revolução de 1930


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Há historiadores que consideram o período de 1889 a 1930,
chamado de “República Velha” ou de “regime oligárquico”, uma
transição da monarquia para a república, que só começaria a ser
implantada, realmente, com a vitória da revolução de 30. Para a
história militar brasileira, entretanto, o importante é identificar e
caracterizar a evolução das instituições militares nesse período. Já
tratamos de dois momentos bem distintos:

„„ o período de implantação e consolidação do novo regime; e,

„„ o período de transformações e reorganização por que


passaram logo no início do século XX.

A Primeira Guerra Mundial mudou todo o cenário. Resultado


da disputa entre as grandes potências europeias pelos chamados
espaços vitais, que lhes garantiriam matéria-prima para responder
à segunda revolução industrial que se instalara na segunda
metade do século XIX, ao terminar, ou apenas se interromper,
como querem alguns, havia gerado não só uma nova distribuição
de poder, mas uma nova economia e uma nova ordem social.

É claro que isto aconteceu também no Brasil. E os arranjos


políticos e econômicos que permitiram a governabilidade à
República Velha se esgotaram. Política dos governadores, política
“café com leite”, monocultura exportadora e, principalmente, uma
lei eleitoral canhestra que falseava os pleitos e a representação
deles resultante tornaram-se insuficientes e inadequadas aos
anseios da população nas diversas regiões do país.

Para as instituições militares, o período representou uma


dicotomia interessante: prosseguir e consolidar as transformações
que iniciaram, afirmando-se o profissionalismo e o compromisso
nacional através da fidelidade ao estado e à nação; e ver jovens
oficiais se juntarem aos que contestavam abertamente o regime
tal como vinha sendo praticado, aliando-se à oposição e
sublevando-se contra ele.

174
História Militar Brasileira II

Este é o ambiente da década de 1920, caracterizada


por um ciclo revolucionário e, ao mesmo tempo, pela
continuidade da modernização e profissionalização da
Marinha e do Exército brasileiros.

Em 1929, a ruptura do sistema financeiro mundial vira de pernas


para o ar, novamente, a ordem econômica e social no mundo e no
Brasil. Esgota-se definitivamente o pacto da República Velha que
se esvai pelo ralo das eleições viciadas de 1930. Abre-se o caminho
para a Revolução de 1930, que obterá, progressiva e decisivamente,
a adesão das forças armadas e dos insurgentes dos anos 20.

Seção 1 - Da 1ª Guerra Mundial à Missão Militar


Francesa (1917 - 1920)
Aureliano Pinto de Moura

A 1ª Guerra Mundial mostrou que a reserva podia integrar o


exército de 1ª Linha, nas primeiras operações. Assim foi na
Batalha do Marne. Assim, em 1917, o Exército criou a Diretoria
Geral de Tiros de Guerra, com representação em todas as
Regiões Militares. Desapareciam os clubes de tiro.

Rebeliões e revoltas de sargentos no período de 1915-1916, a


declaração de guerra à Alemanha em 1917 e a agitação política
da época contribuíram negativamente para o andamento de
reformas no Exército. Coube a João Pandiá Calógeras, Ministro
da Guerra, de 1920 a 1922, a tarefa de elaborar o mais ambicioso
programa de recuperação do Exército que se tentara até então.
Ao verificar a situação “in loco” das organizações militares,
Calógeras declarou, em seu Relatório de 1920:

O Brasil deve a si mesmo não consentir que seus filhos


[...] se alojem em senzalas imundas [...]. Quartéis e
viaturas em péssimo estado; faltas de capotes, cobertores,
fardamento; e pagamento atrasado [...]. A Instrução é
nula. Campos de exercícios inexistentes. Pás e picaretas
em número ridículo.

Unidade 3 175
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em sua gestão, foram construídos 56 quartéis e reformados 45.


Construiu ou mandou recuperar:

„„ quartéis-generais regionais;

„„ paióis;

„„ armazéns;

„„ hospitais; e

„„ enfermarias.

Ainda, mudou a ordem de batalha das unidades, concentrando


forças militares onde se encontrava o poder político. Mas, sobre
Política de Defesa Nacional, nada fez.

Ao ser declarado estado de guerra com a Alemanha, em 1917,


o Exército aumentou rapidamente o seu efetivo, para mais
de 52.000 homens. Foi muito difícil alojar, fardar, alimentar
e adestrar essa tropa, contando com material bélico antigo e
insuficiente, recém saindo do conflito no Contestado. Mas não
se pensou em mandar tropa brasileira para combater na Europa.
Nem sequer teriam condições de fazê-lo.

A situação militar do Brasil nesta época não era das melhores.


Em 1910, aproveitando o comércio da borracha, haviam
sido comprados dois encouraçados, dois cruzadores e 10
contratorpedeiros, além de milhares de fuzis Mauser (1905 e
1910), 212 canhões e centenas de metralhadoras.

Em 3 de maio de 1916, foi afundado o mercante “Rio Branco”


em águas restritas, operando ao serviço da Inglaterra, com uma
tripulação quase toda norueguesa, mas nossos navios não estavam
preparados para o combate aos submarinos. A partir de 13 de
fevereiro de 1917, o Almirante Tirpz ordenou aos submarinos
alemães afundarem todo navio que entrasse na área de bloqueio,
sem cumprir as formalidades de vistoria. Lauro Müller, Ministro
do Exterior do Brasil, com apoio das nações sul-americanas,
protestou contra a atitude alemã, mas o protesto foi ignorado.

176
História Militar Brasileira II

Em 11 de abril, o Brasil rompeu relações diplomáticas


com a Alemanha. Mas as ações dos submarinos alemães
continuaram e nós nada podíamos fazer. O estado de
guerra foi aprovado pelo Congresso em 26 de outubro.

Declarada guerra, foi criada a Divisão Naval em Operações de


Guerra (DNOG) e declarado “estado de sítio” no Rio de Janeiro,
São Paulo e nos três Estados do Sul. Em 7 de maio de 1918, a
DNOG seguiu para atuar em mares europeus, incorporando-se,
em Gibraltar, à Esquadra Britânica.

Em 18 de janeiro de 1918, seguiu para a Europa uma Missão


Militar, sob a chefia do General Napoleão Felipe Aché (Missão
Aché), para conhecer os reflexos da arte da guerra. Além do
General Aché, a Missão contava com mais 23 oficiais. Outra
Missão seguira para os Estados Unidos da América para tratar
de material bélico a ser adquirido. Um grupo de aviadores já
havia seguido para a Inglaterra, para treinamento e missões de
combate, junto à Real Força Aérea britânica. Foram oito oficiais
da Marinha e um do Exército. Alguns desses oficiais mandados
para a França, como observadores, foram autorizados a integrar
regimentos franceses. Muitos deles chegaram a entrar em
combate, recebendo até citações ou condecorações.

O caso mais famoso foi o do Tenente José Pessoa


Cavalcanti de Albuquerque, que comandou pelotões
de cavalaria de três regimentos diferentes. No 504º
Regimento de Dragões, chegou a comandar uma
subunidade, equipada com carros de combate Renault
FT-17. A experiência do Tenente Pessoa influiu para que,
no pós-guerra, o Brasil adquirisse os primeiros carros
blindados. Foram adquiridos doze carros Renault FT-17,
porém com adaptações.

Em 16 de agosto de 1918, partiu da Praça Mauá, rumo à


Europa, a Missão Médica Militar Brasileira (MMMB), para
atuar na França. A MMMB seguiu para a França sob a Chefia
do coronel, em comissão, Nabuco de Gouveia, professor ilustre

Unidade 3 177
Universidade do Sul de Santa Catarina

e Diretor do Hospital da Gamboa. Com ele seguiram outros


67 médicos e 15 doutorandos, além de alguns farmacêuticos.
Completavam o efetivo trinta e um praças, muitos voluntários.

A atuação brasileira, além de receber elogios do Ministro da


Saúde, fez com que a MMMB fosse condecorada com a medalha
“Reconaissance Française”. Enquanto médicos atuaram no
interior da França, em missões de saúde pública, outros, em
Paris, trabalharam no Hospital Militar Brasileiro (HMB), em
um antigo convento jesuíta, na rua Vaugirard. Ao término dos
trabalhos, quatro médicos brasileiros foram agraciados com a
Legião de Honra, da França. Terminada a guerra, no “défilé de la
Victoire”, desfraldando nossa bandeira, lá estava o contingente do
HMB.

Em 1918, o Arsenal do Rio Grande do Sul foi considerado apto


a produzir munição para a artilharia -- campanha, montanha e
costa -- e para a infantaria -- Mauser.

Seção 2 - O Ciclo Revolucionário e o Movimento


Tenentista (1920-1930)
Eduardo Henrique de Souza Martins Alves

2.1 - Antecedentes

A substituição do regime monárquico pelo republicano no


Brasil, a partir da última década do século XIX, trouxe
novamente para o centro da turbulência política os militares.
A “República da espada”, como ficou conhecido o período dos
governos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto (1889-
1894), caracterizou-se pela disputa do poder envolvendo os
militares, particularmente do Exército, e civis que compunham
as oligarquias paulista e mineira, ligados à indústria cafeeira.

178
História Militar Brasileira II

Com a ascensão ao poder de governos civis, as alianças políticas


entre os estados concretizaram-se e a monocultura do café
estabeleceu o modelo econômico para o Brasil. Com isso, a
perpetuação no poder e a manutenção dos privilégios auferidos
pela cúpula cafeicultora dominaram a estrutura política do
governo até o final da década de 1920.

O poder das oligarquias políticas teve, na figura do Presidente


Campos Sales, o verdadeiro amalgamador da organização
dessa sociedade. Mesmo com a ocorrência de confrontos que
desestabilizavam periodicamente o País, conseguiu o presidente
unir todas as vertentes oligárquicas com um projeto de governo
que ficou conhecido como a “política dos governadores”. Nessa
nova organização política, o Exército deveria cumprir sua
destinação constitucional de garantidor da ordem.
As forças de terra (Exér-
Numa época em que havia abundância de capital, o governo cito) e mar (Marinha) são
estabeleceu uma política de valorização do café, intervindo, instituições nacionais e
sempre que necessário, para estabilizar os preços e financiar permanentes, destinadas à
defesa da Pátria no exterior
as oligarquias por meio de empréstimos no exterior. Contudo e à manutenção das leis no
esse processo de endividamento trouxe prejuízos, pois tornava interior.
o Estado brasileiro dependente da economia mundial. A elite
cafeicultora aproveitava todos os benefícios, enquanto a maior
parte da população vivia no campo, em situação de extrema
pobreza. O descaso do governo e dos dirigentes em estabelecer
políticas sociais adequadas criou tensões e gerou distúrbios
populares, reprimidos como se fossem “caso de polícia”, nas
palavras do então secretário de segurança pública de São Paulo,
Washington Luiz, presidente do Brasil que, em 1930, foi
deposto.

Em 1910, ascendeu ao poder o marechal Hermes da Fonseca.


Ele tentou formalizar a chamada política “salvacionista”, com
o objetivo de afastar as oligarquias e equilibrar o poder central
com os estados, dominados por verdadeiros clãs regionais.
Com o término do governo Hermes, o poder retornou para os
governadores.

Durante o período de 1914 a 1918, no desenrolar da primeira


grande guerra na Europa, a instabilidade político-econômica

Unidade 3 179
Universidade do Sul de Santa Catarina

mundial causou reflexos negativos no Brasil. O País, atingido


pela crise e pela ausência de projetos alternativos do governo
de Venceslau Brás, viu comprometido seu sistema bancário e a
rarefação do mercado consumidor de café, o principal produto de
exportação que sustentava a economia brasileira, principalmente
nos momentos de crise interna. Essa conjuntura levou ao
enfraquecimento das lideranças paulistas, que procuraram de
qualquer modo preservar o valor econômico do café, tornando-se
cada vez mais impopulares.

A partir da década de 1920, as mudanças ocorridas no mundo


modificaram o comportamento político-ideológico do Brasil,
que possuía apenas correntes conservadoras como condutoras
do poder político do Estado. O surgimento do incipiente
movimento do operariado urbano, fruto de uma industrialização
precária e lenta, preocupou, de imediato, o governo. Os
confrontos regionais expuseram as contradições e os movimentos
oposicionistas começaram a surgir. Os militares, de certa forma,
encontravam-se divididos. Oficiais superiores mais antigos,
ligados mais à vida nos quartéis, permaneceram conscientes de
sua missão constitucional de mantenedores da ordem, o que
pressupunha obedecer às ordens das autoridades constituídas
legalmente, contudo a oficialidade mais jovem, descontente com
a situação vigente no País, passou a participar mais ativamente do
processo político nacional.

No contexto da sociedade brasileira dos anos 20, o Exército era


considerado como uma instituição formada na classe média. A
maior parte da oficialidade provinha de setores urbanos e até
os originários do campo não possuíam qualquer relação com
os poderes regionais. Deve-se levar em consideração, também,
que o soldo recebido não expressava uma situação de conforto
econômico.

Na visão de alguns historiadores, que tentaram estabelecer


Essa visão foi adotada por Nelson uma correlação entre os “tenentes” e as classes médias urbanas,
W. Sodré, Edgard Carone e Virgínio os aspectos acima foram suficientes para validar o “Tenentismo”
Santa Rosa. como representativo da burguesia emergente, em condições
de participar das contestações ao governo. O Exército seria a
vanguarda do processo de mudança.

180
História Militar Brasileira II

Outros estudiosos do assunto preferiram dar mais abrangência


ao estudo do processo econômico-social daquela época. Suas Participam dessa opinião
convicções a respeito do “Tenentismo” estavam concentradas no Boris Fausto, Maria do Carmo
confronto que existia entre uma sociedade agrário-exportadora e Campello de Souza e José
Murilo de Carvalho.
a recente urbano-industrial.

As divisões no poder político-social que existiam na “República


Velha” (1920-1930) transformaram o Exército na única
instituição que possuía caráter verdadeiramente nacional, e
o “Tenentismo” passou a expressar a contestação ao governo,
particularmente porque não havia espaço político para os
setores médios da população brasileira. As ideias e projetos
políticos da classe média urbana, em potencial, aguardavam uma
oportunidade que permitisse modificar a estrutura conservadora
do governo, ou seja, a elite cafeicultora. Como ainda não estava
arraigada a consciência de classe, foi mais prático eleger os
militares como o grupo que poderia realizar essa reestruturação
no modelo político-social do Brasil.

De outra forma, numa visão mais equilibrada, os “tenentes”


não puderam efetivamente representar os anseios dessa nova
classe, mesmo que eles se considerassem participantes da
comunidade e importantes no desenvolvimento da instituição
que representavam. A jovem oficialidade não se considerava mais
como “mantenedora” de governos eleitos de maneira corrupta e
moralmente ilegal. O que se verificou foi que a relação entre os
militares e a classe média era complicada. Primeiro, porque não
existia uma classe média homogênea, e, internamente, o Exército
abrigava uma cisão entre os “tenentes” e os oficiais mais antigos.
Não se pode deixar de considerar a origem pequeno-burguesa da
jovem oficialidade, no entanto também não havia entre a classe
média e os “tenentes” uma similaridade na formação.

Para que manifestações como o tenentismo e o civilismo


possam ser esclarecidas deve ser examinada a relação
de representação entre classes médias e burocracia civil,
entre classes médias e militares: de que maneira diante
da incapacidade constitutiva das classes médias em se
organizarem politicamente, elas passam a se manifestar
através de outras categorias onde sua presença nem

Unidade 3 181
Universidade do Sul de Santa Catarina

sempre é hegemônica. No interior dessas categorias,


as classes médias repetem o mesmo relacionamento
contraditório que marca sua presença na estrutura
social: como não é compacta sua presença na burocracia
e no aparelho militar, a sua manifestação no interior
destas categorias enfrentará as mesmas dificuldades
que encontra no afrontamento com a burguesia e o
proletariado. (PINHEIRO, 1985, p. 30).

Então, se a classe média não estava conformada com o processo


político vigente, não deveria ter participado do desenvolvimento
econômico junto com a oligarquia, o que não foi uma
constatação. Por isso, o caminho para a distensão foi demorado e
repleto de contradições, até o rompimento definitivo e a extinção
da “República Velha”.

2.2 - A Escola Militar do Realengo


Os alunos da Escola Militar do Brasil, situada na praia
Vermelha, participaram ativamente da “Revolta da Vacina”
em 1904, no Rio de Janeiro. Debelada a revolta, o governo
compreendeu que os militares passaram a representar uma
ameaça para as instituições do poder. Havia a necessidade de
colocá-los num local no qual a preocupação principal seria a
formação militar e não a formação política.

Muito mais significativa do que a transferência da Escola para o


Realengo foi a determinação, através do Decreto n. 5.698, de 2
de outubro de 1905, em transformar o militar num profissional
das armas, ou seja, prioridade para o estudo da tática em
detrimento do conhecimento filosófico- acadêmico da corrente
positivista. Os militares, particularmente a oficialidade, deveriam
estar preparados para assumir a posição de cumpridores de sua
destinação constitucional: defender a Pátria e as Instituições do
Poder.

A Escola do Realengo não possuía as instalações no mesmo


padrão da praia Vermelha. Os alunos, na sua maioria, eram da

182
História Militar Brasileira II

classe média, e uma parcela menor vinha de famílias tradicionais,


de militares e civis sem grandes recursos financeiros. No
entanto, mesmo distantes dos entreveros políticos, os alunos
não se afastaram totalmente das discussões sobre os problemas
nacionais, provavelmente pela influência direta dos instrutores
mais antigos. O sentimento de contestação permaneceu
incorporado à geração que começou a ser formada no Realengo.

Em 1906, ao iniciar o governo do presidente Afonso Pena,


assumiram as pastas ministeriais das Relações Exteriores e
da Guerra o Barão do Rio Branco e o Marechal Hermes da
Fonseca, respectivamente. Na gestão do Marechal Hermes,
houve um esforço para profissionalizar e adestrar melhor o
Exército:

„„ foi instituído o Serviço Militar obrigatório;

„„ houve a aquisição de material bélico; e,

„„ a realização do primeiro grande exercício de guerra após


a Guerra do Paraguai.

Com o apoio do Barão do Rio Branco, o Exército enviou


equipes de oficiais para estagiar na Alemanha, entre 1906 e
1910. Ao retornarem ao Brasil, esses oficiais difundiram seus
conhecimentos na Escola Militar, buscando formar um exército
profissional competente e atualizado com os estudos militares Ficaram conhecidos como
mais avançados. Esses mesmos oficiais, em 1913, fundaram uma “Os Jovens Turcos”.
revista de assuntos militares: “A Defesa Nacional”. Nessa revista,
os artigos publicados eram geralmente ligados a assuntos de
caráter militar. As opiniões sobre a situação do Exército, o ensino
militar e as atividades nos corpos de tropa tornaram-se alvo de
preocupação dos diversos oficiais que escreviam para a revista.

Com o início das hostilidades na Europa, a partir de 1914 (a


Primeira Grande Guerra), o Exército brasileiro passa por uma
efetiva evolução, com base nos ensinamentos do confronto

Unidade 3 183
Universidade do Sul de Santa Catarina

europeu. A importância de se ter uma força adestrada motivou


o Exército a reestruturar seu corpo de instrutores da Escola
Militar. No período de 1919 até 1922, ocupou a pasta da Guerra
um ministro civil: Pandiá Calógeras. A despeito da aversão
inicial por parte da oficialidade, Calógeras se revelou um
administrador competente, conseguindo recursos necessários
para a:

„„ construção de quartéis;

„„ aquisição de novos meios de combate -- blindados e


aviação -- ; e,

„„ compra de equipamentos e armamento para as unidades


militares.

Durante o governo de Epitácio Pessoa, em 1920, uma Missão


Militar Francesa, chefiada pelo general Maurice Gamelin, foi
contratada para instruir os oficiais do Exército nas atividades de
combate, na organização e no comando de tropa, equilibrando
o conhecimento técnico-científico com o tático-operacional.
Com a consolidação do ensino militar e a aplicação aos exercícios
de campo, o Exército passou a ter realmente uma formação
profissional. No entanto a disseminação desses conhecimentos
pelos diversos quartéis espalhados pelo Brasil trouxe também
o confronto inevitável entre a nova oficialidade formada pela
Missão e os mais velhos, que reagiram ao novo processo de
aquisição do conhecimento militar.

Mas muitos oficiais superiores se sentiram ameaçados


pelo entusiasmo renovador dos jovens. Os atritos
chegaram ao ponto de alguns redatores da Revista
serem punidos com prisão por críticas à manobra de um
regimento do Rio, consideradas mal feitas. Para outros
oficiais, o movimento dos Cavaleiros da Idéia, como
pretensiosamente se auto-intitulavam os Turcos, era
indesejado por perturbar a rotina dos quartéis a que se
tinham habituado. Mas, aos poucos, os Turcos foram
vencendo. (CARVALHO, 2005, p. 28).

184
História Militar Brasileira II

Outro aspecto a considerar é que esses militares jovens


transformaram-se também numa nata de formuladores de ideias;
do seio dessa oficialidade surgiriam as lideranças principais do
movimento tenentista.

2.3 – O Tenentismo e as revoltas


Ao se discutir o surgimento do Tenentismo, a dificuldade inicial
é definir realmente o que ele foi, sem reduzir o movimento
aos levantes da jovem oficialidade do Exército na década de
1920. Um dos aspectos que deve ser ressaltado é a constatação
de que havia um confronto manifesto entre o perfil do oficial
do Exército, educado e adestrado pelas Missões Militares, e
as Instituições oligárquicas, estas que, eivadas de arcaísmos,
buscavam sempre a manutenção do poder, impedindo a
participação de outros setores da sociedade, especialmente da
classe média urbana, nas decisões políticas.

O processo de profissionalização do Exército fez com que sua


oficialidade adquirisse um maior senso crítico, fortalecesse o
espírito de corpo e exacerbasse o sentimento de compromisso
para com a Nação. Ficou claro que o choque entre o “novo” e o
“velho” foi um dos fatores de surgimento do tenentismo.

Quando se estuda a bibliografia mais conhecida sobre o assunto,


verifica-se que o movimento dos tenentes não se comportou
da mesma forma durante sua existência. Podemos estabelecer,
didaticamente, três etapas distintas do Tenentismo, todas de
contestação ao poder oligárquico vigente.

Na primeira, que foi de 1922 até 1929, houve maior penetração


das ideias tenentistas no seio da sociedade civil. Tomando
como ponto de referência o acontecimento emblemático
dos “18 do Forte”, os tenentes percorreram o caminho das
rebeliões e revoltas, na intenção de sensibilizar a população a se
posicionar contra o governo constituído legalmente. Perceberam,
posteriormente, que as adesões não eram suficientes para formar
um grupo que pudesse fazer frente ao governo. Partiram para

Unidade 3 185
Universidade do Sul de Santa Catarina

buscar reforços pelo interior do Brasil e compreenderam que não


podiam realizar qualquer projeto de mudança sem o concurso
de outros componentes da sociedade brasileira, que, como eles,
não tinham acesso às decisões políticas importantes, ou seja, não
participavam do poder, e eram marginalizados como cidadãos.

De fato, o Tenentismo passará por três etapas bem


definidas, embora, como sempre ocorre, imprecisamente
limitadas no tempo: na primeira os seus elementos
operam isoladamente, os seus pronunciamentos são
exclusivamente militares, abrangem pessoal militar
apenas, reduzem-se aos quartéis, revestem-se do
aspecto de luta armada tão somente: na segunda, os
seus elementos ligam-se a oposições políticas locais
ou regionais, em particular no Rio Grande do Sul,
alcançando, assim, amplitude maior, revestindo-se de
aspecto diferente, vinculando-se a forças diversas das
militares e de natureza partidária quase sempre; na
terceira, finalmente, o vínculo será como oposição federal
[...]. (SODRÉ, 1979, p. 213).

Esses acontecimentos foram gerados num contexto político-


social instável, que colocou as camadas médias urbanas da
sociedade e o operariado em confronto com o poder das
oligarquias, pois ansiavam por mudanças institucionais. Foi nessa
conjuntura que a jovem oficialidade, insatisfeita com a situação,
deu a sua contribuição de rebeldia. Os tenentes, impregnados
de um sentimento de superioridade cultural e profissional,
consideravam-se predestinados a resolver os problemas nacionais.

O Tenentismo dessa fase pode ser definido, em linhas


gerais, com um movimento político e ideologicamente
difuso, de características predominantemente militares,
onde as tendências reformistas autoritárias aparecem em
embrião. As explosões de rebeldia – da revolta do Forte
de Copacabana à Coluna Prestes – ganharam gradativa
importância e consistência, tendo no Rio Grande do Sul
uma irradiação popular maior do que em outras regiões.
(FAUSTO, 1997, p. 80-81).

186
História Militar Brasileira II

No começo, priorizáramos levantes armados vistos como a opção


mais eficaz para atingir os objetivos regeneradores.

A sucessão presidencial de Epitácio Pessoa (1918 - 1922) exaltou


os ânimos. A “Reação Republicana” de apoio à candidatura
de Nilo Peçanha ganhou terreno. A oficialidade não apoiou o
candidato das oligarquias paulista e mineira, Artur Bernardes.

No início de outubro de 1921, o incidente, que ficou conhecido


como “As cartas falsas”, acirrou a disputa política. Mesmo
com todo esse processo de desconfiança, Artur Bernardes Nos dia 9 e 15 de outubro de
foi eleito em 1922. Foram decretados a prisão do Marechal 1921, foram publicadas duas
Hermes da Fonseca e o fechamento do Clube Militar, fatos que cartas no jornal “O Correio da
Manhã”, ofensivas à pessoa
catalisaram as ações dos tenentes contra o governo constituído.
do Marechal Hermes da
A Escola Militar sublevou-se sob o comando do coronel Xavier Fonseca, ex-presidente da
de Brito, mas a sedição foi dominada rapidamente pelas tropas República e presidente do
estacionadas na Vila Militar, em Deodoro. Clube Militar, cuja autoria
foi atribuída ao candidato
A 5 de julho de 1922, uma revolta irrompeu no Forte de do governo, o mineiro Artur
Bernardes.
Copacabana, com a adesão do Forte do Vigia e dos alunos da
Escola Militar. Foi o primeiro levante tenentista no Brasil.
Visavam os revoltosos a derrubada do Presidente e do Ministro
da Guerra e o impedimento da posse de Artur Bernardes, pela
Crise das Cartas Falsas. Estavam, ainda, descontentes com a
situação política do Brasil. Não declaravam nenhuma ideologia
e propunham reformas na estrutura de poder do país, entre as
quais se destacam:

„„ o fim do voto de cabresto;

„„ instituição do voto secreto; e,

„„ a reforma na educação pública.

Apenas dezessete oficiais participaram da rebelião, obtendo o


apoio do civil Otávio Correia. Os dezoito amotinados, com um
idealismo inacreditável, enfrentaram as tropas federais.

Unidade 3 187
Universidade do Sul de Santa Catarina

Segue imagem da rebelião:

Figura 3.1-Revolta de 1922.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Após dois dias de tensão e pequenos confrontos, os tenentes e


as praças ocupantes do Forte resolveram sair, comandados por
Antonio de Siqueira Campos e Eduardo Gomes, e enfrentaram
as tropas leais ao governo na praia de Copacabana. O resultado
foi trágico, houve mortes e prisões. Esse desfecho tornou
o levante o mais representativo do Tenentismo. Dezesseis
morreram; os outros dois, muito embora baleados, sobreviveram.
Um dos sobreviventes foi Antônio de Siqueira Campos e o outro,
Eduardo Gomes, que, posteriormente, tornou-se Brigadeiro e
concorreu à presidência da república pela UDN.

Ocorreram indiciamentos nas justiças civil e militar. As praças


foram eximidas de responsabilidade. No processo, cerca de
600 cadetes da Escola Militar do Realengo foram indiciados e
o maior número foi desligado da Escola. O governo de forma
alguma deixou escapar a oportunidade de punir exemplarmente
os tenentes. O processo judicial, visto como manipulado pelo
governo com parcialidade, conforme a jovem oficialidade,
forneceu argumentos para que o “Movimento Tenentista”
continuasse as ações de sedição.

O ano de 1924 consignou novas dificuldades para o governo.


Uma revolta no Estado do Rio Grande do Sul, de caráter
regional, durante 1923, preocupou a oligarquia mineiro-paulista.
A Constituição estadual permitia a reeleição do governador

188
História Militar Brasileira II

do Estado. Borges de Medeiros, detentor do cargo e caudilho


de renome, reeleito para mais um mandato, se eternizava no
poder, o que desagradou a facção adversária chefiada por Assis
Brasil. A luta entre os dois grupos divergentes foi desgastante
e sangrenta. Houve a necessidade de intermediação do governo
federal para o cessar das hostilidades. Foi firmado um pacto que
ficou conhecido como “Acordo de Pedras Altas”, articulado pelo
então Ministro da Guerra, o Marechal Setembrino de Carvalho.
A regionalização acentuada do processo político trouxe apreensão
para o governo central, em face do federalismo pragmático que
veio modificar o panorama político do Brasil.

No final de 1923, houve um entendimento entre as lideranças


tenentistas para a deflagração de uma nova revolta, mais
abrangente e disseminada em todo o território nacional. O
governo, cauteloso com a possibilidade de novos levantes,
intensificou uma vigilância sobre os tenentes. A busca de um
comandante para liderar a revolta, para a tomada do poder
e mudança da ordem política, não recaiu sobre o oficial da
ativa, pois havia muita desconfiança por parte dos tenentes.
Encontraram, na figura do General Isidoro Dias Lopes, o
homem capaz de conduzir as ações, aliado aos irmãos Juarez e
Joaquim Távora, que haviam participado da sedição dos “18 do
Forte”.

O processo de escolha do líder demonstra a inexistência


de altas patentes militares identificadas com as aspirações
da média oficialidade, mas mostra também como os
tenentes reconheciam a primazia desses elementos para
pronunciar-se em nome da Instituição como um todo.
Ou seja, os tenentes buscaram um nome que legitimasse
o levante como uma tomada de posição do Exército
enquanto tal, reconhecendo que esse papel de representar
a Instituição cabia aos chefes da mesma.
Percebemos aqui uma continuidade da cisão interna no
seio das Forças Armadas entre altas e médias patentes,
manifesta no episódio de 22 e relativa a concepções
distintas sobre a função específica das Forças Armadas
frente ao Estado. (FORJAZ, 1997, p. 58-59).

Unidade 3 189
Universidade do Sul de Santa Catarina

O governo manteve a cidade do Rio de Janeiro e a região da Vila


Militar vigiadas. Com isso, foi escolhida, para núcleo da sedição,
a cidade de São Paulo. Em 1924, a capital paulista concentrava
uma indústria emergente; o próprio Estado permitia ligação
com outros Estados da Federação e havia clima de instabilidade
política, pois a sucessão local havia causado um racha no Partido
Republicano Paulista (PRP), e ainda pelo apoio de unidades da
Força Pública de São Paulo, chefiadas pelo major Miguel Costa.

No início, a participação de civis não aconteceu, mas em face do


erro do primeiro 5 de julho -- restringir o levante à área militar
-- , procuraram os tenentes o apoio da população civil. Em São
Paulo, a adesão ao movimento não se fez efetiva à oposição ao
governo de Artur Bernardes. Muito embora alguns historiadores
queiram negar uma identidade de propósitos entre a Revolução
de 1924 e a de 1922, parece claro que os dois 5 de Julho têm
muito mais em comum do que a simples participação de oficiais
do Exército. 

O movimento revolucionário, que irrompeu em São Paulo na


madrugada de 5 de julho de 1924, procurou até na data mostrar
coincidência de objetivos com a revolta de 1922, tendo como foco
a atuação de Artur Bernardes, sem dúvida um dos políticos mais
discutidos e combatidos do Brasil. Desdobrou-se a revolta de
1924 em duas fases:

„„ na primeira, os revolucionários ocuparam a capital e


algumas cidades de São Paulo, com a participação de
muitos que planejaram e executaram os levantes de 1922
em Copacabana e na Vila Militar;

„„ na segunda, uniram-se sediciosos paulistas e gaúchos


para formar a Coluna Miguel Costa-Prestes que, durante
quase dois anos, varou o Brasil pelo sertão adentro, na
maior e talvez mais bem-sucedida marcha militar da
História.

Para a deflagração do movimento contra Bernardes, dois


grupos principais de conspiradores uniram suas forças. Um
deles era liderado por Isidoro Dias Lopes, general reformado,

190
História Militar Brasileira II

que mantinha estreita ligação com Nilo Peçanha; e o outro era


trabalhado pelo Capitão Joaquim Távora, participante da revolta
de 1922 em Mato Grosso, que aliciava a quase totalidade dos
oficiais do Exército no Centro e no Sul do país. Desenvolveu-
se um vasto trabalho de articulação em São Paulo, no Distrito
Federal, no Paraná e no Rio Grande do Sul, resultando na adesão
de figuras importantes como o Major Miguel Costa, da Força
Pública paulista. O levante sofreu cinco adiamentos sucessivos:
25, 27 e 29 de junho e 1º e 3 de julho, antes de ser fixado para 5,
data escolhida especialmente por Joaquim Távora e Miguel Costa
para relembrar a revolta de 1922.

O general Cmt da 2ª Região Militar dirigiu-se aos locais


ocupados pelas tropas do Exército; quando as mandava regressar
ao quartel, recebeu voz de prisão do Capitão Joaquim Távora,
que estava acompanhado pelo Coronel João Francisco Pereira
de Souza, revolucionário gaúcho de 1923. Levado ao quartel da
Luz, ficou recolhido até que os rebeldes abandonaram a capital
paulista. O Capitão Juarez Távora, irmão de Joaquim, prendeu
em suas residências o comandante Coronel Domingos Quirino
Ferreira e o oficial Capitão Nataniel Prado, encarregado da
munição da Força Pública.

Miguel Costa já havia aliciado a totalidade dos integrantes da


Força Pública. Os tenentes Ary Fonseca Cruz e João Cabanas,
da Força Pública, assumiram respectivamente o controle
dos Correios e Telégrafos e da Estação da Luz. A Estação
Sorocabana também foi ocupada pelo Tenente Arlindo Oliveira,
e o Jardim Público transformou-se em campo de concentração de
prisioneiros. O governo estadual, alertado pelo General Abílio de
Noronha, cuidou de preparar a defesa do Palácio; o comandante
da guarda, Major Marcílio Franco, que dispunha de 27 homens,
conseguiu resistir ao ataque desfechado às 7h30min até apreender
três metralhadoras, fazendo com que os revolucionários
retraíssem para o quartel da Luz. Mais dois assaltos, um à tarde e
outro à noite, foram rechaçados. 

Com a reação legalista, o edifício dos Correios e Telégrafos


foi retomado às 19.00 h do dia 5; manteve-se a defesa do QG
da 2ª Região Militar, da usina da Light, do centro da cidade e

Unidade 3 191
Universidade do Sul de Santa Catarina

das Secretarias de Estado. À noite, o Palácio do Governo foi


reforçado com 160 praças do 4º BC. Nos dias 6 e 7, hipotecaram
solidariedade ao governo o 2º Regimento de Cavalaria
Divisionária, comandado pelo Major Adalberto Diniz, uma
coluna de marinheiros do encouraçado Minas Gerais, vinda de
Santos, liderados pelo Capitão-de-Fragata Joaquim Anatocles da
Silva Ferreira e contingentes do Forte de Itaipu e do Tiro Naval de
Santos, este sob o comando do Capitão-Tenente Benjamin Sodré. 

Aos rebeldes aderiu o 2º Grupo de Artilharia (Jundiaí), com 200


homens e uma bateria de 75 mm, assim como a maior parte das
guarnições de Quitaúna, de Lorena e de Caçapava, com cerca de
1.100 homens e centenas de metralhadoras. O governo federal
enviou reforços para Mogi das Cruzes onde o General Eduardo
Sócrates estabeleceu o quartel-general das forças legais e onde,
em breve, receberia reforço policial de vários Estados. Na manhã
do dia 9, Miguel Costa providenciou a defesa aproximada dos
quartéis da Luz e escreveu ao Presidente do Estado, assumindo a
responsabilidade exclusiva pela revolta na Força Pública.

O emissário, que levara a carta, voltou para avisar


que não encontrara ninguém e que a cidade fora
abandonada pelos governistas.

O General Sócrates cercou a cidade, contando com a


superioridade numérica assegurada pelas polícias estaduais. Na
segunda quinzena de julho, o efetivo governista era de cerca
de 15 mil homens. Os revoltosos lançaram mão de batalhões
mercenários estrangeiros:

„„ um, alemão, comandado por João José Tuchen;

„„ um, húngaro, ao comando de Maximilian Agid; e,

„„ um, italiano, de Lamberti Sorrentino, contando com


Ítalo Landucci, com importante atuação na fase móvel.

192
História Militar Brasileira II

A participação dos estrangeiros não foi de grande utilidade, já


que lhes faltava motivação para a luta. A 14 de julho, ao atacar o
5º Batalhão da Força Pública, em Liberdade, o Capitão Joaquim
Távora foi atingido gravemente, morrendo 4 dias depois. Esta foi
uma perda sensível para a revolução, por causa de seu idealismo e
capacidade de ação. 

Os revoltosos tentaram um armistício, condicionando-o


à renúncia do Presidente Bernardes, mas não obtiveram
êxito. Desde o dia 23, a pressão governista vinha aumentando,
com o emprego de carros-de-combate e de artilharia. Isidoro
decidiu abandonar São Paulo. Em trens da Paulista embarcou,
a 27 de julho, tropas para Bauru (cerca de 3 mil homens),
encarregando o Tenente Cabanas de cobrir esse movimento. 

Em pouco tempo, porém, as tropas do General João


Nepomuceno da Costa reatravessaram o Paraná e estabeleceram
entre Catanduvas e Guaíra uma linha de defesa, resistindo
durante três meses às investidas governistas. João Francisco
Pereira de Souza decidiu mandar ao Rio Grande do Sul, para
insuflar a revolução, os tenentes Iran da Cunha e Siqueira
Campos. 

Pelos trens da Paulista, os revoltosos passaram por Campinas


e atingiram Bauru, visando infletir para Mato Grosso. Em
Bauru, constataram ser impossível utilizar a Estrada de
Ferro do Noroeste, motivo pelo qual tomaram o ramal da
Sorocabana, passando por São Manuel e Botucatu. Em Mato
Grosso, não conseguiram ocupar a cidade de Três Lagoas.
Nesta oportunidade, proclamaram a República de Brasilândia.
Premidos pelas tropas legais, os revoltosos atravessaram o rio
Paraná e penetraram no Estado do Paraná. Decidiram tomar
Guaíra, defendida pelas forças comandadas pelo Capitão
Dilermando Cândido de Assis. 

O Coronel João Francisco apoderou-se de Guaíra e firmou-se


no Paraná. Imediatamente, procurou a adesão do Rio Grande
do Sul. A 6 de outubro, chegava a Guaíra Antônio de Siqueira

Unidade 3 193
Universidade do Sul de Santa Catarina

Campos, que se encontrava exilado na Argentina. Fracassado o


movimento em São Paulo, irrompeu no Estado do Rio Grande
do Sul outra sublevação, em 29 de outubro, coordenada por
Juarez Távora, Siqueira Campos e Iran da Cunha. Diversas
unidades do Exército insurgiram-se, dominando Santo Ângelo,
São Luís, São Borja, Itaqui e Uruguaiana. O Capitão Luís Carlos
Prestes, nome de invulgar prestígio no Exército, integrou-se na
revolução, sendo incumbido do levante do Batalhão Ferroviário
de Santo Ângelo. 

Ao mesmo tempo, diversos antigos revolucionários civis


aderiram ao movimento. Repelidos de ltaqui e São Borja,
os revolucionários concentraram-se em São Luís. Grande
número de combatentes de 23, inconformados com o “Pacto de
Pedras Altas”, juntaram-se a eles. A 3 de dezembro, atacaram
Tupanciretã, tendo a luta se prolongado de 5.00h às 16.00h. Por
fim, resolveram os atacantes retirar-se para São Luís. 

O comandante da 3ª Região Militar, General Andrade Neves,


organizou diversos destacamentos para dar combate às tropas
rebeldes. Prestes evitou um encontro com o Destacamento
Claudino, preferindo investir sobre o ponto fraco dos legalistas
em Ijuí. João Alberto, que comandava a vanguarda Prestes,
enfrentou, em Ramada, no dia 3 de janeiro de 1925, o
Destacamento Lúcio Esteves, que foi forçado a recuar, enquanto
o chefe revolucionário gaúcho cruzava o Alto Uruguai rumo
a Barracão, Paraná, onde deveria ligar-se às tropas de Isidoro,
mandando o Capitão Rui Zubaran com mil homens pela
fronteira, em direção a Iguaçu. 

O Destacamento Claudino, com quatro corpos, seguiu as


pegadas de Prestes pela margem do Peperi-Guaçu. Combateu os
rebeldes em Derrubadas, Burro Morto e Maria Preta, onde um
destacamento comandado por Osvaldo Cordeiro de Farias lhe
ofereceu vigorosa resistência. 

A revolução rebentara em julho, atingira o Paraná em outubro e


agora já se estava no mês de março de 1925. Houvera tempo de
sobra para que o governo se organizasse. O cerco de Catanduvas

194
História Militar Brasileira II

prosseguia. Seus defensores já não tinham alimentação regular;


com muita sorte, faziam uma refeição por dia. Faltava munição,
além de víveres. Cessou por isso a luta em Catanduvas, em 27
de março de 1925. A resistência transferia-se para a serra do
Boi Preto, sob o comando direto de Miguel Costa. Dali ele
não arredaria pé, enquanto não chegassem os revolucionários
procedentes do sul.

O encontro das duas colunas foi o desencontro de dois


conceitos.

A de Siqueira Campos vinha abrir nova era, enquanto a de


São Paulo queria encerrar um ciclo. Todos esperavam uma
definição. Desejavam seguir juntos, mas não sabiam para onde.
O exílio era uma alternativa. Isidoro iria dar a palavra final: nada
mais se pode fazer no terreno militar. Conflitavam as teses da
emigração e do prosseguimento das ações. Prevaleceu a última
opção, sustentada por Juarez Távora, um dos mais castigados
da coluna paulista. Miguel Costa assegurou que prosseguiria na
luta. Isidoro iria para o exílio na Argentina, com vistas a poder,
do estrangeiro, influenciar novos surtos revolucionários; Miguel
Costa assumiria a chefia da coluna formada pelos elementos do
Rio Grande e os remanescentes de Catanduvas. À frente de seu
estado-maior estava Prestes. 

Aos 800 homens da brigada em que serviam sob as ordens


dos Tenentes-Coronéis João Alberto Lins de Barros, Siqueira
Campos, Cordeiro de Farias, Majores Paulo Krüger da Cunha
Cruz, Manuel Alves de Lira e Capitão Ari Salgado Freire,
juntaram-se os 700 combatentes paulistas comandados pelo
General Miguel Costa. Entre os seus integrantes estavam
o Tenente-Coronel Juarez Távora, o Major Coriolano de
Almeida Junior, os capitães Djalma Soares Dutra, Lourenço
Moreira Lima, Alberto Costa. Vale notar que esses oficiais, no
contexto revolucionário, tinham sido comissionados em postos
hierárquicos superiores. Todo esse aparato militar passou a ser
designado como coluna Miguel Costa-Prestes.

Unidade 3 195
Universidade do Sul de Santa Catarina

A seguir, o caminho percorrido por esta coluna:

Figura 3.2 - A marcha da coluna.


Fonte: História Crítica do Brasil.

Os legalistas apertavam o cerco dos revoltosos sobre o Paraná,


justamente no trecho mais perigoso, onde o rio corre apertado
entre as muralhas de granito. Mesmo assim a coluna conseguiu
atravessá-lo, embarcando nos portos Mendes e Artaza com
cavalos, armamento pesado e munições, indo desembarcar em
Porto Adela, na margem paraguaia. Para realizarem a travessia
de 27 a 29 de abril de 1925, os insurgentes ordenaram a um
esquadrão, comandado por Deusdedit Loiola, atrair o grosso da
tropa legalista para Foz do Iguaçu, enquanto a coluna se retirava
de Porto Mendes. Os executantes da manobra diversionária
não conseguiram alcançar os companheiros, sendo obrigados
a emigrar. Depois de atravessarem 25 léguas de território
paraguaio, os revolucionários penetraram novamente em solo
brasileiro, a 30 de abril, em Porto Lindo, sobre o rio Iguatemi,
em Mato Grosso.

196
História Militar Brasileira II

É quase impossível mencionar todos os feitos da coluna que


varava os sertões brasileiros, entranhando-se em paragens
remotas onde as forças federais não podiam alcançá-la. Tornou-se
uma coluna fantasma que, de tempos em tempos, reaparecia para
desaparecer pouco depois. 

O roteiro traçado a seguir é baseado em Glauco Carneiro e Américo


Chagas. Vamos a ele?

Reentrando em Mato Grosso, a coluna investiu por Goiás e


Minas Gerais, combatendo na Bahia e indo até o Maranhão.
Mas não foi só isso: do Parnaíba, nesse volteio infernal, avançou
de novo em direção a Minas Gerais, através do Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e novamente Bahia,
retrocedendo outra vez a terras mineiras, baianas, pernambucanas
e piauienses, para alcançar Goiás, rumo a Mato Grosso. Daí
voltou a percorrer território goiano, contramarchando em direção
a Mato Grosso, para, finalmente, exilar-se na Bolívia a 3 de
fevereiro de 1927.

No Brasil, permanecera o melhor destacamento, o 3º, comandado


por Siqueira Campos, com a missão de desviar a perseguição
legalista e, assim, ensejar o internamento do grosso da coluna
em um país vizinho, sem maiores problemas. Traçando uma
circunferência grandiosa em torno de Cuiabá, o destacamento
de Siqueira Campos invadiu Goiás e, por fim, o Estado de
Minas Gerais, onde se apoderou de Paracatu, em 14 de fevereiro,
com 80 homens. Desta cidade, Siqueira dirigiu-se para o sul,
internando-se finalmente no Paraguai, depois de percorrer 9 mil
quilômetros em cinco meses, chegando a fazer 80 quilômetros
por dia. Escreve Glauco Carneiro (1966):

Não foi à toa que se disse assemelhar-se esse raid a um


raio que houvesse traçado uma linha luminosa de mais
de mil léguas dentro de nosso território, indo desaparecer
além das nossas fronteiras. A rapidez fantástica de seus

Unidade 3 197
Universidade do Sul de Santa Catarina

movimentos, fazendo-o chegar a cidades distantes antes


mesmo dos telegramas anunciando sua passagem por
outras regiões, a extensão percorrida com o diminuto
efetivo e os combates que travou são bem representativos
da competência do grande chefe que se forjara
derramando seu sangue na areia de Copacabana. 

A coluna, durante mais de dois anos, percorreu 24 mil


quilômetros e 13 Estados da federação. Foi combatida por todos
os tipos de adversários: forças regulares, conduzidas pelo General
Cândido Mariano da Silva Rondon e Coronel Bertholdo Klinger. 

Visando ao objetivo político de não depor as armas durante o


governo Bernardes, a coluna optou pela guerrilha, causando
preocupação e estafa às forças encarregadas de combatê-la. Só
tomou a resolução de se internar, quando o novo governo de
Washington Luís tomou posse, propiciando a esperança, também
logo frustrada, de melhores dias para os brasileiros ansiosos por
reformas e pela implantação do voto secreto. 

Acabara a grande jornada.

A coluna encerrara o ciclo de revolução volante, aparentemente


sem conseguir nada mais do que o ódio de muitos e a admiração
de poucos, sem que sacudisse, na sua solidez, o regime que
condenara de morte, nem tirasse do poder o duro homem
que detestava, observaria Pedro Calmon. Na verdade, aqueles
idealistas veteranos de tão extensa campanha iam apenas
retemperar no desterro as energias esgotadas por tantos meses de
luta. Voltariam em 1930. 

198
História Militar Brasileira II

Seção 3 – A Missão Militar Francesa


Aureliano Pinto de Moura

3.1 - A necessidade de uma missão militar


Após a 1ª Guerra Mundial havia forte motivação para a
contratação de uma missão militar estrangeira. Para alguns
militares, o indicado seria uma missão francesa, cujas tropas
haviam sido vencedoras na guerra que se findou. Mas havia
um grupo favorável que fosse uma missão alemã. Esses eram
oficiais que haviam estagiado na Alemanha e admiradores de seu
Exército. A eles somava-se a opinião do Barão do Rio Branco, do
general Bertoldo Klinger e do próprio Hermes da Fonseca.

Quando a oficialidade que havia estagiado no exército alemão --


ou aqueles que estagiaram ou participaram na 1ª Guerra Mundial,
como observadores ou integrantes do Exército francês -- chegou
ao Brasil e seguiu para as suas unidades, mostrava maior preparo
do que os mais antigos, muitas vezes causando constrangimentos
ou inversão de valores, trazendo prejuízos para a disciplina e
para a hierarquia. Isto contribuiu para enveredar pelas rebeliões e
quarteladas, em 1922 e 1924, por exemplo.

Muitos esforços foram feitos no campo militar, em


benefício de reformas efetivas e necessárias. Mas
dificuldades tiveram que ser vencidas, em virtude da
reação de alguns militares.

A revista Defesa Nacional, criada pelos “jovens turcos”, já no


seu nº3, de 10 de dezembro de 1913, defendia a contratação de
uma missão alemã, enquanto outros militares de peso davam
preferência para uma missão francesa, não só pelas afinidades
culturais, mas por ser o Exército francês o grande vitorioso da 1ª
Guerra Mundial. A realidade é que, no meio militar, a corrente
germanófila sempre foi muito grande, como mostra a Revista
Militar, editada de 1889 a 1908.

Unidade 3 199
Universidade do Sul de Santa Catarina

No ano de 1917, dois adidos militares defenderam a criação de


uma Missão Militar francesa:

„„ o capitão Alphonse Fanneau de la Horie, adido francês


no Brasil, que servira na Missão junto da Força Pública
de São Paulo; e,

„„ o major Alfredo Souto Malan, adido militar brasileiro,


em Paris.

A decisão final foi a favor de uma Missão Militar francesa.

Em 26 de outubro de 1917, o Congresso Nacional retificou


o Estado de Guerra com o Império Alemão. O ato levou o
marechal Caetano de Faria, Ministro da Guerra, a tomar uma
série de medidas para dar prosseguimento à remodelação do
Exército, em andamento desde 1915, e, finalmente oficializado,
o Serviço Militar Obrigatório. Somente em 1919 surgem os atos
para a contratação da Missão Militar francesa.

Em 1924, a tropa empenhada contra os revoltosos não estava


em melhor situação do que a que enfrentou os jagunços do
Contestado. Seus problemas foram os mesmos. Nada mudara,
apesar da Missão Militar Francesa.

3.2 - As primeiras reformas

Uma das primeiras reformas realizadas por influência francesa foi


a criação do Conselho de Segurança Nacional, surgido em 1927.
Seu trabalho foi conscientizar a nação de que, em caso de guerra,
o País não dependeria somente da mobilização militar. Mas, em
função da Constituição de 1891, não incorporou, na época, uma
organização prática necessária a um plano de rendimento. Isso só
veio a acontecer após a Constituição de 1934, que incorporou o
essencial da questão.

200
História Militar Brasileira II

No ano de 1920, um novo regulamento para operações da


infantaria começa a ser utilizado nos quartéis brasileiros. Na
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, inicia-se a instrução dos
quadros ministrados por instrutores franceses e, na Escola de
Comando e Estado-Maior, foi criado o Curso de Revisão para os
já diplomados.

Em 31 de dezembro de 1921, foi criada a Escola de Saúde do


Exército, inaugurada somente em 8 de maio do ano seguinte.
Inicialmente funcionou como Curso de Revisão para todos os
oficiais médicos e farmacêuticos sediados no Rio de Janeiro,
mas o seu primeiro Curso de Formação de Aplicação de Saúde
do Exército foi criado em 10 de julho de 1927 (A. Martins da
Silva). Dois oficiais franceses participaram desse Curso como
instrutores, ambos membros da Missão Militar Francesa:

„„ o tenente-coronel médico Louis Marland; e,

„„ o major médico Jean Bonissou.

Um novo Regulamento de Equitação do Exército foi elaborado,


pondo fim a uma séria e renhida disputa entre nacionalistas,
adeptos da tradição gaúcha, e germanófilos, defensores da
equitação da cavalaria germânica.

Desde 1921, o Estado-Maior do Exército partiu em ritmo


acelerado para desenvolver o preparo da tropa, visando a atuação
em combate da mobilização às operações de guerra. Mas,
somente no ano seguinte, foi possível realizar o primeiro ensaio.
Em 1922, deu-se início à reorganização do Exército. E a grande
novidade foi o Grupo de Combate, estruturado em torno de um
fuzil-metralhador. Cada dois grupos constituindo uma Seção
e cada duas seções um pelotão de infantaria. Na cavalaria, os
pelotões possuíam apenas um grupo de combate formado por
duas esquadras, além de mais duas destinadas às missões de
vigilância, ligação ou informações.

Unidade 3 201
Universidade do Sul de Santa Catarina

3.3 - A reorganização do Exército sob a influência da Missão


Francesa
O Exército Brasileiro, em tempo de paz, passou a ter um Estado-
Maior General constituído pelo Quadro de Oficiais Generais.
A tropa passou a contar com cinco divisões de infantaria e
três de cavalaria, além de uma brigada mista e várias unidades
independentes.

A Divisão de Infantaria era comandada por um general de


divisão, contando com:

„„ um Quartel General;

„„ um estado-maior e chefias de serviços, além de seus


auxiliares;

„„ uma escolta de quartel-general; e,

„„ a tropa.

Essa tropa era composta por:

„„ duas brigadas de infantaria, a dois regimentos de


Infantaria ou um regimento mais três batalhões de
caçadores;

„„ uma brigada de artilharia, constituída por dois


regimentos de artilharia montada, um regimento de
artilharia pesada e um grupo de artilharia de montanha;

„„ a brigada mista, que compreendia três batalhões de


caçadores, um regimento de artilharia montado, um
esquadrão misto de aviação e um batalhão de engenharia;

„„ além de um regimento de cavalaria divisionário, um


batalhão de engenharia, um esquadrão de observação e
os órgãos de serviços.

202
História Militar Brasileira II

A Divisão de Cavalaria era comandada por um general-de-


brigada, contava com um Quartel General, igual à Divisão de
Infantaria, compreendendo:

„„ duas brigadas de cavalaria a dois regimentos de cavalaria


independentes;

„„ um grupo de artilharia a cavalo;

„„ um batalhão de infantaria de montanha; e,

„„ um esquadrão de transmissões.

As grandes novidades surgidas nas divisões foram as unidades de


aviação e a companhia de assalto.

A Escola de Aviação surgiu em 1918, com instrutores franceses


contratados, que formavam pilotos, mecânicos e observadores.
A partir de 1920, os pilotos passaram a ser classificados em
militares e navais. A arma de aviação só veio a ter autonomia
em 1927, com o respectivo Estatuto da Aviação Militar. Passa a
existir a Diretoria de Aviação, a Escola de Aviação e o Depósito
Central de Aviação. Os pilotos eram recrutados entre os oficias
das armas, desde que fizessem o Curso da Escola de Aviação
como 2ºs tenentes. Paralelamente à criação da Aviação Militar,
foi criada a artilharia antiaérea, com baterias de canhões e
companhias de projetores.

3.4 - A mobilização e a regulamentação


Voltando a sua atenção para a situação de guerra, em 1927
o Exército fez um grande esforço para a regulamentação da
mobilização. Em particular, em relação às requisições militares.
A lei decretada em 1921 precisou vencer grandes resistências
jurídicas e políticas. Assim, em 1930, deu-se uma solução
ao serviço militar ferroviário, visando o apoio às operações
de guerra. Partindo do princípio de que uma guerra não se

Unidade 3 203
Universidade do Sul de Santa Catarina

faz apenas contando com os oficiais oriundos das escolas de


formação, ou graduados promovidos, o Exército resolveu criar o
Curso de Preparação de Oficiais da Reserva, do Rio de Janeiro.
Depois, em outras capitais dos estados. Estes cursos destinam-se
à formação de oficiais de 2ª classe, inicialmente formando apenas
oficiais de infantaria, cavalaria e artilharia.

No período de 1920 a 1921, o Exército se dedicou à elaboração


de regulamentos militares, com a assessoria dos franceses. Assim,
inúmeros regulamentos foram elaborados e entraram em uso.

Dentre eles:

„„ “Direção e Emprego de Grandes Unidades”;

„„ “Serviços em Campanha” (revisão do de 1918);

„„ “Organização do Terreno”;

„„ “Exercício e Emprego de Artilharia”;

„„ “Serviço de Estado-Maior em Campanha”; e,

„„ “Instrução de quadros e da Tropa”.

Levantados os possíveis Teatros de Operações, foram criadas


as Inspetorias de Grupos de Regiões, que não tinham funções
administrativas, nem um comando em tempo de paz, apenas
acompanhamento à instrução e ao adestramento da tropa,
levantando as necessidades e a real capacidade de ação em
situação de guerra. Após a retirada da Missão Militar Francesa,
essas Inspetorias deixaram de existir, gerando certo prejuízo para
a eficiência do preparo para a guerra.

A grande virtude da Missão Militar Francesa foi


conscientizar da necessidade de o Exército de paz estar
sempre voltado para a sua finalidade principal que é o
preparo para a guerra.

204
História Militar Brasileira II

Seção 4 - A Revolução de 1930


Eduardo Henrique de Souza Martins Alves

Rompeu-se a “república do café com leite” quando Washington


Luís, ao contrário do que se esperava, insistiu na candidatura do
governador de São Paulo na época, Júlio Prestes. Esse fato levou
tanto gaúchos quanto mineiros a buscar outro candidato. Durante
o ano de 1929, foi lançada a candidatura de Getúlio Vargas,
tendo João Pessoa, sobrinho de Epitácio Pessoa e governador da
Paraíba, como candidato à vice-presidência. Estava formada a
Aliança Liberal.

O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações


das classes dominantes regionais não associadas ao
núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a classe
média. Defendia necessidade de se incentivar a produção
nacional em geral e não apenas o café. (FAUSTO, 2003,
p. 319).

Tais propostas vinham acompanhadas da defesa das liberdades


individuais, de medidas de proteção aos trabalhadores, além de
propor a anistia aos insurgentes dos anos 20, como forma de
buscar o apoio dos “Tenentes”; propunha, também, uma reforma
política capaz de garantir a legitimidade das eleições.

Em meio a esse processo, eclodiu a crise mundial de 1929. Isso


trouxe mais problemas para o setor cafeicultor, que pediu novos
financiamentos e o perdão de suas dívidas, como forma de
enfrentar a crise. Tal tratamento diferenciado que recebiam os
produtores de café acabou causando muita insatisfação em São
Paulo.

Apesar disso, Júlio Prestes venceu as eleições no início de março


de 1930, eleições marcadas pela desconfiança sobre o uso dos
poderes locais na definição dos resultados, seja em benefício do
vencedor, seja da Aliança Liberal em alguns estados, como o
Rio Grande do Sul. O sistema eleitoral vigente dera margem a
eleições viciadas durante todo o período da República Velha.

Unidade 3 205
Universidade do Sul de Santa Catarina

A derrota nas eleições foi seguida da tentativa de aproximação


com o movimento tenentista que, apesar de derrotado,
continuava influenciando bastante o universo político nacional,
principalmente dentro do Exército. Os participantes desse
movimento acabaram tecendo um acordo como os políticos
da Aliança, juntando, no mesmo campo, políticos mais novos
e militares rebeldes. Somente Luís Carlos Prestes, o líder do
movimento, escolheu ficar fora desse acordo, declarando-se
um socialista revolucionário e condenando o apoio a qualquer
oligarquia dissidente.

Figura 3.3 - O comandante do 22º Batalhão de Caçadores, coronel Maurício José Cardoso, com os
oficiais da unidade, meses antes da Revolução de 1930.
Entre eles, há vários envolvidos Fonte: Gilberto Velho – FGV.
na articulação do movimento
revolucionário, principalmente
os tenentes Juraci Magalhães, As alianças promovidas depois das eleições não foram suficientes
Agildo Barata, Jurandir para dar vulto à conspiração revolucionária que se formava.
Mamede e Paulo Cordeiro. Em meados do ano de 1930, ela ainda se encontrava bastante
Paraíba, João Pessoa, 24 de
abril de 1930.
desarticulada, mas um fato foi o estopim de que precisavam para
dar o impulso final aos planos conspiratórios:

A 26 de julho, João Pessoa era assassinado em uma


confeitaria do Recife por João Dantas, um de seus
adversários políticos. O crime combinava razões privadas

206
História Militar Brasileira II

e públicas, mas, na época, só se deu destaque às últimas,


pois as primeiras arranhariam a figura de João Pessoa
como mártir da revolução. (FAUSTO, 2003, p. 323).

A morte de João Pessoa teve papel decisivo no processo de


mudança de poder que se seguiu. Seu enterro, no Rio de Janeiro,
para onde o corpo foi levado, acabou reunindo um grande
número de pessoas. Isso foi um presente para os oposicionistas,
que agora ancoravam seu movimento na figura de um mártir,
explorando muito bem o apelo emocional que esse fato criava. A
articulação para a revolução tomava vulto.

Finalmente, em 3 de outubro de 1930, estourou a


revolução em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul.

Figura 3.4 - Avião Moreane empregado pelos revolucionários em Pedro Leopoldo (MG).
Fonte: Arquivo Cristiano Machado/CPDOC.

Em Minas Gerais, na capital, os revoltosos, representados


principalmente pela Força Pública estadual, enfrentaram a heroica
resistência do 12º Regimento de Infantaria, legalista, e a luta se
estendeu por cinco dias; só acabou quando o regimento, sitiado e
sem mantimentos, se rendeu. No Nordeste, o movimento liderado
por Juarez Távora, que, da Paraíba, coordenava as ações, chegou a
um desfecho na madrugada do dia 4.

Unidade 3 207
Universidade do Sul de Santa Catarina

Figura 3.5 - Getúlio Vargas chega ao Paraná.


Fonte: Arquivo Getúlio Vargas/CPDOC/FGV.

Do Rio Grande do Sul, uma coluna se formara e iniciara a


marcha em direção ao Rio de Janeiro, sob a liderança de Oswaldo
Aranha e Goes Monteiro. A ação deste contribuía para que
fossem vencidas resistências de unidades legalistas ou ocorressem
adesões ao movimento. A coluna avançou ao longo do eixo
ferroviário e houve um momento em que as forças governamentais
se prepararam para atacar a vanguarda revolucionária em Itararé,
protagonizando a famosa batalha que não houve.

Figura 3.6 - Manifestação popular por ocasião da chegada à capital paulista de Miguel Costa,
comandante da vanguarda revolucionária.
Fonte: Reproduzida de Eu Vi, v. 1, n. 4, 12 nov. 1930 – FGV.

208
História Militar Brasileira II

Antes do confronto final, em 24 de outubro, o Exército,


representado pelos generais Tarso Fragoso, Mena Barreto e
Leite Castro, e a Marinha, através do Almirante Isaías Noronha,
depuseram o presidente da República, constituindo uma junta
provisória de governo.

As manifestações populares, principalmente as vindas do Sul,


reivindicavam a investidura de Getúlio Vargas na presidência
da república. Ele, que viera de trem até São Paulo, dali seguiu
para o Rio de Janeiro, aonde chegou precedido por três mil
soldados vindos do Rio Grande do Sul. Em 3 de novembro de
1930, tomou posse como Presidente da República, dando um
fim definitivo ao período que conhecemos como a Primeira
República.

Figura 3.7 - Getúlio Vargas.


Fonte : Arquivo Histórico do Exército.

A estrutura agrária, dominante desde os anos coloniais,


iria ceder aos grupos urbanos, que se fundamentavam
no comércio e indústria nascentes. O crescimento
material das cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo,
provocou um conjunto de mudanças em seus habitantes,
cercados por uma multiplicidade de confortos novos e
desconhecidos. (FROTA, 2000, p. 603).

Unidade 3 209
Universidade do Sul de Santa Catarina

O governo de Getúlio surgia como uma nova forma de pensar


o Estado. Se antes as oligarquias alternavam o poder, agora o
Estado estava mais centralizado e o presidente gozava de uma
maior autonomia em relação a essas elites tradicionais. Além
disso, no campo econômico, Getúlio se voltou para o objetivo
de promover uma industrialização gradual, fugindo do modelo
unicamente agroexportador da administração anterior. No campo
social, ele buscou incorporar os trabalhadores urbanos numa
aliança de classes, ampliando a proteção estatal da categoria.
Além, é claro, de dar às Forças Armadas, especialmente ao
Exército, um papel central, tanto na manutenção da ordem
interna, quanto na tarefa de apoiar o desenvolvimento da
indústria de base.

Vimos, portanto, que as instituições militares, oscilando entre


a legalidade e a revolução, terminaram por acompanhar as
aspirações majoritárias da nação e, representadas por seus chefes
mais graduados, intervieram novamente no processo político
nacional. Durante o movimento, vimos exemplos extremos
de fidelidade ao governo e de persistência no cumprimento do
dever constitucional; deles, o mais significativo foi a resistência
do 12º RI, em Belo Horizonte. Vimos também a preocupação
dos comandantes militares em evitar uma guerra civil e o
derramamento de sangue entre compatriotas e a ação neste
mesmo sentido.

Síntese
O período da história militar brasileira estudado nesta unidade
tem características bem particulares. De um lado, a perseverança
das instituições militares em concluir sua reorganização
e reequipamento e a busca de um profissionalismo que as
consolidasse novamente como instrumento do estado nacional;
de outro, a participação de um grupo prestigioso de oficiais, a
maioria deles ainda tenentes, nas insurreições contra uma ordem
social e política já ultrapassada e uma economia estagnada,
atrasada mais de cem anos em relação à revolução industrial que
tomara conta do mundo ocidental.

210
História Militar Brasileira II

De um lado o ciclo revolucionário do “tenentismo”; de outro o


procedimento profissional que as empenhava no adestramento
orientado pela Missão Francesa no Exército e estimulado
pelo moderno material recebido pela Marinha. A contenção
das rebeliões foi eficaz, mas, em 1930, esgotara-se de vez a
“República Velha”. Iniciada a Revolução pela Aliança Liberal, aos
poucos, vai ganhando o apoio de militares que arrastam com eles
suas unidades e guarnições federais. A posição legalista de alguns
comandantes e unidades resultaram em episódios importantes,
dos quais a resistência do 12º Regimento de Infantaria, em
Belo Horizonte, MG, se tornou um símbolo. Mas a deposição
de Washington Luiz e seu governo por uma Junta Militar e
a entrega do governo a Getúlio Vargas significou o ponto de
encontro das diversas correntes do pensamento nacional que
desejavam, enfim, segundo alguns historiadores, “proclamar a
república”.

Na verdade, o Brasil vivia a mesma coisa que todo o


mundo ocidental.

A instabilidade socioeconômica e sociopolítica da década de


1920 na Europa enfraquecera os vencedores de 1918 e abrira
o caminho para os governos de viés fascista, autoritários
ou ditatoriais, como os que foram se formando na Rússia
soviética, na Itália e na Alemanha. A crise financeira de 1929
comprometera a economia capitalista e, nos Estados Unidos da
América, Roosevelt conduziria seu “New Deal”, um novo pacto
social e político, uma nova economia. No Brasil, a Revolução de
30 daria início ao que se chamou a “era Vargas”, objeto de nossa
próxima unidade.

Mas lembre-se de que nosso objetivo na história militar brasileira


será sempre o de analisar a evolução das instituições militares
brasileiras, as peculiaridades do emprego do poder militar nos
conflitos internos e externos e a evolução da arte da guerra e
do pensamento militar no Brasil; identificar e caracterizar a
participação militar na sociedade, na economia e na vida política
do país, no período considerado. Não perca isto de vista.

Unidade 3 211
Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades de autoaprendizagem

1) Qual a influência da Missão Militar Francesa na evolução do


pensamento militar brasileiro?

2) Analise a importância da contenção à “Coluna Miguel Costa – Prestes”


para as instituições militares brasileiras quanto à sua missão de garantia
da lei e da ordem.

212
História Militar Brasileira II

Saiba mais
Para saber mais sobre o que estudamos nesta unidade, acesse a
seguinte bibliografia:

BARROS, João Alberto Lins de. A marcha da coluna. Rio de


Janeiro: Bibliex, 1997.

CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no


Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

COELHO, Edmundo Campos. Em busca da identidade:


o exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1976.

CARNEIRO, Glauco. História das revoluções brasileiras. Rio


de Janeiro: Record, 1989.

______. O revolucionário Siqueira Campos. Rio de Janeiro:


Gráfica Record Editora, 1966.

CORRÊA, Anna Maria Martinez. A rebelião de 1924 em São


Paulo. São Paulo: Hucitec 1976.

FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história.


São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

______. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FORJAZ, Maria Cecília Spinna. Tenentismo e política. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1997.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de história do Brasil.


Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.

MACAULAY, Neill. A coluna Prestes. São Paulo: Difel, 1977.

Unidade 3 213
Universidade do Sul de Santa Catarina

PINHEIRO, Paulo Sérgio. Classes Médias Urbanas: Formação,


Natureza, Intervenção na Vida Política. In: FAUSTO, Boris
(Dir). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil
Republicano, Sociedade e Instituições. Rio de Janeiro: Difel,
1985.

PRESTES, Anita Leocádia. A coluna Prestes. São Paulo:


Brasiliense, 1999.

SANTA ROSA, Virgínio. O sentido do tenentismo. São Paulo:


Alfa-Ômega, 1976.

SODRÉ, Nelson Werneck. A coluna Prestes: análise e


depoimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

______. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1979.

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O Processo Político-


Partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme
(Org). Brasil em Perspectiva: Corpo e Alma do Brasil. Rio de
Janeiro: Difel, 1978.

214
4
unidade 4

Era Vargas: de 1930 a 1945


Carlos Roberto Carvalho Daróz
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução das instituições militares brasileiras,
as peculiaridades do emprego do poder militar nos
conflitos internos e externos e a evolução da arte da
guerra e do pensamento militar no Brasil no período
republicano.

„„ Identificar e caracterizar a participação militar na


sociedade, na economia e na vida política brasileira no
período republicano.

Seções de estudo
Seção 1 Revolução Constitucionalista de 1932

Seção 2 Intentona comunista de 1935

Seção 3 O “Estado Novo” e a participação do Brasil na


Segunda Guerra Mundial
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A “era Vargas”, para muitos historiadores, já o dissemos, vai
desde que Getúlio Vargas assumiu a chefia do governo em 1930
até 1954, quando ele cometeu suicídio, em meio a uma grave crise
política interna. Preferimos reduzi-la a seu primeiro período de
Governo provisório, governo consti- governo, uma vez que, para a história das instituições militares
tucional, “Estado Novo”. brasileiras, a participação na Segunda Guerra Mundial constituiu
um divisor de águas, e o que veio depois dela teve características
diferentes, mesmo envolvendo, ainda, gerações de militares que
participaram intensamente dos acontecimentos das décadas de
1920 e 1930 e gerações formadas durante este período.

A Revolução de 1930, por seu ideário e pelo que representou


para o país, pode ser considerada a primeira revolução depois da
Abolição da escravatura. Mesmo a proclamação da república,
um golpe de estado, não teve o alcance e as consequências nem
da Abolição, nem da Revolução da Aliança Liberal (1929) que
derrubou a “República Velha”. E as insurreições ocorridas antes – e
foram muitas – ficaram muito aquém do que ela representou; quase
um desaguar de todas as demandas das demais.

Para as instituições militares, a adesão progressiva das guarnições


do Exército ao movimento, que culminou com a deposição de
Washington Luiz e a entrega do governo a Getúlio, indica
uma mudança da postura legalista que sufocara ou contivera os
movimentos anteriores. Aí sim, semelhante ao que acontecera
na implantação e consolidação da República, as compromete
com a garantia do governo Vargas, mesmo contra os que, tendo-
se incorporado à revolução e tendo sido anistiados e por ela
reintegrados à vida nacional, se voltaram contra os rumos que
adotara Getúlio.

Escolhemos nesta unidade, os episódios mais significativos do


período:

„„ a Revolução Constitucionalista de 1932;

„„ a intentona comunista de 1935;

216
História Militar Brasileira II

„„ a implantação do Estado Novo; e,

„„ a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

Vamos a eles?

Seção 1 – Revolução Constitucionalista de 1932


Carlos Roberto Carvalho Daróz

O movimento revolucionário paulista de 1932 foi um dos


mais importantes acontecimentos ocorridos no governo
provisório de Getúlio Vargas. Também chamado de Revolução
Constitucionalista e de Guerra Civil Brasileira, o levante de 1932
eclodiu em São Paulo no dia 9 de julho.

Durante cerca de três meses de combate,


confrontaram-se nos campos de batalha forças
rebeldes e legalistas naquele que foi o mais importante
conflito interno já ocorrido no Brasil.

Na figura a seguir, é possível visualizar o monumento construído em


homenagem aos combatentes deste conflito:

Figura 4.1 - Monumento em homenagem aos Combatentes de 32, situado no parque do Ibirapuera.
Fonte: Acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation.

Unidade 4 217
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.1 - Antecedentes
Em 1930, com a Revolução que levou Getúlio Vargas ao Palácio
Sede do Governo Provisório do Catete, o sistema de governo no qual se alternavam no
de Vargas. poder os grandes latifundiários de Minas Gerais e São Paulo foi
derrubado. Vargas assumiu a presidência do Brasil em caráter
provisório, mas com amplos poderes. Todas as instituições
legislativas foram abolidas, desde o Congresso Nacional até as
Câmaras Municipais.

São Paulo havia sido a principal base política do antigo regime,


o que levou diversos integrantes do Governo Provisório a
encararem o estado como um foco de oposição em potencial.
Com a Revolução de 1930, os governadores dos estados foram
depostos e, para suas funções, Vargas nomeou interventores de
sua confiança, em sua maioria militares ligados ao Movimento
Tenentista, que governariam até a aprovação de uma nova
constituição. A nomeação do líder tenentista pernambucano
João Alberto Lins de Barros como interventor em São Paulo
desagradou os paulistas, que repudiavam a excessiva centralização
do governo Vargas e desejavam um interventor que fosse, ao
menos, paulista.

A nomeação de João Alberto deu início à crise em São


Paulo.

Havia, ainda, a insatisfação com a demora na elaboração da


nova Constituição, prometida por Vargas, a qual era maior em
São Paulo do que em outros estados da federação. A obstrução
do poder dos latifundiários paulistas do café pelo poder central
e a oposição do Estado de São Paulo ao fato de ser nomeado
um interventor que não era paulista, deixaram revoltados
os cafeicultores, que vislumbravam readquirir, com a nova
constituição, os poderes e a influência perdidos.

Boicotado pelo próprio secretariado e sem condições políticas


para governar, o interventor João Alberto renunciou à
interventoria em julho de 1931. Iniciou-se, então, um período

218
História Militar Brasileira II

de intensa luta política entre os diversos grupos que buscavam o


poder em São Paulo. Em curto espaço de tempo, foram indicados
novos interventores, os quais caíam com a mesma facilidade com
que assumiam o governo do estado.

A instabilidade em São Paulo tornou-se um problema para


o governo central e ultrapassou as fronteiras do estado.
Setores políticos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul se
solidarizaram com a campanha constitucionalista, embora ainda
se mantivessem prudentemente alinhados com o governo Vargas.

Em fevereiro de 1932, motivados pela oposição aos interventores


e pelo descontentamento reinante, o Partido Democrático de São
Paulo uniu-se oficialmente ao seu antigo rival político, o Partido
Republicano Paulista, dando origem à Frente Única Paulista e
levantando a bandeira da constitucionalização do país e o fim do
Governo Provisório.

No início de 1932 Vargas procurou diminuir o ímpeto


do movimento, publicando um novo Código Eleitoral
que previa a formação de uma comissão para elaborar
o anteprojeto da nova Constituição. Nomeou também
um novo interventor para São Paulo – desta vez civil e
paulista – o embaixador Pedro de Toledo, que assumiu o
cargo em 7 de março. (CAPELATO, 1981, p. 17).

No Rio Grande do Sul, onde ainda se formara a Frente Única


Gaúcha, as lideranças políticas também romperam com o
Governo Federal. Diversos ministros gaúchos, como Maurício
Cardoso, Lindolfo Collor, João Neves da Fontoura e Batista
Luzardo pediram demissão de seus cargos ministeriais e
aderiram à campanha pela constitucionalização do país. O
mesmo ocorreu em Minas Gerais, com a organização da Frente
Única Mineira.

Em abril, o General Pedro Aurélio de Góes Monteiro,


comandante da 2ª Região Militar (RM), com sede em São Paulo,
seguindo instruções federais, tentou apaziguar a Frente Única
Paulista, prometendo entregar-lhe o governo do estado. No mês
seguinte, Oswaldo Aranha, ministro e representante de Vargas,
foi a São Paulo para ultimar as negociações, mas sua presença

Unidade 4 219
Universidade do Sul de Santa Catarina

foi tomada como mais uma intervenção nos negócios do estado,


precipitando violentas manifestações de rua. Nos dias 22 e 23
de maio, estudantes e populares queimaram e empastelaram as
redações dos jornais pró-Vargas existentes em São Paulo e, nesse
conflito, foram mortos quatro manifestantes.
Miragaia, Martins, Dráusio e
Camargo.

Uma curiosidade mais do que interessante: as iniciais


dos nomes dos quatro serviram para, no futuro,
designar e motivar o movimento paulista, sob a sigla
MMDC.

Motivada por uma competente campanha da mídia, a ideia de


revolução tomou conta de todos, sem distinção de classe social.
São Paulo estava confiante na vitória, pois contava com o apoio
dos militares de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Mato
Grosso. O comandante da Revolução seria o General Isidoro
Dias Lopes, revolucionário histórico que havia participado das
revoltas de 1922 e 1924. Os paulistas esperavam receber o apoio
da Circunscrição Militar do Mato Grosso, sob o comando do
General Bertoldo Klinger e de forças mineiras e gaúchas.

1.2 – Irrompe o movimento


Pressionado pelo ambiente conflituoso que reinava em São
Paulo, Getúlio Vargas fez uma última tentativa de controlar a
situação, substituindo no comando da 2ª RM o General Góes
Monteiro – ligado ao grupo tenentista e mal visto pelos paulistas
– pelo Coronel Manoel Rabello. São Paulo vivia um clima de
insurreição, embora todos os líderes paulistas tivessem consenso
Figura 4.2 – Cartaz
revolucionário em São Paulo. de que a rebelião somente poderia ser deflagrada, se dispusessem
Fonte: Arquivo Histórico do do apoio do Rio Grande do Sul e, pelo menos, da neutralidade
Exército. de Minas Gerais.

220
História Militar Brasileira II

Temendo novas manobras do Governo Provisório,


as Frentes Únicas de São Paulo e do Rio Grande do
Sul acertaram que a revolução teria início se ocorresse
algumas das seguintes situações: se houvesse intervenção
federal no secretariado paulista do interventor Pedro de
Toledo, ou se algum dos chefes militares que apoiavam a
causa paulista fosse demitido, dentre os quais os Generais
Eurico de Andrade Neves, da 3ª RM no Rio Grande do
Sul, e Bertoldo Klinger, comandante da 9ª RM em Mato
Grosso. (ANDRADE, 1997, p. 139).

Em junho, pressionado pelo grupo dos tenentes junto ao governo,


o General José Fernandes Leite de Castro, Ministro da Guerra,
demitiu-se, sendo substituído pelo General reformado Augusto
Inácio do Espírito Santo Cardoso.

Um fato que, aparentemente, deveria ficar limitado


à esfera militar acabou por precipitar o início do
movimento em São Paulo.

No dia 1º de julho, o General Bertoldo Klinger, um dos


principais líderes e articuladores da conspiração paulista,
enviou um ofício ao novo Ministro da Guerra em termos
insultuosos, questionando, inclusive, o fato de este não
possuir curso de estado-maior, competência ou condições
físicas para o desempenho da função ministerial. O ato
de indisciplina resultou na destituição do comando da
9ª RM e a reforma administrativa do General Klinger
e, conforme deliberado pelas frentes únicas, estava
estabelecido o motivo para o início das hostilidades.
(FIGUEIREDO, 1977, p. 86).

Pedro de Toledo assumiu a liderança civil do movimento,


telegrafou a Getúlio Vargas informando-o a respeito de sua
demissão do cargo de interventor e, em seguida, foi aclamado
como Governador Constitucionalista de São Paulo.

Unidade 4 221
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.3 – Planos e insucessos paulistas


Durante este período, os seguintes cartazes circulavam pela capital
paulista, assinados pela sigla MMDC:

Figura 4.3 - Cartazes de mobilização para a revolução.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

No dia 9 de julho, o movimento revolucionário ganhou as ruas


da capital e do interior de São Paulo. Liderando as forças rebeldes
estavam remanescentes da Revolução de 1930, como o General
Bertoldo Klinger e o Coronel Euclydes Figueiredo, a quem coube
o planejamento das ações militares. O líder militar mais antigo
da revolução e comandante nominal das forças constitucionalistas
era o General Isidoro Dias Lopes. A revolução teve apoio de
diversos setores da sociedade paulista, como os seguintes:

„„ industriais;

„„ estudantes e outros segmentos das camadas médias;

„„ políticos ligados à República Velha ou ao Partido


Democrático.

222
História Militar Brasileira II

O que os movia era, principalmente, a luta contra o governo


Vargas. Milhares de voluntários apresentaram-se para compor os
Os 4º, 5º e 6º RI possuíam
batalhões paulistas.
sede em Quitaúna, Lorena e
Caçapava, respectivamente.
De acordo com os planos paulistas, os três regimentos de
infantaria sediados no estado, apoiados pelas unidades de
artilharia de Itu e Jundiaí e reforçados pelos batalhões da FPSP, 4º Regimento de Artilharia
tomaram posição no vale do Paraíba, a fim de marcharem Montada e 2º Grupo de Arti-
em direção à capital federal. No sul do estado, um batalhão lharia de Montanha.
permaneceu em Itararé, aguardando a chegada de tropas gaúchas
para, juntos, se deslocarem também para o Vale do Paraíba.
O porto de Santos foi minado e permaneceu sob o controle da
guarnição local, baseada na Fortaleza de Itaipu.

Era para ser uma guerra de uma só frente, no Vale do Paraíba,


contando com a neutralidade de Minas Gerais, ao norte, e com
o apoio do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso. Contudo
as estimativas paulistas não se confirmaram, e a situação se
modificou completamente. No sul, satisfeito com as medidas
tomadas por Vargas antes do início do movimento, o interventor
gaúcho Flores da Cunha concedeu seu apoio ao Governo
Provisório e neutralizou, com sua Brigada Militar, os dissidentes
ainda fiéis à causa paulista.

Com a aliança já comprometida, o interventor de Minas


Gerais, Olegário Maciel, apoiou o governo Vargas, inicialmente
permitindo a passagem de tropas federais procedentes do norte
do país e, em seguida, empenhando sua própria Força Pública
para dar combate aos constitucionalistas.

São Paulo estava só, e a guerra não seria de uma única


frente. A revolução já começava inviabilizada.

Unidade 4 223
Universidade do Sul de Santa Catarina

Figura 4.4 - Blindado construído sobre chassis de caminhão Chevrolet com torreta com metralhadora.
Fonte: Acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation.

1.4 – As frentes de combate


As operações militares durante a Revolução de 1932 foram
executadas em seis frentes de combate principais:

„„ do Vale do Paraíba;

„„ Paranaense;

„„ Mineira;

„„ Costeira ou do Litoral;

„„ do Rio Grande do Sul; e,

„„ do Mato Grosso.

Segue imagem das tropas paulistas na Mantiqueira:

224
História Militar Brasileira II

Figura 4.5 - Tropas paulistas no túnel da Mantiqueira.


Fonte - acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation.

A Frente do Vale do Paraíba foi uma das mais importantes


durante o movimento de 1932, onde foram registrados diversos Também denominada por
combates e intenso emprego da aviação. O plano paulista previa alguns autores como Frente
o avanço das tropas rebeladas em direção ao Rio de Janeiro, pelo Leste.
eixo balizado pela rodovia Rio – São Paulo e pela ferrovia da
Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), que ligava a capital
paulista à capital federal. As duas vias de acesso corriam ao longo
do vale do Rio Paraíba do Sul, limitadas ao norte pela Serra da
Mantiqueira e ao Sul pela Serra do Mar.

Nesse setor, as tropas paulistas foram reunidas na 2ª Divisão


de Infantaria em Operações (DIO), comandada pelo Coronel
Euclydes Figueiredo, cujas unidades militares desdobravam-
se até o setor da Frente Mineira. A divisão tinha por objetivo
alcançar o Rio de Janeiro, após receber reforços das tropas rio-
grandenses, e forçar a deposição de Getúlio Vargas.

Para dar combate aos rebeldes nessa frente, foi organizado o


Destacamento de Exército Leste, sob o comando do General de
Brigada Pedro Aurélio de Góes Monteiro, homem de confiança do
Presidente Getúlio Vargas, antigo comandante da 2ª RM em São
Paulo e considerado um dos oficiais mais brilhantes do Exército
Brasileiro em sua época. O destacamento foi constituído pelas 1ª
e 4ª Divisões de Infantaria (DI), reforçadas por tropas federais
procedentes das Regiões Norte e Nordeste e unidades da FPMG.

Unidade 4 225
Universidade do Sul de Santa Catarina

A missão geral do Destacamento de Exército Leste foi assim


definida:

Barrar ao inimigo o caminho do RIO DE JANEIRO e


garantir as comunicações para Minas; agir ofensivamente
para interceptar as comunicações de SÃO PAULO
com o interior, procurando dar a mão ao Dest. de Ex.
do Sul, fazendo o esforço principal na direção geral de
CAMPINAS. (In BRASIL. Arquivo Histórico do
Exército. Acervo Revolução de 1932. Organização do
Destacamento de Exército Leste.)

O General Góes Monteiro articulou o Destacamento de Exército


Leste em dois agrupamentos, passando a 4ª DI reforçada a atuar
na Frente Mineira, sob o comando do General de Brigada Jorge
Pinheiro, e permanecendo a 1ª DI reforçada na Frente do Vale
do Paraíba, sob seu comando pessoal. De acordo com registro
Memória nº 3, de 16 de julho de 1932, do Estado-Maior do
Exército, contava a 1ª DI com efetivo inicial de 9.067 homens.

A Frente Mineira estendia-se ao longo da divisa de Minas


Gerais com São Paulo, até as proximidades de Uberaba. Nessa
linha, aproveitando o terreno com relevo bastante movimentado,
onde era difícil a manobra com tropas, os rebeldes mobilizaram
unidades da Força Pública de São Paulo, desdobradas entre
Bragança Paulista e Guaxupé.

Figura 4.6 – Trincheira paulista na Frente Leste.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

226
História Militar Brasileira II

Para combatê-los, foi designada a 4ª DI reforçada, grande-


unidade pertencente ao Grupamento de Exércitos Leste,
comandada pelo General Jorge Pinheiro, com efetivo inicial de
4.340 homens, ainda de acordo com o registro anteriormente
citado.

Apesar de descrever diversos combates, inclusive com


características semelhantes à Guerra de Trincheira da 1ª
Guerra Mundial, era considerada uma frente secundária, com
a finalidade de impedir a chegada de reforços para São Paulo e
cobrir o flanco norte da 1ª DI, que realizava o esforço principal
na Frente do Vale do Paraíba. Exatamente por ter menos
prioridade, no setor mineiro a Aviação Militar passou a operar a
partir de 30 de agosto, quase dois meses após o início da revolta.

Já observamos a movimentação de duas frentes, agora vamos à Frente


Sul.

A Frente Sul, ou Paranaense, também foi de extrema importância


na campanha contra os revolucionários paulistas. Materializada
pela divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná, a Frente Sul
também recebeu considerável quantidade de tropas paulistas. Os
rebeldes dividiram seu efetivo em dois setores principais:

„„ baixo Paranapanema, ao longo da rodovia que conduzia


ao Paraná, sob o comando do Coronel Pedro Dias; e,

„„ Itararé-Ribeira, comandado pelo Coronel Brasílio


Taborda, que havia fugido do Rio de Janeiro para unir-se
aos paulistas.

As forças governistas foram organizadas no Destacamento


de Exército Sul, composto pelas 3ª e 5ª DI e pelas 1ª, 2ª e 3ª
Divisões de Cavalaria (DC), todas com soldados do sul do país,
por batalhões das FP do Paraná e de Santa Catarina, além de
unidades da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Sob o
comando do General de Brigada Waldomiro Castilho de Lima, a
missão geral do destacamento era a seguinte:

Unidade 4 227
Universidade do Sul de Santa Catarina

Penetrar rapidamente com seu grosso em direção geral


da cidade de SÃO PAULO, no eixo da via férrea SÃO
PAULO - RIO GRANDE, a fim de investir a capital
do Estado, em ligação com as forças do Dest. de Ex.
de Leste, cobrindo-se do lado de Mato Grosso, cujas
comunicações interceptará (In BRASIL. Arquivo
Histórico do Exército. Acervo Revolução de 1932.
Organização do Destacamento de Exército Leste.)

Segue o mapa representando este caminho:

Figura 4.7 - Mapa do Estado de São Paulo com as principais frentes de combate assinaladas.
Fonte: O EXÉRCITO na História do Brasil; mapas, esquemas e esboços. Rio de Janeiro. BIBLIEX, 1998.

O setor foi o que registrou os maiores combates. Pressionados


e em inferioridade numérica, os paulistas procuraram trocar
espaço por tempo, realizando uma manobra de retardamento em
benefício de sua ação principal na Frente do Vale do Paraíba.

E na Frente do Mato Grosso?

Os revolucionários mato-grossenses não conseguiram unir-


se aos paulistas. As tentativas foram impedidas em Porto
Murtinho e Coxim. As forças governistas eram constituídas

228
História Militar Brasileira II

pelo destacamento do Coronel Rabelo, com atuação também em


Minas, na direção de Ponta Porã e sobre Campanário.

A luta pela posse de Porto Murtinho foi bastante intensa. A


cidade era considerada vital para os revolucionários, pois de lá
poderiam exportar sua produção de café, impedida de sair pelo
porto de Santos, diante do bloqueio naval federal. Somente no
dia 12 de setembro, os governistas conseguiram controlar Porto
Murtinho, acabando com as últimas esperanças revolucionárias
de apoio em recursos externos.

Na Frente Costeira, os revolucionários tinham como missão


a defesa do porto de Santos, com o forte de Itaipu, e a cidade
de Santos, com o Batalhão de Caçadores e duas companhias
do Exército. Outra missão dessa frente era defender o
flanco revolucionário, em Cunha, contra a ação de tropas,
particularmente navais, lançadas a partir de Paraty.

Os governistas realizaram o bloqueio naval do porto de Santos,


inclusive com apoio da Aviação Naval. Um destacamento de
fuzileiros navais foi lançado de Paraty na direção de Cunha, onde
logrou fixar as forças paulistas. No setor de Santos, não houve
combates, somente divergências entre autoridades revolucionárias
por questões hierárquicas.

E a Frente do Rio Grande do Sul?

No Rio Grande do Sul, tropas da região da fronteira foram


levantadas sob a liderança de Borges de Medeiros, ex-presidente
do estado, mais com a finalidade de fixar os efetivos governistas
que pudessem ser enviados para combater São Paulo, do que para
apoiar São Paulo.

Durante cerca de três meses, os paulistas lutaram sozinhos


contra todos os outros estados. Na retaguarda, o povo se uniu
para ajudar em tudo o que fosse necessário, voluntários civis,
aviadores pilotando aviões, outros lutando como soldados ou
como padioleiros que recolhiam feridos levando-os da frente de
combate para a retaguarda, mulheres costuravam uniformes,
fazendo pão ou preparando alimentação que eram enviados aos
combatentes.

Unidade 4 229
Universidade do Sul de Santa Catarina

Durante aqueles três meses, uma luta sangrenta e desgastante


de trincheiras aconteceu nas várias frentes de combate, em
especial nas divisas de São Paulo com Minas Gerais e Rio de
Janeiro.

Por volta de 14 de setembro, já se começa a falar em armistício,


pelas seguintes razões:

„„ dois meses de intensa luta, forçado pela insustentável


situação econômica de São Paulo e falta de suprimentos e
de munição;

„„ abatimento moral do comando político da Revolução,


que percebia toda a triste realidade na falta dos apoios
prometidos, principalmente dos gaúchos, em razão
de Flores da Cunha, seu interventor, haver apoiado o
governo;

„„ e, finalmente, a inviabilidade de êxito militar da


Revolução.

A linha Guaratinguetá foi bombardeada fortemente em 20 de


setembro, por aviões e artilharia, no mesmo dia em que Borges
de Medeiros era batido e preso em Cerro Alegre.

Com a perda de Cunha para os fuzileiros navais e a perda do


túnel, facilitando o livre acesso de governistas mineiros ao
Vale do Paraíba, o anel governista foi-se fechando em torno de
Guaratinguetá, onde se concentravam as últimas esperanças
revolucionárias.

Vendo que a derrota e ocupação do Estado eram questão de


tempo, as tropas da Força Pública Paulista foram as primeiras a
se render, no final de setembro. Com o colapso da defesa paulista,
seus líderes se rendem em 2 de outubro de 1932, na cidade
de Cruzeiro, diante das forças chefiadas pelo General Góes
Monteiro.

230
História Militar Brasileira II

1.5 - Aplicações no campo militar


Como foi visto anteriormente, durante a Revolução de 1932
ocorreram operações militares de vulto. No campo militar,
foram verificadas inovações e aplicações de técnicas e táticas pela
primeira vez no Brasil.

Em São Paulo, a mobilização foi realizada em grande escala.


Aproveitando a motivação popular e instrumentos de propaganda, Tais como o Batalhão
o governo paulista conseguiu arregimentar dezenas de milhares Piracicabano, Batalhão 9 de
de voluntários, organizados em unidades que levavam o nome Julho, Batalhão Acadêmico
e Legião Negra.
da origem dos contingentes. Os mesmos instrumentos de
mobilização foram utilizados para o financiamento da guerra.

Você sabia que, com este mesmo fim, foi desencadeada


a campanha “Ouro para São Paulo”? Nela, foram
arrecadados objetos de ouro por doação, inclusive
alianças de casamento, que serviram para custear a
aquisição de armamentos e suprimentos para as tropas
paulistas.

Na busca de informações sobre o inimigo, a espionagem foi


largamente empregada. Uma estação de rádio clandestina, a
LX-2, localizada em um sobrado na zona sul do Rio de Janeiro,
transmitia informações da capital federal, coletadas por agentes
e conspiradores, diretamente para São Paulo. Funcionou durante
quase todo o período da revolução e foi desmantelada pelo
governo após uma longa busca.

O parque industrial de São Paulo adaptou-se para permitir a


produção de materiais de emprego militar.

A fábrica Matarazzo, por exemplo, passou a produzir


cartuchos de munição.

Unidade 4 231
Universidade do Sul de Santa Catarina

Foram desenvolvidos protótipos e produtos artesanais para


emprego em combate, tais como, carros blindados, metralhadoras
antiaéreas, morteiros, lança-chamas e canhões.

A maior inovação trazida ao campo militar no Brasil, no entanto,


foi o emprego da aviação. Tanto o governo federal quanto as
forças constitucionalistas fizeram uso de aeronaves de combate,
que cumpriram missões de ataque, bombardeio, reconhecimento,
propaganda, caça, observação do tiro de artilharia, dentre outras.
Foram registrados:

„„ combates aéreos – inclusive sendo abatido o primeiro


avião em batalha na América do Sul;

„„ bombardeios contra cidades, tropas e campos de aviação;

„„ ataque aéreo contra o cruzador Rio Grande do Sul, que


atuava no bloqueio naval ao porto de Santos;

„„ defesa antiaérea - aeronaves abatidas por fogo de


metralhadoras antiaéreas.

A partir de 1932, o Exército Brasileiro e a Marinha do Brasil


não mais podiam prescindir de suas respectivas aviações nas
operações militares.

1.6 – Consequências
A Revolução de 1932 foi o maior movimento armado interno
Denominado por Stanley Hilton no Brasil, com perdas em torno de 634 vidas humanas, embora
como “A guerra civil brasileira”. estimativas extraoficiais registrem mais de mil mortos paulistas.
Do lado federal, nunca foram liberadas estimativas de mortos e
feridos.

232
História Militar Brasileira II

Foi um episódio de ensinamentos militares que enriqueceram,


em muito, o patrimônio militar brasileiro. Nesse contexto,
destacam-se:

„„ a intensa utilização do avião de guerra e dos trens de


combate e de suprimentos;

„„ a mobilização de pessoal e material;

„„ a introdução das armas antiaéreas no Brasil;

„„ a espionagem;

„„ a adaptação do parque industrial paulista para a produção


bélica;

„„ o emprego de blindados; e,

„„ a guerra psicológica e de propaganda.

A derrota militar, no entanto, se transformou em vitória


política. Com o fim da Revolução de 1932, os principais líderes
paulistas foram presos e deportados para Portugal. Ao ver seu
governo em risco, Getúlio Vargas deu início ao processo de
reconstitucionalização do país, levando à promulgação, em 1934,
de uma nova Constituição. Embora a maioria dos deputados
constituinte fosse pró-Vargas, a nova carta magna estabeleceu
o fim do Governo Provisório, um dos objetivos iniciais dos
paulistas.

Para os paulistas, a Revolução de 1932 transformou-se em


símbolo máximo do Estado, lembrado pelo feriado no dia 9 de
julho. Curiosamente, a revolução é mais fortemente comemorada
na cidade de São Paulo do que no interior do estado, onde a
destruição e as mortes provocadas pela ação do governo Vargas
ainda são vivamente recordadas.

Unidade 4 233
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 – Intentona comunista de 1935


Carlos Roberto Carvalho Daróz

Na última semana de novembro de 1935, irrompeu no Brasil


um levante político-militar deflagrado pelo Partido Comunista
do Brasil (PCB), tendo como objetivo a tomada do poder: a
Intentona Comunista. O movimento previa, em uma primeira
fase, a instalação de um governo nacional revolucionário sob a
chefia de Luís Carlos Prestes.

O levante teve início no Rio Grande do Norte e expandiu-se


para Pernambuco. Quatro dias depois do começo da intentona,
os comunistas atuaram no Rio de Janeiro, na época, a Capital
Federal.

Em Natal, o movimento iniciou-se antecipadamente, em 23 de


novembro de 1935, quando um pequeno grupo de sargentos,
cabos e soldados tomaram o 21º Batalhão de Caçadores e
instalaram um Comitê Popular Revolucionário. Quatro dias
depois, tropas do Exército e das polícias dos Estados vizinhos
retomaram o quartel das mãos dos revoltosos e restabeleceram a
ordem.

No Recife, a revolta eclodiu no dia 24 e, embora tenha sido


contida em apenas um dia, deixou um saldo de mais de uma
centena de mortos.

Na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, próximo aos bairros


da Urca e Botafogo, o levante se deu na madrugada do dia 27,
no quartel do 3º Regimento de Infantaria, sendo, no entanto,
completamente dominado em menos de dez horas. No Rio de
Janeiro, também se sublevaram a Escola de Aviação Militar e
outras unidades.

234
História Militar Brasileira II

2.1 - Antecedentes
Como consequência da vitória dos bolcheviques na Revolução
Russa de 1917, o Movimento Comunista Internacional (MCI)
desenvolveu-se por todo o mundo, disseminando os princípios
de Karl Marx e Vladimir Lenin e mesclando-os a ideias
revolucionárias locais.

O ideário comunista não tardou a chegar ao Brasil.

Em 1922, foi fundado o PCB, incorporando as manifestações


anarquistas e socialistas que atuavam no país desde 1908, quando
fora criada a Confederação Operária. Mediante um eficiente
trabalho de propaganda, diversos esquerdistas e descontentes com
os rumos da política durante a República Velha acorreram ao
partido.

Diretamente da União Soviética, o Comitê Internacional


Socialista – Comintern –, órgão criado por Lenin em 1919,
com a finalidade de disseminar o MCI pelo mundo, passou a
estimular e a financiar a execução de uma revolução armada
no Brasil que, se bem-sucedida, teria grande influência sobre o
quadro político da América Latina.

Em 1927, após o turbulento período do governo de Artur


Bernardes, que teve de enfrentar as rebeliões tenentistas, o
Presidente Washington Luís afrouxou as medidas de exceção
determinadas por seu antecessor, suspendendo o estado de sítio
no qual o país estava mergulhado. Tais medidas tiveram como
consequência o aumento das atividades do PCB, principalmente
na propaganda e na agitação político-social.

Unidade 4 235
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em função da intensificação da agitação comunista, o


Congresso votou a chamada “Lei Celerada”, colocando
o PCB na ilegalidade.

Mesmo atuando na clandestinidade, as lideranças do PCB


buscaram atrair para a sua organização antigos revolucionários
da década de 1920, dentre os quais elementos que participaram
da Coluna Prestes, os quais viviam exilados na Bolívia. O MCI
necessitava de um líder que fosse capaz de conduzir a revolução
no Brasil. Em dezembro de 1927, o secretário-geral do PCB,
Astrogildo Pereira, viajou até Puerto Suarez, a fim de cooptar o
próprio Luiz Carlos Prestes para a causa comunista, a quem, na
ocasião, entregou vasta literatura doutrinária marxista-leninista.

Com a vitória na Revolução de 1930, Getúlio Vargas convocou


diversos revolucionários, os quais passaram a ocupar cargos
de confiança em seu Governo Provisório. Prestes, no entanto,
recusou qualquer posto no novo governo e rompeu com as forças
liberais alinhadas com Vargas, tomando nítida posição ao lado
da ideologia comunista. Conforme Carvalho (1981), em março
de 1931, Prestes publicou uma carta aberta, na qual se declarava
francamente adepto do “internacionalismo proletariado” e
atacava antigos companheiros que haviam repudiado as ideias
bolchevistas.

A convite do Comintern, Prestes viajou para a União Soviética a


fim de se preparar para a missão que o MCI lhe atribuíra: liderar
a revolução armada no Brasil e implantar uma nova ordem
comunista.

Enquanto isso, no Brasil, o PCB, também orientado pelo


Comintern, prosseguia com suas atividades de agitação e
propaganda, particularmente entre o operariado do ainda
acanhado parque industrial brasileiro.

236
História Militar Brasileira II

2.2 - A Aliança Nacional Libertadora e o preparo da Intentona


Com a extinção do PCB, as atividades comunistas no Brasil
passaram a ser orquestradas por diversas organizações de fachada:
Frente Única Sindical; Frente Única Popular; sindicatos, dentre
outras.

Apesar de atuantes, os comunistas avaliaram que tais entidades


não seriam capazes de criar um ambiente propício à deflagração
da revolução no Brasil. Neste sentido, em março de 1934 foi
fundada, com o apoio do PCB, a Aliança Nacional Libertadora
(ANL). Visava a nova organização centralizar toda a organização
subversiva e agitar as massas populares, utilizando-se de um
programa figuradamente liberal. De acordo com Coutinho
(2008), entre os fundadores, encontravam-se:

„„ oficiais comunistas do Exército e da Marinha;

„„ oficiais liberais;

„„ antigos “tenentes” de 1922 e 1924;

„„ profissionais liberais;

„„ intelectuais;

„„ jornalistas;

„„ conservadores; e,

„„ marxistas enrustidos.

Para o Comintern, a criação da ANL representou a vanguarda


do MCI na América Latina. A fim de apoiar as ações comunistas
no continente sul-americano, o Comintern organizou em
Montevidéu, no Uruguai, um secretariado Latino-Americano.

Em março de 1934, um viajante norte-americano chamado


Harry Berger desembarcou no Rio de Janeiro, procedente de
Buenos Aires, Argentina. Berger, na verdade, era o agente do

Unidade 4 237
Universidade do Sul de Santa Catarina

Comintern Arthur Ernest Ewert. Alemão de nascimento, Ewert


havia sido deputado em seu país, onde foi fichado e indiciado
por alta traição. Sua chegada ao Brasil, juntamente com outros
agitadores, tinha por objetivo assessorar a preparação da
Como Rodolpho Gioldi e Jules Vales. revolução.

Pouco depois da chegada de Ewert, no mês de abril, desembarcou


clandestinamente no Brasil Luiz Carlos Prestes, acompanhado
por sua mulher Olga Benário, também de nacionalidade alemã
e agente da espionagem militar soviética do Departamento IV
do Exército Vermelho. Depois de sua doutrinação política na
União Soviética, Prestes estava convicto de sua missão de líder da
revolução comunista no Brasil.

A ANL empreendeu exasperada campanha em diversas cidades


brasileiras, sempre contando com o apoio de outras entidades
locais de esquerda. A expansão das ameaças comunistas e dos
atos subversivos, no entanto, provocaram grave apreensão no
cenário político brasileiro.

Assim, em 12 de março de 1935, o governo determinou


o fechamento da ANL.

O fechamento da ALN, no entanto, não impediu os planos


revolucionários. Harry Berger – na verdade, Ernest Ewert –,
considerado pelo Comintern como um especialista na organização
de golpes, prosseguia com os ajustes finais do plano e destacava
a participação dos militares cooptados como ponto de partida
para a revolução: “Mas, como condicional básica, esse governo
[comunista] se apoiará nas partes revolucionárias infiltradas no
Exército e, depois, sobre os operários e camponeses articulados
em formações armadas.” (CARVALHO, 1981, p. 33.)

Nas Forças Armadas, a infiltração era grande, tanto no Exército


quanto na Marinha. Oficiais e sargentos organizavam-se em
células comunistas, em diversas unidades militares. Segundo
Coutinho (2008), de acordo com Ernest Ewert, havia cerca
de trezentos oficiais e praças comunistas no Exército e,

238
História Militar Brasileira II

aproximadamente, duzentos na Marinha. A partir de um


escritório comercial de fachada em Montevidéu, o Comintern
passou a distribuir recursos financeiros destinados ao apoio da
revolução no Brasil: o chamado “ouro de Moscou”.

O governo brasileiro encontrava dificuldades para enfrentar


a agitação comunista e o preparo da revolução. O assunto
frequentemente era tratado como caso de polícia, e não como
questão de segurança da Nação. O desconhecimento das
técnicas utilizadas pelos agentes comunistas impedia as forças
de segurança de atuarem adequadamente e provocavam grandes
equívocos.

Um desses casos ocorreu no Rio de Janeiro, quando


foram presos os agentes ucranianos do Comintern
Pavel e Sofia. O casal esteve preso por nove dias, mas
os dois foram liberados depois de convencerem a
polícia de que eram o insuspeito casal belga León-Jules
e Alphonsine Valle. Conforme Waack (1993), a polícia
nunca soube que a prisão dos dois desarticulara a
operação do Comintern no Rio de Janeiro, impedindo
as comunicações com Moscou. Liberados pela polícia,
Pavel e Sofia se evadiram do Brasil.

Apesar das dificuldades enfrentadas no planejamento e


na situação de clandestinidade em que se encontravam, os
comunistas consideraram que o levante armado poderia ser
realizado em novembro de 1935. A liderança comunista
estabeleceu a madrugada de 27 de novembro para dar início ao
levante.

2.3 - Caos em Natal: a intentona é deflagrada


Em 1935, Natal era uma cidade provinciana e pacata, localizada
a beira-mar, guarnecida pelo 21º Batalhão de Caçadores (21º
BC). O movimento revolucionário ainda realizava seus últimos
preparativos, quando, inesperadamente, irrompeu a rebelião em
Natal, quatro dias antes do previsto.

Unidade 4 239
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ao cair da noite de 23 de novembro, aproveitando-se da surpresa


e do licenciamento do final de semana – era um sábado –, seis
praças do 21º BC conseguiram sublevar a unidade. Depois
de dominarem a guarda do quartel, abriram as reservas de
armamento, que foi distribuído a grupos de civis comunistas
os quais haviam tomado posição junto ao quartel. Armados
e municiados, os grupos se dirigiram para diversos pontos
estratégicos da cidade e para municípios vizinhos a Natal. O
Governador do Estado, Rafael Fernandes, refugiou-se em um
navio de bandeira francesa.

Em seguida, os revoltosos comunistas atacaram o quartel da


Polícia Militar, onde o comandante do 21º BC, Coronel José
Otaviano Pinto Soares, auxiliado pelo comandante do batalhão
de Polícia, Major Luís Júlio, conseguiu estabelecer uma defesa
que resistiu por dezenove horas de combate, até sua rendição pelo
esgotamento da munição.

Segue imagem do Quartel em Natal, após ataque comunista:

Figura 4.8 - Quartel da Força Pública, em Natal, após o ataque dos comunistas.
Fonte: História do Exército Brasileiro, EME, 1972.

Enquanto a cidade de Natal mergulhava no mais completo


caos, incluindo saques, depredações, estupros e assassinatos, os
comunistas instalaram um Comitê Popular Revolucionário, que,
de acordo com Carvalho (1981), foi constituído pelos seguintes
integrantes, investidos nos respectivos cargos:

240
História Militar Brasileira II

„„ funcionário estadual Lauro Cortez Lago, Ministro do


Interior;

„„ sapateiro José Praxedes de Andrade, Ministro do


Abastecimento;

„„ funcionário dos correios José Macedo, Ministro das


Finanças;

„„ estudante João Batista Galvão, Ministro da Viação.

No campo militar foram empossados:

„„ Sargento músico Quintino Clementino de Barros,


Ministro da Defesa;

„„ Sargento Eliel Diniz Henriques, comandante da


Guarnição Federal; e,

„„ Cabo Estevão, comandante do 21º BC.

Durante alguns dias, a capital potiguar virou terra de ninguém,


com saques, roubos, invasões de domicílio, requisição de veículos
particulares e tudo mais que se pudesse imaginar. Passados os
acontecimentos, o “ex-ministro da Viação”, estudante João Batista
Galvão, reconheceu que:

[n]aquele tempo, todo mundo fez o diabo e depois botou


a culpa em cima de nós. O povo topou a revolução por
pura farra. Saquearam o depósito de material do 21º BC
e todos passaram a andar fantasiados de soldado. Minha
primeira providência como ‘ministro’ foi decretar que o
transporte público seria gratuito. O povo se esbaldou de
andar de bonde sem pagar. (CARVALHO, 1981, p.38).

Dinarte Mariz, líder político do interior, organizou uma pequena


força de sertanejos e conseguiu emboscar e vencer uma milícia
comunista que se deslocava. Quatro dias depois de iniciado,
o movimento foi contido por tropas do Exército e das polícias
de outros Estados, que invadiram o Rio Grande do Norte e
restabeleceram a ordem.

Unidade 4 241
Universidade do Sul de Santa Catarina

2.4 - A Rebelião alastra-se para o Recife


Os acontecimentos em Natal precipitaram o início da rebelião
em Recife. A capital pernambucana estava sem suas lideranças
principais na ocasião:

„„ o Governador do Estado Carlos Lima Cavalcanti


encontrava-se na Alemanha, viajando no dirigível
“Zeppelin”;

„„ o General Manuel Rabelo estava no Rio de Janeiro,


cuidando de assuntos militares relativos ao seu comando; e,

„„ o comandante da Polícia Militar Capitão Jurandir


Bizarria Mamede estava no Rio Grande do Sul,
comemorando o centenário da Revolução Farroupilha.

Na manhã de 24 de novembro, um sargento, liderando uma


milícia de comunistas civis, atacou a cadeia pública de Olinda.
No quartel-general da 7ª Região Militar, o Sargento Gregório
Bezerra matou o Tenente José Sampaio e feriu o Tenente
Agnaldo Oliveira de Almeida, antes de ser desarmado e
capturado.

Na Vila Militar do Socorro, o Capitão Otacílio Alves de Lima,


o Tenente Lamartine Coutinho Correia de Oliveira e o Tenente
Roberto Alberto Bomilcar Besouchet sublevaram o 29º Batalhão
de Caçadores (29º BC) e se apossaram de todo o armamento e
da munição. Encontraram, no entanto, uma reação imediata do
Tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima, subcomandante
da Polícia Militar, com a ajuda da Guarda Civil, liderada pelo
Capitão Malvino Reis Neto, Secretário de Segurança Pública.

A reação possibilitou a chegada de unidades militares


procedentes de Maceió e João Pessoa. No dia seguinte, chegou
o reforço da Artilharia que apoiou o cerco das tropas federais
aos sublevados do 29º BC, o qual foi bombardeado e cercado,
resultando em uma centena de mortos. Os que conseguiram
fugir pelas estradas depararam-se com tropas da Polícia Militar
estadual, que se encontravam à procura do cangaceiro “Lampião”.

242
História Militar Brasileira II

Em dois dias, o movimento em Recife estava


completamente dominado.

2.5 - Traição na madrugada: a Intentona no Rio de Janeiro


Os acontecimentos no Nordeste do país puseram a guarnição
da capital federal de prontidão; as notícias nos jornais da época
confirmam este momento apreensivo.

Figura 4.9 - Jornais da época.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

O governo solicitou ao Congresso Nacional a


decretação do estado de sítio, no que foi atendido.

Unidade 4 243
Universidade do Sul de Santa Catarina

A ordem para desencadear a rebelião a partir das duas horas


da madrugada do dia 27 veio do próprio Luiz Carlos Prestes.
Embora tivessem conhecimento da infiltração comunista em
diversos corpos de tropa, as autoridades foram, em certa medida,
apanhadas de surpresa, pois muitos militares comprometidos com
a causa comunista não estavam nas listagens de suspeitos.

Na Escola de Aviação Militar, cujo aquartelamento na Invernada


dos Afonsos dominava importante via de acesso – a rodovia Rio-
São Paulo –, os Capitães Sócrates Gonçalves da Silva e Agliberto
Vieira de Azevedo e os Tenentes Ivan Ramos Ribeiro e Benedito
de Carvalho sublevaram a unidade de madrugada. A ação dos
comunistas foi traiçoeira e de extrema violência, tendo diversos
oficiais que cumpriam o regime de prontidão sido assassinados
enquanto dormiam. O Capitão Agliberto matou friamente
seu companheiro Tenente Benedicto Lopes Bragança, que se
encontrava desarmado e sem chance de defesa.

Na continuidade das ações, os comunistas atacaram o 1º


Regimento de Aviação (1º RAv), unidade também sediada
no Campo dos Afonsos. O comandante do 1º RAv, Coronel
Eduardo Gomes, mesmo ferido na mão, liderou a resistência ao
ataque comunista, que durou toda a madrugada. Com o auxílio
de tropas do Regimento Andrade Neves e do Grupo Escola
de Artilharia, o levante comunista foi derrotado e dezenas de
amotinados presos por patrulhas do Exército que cercaram a área
da Vila Militar e do Campo dos Afonsos.

Na Praia Vermelha, sede do 3º Regimento de Infantaria (3º RI),


os comunistas também tentaram impor sua ideologia pela força.
Sob a liderança dos Capitães Agildo Barata, Álvaro Francisco
de Sousa e José Leite Brasil, os rebelados conseguiram, na
mesma madrugada do dia 27, após violentos combates no interior
do aquartelamento, dominar quase totalmente a unidade. Ao
amanhecer, apenas um núcleo de resistência legalista no Pavilhão
do Comando, onde se encontrava o coronel Afonso Ferreira,
comandante do Regimento, impedia o domínio total dos
amotinados. Também no 3º RI, foram verificados assassinatos a
sangue frio e execução de prisioneiros já desarmados.

244
História Militar Brasileira II

Figura 4.10 – Vista do quartel do 3º RI.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Figura 4.11 - Fachada do quartel do 3º RI, atingido pela artilharia legalista.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

A reação governamental não tardou.

Unidade 4 245
Universidade do Sul de Santa Catarina

O comandante da 1ª Região Militar (1ª RM), General Eurico


Gaspar Dutra, ordenou ao Batalhão de Guardas e ao 1º
Grupo de Obuses que tomassem posição nas proximidades do
aquartelamento rebelado e iniciassem o bombardeio. Por volta
de 13 horas, os rebeldes entregaram o 3º RI – parcialmente
destruído pelo combate – e se renderam às tropas da 1ª RM.
Presos, os comunistas apresentaram-se na praça defronte
ao aquartelamento com uma atitude de zombaria, sorrindo
cinicamente, em franco desrespeito àqueles que, naquele mesmo
local, pouco tempo antes, haviam perdido a vida na luta.

Figura 4.12 - Rebeldes deixam o quartel rumo à prisão.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Figura 4.13 – Saída do 3º RI.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

246
História Militar Brasileira II

2.6 - Apreciação Final


Nas três guarnições onde irrompeu a intentona comunista
de 1935, o Exército Brasileiro agiu com rapidez, sufocando o
movimento e mantendo a estabilidade da Nação. Os insurretos
foram presos, julgados e condenados. Luiz Carlos Prestes e Olga
Benário foram presos, o mesmo ocorrendo com Ernest Ewert
e Elise Saborowski. Muitos dos agentes da operação brasileira
do Comintern que escaparam da prisão e retornaram a Moscou, Casada com Ewert, Elise,
foram eliminados durante o grande expurgo promovido pelo líder conhecida como Sabo,
soviético Joseph Stalin entre 1937 e 1938. era também agente do
Comintern.

O incompetente Comitê Popular Revolucionário instalado em


Natal demonstrou o despreparo e a incapacidade dos comunistas
em estabelecer um governo minimamente organizado, ainda
que em uma cidade pequena e provinciana. O caos reinante em
Natal, nos cinco dias em que durou o levante naquela cidade,
provavelmente se abateria sobre o Brasil no caso de vitória dos
insurretos.

A intentona comunista, deflagrada no seio do Exército, terminou


por fortalecer a coesão da classe militar, aproximou-a do poder
central, alinhando a instituição com o governo de Getúlio
Vargas. Tal aproximação possibilitaria a implantação do regime
do Estado Novo, dois anos após a intentona.

Uma consequência da fracassada intentona, contudo, foi mais


marcante no âmbito das instituições militares brasileiras, em
especial no Exército. Durante o século XX até 1935, diversas
revoltas, rebeliões e movimentos contestatórios ocorreram com
maior ou menor envolvimento da classe militar. Estimulados por
ideologias diversas, traziam em seu bojo um projeto nacional,
visando a melhoria do Brasil.

O ano de 1935 foi diferente. O movimento foi orquestrado por


Moscou e desencadeado pelo MCI, inclusive com a participação
de diversos atores estrangeiros a serviço do Comintern. O grau
de violência e os atos de deslealdade e traição entre companheiros
de farda levaram o Exército Brasileiro a repudiar definitivamente
a ideologia comunista.

Unidade 4 247
Universidade do Sul de Santa Catarina

Se, por um lado, o levante de 1935 representou uma


lamentável perda de vidas no cumprimento do
dever, por outro, consolidou o poder político-militar,
interferindo na vida nacional.

Seção 3 – O “Estado Novo” e a participação do Brasil na


Segunda Guerra Mundial
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

3.1 – A implantação do “Estado Novo”


O ideário da Aliança Liberal incluía o resgate da nacionalidade e
o esforço nacional pelo desenvolvimento através da:

„„ industrialização;

„„ modernização de diversificação da atividade rural;

„„ valorização do trabalho; e,

„„ educação.

Foi o momento de trazer de volta nossas origens e os protagonistas


da construção do Brasil como motivação de um projeto de Brasil
à altura de seu potencial físico e humano. Para entender este
momento, deve-se lembrar do que ocorria no mundo de então,
particularmente na Europa. Ora, todo esse ardor nacionalista
vinha robustecer o viés patriótico que fizera as guarnições
militares aderirem ao movimento de 1930. A tendência dos
militares foi a de cerrar fileiras no fortalecimento do poder central
para dar consequência a esse ideário, principalmente o Exército,
que apoiou e sustentou o golpe de estado dado pelo próprio
governo, estabelecendo o que chamou “Estado Novo”, o qual logo
se tornou um regime ditatorial com Vargas.

248
História Militar Brasileira II

Não houve tempo para que as forças armadas se


dessem conta do caminho que haviam tomado. Mas,
afinal, o que sucedera a elas nesse período?

Houve um grande esforço de modernização, reequipamento e


valorização profissional. Elas foram também um vetor de resgate
do patriotismo, atuando junto à população para desenvolver
o civismo e o sentimento de brasilidade. Entretanto seria a
Segunda Guerra Mundial que iria reger os acontecimentos a
partir de 1939.

3.2 – Participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial


A década de 1930 se caracterizou pela preparação do mundo para
um novo grande conflito armado. Era um desfecho anunciado.

E o Brasil?

O Brasil se empenhara, desde a Revolução de 1930, no grande


projeto nacional de desenvolvimento através da valorização
do trabalho, da expansão da educação, pela modernização e
diversificação da economia e pela estabilização política através da
consolidação de uma estrutura de estado que atendesse à Nação.
Não seria fácil fazer tudo isto em um país que perdera as duas
revoluções industriais e se mantivera, em quase tudo, um estado
do início do século XIX.

As forças armadas, entretanto, haviam caminhado para a


modernidade daquele tempo e haviam sido trazidas para o centro
do poder, atraídas exatamente pelo projeto da Aliança Liberal
que empolgara suas lideranças de todos os matizes nas jornadas
de 30. Tornaram-se vetores importantes para a realização daquilo
que sonharam e, em torno de Vargas, não sem dissidências,
participaram intensamente do grande esforço, mesmo, e até por
isso, sustentando o modelo centralizador por ele praticado.

Unidade 4 249
Universidade do Sul de Santa Catarina

Contiveram e venceram as revoluções e intentonas havidas e


coonestaram o golpe de estado que estabeleceu o “Estado Novo”.
Permaneceram com ele no regime ditatorial que se implantara.

Em relação a elas próprias, entretanto, empenharam-se na


modernização do ensino, no prosseguimento da reorganização e
reaparelhamento e no adestramento de seus quadros. Adquiriram
material na França e na Alemanha, procuraram manter certo
grau de autossuficiência quanto ao armamento e munição,
modernizaram fortificações, desenvolveram a aviação e muitos
outros setores, apesar da persistente falta de recursos.

O pensamento militar do exército estava moldado pela


Missão Francesa, e o da Marinha era o que ficara da
modernização de duas décadas atrás.

Mas ali estava o fantasma da guerra. O Brasil procurou manter-


se neutro: manteve as encomendas de material bélico que fizera
aos europeus, mas já se via tolhido em seus passos diante da
situação que se agravava, enquanto aumentava a pressão dos
parceiros comerciais e aliados sobre o governo, para que este
se definisse. Protelou o que pôde, mas, a partir da entrada dos
Estados Unidos da América na guerra e da necessidade de
envolver as áreas do Nordeste brasileiro no teatro de guerra,
não houve alternativa senão participar do esforço aliado. Os
compromissos continentais e as ações navais iriam impor ao
Brasil o sacrifício de seus objetivos imediatos.

O Brasil não estava preparado para uma guerra. Aliás, nunca


esteve. Dependia quase que completamente do transporte
marítimo seja para o comércio exterior, seja para interligar suas
diversas regiões pelo litoral. Não possuía uma infraestrutura
econômica capaz de se autossustentar, dependia do comércio
de produtos primários para manter sua economia. E suas forças
armadas ainda estavam longe da organização e equipamento
compatível com uma guerra. Quanto à logística, nem se fale!

250
História Militar Brasileira II

Em dezembro de 1938, já havia sido realizada a


Conferência de Lima, onde foi acordada uma política
de boa vizinhança, conforme preconizava Franklin
Delano Roosvelt, presidente norte-americano. Uma
notícia importante, em confronto aos acontecimentos
da época.

No final de 1939, ao longo da costa brasileira e uruguaia, se


confrontaram navios britânicos e o encouraçado alemão Graf
Spee; travaram violento combate no Rio da Prata e mostravam
que, mesmo neutras, as nações deveriam estar prontas para
enfrentar a realidade do momento. Em 1940, as nações
americanas reuniram-se no Panamá, onde se declararam neutras
diante do conflito europeu. No mesmo ano, realizaram uma
reunião em Havana, onde foi assumido o compromisso de
solidariedade.

Os alemães e os italianos, em 1941, dominavam o norte da


África, e o Japão imprimia a nova ordem na Ásia. Mas, no dia
7 de dezembro, os japoneses surpreenderam com um violento
ataque à base naval norte-americana em Pearl Harbour, o que
levou o governo brasileiro a apresentar a sua solidariedade aos
norte-americanos. No dia 28 de janeiro de 1942, no Rio de
Janeiro, foi realizada a Reunião de Consulta dos Chanceleres, das
nações americanas, que decidiu pelo rompimento de relações com
a Alemanha, Itália e Japão.

A resposta dos alemães foi a de iniciar uma guerra submarina


na costa brasileira, afundando o Buarque em 15 de fevereiro e
torpedeando o Olinda, três dias depois. De nada adiantaram
os protestos brasileiros. A realidade era que, desde 1939, os
submarinos do Eixo rondavam a costa brasileira. Nos dias 18 e 19
de agosto, cinco outros mercantes brasileiros foram afundados.

Diante das agressões sofridas e da revolta da população brasileira,


Getúlio Vargas, após reunião com os seus Ministros, no dia 22
de agosto, reconheceu o estado de beligerância.

Unidade 4 251
Universidade do Sul de Santa Catarina

O país em guerra, o que fazer?

Havia uma ameaça imediata no mar: os ataques aos nossos


Navios Mercantes. A Marinha Mercante brasileira somava
652.100 toneladas brutas no início da guerra. Mesmo pequena e
composta de navios antiquados, ela exercia papel fundamental na
economia nacional. No decorrer da guerra, foram perdidos, por
ação de submarinos alemães e italianos, 33 navios-mercantes, que
somaram cerca de 140 mil toneladas (21% do total), com a morte
de 480 tripulantes e 502 passageiros.

Os primeiros ataques fora de nossa costa à nossa Marinha


Mercante ocorreram quando o Brasil ainda se mantinha
neutro no conflito europeu. Em 22 de março de 1941, no Mar
Mediterrâneo, o Navio Mercante (NM) Taubaté foi metralhado
pela Força Aérea Alemã. A primeira perda brasileira foi o
NM Cabedelo. Seguiu-se o torpedeamento de vários outros
navios mercantes, mesmo enquanto o Brasil ainda se mantinha
formalmente neutro.

Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas


com os países que compunham o Eixo. A colaboração militar
entre o Brasil e os Estados Unidos, que, desde meados de 1941
já era notória, intensificou-se com a assinatura de um acordo
político-militar em 23 de maio de 1942.

Neste período, deslocava-se para o saliente Nordestino brasileiro


a Força-Tarefa 3 da Marinha norte-americana, tendo o governo
Vargas colocado os Portos de Recife, Salvador e, posteriormente,
Natal à disposição das forças norte-americanas.

Os alemães enviaram dez submarinos ao litoral brasileiro


com ordens para atacar nossa navegação de longo curso e de
cabotagem. Em 15 de agosto de 1942, foi torpedeado o Paquete
Baependi, que navegava ao largo da costa de Alagoas, morrendo
270 dos 306 tripulantes e passageiros embarcados, inclusive parte

252
História Militar Brasileira II

da guarnição do 7º Grupo de Artilharia de Dorso do Exército


Brasileiro, que iria reforçar as defesas do saliente Nordeste.

Algumas horas depois, foi afundado o Paquete Araraquara,


vitimando 131 das 142 pessoas a bordo. Na madrugada do dia
16, foi a vez do Paquete Aníbal Benévolo. No dia seguinte, na
altura do Farol do Morro de São Paulo, ao Sul de Salvador,
foi torpedeado o Paquete Itagiba, que tinha entre os seus 121
passageiros o restante do 7º Grupo de Artilharia de Dorso.
Nesse mesmo dia, o NM Arará foi torpedeado quando recolhia
náufragos. A Barcaça Jacira foi posta a pique em 19 de agosto.

Finalmente foi declarado o Estado de Guerra contra a


Alemanha, a Itália e o Japão, em 31 de agosto de 1942.

Passou-se à navegação em comboio. Mesmo assim, ainda foram


perdidos muitos outros navios, mas a organização dos comboios,
escoltados por navios de guerra brasileiros e norte-americanos
e a intensa patrulha antissubmarino empreendida pelas forças
aeronavais aliadas levaram a uma drástica diminuição nas
perdas dos navios de bandeira brasileira. A maioria dos navios
mercantes brasileiros vitimados por submarinos alemães em 1943
navegava fora dos comboios.

Alguns fatores permitiram a defesa mais adequada da costa


brasileira na ocasião:

„„ a Lei de Empréstimo e Arrendamento, Lend Lease,


com os Estados Unidos da América, que permitiu,
sem operações financeiras imediatas, o fornecimento
do material necessário ao esforço de guerra dos países
aliados, assinada em 11 de março de 1941;

„„ a incorporação de navios, quer dentro do acordo firmado


com os EUA (16 caça-submarinos e 8 contratorpedeiros
de escolta), quer navios construídos no Brasil (3
contratorpedeiros, 6 corvetas), além de um intenso
trabalho de modernização dos navios disponíveis;

Unidade 4 253
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ a criação de Comandos Navais, em agosto de 1942,


com o propósito de prover defesa mais eficaz da nossa
fronteira marítima e, em ligação com o Exército e
Força Aérea, a organização de um serviço conjunto
de vigilância e defesa da costa, tendente a prevenir a
possibilidade de aproximação e desembarque inimigos;

„„ a criação da Força Naval do Nordeste (FNNE), parte de


um rápido e intenso processo de reorganização das nossas
forças navais para adequação à situação de conflito.
Reforçada, constituiu-se na Força-Tarefa 46 da Força do
Atlântico Sul, reunindo a nossa Marinha sob o comando
operacional da 4ª Esquadra Americana. A atuação
conjunta com os norte-americanos trouxe novos meios
navais e armamentos adequados à guerra antissubmarino,
bem como proporcionou treinamento para o nosso
pessoal.

Você sabia que, nos termos da Lend Lease, um acordo


firmado em 1º de outubro de 1941 fez com que o Brasil
obtivesse um crédito de 200 milhões de dólares? Por
ordem do Presidente da República, coube ao Exército 100
milhões e à Marinha e à Força Aérea, 50 milhões, cada.

As perdas brasileiras na guerra marítima somaram 30 navios


mercantes e três navios de guerra, tendo a Marinha do Brasil
perdido 486 homens. Foram comboiados perto de 3.164 navios,
sendo 1.577 brasileiros e 1.041 norte-americanos em 254
comboios. Considerando esse número de navios e as perdas em
comboios, chegamos à conclusão que cerca de 99,01% dos navios
protegidos atingiram os seus destinos. A guerra no mar mostrou
que, no caso do Brasil, em uma conflagração generalizada, as
linhas de comunicação serão alvos prioritários. Assim aconteceu
em 1917 e 1942.

Em 1942, foi criado o Ministério da Aeronáutica e a Força Aérea


Brasileira (FAB), reunindo a Aviação Naval e a Aviação Militar.
Pode-se imaginar o esforço enorme que isto requereu, sob todos

254
História Militar Brasileira II

os aspectos. Pilotos foram treinados nos EUA para operar o


material que receberiam e, além dos serviços que já prestava no
litoral e no interior do país, a FAB iria participar do esforço de
guerra, operando um Grupo de Caça no Teatro de Operações
da Itália; operando com o Exército junto à Força Expedicionária
Brasileira, uma Esquadrilha de Ligação e Observação para a
Artilharia Divisionária; e fazendo o patrulhamento da costa,
em coordenação com a Marinha, participando da guerra
antissubmarina.

A Participação do Exército se fez em fases sucessivas e


requereu tanto ou mais esforço quanto ao despendido
pela Marinha e pela Força Aérea.

Caracterizada a ameaça inimiga, mesmo antes da declaração


de guerra, um Exército com quadros de linha bem-preparados,
mas insuficientes para um esforço de guerra, com material
insuficiente e obsoleto, com organização e doutrina rapidamente
ultrapassadas pela guerra de movimento que se desencadeara na
Europa e se estendia ao norte da África, se vê a braços com a
necessidade de:

„„ reforçar a defesa territorial, particularmente a do extenso


litoral;

„„ movimentar suas unidades com rapidez, a fim de adotar


uma nova ordem de batalha, agora voltada para o
Nordeste, e não para o Sul;

„„ mobilizar oficiais, graduados e praças de uma reserva


pouco instruída;

„„ fazer funcionar uma logística praticamente inexistente; e,

„„ receber e operar material de guerra desconhecido, para o


que não se havia preparado.

Pode-se imaginar como os chefes de todos os escalões tiveram


que se desdobrar, a fim de cumprir suas partes.

Unidade 4 255
Universidade do Sul de Santa Catarina

A presença das tropas do Eixo no Norte da África e seus êxitos


iniciais destacaram a importância do Nordeste brasileiro como
trampolim para uma incursão no continente americano. E,
em sentido contrário, como trampolim para que as forças dos
EUA pudessem chegar ao Norte da África. Tornou-se urgente e
prioritária a maior aproximação e o entendimento entre Brasil e
Estados Unidos, para que os norte-americanos pudessem instalar
bases aéreas e navais naquela região. Era indispensável manter
aquela rota aérea devido à autonomia de voo das aeronaves de então,
assim como garantir a navegação mercante em todo o Atlântico.

As negociações não foram fáceis, em que pese o progressivo


estreitamento das relações entre os dois países, já em curso.
Enquanto as guarnições eram reforçadas com a criação de novas
unidades e a chegada de outras para lá transferidas, foi acertada a
instalação de bases americanas em Belém, Natal e Recife.

Veja, a seguir, uma imagem das bases aeronavais e comandos no Brasil:

Figura 4.14 - NE brasileiro - Bases aeronavais e comandos.


Fonte: História do Exército Brasileiro, EME, 1972.

256
História Militar Brasileira II

O desembarque aliado no Norte da África e a derrota das forças


do Eixo naquela região terminaram por abrir caminho a uma
nova perspectiva de participação do Brasil: enviar uma tropa para
integrar as forças aliadas na Europa. Novo desafio. Foi decidido
o envio de uma Força Expedicionária Brasileira completa, criada
em agosto de 1943 e constituída, inicialmente, por uma Divisão
de Infantaria. A FEB poderia chegar até ao efetivo de um Corpo
Expedicionário Brasileiro, com três divisões de infantaria e uma
blindada.

A organização da época incluía:

„„ um comandante e um estado-maior;

„„ uma Infantaria Divisionária com o comando e três


Regimentos de Infantaria;

„„ uma Artilharia Divisionária com o comando, três


Grupos de Obuses 105 AR (autorrebocados) e um Grupo
de Obuses 155 AR;

„„ uma Esquadrilha de Ligação e Observação;

„„ um Batalhão de Engenharia;

„„ um Batalhão de Saúde;

„„ um Esquadrão de Reconhecimento Mecanizado;

„„ uma Companhia de Transmissões;

„„ elementos de tropa especial e mais elementos da Justiça


Militar;

„„ enfermeiras;

„„ capelães;

„„ funcionários do Banco do Brasil, etc.

Unidade 4 257
Universidade do Sul de Santa Catarina

Como organizar tudo isto? Como mobilizar e treinar


a tropa? Com que equipamento e armamento, estes
dependentes do fornecimento pelos EUA? Onde
concentrar esse efetivo para a preparação final e
embarque? Todas essas dificuldades faziam duvidar da
participação do Brasil no teatro de operações europeu.

A concentração se deu na Capital Federal de então, o Rio


de Janeiro. As unidades formadoras, exceto o Batalhão de
Engenharia que veio de Mato Grosso e foi treinado em Três
Rios, RJ, pertenciam à 1ª Região Militar (RJ), 2ª Região Militar
(SP) e 4ª Região Militar (MG), embora a mobilização tenha
atingido todo o território nacional, particularmente o centro-sul.

Visualize a formação do contingente na imagem que segue:

Figura 4.15 - Contingente da FEB antes do embarque.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

A maior parte do material que seria fornecido pelos EUA não


chegou ao Brasil e só foi entregue no TO europeu às vésperas da
entrada em ação. Mas a 1ª DIE foi formada, recebeu a instrução
básica e embarcou em escalões sucessivos com destino a Nápoles,
na Itália, por onde iniciou uma campanha difícil e vitoriosa,
integrando o IV Corpo do V Exército norte-americano.

258
História Militar Brasileira II

A campanha da FEB na Itália deverá ser objeto de sua


curiosidade. Não a detalharemos neste livro didático. Deixaremos
na midiateca textos que deverão estimular seu estudo. A
bibliografia é extensa e variada e as fontes primárias estão ao
seu alcance em muitos arquivos e bibliotecas. E ainda podemos
contar com o testemunho de muitos ex-combatentes.

Segue imagem de alguns deles:

Figura 4.16 - General Falconière, General Zenóbio da Costa, General Mascarenhas de


Moraes e General Cordeiro de Farias.
Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Estude-a desde a mobilização e seleção dos contingentes, passe


pelo adestramento no Brasil, pela chegada e adestramento na
Itália, pelos combates que marcaram a campanha, pelo regresso
e pela desmobilização. Estude suas lideranças, sua logística,
o exercício do comando nos diversos escalões, a coordenação
e controle e o homem – o combatente brasileiro. Estude as
consequências da participação do Brasil na Segunda Guerra
Mundial para o país e suas forças armadas, nos campos da
política, da economia, da tecnologia e social. Você compreenderá
por que essa participação foi um divisor de águas não só na
história militar brasileira, sem dúvida, mas na história do Brasil.

Unidade 4 259
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para motivá-lo(a) ainda mais, segue imagem do roteiro da FEB na


campanha da Itália.

Figura 4.17 - Roteiro da FEB na campanha da Itália.


Fonte: Revista Verde Oliva - Ed Especial 50 Anos, CComSEx.

260
História Militar Brasileira II

3.3 – Queda de Vargas e fim do Estado Novo


A primeira e principal consequência no campo político foi a
derrubada de Vargas do poder através de um golpe militar. Se a
Segunda Guerra Mundial havia dado fôlego ao Estado Novo e à
ditadura que nele se instalara, a participação das forças armadas
brasileiras contra o nazi-fascismo tornara incompatível a sua
sustentação. É claro que este não foi um movimento isolado.
Desde muito antes, lideranças políticas que se opunham a Vargas
vinham se manifestando, e os chefes militares não eram alheios a
isso.

Deposto Vargas, em mais uma demonstração de respeito à


lei e à ordem, ainda sob a Constituição de 1937, o poder é
entregue aos Presidentes dos Tribunais. Estes, durante quase
um ano, conduzem o país à redemocratização através das
eleições que sagram Dutra presidente e formam o Congresso,
o qual, transformado em Constituinte, escreve e promulga a
Constituição de 1946.

O mais importante para as Forças Armadas, entretanto, é a


renovação permanente de seu compromisso para com os anseios
da Nação; é o retorno ao profissionalismo, buscado agora
com uma experiência de guerra que lhes permitirá estabelecer
doutrinas autóctones, compatíveis com os meios e a gente
do Brasil. O mais importante para as instituições militares é
empregar a experiência da guerra para orientar a evolução do seu
pensamento militar, a fim de obter eficácia ao praticar a arte da
guerra.

Unidade 4 261
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese
O primeiro governo Vargas constitui um divisor de águas na
história do Brasil, por tudo aquilo que significou em todos os
campos do poder. Há quem veja nele a verdadeira proclamação
da república. E não foi diferente em relação à história militar
brasileira. Primeiro, porque o ideário da Revolução de 1930
conseguiu a adesão de todas as correntes de pensamento
político que existiam no seio do Exército e da Armada e,
depois, pelo empenho em colocar em prática tal ideário, no
qual o nacionalismo e o resgate do espírito de brasilidade eram
prioritários.

Mas não se pode esquecer do que acontecia no mundo de


então. Se nos Estados Unidos da América a reconstrução
econômica e social era buscada por Roosevelt com o seu “New
deal” democrático, na Europa cresciam os regimes autoritários
e totalitários, dos quais o fascismo, o nazismo e o comunismo
levaram os países europeus a uma nova corrida armamentista e à
guerra. É claro que tudo isto se refletia na América, inspirando
governos também autoritários ou totalitários, como acabou
acontecendo com Vargas.

Mas isto não aconteceria sem a reação da sociedade. A principal


delas foi, sem dúvida, a Revolução Constitucionalista de 1932,
a qual caracterizou a diáspora das forças que se juntaram em
1930 e que se sentiram traídas pela tendência centralizadora e
autoritária do governo Vargas, tendência que iria cristalizar-se
com a Constituição outorgada de 1937, em um golpe de estado
conduzido pelo próprio governo, instituindo o Estado Novo e
instalando a ditadura, com o apoio majoritário do Exército.

Veja a dificuldade de se fazer a história militar propriamente


dita no período, tal a participação das lideranças militares e das
próprias instituições na política partidária e administrativa do país.

Mas as ações e operações militares ocorridas em 1932,


1935 e, por último, a participação do Brasil na Segunda
Guerra Mundial nos permitem cuidar de história militar,
estudando as transformações pelas quais foram passando as
instituições militares, sua reorganização, seu reequipamento e,

262
História Militar Brasileira II

principalmente, a evolução do pensamento militar e das doutrinas


de emprego que permitiriam promover a profissionalização tão
almejada por tantas gerações.

Terminada a guerra, não houve alternativa: as Forças Armadas


se juntam à sociedade, derrubam Vargas em um golpe militar
e abrem caminho para a redemocratização do país e para sua
própria reformulação. Mas os caminhos não eram tão planos
e veremos na próxima unidade como foi difícil chegar aonde
chegamos.

Atividades de autoaprendizagem

1) Analise a capacidade de mobilização paulista para a Revolução de 1932.

2) Analise o processo de mobilização da Força Expedicionária Brasileira


(FEB).

Unidade 4 263
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais
Para um entendimento mais aprofundado sobre o estudado nesta
unidade, acesse a seguinte bibliografia:

ANDRADE, Antônio. 1932: os deuses estavam com sede.


Lorena: Stiliano, 1997.

ANOS DE INCERTEZA (1930-1937): Revolução


Constitucionalista de 1932, A Era Vargas. FGV – CPDOC,
Rio de Janeiro, 2007. Disponível em <www.cpdoc.fgv.br>.
Acesso em: 18 jul. 2008.

ARAGÃO, José Campos. A intentona comunista de 1935. Rio


de Janeiro: BibliEx, 1973.

ARARIPE, Luiz de Alencar. O levante comunista de 1935


segundo os arquivos de Moscou. A Defesa Nacional, Rio de
Janeiro, n.763, p.35-54, jan.-mar. 1994.

BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia


paulista: história de uma esperança e muitos desenganos. São
Paulo: Brasiliense, 1979.

CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932 – a causa


paulista. São Paulo: Brasiliense, 1981.

CARVALHO, Ferdinando. Lembrai-vos de 35. Rio de Janeiro:


BibliEx, 1981.

CASCARDO, Francisco Carlos Pereira. O tenentismo na


marinha. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

CASTELLO BRANCO, Manuel Thomaz. O Brasil na II


Grande Guerra. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1960.

COUTINHO, Sérgio de Avelar. A intentona comunista de


1935: um intento insensato. Revista do Clube Militar. Rio de
Janeiro, n.427, p.6-7, jan. 2008.

264
História Militar Brasileira II

DONATO, Hernâni. A Revolução de 32. Rio de Janeiro: Abril


Cultural, 1982.

ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. História do exército


brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

______. O exército na história do Brasil. Rio de Janeiro:


BibliEx; Salvador: Odebrecht, 2008.

______. O exército na história do Brasil. v.3. Anexo de Mapas.


Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora; Salvador:
Odebrecht, 1998

FIGUEIREDO, Euclydes. Contribuição para a história da


revolução constitucionalista de 1932. São Paulo: Martins,
1977.

FROTA, Guilherme de Andréa. Quinhentos anos de história


do Brasil. Rio de Janeiro: BibliEx, 2000.

HILTON, Stanley. A guerra civil brasileira: história da


revolução constitucionalista de 1932. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982.

LIMA BRAYNER, Floriano de. A verdade sobre a F.E.B.:


memórias de um chefe de estado-maior na campanha da Itália.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

MASCARENHAS DE MORAES, J.B. A F.E.B. pelo seu


comandante. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A., 1947.

PAIVA GONÇALVES, Carlos. Seleção médica do pessoal da


F.E.B. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1950.

SENNA CAMPOS, Aguinaldo José. Com a F.E.B. na Itália -


páginas do meu diário. Rio de Janeiro: Imprensa do Exército, 1970.

WAACK, William. Camaradas nos arquivos de Moscou:


a história secreta da revolução brasileira de 1935. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.

Unidade 4 265
Universidade do Sul de Santa Catarina

Consulte também fontes primárias diversas existentes no:

„„ Arquivo Nacional;

„„ Arquivo Histórico do Exército;

„„ Museu Aeroespacial;

„„ Museu Militar Conde de Linhares;

„„ Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo; e,

„„ Museu Major Novaes.

266
5
unidade 5

A Marinha do Brasil no período


republicano
Armando de Senna Bittencourt (Diretor – DPHDM)
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)
Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator – DPHDM)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução das instituições navais brasileiras, as
peculiaridades do emprego do poder naval nos conflitos
internos e externos e a evolução da arte da guerra e do
pensamento naval brasileiro no período republicano.

„„ Identificar e caracterizar a participação da Marinha do


Brasil na sociedade, na economia e na vida política
brasileira no período republicano.

Seções de estudo
Seção 1 A Marinha do Brasil no início da República e a
Primeira Guerra Mundial

Seção 2 O período entre guerras e a Segunda Guerra


Mundial

Seção 3 O Poder Naval na guerra e na paz

Seção 4 Classificação geral de navios de guerra


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


O estudo das unidades anteriores nos fez percorrer episódios
nos quais o poder naval pode ter parecido coadjuvante. Mesmo
quando foi protagonista, a historiografia raramente lhe deu o
papel principal. Se há historiadores que afirmam que, durante
quatro séculos e meio, o Brasil viveu de costas para seu imenso
território, outros afirmam ter ele virado as costas para o mar.
Ora, uma coisa e outra são sofismas, pois não há como negar
ao mar e ao poder marítimo e naval a importância que tiveram
na “invenção” do Brasil. Acreditamos haver deixado isto claro,
quando estudamos a história militar brasileira nos períodos
colonial e monárquico.

No período republicano, optamos por lhe oferecer uma unidade


exclusiva sobre o poder naval. Achamos que a continuidade do
texto e a uniformidade de linguagem serão importantes para
o aprendizado e para motivá-lo(a) para os capítulos da história
marítima e naval brasileiras.

O texto apresentado é um extrato, elaborado e autorizado pela


Diretoria de Patrimônio e Documentação da Marinha, da
História Marítima Brasileira. Preste atenção à última seção
desta unidade, para entender a evolução do pensamento naval
brasileiro e aproveite o Apêndice que integra a unidade, com as
definições e características dos principais navios que compõem ou
compuseram a Marinha do Brasil.

SEÇÃO 1 – A Marinha do Brasil no início da República e


a Primeira Guerra Mundial
Os primeiros anos da República foram marcados pela progressiva
desmobilização da Esquadra brasileira. As revoltas que assolaram
a Nação e o desgaste econômico conhecido como “encilhamento”
provocaram o gradativo desmantelamento das unidades da Força
Naval. A situação interna do país se refletia nos orçamentos
insuficientes que negavam à Marinha os recursos necessários

268
História Militar Brasileira II

à modernização dos meios flutuantes e à criação de uma


infraestrutura de apoio.

O Encilhamento se refere ao processo especulativo


que ocorreu na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
Porém podem ser incluídos no encilhamento outros
problemas econômicos que ocorreram no período,
especialmente a brusca desvalorização cambial,
provocando grande número de falências e recessão
econômica. Essa política foi idealizada por Rui
Barbosa, ministro da Fazenda de então.

A situação se manteve por toda a década final do século XIX.


A sucessão de quatro ministros da Marinha em apenas seis anos
contribuiu negativamente para a elaboração de um programa
naval condizente com o litoral e com os interesses a serem
defendidos.

Em 15 de novembro de 1902, o Almirante Júlio de Noronha


assumiu a Pasta da Marinha, encontrando uma Força Naval O Almirante Julio de
composta de navios reformados, sendo na sua maioria modelos Noronha assumiu o
obsoletos frente às classes mais modernas que estavam em Ministério da Marinha
em 1902, durante o
processo de construção pelas potências industriais da época.
Governo de Rodrigues
Alves, passando a pasta
Em 1904, o Ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio em 1906 ao Almirante
Branco, percebendo que a Marinha, apesar de querer se armar Alexandrino Faria de
com os melhores meios, não alcançava um nível aceitável de uma Alencar.
força armada para o porte do Brasil, apresentou ao Almirante
Júlio de Noronha pessoas interessadas em oferecer navios ou
indicar estaleiros para a construção daqueles que fariam parte do
Programa Naval que o almirante elaborava.

Procurando satisfazer a justa aspiração brasileira em constituir


uma Marinha bem aparelhada para a defesa nacional, o ilustre
Deputado Dr. Laurindo Pitta apresentou à Câmara, em julho de
1904, um projeto que continha o programa naval de construções
do Almirante Júlio de Noronha, o qual poderia atender tais
expectativas. Em um discurso cheio de brilho e entusiasmo,
propôs a aprovação de orçamento que financiasse os navios
requisitados. O referido deputado encabeçou uma grande luta
nos bastidores da política nacional, com a finalidade de obter a

Unidade 5 269
Universidade do Sul de Santa Catarina

aprovação, no Congresso Nacional, do projeto que reorganizaria


toda a Esquadra brasileira. O citado projeto foi finalmente
aprovado quase que por unanimidade e convertido em lei pelo
Decreto nº 1.296, de 14 de novembro de 1904.

Segundo o próprio Deputado Laurindo Pitta, em seu discurso


na Câmara, por ocasião da apresentação do seu projeto de
reaparelhamento naval, couraçados, cruzadores, torpedeiras não
eram invenções modernas, eram aperfeiçoamentos que a ciência
e a indústria adaptavam aos navios. O couraçado era o pesado
e bem artilhado navio de linha, o cruzador era a leve e ligeira
fragata e o torpedeiro era o brulote, destinado a incendiar as
Embarcação antigas naus.
carregada de matérias
inflamáveis e O Programa de 1904, chamado de Júlio de Noronha, apresentava
explosivas e destinada a vantagem de ser um plano de conjunto, ou seja, incluía
a levar fogo aos
navios inimigos.
a criação de um moderno arsenal e um porto militar, que,
juntamente com os navios, formaria um tripé de sustentação da
Marinha brasileira. Foi o Almirante Júlio de Noronha quem fez
nascer a campanha de remodelação da Esquadra, a qual devia
impressionar principalmente a opinião pública e que gerou os
resultados necessários para a reforma da nossa Marinha.

O programa incluía os modelos de navios que, no momento,


equipavam as melhores esquadras do mundo, logo a seguir
empregados nas Batalhas de Port Artur e Tsushima, travadas
durante a Guerra Russo-Japonesa. Mas o estudo estratégico
das experiências proporcionadas por essas batalhas (1905) e
o lançamento do Encouraçado Dreadnought pela Marinha
britânica (1906), que aparecia como o navio mais poderoso do
mundo, inspiraram debates em torno do Programa de 1904. O
Deputado José Carlos de Carvalho e o Almirante Alexandrino
Faria de Alencar, então senador, foram os grandes defensores da
remodelação do Programa Júlio de Noronha.

O Encouraçado Dreadnought foi idealizado pelo


Almirante Lord Fisher, Primeiro Lord do Mar da
Marinha Britânica. Tinha como características forte
armamento com canhões de até 16 polegadas, grande
deslocamento, motores de propulsão mais eficientes
e poderosa blindagem. Foi realmente uma grande
inovação na construção naval mundial.

270
História Militar Brasileira II

Em 15 de novembro de 1906 assumiu a Presidência da República


o Conselheiro Afonso Pena e, com ele, o seu novo Ministério,
sendo a Pasta da Marinha ocupada pelo Almirante Alexandrino
Faria de Alencar. Não demorou que este conseguisse do
Congresso a reforma do Programa de 1904. A alteração mais
marcante trazida pelo novo programa do Almirante Alexandrino
foi o adicionamento de três novos encouraçados do tipo
dreadnought de 20.000 toneladas, cuja aprovação resultou no
Decreto nº 1.567, de 24 de novembro de 1906.

Nesse programa foi cancelado o projeto de um novo arsenal: em


seu lugar, optou-se por modernizar as instalações da Ilha das
Cobras. Porém admitia-se a construção de bases secundárias
em Belém e em Natal, e um porto militar de pequeno porte em
Santa Catarina.

Como consequência direta do Programa Alexandrino, a


Esquadra de 1910, assim chamada por haver chegado ao Brasil,
nesse ano, a maior parte de seus componentes, representou um
verdadeiro revigoramento militar e tecnológico da Marinha
brasileira. Dessa forma, o Brasil passou a possuir uma frota de
alto-mar, ofensiva, podendo levar ao longe o Pavilhão Nacional e,
principalmente, apoiar a ação diplomática do governo brasileiro; e
flotilhas defensivas, necessárias para a defesa do imenso litoral.

A incorporação de navios como os Encouraçados Minas Gerais e


São Paulo, pertencentes à classe dos dreadnoughts mais poderosos
do mundo, encheu de orgulho e confiança os cidadãos brasileiros.
Além dessas embarcações, também chegaram:

„„ os Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul; e,

„„ os Contratorpedeiros Amazonas, Pará, Piauí, Rio


Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Paraná, Santa
Catarina e Mato Grosso.

Posteriormente ao ano de 1910:

„„ o Contratorpedeiro Maranhão;

„„ os Submarinos F1, F3, F5 e Humaitá;

Unidade 5 271
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ o Tênder Ceará; e,

„„ outros navios auxiliares, que complementaram os efetivos


navais da Marinha.

O terceiro encouraçado previsto pelo Programa Alexandrino


foi o Rio de Janeiro, lançado ao mar em 22 de janeiro de 1913.
A demora de sua construção se deveu à necessidade de se
introduzirem novas modificações que o tornassem ainda mais
poderoso. Este navio não chegou a ser incorporado à Armada
brasileira. Foi adquirido pela Marinha turca e, depois, pela
Marinha inglesa, tendo participado da Batalha da Jutlândia.

Uma curiosidade: o encouraçado Rio de Janeiro foi


nomeado Agincout na Marinha Britânica, sob as ordens
do Almirante Sir John Jellicoe, na Batalha de Jutlândia.

A Esquadra brasileira passou a ser organizada essencialmente


em Divisões de Encouraçados e Cruzadores, e Flotilhas de
Contratorpedeiros e de Submarinos. Porém, com o início da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Ministro da Marinha,
Alexandrino de Alencar, determinou que as principais unidades
operativas de superfície fossem reorganizadas em 3 divisões,
a fim de patrulhar as águas costeiras dentro de cada área de
responsabilidade. Foram criadas as Divisões Navais do Sul (São
Francisco do Sul), Centro (Rio de Janeiro) e Norte (Belém).
Dessa forma, a Marinha iria enfrentar os seus dois grandes
desafios no Século XX: as duas grandes guerras mundiais.

1.1 - A Primeira Guerra Mundial


Como andava o preparo do Brasil?

A disposição do Brasil em manter-se neutro no conflito foi


evidenciada desde o primeiro minuto de combates na Europa,
em 1914. Naqueles dias conturbados, prevalecia no país uma
tendência natural de simpatia a favor dos aliados, principalmente

272
História Militar Brasileira II

porque a elite nacional via na educação e na cultura francesas seus


principais paradigmas. A neutralidade foi a marca brasileira nos
três primeiros anos de guerra, mesmo quando Portugal foi a ela
arrastada em março de 1916.

O bloqueio sem restrições firmado pelo governo alemão em 31


de janeiro de 1917 trouxe não só mal-estar a todos os neutros,
mas também preocupação ao Governo brasileiro, que dependia
fundamentalmente do mar para escoar a produção de café à
Europa e aos Estados Unidos, nossos principais compradores.
Ademais, importávamos muitos produtos da Inglaterra que,
naquela altura, lutava desesperadamente nos campos franceses e
enfrentava com preocupação os ataques dos submarinos alemães
ao seu tráfego marítimo.

O Brasil apresentou, inicialmente, seu protesto formal à


Alemanha, sendo logo depois obrigado a romper relações
comerciais com esse país, mantendo-se, contudo, ainda, na
mais rigorosa neutralidade. O que veio a modificar a atitude
brasileira foi o afundamento do navio mercante Paraná ao largo
de Barfleur na França, que ostentava a palavra Brasil pintada no
costado e a Bandeira Nacional içada no mastro.

Naquela oportunidade, a população na capital Rio de Janeiro


atacou firmas comerciais alemães, criando grande desconforto
para o governo de Wenceslau Braz. Seguiu-se, então, o
rompimento das relações diplomáticas com o governo alemão O Presidente
em 11 de abril de 1917. Um fato importante que influiu também Wenceslau Braz
na decisão de se romperem relações com o Império Alemão assumiu o governo
em 15 de novembro
foi a atitude de protesto dos Estados Unidos com o bloqueio
de 1914 e o transferiu,
irrestrito, tendo sofrido por isso o torpedeamento de dois de seus quatro anos depois,
navios. Tais acontecimentos motivaram a declaração de guerra ao Vice-Presidente
norte-americana. Mantínhamos até esse ponto laços comerciais Delfim Moreira, que
profundos com esse país e claras simpatias com os Aliados. substituiu o titular
Rodrigues Alves,
doente, o qual veio a
No mês de maio, o segundo navio brasileiro, o Tijuca, foi
falecer pouco tempo
torpedeado nas proximidades de Brest, na costa francesa. Seis depois.
dias depois, seguiu-se o mercante Lapa. Antes, ele fora abordado
por um submarino alemão, mandando que a tripulação deixasse
o vapor, para depois torpedeá-lo. Esses três ataques levaram o

Unidade 5 273
Universidade do Sul de Santa Catarina

Presidente Wenceslau Braz a decretar o arresto de 45 navios


dos Impérios Centrais aportados no Brasil e a revogação da
neutralidade. Muitos deles encontravam-se danificados por
sabotagem. Isso não impediu que o Brasil utilizasse 15 deles e
repassasse 30, por afretamento, para a França.

Um fato curioso foi o arresto da canhoneira alemã


Eber, surta no porto de Salvador. Tratava-se de navio
militar, e não de vapor mercante, como os 45 navios
arrestados. Antes de ser abordada por autoridades
brasileiras e percebendo essa medida, os tripulantes
queimaram esse vaso de guerra e conseguiram se
transferir para outro navio mercante, o qual se evadiu
dos portos nacionais com o armamento e os homens
especializados, que seriam ainda úteis à Marinha
alemã no conflito.

Quatro meses se passaram até que novo navio brasileiro fosse


atacado e afundado, dessa feita o vapor Tupi nas mediações
do Cabo Finisterra. O caso tornou-se grave na medida em
que o comandante e o despenseiro foram aprisionados por um
submarino alemão e nunca mais se teve notícia de seus destinos.
Oito dias depois, em 26 de outubro de 1917, o Brasil reconhecia e
proclamava o estado de guerra com o Império alemão.

Como estava o Brasil naquela oportunidade para


enfrentar os germânicos?

O governo brasileiro tinha consciência de que a grande ameaça


seria o submarino alemão, ávido por atacar os nossos navios
mercantes que mantinham o comércio com outros países em
pleno desenvolvimento. Além disso, naquela oportunidade, não
existiam estradas ligando os principais centros do país, como
o sul e sudeste com o norte e nordeste. Todas as comunicações
entre essas regiões eram feitas por mar, daí nossa grande
vulnerabilidade estratégica. Tanto a Marinha Mercante como
a de Guerra seriam as grandes protagonistas brasileiras nesse
confronto.

274
História Militar Brasileira II

Nossa Marinha Mercante era modesta. No entanto, desde


os primeiros anos do século, os governos que se sucederam
procuraram aparelhá-la, o que foi auspicioso, pois teríamos
na guerra um teste fundamental para a manutenção de nosso
fluxo comercial. No início do conflito, quando ainda o Brasil
mantinha irrestrita neutralidade, diversos países envolvidos
na guerra, ávidos para cobrir as perdas provocadas por
afundamentos, ofereceram propostas de compras de muitos de
nossos mercantes. Entretanto o governo nacional, premido pela
necessidade de manter o comércio com outros países e de escoar Propostas de compras
o nosso principal produto, o café, principalmente para os Estados do Lloyd Brasileiro
Unidos, impediu todas essas tentativas de arrendamento. Ao foram comuns.
final, essa ação veio a ser fundamental para o Brasil.

Nossa Marinha de Guerra era centrada na chamada Esquadra de


1910, com navios relativamente novos construídos na Inglaterra
sob o Plano de Construção Naval do Almirante Alexandrino
Faria de Alencar, Ministro da Marinha de então, como
anteriormente mencionado. Eram, ao todo:

„„ dois encouraçados tipo “dreadnought”, o Minas Gerais e


o São Paulo;

„„ dois cruzadores tipo “scouts”, o Rio Grande do Sul e o


Bahia, que viria a ser perdido tragicamente, na Segunda
Guerra Mundial; e,

„„ 10 contratorpedeiros de pequenas dimensões.

Esses meios eram todos movidos a vapor, queimando carvão.

Os “scouts” eram cruzadores leves e velozes que


tinham a tarefa de esclarecer, em apoio à linha de
batalha formada por encouraçados e cruzadores de
batalha.

Desde o início da participação brasileira no conflito, o governo


nacional decidiu-se pelo envio de uma Divisão Naval para operar
em águas europeias, o que representaria um grande esforço para a
Marinha.

Unidade 5 275
Universidade do Sul de Santa Catarina

Outra contribuição significativa foi a designação de 13 oficiais


aviadores, sendo 12 da Marinha e um do Exército, para se
aperfeiçoarem como pilotos de caça da Royal Air Force no teatro
europeu. Depois de árduo adestramento em que dois pilotos se
acidentaram, sendo um fatal, eles foram considerados qualificados
para operações de combate, tendo sido empregados no 16º Grupo
da RAF, com sede em Plymouth, em missões de patrulhamento
no canal da Mancha.

A propósito, a Escola de Aviação Naval Brasileira,


localizada na Ilha das Enxadas, na baía de Guanabara,
e a Flotilha de Aviões de Guerra haviam sido criadas no
dia 23 de agosto de 1916, comportando, inicialmente,
apenas três aviões Curtiss, os quais haviam chegado
ao Brasil dois meses antes. A Aviação Militar, por
outro lado, operava no Campo dos Afonsos, onde
funcionava a Escola de Aviação Militar.

Um fato inusitado e curioso, que, na época, provocou o maior


sucesso promocional foi o primeiro voo do Presidente da
República Wenceslau Brás em hidroavião da Armada, em 2 de
abril de 1917, um dia antes do torpedeamento de primeiro navio
brasileiro, o Paraná, nas costas francesas. O mais interessante foi
que Wenceslau havia comparecido à formatura dos novos pilotos
na Ilha das Enxadas e não estava previsto o voo realizado com
o primeiro mandatário da República. Ao ser provocado pelo
Ministro da Marinha, Wenceslau aceitou o convite para um
voo sobre o Rio de Janeiro e Niterói. Imediatamente, colocou o
capacete e a túnica a ele oferecida e se posicionou no avião para
início da aventura. Por cerca de 30 minutos, o Presidente se
deliciou com aquele sobrevoo, para o espanto dos repórteres que
esperavam o seu regresso.

No principal porto e centro econômico e político mais importante


do país, o Rio de Janeiro, instituiu-se uma linha de minas
submarinas cobrindo 600 metros entre as Fortalezas de Lage e
Santa Cruz. Duas ilhas oceânicas preocupavam as autoridades
navais de então, devido à possibilidade de serem utilizadas como
pontos de refúgio de navios inimigos:

„„ as de Trindade; e,

„„ Fernando de Noronha.
276
História Militar Brasileira II

A primeira foi ocupada militarmente em maio de 1916, com


um grupo de cerca de 50 militares. Uma estação radiotelegráfica
mantinha as comunicações com o continente e, frequentemente,
Trindade era visitada por navios de guerra para o seu
reabastecimento. Quanto a Fernando de Noronha, lá existia um
presídio do estado de Pernambuco. A Marinha, então, passou a
assumir a defesa da ilha, destacando um grupo de militares para
guarnecê-la. Não houve nenhuma tentativa de ocupação por
parte dos alemães.

Com o estado de guerra declarado, os ataques aos mercantes


brasileiros continuaram. Em 2 de novembro, nas proximidades
da Ilha de São Vicente na costa africana, foram torpedeados mais
dois navios, o Guaíba e o Acari. Depois de atingidos, os seus
comandantes conseguiram encalhá-los, salvando-se a carga, não
impedindo, no entanto, que vidas brasileiras fossem perdidas.

Outro ataque, já no ano de 1918, aconteceu ao mercante Taquari,


da Companhia de Comércio e Navegação, na costa inglesa.
Desta feita, o navio foi atingido por tiros de canhão, tendo
tempo de arriar as baleeiras que, no entanto, foram metralhadas,
provocando a morte de oito tripulantes.

Esses ataques insuflaram ainda mais a opinião pública brasileira


que, influenciada por campanhas jornalísticas e declaração de
diversos homens públicos, exigiu um comprometimento maior
com a causa Aliada, através da participação efetiva no esforço
bélico contra as Potências Centrais.
As Potências Centrais
Desde o início do conflito, a participação da Marinha no eram compostas pelo
confronto baseou-se no patrulhamento marítimo do litoral Império Alemão, pela
brasileiro com três Divisões Navais, como já mencionado, Austro-Hungria e pela
Turquia.
distribuídas nos portos de Belém, Rio de Janeiro e São Francisco
do Sul. Esse serviço tinha por finalidade colocar a navegação
nacional, a aliada e a neutra, ao abrigo de possíveis ataques de
navios alemães de qualquer natureza nas nossas águas.

A Divisão Naval do Norte era composta:

„„ dos encouraçados guarda-costas Deodoro e Floriano;

„„ dos cruzadores Tiradentes e República;

Unidade 5 277
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ de dois contratorpedeiros;

„„ de três avisos; e,

„„ de duas canhoneiras.

Sua sede era Belém.

A Divisão Naval do Centro compunha-se:

„„ dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo; e,

„„ de seis contratorpedeiros.

Sua sede era o Rio de janeiro.

Por fim, a Divisão Naval do Sul era composta:

„„ dos cruzadores Barroso, Bahia e Rio Grande do Sul;

„„ de um iate; e,

„„ de dois contratorpedeiros.

Sua sede era em São Francisco do Sul.

A Marinha possuía também:

„„ três navios mineiros;

„„ uma flotilha de submersíveis com um tênder;

„„ três pequenos submarinos construídos na Itália e uma


torpedeira;

„„ as Flotilhas do Mato Grosso, Amazonas e de Aviões de


Guerra; e,

„„ por fim, navios soltos.

278
História Militar Brasileira II

1.2 - A Divisão Naval em Operações de Guerra


O governo de Wenceslau Braz decidiu enviar uma divisão
naval para operar sob as ordens da Marinha Britânica, na
ocasião a maior e mais poderosa do mundo. Logicamente, os
navios escolhidos deveriam ser da Esquadra adquirida oito anos
antes na própria Inglaterra, pois eram os mais modernos que
o Brasil possuía, no entanto, devido aos avanços tecnológicos
provocados pela própria guerra, esses navios se tornaram
obsoletos rapidamente. Em que pese tal fato, a escolha da alta
administração naval recaiu:

„„ nos dois cruzadores (Rio Grande do Sul e Bahia);

„„ em quatro contratorpedeiros (Piauí, Rio Grande do Norte,


Paraíba e Santa Catarina);

„„ no rebocador (Laurindo Pitta); e,

„„ no cruzador-auxiliar (Belmonte).

Ao todo, oito navios.

Uma curiosidade: o Cruzador-Auxiliar Belmonte


fora um dos navios alemães apresados logo após a
declaração de guerra pelo Brasil. Levava o nome de
Valesia.

Mas, afinal, contra quem iríamos lutar?

A Alemanha, apesar de ter uma esquadra menor do que a da


Inglaterra, possuía uma frota muito agressiva e motivada, que se
batera com valentia até aquele momento. No início do conflito,
os alemães se lançaram à guerra de corso, utilizando navios de
superfície, no estilo de corsários independentes que atacavam os
mercantes, navegando solitários. Essa estratégia, com o decorrer
da guerra, foi abandonada. Preferiu-se a guerra submarina, que
se mostrou muito mais eficiente. Esses submarinos não chegaram
a atuar nas nossas costas, como aconteceu na Segunda Guerra
Mundial, no entanto atacaram nossos navios nas costas europeias
e os afundaram sem trégua.

Unidade 5 279
Universidade do Sul de Santa Catarina

Há que se notar que a Marinha brasileira era dependente de


suprimentos vindos do exterior. Não existiam estaleiros
capacitados, nem fábricas de munição e estoques logísticos
adequados. Dessa forma, a preparação da Divisão Naval em
Operações de Guerra (DNOG), como ficou conhecida essa
pequena força, foi muito dificultada por limitações que não eram
só da Marinha mas também do Brasil. Como critério de escolha,
abriu-se o voluntariado para os seus componentes e foi escolhido
um contra-almirante ainda muito jovem, com 51 anos de idade,
muito habilidoso, com grande experiência marinheira, na ocasião
comandante da Divisão de Cruzadores com base no porto de
Santos, o Almirante Pedro Max de Frontin, irmão do engenheiro
Paulo de Frontin.
O engenheiro Paulo de
Frontin teve destacado
A principal tarefa a ser cumprida por essa divisão seria patrulhar
papel nas reformas
uma área marítima contra os submarinos alemães, compreendida
urbanas empreendidas
entre Dakar, no Senegal, e Gibraltar, na entrada do Mediterrâneo,
pelo prefeito Pereira
com subordinação ao Almirantado inglês.
Passos, tendo sido
A preparação dos navios ainda no Brasil requereu muitos recursos
nomeado chefe da
de toda a ordem. Entre os pontos a serem corrigidos estava
Comissão Construtora da
a deficiência de abastecimento, principalmente a escassez de
Avenida Central em 1903.
combustível, o carvão. Dava-se preferência a um tipo de carvão
proveniente da Inglaterra, o tipo Cardiff, ou dos Estados Unidos
da América. O carvão nacional, por possuir grande quantidade de
enxofre, era contraindicado, e esse ponto nevrálgico preocupou os
chefes navais durante toda a comissão da DNOG.

Depois de três meses de adestramento contínuo com as


tripulações, os navios suspenderam do Rio de Janeiro em grupos
pequenos, para se juntarem na Ilha de Fernando de Noronha.
Inicialmente deixaram a Guanabara os contratorpedeiros no dia
7 de maio de 1918, seguidos, no dia 11, pelos dois cruzadores.
Em 6 de julho, suspendeu do Rio de Janeiro o Cruzador-Auxiliar
Belmonte e, dois dias depois, o Rebocador Laurindo Pitta. Esses
navios ficaram responsáveis por transportar o carvão necessário
para a DNOG, daí sua grande importância logística.

No dia 01 de agosto, a Divisão unida suspendeu de


Fernando de Noronha com destino a Dakar, passando
por Freetown.

280
História Militar Brasileira II

O propósito dessa primeira derrota até Freetown era destruir os


submarinos inimigos que se encontravam na rota da DNOG. O
armamento, naquela ocasião, para neutralizar esses submarinos
era bastante primitivo, não se comparando com nada que se viu
na Segunda Guerra Mundial. Existiam hidrofones primitivos
e bombas de profundidade de 40 libras que eram lançadas pela
borda no local provável onde se encontrava o submarino.

É interessante mencionar que o próprio submarino possuía


pequena capacidade de permanecer mergulhado durante longo
período de tempo, o que era uma grande limitação. Normalmente,
os ataques contra mercantes eram realizados utilizando-se os
canhões localizados em seus conveses. A maior possibilidade
de destruir esses submarinos acontecia quando o inimigo vinha
à superfície para destruir o alvo, ou por canhão, ou mesmo
com o uso de torpedos. Nessa travessia inicial, alguns rebates
de “prováveis submarinos” foram dados, porém não tiveram
confirmação.

Outro ponto interessante na travessia Fernando de Noronha/


Dakar era a faina de transferência de carvão em alto-mar. Esses
recebimentos de combustível aconteciam em quaisquer condições
de tempo e de mar e obrigavam a atracação dos navios ao
Cruzador-Auxiliar Belmonte e a utilização do Rebocador Laurindo
Pitta para auxílio nas aproximações. Foram fainas perigosas, que
demandaram muita capacidade marinheira dos tripulantes, além
da natural vulnerabilidade durante os abastecimentos, quando
os submarinos inimigos poderiam aproveitar a baixa velocidade
dos navios para o ataque torpédico. A tensão reinante durante
esses eventos era enorme, sem contar com as difíceis condições
em que eram realizadas. Os navios ficavam literalmente negros
de carvão, e todos trabalhavam do nascer do sol até o término do
abastecimento.

Depois de oito dias de travessia, a DNOG chegou ao porto de


Freetown, onde se agregou ao esquadrão Britânico. Nessa cidade,
os navios permaneceram por quatorze dias, reabastecendo-se e
sofrendo os reparos necessários à continuação da missão.

Unidade 5 281
Universidade do Sul de Santa Catarina

No dia 23 de agosto de 1918, a Divisão suspendeu em direção


a Dakar, tendo esta derrota sido muito desconfortável para as
tripulações dos navios, devido ao mau tempo reinante. Na véspera
da chegada a esse porto africano, no período noturno, foi avistado
um submarino navegando na superfície, que foi imediatamente
atacado pela força brasileira. No entanto o submarino conseguiu
lançar um contra-ataque contra o Cruzador Belmonte, quase
atingindo seu intento, uma vez que a esteira fosforescente do
torpedo foi perfeitamente observada a vinte metros da popa do
navio brasileiro. No dia 26 de agosto, os navios aportavam em
Dakar e aí começariam as grandes provações dos tripulantes
nacionais.

Todo esse martírio teria início quando determinado navio inglês, o


Mantua, iniciou uma rotina observada por nossos marinheiros, que
o viam suspender de quando em vez para o alto-mar, regressando
em seguida. Logo após, soube-se que essas saídas eram motivadas
para lançar os corpos dos homens de sua tripulação que haviam
contraído a terrível “gripe espanhola”. Possivelmente o Mantua foi
o responsável pela moléstia que vitimaria diversos tripulantes que
nunca retornariam ao Brasil.

A gripe espanhola foi uma pandemia que teve o seu


ápice no segundo semestre de 1918, não só na África,
mas em todo o Mundo, inclusive no Brasil. Utilize a
internet e pesquise mais sobre este assunto.

No início de setembro, as primeiras vítimas brasileiras eram


atingidas pela gripe mortal. Os sintomas eram quase sempre os
mesmos: fraqueza generalizada, seguida de grande aumento de
temperatura, com transpiração excessiva. Depois de três ou quatro
dias de grande mal-estar, seguia-se a tosse com expectoração
sanguínea e congestão pulmonar. Alguns iniciavam as convulsões
e os soluços, outros se debatiam em agonia, todos ávidos por água
para debelar a sede incontrolável. Dentro de pouco tempo a morte
se abatia derradeira e incontrolável.

A permanência em Dakar deveria ser curta, no entanto, devido


à gravidade da situação sanitária com a gripe, os navios lá

282
História Militar Brasileira II

permaneceram por mais tempo. A tudo isso, somaram-se o


impaludismo e as febres biliares africanas. Dos navios atingidos
pelas doenças, o mais afetado foi o Cruzador-Auxiliar Belmonte,
que, dos seus 210 homens sem doença, contaram-se 154 doentes.
Substituições solicitadas ao Brasil vieram no paquete Ásia, para
completar os claros com as moléstias apontadas.

Foram vitimados 156 brasileiros da DNOG pela “gripe espanhola”.


Este foi o número total de marinheiros brasileiros enterrados
no cemitério de Dakar. Outros vieram a falecer mais tarde, não
havendo a possibilidade de precisar o número exato de perdas
por causa da gripe.

Os navios britânicos e brasileiros em Freetown e Dakar ficaram


inoperantes em face das condições sanitárias reinantes, estando a
defesa do estreito entre Dakar e Cabo Verde somente a cargo de
dois pequenos navios portugueses. Com grande esforço pessoal,
a DNOG conseguiu logo depois designar o Piauí e o Parahyba
para auxiliarem os portugueses naquela área de operações.

No dia 3 de novembro, a DNOG largou de Dakar em direção


a Gibraltar, sem o Rio Grande do Sul, o Rio Grande do Norte, o
Belmonte e o Laurindo Pitta, os dois primeiros avariados e os
dois seguintes designados para outras missões. Sete dias depois,
os navios da Divisão faziam sua entrada em Gibraltar. No dia
seguinte, o armistício foi assinado, dando a Grande Guerra
como terminada. Nossa missão de guerra findara, no entanto
nossa Divisão prolongou sua permanência na Europa, tendo
sido convidada para participar das festividades promovidas pelos
vitoriosos. Por cerca de seis meses nossos navios permaneceram
em águas europeias, participando das comemorações pela vitória
e visitando países que tomaram parte naquele grande conflito.

No dia 9 de junho de 1919, depois de tocar Recife por breves


dias, os navios da DNOG entravam na Baía de Guanabara,
porto-sede da divisão naval. Acabara assim, a participação da
Marinha na Primeira Guerra Mundial.

Unidade 5 283
Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 2 – O Período entre guerras e a Segunda Guerra


Mundial

2.1 - O período entre guerras


O período entre guerras, que abarca os anos de 1918 até 1939,
caracterizou-se pelo abandono a que foi submetida não só a
Marinha de Guerra como praticamente toda a atividade nacional
relacionada com o mar. A ausência de mentalidade marítima do
povo brasileiro revelou-se em toda a sua intensidade.

No entanto iniciativas modestas, ainda durante a Grande Guerra,


como a criação da Escola Naval de Guerra (depois Escola
de Guerra Naval), da Flotilha dos Submarinos, com os três
pequenos submarinos da Classe F, e da Escola de Aviação Naval,
indicaram a necessidade de avanço na melhoria das condições de
prontidão da nossa força naval.

A revolução de 30 representou para a Marinha um divisor de


águas entre duas épocas distintas. Em relatório do Ministro da
Marinha no ano de 1932, onde é feita uma análise da situação da
Marinha, encontra-se registrada a seguinte declaração:

Estamos deixando morrer a nossa Marinha. A esquadra


agoniza pela idade (a maior parte dos navios eram da
esquadra de 1910), e, perdido com ela o hábito das
viagens, substituído pela vida parasitária e burocrática
dos portos, morrem todas as tradições [...]. Estamos
numa encruzilhada: ou fazemos renascer o Poder Naval
sob bases permanentes e voluntariosas, ou no resignamos
a ostentar a nossa fraqueza provocadora [....] estamos
completamente desaparelhados [...]. (Relatório do
Ministro da Marinha, Almirante Protógenes Pereira
Guimarães, junho de 1932.)

O programa naval, estabelecido em 1932 e ajustado em 1936,


elaborado sem obedecer a nenhum planejamento estratégico
ou político, criou uma força naval modesta, um pouco melhor
equilibrada dentro das possibilidades financeiras e técnicas do
país, podendo ministrar adestramento satisfatório e intervir
em operações limitadas, mais no campo interno que externo.

284
História Militar Brasileira II

Devemos reconhecer, no entanto, que tal modesta iniciativa


foi um marco de coragem, pois utilizou a incipiente indústria
brasileira na tentativa de reconstituir, em termos nacionais, um
Poder Naval com alguma credibilidade. Em 1935, foi iniciada
grande reforma no Encouraçado Minas Gerais, de que constou
a substituição de suas caldeiras e o aumento do alcance de seus
canhões 305 mm.

Incluíam-se no programa naval três submarinos


adquiridos na Itália (Tupi, Timbira e Tamoio), dois
navios hidrográficos (Jaceguai e Rio Branco), um navio
escola (Alte Saldanha), três contratorpedeiros (Marcílio
Dias, Mariz e Barros e Greenhalgh), dois monitores
(Paraguassu e Parnaíba) e um navio tanque fluvial
(Potengi), entre outros.

As atividades de minagem e varredura tinham-se mantido em


segundo plano, desde o fim da Grande Guerra, utilizando-
se navios-mineiros varredores improvisados. Em 1940,
obedecendo ao novo Programa Naval então aprovado, decidiu-
se pela construção, no Brasil, de uma série de navios-mineiros
varredores. Os seis navios da classe
Carioca.
Em 1940, a nossa Força de Alto-Mar era assim constituída:

Divisão de Encouraçados: Minas Gerais e São Paulo.


Divisão de Cruzadores: Rio Grande do Sul e Bahia.
Flotilha de Contratorpedeiros: Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Santa Catarina e Mato
Grosso.
Flotilha de Submarinos: Humaitá, Tupi, Timbira e Tamoio.
Trem: Tênderes Belmonte e Ceará; Navios-Tanques Novais de Abreu e Marajó; Rebocadores Aníbal de
Esquadra: Mendonça, Muniz Freire, Henrique Perdigão e DNOG.
Flotilha de Navios-Mineiros Varredores: 10 navios.
Flotilha da Diretoria de Hidrografia e Navegação: 3 Navios-Hidrográficos e 2 Navios-Faroleiros.
Navio Isolado: Navio-Escola Almirante Saldanha.
Flotilha Fluviais: Flotilha do Amazonas: Canhoneira Amapá e Rebocador Mário Alves.
Flotilha de Mato Grosso: Monitores Parnaíba, Paraguaçu e Pernambuco. Avisos Oiapoque
e Voluntários; e Navio-Tanque Potengi.

Unidade 5 285
Universidade do Sul de Santa Catarina

Dispondo o Brasil de imensas bacias potamográficas,


as forças fluviais sempre representaram papel
importante em nossa concepção estratégica.

Pode-se perceber, claramente, a vulnerabilidade de nosso Poder


Naval para o enfrentamento da guerra A/S (antissubmarino).
Não possuíamos sensores adequados, nem adestramento para a
luta contra os submarinos do eixo. A doutrina A/S era baseada,
ainda, nas lições apreendidas na 1ª Guerra Mundial, muito
diferente do que vinha ocorrendo nas águas do Atlântico Norte e
Mediterrâneo, desde 1939.

Como vimos, o nosso Poder Naval possuía limitações


operacionais importantes. No início da guerra na Europa, o
Brasil contava com praticamente os mesmos navios da Primeira
Guerra Mundial. A verdade é que não se equipam e treinam
forças navais sem verbas condizentes - que eram seguidamente
preteridas pelo governo getulista.

As grandes preocupações do nosso Estado-Maior da Armada


eram a defesa de nossa enorme e desprotegida costa marítima
e, fundamentalmente, a proteção das linhas de comunicação,
vitais para a conservação de nossas artérias comerciais com o
exterior e para manutenção das linhas de cabotagem. Devemos
observar que, naquele ano de 1940, esse tipo de transporte era
fundamental, pois não existia uma única comunicação terrestre
entre Belém e São Luís, entre Fortaleza e Natal e entre Salvador
e Vitória.

Nossa Esquadra, despreparada, pouco podia fazer para enfrentar


uma Esquadra como a alemã.

286
História Militar Brasileira II

2.2 - A Segunda Guerra Mundial

2.2.1 - Início das hostilidades e ataques aos nossos Navios Mercantes


A Marinha Mercante brasileira somava 652.100 toneladas brutas
de arqueação no início da guerra. Mesmo pequena e composta
de navios antiquados, se comparada com as grandes potências
de então, ela exercia papel fundamental na economia nacional,
não só no transporte das exportações brasileiras, mas também na
navegação de cabotagem que mantinha o fluxo comercial entre
as economias regionais, isoladas pela deficiência das nossas redes
rodoviárias e ferroviárias.

No decorrer da guerra, foram perdidos, por ação de submarinos


alemães e italianos, 33 navios mercantes, que somaram cerca de
140 mil toneladas de arqueação (21% do total), com a morte de
480 tripulantes e 502 passageiros.

Os primeiros ataques à nossa Marinha Mercante ocorreram


quando o Brasil ainda se mantinha neutro no conflito europeu.
Em 22 de março de 1941, no Mar Mediterrâneo, o Navio
Mercante (NM) Taubaté foi metralhado pela Força Aérea
Alemã, tendo sido avariado apesar da pintura em seu costado
da Bandeira brasileira. Com a entrada dos Estados Unidos da
América naquele conflito, os submarinos alemães passaram
a operar no Atlântico Ocidental, ameaçando todos os navios
de bandeiras neutras que tentassem adentrar portos norte-
americanos.

A primeira perda brasileira foi o NM Cabedelo, que deixou o


porto de Filadélfia, nos Estados Unidos, com a carga de carvão,
no dia 14 de fevereiro de 1942. Ainda não existia o sistema de
comboios nas Antilhas. O navio desapareceu rapidamente, sem
dar sinais, podendo ter sido torpedeado tanto por um submarino
alemão, ou italiano. Ele foi considerado perdido por ação do
inimigo, uma vez que o tempo reinante era bom e claro.

Unidade 5 287
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seguiu-se o torpedeamento do NM Buarque, em 16 de fevereiro


de 1942, pelo submarino alemão U-432, comandado pelo
Capitão-Tenente Heins-Otto Schultze, a 60 milhas do Cabo
Hatteras, quando levava para os Estados Unidos 11 passageiros,
café, algodão, cacau e peles. O navio, do tipo misto, era do Lloyd
Brasileiro, tendo se salvado toda a tripulação de 73 homens.

No torpedeamento do Lloyd Brasileiro aconteceu um


fato inusitado: segundo relato do comandante, às
19h30m um avião sobrevoou o navio para iluminá-lo.
Hoje, sabe-se que os alemães tinham uma aeronave
espiã, com base em território norte-americano, para
orientar os submarinos para os ataques.

Em 18 de fevereiro de 1942, foi a vez do NM Olinda, torpedeado


pelo mesmo U-432, ao largo da Virgínia, Estados Unidos. O
submarino veio à superfície, mandando o mercante parar, dando
ordem de abandonar o navio. Esperou que todos embarcassem
nas baleeiras e, a tiros de canhão, pôs a pique o Olinda. A
tripulação, de 46 homens, foi salva pelo USS Dallas.

Seguiram-se os torpedeamentos do:

„„ NM Arabutã, em 7 de março de 1942;

„„ NM Cairu, em 8 de março de 1942;

„„ NM Parnaíba, em 1º de maio de 1942;

„„ NM Gonçalves Dias, em 24 de maio de 1942;

„„ NM Alegrete, em 1º de junho de 1942; e,

„„ NM Pedrinhas e NM Tamandaré, ambos em 26 de junho


de 1942.

Todos os torpedeamentos ocorreram ou na costa norte-


americana ou no Mar das Antilhas, área em que os submarinos
alemães atuaram no início do envolvimento dos Estados
Unidos no conflito, quando ainda eram precárias as patrulhas
antissubmarinas norte-americanas.

288
História Militar Brasileira II

A única exceção nesse período foi o NM Comandante Lira,


torpedeado no litoral brasileiro, ao largo do Ceará, pelo
submarino italiano Barbarigo. Foi o único navio a ser salvo, graças
ao pronto auxílio dado pelo Rebocador da Marinha brasileira,
Heitor Perdigão, e por alguns navios norte-americanos. O NM
Barbacena e NM Piave, torpedeados pelo submarino alemão
U-155 ao largo da Ilha de Trinidad, em 28 de julho de 1942,
foram as últimas perdas ocorridas por ação do inimigo, enquanto
o Brasil ainda se mantinha formalmente como país neutro.

Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas


com os países que compunham o Eixo. A colaboração militar
entre o Brasil e os Estados Unidos, que desde meados de 1941
já era notória, intensificou-se com a assinatura de um acordo
político-militar em 23 de maio de 1942.

Neste período, deslocava-se para o saliente Nordestino brasileiro


a Força-Tarefa 3 da Marinha norte-americana, tendo o governo
Vargas colocado os Portos de Recife, Salvador e, posteriormente,
Natal à disposição das forças norte-americanas.

As atitudes cada vez mais claras de alinhamento do Brasil com os


países aliados levaram o Alto Comando Alemão a planejar uma
operação contra os principais portos brasileiros. Posteriormente,
por ordem de Hitler, esta ofensiva submarina foi reduzida
em tamanho, mas não em intensidade, com o envio de dez
submarinos ao litoral, com ordens para atacar nossa navegação de
longo curso e de cabotagem.

No cair da tarde de 15 de agosto de 1942, o Submarino alemão


U-507, comandado pelo Capitão-de-Corveta Harro Schacht,
torpedeava o Paquete Baependi, que navegava ao largo da costa
de Alagoas com destino à Recife. O velho navio foi ao fundo,
levando 270 almas de um total de 306 tripulantes e passageiros
embarcados, inclusive parte da guarnição do 7º Grupo de
Artilharia de Dorso do Exército Brasileiro que iria reforçar as
defesas do saliente Nordeste.

Unidade 5 289
Universidade do Sul de Santa Catarina

Algumas horas depois, o U-507 encontrou o Paquete Araraquara


navegando escoteiro e inteiramente iluminado, e o afundou com
dois torpedos, vitimando 131 das 142 pessoas a bordo.

Na madrugada do dia 16, foi a vez do Paquete Aníbal Benévolo,


também utilizado nas linhas de cabotagem. No dia seguinte,
na altura do Farol do Morro de São Paulo, ao Sul de Salvador,
o U-507 torpedeou o Paquete Itagiba, que tinha entre os seus
121 passageiros o restante do 7º Grupo de Artilharia de Dorso.
Neste mesmo dia, o NM Arará foi torpedeado quando recolhia
náufragos dos primeiros alvos do submarino germânico. A última
vítima do Comandante Schacht foi a Barcaça Jacira, pequena
embarcação que foi posta a pique em 19 de agosto.

A ação de cinco dias do submarino alemão U-507 levou a pique


seis embarcações dedicadas às linhas de cabotagem, vitimando
607 pessoas, chocando a opinião pública brasileira e reiterando
a disposição do Governo em declarar o Estado de Beligerância
com a Alemanha em 22 daquele mês e, finalmente, o Estado de
Guerra contra aquele país, a Itália e o Japão, em 31 de agosto de
1942.

Com comboios organizados ainda de maneira incipiente,


foram afundados os Navios Mercantes Osório e Lages, em 27 de
setembro de 1942, seguindo-se o afundamento do pequeno NM
Antonico, que navegava escoteiro ao largo da costa da Guiana
Francesa. Este ataque alemão ficou tragicamente gravado na
mente dos protagonistas, pois o U-516, com sua artilharia,
metralhou os náufragos nas baleeiras, após o pequeno navio ter
sido posto a pique, matando e ferindo muitos deles. Ainda em
1942, foram perdidos os NM Porto Alegre e Apalóide.

A organização dos comboios nos portos nacionais, que reuniam


navios mercantes da navegação de longo-curso e de cabotagem,
escoltados por navios de guerra brasileiros e norte-americanos
e a intensa patrulha antissubmarino, empreendida pelas forças
aeronavais aliadas, levaram a uma drástica diminuição nas
perdas dos navios de bandeira brasileira, com 8 torpedeamentos,
comparados aos 24 ocorridos ao longo do ano anterior.

A maioria dos navios mercantes brasileiros vitimados por


submarinos alemães em 1943 navegava fora dos comboios.
Vejamos alguns exemplos:

290
História Militar Brasileira II

„„ o NM Brasilóide navegava escoteiro, quando foi


torpedeado em 18 de fevereiro de 1943;

„„ o NM Afonso Pena indevidamente abandonou o comboio


do qual fazia parte e foi afundado em 2 de março;

„„ o NM Tutóia foi atingido em 20 de junho, também


viajando isolado;

„„ o NM Pelotaslóide, fretado ao Governo norte-americano


para transporte de material bélico, foi afundado na
entrada do canal para o Porto de Belém, quando esperava
o embarque do prático, estando escoltado por três caça-
submarinos da Marinha brasileira;

„„ em 22 de julho, o Pesqueiro Shangri-lá foi afundado ao


largo de Arraial do Cabo, provocando a morte de todos
os seus tripulantes;

„„ o NM Bagé compunha um comboio, quando, na tarde


de 31 de julho, foi obrigado a seguir viagem isolado,
pois suas máquinas produziam fumaça em demasia,
fazendo com que o comboio pudesse ser localizado por
submarinos do Eixo a grandes distancias, colocando em
risco os outros navios comboiados. Naquela mesma noite
foi torpedeado;

„„ os dois últimos torpedeamentos de navios mercantes


brasileiros foram o Itapagé, em 26 de setembro, e o
Campos, em 23 de outubro de 1943, ambos navegando
escoteiros.

2.2.2 - A Lei de Empréstimo e Arrendamento e a Modernização de


nossos meios e da Defesa Ativa da Costa Brasileira
A Lei de Empréstimo e Arredamento – Lend Lease – com os
Estados Unidos da América permitia, sem operações financeiras
imediatas, o fornecimento dos materiais necessários ao esforço de
guerra dos países aliados. Ela foi assinada a 11 de março de 1941.
Como visto anteriormente, em acordo firmado a 1º de outubro
de 1941, o Brasil obteve, nos termos dessa Lei, um crédito de
200 milhões de dólares, dos quais, por ordem do Presidente da
República, couberam ao Exército 100 milhões; e, à Marinha e à

Unidade 5 291
Universidade do Sul de Santa Catarina

Força Aérea, 50 milhões, cada. Da cota destinada à Marinha, um


total de 2 milhões de dólares foi despendido com o armamento
dos navios mercantes.

Ao rompermos relações diplomáticas como Eixo, a Marinha


do Brasil desconhecia as novas táticas antissubmarino e estava,
consequentemente, desprovida do material flutuante e dos
equipamentos necessários para executá-las, como bem discutimos
anteriormente. Os progressos verificados nos entendimentos
entre o Brasil e Estados Unidos, depois dos torpedeamentos dos
primeiros navios na costa leste norte-americana e nas Antilhas,
permitiram incluir na agenda das discussões o fornecimento ao
Brasil de pequenas unidades de proteção ao tráfego e de ataque a
submarinos.

Os primeiro navios recebidos pelo Brasil, depois da declaração de


guerra, foram os caça-submarinos da classe G, Guaporé e Gurupi,
entregues em Natal, a 24 de setembro de 1942. Em seguida,
foram incorporados à Marinha do Brasil, em Miami, oito caça-
submarinos da classe J -Javari, Jutaí, Juruá, Juruema, Jaguarão,
Jaguaribe, Jacuí, e Jundiaí. No ano de 1943, foram entregues mais
seis unidades da classe G - Guaíba, Gurupá, Guajará, Goiana,
Grajaú e Graúna.

Nos anos de 44/45, mais oito unidades foram entregues, desta


vez os excelentes contratorpedeiros-de-escolta que já operavam
em nossas águas: Bertioga, Beberibe, Bracuí, Bauru, Baependi,
Benevente, Babitonga e Bocaina. Após o término da guerra na
Europa, a Marinha recebeu dos Estados Unidos, a 16 de julho
de 1945, em Tampa, na Flórida, o Navio-Transporte de Tropas
Duque de Caxias.

A 15 de abril de 1948, o Brasil e os Estados Unidos firmaram


acordo sobre o pagamento do Lend Lease. O valor do aluguel
dos navios incorporados à Marinha brasileira, que deveriam
ser restituídos ao final da guerra, não foram incluídos, como
acordado. Mais tarde, a cessão desses navios ao Brasil foi tornada
permanente, com o compromisso de não os entregarmos a outros
países, sendo então fixado o seu aluguel em 5 milhões de dólares,
descontando-se o que nos era devido pelo arrendamento de
navios brasileiros aos Estados Unidos, pela cessão do mercante
misto alemão Wisndhunk aos norte-americanos e pelos navios
perdidos durante a guerra.

292
História Militar Brasileira II

Não se sabe da ocorrência de indenizações norte-americanas


em troca das facilidades concedidas à sua Marinha em nossos
portos ou, ainda, pelo uso do território nacional para instalação
de suas bases aéreas e navais. Simplesmente, ficamos de posse
das benfeitorias realizadas e dos materiais existentes em seus
armazéns.

Quanto às construções navais aqui no Brasil, tivemos a


incorporação de contratorpedeiros da classe M - Mariz e Barros,
Marcílio Dias e Greenhalgh - e das corvetas Matias de Albuquerque,
Felipe Camarão, Henrique Dias, Fernando Vieira, Vidal de
Negreiros e Barreto de Menezes.

Declarada a guerra, foi desenvolvido um trabalho intenso para


adaptar nossos antigos navios, dentro de suas possibilidades,
à campanha antissubmarino. Os seguintes serviços foram
executados:

„„ Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul: instalados sonar e


equipamento para ataques antissubmarinos (duas calhas
para lançamento de bombas de profundidade de 300
libras);

„„ Navios-mineiros varredores classe Carioca: reclassificados


como corvetas. Retirados os trilhos para lançamento de
minas e instalados sonar e equipamentos para ataques
antissubmarinos (dois morteiros K e duas calhas para
lançamento de bombas de profundidades de 300 libras);

„„ Navios-Hidrográficos Rio Branco e Jaceguai: mesmas


instalações das corvetas classe Carioca e mais duas
metralhadoras de 20 mm Oerlikon;

„„ Navio-Tanque Marajó, instalado um canhão de 120 mm


na popa e uma metralhadora de 20 mm Oerlikon;

„„ Tênder Belmonte, reinstalados dois canhões de 120 mm;

„„ Contratorpedeiros classe Maranhão e restante de classe


Pará, instaladas duas calhas para lançamento de bombas
de profundidade de 300 libras; e,

„„ Rebocadores e demais navios-auxiliares, armados com


uma ou duas metralhadoras de 20 mm Oerlikon.

Unidade 5 293
Universidade do Sul de Santa Catarina

Essas aquisições pelo Lend Lease e os aperfeiçoamentos


impetrados em nossa Força Naval vieram a aumentar, em muito,
nossa capacidade de reagir de forma adequada aos novos desafios
que se afiguravam. Seria injusto não mencionar que o auxílio
norte-americano foi vital para que pudéssemos nos contrapor aos
submarinos alemães. Além disso, algumas providências de caráter
administrativo, de treinamento e modificações materiais foram
tornando-se necessárias.

Como primeira medida de caráter orgânico, instalaram-se os


Comandos Navais, criados pelo Decreto nº 10.359, de 31 de
agosto de 1942, com o propósito de prover defesa mais eficaz da
nossa fronteira marítima, orientando e controlando as operações
em águas a ela adjacentes, não só as relativas à navegação
comercial, como às de guerra propriamente ditas e de assuntos
correlatos. A área de cada Comando abrangia determinado setor
de nossas costas marítimas e fluviais.

Foram os seguintes os comandos instalados:

„„ Comando Naval do Norte, com sede em Belém,


abrangendo os Estados do Acre, Amazonas, Pará,
Maranhão e Piauí;

„„ Comando Naval do Nordeste, com sede em Recife,


abrangendo os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco e Alagoas;

„„ Comando Naval do Leste, com sede em Salvador,


abrangendo os Estados de Sergipe, Bahia e Espirito
Santo;

„„ Comando Naval do Centro, com sede no Rio de Janeiro,


abrangendo os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo;

„„ Comando Naval do Sul, com sede em Florianópolis,


abrangendo os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul; e,

„„ Comando Naval do Mato Grosso, com sede em Ladário,


abrangendo as Bacias Fluviais de Mato Grosso e Alto
Paraná.

294
História Militar Brasileira II

Esses Comandos, ordenando suas atividades conforme a


concepção estratégica da guerra no mar - da preparação logística
e do emprego das forças ou outros elementos de defesa nas zonas
que lhes eram atribuídas, e obedecendo às diretrizes gerais
estabelecidas pelo Estado-Maior da Armada a quem se achavam
subordinadas - constituíram organização da maior importância
na conduta eficaz das operações navais.

Sua existência facilitou o desenvolvimento dos recursos


disponíveis nas respectivas áreas de influência, mobilizando
elementos para o apoio logístico e para a defesa local. O Chefe
do Estado-Maior da Armada entrou em entendimento com seus
colegas do Exército e da Aeronáutica para organizar um serviço
conjunto de vigilância e defesa da costa, tendente a prevenir a
possibilidade de aproximação e desembarque inimigos.

2.2.3 - Defesas Locais


Desde julho de 1942, por meio da Circular nº 40 do dia 14, em
atendimento às Circulares Secretas nº 9 e 33, respectivamente
de 22 de janeiro e 12 de junho de 1942, o Estado-Maior da
Armada determinou que se observassem as instruções as quais
orientavam as atividades de cada capitania de porto ou delegacia,
em benefício da Segurança Nacional.

A ação do Estado-Maior da Armada estendeu-se ao serviço de


carga e descarga dos navios mercantes nos portos, tendo, para
esse fim, coordenado sua ação com a do Ministério da Viação
e Obras Públicas e com a Comissão de Marinha Mercante.
O Estado-Maior da Armada preocupou-se, também, com as
luzes das praias e edifícios próximos aos portos, ou em regiões
que pudessem silhuetar os navios no mar, alvos dos submarinos
inimigos.

Imaginava-se que o Alto Comando alemão traçaria planos


para realizar ataques maciços a portos brasileiros. Em agosto
de 1942, chegou a ser ventilada pelo OKM a autorização para
investida em nossas águas de vários submarinos; no entanto, Alto Comando Naval
somente o U-507 foi designado para operar em nossas águas. alemão.
A 20 de agosto de 1943, pela Circular nº 5, o Comando Naval
do Nordeste alertou para a possibilidade de desembarque

Unidade 5 295
Universidade do Sul de Santa Catarina

de elementos isolados, tendo como objetivo realizar atos de


sabotagem contra portos, depósitos, comunicações e outros
pontos vitais do território brasileiro.

Na História, há numerosos exemplos de navios corsários


surgirem de surpresa diante de um porto, para danificarem suas
instalações ou amedrontarem suas populações.

Um desses exemplos foi Duguay Trouin, em 1711, na


Baía de Guanabara.

Do ponto de vista militar, os efeitos dessas incursões são


reduzidos, sendo a ação, na maioria das vezes, executada para
desorganizar a vida da localidade e obter efeitos morais.

Com o advento do submarino, o perigo tornou-se maior, com a


possibilidade de torpedeamento de navios surtos nos portos. Por
esses motivos, foi organizada a defesa ativa, atuando em pontos
focais da costa, com a finalidade de repelir qualquer ataque aéreo
ou naval inimigo, por meio de ações coordenadas da Marinha de
Guerra, do Exército e da Aeronáutica.

Vamos ver quais foram as medidas de defesa ativa adotadas?

No Rio de Janeiro, foi colocada uma rede de aço protetora


no alinhamento Boa Viagem – Villegagnon e coordenado o
serviço de defesa do porto com as fortalezas da barra. A rede era
fiscalizada por lanchas velozes, e a sua entrada aberta e fechada
por rebocadores. O patrulhamento interno cabia aos navios
da chamada Flotilha João das Botas, rememorando a flotilha
Constituída de de pequenas embarcações comandada pelo Segundo-Tenente
navios-mineiros de João Francisco de Oliveira Bottas, que fustigou os portugueses
instrução. encastelados em Salvador e na Baía de Todos os Santos, na
Guerra da Independência.

Externamente, ou onde fosse necessário, atuavam os antigos


contratorpedeiros classe Pará, oriundos do programa de
reaparelhamento naval desde 1906, recebidos em 1910, com mais
de 30 anos de intensa operação. A responsabilidade da defesa
ficou afeta ao Comando da Defesa Flutuante, subordinado

296
História Militar Brasileira II

ao Comando Naval do Centro. Em junho de 1944, afastado


o perigo de um ataque de submarinos aos navios surtos no
porto, suspendeu-se a patrulha externa feita pelos veteranos
contratorpedeiros, sendo mantida apenas a vigilância interna, a
cargo de um rebocador portuário.

Um especialista norte-americano, o tenente Jacowski, estabeleceu


planos para a utilização de boias de escuta submarina, a serem
adotadas de acordo com as necessidades. Em julho de 1943,
teve início o serviço de varredura antiminas do canal da barra,
realizado pelo USS Flincker, o qual foi substituído mais tarde
pelo USS Linnet. Observamos aí, mais uma vez, o auxílio direto
norte-americano ao nosso plano de defesa local.

Outra medida de defesa ativa foi adotada em Recife. Vamos a ela?

O Encouraçado São Paulo, amarrado no interior do arrecife,


provia a defesa da artilharia e supervisionava a rede antitorpédica.
A varredura de minas era feita por navios-mineiros varredores
norte-americanos. Estava estacionado no Recife um grupo de
especialistas em desativação das minas, as quais, por vezes,
davam à costa, sendo estudadas cuidadosamente, antes de serem
destruídas.

As minas encontradas à deriva eram destruídas pelos navios de


patrulha com tiros de canhão. O Terceiro Grupamento Móvel de
Artilharia de Costa e o Segundo Grupo do Terceiro Regimento
de Artilharia Antiaérea do Exército coordenavam-se com os
elementos da Marinha, o que permitia uma coberta completa da
costa.

Vejamos, a seguir, as linhas de defesa ativas adotadas em Salvador,


Natal, Vitória, nas Ilhas Oceânicas, em Santos e no Rio Grande.

Em Salvador, a defesa principal do porto cabia ao Encouraçado


Minas Gerais, com sua artilharia controlada em conjunto com
as baterias do Exército, situadas na Ponta de Santo Antônio e
na Ilha de Itaparica. Em abril de 1943, os Monitores Parnaíba e
Paraguaçú foram movimentados de Mato Grosso para Salvador,
por solicitação do Comandante Naval do Leste. Depois de

Unidade 5 297
Universidade do Sul de Santa Catarina

sofrerem algumas modificações no Rio de Janeiro, em especial


no armamento, ficaram em condições de operar na Baía de Todos
os Santos. Aparelhos de radiogoniometria de alta frequência
cruzavam as marcações com equipamentos semelhantes no
Recife, a fim de localizar submarinos.

Em Natal, os serviços de proteção do porto estavam a cargo do


Comandante da Base Naval. Também eram acionadas unidades
do Exército, que mantinham baterias na barra, e da Força Aérea
Brasileira. Em Vitória, a proteção do porto ficou entregue ao
Exército, havendo a Marinha cedido alguns canhões navais de
120 mm para artilhar a barra.

Nas Ilhas Oceânicas, especificamente na Ilha da Trindade, foi


estacionado um destacamento de fuzileiros navais, em 20 de
março de 1942, levados pelo Navio-Transporte José Bonifácio. A
defesa do Arquipélago de Fernando de Noronha, situado em
ponto focal da cintura estreita do Atlântico, ficou entregue ao
Exército, que a artilhou fortemente, levando contigentes em
comboios escoltados por navios da Marinha. A ocupação deu-
se logo depois que o Brasil rompeu relações diplomáticas com o
Eixo, sendo o primeiro grupo de militares transportados, junto
com material de guerra, em um comboio, em 15 de abril de 1942.

Em Santos, os Rebocadores São Paulo foram artilhados; outras


Dois tinham embarcações menores, requisitadas, faziam serviço de vigilância.
mesmo nome, No Rio Grande, foi artilhado o Rebocador Antonio Azambuja.
sendo um
chamado de iate.
Como reforço às defesas locais, criaram-se Companhias
Regionais do Corpo de Fuzileiros Navais em Belém, Natal,
Recife e Salvador. Ao lembrar-se a participação da Marinha
na Segunda Guerra Mundial, a primeira imagem que surge é a
conhecida Força Naval do Nordeste.

Como era, afinal, sua composição e tarefas?

298
História Militar Brasileira II

2.2.4 - A Força Naval do Nordeste


A missão da Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial
foi patrulhar o Atlântico Sul e proteger os comboios de navios
mercantes que trafegavam entre o Mar do Caribe e o nosso litoral
sul contra a ação dos submarinos e navios corsários germânicos
e italianos. Luta constante, silenciosa e pouco conhecida pelos
brasileiros.

A capacidade de combate da Marinha do Brasil no alvorecer do


conflito era modesta, se comparada com as grandes esquadras
em luta do Atlântico Norte e no Pacífico; e o nosso pessoal e
os nossos meios não estavam preparados para se engajar com o
inimigo oculto sob o mar, que assolava o transporte marítimo em
nosso litoral.

Ingressaríamos em uma guerra antissubmarino sem


equipamentos para detecção e armamento apropriados, porém
este obstáculo não impediu que navios e tripulações estivessem
patrulhando nossas águas, mesmo antes do envolvimento oficial
do governo brasileiro no conflito, apesar de todos os perigos.

A criação da Força Naval do Nordeste (FNNE), pelo Aviso


nº 1.661, de 5 de outubro de 1942, foi parte de um rápido e
intenso processo de reorganização das nossas forças navais
para se adequarem à situação de conflito. Sob o comando do
então Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Carlos Soares Dutra,
a recém-criada força foi inicialmente composta pelos seguintes
navios:

„„ Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul;

„„ Navios-Mineiros Carioca, Caravelas, Camaquã e


Cabedelo, posteriormente reclassificados como corvetas; e,

„„ os Caça-Submarinos Guaporé e Gurupi.

Ela seria, posteriormente, acrescida:

„„ do Tênder Belmonte;

„„ de caça-submarinos;

„„ de contratorpedeiros-de-escolta;

Unidade 5 299
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ de contratorpedeiros classe M; e,

„„ de submarinos classe T, constituindo-se na Força-Tarefa


46 da Força do Atlântico Sul e reunindo a nossa Marinha
sob o comando operacional da 4ª Esquadra Americana.

A atuação conjunta com os norte-americanos trouxe


novos meios navais e armamentos adequados à
guerra antissubmarino, bem como proporcionou
treinamento para o nosso pessoal.

O combate, porém, nos custou muitas vidas. As perdas brasileiras


na guerra marítima somaram 30 navios mercantes e três navios
de guerra, tendo a Marinha do Brasil perdido 486 homens. Nesse
ponto, seria interessante descrever em maiores detalhes as perdas
de nossas unidades de combate durante a Batalha do Atlântico.

A primeira perda da Marinha de Guerra foi a do Navio Auxiliar


Vital de Oliveira, torpedeado por submarino alemão pelo través
do Farol de São Tomé, no dia 19 de julho de 1944. Às 23h55min
foi sentida forte explosão na popa, abrindo grande rombo, por
onde começou a entrar água em enormes proporções. Segundo
algumas testemunhas, o afundamento do navio deu-se em apenas
3 minutos. A maior parte dos sobreviventes foi resgatada no dia
seguinte por um barco pesqueiro e por outros dois navios da
Marinha, o Javari e o Mariz e Barros. Morreram nesse ataque 99
militares.

Quarenta e oito horas após o torpedeamento do Vital de Oliveira,


a cerca de 12 milhas a nordeste da barra de Recife, perdeu a
nossa Marinha a corveta Camaquã, afundada devido ao violento
mar. Discute-se até hoje os motivos que levaram esse navio a
seu afundamento. O comandante Antônio Bastos Bernardes,
sobrevivente do sinistro, afirmou alguns anos após esse acidente
que o emborcamento deu-se por “fortuna do mar”. Seja como for,
pereceram nessa oportunidade 33 pessoas.

Por fim, o pior desastre enfrentado pela Marinha durante a


Segunda Guerra Mundial foi a perda do Cruzador Bahia no dia 4
de julho de 1945. Essa tragédia foi exacerbada pelo conhecimento
dos terríveis sofrimentos dos náufragos, abandonados no mar
durante muitos dias, por incompreensível falha de comunicações.

300
História Militar Brasileira II

Três infortúnios e aproximadamente 469 mortos, sem contar os


cerca de 23 falecidos em outros navios e em navios mercantes
afundados, elevando o total a 492, mais que os brasileiros mortos
em combate na Força Expedicionária Brasileira.

Um ponto pouco discutido em nossa historiografia compreende


a atuação da Quarta Esquadra Norte-Americana, subordinada
ao Vice-Almirante Jonas Ingram, figura notável, de grande
afabilidade e realmente um grande chefe naval, que teve o mérito
de congregar forças heterogêneas em um único comando unificado,
eficiente e coeso, auxiliado pelos Almirantes Oliver Read e Soares
Dutra, comandantes das principais Forças-Tarefas. Essa Força
norte-americana compreendeu, em seu maior efetivo:

„„ 6 cruzadores;
„„ 33 contratorpedeiros;
„„ diversas esquadrilhas de patrulha, bombardeiros e
dirigíveis;
„„ caça-submarinos;
„„ patrulheiros;
„„ tênderes;
„„ varredores;
„„ auxiliares; e,
„„ rebocadores.

Um dos principais pontos desse relacionamento Brasil-EUA foi


a integração operacional entre as duas Marinhas. Foram
aperfeiçoados procedimentos comuns e táticas eficazes na luta
antissubmarino.

Em 7 de novembro de 1945, concluída a sua missão, a FNNE


regressou ao Rio de Janeiro em seu último cruzeiro. A curta,
árdua e intensa vida operativa da FNNE contribuiu para a livre
circulação nas linhas de navegação do Atlântico Sul e, certamente,
em muito somou para o esforço de guerra Aliado.

Unidade 5 301
Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 3 – O Poder Naval na guerra e na paz


Sem o Poder Naval não haveria este Brasil que herdamos de
nossos antepassados. Conforme se verifica neste livro, o Poder
Naval português, por algum tempo o luso-espanhol, e, mais
tarde, após a Independência, o brasileiro, foram empregados com
a violência necessária nos conflitos e nas guerras que ocorreram
no passado. Sempre que alguém utilizou a força para impor
seus próprios interesses, encontrou a oposição de um Poder
Naval que defendeu, com eficácia, o território e os interesses que
possibilitaram a formação do Brasil.

Cabe, no entanto, observar que, em geral, o que qualquer nação


mais deseja é a paz. Mesmo os países que promoveram as guerras
do passado queriam alcançar a paz. A paz, porém, da forma que
desejavam, impondo o que lhes convinha, aos outros.

Vejamos um exemplo:

A Alemanha mandou seus submarinos afundarem os


navios mercantes brasileiros, porque não queria que o
Brasil, apesar de ser ainda neutro na Segunda Guerra
Mundial, continuasse a fornecer matérias-primas
para seus inimigos. Algumas dessas matérias-primas
eram muito importantes para o esforço de guerra
deles. O interesse do Brasil, no entanto, era continuar
comerciando com quem desejasse e transportando as
mercadorias livremente em seus navios, mas isto não
era bom para os alemães, que precisavam vencer a
guerra, para alcançar a paz da forma que desejavam,
o mais breve possível. Na paz que a Alemanha queria,
suas conquistas territoriais deveriam ser reconhecidas
pelos outros países e sua expansão, julgada
importante para o futuro dos alemães, imposta aos
povos vencidos.

A guerra resulta de conflitos de interesses. Ela ocorre, porque não


há um árbitro supremo para resolver completamente as questões
ente os países. Existem organizações internacionais, como a
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos
Estados Americanos (OEA), por exemplo, que muito ajudam

302
História Militar Brasileira II

para evitar a violência e manter essas questões no campo da


diplomacia. Verifica-se, no entanto, que o poder delas é limitado,
porque as nações são ciosas de sua soberania. Cada país precisa
se precaver, cuidando da defesa de seus interesses, para que os
outros nunca pensem em empregar meios violentos para resolver os
conflitos.

Não seria lógico pensar que alguém possa empregar a violência,


sem que imagine ter uma boa probabilidade de bom êxito,
sofrendo apenas perdas aceitáveis. Cabe, portanto, ao Poder
Militar de um país – do qual o Poder Naval é também um dos
componentes –, criar permanentemente uma situação em que seja
inaceitável, para os outros, respaldar seus interesses conflitantes
com o emprego de força. Isto é, o nosso Poder Militar deve
permanentemente dissuadir os outros países de usar a violência,
sendo, consequentemente, o guardião da paz – daquela paz que nos
interessa, evidentemente.

No caso do Brasil, por exemplo, na paz que desejamos:

„„ a Amazônia é território nacional;

„„ o comércio internacional continua livremente e pode


utilizar o transporte marítimo, nas rotas de nosso interesse;

„„ a maior parte do petróleo continua sendo extraída do


fundo do mar, sem ingerências de outros países;

„„ a enorme área compreendida pela Zona de Exploração


Exclusiva e a Plataforma Continental brasileira é
controlada pelo País;

„„ não ocorrem exigências anormais no pagamento de nossa


dívida externa, entre outras coisas.

A dissuasão é, portanto, uma das principais formas de emprego


permanente do Poder Militar em tempo de paz, mas existem
outras, como veremos adiante.

Na paz, ou no que se denomina paz no mundo, o confronto


entre os países, resultante de conflitos de interesses, ocorre,
evitando, ao máximo, o uso da violência, porém disputando
política, economicamente e em todas as outras manifestações da

Unidade 5 303
Universidade do Sul de Santa Catarina

potencialidade nacional. Nesse contexto, o potencial ofensivo


intrínseco dos instrumentos do Poder Militar faz com que
seu emprego, mesmo indireto, possa excitar reações em países
observadores. Tais reações podem simplesmente resultar de
excitação acidental ou refletir resultados intencionalmente
desejados por quem exerce esse emprego indireto do poder militar,
chamado de persuasão armada.

Como a paz é relativa, a persuasão armada não exclui o uso


da força, de maneira limitada, desde que entendido como
simbólico pelo país agredido. As grandes potências utilizam
permanentemente seu Poder Militar.

Dos componentes do Poder Militar, o Poder Naval pode ser


empregado para exercer persuasão armada, em tempo de paz, no
que se denominou, na década de 1970, de “emprego político do
Poder Naval”. Ele pode ser empregado em condições inigualáveis
com outros poderes militares, graças a seus atributos de:

„„ mobilidade;

„„ versatilidade de tarefas;

„„ flexibilidade tática;

„„ autonomia;

„„ capacidade de projeção de poder; e,

„„ alcance geográfico, já referidos na primeira unidade deste


livro.

Concorre para isso o conceito de liberdade dos mares, que


possibilita aos navios de guerra o livre deslocamento em águas
internacionais, atingindo locais distantes e lá permanecendo, sem
maiores comprometimentos, sempre em tempo de paz.

Antes da invasão do Afeganistão, por exemplo, os


americanos deslocaram para águas internacionais,
próximas do local do conflito, uma poderosa força
naval. Influíam assim nos países da região, sinalizando
apoio aos aliados, dissuadindo as ações dos que
lhes eram hostis, favorecendo o apoio dos indecisos,
em suma, criando uma quantidade de reações
intencionais.

304
História Militar Brasileira II

O sentido indireto da palavra persuasão é significativo, pois é


através da reação dos outros que ela se manifesta. Então, é
essencial que eles percebam o emprego das forças navais,
modificando seu ambiente político e, consequentemente,
afetando suas decisões, por se sentirem apoiados, dissuadidos ou
mesmo, compelidos a uma reação específica. Exerce-se, portanto,
a persuasão armada estimulando resultados que dependem de
reações alheias, políticas e/ou táticas, às vezes conflitantes e
em princípio imprevisíveis. Existe sempre a possibilidade de
se configurarem situações inesperadas, até pelo resultado não
intencional da excitação de terceiros. Daí a importância de uma
permanente avaliação em qualquer ação de emprego político do
Poder Naval.

3.1 - Classificação
Os tipos de persuasão naval, portanto, específicos do emprego do
Poder Naval em tempo de paz, classificados quanto aos modos
em que os efeitos políticos se manifestam são:

„„ sustentação;

„„ dissuasão; e,

„„ coerção.

Na sustentação e na dissuasão, a persuasão se manifesta de


maneira comportamental, em termos de se sentir apoiado
ou contrariado em suas intenções, de acordo com o próprio
significado dos termos empregados. Os aliados se sentem
apoiados, e quem é hostil se sente inibido a agir, portanto,
dissuadido. Também chamada de
“compelente”.
A coerção, por sua vez, pode ser positiva, quando a uma
ação já iniciada é forçada uma determinada linha de ação,
modificando-a; ou negativa, quando inibe uma determinada
atitude, impedindo que ela seja tomada. Também chamada
de “deterrente”.
Vejamos um exemplo:

Unidade 5 305
Universidade do Sul de Santa Catarina

Na crise da década de 1960, chamada de “Guerra


da Lagosta”, a França enviou navios de guerra, em
tempo de paz, para proteger seus barcos de pesca,
que pescavam lagostas na plataforma continental
brasileira. O governo brasileiro determinou que
diversos navios da Marinha do Brasil se dirigissem
para o local da crise, mostrando que o País estava
disposto a defender seus direitos, se necessário
com o emprego da força. Logo, os navios franceses
retornaram e o conflito de interesses voltou para o
campo da diplomacia – de onde nunca deveria ter
saído. A persuasão naval exercida pelo emprego do
Poder Naval brasileiro foi de coerção dita “deterrente”,
porque inibiu o apoio que, intencionalmente, os
franceses pretendiam dar a seus barcos de pesca.

No passado, muitas vezes as nações detentoras de Poder Naval


utilizaram seus navios de guerra e forças navais com o propósito
de sustentação ou de dissuasão. A simples existência de um
Poder Naval preparado para a guerra pode fazer com que aliados
se sintam apoiados em suas decisões políticas nas relações
internacionais, e que inimigos sejam dissuadidos de suas intenções
agressivas.

Evidentemente, os efeitos da persuasão armada podem se


manifestar em diferentes níveis de intensidade. A relação entre
as forças empregadas para a persuasão naval e a intensidade dos
efeitos que elas estimulam não é nem direta, nem proporcional. A
resultante final da persuasão depende da integração das inibições e
incitações provocadas pela ameaça ou apoio, que são, por sua vez,
função de decisões tomadas sob pressões políticas, condicionadas
por fatores psicossociais e culturais e pela interação entre os líderes
e a opinião pública. A percepção, portanto, além de relativa, é
essencial à análise da persuasão.

3.2 - A percepção do Poder Naval


Como toda percepção, a do Poder Naval depende das capacidades
que são “visíveis” ao observador. Esse observador está embebido
num contexto político, doméstico, regional e internacional, que
não apenas molda suas reações como também influi na própria
percepção.

306
História Militar Brasileira II

Enquanto, numa guerra, preponderam as qualidades reais dos


meios empregados, que decidem os resultados das ações militares,
em situação de paz ou conflitos de natureza limitada, as ameaças
são medidas em termos de previsões e comparações. Essas
previsões se baseiam nos dados quantitativos e qualitativos ao
alcance do observador, de sua capacidade de perceber, portanto.

Os países desenvolvidos têm, em geral, maior capacidade para


avaliar as verdadeiras ameaças resultantes do Poder Militar,
inclusive do Poder Naval, que é um de seus componentes. Sabem,
também, utilizar seus meios de comunicação para divulgar notícias
que valorizam a capacidade de seus armamentos. O mesmo não
ocorre com países do “Terceiro Mundo”, os quais podem, inclusive,
ter sua percepção bastante influenciada por essas notícias, tendo
em vista suas próprias limitações de análise. Consequentemente,
as avaliações das forças navais podem levar a conclusões bastante
distorcidas em relação à capacidade real em combate, mas, em
tempo de paz, são estas avaliações subjetivas que importam e que
produzem resultados.

Vejamos um exemplo de percepção visível e invisível.

São “invisíveis” aos leigos em guerra naval, por


exemplo, a complexidade sistêmica dos navios
modernos, necessária às respostas rápidas e eficazes,
quando em combate. Por outro lado, são “visíveis”
os mísseis, os canhões e o próprio porte e aspecto
externo do navio. Na realidade, é importante que o
navio tenha suficiente flexibilidade para possibilitar
seu emprego político, mas a função política de tempo
de paz não deve levar à preparação de um poder
naval apenas aparente.

O prestígio de uma Marinha sempre foi um dos atributos mais


importantes para a percepção do poder naval. O prestígio está
principalmente baseado nas capacidades “visíveis” e pode levar à
necessidade de demonstrar permanente superioridade.

Segue outro exemplo, relativo à Marinha da Grã-Bretanha.

Unidade 5 307
Universidade do Sul de Santa Catarina

Durante a época em que dominava os mares, a


Marinha Real da Grã-Bretanha fazia questão de manter
o seu prestígio. O cruzador russo Askold, por exemplo,
era o único navio de cinco chaminés do mundo e,
em 1902, visitou o Golfo Pérsico. Sua visita causou
profunda impressão, devido à percepção de potência
mecânica que o número de chaminés transmitia
naquela época. Imediatamente, os britânicos
desviaram o cruzador HMS Amphritite para Mascate.
Para eles, a disputa de prestígio com a Rússia, nessa
época, no Oriente, era importante. Seu comandante
providenciou mais duas chaminés de lona para seu
navio, totalizando seis e restaurando o prestígio local
da Marinha Real.

Possivelmente a percepção mais importante do emprego político


de uma força naval não está na aparência da força, em si, nem
no prestígio da Marinha a que pertence, mas na percepção do
quanto é realmente importante o objetivo pretendido para quem
aplica a persuasão armada. A disposição de usar a força e de
sofrer as perdas consequentes deste ato é essencial e deve ser
claramente perceptível. A percepção da capacidade de alcançar
o objetivo pela força também é muito importante. Pode ocorrer
que não exista essa capacidade, ou que não se possa alcançar o
objetivo sem um sacrifício superior ao seu valor, ou basta que
assim seja avaliado pelo país alvo, para que os resultados não
sejam atingíveis através do emprego político do Poder Naval.

Vejamos, agora, um exemplo de insucesso que pode ser lembrado na


História Naval do Brasil.

A força naval foi enviada ao Paraguai, em 1854, para


compeli-lo a permitir o direito de livre trânsito no
Rio Paraguai e obter satisfações pela ofensa feita ao
Encarregado de Negócios do Império em Assunção.
Percebendo que, apesar da ostentação de força,
os brasileiros não pretendiam recorrer a medidas
violentas, o plenipotenciário paraguaio conseguiu
subordinar a questão do livre trânsito fluvial à de
limites e obteve um tratado que posteriormente não
pôde ser ratificado pelo governo brasileiro.

308
História Militar Brasileira II

É interessante observar que, atualmente, os mísseis ar-superfície


e superfície-superfície colocaram países relativamente fracos
em condições de causar danos consideráveis a uma força
naval próxima a suas costas. Tal fato, porém, não impede que
uma força naval possa exercer persuasão, porque não é sua
capacidade absoluta que importa, mas sim o que ela significa
como representante do Poder Naval e da vontade de seu país de
alcançar o objetivo, suportando as perdas prováveis, se tal for
assim percebido.

Na crise dos mísseis que a União Soviética pretendia instalar em


Cuba, a Marinha dos Estados Unidos mostrou determinação
suficiente para que os soviéticos decidissem deverem os navios
que transportavam os mísseis regressar. Foi, portanto, uma
ação de coerção “deterrente” do emprego político do Poder
Naval americano, pois modificou uma ação que já estava em
andamento, em face de terem percebido que os americanos
estavam dispostos a usar a força para não ter seu território ao
alcance dos mísseis de Cuba.

Considerando o conflito pela posse das Ilhas Falklands/


Malvinas, os argentinos deixaram de ser dissuadidos pelo poder
naval britânico e invadiram as Ilhas, porque julgaram que o valor
daquelas ilhas não compensava o esforço de projetar o poder da
Marinha da Grã-Bretanha àquela distância no Atlântico Sul, em
face das perdas humanas e materiais que provavelmente teria.
Por seu turno, a ocupação militar das Ilhas falhou, porque o
governo britânico não se deixou influenciar, levando a questão ao
ponto de defesa da honra do Reino Unido.

O ambiente doméstico do país que é alvo da persuasão é básico


no contexto político das decisões que governam sua eficácia. É
fundamental que os líderes desse país aceitem serem persuadidos
e até cooperem, servindo de intermediários com a opinião
pública, para que o objetivo da persuasão seja considerado uma
necessidade imposta e a atitude tomada como pragmática.

Unidade 5 309
Universidade do Sul de Santa Catarina

3.3 - O emprego permanente do Poder Naval


A teoria do emprego político do poder naval mostra a
possibilidade do uso permanente das forças navais em tempo
de paz, em apoio aos interesses de uma nação. Isso é verdade
tanto para os países desenvolvidos quanto para os países em
desenvolvimento, e a intensidade e tipos de emprego são
apenas funções do ambiente regional onde se situam e das
vulnerabilidades que possuem.

Para os países mais pobres, o armamento moderno possibilita


condições excepcionais, em relação ao passado. O conflito das
Falklands/Malvinas, em 1982, apesar do desfecho desfavorável
à Argentina, é um exemplo que não pode deixar de ser citado,
porque poderia, até, ter outro resultado, se houvesse submarinos
argentinos eficazes e suficientes.

Táticas podem ser descritas para a persuasão naval. Essas


táticas são as diversas formas de emprego das forças navais para
alcançarem resultados, em tempo de paz, ditos políticos. São as
seguintes:

„„ demonstração permanente do Poder Naval;

„„ posicionamentos operativos específicos;

„„ auxílio naval;

„„ visitas operativas a portos; e,

„„ visitas específicas de boa vontade.

A demonstração permanente do poder naval permite ações como:

„„ deslocamentos e manobras com forças, inclusive


estrangeiras;

„„ participação em missões de paz da Organização das


Nações Unidas (ONU);

„„ reforços e reduções de nível de forças;

„„ aumento ou redução da prontificação para combate;

„„ aumento da intensidade da persuasão;

310
História Militar Brasileira II

„„ desencorajamento;

„„ demonstração de preocupação em crises entre terceiros;

„„ exercício de coerção ou apoio, de maneira limitada ou


restrita, dentre outras.

Os posicionamentos operativos específicos, colocando navios


ou forças navais próximos a um local de crise, por exemplo,
constituem apenas um caso especial da demonstração permanente,
e as ações podem ser semelhantes.

O auxílio naval inclui a instalação de Missões Navais, o


fornecimento de navios e o apoio de manutenção. As visitas a
portos estrangeiros, para reabastecimento, descanso das tripulações,
ou mesmo, específicas de boa vontade, no que se denomina
“mostrar a bandeira”, podem transmitir a imagem do prestígio
da marinha, aumentando a influência e acumulando vantagens
psicossociais sobre o país visitado.

O Poder Naval brasileiro é empregado em tempo de paz, de


diversas das formas citadas. Pode-se destacar:

„„ as operações com Marinhas aliadas, como: a Operação


UNITAS, com a Marinha dos Estados Unidos e de países
sul-americanos; a Operação FRATERNO, com a Armada
da República Argentina, etc.;

„„ a participação em diversas missões de paz, transportando


as tropas, ou através de seus Fuzileiros Navais, como em
São Domingos, Angola, Moçambique, Nicarágua e Haiti,
por exemplo; e,

„„ as viagens de instrução do navio-escola e as visitas a portos


estrangeiros, “mostrando a bandeira”.

Cabe também ressaltar o apoio que a Marinha do Brasil presta a


outras Marinhas aliadas, inclusive do Continente Africano.

A análise do passado demonstra a necessidade do emprego


permanente do Poder Naval. Para o Brasil, é muito importante
manter um Poder Naval capaz de inibir interesses antagônicos e,
portanto, de conservar a paz da forma desejada pelos brasileiros.

Unidade 5 311
Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 4 – Classificação geral de navios de guerra


Esta seção servirá para conhecermos as principais características
dos seguintes tipos de navios de guerra:

„„ Brigue;

„„ Bergantim;

„„ Caravo;

„„ Caravela;

„„ Corveta;

„„ Cruzador;

„„ Encouraçado;

„„ Fragata;

„„ Galé;

„„ Galera;

„„ Galeão;

„„ Monitor;

„„ Nau;

„„ Torpedos;

„„ Torpedeiras; e,

„„ Contratorpedeiras.

A denominação Brigue vem do inglês brigantine e do francês


brick. É um navio à vela, com dois mastros espigando mastaréus e
envergando pano redondo, com velas de entremastro e gurupés e
um latino quadrangular no mastro da mezena.

O Bergantim é nomeado do italiano brigantino – embarcação


pirata do Mediterrâneo –, do inglês brigantine e do francês
brigantin. É uma antiga embarcação à vela e remo, esguia e
veloz, de convés corrido, com um ou dois mastros de galé e oito

312
História Militar Brasileira II

a dez bancos para remadores. Posteriormente, navio à vela de dois


mastros, cada um espigando dois mastaréus (mastro suplementar
preso ao mastro real) e envergando pano redondo, com velas no
entremastro e gurupés, armado com 10 a 20 peças de artilharia.

O Caravo é uma embarcação à vela, de porte variável, muito


utilizado pelos mouros no Mediterrâneo.

O navio Caravela é denominado a partir do caravo, do inglês


caravel e do francês caravelle. Trata-se de um navio de casco alto
à popa e baixo à proa, de proa aberta ou coberta, arvorando de
um a quatro mastros de velas bastardas (latinas e triangulares) e
armado com até dez peças de artilharia. Sua tonelagem variava de
60 a 160 t. Algumas caravelas tinham velas redondas no mastro
do traquete. Foram os navios mais utilizados pelos portugueses
nos descobrimentos marítimos dos séculos XV e XVI, pois tinham
pouco calado, bolinavam bem e eram de fácil manobra.

A Corveta originou-se do francês Corvette. É um navio de


guerra semelhante à nau, menor e mais armado que ela, com três
mastros, sem acastelamentos, armado com apenas uma bateria de
canhões, coberta ou descoberta, porém mais veloz. Apareceu em
fins do sec. XVIII para substituir a fragata e o brigue em missões
de reconhecimento ofensivo, para o qual este era demasiado
fraco e aquela forte demais, e desempenhava missões de aviso, de
transporte e munição.

Hoje em dia, a Corveta é um navio de combate, de 500 a 1.200


toneladas, boa mobilidade e velocidade de 12 a 18 nós, para
patrulha antissubmarina e escolta de comboios, cujo principal
armamento são mísseis, e dotado de sensores eletrônicos. No
Brasil, corvetas da classe Inhaúma são construídas no Arsenal de
Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ).

Durante a Segunda Guerra Mundial, foram empregadas pelos


aliados para patrulha antissubmarina e escolta a comboios. As
corvetas construídas após a guerra eram basicamente navios de
patrulha adaptados a diversas finalidades, inclusive salvamento e
reboque. Eram navios pequenos, de 500 a 1.100 t e velocidade de
12 a 18 nós. Atualmente, principalmente devido aos altos custos
das fragatas e contratorpedeiros, as corvetas estão readquirindo sua
importância, com várias marinhas envolvidas em programas de
navios desta classe.

Unidade 5 313
Universidade do Sul de Santa Catarina

As modernas corvetas da Marinha Brasileira (Classe Inhaúma)


são dotadas de boa capacidade antissubmarina, mísseis antinavio,
canhão de duplo emprego (antiaéreo e superfície) e sistemas de
defesa antiaérea e antimíssil de curta distância. Tem a capacidade,
também, de operar um helicóptero. Devido a sua complexidade e
armamento, algumas marinhas as classificam como fragatas leves.

O Cruzador é um navio de combate de tamanho médio, grande


velocidade, proteção moderada, grande raio de ação, boa
mobilidade e armamento de calibre médio e tiro rápido, destinado
a efetuar explorações, coberturas, escoltas de comboios (contra-
ataque) de superfície, guerra de corso, bombardeios de costa, etc.

Os cruzadores descendem, sem dúvida, das antigas fragatas. A


grande revolução industrial que permitiu, em meados do século
passado, a substituição quase simultânea da vela pela máquina a
vapor e da medeira pelo ferro resultou em profundas modificações
nos métodos da guerra naval. Em 1860, começaram a surgir as
primeiras fragatas dotadas de couraça, assumindo, logo depois, um
papel preponderante na linha de batalha. Sentiu-se a necessidade
de dar às fragatas mais velozes e menos armadas uma função de
observação avançada.

Na guerra civil americana (1860-1865) apareceu o cruzador


ligeiro, um navio levemente armado, sem proteção, destinado a
dar caça aos navios de comércio e reprimir o contrabando. Pouco
depois surgia o cruzador protegido, dotado de uma coberta
protetora e subdivisões internas adequadas. Entretanto, somente
em 1889 é que começaram a aparecer os modernos cruzadores,
tendo a Inglaterra mandado construir navios que se classificavam
em três tipos: cruzadores de 1ª, 2ª e 3ª classes.

No princípio do século XX, a Inglaterra construiu os cruzadores


de batalha. Na Batalha da Jutlândia, em 1916 (1ª Guerra
Mundial), três cruzadores de batalha ingleses foram afundados
com quase toda a tripulação: o Invencible, o Infatigable e o
Queen Mary. Todos eles explodiram depois de alguns impactos e
admitiu-se que os projéteis tenham atingido os paióis de munição
devido à sua leve couraça. O mesmo fato repetiu-se em 1941,
na 2ª Guerra Mundial, com o Hood, também inglês, e o maior
navio do mundo em sua época, liquidado com a terceira salva do
encouraçado alemão Bismarck.

314
História Militar Brasileira II

Os tratados assinados em 1918 proibiam a Alemanha de construir


navios de guerra com mais de 10.000 t de deslocamento. Tendo
isto em vista, esse país construiu três navios:

„„ o Almirante Graf Spee;

„„ o Almirante Scheer; e,

„„ o Deutschland, alterado, em 1940, para Lutzow.

Estes navios foram classificados como Panzerschiffe (navio


encouraçado). Até 1939 pouco se sabia sobre eles fora da
Alemanha, e a imprensa os cognominou de encouraçados de
bolso. Aparentemente tinham 10.000 t de deslocamento, mas
eram, na realidade, supercruzadores de 12.000 t, armados com
seis canhões de 11 polegadas (280mm) e oito de 5,9 polegadas
(150mm).

O Graf Spee foi vencido na Batalha do Rio da Prata,


Argentina, em 1939 (onde se refugiou avariado e foi
afundado pelo próprio comandante).

Os cruzadores construídos até a 2ª Guerra Mundial eram


classificados em cruzadores pesados e cruzadores ligeiros. É
lógico admitir que os cruzadores pesados eram maiores e mais
poderosos, mas a base desta classificação não era o tamanho, e sim
o armamento, sendo considerados pesados os que tinham canhões
de mais de seis polegadas em sua bateria principal e ligeiros
aqueles cujos canhões eram menores. Havia ainda os cruzadores
de batalha, navios que, em comparação com os encouraçados,
tinham canhões de mesmo calibre, mas em menor número, e
possuíam maior velocidade e menor couraça.

Os cruzadores pesados (CP) possuíam uma bateria principal de


oito a dez canhões de 8 polegadas, dispostos em torres duplas
encouraçadas, ou 9 canhões em torres tríplices. Sua bateria
secundária era constituída de oito a doze canhões de cinco
polegadas e a bateria antiaérea, por um grande número de armas
automáticas para tiro a curta distância. Possuiam proteção de
couraça e, alguns, levavam hidroaviões ou helicópteros.

Unidade 5 315
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em 20 de julho de 1959, a Marinha norte-americana lançou ao


mar o Long Beach, de 14.000 t, classificado como cruzador nuclear
de mísseis guiados. Foi o primeiro navio de guerra de superfície
de propulsão nuclear do mundo, com velocidade superior a 45 nós,
desenhado para operar contra quaisquer inimigos na guerra nuclear
ou convencional. Possuía os mais modernos equipamentos para
detectar e destruir submarinos, aviões e mísseis inimigos da época.

O cruzador nuclear de mísseis guiados, Califórnia, de 9.500t,


lançado ao mar em 1971, semelhante ao Long Beach, foi o
primeiro navio de guerra a ser armado com canhões de 5 polegadas
desguarnecidos.O primeiro cruzador de mísseis guiados da classe
Ticonderoga foi lançado ao mar em 1981, constituindo-se no mais
moderno e poderoso cruzador da atualidade, podendo contar com
uma excelente capacidade de detecção nos três ambientes de guerra,
além de equipamentos de guerra eletrônica de última geração e boa
capacidade de defesa contra ataque nuclear, químico e biológico.

O Contratorpedeiro é um navio destinado a combater as


torpedeiras, dotado de maior velocidade do que estas, e armados
com canhões de médio calibre e tubos lançatorpedos. Alguns de
seus sinônimos, em desuso, são: contratorpedeiro, caçatorpedeiro,
destroier. Atualmente, o contratorpedeiro é um navio de combate
de alta velocidade, grande mobilidade, tamanho moderado,
pequena autonomia, proteção estrutural nula e armamento
constituído por torpedos, canhões de pequeno ou médio calibre,
armas antissubmarino ou pequenos mísseis.

O Contratorpedeiro de Escolta é um tipo específico de


contratorpedeiro construído na II Guerra Mundial pelos aliados,
especialmente para escoltar comboios. É menor do que o
contratorpedeiro comum, de menor velocidade e com armamento
preponderantemente antissubmarino. O Contratorpedeiro-líder é
um contratorpedeiro maior do que o comum, com acomodações
para um comandante de força e seu estado-maior, utilizado como
líder de flotilha. É um contratorpedeiro de esquadra.

O Encouraçado é originado do inglês ironclad ou battleship e do


francês cuirassê. É um navio de combate desenvolvido no século
XIX, armado de canhões de grosso calibre, fortemente protegido
por couraças nos pontos vitais e por subdivisão interna do casco em
compartimentos estanques.

316
História Militar Brasileira II

Até a 2ª Guerra Mundial, encouraçado era o navio de


combate mais poderoso, deslocando de 30 a 50 mil
toneladas, e destinado a constituir a espinha dorsal
da linha de batalha no combate entre esquadras.
Durante a 2ª Guerra Mundial, os encouraçados foram
empregados para canhonear fortificações costeiras,
nas operações anfíbias; depois, cederam a primazia
aos navios-aérodromos.

Na Marinha do Brasil, os Encouraçados Minas Gerais e São


Paulo da classe Dreadnought foram lançados ao mar em 1910 e
desativados na década de 1950. Os navios de linha nos tempos da
vela eram as fragatas, navios de três mastros, armados com 30 a
60 bocas de fogo dispostas em duas cobertas chamadas baterias.

Os primeiros navios encouraçados foram a fragata francesa


Gloire e a inglesa Warrior, construídas em 1860. Eram navios
a vela e vapor, tendo seus canhões nas cobertas, que ficavam
protegidas pela couraça. Na Gloire, a couraça estendia-se por todo
o comprimento do casco, desde o convés até dois metros abaixo
da linha-d`água em plena carga, e tinha a espessura de 120 mm
nas obras vivas e 110 mm nas obras mortas. A Warrior tinha uma
cinta couraçada estendendo-se por 60 metros na parte central do
casco, limitada na proa e a ré por duas anteparas transversais de
couraça.

O calibre dos canhões foi aumentando, gradualmente, com a


espessura das couraças, até que, com o surgimento das primeiras
torpedeiras, de 1875 a 1880, houve necessidade de se adotar nos
encouraçados uma artilharia de calibre médio e tiro rápido.

Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), apareceram os


encouraçados maiores, bem armados, com canhões de grosso,
médio e pequeno calibre. Em 1906, a Inglaterra revolucionou
a arquitetura naval com a construção da classe Dreadnought,
em que se suprimia a artilharia médio calibre, aumentava-se o
deslocamento para 18.000 t e a velocidade para 21 nós. Logo em
seguida, em 1910, o mesmo país sentia necessidade de restaurar
a bateria secundária, ao construir, para o Brasil, os encouraçados
Minas Gerais e São Paulo, os maiores navios daquela época, cujo
tipo evoluiu nos encouraçados da Segunda Guerra Mundial.

Unidade 5 317
Universidade do Sul de Santa Catarina

Até aquela época, o encouraçado era considerado o navio


mais poderoso, reunindo máximo poder ofensivo. Em ações
da esquadra, ele permanecia na linha de batalha, atacando os
maiores navios inimigos com tiros de canhão de grosso calibre,
apoiado por cruzadores, porta-aviões e contratorpedeiros.

Os encouraçados têm sido utilizados para bombardeio pesado e


contínuo de instalações de terra e portos inimigos, inclusive para
apoio de operações anfíbias. Na Segunda Guerra Mundial, eles
também faziam parte da escolta dos grandes comboios. Até a
última guerra, o armamento dos encouraçados constituía-se de:

„„ uma bateria principal com canhões de 304 mm a 406


mm, geralmente dispostos em torres tríplices e que
lançavam projéteis pesando cerca de uma tonelada a mais
de 20 milhas de distância;

„„ uma bateria secundária com canhões de 122 mm ou 147


mm, em número de 15 a 20, dispostos em torres duplas; e,

„„ uma bateria antiaérea com armas automáticas de pequeno


calibre.

A modernização dos encouraçados que estão em serviço inclui:

„„ substituição de parte de sua bateria secundária e


antiaérea por lançadores de mísseis de cruzeiro e
antinavio;

„„ instalações de novos sensores;

„„ sistema de defesa antimíssil;

„„ sistema de direção de tiro e equipamentos de guerra


eletrônica passiva e ativa; e,

„„ capacitação para operar três helicópteros de porte médio.

O encouraçado é, em síntese, uma plataforma flutuante móvel de


canhões de grosso calibre e longo alcance. A couraça constitui
a principal proteção contra tiros de canhão. A espessura da
couraça varia nas diferentes partes do casco, a máxima devendo
ser aproximadamente igual ao calibre dos canhões dos navios

318
História Militar Brasileira II

semelhantes de outras nações. Considera-se que a couraça deve


resistir à penetração dos projéteis de calibre igual a sua espessura,
quando lançados das distâncias usuais de tiro.

A couraça tem maior espessura nas torres e na cinta, onde é


mais provável o impacto direto dos projéteis em ângulo favorável
à penetração. Na torres dos canhões e na torre de comando, a
espessura pode atingir 457 mm. A couraça lateral é uma cinta
encouraçada de pouco mais de uma altura de coberta, estendendo-
se ao longo da parte central do casco, que compreende suas partes
vitais, na linha d’água e um pouco abaixo.

A couraça horizontal protege o casco contra as bombas aéreas


e tiros de canhão de grande elevação. Consta de um convés
encouraçado de 152 a 205 mm e de um convés protegido, abaixo
do primeiro, com cerca de 101 mm de espessura. Os pavimentos
destas coberturas ajudam a absorver a energia de choque do
projétil. Outras partes do casco, como os compartimentos dos
aparelhos de governo, estações de direção de tiro, passagens
principais e tubulações colocadas acima da coberta encouraçada
são também protegidas por chapas de couraça. O peso da couraça
pode atingir 40% do peso total do navio.

A proteção contra explosões submarinas é realizada por duas


ou três anteparas longitudinais, constituindo compartimentos Torpedos,
de segurança laterais, chamados coferdans ou contraminas. Esses bombas e minas.
compartimentos são cheios de óleo, água ou são conservados
vazios. Na espessura das chapas dos coferdans, óleo e a água
absorvem grande parte do choque e do calor da explosão.
Os espaços vazios tendem a absorver a compressão dos gases
resultantes da explosão, reduzindo seus efeitos, antes de ser
atingida a antepara interna.

O Encouraçado de Bolso, do inglês pocket battleship, teve seu nome


cunhado pela mídia para designar os encouraçados de 10.000
toneladas, construídos e empregados pelos alemães durante a 2ª
Guerra Mundial.

Graff Spee exemplifica o encouraçado de bolso.

Unidade 5 319
Universidade do Sul de Santa Catarina

Partindo do italiano, a Fragata é tida como uma embarcação


menor do que o bergantim, com popa menos elevada. Navio
de guerra semelhante à nau, menor e menos armado que ela,
porém mais veloz e de melhor manobra. Não tinha castelo, e
sua mastreação era de galera. Apareceu na primeira metade do
sec. XVII, como aviso, e, com o tempo, chegou a ter 60 peças de
artilharia e deslocamento de 1.800 t. No último quartel do século
XIX, houve fragatas mistas, à vela e a vapor.

Do português, é tida como sendo uma embarcação de boca


aberta e popa chata, com um mastro que enverga vela latina
quadrangular e duas velas de proa, 200 a 300 t de capacidade de
carga. Foi usada no rio Tejo, para transporte de mercadorias.

Atualmente, constitui um navio de combate maior e mais bem


armado que a corveta, empregado para patrulha antissubmarina
e escolta de comboio e de forças tarefas, cujo principal
armamento são mísseis. É dotado, também, de numerosos
sensores eletrônicos. No Brasil, são as fragatas da classe Niterói,
construídas no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ).

Intimamente ligadas aos contratorpedeiros, as fragatas cumprem


os mesmos tipos de tarefa e têm características semelhantes;
estes navios, hoje, se confundem. Pode-se dizer, no entanto, que,
em geral, as fragatas têm menor deslocamento, menor velocidade
e menor quantidade de armamento que os contratorpedeiros, mas
isso está longe de ser uma regra geral e varia de marinha para
marinha. Podem atuar em qualquer ambiente da guerra naval,
sendo empregadas, principalmente, em:

„„ ataques contra navios de superfície;

„„ guerra antissubmarino;

„„ defesa antiaérea e antimíssil;

„„ apoio a operações anfíbias;

„„ operações de esclarecimento e como piquete radar;


escolta de comboios; e,

„„ guerra de corso contra navegação mercante e combate ao


narcotráfico.

320
História Militar Brasileira II

Seu principal emprego é em operações de superfície e


antissubmarino. As fragatas americanas da classe Oliver Hazard
Perry utilizam mísseis guiados na defesa antiaérea, antimíssil,
para ataque a navios de superfície. A primeira unidade dessa
classe foi comissionada em 1977. Os navios têm propulsão à
turbina a gás e são equipados com mísseis Standard e Harpoon,
armamento de 76 e 20 mm, dois tubos triplos de torpedos, além
de vários equipamentos utilizados na guerra eletrônica. Elas
também podem operar com dois helicópteros orgânicos.

Do inglês galley e do francês galée, surgiu a Galé. É uma


embarcação de guerra da antiguidade greco-romana e bizantina,
comprida e estreita, impelida basicamente por grandes remos
e, eventualmente, por duas velas bastardas içadas em mastros 15 a 30 por bordo,
próximos à proa. Era dotada de esporão, que constituía o seu manejados cada um
principal órgão de ataque a navios inimigos. por 3 a 5 remadores
sentenciados a trabalhos
forçados.
A vela bastarda é um pano quadrangular, cujas
dimensões são tão pequenas que parece triangular.
Ela é estendida em uma verga muito comprida e
inclinada no mastro.

A Galera é um navio mercante à vela, com gurupés e três


mastros, cada um com dois mastaréus, cruzando vergas (velas Excepcionalmente
redondas). Eventualmente, tinha velas latinas quadrangulares. existiam galeras com
quatro ou cinco mastros.
O Galeão é originário do inglês Galeno e do francês galion.
É uma embarcação de alto bordo, com dois ou três mastros
envergando velas redondas e gurupés com velas de proa. Foi
empregado no transporte de ouro e prata da América para a
Espanha e Portugal, nos séculos XVII e XVIII, e era armado
com numerosos canhões.

O Monitor é um navio de combate de calado reduzido, borda


livre muito pequena, armada com canhões de médio ou grosso
calibre, em geral instalados numa torre giratória na parte de
vante e na mediana, para emprego em operações fluviais ou de
bombardeio de costa. A vela fora abolida, e o casco do monitor
era todo de ferro, bastante baixo, com uma borda livre de 40 cm
apenas; as únicas estruturas acima da borda eram a torre, uma
pequena estação de governo e as chaminés.

Unidade 5 321
Universidade do Sul de Santa Catarina

Durante a Guerra da Secessão, a partir de 1861, os confederados


construíram uma bateria encouraçada autoinpulsionada chamada
Merrimack. Embora pouco de novo apresentasse em relação às
canhoneiras francesas da Crimeia, revelou-se uma ameaça, que
foi enfrentada pelo monitor do engenheiro naval sueco John
Ericsson, uma embarcação de ferro com bordo livre baixo de 52
m de comprimento, cobrindo um casco convencional de 37 m.
Não havia nenhuma superestrutura além de chaminés, escotilhas,
pequena estação de governo e a obra-prima de Ericsson, uma
única torre rotativa, que continha dois canhões de antecarga
de 11 polegadas. A disposição da torre sobre o convés permitia
a redução do número de canhões, por atirarem eles pelos dois
bordos.

Até fins do século XV, a Nau era um navio de porte


relativamente grande, com acastelamentos à proa e à popa,
arvorando geralmente um só mastro com vela redonda ou
“pano”. Daí até fins do século XVI, princípios do XVII, as naus
foram aumentando de tamanho, tornaram-se muito bojudas,
Boca com cerca de 1/3 passaram a arvorar até três mastros traquete, grande e mezena
do comprimento da - envergando pano redondo e uma vela latina quadrangular à
quilha. popa além de gurupés. Tinham até três ou quatro cobertas com 2
a 3 baterias de canhões; dependendo destas, variava o número de
peças de artilharia que portavam. Com o passar dos anos, foi-se
modificando o seu velame. Eram embarcações imponentes, em
geral ricamente ornamentadas, mas de difícil manejo.

Vejamos dois tipos de Nau, a de guerra e a de linha.

A Nau de Guerra era destinada a proteger o comércio marítimo


e fazer a guerra no mar, armada de 60 a 120 peças de artilharia,
podendo ser de 1ª classe, com mais de 100 canhões, de 2ª classe,
com 90 a 100 canhões, ou de 3ª classe, com 40 a 80 canhões. A
Nau de Linha era armada com 74 canhões ou mais. Era assim
chamada, porque integrava a linha de batalha nos combates
navais de vulto.

Os primeiros torpedos surgiram no início do século XIX, sob


a forma de uma carga explosiva rudimentar, que deveria ser
transportada por pequenas embarcações para ser colocada sob o
casco de um navio fundeado, onde explodiria com uma espoleta

322
História Militar Brasileira II

de tempo. Apareceram, também, os torpedos rebocados por um


cabo de aço, mas a dificuldade da aproximação sem ser notado
pelo inimigo retardou o desenvolvimento da nova arma. Apesar
disto, alguns navios foram afundados desta maneira até 1864,
quando o escocês Robert Whitehead construiu o primeiro
torpedo de autopropulsão.

Com o desenvolvimento do torpedo, começaram a aparecer


navios destinados à sua utilização, as torpedeiras. Os primeiros
navios deste tipo, que empregaram torpedos Whitehead foram
construídos de 1875 a 1880. Eram embarcações costeiras,
com aproximadamente 30 t de deslocamento, que atacavam
principalmente à noite ou com nevoeiro, pois seus torpedos de 6
nós de velocidade só percorriam 100 metros de distância.

O sucesso das torpedeiras fez com que, logo depois, aparecesse o


navio destinado a combatê-las. Maior, mais rápido e armado com
canhões de médio calibre para emprego contra a chapa fina das
torpedeiras, ficou conhecido como contratorpedeiro ou destroier.

Na guerra Hispano-Americana (1898), as torpedeiras e


contratorpedeiros assumiram papel predominante, mas os
últimos, logo dotados também de torpedos, mostraram-se tão
eficientes em todas as formas de combate que foram também
tomando o lugar dos próprios navios a que eram destinados
a combater, reduzindo a importância das torpedeiras. Os
contratorpedeiros foram aumentando de ano a ano, em tamanho,
velocidade e poderio, e hoje são navios destinados não somente a
atacar navios de sua espécie mas também podem ser empregados
com eficiência contra todos os demais navios, tornando-se os
mais decididos adversários de submarinos. Nas duas guerras
mundiais, esses navios tiveram grande desenvolvimento e foram
usados com muito sucesso.

Os maiores contratorpedeiros dos últimos anos são os


da classe Spruance. Construídos de forma modular em
uma linha de montagem muito avançada, têm 1.70m
de comprimento, 8.040 t de deslocamento, propulsão
à turbina a gás e velocidade acima de 30 nós. Seu
armamento inclui mísseis de cruzeiro, antiaéreos,
antinavios, armas para guerra antissubmarino,
canhões e helicópteros.

Unidade 5 323
Universidade do Sul de Santa Catarina

Atualmente, além de serem navios bastante versáteis, os


contratorpedeiros são também os mais numerosos navios de guerra
do mundo. São navios de grande velocidade, podendo desenvolver
até mais de 30 nós. Possuem grande mobilidade, pequena
autonomia, tamanho moderado e pequena proteção estrutural. Seu
armamento principal consta de mísseis de curto e longo alcance,
torpedos, canhões e helicópteros.

Apesar de executarem todos os tipos de tarefas, são empregados


principalmente em:

„„ proteção de um grupo de batalha nucleado por um porta-


aviões;

„„ guerra antissubmarino;

„„ ataques contra navios de superfície e alvos em terra;

„„ defesa antiaérea e antimíssil;

„„ apoio a operações anfíbias;

„„ operações de esclarecimento e como piquete radar; e,

„„ escolta a comboios.

Os contratorpedeiros modernos possuem:

„„ mísseis de cruzeiro de longo alcance;

„„ canhões de 4,5 ou 5 polegadas de tiro rápido;

„„ mísseis antinavio;

„„ lançadores de torpedo;

„„ mísseis para defesa antiaérea a curta, média e longa


distâncias;

„„ helicópteros capazes de levar torpedos e mísseis e grande


capacidade de trocar informações com navios da força por
meio de link de dados.

A marinha americana possui, ainda, contratorpedeiros com grande


capacidade de defesa nuclear e utilização de tecnologia stealth, a
qual dificulta a identificação do mesmo pelo inimigo, utilizando

324
História Militar Brasileira II

para isso diferentes tecnologias, como uso de superfície e


bordas em ângulo (evitando-se ângulos retos), para diminuir
a sua superfície refletora de radar, sistemas de resfriamento
de equipamentos e compartimentos, diminuindo a assinatura
infravermelha.

Um exemplo disso seria o resfriamento dos gases


das turbinas, que, antes de atingirem o exterior do
navio, aquecem a água dos grupos destilatórios e,
consequentemente, se resfriam antes de chegarem
ao meio ambiente, dificultando, assim, a detecção
do navio por sistemas infravermelho. A utilização de
equipamentos elétricos nas partes internas do navio,
tais como cabrestante e guinchos, é muito eficientes
para diminuir a assinatura acústica e, com isso,
dificultar a detecção por submarinos. Todo e qualquer
artifício utilizado para detecção do navio pelo inimigo
pode ser considerado como tecnologia stealth.

Síntese

E o que ficou?

Não se pode analisar a participação da Marinha de Guerra


Brasileira na Segunda Guerra Mundial sem apontar alguns dados
que delimitam todo o seu esforço para manter nossas linhas de
comunicação abertas.

Foram comboiados aproximadamente 3.164 navios, sendo


1.577 brasileiros e 1.041 norte-americanos em 254 comboios.
Considerando esse número de navios e as perdas em comboios,
chegamos à conclusão de que uma média de 99,01% dos navios
protegidos atingiu seus destinos.

Foram percorridos pelas escoltas, sem contar os ziguezagues


realizados para dificultar a detecção submarina e o tiro torpédico,
um total de 600.000 milhas náuticas, ou seja, 30 voltas ao redor
da Terra pelo Equador.

Unidade 5 325
Universidade do Sul de Santa Catarina

A Esquadra americana comboiou, no Atlântico, 16.000 navios,


o que corresponde a 16 mercantes por cada navio de guerra. A
Marinha do Brasil comboiou 3.000 navios, o que corresponde a
50 mercantes por cada navio de guerra brasileiro. Foram atacados
32 navios brasileiros com um total de 972 mortos ou desaparecidos
na Marinha Mercante. Em navios, foram perdidos 21,47% da
frota nacional. A Marinha de Guerra perdeu 3 navios e teve 492
mortos.

O navio de guerra que mais tempo passou no mar foi o CS


Guaporé, num total de 427 dias, em pouco mais de três anos, o que
perfez uma média anual de 142 dias de mar. Com comparação,
hoje em dia um navio da Esquadra que realize anualmente 70
dias de mar pode ser considerado um navio com boas condições
operacionais. O navio que participou no maior número de
comboios foi a Corveta Caravelas, 77 vezes.

Com todos esses dados, o que efetivamente significou


para a Marinha de Guerra sua participação no último
conflito mundial?

A primeira conclusão é a de que adquirimos maior capacidade


para controlar áreas marítimas, além de um maior poder
dissuasório. No entanto deve ser admitido que tal situação tenha
sido fruto do auxílio norte-americano. Se estivéssemos sozinhos
nessa empreitada, poderíamos ter ficado em uma situação muito
delicada, principalmente na manutenção segura de nossas linhas
de comércio marítimo.

A segunda conclusão aponta para uma mudança de mentalidade


na Marinha, com a assimilação de novas técnicas de combate e
a incorporação de meios modernos para as forças navais. Essa
mudança de mentalidade fez a Marinha tornar-se muito mais
profissional.

A terceira conclusão remete à oportunidade de a Marinha “sentir”


o odor do combate, participar de ações de guerra e adquirir
experiências da refrega, das adversidades, do medo e da dor com
a perda de navios e companheiros. Essa experiência de guerra

326
História Militar Brasileira II

foi fundamental para forjar os futuros “almirantes, oficiais


e praças da guerra”, acostumados com a vida dura da guerra
antissubmarino e com a monotonia e o stress dos comboios.

A quarta conclusão é a percepção de que a logística ocupa


um lugar de suma importância na manutenção de uma força
combatente operando eficientemente. Esse tipo de percepção
refletiu-se na construção da Base Naval de Natal e de outros
pontos de apoio logístico no nosso litoral. Nisso, os EUA foram
os grandes mestres.

A quinta conclusão é a nossa aproximação franca com os irmãos


do Norte. Essa associação nos alinhou diretamente com as
doutrinas norte-americanas e com uma ênfase exacerbada na
guerra antissubmarino. Essa percepção só foi mudada a partir
da denúncia do Acordo Militar com esse país em 1977, quando
optamos por uma tecnologia relativamente autóctone.

E, por fim, a guerra no mar mostrou que, no caso do Brasil, em


uma conflagração generalizada, as nossas linhas de comunicação
serão os alvos prioritários. Assim aconteceu em 1917 e em 1942.
Somos ainda dependentes do comércio marítimo. Não podemos
estar despreparados mais uma vez.

Para finalizar esta síntese, segue um quadro contendo uma cronologia


de alguns eventos principais neste período.

DATA EVENTO
Apresentação na Câmara de programa de reaparelhamento naval
Julho de 1904 do Alte Júlio de Noronha pelo Deputado Laurindo Pitta.
Aprovação do programa de reaparelhamento naval do Alte Júlio
Novembro de 1906 de Noronha modificado pelo Alte Alexandrino de Alencar.
Agosto de 1914 Começa a Primeira Guerra Mundial.
A Alemanha estabelece bloqueio sem restrições ao comércio
17 de Janeiro de 1917 marítimo com os Aliados.
Rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a
11 de Abril de 1917 Alemanha.
26 de Outubro de 1917 Declaração de guerra entre o Brasil e a Alemanha.
Primeiro de Agosto de 1918 DNOG suspende de Fernando de Noronha com destino à África.

Unidade 5 327
Universidade do Sul de Santa Catarina

9 de Novembro de 1918 Termina a Primeira Guerra Mundial


9 de Junho de 1919 DNOG regressa ao Rio de Janeiro.
Primeiro de Julho de 1939 Começa a Segunda Guerra Mundial.
Assinatura da Lei de Empréstimos e Arrendamentos, Lend Lease,
11 de Março de 1941 com os Estados Unidos da América.
28 de Janeiro de 1942 Brasil rompe relações diplomáticas com os países do Eixo.
Declaração de guerra entre o Brasil e a Alemanha.
31 de Agosto de 1942
Criação dos Comandos Navais na costa brasileira e Mato Grosso.
5 de Outubro de 1942 Criação da Força Naval do Nordeste.
Torpedeamento do Navio-Auxiliar Vital de Oliveira no través do
19 de Julho de 1944 Farol de São Tomé.
21 de Julho de 1944 Afundamento da Corveta Camaquã próximo a Recife.
8 de Maio de 1945 Termina a Segunda Guerra Mundial.
4 de Julho de 1945 Afundamento do Cruzador Bahia entre o Nordeste e a África.
7 de Novembro de 1945 A Força Naval do Nordeste regressa ao Rio de Janeiro.

Atividades de autoaprendizagem

1. O Programa de Reaparelhamento da Marinha, de 1904, além da


aquisição de navios, incluía alguns melhoramentos fundamentais
para um Poder Naval que se desejava no Brasil. Quais eram esses
melhoramentos? Quem foi o idealizador desse Programa? Quem o
modificou? Por quê ? Quais as alterações propostas?

328
História Militar Brasileira II

2. O que, efetivamente, significou para a Marinha do Brasil sua


participação na Segunda Guerra Mundial? Descreva, em até quinze
linhas, as suas conclusões.

Saiba mais

Para obter maior conhecimento sobre o que estudamos nesta


unidade, pesquise os seguintes textos:

BRASIL. História naval brasileira. v.5, tomo II. Rio de Janeiro:


Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1985.

. História naval brasileira. v.5, tomo I B. Rio de Janeiro:


Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1997.

CAMINHA, João Carlos Gonçalves. História marítima. Rio


de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.

DUARTE, Paulo de Queiroz. Dias de guerra no Atlântico Sul.


Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1968.

GAMA, Arthur Oscar Saldanha da. A marinha do Brasil na


primeira guerra mundial. Rio de Janeiro: Editora Capemi,
1982.

. A marinha do Brasil na segunda guerra mundial. Rio


de Janeiro: Editora Capemi, 1982.

Unidade 5 329
6
unidade 6

Aviação Militar, Aviação Naval


e Força Aérea Brasileira
Carlos Roberto Carvalho Daróz
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar a evolução da aviação naval, aviação militar e
Força Aérea Brasileira, as peculiaridades do emprego
do poder aéreo nos conflitos internos e externos e a
evolução do pensamento aeronáutico brasileiro desde
seu aparecimento até meados do Século XX.

„„ Identificar e caracterizar a influência do poder aéreo


nas instituições militares brasileiras no período
republicano.

Seções de estudo
Seção 1 A conquista do ar e as teorias do poder aéreo

Seção 2 A aviação de guerra no Brasil


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


História recente, mas já história. Se a revolução tecnológica
que seguiu-se imediatamente à segunda revolução industrial e
continua envolvendo a humanidade vertiginosamente nos faz
tratar de assuntos de ontem como se houvessem ocorrido há um
século, isto se aplica plenamente ao mundo aeronáutico. Nada é
mais obsoleto que o modelo de aeronave recém-lançado. Mas,
em tudo isso, há a saga do homem que faz dessa aeronave um
poderoso vetor de aplicação do poder, um poderoso instrumento
político, e cria novas leituras e dimensões geoestratégicas.

A aviação militar no Brasil, ou a aviação de guerra, como quer


o autor dessa unidade, vai procurar seguir de perto a rápida
evolução que alcançou em todo o mundo depois da Primeira
Guerra Mundial, graças ao esforço pessoal de alguns pioneiros.
Mas a Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra serão os períodos
em que ela se consolidará como uma das forças armadas do país.

O objetivo do curso, já lhe dissemos, é, principalmente, motivar


para o estudo da história militar. No caso da aeronáutica
brasileira, além das publicações e portais institucionais, temos no
Instituto Histórico-Cultural da Aaeronáutica (INCAER) uma
organização da Força Aérea Brasileira que preserva a memória da
Aviação do Brasil e se dedica à pesquisa e ao registro de fatos a
ela relacionados. Sua biblioteca, seu Clube do Livro (semelhante
à Biblioteca do Exército – BIBLIEX), suas publicações e seus
portais eletrônicos constituem referências para a pesquisa
histórica sobre a aviação no Brasil e no mundo.

Sinta-se à vontade e motivado(a) a acessar este site,


utilizando o seguinte endereço eletrônico: <http://
www.incaer.aer.mil.br>

332
História Militar Brasileira II

Seção 1 - A conquista do ar e as teorias do poder aéreo


Paris, 1742. O sexagenário marquês de Bacqueville anuncia
que se lançará de uma janela de sua casa, localizada às margens
do Rio Sena, e o atravessará voando como uma ave. Na data
marcada para a proeza, diante de grande multidão, o marquês se
prepara para seu voo, equipado com duas asas por ele construídas.
Lança-se, enfim, ao vazio, e parece realmente voar por alguns
instantes, mas, em seguida, cai pesadamente sobre um barco que
passava e fratura uma perna. Terminara em fracasso mais uma
tentativa do homem de voar com o uso de artifícios mecânicos.

Não é possível precisar na historiografia, quando o desejo de voar


passou a fazer parte da evolução humana. Acredita-se, no entanto,
que este desejo esteja presente na humanidade provavelmente
desde o dia em que o homem pré-histórico passou a observar o
voo dos pássaros e de outros animais. A história registra diversos
exemplos de tentativas humanas de alçar voo, sendo um dos
mais conhecidos o relato mitológico grego sobre Dédalo e Ícaro.
Segundo a lenda, Dédalo, aprisionado na ilha de Minos, construiu
asas feitas com penas e cera para si e para seu filho Ícaro. Este,
porém, aproximou-se demais do sol, e a cera das asas derreteu,
fazendo com que ele caísse no mar e perdesse a vida.

O inventor italiano Leonardo da Vinci foi, provavelmente,


o primeiro cientista a se dedicar seriamente ao estudo e ao
desenvolvimento de uma máquina capaz de voar. Em fins
do século XV, concebeu o projeto de um helicóptero, do qual
chegou a construir e experimentar alguns modelos em escala
reduzida. Seus experimentos, todavia, não chegaram a resultados
definitivos, pois a tecnologia disponível era insuficiente na época.

1.1 - Mais leves do que o ar: o desenvolvimento dos balões


Os primeiros engenhos fabricados pelo homem que conseguiram
efetivamente alçar voo foram os balões, aproveitando as
características físicas da subida do ar aquecido às camadas
superiores, o qual, confinado, podia levar uma gôndola com

Unidade 6 333
Universidade do Sul de Santa Catarina

tripulantes ou passageiros. O primeiro voo bem sucedido de um


balão de ar quente foi o da Passarola, construída por Bartolomeu
de Gusmão, um padre português nascido no Brasil colonial, que
conseguiu voar em agosto de 1709, em Lisboa.

O segundo de que se tem registro foi realizado em Paris, em


1783. Jean-François Pilâtre de Rozier e François Laurent
d’Arlandes fizeram um voo livre em um balão de ar quente
por oito quilômetros. O engenho, inventado pelos irmãos
Montgolfier, fabricantes de papel, consistia em uma câmara
preenchida por ar quente obtido por uma fogueira alimentada
com lenha. O curso a ser tomado pelo balão era incontrolável, ou
seja, voava para onde quer que o vento o levasse. Esse balão, por
ser pesado, alcançou uma altura máxima de apenas 26 metros.

Na virada do século XIX para o século XX, no bojo da


Revolução Industrial, diversos inventores trabalhavam no
desenvolvimento de um balão que pudesse ser dirigido e não
permanecesse literalmente ao sabor dos ventos. O brasileiro
Alberto Santos Dumont foi um dos inventores que trabalharam
intensamente no desenvolvimento dos balões, e seu esforço foi
recompensado com a invenção do balão dirigível. Em outubro de
1901, Santos Dumont circundou a Torre Eiffel, em Paris, com
seu balão nº 6, levando cerca de 30 minutos entre a decolagem e
o pouso no parque de Saint Cloud.

Uma curiosidade: por este voo, recebeu do Aeroclube


da França e do Comitê Científico Francês o Prêmio
Deutsch, no valor de 100 mil francos.

Quase na mesma época, o inventor alemão Conde Ferdinand


von Zeppelin trabalhava em uma categoria de balões diferente da
de Santos Dumont, construindo dirigíveis rígidos de dimensões
bem maiores. A construção do primeiro dirigível Zeppelin
começou em 1899, na Alemanha. O protótipo inicial, o LZ-1,
possuía 128 metros de comprimento e era propulsionado por dois
motores Daimler, com 14,2 HP cada.

334
História Militar Brasileira II

O primeiro voo de um Zeppelin aconteceu em julho de 1900 e


durou apenas 18 minutos, porque o LZ-1 foi obrigado a descer
após o mecanismo de controle ter sofrido uma falha mecânica.
Depois dos reparos necessários, a aeronave mostrou seu potencial
nos voos que se seguiram, ultrapassando o recorde de 6 m/s do
dirigível La France por uma margem de 3 m/s, mas, mesmo
assim, não conseguiu atrair possíveis investidores. Mais alguns
anos, estes seriam necessários, para que o conde arrecadasse
fundos suficientes para um segundo voo.

1.2 - Em busca do mais pesado do que o ar


Paralelamente à busca da dirigibilidade dos balões, os inventores
procuravam construir uma máquina voadora que fosse mais
pesada do que o ar. Em 1843, o inventor inglês William Henson
registrou a primeira patente de uma máquina equipada com
motores, hélices e uma asa fixa, ou seja, um avião. Contudo o
protótipo construído foi malsucedido, e Henson desistiu de seu
projeto.

Outro britânico, Percy Pilcher, quase se tornou a primeira pessoa


a alçar voo em um avião. Depois de construir com sucesso
vários planadores, em 1899 desenvolveu o protótipo de um avião
equipado com um motor a vapor. Entretanto Pilcher morreu
em um acidente aéreo, quando pilotava um planador, antes de
conseguir testar o seu protótipo. Estudos recentes indicam que
tal aeronave seria capaz de alçar voo por meios próprios e com
um tripulante a bordo.

No final da década de 1890, os irmãos norte-americanos Orville


e Wilbur Wright, fabricantes de bicicletas, começaram a tentar
desenvolver um aparelho mais pesado do que o ar, que fosse
capaz de decolar por si próprio. Na virada do século, os irmãos
Wright já realizavam seus primeiros voos bem-sucedidos em
planadores, na localidade de Kitty Hawk, Carolina do Norte,
região escolhida em função dos ventos regulares, que sopravam
em uma direção constante, o que facilitava os voos de planeio.

Unidade 6 335
Universidade do Sul de Santa Catarina

Depois de diversos experimentos, em 17 de dezembro de 1903


os irmãos Wright supostamente efetuaram aquele que seria
considerado, nos Estados Unidos da América (EUA), como o
primeiro voo de um aparelho voador controlado, motorizado
e mais pesado que o ar. Contudo é importante salientar que
o aparelho – denominado Flyer 1 – não decolava por meios
próprios, mas era catapultado ao longo de trilhos posicionados
em uma encosta.

1.3 - Com Santos Dumont, enfim, o avião


Impulsionado pela operação bem-sucedida com balões dirigíveis,
o brasileiro Alberto Santos Dumont dedicou-se também à
construção de um aparelho mais pesado do que o ar, capaz de
decolar sem auxílio. Em 1905, depois de realizar diversos testes
aerodinâmicos e mecânicos, Santos Dumont chegou ao aparelho
denominado 14 bis, que possuía motor traseiro e leme a frente do
piloto. Em 12 de setembro do ano seguinte, o inventor brasileiro
decolou com seu aeroplano e voou cerca de sete metros a 60 cm
de altura, a título de teste.

Na manhã de 23 de outubro de 1906, diante de pequena


multidão e da imprensa francesa, Santos Dumont novamente
decolou sem auxílio, do Campo de Bagatelle, em Paris, e voou
aproximadamente 60 metros em linha reta, a uma altura média
de três metros. No voo pioneiro de Santos Dumont, milhares
de pessoas encontravam-se no Campo de Bagatelle, as quais
acorreram ao local, devido às notícias divulgadas pela imprensa
local. Esse voo foi filmado por uma empresa cinematográfica
(Companhia Pathé), todos seus preparativos foram fotografados
e a grande façanha realizada por Santos Dumont foi noticiada
pelos mais importantes jornais do mundo. O Aeroclube da
França registrou o acontecimento em ata especial.

Com o 14 bis, Santos Dumont conseguiu realizar o primeiro


“voo mecânico” do mundo, recebeu o título de “pai da aviação” e
arrebatou os 3.000 francos do prêmio Archdeacon, criado em julho
de 1906 pelo norte-americano Ernest Archdeacon, para premiar

336
História Militar Brasileira II

o primeiro aeronauta que conseguisse voar por mais de 25 metros


em um voo nivelado. Em novembro, decolou novamente com
seu 14 bis e voou 220 metros, superando todas as expectativas e
recebendo nova premiação do Aeroclube da França.

No ano seguinte, Santos Dumont acidentou-se com o 14 bis,


o que o motivou a elaborar um novo modelo de aeronave, o
Demoiselle, que seria o primeiro avião realmente moderno. O
novo aeroplano possuía motor na frente e cauda atrás do piloto,
o que o tornava muito mais manobrável e fácil de pilotar. O
Demoiselle foi um grande sucesso de vendas, sendo, ao todo,
construídas cerca de cem unidades.

Entretanto houve controvérias a respeito da paternidade da aviação.

A paternidade da aviação foi contestada, em 1908, pelos irmãos


Wright, que alegaram terem realizado o primeiro voo motorizado
da história em 1903, com seu Flyer 1, percorrendo 36,5 metros em
12 segundos. O voo dos Wright é considerado, em boa parte do
mundo, especialmente nos Estados Unidos, como sendo o voo
pioneiro. Ocorre que os irmãos inventores não atenderam aos
critérios estipulados pela Federação Aeronáutica Internacional
(FAI) e pelo Aeroclube da França. Nada foi filmado nem noticiado
na imprensa internacional. A única prova que os irmãos tinham
de sua façanha era uma foto – que, segundo estudiosos, poderia
ter sido tirada poucos dias antes.
Outro problema é que o avião dos Wright necessitou de vento
favorável e de meios externos para alçar voo. Além disso, o
motor usado no Flyer 1, quando este foi levado à Europa, era de
fabricação francesa, desenvolvia 50 HP e havia sido fabricado
somente em 1907 (quatro anos após o primeiro voo). Os Wright
afirmaram que, antes de adotarem o motor francês, utilizaram
um motor feito por eles próprios, que desenvolvia 12 HP e fazia
o Flyer 1 pesar 340 kg. Estudiosos e cientistas afirmaram que o
peso e a potência do motor tornavam, senão impossível, muito
difícil o voo de uma aeronave com tais características.
Para aumentar ainda mais a polêmica, uma réplica exata do
Flyer 1 foi construída em 2003 para comemorar os 100 anos
do voo dos Wright, mas, em sua apresentação, a aeronave não
conseguiu alçar voo.

Unidade 6 337
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.4 - O emprego militar do avião


Tão logo foi inventado, o avião começou a ser cogitado para
emprego em operações de guerra. Na realidade, a ideia de
utilizar meios aéreos para finalidades militares precedeu a própria
invenção do avião. Já no século XVII, o jesuíta italiano Francesco
Lana de Terzi considerou a possibilidade de serem lançados
pedaços de ferro, a partir de um balão, para atingir e afundar
embarcações inimigas.

O padre Bartolomeu de Gusmão imaginou o uso dos balões


como plataforma de observação de tropas inimigas no campo de
batalha, emprego que se tornou realidade em diversos conflitos
dos séculos XVIII e XIX, tais como:

„„ a Revolução Francesa;

„„ a Guerra Franco-Prussiana;

„„ a Guerra Civil Americana;

„„ a Guerra Hispano-Americana; e,

„„ a Guerra da Tríplice-Aliança.

Ainda no início do século XX, os balões de observação chegaram


a ser utilizados durante a 1ª Guerra Mundial.

Com o surgimento do avião, os exércitos começaram a vislumbrar


sua utilização como arma de guerra. O inventor britânico John
William Dunne teve seus projetos patrocinados pelas forças
armadas do Reino Unido e testados em segredo em Glen Tilt,
nas Scottish Highlands. Seu desenho mais bem conhecido, o
Terras Altas da Escócia, local remoto, D4, voou em dezembro de 1908, perto de Blair Atholl, em
de difícil acesso, onde os britânicos Perthshire.
instalaram unidades militares secre-
tas, como o Centro de Treinamento Em julho de 1909, Louis Blériot atravessou o Canal da Mancha
de Comandos, durante a 2ª Guerra
e atingiu a Inglaterra. Os britânicos compreenderam que sua
Mundial.
condição de Nação insular não seria mais uma garantia de defesa
contra futuras ações inimigas.

338
História Militar Brasileira II

As forças armadas dos países mais importantes do mundo


começaram a criar seus componentes aéreos, com a finalidade de
atuar em proveito de suas forças terrestres e navais.

Vejamos o seguinte exemplo:

Em 1910, foi criado o Serviço Aeronáutico do Exército


Francês e, dois anos depois, a Grã-Bretanha organizou
o Royal Flying Corps (Real Corpo de Aviação) e o Royal
Naval Air Service (Real Serviço Aeronaval), componentes
do exército e da marinha, respectivamente. O mesmo
ocorreu com a Alemanha, que estruturou os serviços
aéreos de suas forças terrestre e naval.

Em 1909, os irmãos Wright venderam para o Departamento de


Guerra dos EUA um de seus biplanos de dois lugares. O mesmo
tipo de aeroplano foi comercializado pelos inventores com o
Exército Francês.

A Alemanha passou a investir no emprego militar dos dirigíveis


Zeppelin, já então consagrados como aeronaves de transporte
de longo alcance. Tanto a Marinha Imperial quanto o Exército
Imperial alemães passaram a empregar os dirigíveis como
plataforma de observação, podendo voar mais alto e por mais
tempo do que qualquer avião existente na época.

Os aviões militares dos primeiros anos da década de 1910


eram frágeis, pequenos e podiam levar somente o piloto.
Possuíam cabine aberta e instrumental de voo extremamente
primitivo. O piloto precisava utilizar um pesado traje de voo
para suportar o frio, quando em missão. A orientação era
realizada pela comparação dos mapas com o terreno, tendo o
piloto que controlar a aeronave, manusear o mapa em meio ao
vento e compará-lo com a superfície centenas de metros abaixo,
tudo ao mesmo tempo. Por esta razão, eram frequentes os
casos de desorientação, sendo comum os pilotos pousarem em
algum campo, para perguntarem aos moradores locais onde se
encontravam.

Unidade 6 339
Universidade do Sul de Santa Catarina

As falhas mecânicas, aliadas à inexperiência dos pilotos,


provocavam muitos acidentes, com perda de material e de
aviadores. A despeito de tais óbices, a aviação de guerra se
desenvolvia inexorável e rapidamente.

1.5 - A aviação na Grande Guerra (1914-1918)


O surgimento do avião trouxe um impulso significativo à
exploração militar e civil do espaço aéreo. A primeira vez que o
avião foi utilizado efetivamente como arma de guerra foi durante
a 1ª Guerra dos Bálcãs (1911-1912), quando os italianos lançaram
granadas do ar, com as mãos, sobre posições ocupadas por tropas
turcas. Contudo foi durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) – a
Grande Guerra – que se registrou, pela primeira vez, o emprego
da aviação de guerra em larga escala.

No início do conflito europeu, as novas máquinas voadoras,


construídas de madeira, tela e cabos de aço, não eram levadas
a sério pela grande maioria dos comandantes militares: afinal,
outras preocupações de maior importância consumiam seus
planejamentos, como a logística, o transporte, os navios e as
metralhadoras. O único valor provável que as aeronaves possuíam
era atuar como uma extensão dos olhos dos comandantes, como
ocorrera com os balões cativos durante a Revolução Francesa e a
Guerra Franco-Prussiana. Contudo as limitações de autonomia,
velocidade, teto e segurança foram logo superadas, expondo as
possibilidades do avião nas missões de observação.

Em 1914, os principais contendores envolvidos na guerra já


dispunham de esquadrilhas organizadas. Os aviões eram
utilizados para missões de reconhecimento, e os pilotos
adversários, no começo, costumavam cumprimentar-se
elegantemente ao passarem uns pelos outros, de forma
cavalheiresca. Depois, começaram a levar pistolas, revólveres ou
fuzis e, ao se interceptarem, trocavam tiros entre si.

340
História Militar Brasileira II

As aeronaves também eram utilizadas para a observação e


condução dos tiros de artilharia e, por esse motivo, passaram
a ser vistas pelas tropas terrestres como uma séria ameaça.
Como ainda não havia sido criada a artilharia antiaérea, o único
modo de repelir intrusos decididos a fazer o reconhecimento
das posições de superfície era tentar abatê-los com as armas
disponíveis – inicialmente revólveres e fuzis – e, mais tarde,
metralhadoras montadas nas próprias aeronaves.

Em fevereiro de 1915, o aviador francês Roland Garros inventou


a metralhadora sincronizada, dispositivo que permitia atirar com
uma metralhadora instalada no próprio avião, de maneira que
os projéteis passassem pelo intervalo entre as pás da hélice. Os
alemães conseguiram capturar um avião francês – exatamente o
de Garros, que pousara em razão de uma pane mecânica – e, de
posse do dispositivo, aperfeiçoaram-no e passaram a utilizá-lo
contra os aviões inimigos. Dessa forma, foram definidas as duas
primeiras missões da aviação: o reconhecimento e a caça.

O avião de Garros foi entregue a um engenheiro


holandês a serviço dos alemães. Anthony Fokker, depois
de desmontar e estudar o mecanismo de sincronização,
o aperfeiçoou, tornando os aviões Fokker os aparelhos
mais temidos da 1ª Guerra Mundial.

Em seguida, os aviões passaram a ser empregados em apoio tático


às forças terrestres, utilizando suas bombas e metralhadoras
contra as tropas inimigas, a fim de sustar-lhes a manobra e
favorecer o avanço das unidades amigas em terra. Voando em
pequena altitude, os aviões que cumpriam essa modalidade
de missão – denominada inicialmente de ataque ao solo –
geralmente tinham como alvos:

„„ tropas inimigas;

„„ reservas;

„„ zonas de reunião;

Unidade 6 341
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ entroncamentos rodoferroviários;

„„ trens;

„„ viaturas; e,

„„ quartéis-generais.

Essas missões, hoje, são definidas como apoio aéreo aproximado


ou interdição.

Os alemães passaram a bombardear a Inglaterra à noite, com os


Zeppelins, aproveitando que ainda não havia canhão ou avião
capaz de atingi-los em sua altitude de ataque, a cerca de 6.000
metros. No final da guerra, sob a inspiração desses ataques,
surgiu uma nova abordagem doutrinária, na qual a aviação
operaria de forma independente do exército ou da marinha. A
nova missão, de caráter essencialmente estratégico, consistia em
atacar alvos bem distantes da linha de frente, com o propósito
de reduzir a capacidade de combate do inimigo por meio de
bombardeios contra fábricas, centros de comando, órgãos
governamentais, usinas, enfim, contra toda a infraestrutura
inimiga.

O Memorando Smuts, de agosto de 1917, documento que


motivou a criação da Real Força Aérea britânica, independente
das forças terrestre e naval, delineou um cenário sobre o emprego
estratégico da aviação:

No futuro próximo, não haverá limites ao seu uso


bélico independente. E pode não estar longe o dia
em que as operações aéreas, com sua devastação do
território inimigo e destruição dos centros industriais e
populacionais numa vasta escala, se tornem as principais
operações bélicas, em relação às quais as formas mais
antigas de operações militares e navais venham a se
tornar secundárias e até subordinadas (FRANKLAND,
1965, p. 21).

342
História Militar Brasileira II

Abaixo, segue imagem da Aeronave BE.2, preparando-se para


tentar interceptar bombardeiros alemães que vinham atacar
Londres no início de 1917.

Figura 6.1 - Aeronave BE.2 do Esquadrão 100 da RAF.


Fonte: COOKSLAY, Peter. BE.2 in action. Carrollton, EUA: Squadron Signal, 1992.

As estimativas do memorando não se configuraram por completo


na 1ª Guerra Mundial, mas tornaram-se claras durante a Guerra
Civil Espanhola (1936-1939), quando a aviação do General
Franco utilizou o bombardeio estratégico de cidades para
eliminar a vontade de lutar dos republicanos espanhóis.

Em 1918, após a entrada dos EUA na guerra e depois de


contabilizados 10 milhões de mortos, a 1ª Guerra Mundial
chegou ao fim. Os derrotados tiveram que assinar o Tratado
de Versalhes, que impunha a estes países fortes restrições e
punições. A Alemanha teve seu exército reduzido, sua indústria
bélica controlada, perdeu a região do corredor polonês e teve que
devolver à França a região da Alsácia-Lorena, além de ter que
pagar os prejuízos de guerra dos países vencedores.

A aviação havia assinalado seu papel como instrumento de


guerra, sem, no entanto, constituir-se em elemento diferencial
para a vitória ou derrota. Maior do que a influência do Poder
Aéreo no curso da guerra foi o impacto do conflito sobre o Poder
Aéreo nas décadas seguintes.

Unidade 6 343
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.7 - O poder aéreo e seus teóricos


Com o término do conflito mundial, a política de austeridade
econômica das nações e a falsa ideia de que a guerra tinha sido
travada para acabar com todas as guerras, fizeram com que
houvesse uma diminuição dos efetivos militares. Dessa forma,
uma massa de aviadores e equipamentos foram postos em
disponibilidade, possibilitando, assim, a criação das primeiras
empresas aéreas.

Despontando da guerra como uma arma efetiva, o avião,


ao longo de toda a década de 1920, enfrentou duas grandes
dificuldades. A corrente pacifista que dominou a Europa fez
com que o avião de 1929 fosse, basicamente, o mesmo de
1919, em matéria de desempenho e utilização militar. Mesmo
demonstrando seu potencial bélico como bombardeiro, tal
emprego foi caracterizado durante anos de pós-guerra como uma
extensão da artilharia, perdendo-se toda a experiência adquirida
com os bombardeios estratégicos efetuados pelos alemães com
seus dirigíveis Zeppelins e aviões Gothas.

A criação dos serviços aéreos nos diversos exércitos e marinhas


do mundo revelou a necessidade da elaboração de uma doutrina
de emprego capaz de permitir a utilização mais adequada dos
novos meios de combate. Nesse sentido, surgiram teóricos
militares que buscaram estabelecer as bases do emprego da nova
aviação de guerra, dando origem à Teoria do Poder Aéreo.

A experiência da 1ª Guerra Mundial provocou um intenso


debate sobre a aplicação dos meios aéreos, sendo os principais
protagonistas:

„„ Giulio Douhet, na Itália;

„„ Hugh Trenchard, na Grã-Bretanha; e,

„„ William Mitchell nos EUA.

Estes três oficiais contemporâneos eram defensores persistentes


da utilização do avião para fins militares. Douhet, em especial,

344
História Militar Brasileira II

o mais teórico do grupo, desenvolveu uma teoria estratégica


baseada no emprego do avião, com privilégio para o bombardeio
– o avião iniciava, assim, uma estratégia de dissuasão por sua
potencialidade destrutiva.

Vejamos, a seguir, retrato do general Giulio Douhet:

Figura 6.2 – General Giulio Douhet.


Fonte: Wikimedia.

O conceito de Poder Aéreo decorre das ideias do General italiano


Giulio Douhet (1869-1930). Em seu livro O Domínio do Ar,
publicado em 1921 e ampliado em 1927, Douhet expôs suas
revolucionárias ideias sobre o Poder Aéreo. O radicalismo de suas
posições decorria do fato de que a sua teoria – diferentemente
do que aconteceu com os grandes pensadores militares que o
precederam, como Clausewitz, Jomini e Mahan – não se baseou
em experiências do passado, já que os meios aéreos só tiveram
emprego militar a partir da 1ª Guerra Mundial, não havendo,
portanto, fato histórico a apoiá-lo.

Para Douhet, até o advento do Poder Aéreo, a abrangência


da guerra era limitada pelo alcance dos canhões ao campo de
batalha, e a maioria dos cidadãos podia levar, em plena guerra,
uma vida tranquila, produzindo os meios necessários para a luta
no front, onde os soldados lutavam e morriam. O emprego do
avião transformaria este cenário.

Unidade 6 345
Universidade do Sul de Santa Catarina

De acordo com sua teoria, a máxima de Jomini não fazia mais


“Os métodos mudam, mas os sentido: o avião mudara o caráter básico da guerra. Douhet
princípios não”. estava convencido de que a 1ª Guerra Mundial demonstrara a
primazia da defensiva sobre a ofensiva na guerra terrestre. Assim,
devido a essa superioridade, forças inferiores poderiam deter o
inimigo em qualquer frente, levando a disputa a um impasse. No
caso da aviação, proclamava Douhet, a situação era diferente: a
ofensiva não só era a melhor forma de fazer a guerra, mas a única
válida. Em consequência disto, sua concepção estratégica era
resistir em terra e atacar em massa pelo ar.

Segundo Douhet, todos os recursos da nação em guerra


deveriam ser concentrados no desenvolvimento do seu Poder
Aéreo, que seria estruturado no que ele chamava de força
aérea independente, sem que os elementos desse poder fossem
dispersos no exército e na marinha. Desta maneira, as forças
aéreas inimigas poderiam ser destruídas onde fossem encontradas
mais facilmente e estivessem mais vulneráveis, ou seja, no solo. O
ataque deveria ocorrer nas suas bases, tão logo iniciado o conflito
e com força máxima. Douhet sintetiza esse pensamento em seu
tratado:

A fim de obter o domínio do ar – ou, em outras palavras,


ter êxito em impedir que o inimigo voe – é necessário
privar o inimigo de todos os seus meios de voar, quer
esteja nas bases ou nas fábricas, isto é, onde quer que
sejam encontrados ou onde quer que sejam criados. Este
trabalho de destruição só pode ser levado a efeito no ar,
dentro do território inimigo, uma vez que ele somente
pode ser feito pelas armas aéreas. Os meios de combate
feitos para a guerra em terra e no mar não podem de
maneira alguma participar da ação destrutiva. Portanto o
domínio do ar só pode ser obtido por adequado poderio
aéreo. (Douhet, 1988, p. 53).

A população inimiga seria o próximo alvo. Constituída de civis


sem experiência de combate, logo teria sua moral abalada e
diminuiria a vontade nacional de prosseguir no conflito.

346
História Militar Brasileira II

A tradução da obra de Douhet para o inglês, em 1933, momento


em que se formava o Poder Aéreo americano, deu-lhe projeção e,
sem dúvida, sua influência na aviação de guerra dos EUA só foi
superada pela sua influência na da Itália.

No processo de formação de uma força aérea independente na Grã-


Bretanha, destacou-se o Major-General Hugh Trenchard, que
concebia a aviação como arma essencialmente ofensiva. Trenchard
não era um teórico, pode-se afirmar que era um prático. Aprendeu a
voar já como major, quando se formou o Corpo Aéreo do Exército.
Em seguida, organizou e comandou a nova arma na França, de 1915
a 1918 – a Royal Air Force (RAF) – cargo no qual permaneceu até
1929. Teve, portanto, a oportunidade de estruturá-la de acordo com Real Força Aérea britânica.
suas ideias amadurecidas na experiência de combate.

A seguir, retrato do Major-General Hugh Trenchard:

Figura 6.3 – General Hugh Trenchard.


Fonte: Wikimedia.

Trenchard nunca defendeu a tese de que os bombardeios


poderiam ganhar a guerra sozinhos: acreditava que o
enfraquecimento do moral do inimigo era uma espécie de pré-
requisito para que os exércitos pudessem avançar com uma
oposição bem mais fraca. Na guerra, devido à insuficiência de
aviões de interceptação, argumentava que a primeira tarefa da
aviação era atacar os aeroportos alemães para mantê-los fora
de operação e, assim, proporcionar continuidade às operações
militares. Enfatizava o bombardeio estratégico em vários níveis

Unidade 6 347
Universidade do Sul de Santa Catarina

– de depósitos de suprimentos e pontes até siderúrgicas e minas


de carvão – e considerava que seus efeitos psicológicos eram
superiores aos materiais na proporção de vinte para um.

Era contra o bombardeio indiscriminado de áreas residenciais,


embora admitisse o ataque a áreas industriais, ainda que
em regiões urbanas. Para Trenchard, os bombardeios
deveriam atingir o maior número possível de fábricas, e não
necessariamente destruir umas poucas, pois, assim, o pânico se
espalharia mais rapidamente entre a população e maximizaria os
efeitos estratégicos da ação.

O General norte-americano William (Billy) Mitchell,


contemporâneo de Douhet e Trenchard, desempenhou papel
essencial na elaboração do Poder Aéreo dos EUA. Mitchell
também aprendeu a voar como major, com 38 anos de idade,
e desempenhava a função de observador americano na França,
quando os EUA entraram na guerra, em 1917, tendo lá
estabelecido e comandado o Corpo Aéreo do Exército dos EUA.

Por fim, o retrato do General William Mitchell:

Figura 6.4 – General William Mitchell.


Fonte: Wikimedia.

Considerava importante o bombardeio estratégico, mas, ao


contrário de Douhet, atribuía grande valor às aeronaves de
combate e, em sua concepção, o enfrentamento entre as forças
aéreas oponentes ocupava lugar de destaque.

348
História Militar Brasileira II

Mitchell era um estudioso de Estratégia e causava-lhe


exasperação a falta de atenção das autoridades com o
desenvolvimento do Poder Aéreo – segundo ele, a única forma
de dar ao país a vitória na guerra que previa como inevitável. Na
defesa de suas opiniões, entrou em choque diversas vezes com
seus superiores. Dentre os choques que travou com a estrutura
militar, dois são dignos de nota.

Vamos a eles?

Em 1921, sentindo-se ridicularizado pela Marinha após ter


expressado a opinião de que um encouraçado, que custava mil O encouraçado Ostfriedland
vezes mais do que um avião, podia ser afundado por apenas um foi um dos navios capturados
desses engenhos, desafiou a força naval para um teste. O teste aos alemães por ocasião
foi realizado, e o resultado foi o afundamento do ex-encouraçado do término da 1ª Guerra
alemão Ostfriedland por aviões bombardeiros de Billy Mitchell, Mundial.
que lançaram bombas de 2.000 libras durante manobras
realizadas na costa de Norfolk, em 1921.

Segue imagem do ocorrido:

Figura 6.5 - O ex-encouraçado alemão Ostfriedland sucumbe sob as bombas.


Fonte: Wikimedia.
Tribunal penal militar, no
qual são julgados os crimes
O outro choque do qual Mitchell tomou parte foi em 1925, militares.
quando submetido à corte marcial por ter chamado de
incompetentes os líderes da Marinha e do Exército. A Corte
Marcial, que durou sete semanas, se converteu, na realidade, em

Unidade 6 349
Universidade do Sul de Santa Catarina

um seminário sobre Estratégia e sua teoria do Poder Aéreo, na


qual Mitchell predisse que:

„„ a próxima guerra seria global;

„„ os EUA enfrentariam o Japão;

„„ os navios-aeródromos, ou seja, os navios porta-aviões,


não poderiam fazer frente à aviação baseada em terra; e,

„„ um forte Poder Aéreo era a única forma de enfrentar


com êxito tal situação.

Com exceção da vulnerabilidade dos porta-aviões diante da


aviação baseada em terra, Mitchell acertou todos os demais
quesitos de suas previsões.

Mitchell considerava que a única defesa contra o ataque aéreo


seria a própria aviação. A força aérea deveria ser constituída por
uma força estratégica, de grande raio de ação, e por uma série de
unidades aéreas locais de defesa, para proteção dos centros vitais
do poder. Diferentemente de Douhet, admitia a criação de forças
aéreas auxiliares, principalmente com finalidade de observação,
ligadas à marinha e ao exército.

1.8 - A manutenção do paradigma

Apesar de hoje ser possível atestar que muitas das ideias dos
teóricos da aviação se tornaram realidade, no cenário estratégico-
militar da década de 1920 elas apresentavam-se por demasiado
avançadas para serem facilmente aceitas pelos generais e
almirantes, e não foram aproveitadas pelos comandos superiores.

A firme posição destes oficiais na defesa de suas ideias levou-os


a assumir posturas que iam de encontro ao sistema da época,
no sentido da libertação do poder aéreo do quadro tradicional
do emprego das forças. Em termos pessoais, todos foram
penalizados em suas carreiras, só vindo a ser redimidos de sua

350
História Militar Brasileira II

agressividade muitos anos mais tarde, como sinal de aprovação


das ideias que então defendiam.

Apesar do esforço para estruturar o Poder Aéreo, os comandantes


militares da época não foram favoráveis à criação de uma força
aérea independente e ao emprego da Aviação dissociada do apoio
às tropas terrestres ou forças navais. Como a Aviação Militar e a
Aviação Naval brasileiras foram organizadas segundo os modelos
francês e norte-americano, respectivamente, destacaremos o
pensamento das autoridades militares destes países.

O General John Joseph Pershing, comandante da Força


Expedicionária dos EUA durante a 1ª Guerra Mundial, era
absolutamente contrário ao emprego dos meios aéreos de forma
independente. Advogava que os aviões eram necessários na
frente de batalha, apoiando as tropas terrestres, e não podiam ser
desperdiçados em ataques na retaguarda do inimigo. Para ele, as
verdadeiras missões da aviação seriam “o apoio de superfície e a
observação”. (Santos, 1989, p. 30).

As lideranças da Marinha dos EUA não pensavam


diferentemente. Mesmo diante do sucesso da demonstração de
Mitchell, ao afundar o Ostfriedland com bombas lançadas por
aviões, os almirantes norte-americanos permaneceram crentes
no poder do navio encouraçado e desprezaram a eficácia do avião
contra o navio. Após a experiência, um relatório do Chefe do
Estado-Maior do Exército dos EUA chegou a atribuir ao poderio
da aviação o mesmo valor das minas navais, lançadas para
bloquear os portos inimigos.

Isto consta no relatório do resultado das provas de


aviação e tiro de artilharia efetuados durante junho
e julho de 1921 e conclusões a respeito, do Chefe do
Estado-Maior do Exército dos EUA, de 1921 Nessa
oportunidade, ocupava o cargo de Chefe do EME o
mesmo General Pershing que comandara a Força
Expedicionária durante a 1ª Guerra Mundial. Isto está
registrado no Acervo do Museu Aeroespacial da Força
Aérea Brasileira, nos Affonsos, Rio de Janeiro, RJ.

Unidade 6 351
Universidade do Sul de Santa Catarina

No caso da França, a não valorização do Poder Aéreo também


ficou evidente. O pensamento inicial francês foi claramente
materializado pelo General Ferdinand Foch que, depois de
assistir a uma demonstração aérea, declarou que o aeroplano só é
bom ao esporte, sendo inútil ao Exército.

Apesar de possuir numerosas esquadrilhas durante a 1ª Guerra


Mundial, os franceses empregaram seus aviões em estrito apoio
às suas unidades terrestres. Em razão do impasse provocado
pela Guerra de Trincheiras, período no qual a frente de combate
permaneceu estabilizada e a defensiva prevaleceu sobre a ofensiva,
os franceses incorporaram em sua doutrina militar a valorização
das operações defensivas. No período entre as duas guerras
mundiais, a construção da Linha Maginot, rede de fortificações
que tinha por objetivo barrar um novo avanço alemão ao longo
da fronteira francesa, representou verdadeiro culto à defesa e
desconsiderou, em absoluto, sua vulnerabilidade diante do Poder
Aéreo inimigo.

Tais mentalidades de emprego da aviação – tanto a norte-


americana quanto a francesa – refletiriam diretamente na aviação
de guerra brasileira, que, em seus primeiros anos de existência,
incorporaria este paradigma em sua doutrina de emprego,
atuando em apoio às forças terrestres ou navais.

Seção 2 - A aviação de guerra no Brasil


A primeira referência sobre atividades aéreas de emprego militar
no Brasil remonta a meados do século XIX, durante a Guerra da
Tríplice Aliança, no interior do território paraguaio.

Em 20 de novembro de 1866, o Marquês de Caxias havia sido


nomeado comandante das tropas brasileiras no Paraguai. Caxias,
ao assumir seu comando, tomou diversas providências no sentido

352
História Militar Brasileira II

de aumentar o poder de combate do exército, antes de prosseguir


no avanço contra a capital paraguaia. Uma das ações do novo
comandante foi a aquisição de balões de observação para emprego
militar, o que foi providenciado pelo Ministro da Guerra do
Império.

Em maio de 1867, dois balões de observação, procedentes dos


Estados Unidos da América (EUA), chegaram ao Paraguai,
acompanhados por dois aeronautas para operá-los. Nessa
oportunidade, a frente de combate estava estabilizada e as forças
aliadas encontravam-se diante das praças fortificadas paraguaias
de Humaitá e de Curupaiti. Ao redor dessas fortificações, o
terreno era plano e carente de elevações e nele poderiam ser
instalados os postos de observação, dificultando o planejamento
do ataque e a própria condução da batalha. Caxias vislumbrou a
oportunidade para empregar o novo equipamento.

No dia 24 de junho de 1867, ocorreu a primeira ascensão do


balão de observação, o qual permanecia ancorado ao solo e podia
subir a alturas de até 450 metros, permitindo a observação de
longas distâncias. Dando continuidade ao reconhecimento para a
ofensiva aliada, foram realizadas mais doze ascensões e, durante
o ataque, mais oito. Quatro oficiais do Exército Brasileiro
participaram dos trabalhos de observação aérea com uso de
balões, sendo os primeiros militares brasileiros a participarem de
atividade aérea militar.

2.1 - Novas experiências


Com o término da Guerra da Tríplice-Aliança, os
investimentos do governo imperial brasileiro nas forças armadas
foram consideravelmente reduzidos e não houve nenhum
desenvolvimento no campo da observação aérea. Somente
quarenta anos depois, em 1907, foi possível voltar à questão.
Nesse ano, o Exército Brasileiro enviou à França o 1º Tenente
Juventino da Fonseca, com a missão de estudar e adquirir balões
para a implantação de um parque de aerostação.

Unidade 6 353
Universidade do Sul de Santa Catarina

Foram adquiridos quatro balões do mesmo modelo dos


empregados pelo Exército Francês. Quando o Tenente Juventino
retornou ao Brasil, foi preparada uma demonstração do emprego
de balões para autoridades. Durante a ascensão, no entanto, o
cabo que prendia o balão ao solo se rompeu, e o balão, livre,
atingiu a altitude de cerca de mil metros antes de murchar e cair
sobre a Serra do Barata, perdendo a vida o Tenente Juventino.
Este acidente, somado à política da Primeira República,
francamente intencional de não modernizar o Exército, acabou
por extinguir a ideia de um corpo aeronáutico no país.

Em 1914, uma nova tentativa seria feita pelo Exercito Brasileiro,


em prol da criação de um corpo de aviadores, agora já com a
utilização de aeroplanos. Três anos antes, contudo, havia sido
criado o Aero Club Brasileiro, mediante a concessão de um lote
de terra na antiga Fazenda dos Afonsos, agora sob a jurisdição
do Ministério dos Negócios, da Justiça e do Interior, que havia
transformado a antiga fazenda em uma invernada para os cavalos
da polícia do Distrito Federal.

Muitos dos membros da diretoria do Aero Club, no entanto,


estavam em franco processo de oposição ao Governo Federal,
razão pela qual o Exército deu preferência à contratação de uma
firma de origem italiana: a Gino Bucelli e Cia. A escolha da
firma italiana ocasionou uma série de protestos no jornal A Noite,
cujo dono, Irineu Marinho, era membro da diretoria do Aero
Club. Através do jornal, foi levantada a acusação de corrupção na
elaboração do contrato entre a firma e o Ministério da Guerra.

Mesmo com toda a movimentação do Aero Club, a Gino


Bucelli abriu, em 2 de fevereiro de 1914, a Escola Brasileira de
Aviação. De acordo com o ajuste estabelecido com o Ministro,
ficou determinado que o Governo nomearia um oficial
superior do Exército para a fiscalização dos trabalhos e do bom
funcionamento da Escola.

354
História Militar Brasileira II

A oposição do jornal acabou por incompatibilizar o Tenente


Ricardo Kirk, único militar do Exército a possuir o brevê de
piloto, recebido na Escola Farman na França, e instrutor de voo
do Aero Club, com o Ministro da Guerra. A escolha para fiscal
da nova escola recaiu sobre o Tenente Jorge Henrique Moller,
oficial de carreira da Marinha do Brasil, e primeiro militar
brasileiro a possuir um brevê de piloto, também conseguido na
França.

Aproveitando-se da existência de um fiscal oriundo de seus


quadros, alguns oficiais da marinha solicitaram e conseguiram
o ingresso de seus oficias. Entretanto a Escola Brasileira, desde
seu início, apresentava dificuldades que, aliadas ao estado da
aviação mundial – praticamente artesanal –, não favoreciam seu
bom funcionamento. Atritos entre o fiscal e alguns dos alunos, a
falta de entendimento com o Ministério da Guerra e a péssima
logística de manutenção acabou por comprometer o desempenho
da Escola.

Por fim, o acidente com um avião, cuja hélice havia soltado


em voo, escapando o infeliz piloto, por pouco, de morte
certa, decretou o fim das atividades da Escola Brasileira de
Aviação. O contrato estabelecido com o Ministério da Guerra
responsabilizava o Exército pelos acidentes causados por seus
alunos, e obrigava-o a ressarcir todo o material danificado.
Cumprindo as determinações relativas ao seu cargo, Moller
remeteu para o Ministro a lista de peças do avião danificado,
mas recomendou o não pagamento de nenhuma indenização, por
ter sido o acidente ocorrido em virtude da péssima manutenção
praticada na Escola.

Assim, em virtude de sua vida efêmera, a Escola


Brasileira não formou nenhum piloto militar e encerrou
suas atividades em 18 de junho de 1914.

Unidade 6 355
Universidade do Sul de Santa Catarina

2.2 - A Aviação Naval

Figura 6.6 - Um Martim PM da Aviação Naval.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Atenta ao intenso emprego do avião na 1ª Guerra Mundial, a


Marinha do Brasil tratou de implantar seu componente aéreo,
organizando o primeiro núcleo militar de aeronaves. Assim, em
1916, o Presidente Wenceslau Braz criou a Escola de Aviação
Naval com sede na Ilha das Enxadas, na Baía de Guanabara.

A nova escola começou a funcionar com base no modelo da


Marinha dos EUA, empregando, na instrução, três hidroaviões
Curtiss F, de fabricação norte-americana. Nos anos seguintes, a
Aviação Naval recebeu diversos hidroaviões de combate, como
os Curtiss HS-2 e os grandes aerobotes F5L. Com o término da
guerra na Europa, foram recebidas novas aeronaves, dentre as
quais se destacam os:

„„ Curtiss N-9;

„„ Snipe; e,

„„ Avro 504K.

356
História Militar Brasileira II

Com algumas turmas de aviadores formadas, a Marinha


organizou e executou com sucesso um voo de longo alcance. Por
ocasião dos festejos pelo centenário da independência da Bahia,
em 1923, quatro aerobotes F5L fizeram voos de ida e volta no
itinerário Rio – Bahia – Sergipe – Rio, percorrendo 3.000 km.

No ano seguinte, a Escola de Aviação Naval foi transferida


para instalações mais adequadas, passando a ocupar a ponta
do Galeão, na Ilha do Governador. Em 1926, foi organizada a
Diretoria de Aeronáutica da Marinha, sob a chefia de um contra-
almirante. Cinco anos depois, a Aviação Naval foi consolidada,
com a criação do Corpo de Aviação da Marinha, contendo um
quadro permanente de oficiais aviadores navais.

As décadas que se seguiram à criação da Aviação Naval foram


intensamente conturbadas para a mesma. Dois aspectos
atrasaram o desenvolvimento da aviação da Marinha:

„„ a mentalidade do Almirantado, influenciada pelo


pensamento da Marinha norte-americana; e,

„„ o posicionamento político,

os quais acabaram por obstar o desenvolvimento que se


apresentou por um efêmero momento na criação da aviação da
Marinha de Guerra.

Em função do primeiro aspecto, nos anos que se seguiram


ao fim da 1ª Guerra Mundial, ainda não havia na Marinha
uma preocupação efetiva com o fator “aviação de bombardeio”.
Entre 1916 e 1927, de um total de 117 aeronaves de diversos
tipos e empregos, apenas duas tinham função específica para
bombardeio. Algo nada fora do normal, quando se remonta ao
fato de que as experiências de Billy Mitchel, bombardeando com
seus aviões navios apreendidos aos alemães após o Armistício de
1918, foram encaradas com indiferença pela Junta da Marinha
norte-americana

Por outro lado, as agitações políticas no Brasil dos anos


vinte criaram dificuldades devido ao envolvimento de alguns
militares da Aviação Naval nos movimentos contra o Governo.

Unidade 6 357
Universidade do Sul de Santa Catarina

Embora a Marinha tenha permanecido, de uma maneira geral,


aparentemente neutra nesses movimentos políticos, sendo
inclusive pró-governo em alguns deles, a participação do
Capitão de Fragata Protógenes Guimarães no movimento de
Um dos propulsores da Aviação 1924 ocasionou a passagem do Centro de Aviação Naval para a
Naval e comandante da Escola. subordinação direta ao Estado-Maior da Armada, causando uma
nítida parada no desenvolvimento da aviação.

Mesmo com o restabelecimento da Diretoria de Aeronáutica e


com a criação do Corpo de Oficiais da Reserva Naval Aérea na
tentativa de ampliar o número de pilotos formados, a Aviação
Naval continuou em situação precária até o início dos anos trinta,
quando passou por novo surto de crescimento.

Equipando e modernizando as forças armadas, subordinadas


diretamente ao Presidente da República em detrimento das
polícias estaduais, Getúlio Vargas favoreceu a reestruturação
da Aviação Naval. Quase duas décadas depois de sua criação, a
Marinha criou uma estrutura de quadro para o pessoal ligado à
aviação.

Em janeiro de 1931, depois de cruzarem todo o Atlântico,


partindo de Roma em um voo épico, chegaram ao Brasil onze
hidroaviões Savoia-Marchetti S.55, comandados pelo General
Ítalo Balbo, Ministro da Aeronáutica da Itália. Tais aeronaves
foram adquiridas em troca de café e distribuídas à Aviação Naval.
Em julho do mesmo ano, os S.55, já incorporados à Marinha,
participaram de um voo de ida e volta a Montevidéu e Buenos
Aires, durante as comemorações da independência dos dois
países vizinhos.

Em março de 1933, foi organizada a Defesa Aérea do Litoral,


composta por cinco setores aéreos com sede nas seguintes cidades:

„„ Belém;

„„ Natal;

„„ Rio de Janeiro;

„„ Florianópolis; e,

„„ Ladário.

358
História Militar Brasileira II

A Marinha expandiu seu acervo de aeronaves com aquisições nos


EUA de Vought Corsairs, North-Americans e Boeings.

2.3 - A Aviação Militar


O desenvolvimento da aviação no Exército, denominada Aviação
Militar, sofreu uma defasagem em relação à Marinha, e somente
se concretizou após o término da 1ª Guerra Mundial, sob a
orientação da Missão Militar Francesa.

O conflito na Europa fez acender no Brasil o debate sobre a


defasagem do Exército Brasileiro em relação aos modernos
exércitos europeus e levantou-se a ideia de se contratar uma
missão militar de instrução. As discussões extrapolaram o
meio militar e chegaram à Câmara dos Deputados, onde houve
discursos acalorados entre os que apoiavam a contratação e os que
acreditavam que uma missão estrangeira acarretaria a perda da
soberania nacional.

No dia 17 de julho de 1918, o Deputado Maurício Lacerda


discursou na Câmara, apresentando argumentos a favor da
criação da aviação no Exército e da contratação de uma missão de
instrutores estrangeiros para a formação dos quadros:

A Aviação compreende não só o ensino da pilotagem,


que é ofício de verdadeiro chofer, como compreende,
militarmente, o manejo de aeroplanos na guerra,
aparelhos que servem de observador, de esclarecedor,
para bombardeio, de sorte que se tem de começar por
ensinar pilotos, depois de formados estes, ensinar aviação,
propriamente dita, e depois aviação militar.
[...] Mas todas essas escolas exigem um corpo de
instrutores, de professores e, sobretudo, mais do que isto,
exige um mecânico e uma oficina de reparos, porque o
aluno quebra o aparelho, é a tendência natural. [...]
Vê, V.Exª., Sr. Presidente, que o ensino da Aviação, tão
rápido na Europa, entre nós não poderá ser ministrado,
no Exército, senão quando vier essa missão [...] Considere
que a Argentina tem um número de pilotos tão avultado
que, citar o nosso, seria verdadeiramente vergonhoso,
porque temos apenas um ou outro brasileiro brevetado na
Europa [...]

Unidade 6 359
Universidade do Sul de Santa Catarina

Imagine-se o que vai fazer uma Artilharia sem Aviação,


um Exército sem Aviação, em um país vizinho de outros
em que esta Arma está consideravelmente desenvolvida.
Este fato prova o tempo que temos perdido [...]. (Bastos
Filho, 1983, p. 51).

Argumentava o deputado que enviar uns poucos oficiais ao


exterior para realizarem o curso de piloto traria um custo
semelhante ou maior do que contratar uma missão militar para
formar, no Brasil, diversos pilotos militares.

Vencidas as resistências à contratação de missão estrangeira,


o governo brasileiro decidiu contratar uma missão militar na
França. A escolha pelos franceses decorreu de sua vitoriosa
participação na 1ª Guerra Mundial e dos laços culturais
existentes entre Brasil e França a partir do início do século XX.
A chegada de militares franceses para instruírem o Exército
Brasileiro teve início justamente pelos de aviação. Antes mesmo
do término da Grande Guerra, o Brasil solicitou oficialmente ao
governo da França a vinda de uma Missão Militar de Aviação.

Fato interessante: a primeira Missão Militar Francesa


funcionou no Brasil entre 1906 e 1924, com intervalo
durante a 1ª Guerra Mundial, mas esta foi contratada
para qualificar a Força Pública de São Paulo, e não o
Exército Brasileiro.

Com a chegada da Missão Militar Francesa de Aviação, chefiada


A Missão Militar Francesa de Avia- pelo Capitão Etienne Magnin, em 10 de julho de 1919, foi criada a
ção também ficou conhecida como Escola de Aviação Militar, com sede no Campo dos Afonsos, local
“A Pequena Missão”, para distingui- onde funcionara a Escola Brasileira de Aviação. Para a instrução,
la da missão maior que viria ao Bra-
foram adquiridos aviões franceses excedentes da 1ª Guerra
sil no ano seguinte, sob a direção do
General Maurice Gamelin. Mundial, que chegaram ao Brasil em 1919 e 1920.

No início de 1920, formou-se na escola a primeira turma de


aviadores militares do Exército Brasileiro, recebendo o brevê de
piloto doze oficiais. A partir da segunda turma, passaram a ser
formados sargentos e cabos pilotos. Uma nova turma de pilotos
graduou-se em 1921. Nesse mesmo ano, foi criado o curso de
observador aéreo.

360
História Militar Brasileira II

No início de 1922, a Escola de Aviação Militar ampliou a área


de suas instalações com a aquisição de terreno vizinho, o qual
pertencia à Polícia Militar do Distrito Federal. Em julho desse
mesmo ano, foi criado o Grupo de Aviação do Sul, constituído
por uma esquadrilha de bombardeio, uma esquadrilha de caça e
uma companhia provisória de parque de aviação, todas sediadas
em Santa Maria - RS. Uma quarta esquadrilha do Grupo – a 3ª
de Observação – ficou baseada em Alegrete, no mesmo estado do
Rio Grande do Sul.

Em função da participação de aviadores militares em


movimentos revoltosos, as atividades aéreas foram suspensas pelo
governo entre 1924 e 1926, gerando certa estagnação na Aviação
Militar. A Missão Militar Francesa principal absorveu a Missão
Militar de Aviação e, com o término da gestão do General
Gamelin, foram encerradas as atividades da Pequena Missão no
Brasil.

Até 1927, o Exército Brasileiro possuía quatro Armas:

„„ Infantaria;

„„ Cavalaria;

„„ Artilharia; e,

„„ Engenharia.

Ser piloto ou observador aéreo era uma especialização,


permanecendo os aviadores nos quadros de suas Armas de
origem. Em 13 de janeiro deste ano, por iniciativa do Senador
Carlos Cavalcanti, foi sancionada pelo Presidente Washington
Luiz a Lei nº 5.168 criando a Arma de Aviação do Exército.
Assim, a Aviação Militar passou a ser a 5ª Arma do Exército,
estruturada no mesmo patamar das demais existentes, um antigo
anseio dos aviadores.

A elevação da Aviação Militar à condição de Arma trouxe,


como desdobramento, a criação da Diretoria de Aviação Militar,
subordinada ao Estado-Maior do Exército (EME) e comandada
por oficial-general. Foram fixados os efetivos para o Quadro de

Unidade 6 361
Universidade do Sul de Santa Catarina

Oficiais de Aviação, que incluía a transferência para a Arma de


Aviação de todos os oficiais que já possuíam os cursos de piloto
militar ou observador aéreo e dos capitães e tenentes de outras
Armas que fossem aprovados no Curso Provisório de Aviação.
Também foi prevista a formação de aviadores militares na Escola
Militar. A lei disponibilizava, ainda, expressivos recursos para
reorganizar e reequipar a Arma de Aviação num prazo de cinco
anos.

Com a chegada de mais aviões, quase todos de fabricação


francesa, foi contratada nova Missão Militar Francesa de
Aviação, desta feita chefiada pelo Tenente-Coronel Henri
Jeauneaud, composta por instrutores de:

„„ pilotagem;

„„ tática geral;

„„ tática aérea;

„„ técnica de aviação;

„„ navegação aérea;

„„ tiro e bombardeio;

„„ além de pessoal especializado de manutenção.

O contrato com a missão tinha vigência até 1932, porém, após a


Revolução de 1930, a Missão Militar de Aviação encerrou seus
trabalhos e retornou à França, permanecendo no Brasil somente
um oficial de ligação junto ao Estado-Maior do Exército.

Com o encerramento das atividades de instrução francesas, o


Exército Brasileiro adquiriu alguns aviões de fabricação norte-
americana e britânica, dos modelos:

„„ Waco CSO;

„„ Waco F;

„„ Waco CTO;

362
História Militar Brasileira II

„„ Boeings;

„„ Vought;

„„ e, De Havilland Moth.

Em novembro de 1930, consolidada a Revolução, foi criado o


Destacamento de Aviação de São Paulo, com sede no Campo
de Marte, equipado com três aviões Potez 25 TOE. No ano
seguinte, foi criada a primeira unidade aérea depois da criação
da Arma de Aviação: o Grupo Misto de Aviação com sede
no Campo dos Afonsos. A partir de 1933, a Aviação Militar
começou a se articular por todo o território nacional, tendo sido
criados regimentos de aviação no Rio de Janeiro, Porto Alegre e
Curitiba, além de outras unidades de apoio.

Entre 1937 e 1940, foi adquirida mais de uma centena de


novas aeronaves, procedentes dos EUA, Grã-Bretanha e Itália.
Vinte treinadores Muniz M-7, de fabricação nacional, foram
encomendados para equipar a Escola de Aviação Militar.

Uma extensa ampliação da Aviação Militar ocorreu no final de


1939. Além das unidades existentes, foram criados núcleos de
regimentos de aviação em São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza
e Belém. Cada regimento comportava, ainda, um corpo de base
aérea. Em Campo Grande, sem ter um regimento associado, foi
criado o 8º Corpo de Base Aérea.

Tais unidades constituíram-se em embriões das atuais


bases aéreas brasileiras.

No final de sua existência, a Aviação Militar recebeu mais


uma missão de instrução, desta vez norte-americana. A missão
funcionou no Campo dos Afonsos, em 1940 e 1941, onde
instruiu aviadores militares nos procedimentos de voo por
instrumentos.

Unidade 6 363
Universidade do Sul de Santa Catarina

2.4 - Aviação da Força Pública de São Paulo


Além do Exército Brasileiro e da Marinha do Brasil, outra
instituição desenvolveu sua aviação própria no início do século
XX, para emprego militar: a Força Pública de São Paulo (FPSP).
A Aviação da FPSP foi criada em 1913, pelo presidente do
Estado Francisco de Paula Rodrigues Alves, que havia sido
embaixador na Inglaterra, onde verificou o potencial da aviação.
Por isso, criou esta escola, localizada no campo de aviação de
Guapira, sob a responsabilidade dos aviadores civis Edu Chaves e
Cícero Marques, ambos brevetados na França.

Orientada por uma missão militar contratada na França, a FPSP


atingiu um poderio semelhante a um pequeno exército e chegou
a possuir veículos blindados, aviação e artilharia. Entre 1921
e 1925, a Aviação da FPSP sofreu um período de estagnação,
depois uma sequência de acidentes com perdas humanas e
materiais. A partir de 1925, contudo, o componente aéreo
paulista recebeu grande impulso, com a criação de novos cursos
de aviadores e com a organização da Esquadrilha da FPSP, seu
componente operacional.

Para orientar a instrução aérea, foi contratado o norte-americano


Paul Orton W. Hoover, notório aviador, que fora instrutor da
Aviação Naval e da própria escola da Força Pública, a qual deixara
para servir à sua pátria durante a 1ª Guerra Mundial.

Com novas aeronaves e pilotos, a Aviação da FPSP operou em


apoio ao Exército em Goiás, em 1926, integrando a Brigada
Mista nas ações contra a coluna revoltosa do General Miguel
Costa. Durante esta campanha, a FPSP construiu diversos
campos de aviação auxiliares no interior do estado, os quais
seriam empregados pelos constitucionalistas em 1932. Foram
eles:

„„ Itapetininga;

364
História Militar Brasileira II

„„ Sorocaba;

„„ Lorena;

„„ Campinas, dentre outros.

O ano de 1930 marcou o fim da aviação da milícia paulista.


Durante a Revolução, a FPSP alinhou-se aos legalistas e
combateu as forças revolucionárias de Getúlio Vargas, o que
gerou inevitável retaliação por parte do Governo Provisório.
Assim, em dezembro do mesmo ano, o boletim da Inspetoria
Geral publicou o fim da Aviação da FPSP:

Em virtude de escapar à finalidade desta Força e devendo a


aviação ser um elemento do Exército, é dissolvida nesta data a
Escola de Aviação, cujo material deverá ser entregue ao Governo
Federal. (In BRASIL. Arquivo Biblioteca Nacional. Boletim da
Inspetoria Geral nº 29, de 18 de dezembro de 1930.)

Como já ocorrera com o material de artilharia e com boa parte do


armamento leve que se encontrava em depósitos paulistas, todo o
acervo da Aviação da FPSP foi recolhido, incorporado ao Exército
e transferido para o Rio de Janeiro.

2.5 - A aviação nos movimentos revolucionários


A primeira vez que um avião foi empregado em operações
militares ocorreu antes mesmo de ser criada a Escola de Aviação
Militar, no ano de 1915, durante a Campanha do Contestado,
no sul do país. Por solicitação do comandante das tropas
governamentais, General Fernando Setembrino de Carvalho,
o Ministério da Guerra designou o 1º Tenente Ricardo Kirk e
o aviador civil Ernesto Darioli, este contratado pelo Governo
Federal, para cumprirem missões aéreas na região do Contestado.

Unidade 6 365
Universidade do Sul de Santa Catarina

Voltamos a mostrar a figura presente na unidade 2 de nosso livro, aqui


com o intuito de mostrar as origens da aviação militar:

Figura 6.7 - Oficiais do Exército em frente a uma aeronave no Contestado.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Kirk e Darioli partiram do Rio de Janeiro por via férrea, no dia


19 de setembro de 1914, conduzindo, na mesma composição,
quatro aeronaves Morane-Saulnier e um Blériot, desmontados.
Em razão das fagulhas procedentes da locomotiva e do
armazenamento inadequado das aeronaves nos vagões, um
Morane e o Bleriot incendiaram-se e tiveram perda total. Ao
chegar à região de operações, o Tenente Kirk coordenou a
construção de hangares e da infraestrutura necessária para operar
os aviões na cidade de Porto União.

No ano seguinte, Kirk e Darioli retornaram ao Rio de Janeiro


no intuito de obterem granadas de artilharia de 105 mm, que
seriam improvisadas no bombardeio aéreo, além de arregimentar
um mecânico para os aviões. Ao retornarem para Porto União, as
missões aéreas tiveram início.

Depois de uma primeira missão de reconhecimento, malsucedida


devido à inexperiência, foi marcada uma missão de bombardeio
para o dia 1º de março, com a participação dos dois aviadores.
Minutos após a decolagem, Dariole constatou uma pane em sua
aeronave e decidiu retornar à base. O Tenente Kirk, porém, não

366
História Militar Brasileira II

retornaria, pois, antes de alcançar seu alvo, o Morane-Saulnier


que pilotava caiu perto da estrada Palmas – Gomes Carneiro,
perdendo a vida o primeiro aviador do Exército Brasileiro.

Embora sob a influência da Missão Militar Francesa, que


pregava uma total desvinculação dos militares da política,
representada sob o lema do “grande mudo”, a Aviação Militar
brasileira envolveu-se, direta ou indiretamente, nos movimentos
contestatórios ao governo oligárquico. Nas três primeiras décadas
do século XX, a República Brasileira passou por agitações de
cunho político, em que as intervenções militares foram uma
constante. Tal interferência acabou por gerar, nos governos de
origem civil, uma tendência que, de certa forma, explicam o
descaso com que trataram as instituições militares.

As condições de alojamento da tropa, o total


despreparo e a falta de uma representatividade mais
eficaz no governo foram fatores que originaram os
movimentos militares contestatórios do período.

No tocante às condições materiais do Exército, após as tentativas


de modernização do período do Marechal Hermes da Fonseca
na pasta do Ministério da Guerra, houve novamente uma
estagnação, que foi sentida de maneira dolorosa durante a
Campanha do Contestado.

Na década de 1920, a gestão de Pandiá Calógeras na pasta da


Guerra trouxe novo fôlego de modernização ao Exército. Na
Marinha de Guerra, as chamadas “reformas Alexandrinas”
procuraram a seu termo uma melhor adaptação da esquadra às
conjunturas mundiais.

A jovem oficialidade ansiava por uma renovação política


e técnica. No primeiro caso, a saída encontrada foi o
desencadeamento de revoltas armadas. No segundo, a aglutinação
em torno da tecnologia e, neste ponto, o aeroplano apresentava-se
como um dos mais importantes desenvolvimentos tecnológicos.
Eis a razão pela qual a Aviação Militar esteve envolvida, direta
ou indiretamente, com os movimentos revolucionários de 1922,
1924, 1930 e 1932.

Unidade 6 367
Universidade do Sul de Santa Catarina

A aviação foi novamente utilizada por ocasião da Revolução de


1922, durante o Movimento Tenentista, quando dois aviões da
Aviação Naval bombardearam o Forte de Copacabana, fazendo
com que os revoltosos se dispersassem. Entre os revoltosos,
havia diversos aviadores militares, inclusive o Tenente Eduardo
Gomes, o que levou o governo a suspender as atividades aéreas da
Escola de Aviação Militar e ocupar suas instalações com tropas
leais ao Presidente da República.

A rotina da escola somente voltou à normalidade em


setembro de 1922.

Dois anos depois, a insatisfação dos jovens oficiais prosseguia


intensa, culminando em novo levante na cidade de São
Paulo, onde a aviação também desempenharia seu papel.
Sob a orientação do Tenente Eduardo Gomes, os revoltosos
também operaram uma diminuta aviação, cumprindo missões
de lançamento de panfletos e observação. Alguns militares
da Escola de Aviação Naval foram detidos, dentre os quais o
Capitão de Fragata Protógenes Guimarães, comandante da
Escola de Aviação Naval.

Em 1930, a participação da aviação foi bastante discreta e


limitada. Os aviões foram empregados tanto pelos legalistas
quanto pelos revolucionários, principalmente em ações
psicológicas, lançando panfletos e realizando manobras
ameaçadoras sobre tropas adversárias. De uma maneira geral,
os aviadores do exército aderiram em grande quantidade ao
movimento revolucionário.

Em Belo Horizonte, uma aeronave atacou tropas da


Força Pública de Minas Gerais que cercavam o quartel
do 12º Regimento de Infantaria, lançando três bombas
que não causaram baixas.

368
História Militar Brasileira II

Veja, abaixo, a imagem de um Potez do Exército, em 1930:

Figura 6.8 - Potez do Exército na década de 1930.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, desencadeada


em São Paulo, a Aviação desempenhou papel de relevo. Embora
alguns pilotos tenham aderido, a maioria dos integrantes da
Aviação Militar e a totalidade da Aviação Naval permaneceram
leais ao Governo Provisório de Vargas.

Nesta revolta, as aviações do Exército e da Marinha tiveram


importância marcante, cumprindo missões de:

„„ ataque;

„„ observação;

„„ condução do tiro de artilharia;

„„ propaganda;

„„ bombardeio;

„„ busca e salvamento; e,

„„ ligação.

Unidade 6 369
Universidade do Sul de Santa Catarina

Apesar de não dispor de aeronaves em quantidade suficiente, a


aviação rebelde conseguiu algum sucesso, realizando observação
do campo de batalha e atuando contra a aviação legalista,
chegando a abater um avião em combate aéreo e a destruir outros
no solo.

No conflito, foi registrada, pela primeira vez na América Latina,


uma série de eventos ligados à aviação de guerra, tais como:

„„ combate aéreo travado com aeronave abatida;

„„ avião abatido por arma antiaérea;

„„ ataque de bombardeio noturno;

„„ ataque de aviação contra navio; e,

„„ avião abatido por armamento antiaéreo de navio.

Além disso, em uma das frentes de combate, operou pela


primeira vez uma unidade aérea mista, englobando pessoal e
material da Marinha e do Exército.

Tal união seria confirmada nove anos depois, com a


criação do Ministério da Aeronáutica e da Força Aérea
Brasileira.

2.6 - A criação do Ministério da Aeronáutica


Em 20 de janeiro de 1941, surgiu uma nova Força Armada no
Brasil, a Força Aérea Brasileira (FAB), produto da união entre a
Aviação Naval e a Aviação Militar. Juntamente com a FAB, foi
organizado o Ministério da Aeronáutica. O desejo de unificar
todos os meios aeronáuticos existentes no país, no entanto,
surgira mais de dez anos antes.

370
História Militar Brasileira II

Já em 1928, o Major Lysias Rodrigues, aviador militar, publicou


uma série de artigos no periódico O Jornal, defendendo a ideia da
criação de um Ministério do Ar, nos moldes do que havia sido
recentemente criado na França, contudo não foram suficientes
para atingir seu objetivo.

A partir de 1934, no entanto, foi desencadeada


uma campanha de abrangência nacional, que ficou
conhecida como “a campanha pelo Ministério do
Ar”. Em julho desse ano, três oficiais aviadores – dois
da Marinha e um do Exército – foram designados
para realizarem estágio junto ao Ministério do Ar
italiano, os quais, ao retornarem, começaram a
debater publicamente a ideia de criação de organismo
semelhante no Brasil.

O fato mais significativo da campanha foi a realização de uma


palestra com o tema “Política Aérea Brasileira”, em 1935, na
sede do Clube Militar, pelo Capitão Antônio Alves Cabral. Na
plateia encontravam-se diversos oficiais-generais do Exército
Brasileiro, incluindo o General Pedro Aurélio de Goes Monteiro,
Ministro da Guerra. A conferência teve grande repercussão, e
o General Goes Monteiro emitiu um parecer favorável às ideias
defendidas pelo capitão.

Com o prosseguimento da campanha e após novos debates


públicos por intermédio da imprensa, o Presidente Getúlio
Vargas sancionou o Decreto-Lei nº 2.961 no início de 1941,
criando o almejado Ministério da Aeronáutica. Escolheu para
ocupar a pasta, evitando disputas entre as duas forças que deram
origem ao ministério, um civil: Joaquim Pedro Salgado Filho.

2.7 - A Força Aérea Brasileira na 2ª Guerra Mundial


Em 1º de setembro de 1939, as forças alemãs de Adolf Hitler
invadiram a Polônia dando início à 2ª Guerra Mundial. Embora
tivesse sido criada em 1941, apesar da carência de meios e da
necessidade de organização inicial, a FAB participou ativamente

Unidade 6 371
Universidade do Sul de Santa Catarina

do conflito, realizando a patrulha antissubmarino no Atlântico


Sul e enviando duas unidades aéreas para combater na Itália:

„„ o 1º Grupo de Aviação de Caça; e,

„„ a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação.

A guerra submarina, desencadeada pelos alemães contra a


navegação mercante no Atlântico Norte, foi-se aproximando
do litoral brasileiro, gradualmente. Entre 1939 e 1940, não
houve torpedeamento de navios junto à costa do Brasil, mas,
em 1941, houve três torpedeamentos de navios de nacionalidade
estrangeira, embora tivessem sido registrados a mais de 400
quilômetros do litoral.

Com o ingresso dos EUA na guerra, em dezembro de 1941,


a campanha submarina no Oceano Atlântico expandiu-se
rapidamente, e os alemães passaram a atacar navios mercantes nas
águas territoriais norte-americanas, ao longo de sua costa leste
e no mar das Caraíbas. Com o afundamento de diversos navios
brasileiros, torpedeados por submarinos alemães e italianos
próximo ao nosso litoral, o Brasil rompeu relações diplomáticas
e declarou o estado de beligerância contra as potências do Eixo
Alemanha, Itália e Japão no mês de agosto de 1942.

Por ocasião da declaração de guerra, a FAB não se encontrava


preparada para realizar ações de combate. Com pouco mais
de um ano de existência, a nova força carecia de aeronaves
adequadas ao combate aos submarinos, bases aéreas e, acima
de tudo, pilotos com experiência de combate. Com o auxílio
da Força Aérea do Exército dos EUA e da Marinha dos EUA
– os norte-americanos ainda não possuíam uma força aérea
independente –, a FAB começou sua preparação para a guerra.
Foram construídas grandes bases aéreas em diversas cidades
do nordeste brasileiro, visando à operação das unidades que
realizariam a patrulha antissubmarino. Assim, foram ativadas
bases aéreas:

„„ no Recife;

„„ em Natal;

372
História Militar Brasileira II

„„ no Amapá;

„„ em Belém;

„„ em São Luís;

„„ em Fortaleza;

„„ em Natal;

„„ em Maceió;

„„ em Salvador; e,

„„ em Caravelas.

Além dessas providências, foi realizado um amplo programa de


formação e treinamento de aviadores e do pessoal de apoio para
capacitá-los a operar as novas aeronaves que seriam empregadas
nas missões de patrulha. Para dar conta de suas novas tarefas, a
FAB recebeu dezenas de aeronaves procedentes dos EUA:

„„ P-36;

„„ B-18;

„„ B-25 Mitchell;

„„ A-28 Hudson;

„„ PBY-5 Catalinas;

„„ PV-1 Venturas, dentre outros modelos.

Operando subordinadas à 4ª Esquadra da Marinha dos EUA e


juntamente com esquadrões aeronavais daquele país, as unidades
da FAB baseadas no litoral nordestino realizaram, entre 1943 e
1944, dezenas de patrulhas para proteger a navegação costeira
no litoral do Brasil. Também desencadearam, por diversas vezes,
ataques a submarinos inimigos localizados em sua zona de ação.

Unidade 6 373
Universidade do Sul de Santa Catarina

Na manhã de 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199


Embarcação moderna de 1.200 foi localizado a 60 milhas da barra da Baía de Guanabara.
toneladas do Tipo IX D2. Acionados os meios de defesa, um A-28 Hudson e um PBY-5
Catalina da FAB, pertencentes ao Grupo de Patrulha sediado
na Base Aérea do Galeão, atacaram e afundaram a embarcação
inimiga, da qual restaram apenas doze sobreviventes, inclusive
seu comandante, o Capitão-tenente Hans Werner Kraus.

Com a capacitação das tripulações brasileiras na Unidade


USBATU – United States-Brazil Aérea de Treinamento EUA-Brasil, que funcionou na Base
Air Training Unit. Aérea de Natal, e com o recebimento de aviões de combate mais
modernos, como o PV-1 Venturas, os esquadrões de patrulha
e bombardeio da Marinha dos EUA foram gradativamente
substituídos por unidades aéreas correspondentes, até a FAB
assumir integralmente a defesa aérea do Nordeste do Brasil.

No final de 1943, comprometido com a luta contra o nazismo


na Europa, o governo brasileiro resolveu enviar um corpo de
exército para auxiliar no esforço de guerra Aliado. Embora fosse
inicialmente previsto um corpo de exército, somente uma divisão
de infantaria foi enviada para combater na Itália: a 1ª Divisão de
Infantaria Expedicionária. Deixando de lado as dificuldades de
organização da nova FAB, o Ministro da Aeronáutica, Salgado
Filho, decidiu que também mandaria um contingente para lutar
na Europa. Foi decidido que, inicialmente, seria organizado
e treinado um Grupo de Caça. Além disso, a FAB forneceria
as aeronaves e os pilotos que comporiam a esquadrilha de
observação orgânica da divisão de infantaria do Exército.

No dia 18 de dezembro de 1943, foi criado o 1º Grupo de


Aviação de Caça (1º GAvCa). Os oficiais que desempenhariam
funções de comando na nova unidade – incluindo seu
comandante, Tenente-coronel Aviador Nero Moura – foram
enviados aos EUA para realizarem cursos de adaptação ao
caça Curtiss P-40. Os demais integrantes do Grupo receberam
treinamento em Água Dulce, no Panamá; e na Flórida, nos
EUA. Durante as últimas semanas do treinamento em Água

374
História Militar Brasileira II

Dulce, o 1º GAvCa participou da defesa aérea do Canal do


Panamá, já como uma unidade tática completa, mantendo de
prontidão uma das suas esquadrilhas.

Depois de novo treinamento em Long Island, EUA, onde seus


integrantes realizaram a adaptação ao caça-bombardeiro P-47
Thunderbolt, a aeronave que seria empregada em combate, o 1º
GAvCa partiu para a Itália. O Thunderbolt dispunha de um
motor de 2.000 HP, oito metralhadoras .50, com uma cadência
de 7.200 tiros por minuto, podendo levar foguetes e bombas
de até 1.000 libras em cada asa. Dependendo da configuração
empregada, o P-47 ultrapassava o peso de um avião de transporte
Douglas C-47.

Segue imagem do P-47:

Figura 6.9 - P-47 da FAB na base de Pisa, Itália.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

O desembarque do 1º GAvCa deu-se no porto de Livorno,


em 6 de outubro de 1944, sendo todo o efetivo imediatamente
transferido para a Base Aérea de Tarquínia. O Grupo de Caça
passou, então, a integrar o 350º Grupo de Caça da Força Aérea
do Exército dos EUA (USAAF).

Unidade 6 375
Universidade do Sul de Santa Catarina

Vejamos mais uma imagem, agora dos pilotos da FAB, durante um


“ briefing”:

Figura 6.10 - Pilotos da FAB na Itália.


Fonte: Arquivo Histórico do Exército.

Ao Grupo de Caça foi designado o código rádio de


JAMBOCK. Segundo pesquisa realizada pelo Major-
Brigadeiro Rui Moreira Lima, também piloto do Grupo
na Itália e autor da obra “Senta a Pua!”, este nome é
oriundo da África do Sul e designa um tipo de chicote
confeccionado com o couro do rinoceronte. Entretanto
a famosa gíria “Senta a Pua!”, tradicional no nordeste
do Brasil naqueles tempos, se incorporou naturalmente
aos homens do Grupo de Caça. Passou a ser o grito de
guerra da unidade até os dias de hoje. Leia mais sobre
isso em: MOREIRA LIMA, Rui Barbosa. Senta a Pua!. Rio
de Janeiro: BibliEx, 1980.

Em 4 de dezembro de 1944, a unidade brasileira foi transferida


para a Base Aérea de San Giusto, em Pisa, a 200 km ao norte de
Tarquínia e bem mais próximo das linhas inimigas no norte da
Itália. Em momento algum o Grupo de Caça deixou de operar
durante essa transferência. Os aviões decolavam de Tarquínia
para as missões de ataque e já pousavam na nova base em Pisa.

376
História Militar Brasileira II

O auge das missões ocorreu no dia 22 de abril de 1945,


data em que é comemorado o “Dia da Aviação de
Caça” na FAB.

Somente neste dia foram realizadas 11 missões, de 44 surtidas,


com apenas 22 pilotos. Vale ressaltar que, durante toda a
campanha da Itália, o 1º Grupo de Aviação de Caça jamais
recebeu qualquer piloto para substituir aqueles que ultrapassavam
a média de 60 missões. Já os pilotos norte-americanos, após
realizarem a 35ª missão, regressavam aos EUA para um descanso
obrigatório.

A guerra na Itália terminou em 2 de maio de 1945. O Grupo de


Caça, no período em que ali permaneceu, teve 22 baixas:

„„ cinco pilotos foram mortos, vitimados pela artilharia


antiaérea;

„„ oito tiveram seus aviões abatidos e saltaram de


paraquedas sobre o território inimigo, sendo que três
deles foram aprisionados em campos de concentração
alemães e libertados pelos aliados ao final da guerra;

„„ seis foram afastados de voo por indicação médica, devido


a esgotamento físico; e,

„„ três faleceram em acidentes de aviação.

Terminada a guerra na Itália, o 1º Grupo de Caça ainda lá


permaneceu dois meses, aguardando transporte marítimo para
o regresso. As operações de guerra foram encerradas e a grande
maioria do pessoal do 1º GAvCa foi embarcada no navio
transporte americano USS General Meighs, no porto de Nápoles,
no dia 6 de julho de 1945. Chegaram ao Brasil, no cais da Praça
Mauá, Rio de Janeiro, em 18 de julho.

Dezenove P-47 Tthunderbolt, liderados pelo Tenente-Coronel-


Aviador Nero Moura, foram transladados de Kelly Field, Texas,
para o Brasil e incorporados à FAB. Estes aviões faziam parte de

Unidade 6 377
Universidade do Sul de Santa Catarina

um estoque existente nos USA, que seria enviado para a Itália, a


fim de recompletar as perdas em combate. Realizaram diversas
passagens aéreas sobre o Rio de Janeiro, antes de pousarem no
Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, no dia 16 de julho de 1945.

O Grupo de Caça Brasileiro executou na Itália 445 missões, com


um total de 2.546 saídas de aviões e de 5.465 horas de voo em
operações de guerra. Suas aeronaves destruíram:

„„ 1.304 viaturas motorizadas;

„„ 250 vagões de estrada de ferro:

„„ 8 carros blindados;

„„ 25 pontes de estrada de ferro e de rodagem; e,

„„ 31 depósitos de combustível e de munição.

De acordo com um Extrato de relatório do 350º Grupo


de Caça da USAAF: “Durante o período de 6 a 29 de
abril de 1945, o Grupo de Caça Brasileiro voou 5% das
saídas executadas pelo XXII Comando Aerotático e, no
entanto, dos resultados obtidos por este Comando,
foram oficialmente atribuídos aos brasileiros 15% dos
veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36%
dos depósitos de combustível danificados e 85% dos
depósitos de munição danificados.”

Além do Grupo de Caça, a FAB participou da composição da


Força Expedicionária Brasileira, com um pequeno contingente
de 30 homens que integraram a 1ª Esquadrilha de Ligação e
Observação (1ª ELO), pertencente à Artilharia Divisionária e
destinada aos trabalhos de observação do tiro de artilharia, de
observação do campo de batalha e às missões de ligação. Os
pilotos e o pessoal de manutenção dos aviões pertenciam aos
quadros da FAB, enquanto os Observadores Aéreos eram oficiais
do Exército, da Arma de Artilharia.

378
História Militar Brasileira II

Para cumprir suas missões, a esquadrilha operou com nove aviões


L-4 Piper Cub, com motor de 65 HP, equipados com rádio,
mas desprovidos de armamento. Durante a guerra, a lª ELO
totalizou 1.654 horas de voo, cumprindo 682 missões de guerra
e mais de 400 regulações de tiro de Artilharia. Cada piloto
executou de 70 a 95 missões de guerra. Os Observadores Aéreos
que trabalharam na 1ª ELO fizeram, em média, 60 missões de
combate cada um.

O fato de a FAB ter que se organizar ao mesmo tempo em que


participava da guerra terminou por fortalecê-la. Em sua primeira
experiência de guerra fora do território brasileiro, combateram,
na Itália, duas unidades aéreas – o 1º GAvCa e a 1ª ELO – além
das diversas que participaram da defesa do litoral e da proteção
à navegação marítima. As novas bases construídas para a guerra
permitiram consolidar o poder aéreo brasileiro e a integração nas
regiões Norte e Nordeste do Brasil, antes acessíveis somente por
via marítima.

O contato com táticas de combate modernas e o emprego de


aeronaves de elevado desempenho – como o P-47 Thunderbolt
– forjaram uma geração de aviadores experimentados que, na
década seguinte, organizou a aviação de caça e introduziu a FAB
na era do avião a jato.

Síntese

O desejo e a necessidade de se alçar ao ar acompanhou a


história da humanidade por motivos os mais diversos. É a
Idade Contemporânea o tempo do domínio do ar e do espaço
pelo homem, através de engenhos que, em um salto fantástico,
foram do balão às naves espaciais. Entre os extremos, as
diversas aeronaves construídas de acordo com suas finalidades e
desenvolvidas segundo o avanço da tecnologia.

Mas foi o uso militar dessas aeronaves, sem dúvida, o maior


impulsor desse progresso. Era preciso ver o inimigo, conhecer o

Unidade 6 379
Universidade do Sul de Santa Catarina

terreno onde se daria a batalha, neutralizar sua artilharia, atacar


suas reservas, destruir sua rede de comunicações e transportes,
atacar suas áreas de produção estratégica, colocar em xeque seus
postos de comando e sua retaguarda. Era e é preciso dissuadi-lo
através de um vetor de combate capaz de imobilizá-lo ou destruí-
lo em curto espaço de tempo.

É claro que tudo isso exige um mundo de outras coisas que lhe
permitam atuar com eficácia. É claro que o vetor aéreo acaba
tão diversificado quanto são as finalidades com que deva ser
empregado. E não falemos das aplicações civis, de serviço à
economia e à sociedade. Fiquemos com a aviação de guerra,
objeto de nosso estudo.

O estudo desta unidade conduz você ao centro do poder aéreo, seu


desenvolvimento e emprego no mundo e no Brasil, particularmente
na primeira metade do século passado. Mais um desafio ao
historiador militar que se forma: pesquisar e estudar a aeronáutica
brasileira, sua saga na paz e na guerra. E entender a atualidade, no
seu vertiginoso progresso, agora, aeroespacial. Boa sorte!

Atividades de autoaprendizagem

1) Analise as repercussões na evolução da arte da guerra e do pensamento


militar provocadas pelo uso do avião durante a Primeira Guerra
Mundial.

380
História Militar Brasileira II

2) O que mudou no pensamento militar brasileiro com o aparecimento


e institucionalização da Força Aérea Brasileira?

Saiba mais

Para obter mais informações sobre o tema desta unidade e


aprimorar seu conhecimento, leia:

„„ HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA


BRASILEIRA, disponível em 4 volumes. INCAER,
Rio de Janeiro.

Leia, na Midiateca, os artigos sobre o Correio Aéreo Nacional e


sobre a Esquadrilha de Ligação e Observação/FEB.

Unidade 6 381
7
unidade 7

Transformações e evolução
das instituições militares
brasileiras após a Segunda
Guerra Mundial
Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

Objetivos de aprendizagem
„„ Entender quais foram as contribuições da Segunda
Guerra Mundial para a evolução das instituições
militares brasileiras.

„„ Compreender a evolução ocorrida no pensamento


militar brasileiro, no período posterior ao da Segunda
Guerra Mundial.

„„ Identificar a influência dos conflitos ocorridos


no mundo durante a Guerra Fria (1945-1991) na
organização e emprego das forças armadas brasileiras.

„„ Analisar a evolução doutrinária das forças armadas no


período após a Segunda Guerra Mundial.

Seções de estudo
Seção 1 As Instituições Militares Brasileiras após a
Segunda Guerra Mundial

Seção 2 A evolução do pensamento militar brasileiro


após a Segunda Guerra Mundial
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A evolução das instituições militares brasileiras no período após
a Segunda Guerra Mundial foi significativa. O mundo mudara
e, com ele, o Brasil. Após a guerra, os Estados Unidos e a União
Soviética lideraram blocos que buscavam a hegemonia mundial.
A arma atômica, de que eram os únicos detentores e, pouco mais
tarde, um pequeno círculo de aliados de ambos os lados, tornara-
se uma ameaça dissuasória. A disputa pelas áreas de influência
inseriu o mundo na chamada Guerra Fria, fazendo com que as
forças armadas de países dos dois blocos se reorganizassem e se
reequipassem. As “corridas” que se estabeleceram – econômica,
armamentista, ideológica, tecnológica, espacial – condicionaram,
mais, ou menos, esse reequipamento e reorganização, alterando
doutrinas de emprego e o pensamento militar dos diversos países.

No Brasil, a consequência imediata da Segunda Guerra Mundial


foi política: um golpe militar derruba o regime do “Estado Novo”
implantado por Vargas e abre caminho para o reordenamento
democrático do país.

Faça sua pesquisa: aproveite para ler, na história


política do Brasil, como foi a queda de Vargas em 1945
e o processo de redemocratização consolidado pela
Constituição de 1946.

Caberá aqui um parêntese na história militar, para tratarmos da


presença de militares na política partidária e administrativa do
país, desde a proclamação da república. Há historiadores que a
consideram um “pecado original” de nosso regime republicano,
devido a haver sido também ele implantado através de um
golpe militar. O importante, entretanto, do ponto de vista das

384
História Militar Brasileira II

instituições militares, é reconhecermos o permanente empenho


dos chefes militares e da oficialidade na profissionalização das
forças armadas, afastando-as das questiúnculas locais e regionais
que caracterizam o jogo do poder político-administrativo.

As reformas do início do século XX, os “jovens turcos”, a “missão


indígena”, a Missão Militar Francesa, o espírito legalista o qual
presidiu as ações que contiveram as seguidas rebeliões desde 1889
até a década de 1930, dão testemunho dessa busca perseverante de
que serão exceções a adesão majoritária ao ideário da Revolução de
1930 e o apoio do Exército à instalação do “Estado Novo”.

Duas coisas principais fizeram-no voltar ao leito da democracia e da


legalidade: a ditadura fascista e o estado policial que se implantara
com o “Estado Novo”; e a participação do Brasil na campanha
aliada contra o nazifascismo na Europa e no Atlântico Sul.

Paradoxalmente, restabelece-se o esforço para o afastamento


dos militares da política partidária e administrativa, mas, ao
mesmo tempo, é nas lideranças militares de então que os partidos
políticos vão buscar aqueles que os representarão nas eleições
que se realizaram. Dutra, Eduardo Gomes, Cordeiro de Faria
e muitos outros militares estarão participando do jogo político
pelos diversos partidos. De certa forma, isto tinha razão de ser:
eram as gerações que haviam feito as décadas de 1920 e 1930.

Mas a profissionalização e o afastamento da política estavam


também representados por chefes dessas mesmas gerações e por
chefes que, recém saídos da participação na Segunda Guerra
Mundial, na caserna, quase anônimos, iriam perseverar em
um objetivo que só vai se institucionalizar na Constituição
de 1967, será progressivamente implantado até 1985 e ficará Proibição da participação do
definitivamente consolidado na Constituição de 1988. militar da ativa na atividade
política partidária e admi-
Fechamos aqui o parêntese, para voltar à história militar. nistrativa.

Unidade 7 385
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 1 - As Instituições Militares Brasileiras após a


Segunda Guerra Mundial
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial
transformou o pensamento militar brasileiro e a doutrina de
emprego de suas forças armadas. Foi natural que isso acontecesse.
Experiências de guerra, mesmo bissextas como as nossas, não
se perdem, particularmente na medida em que envolvem uma
mobilização nacional que deixa claro serem as forças armadas,
de fato, apenas o braço armado da nação. De verdade, é toda
ela quem faz a guerra, e não apenas os marinheiros, soldados e
aeronautas destacados para os campos de batalha.

A doutrina defensiva transmitida ao Exército pela Missão


Militar Francesa, ou a doutrina naval dos encouraçados, herdada
também da Primeira Guerra Mundial, cederam lugar a doutrinas
ofensivas, de resultados. E havia a novidade do poder aéreo,
agora representado pela Força Aérea Brasileira, recém-criada.
O pensamento militar brasileiro recebeu, nesse momento, forte
influência estadunidense, já que o armamento e equipamento
modernos a que tivemos acesso eram americanos e o Brasil se
alinhara ao bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos.

Quanto à organização, não havia maior incompatibilidade


entre as doutrinas francesa e americana da época. As diferenças
estavam realmente no emprego e combinação das armas e na
adesão à guerra de movimento.

A experiência brasileira sempre enfrentara a dicotomia entre uma


“ordem de batalha” que garantisse presença da força federal nas
Também entendida como a distri- principais áreas do território nacional e outra, que concentrasse
buição geográfica das unidades e unidades e grandes unidades operacionais com poder de combate
suas características. efetivo nas áreas indicadas pelas hipóteses de guerra mais
prováveis. A extensão territorial sempre colocou em xeque essas
concepções e sempre se buscou certo equilíbrio entre elas.

386
História Militar Brasileira II

Mas, e agora, quando a combinação das armas e as


mobilidades tática, operacional e estratégica deveriam
responder às ameaças prováveis? E as possibilidades de
voltar a teatros de além-mar, como responder a elas?
E a diversidade de conflitos e de missões específicas,
como tratá-las?

É importante lembrar que este não foi um problema brasileiro.


Tem sido um permanente problema de todos os países,
particularmente daqueles cujas características os colocam entre os
“grandes” do mundo.

Vamos tentar uma síntese do caminho percorrido por nossas


Forças Armadas nessa tarefa de se manterem sempre atuais,
operativas e eficazes. Tomaremos como referência o Exército,
mais ligado ao nosso território e tendo que enfrentar conflitos
mais variados, enquanto a Marinha e a Aeronáutica trataram
de seguir as tendências mundiais e dependem diretamente, não
apenas de seus quadros profissionais, mas, principalmente, do
equipamento e armamento que possuem.

Houve um primeiro período – de 1945 a 1965 – em que a


discussão doutrinária e organizacional se concentrou nas escolas
de estado-maior, utilizadas as escolas de aperfeiçoamento como
laboratórios de ensaio no nível tático e operacional. O esforço
retomava os princípios defendidos pelos “jovens turcos” e “missão
indígena”: era essencial que se buscassem doutrinas autóctones,
doutrinas brasileiras, as quais atendessem às nossas característica
geográficas, humanas e materiais, mesmo antes de obtermos
alguma autonomia na produção de nosso material bélico.

Houve, portanto, uma preocupação em formar quadros


qualificados para a adoção e implementação dessas doutrinas que
resultariam de discussão e experimentação, além de providências
administrativas de médio e longo prazo, todas dependentes
de prolongados e difíceis entendimentos com as diversas áreas
políticas dos governos. Bem ou mal, houve um progresso
significativo, e pode-se dizer que os objetivos estabelecidos para o
período foram atingidos.

Unidade 7 387
Universidade do Sul de Santa Catarina

Aproveito o momento para abrir um novo parêntese à história político-


administrativa.

O período não foi tranquilo para as forças armadas nem se pôde


“blindar” esses esforços profissionais. Os quatro anos do governo
Dutra, embora obtendo a estabilidade política e democrática,
não esteve livre da intensa participação de líderes militares na
política partidária. Não bastasse isso, arcou com as consequências
de uma desastrosa (o termo é nosso) desmobilização da Força
Expedicionária Brasileira. Não teve recursos, nem tempo e nem
ambiente para cuidar das forças armadas como tal. Preservaram-
se, como sempre, as escolas e, dentre elas, a então Escola de
Estado-Maior do Exército, cadinho dos estudos doutrinários
que iriam envolver, logo depois, a Escola Superior de Guerra,
iniciativa importante para buscar a combinação e integração das
forças armadas.

A década de 1950, chamada por alguns historiadores de a


década populista, devido às características dos governos Vargas e
Juscelino, engolfou novamente as lideranças militares na política
partidária e administrativa. Vargas teve muita dificuldade em
lidar com as forças armadas e seu governo findou com seu
suicídio. A oposição, alçada ao governo de Café Filho, logo
tenta enquadrar o Exército através de um ilibado e rígido chefe
legalista, General Teixeira Lott. O afastamento de Café Filho,
substituído por Carlos Luz, e a tentativa de impedir a posse do
presidente eleito, faz com que Lott derrube Carlos Luz e garanta
a posse de Juscelino, permanecendo como seu Ministro da
Guerra até afastamento para se candidatar à presidência.

No final do governo Juscelino, em 1960, a Capital Federal


é transferida para Brasília, iniciando uma nova fase na vida
político-administrativa do país. A oposição ganha as eleições com
Jânio Quadros que, em 1961, renuncia, provocando uma séria
crise político-militar, devido ao veto de seus ministros militares
à posse do vice-presidente, João Goulart. Garantida a posse de
Jango através da emenda parlamentarista, ele levou o país a uma
instabilidade econômica, política e social que culminou com o
movimento de 1964.

388
História Militar Brasileira II

Fecho o parêntese, visto que ele foi feito apenas para colocar você no
meio das grandes confusões vividas pelas Forças Armadas no período.

E as transformações doutrinárias e institucionais, como


ficaram?

Mais uma vez prevaleceu o espírito profissional, e as escolas


prosseguiram seus estudos, seus ensaios e os estados-maiores da
Forças e respectivos ministros puderam, apesar de tudo, colocar
em prática muitas das conclusões a que chegaram.

Dos diversos fatores externos que influenciaram os estudos e


modificações, devo chamar a atenção para alguns deles:

„„ o Acordo Militar Brasil - Estados Unidos, que,


permitindo-nos receber algum material bélico e
intensificar o intercâmbio entre as escolas dos dois países,
também nos limitou em algumas iniciativas para uma
doutrina e organização autóctones;

„„ a Guerra da Coreia;

„„ a guerra revolucionária, a qual cresceu como alternativa


de tomada do poder, seja nas chamadas guerras de
libertação, seja nos conflitos internos provocados pelo
embate ideológico da Guerra Fria.

No campo técnico e tecnológico, prosseguimos no esforço para


desenvolvermos nosso próprio equipamento e armamento, e,
para tal, foi muito importante o trabalho de nossos engenheiros
militares, das três Forças. Seu pioneirismo, sua disposição em
correr riscos de toda ordem e os sacrifícios a que se submeteram
deram resultados no período seguinte.

Mas, em 1965, ainda eram bem pouco visíveis as modificações


planejadas e havidas. As instituições militares mantinham seu
perfil tradicional, ao qual se acostumara o país.

Unidade 7 389
Universidade do Sul de Santa Catarina

O período de 1965 a 1985, costumo dizer, ainda não é história.


Mas nele houve sensíveis modificações na organização, na
ordem de batalha, na doutrina de emprego das Forças Armadas.
O período coincide com os governos do Movimento de 1964,
e pode-se atribuir ao fato de termos tido generais como
presidentes da república esse avanço nas transformações
sistêmicas das instituições militares brasileiras.

A verdade, entretanto, é que esse período corresponde ao grande


salto de qualidade dado pelo país em todos os setores da vida
pública. O que se iniciou na década de 1930 e que tomou forma
na década de 1950 foi concluído e consolidado no período de
1965 a 1985 pelos governos do Movimento de 1964, em todos
os campos do poder -- econômico, social, político e, também, no
militar. O estudo atento e isento da história do período comprova
isto, mesmo que se arguam percalços de qualquer natureza.

Em 1985, vamos encontrar já em execução todo um planejamento


criterioso que transformou as instituições militares em sua
organização, equipamento e profissionalização dos quadros e as
preparou para o período contemporâneo que estamos vivendo,
um verdadeiro reordenamento do poder militar brasileiro.

Seção 2 - A evolução do pensamento militar brasileiro


após a Segunda Guerra Mundial

O pensamento militar brasileiro foi sempre, e


paradoxalmente, pacifista.

390
História Militar Brasileira II

O emprego das Forças Armadas nos conflitos internos sempre


os inclinaram à pacificação e reconciliação. O emprego em
conflitos externos ficou longe no tempo e deixou a determinação,
que se tornou constitucional, de que nunca será feita uma
guerra de conquista e que as intervenções havidas foram e serão
temporárias e limitadas à eliminação da causa do conflito. O
século XX, entretanto, aguçou o pensamento militar no sentido
de que as Forças Armadas devem ser o último argumento da
diplomacia para dissuadir qualquer provável inimigo de atentar
contra nossa soberania, entendida no seu sentido mais amplo.
Devem as Forças Armadas, portanto, ser fortes e eficazes o
suficiente para isto.

Já os embates internos haviam mostrado deficiências e


vulnerabilidades do poder militar. Por isso, o pensamento militar
evoluiu cautelosamente, mas com perseverança, no sentido de
responder às ameaças reais ou prováveis à soberania nacional,
representada pela integridade territorial e cultural do país, ao
longo dos diversos períodos de tempo.

É importante lembrar que o pensamento militar que


norteia políticas, estratégias de defesa e doutrinas
de emprego das Forças Armadas são resultado do
trabalho intelectual dos estados-maiores e dos
sistemas de educação e ensino militares.

A integridade cultural, além da imaterialidade da maneira de ser


do povo brasileiro, é representada, objetivamente, pelas estruturas
econômica, social e política, definidas institucionalmente pela
Constituição e leis vigentes. A garantia da lei e da ordem,
portanto, sempre esteve no núcleo duro do pensamento militar
brasileiro.

A integridade territorial, mais simples de ser identificada, exige


distribuição espacial adequada das unidades e grandes unidades,
comandos e grandes comandos das Forças Armadas, para que
a ordem de batalha resultante garanta presença nas áreas mais
importantes do país, proteção de áreas mais vulneráveis, tudo

Unidade 7 391
Universidade do Sul de Santa Catarina

isso aliado à organização e equipamento que deem às unidades e


grandes unidades a mobilidade estratégica, operacional e tática
indispensável à ação militar.

Esses dois parágrafos lhes permitirão visualizar a velocidade e


a acuidade que se fizeram presentes na evolução do pensamento
militar brasileiro depois da Segunda Guerra Mundial. Limitadas
em recursos financeiros e materiais, envolvidas no contexto
político e social do período de que estamos tratando, vocês
podem imaginar as dificuldades vividas pelos estados-maiores e
por todos os setores da sociedade envolvidos com o planejamento
político e estratégico de defesa.

Em uma primeira fase, além da criação de um Estado-Maior


das Forças Armadas e de uma Escola Superior de Guerra que
cuidassem da combinação das armas, os estados-maiores e
escolas de estado-maior se voltaram para a guerra convencional,
agora com outro ritmo e envolvendo equipamento, armamento
e uma logística a exigir uma dinâmica ágil, só possível com o
desenvolvimento de meios de comunicações que facilitassem e
garantissem melhor coordenação e controle. Foram adotadas
doutrinas e formações experimentadas pelas forças aliadas
durante a Segunda Guerra Mundial, com grande influência
americana. No Exército, se previram divisões – de infantaria, de
cavalaria e blindadas – formando Corpos de Exército e Exércitos
de Campanha, e toda uma estrutura logística – serviços e
suprimento – correspondente.

A Marinha presenciou a alteração da composição das forças


navais com ênfase no navio aeródromo – porta-aviões – e nas
forças de submarinos. Sem aeronaves, por força da lei que criara
a Força Aérea Brasileira, o Exército e a Marinha dependiam da
FAB para terem apoio aéreo aproximado e aviação de transporte.
Esta, recém-organizada e com restrições extremas de material,
teria que dar conta dessas duas tarefas em benefício das coirmãs
e, ainda, da aviação estratégica no amplo leque da vigilância à
interceptação. É claro que os planejamentos pareciam quimeras,
agravados com a constante e indiscutível possibilidade de um
ambiente nuclear.

392
História Militar Brasileira II

Assim foi o início do período pós-1945.

Se a Guerra Fria intensificava cada vez mais a guerra psicológica


e a sublevação de grupos sociais, no afã de dominar ou controlar
países periféricos aos dois grupos rivais, a descolonização da
África e do Sudeste asiático trouxe a primeiro plano as diversas
vertentes da guerra revolucionária:

„„ a insurreição;

„„ a guerra irregular;

„„ as guerrilhas urbana e rural;

„„ a sabotagem e o terrorismo; além, naturalmente,

„„ da guerra psicológica e de operações regulares.

O pensamento militar brasileiro não descuidou da


responsabilidade pela garantia da lei e da ordem, e tratou de
preparar as forças armadas para a eventualidade desses tipos
de conflito. Lembrar-se do contexto sociopolítico que o Brasil
vivia nas décadas de 1950 e 1960. Naquele tempo, as coisas
eram agravadas pela inexistência de estrutura federal que lidasse
com a subversão em suas vertentes psicológica e operativa; as
polícias estaduais, além de despreparadas, não eram coordenadas
de forma a agir adequada e oportunamente. Os problemas
terminavam transferidos para as Forças Armadas, cuja ação,
mesmo com êxito, era muitas vezes inadequada. Só na década de
1970, instrumentos como a Polícia Federal e legislação pertinente
a sublevações sugiram, decorrentes da Constituição de 1967.

O rastilho de sublevação e subversão de 1968 começou na


Alemanha e, urdido pela Escola de Frankfurt, alastrou-se
pela Europa ocidental, passou pelos Estados Unidos, varreu
a América espanhola e chegou, no final do ano, ao Brasil.

Unidade 7 393
Universidade do Sul de Santa Catarina

Significou o que ficou conhecido como a opção da esquerda pela


luta armada, com seus diversos modelos de organização e ação.
As Forças Armadas tiveram que manter o funcionamento normal
da maioria de suas organizações militares e designar segmentos,
combinados com elementos das polícias estaduais (civil e militar),
para enfrentar a subversão. Em pouco mais de dois anos, com
o mínimo de atropelo para a grande maioria da população, se
encerrou o ciclo da luta armada.

Este enfrentamento, que exigiu medidas de exceção e provocou


baixas, deixaria sequelas, cuja discussão se transferiu para o
campo da guerra psicológica que, então, já fugira às atribuições
das Forças Armadas.

O pensamento militar brasileiro, embora atento ao desgaste que


fora a participação nas ações policiais contra a luta armada, volta-
se novamente para os objetivos da reorganização, reequipamento
e profissionalização dos quadros das Forças Armadas:

„„ na busca das doutrinas de emprego autóctones;

„„ na implementação de uma indústria bélica nacional;

„„ na maior interação com a sociedade; e,

„„ na participação de missões sob a égide dos organismos


internacionais, particularmente a ONU.

Desde a década de 1950, o Brasil participou das missões de


As missões ocorreram na Grécia, paz da ONU. E elas foram sucedendo-se: hoje, há militares
Suez, Angola, Moçambique, brasileiros espalhados pelo mundo todo.
Timor Leste, Haiti, para citar
apenas as mais importantes. Durante todo o período de 1965 a 1985, paulatinamente, as
modificações foram fazendo-se:

„„ a Brigada se tornou a grande-unidade tática do exército e


a Divisão a unidade operacional

„„ foi alterada a organização territorial;

394
História Militar Brasileira II

„„ foi criada a Aviação do Exército para o apoio aproximado


com asas móveis (helicópteros), o que deu mobilidade
tática às unidades;

„„ alterou-se a ordem de batalha com nova distribuição


espacial dos meios, e assim por diante, acontecendo algo
semelhante com a Marinha e a Aeronáutica.

Hoje, temos um Ministério da Defesa, uma Política de Defesa,


uma Estratégia de Defesa, um planejamento integrado de
reequipamento e modernização e muitas outras coisas em
andamento.

O trabalho de planejamento se faz para o médio e o longo prazo,


e a implementação das medidas propostas e aprovadas, pela
natureza das coisas que envolvem e pela necessidade de vultosos
recursos, exige tempo prolongado para execução. O aqui e agora
são apenas medidas pontuais já executadas que não podem ser
tomadas como “síntese” de uma doutrina militar.

Isto é a evolução do pensamento militar brasileiro. Um trabalho


continuado, voltado para o fortalecimento do poder militar do
país, através da busca perseverante da melhor forma de as Forças
Armadas cumprirem sua destinação constitucional.

Síntese
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial gerou
importantes transformações nas instituições militares brasileiras
e deu maior consistência ao pensamento militar brasileiro. Ela
deixou clara para os brasileiros a importância do país no cenário
mundial e as responsabilidades que isto envolvia.

Para as Forças Armadas, foi a hora de insistir na sua


modernização, tarefa que envolveu reorganização, reequipamento,
consolidação de sua destinação constitucional e, principalmente,
profissionalização, através da qualificação de seus quadros:

Unidade 7 395
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ qualificação que garantisse a eficácia em todas as


atividades, desde o tempo de paz até o seu emprego em
combate;

„„ qualificação que permitisse ir à frente de seu tempo e


ser capaz de absorver as vertiginosas transformações em
andamento no mundo e no país;

„„ qualificação que lhes permitisse instruir e preparar, um


após outro, os contingentes de recrutas, também eles
vivendo um novo tempo;

„„ qualificação capaz de permitir a mudança de


comportamento sem comprometer as características
fundamentais das instituições representadas por seus
valores fundamentais;

„„ qualificação capaz de permitir ação pertinaz e segura


no presente para a construção do futuro baseado nas
tradições que fizeram delas segmento inseparável da
sociedade e braço armado da nação.

É dever do historiador vasculhar as fontes primárias dos períodos


que pesquisa, tirando delas a verdade histórica. Conhecendo a
história política do Brasil e a presença das lideranças militares
na política partidária e administrativa da República, é dever
do historiador militar identificar as instituições militares tal
como elas se houveram no exercício de sua destinação; é dever
do historiador militar identificar esses marinheiros, soldados e
aeronautas anônimos que as fizeram, de forma a, através deles,
conhecer a sua alma, o patrimônio imaterial das Forças Armadas.

A influência da Guerra Fria e as peculiaridades do Brasil as


fizeram passar por situações inusitadas que só puderam ser
superadas graças às lições do passado. Os acontecimentos do
mundo foram reconhecidos e processados por sua inteligência e
deram ao pensamento militar brasileiro rumo e objetivos bem
definidos.

396
História Militar Brasileira II

As mudanças nas doutrinas de emprego levaram a uma


reformulação no sistema de ensino militar. Lá se foi meio
século! E, finalmente, os sonhos dos “jovens turcos”, da “missão
indígena” e de tantos outros se realizaram na profissionalização
das forças armadas através da consolidação de seu espírito militar,
garantia perene de sua destinação histórica. Mais um pouco, e
isto será história.

Atividades de autoaprendizagem

1) Identifique os principais fatores de transformação das instituições


militares brasileiras em consequência da participação do Brasil na
Segunda Guerra Mundial.

2) Analise a evolução do pensamento militar brasileiro após a Segunda


Guerra Mundial.

Unidade 7 397
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais
Pesquise sobre o que estudamos nesta unidade!

Seguem sugestões de referência:

BRASIL. História Naval Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de


Documentação Geral da Marinha, 1985.

ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. História do Exército


Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

______. O Exército na História do Brasil. Rio de Janeiro:


BIBLIEX, 1998.

Leia, também:

BRASIL. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de


Janeiro: INCAER, 1996.

398
Para concluir o estudo

Estamos chegando quase ao final do caminho que o


programa didático nos traçou. Estamos chegando ao
início de sua caminhada pela História Militar. Talvez
você não tenha avaliado o universo em que estava
ingressando, ao iniciar estes estudos. Agora que vai
deixando para trás a iniciação motivadora da “história da
batalha” - descritiva, novelesca e emocionante -, agora
que já vai alcançando o tempo de garimpagem da
pesquisa, isto pode parecer-lhe arriscado e interminável,
mas, creia, vale a pena. Não desanime, não desista! A
busca da verdade histórica é apaixonante, pelas surpresas
que oferece e pelo estímulo constante a prosseguir.

Neste segundo livro, que trata da história militar


brasileira no período republicano, há uma peculiaridade:
é história recente, ainda consolidando-se.

Como lhe dissemos no início, a multiplicação dos meios


de pesquisa, a existência de fontes à nossa disposição,
a identificação mais fácil do ambiente em que os fatos
ocorreram nos dão a impressão de que estivemos lá.
Meu avô nos contava [...]! Meu pai participou de [...]!
Encontrei o diário de [...]! Fulano tem os registros dos
[...]! Apareceram as ordens do dia do Comandante
do [...]! É fascinante. O cuidado que temos de ter é
perseverar na história sem enveredar pelo caminho fácil
das estórias; é zelar pelo uso criterioso das fontes.

O primeiro século da república no Brasil tem


peculiaridades que são verdadeiras armadilhas para o
historiador militar. A participação das lideranças militares
na vida político-partidária e administrativa do país, o
envolvimento das instituições militares em tudo isto, a
presença do nacionalismo militar no desenvolvimento
socioeconômico e sociopolítico do país dificultam cuidar-
se das instituições militares propriamente ditas.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas tentamos fazê-lo. É claro que você queria mais detalhes


sobre isto ou aquilo. Não os oferecemos. Colocamos você no
limiar de caminhos a serem percorridos. Apostamos que será
capaz de prosseguir e ajudar a fazer a história militar brasileira.
Apostamos naquilo que você oferecerá, de imediato, em sua
monografia e, depois, com suas pesquisas. Contamos com
você, daqui a pouco, para ser mais um de nossos historiadores,
especialista na história militar.

400
Referências

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perspectiva: corpo e alma do Brasil. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
STEPAN, Alfred. Os militares na política. Rio de Janeiro: Editora Artenova,
1975.
TEIXEIRA, Rafael Danton Garrastazu. Resumo da guerra do Paraguai. Rio
de Janeiro: Typographia, 1982.
TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da construção naval no Brasil. Rio
de Janeiro: FEMAR / LAMN, 2001.
VILLANOVA, Fausto Vasques. Com a 1ª ELO na Itália. Rio de Janeiro:
INCAER, 1991.
WAACK, William. Camaradas nos arquivos de Moscou: a história secreta
da revolução brasileira de 1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

408
Sobre os professores conteudistas

Armando de Senna Bittencourt é Vice-Almirante


Engenheiro Naval, reformado, historiador, Diretor
do Patrimônio Histórico e Documentação da
Marinha (DPHDM), membro do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB),
docente do Curso de Especialização em História Militar
Brasileira (presencial) da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Aureliano Pinto de Moura é General de Divisão


Médico do Exército, reformado, historiador, Presidente
do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil
(IGHMB), docente do Curso de Especialização em
História Militar Brasileira (presencial) da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Carlos Roberto Carvalho Daróz é Major de Artilharia


do Exército, pesquisador e historiador, especialista em
História Militar Brasileira pela Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, articulista e
docente, atualmente no Colégio Militar do Recife. (Blog
de História Militar <http://darozhistoriamilitar.blogspot.
com/>)

Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação


da Marinha

A Diretoria trabalha com uma equipe coordenada pelo


Almirante Armando de Senna Bittencourt e constituída
pelos historiadores militares Carlos André Lopes da
Silva, Mônica Hartz Oliveira Moitrel, Paulo Fernando
Vianna, Ricardo dos Santos Guimarães e Renato Restier
(relator).
Universidade do Sul de Santa Catarina

Eduardo Henrique de Souza Martins Alves é Coronel de


Infantaria do Exército, na Reserva, pesquisador e historiador,
especialista em História Militar Brasileira pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, articulista e
docente, atualmente na Escola de Estado-Maior do Exército.

Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org) é Coronel de Engenharia


e Estado-Maior do Exército, reformado, membro do Instituto
de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), docente e
co-coordenador do Curso de Especialização em História Militar
Brasileira (presencial) da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro – UNIRIO.

Nilson Vieira Ferreira de Mello é Coronel de Cavalaria e de


Estado-Maior do Exército Brasileiro. Foi instrutor e é professor
emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército,
historiador, sócio titular do IGHMB e docente do Curso de
Especialização em História Militar Brasileira (presencial) da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Renato Jorge Paranhos Restier Júnior é Tenente (Quadro


Técnico Temporário) da Marinha, historiador, encarregado da
Divisão de Pesquisas Históricas da Diretoria do Patrimônio
Histórico e Documentação da Marinha e membro do Instituto
de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), docente do
Curso de Especialização em História Militar Brasileira (presencial)
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

410
Respostas e comentários das
atividades de autoaprendizagem

Unidade 1
1) Com apoio na leitura do livro e na pesquisa que realizar,
você deverá caracterizar a frustração dos militares em geral
pelo desprestígio e abandono das forças armadas depois da
Guerra do Paraguai e, mais ainda, depois da morte de Caxias
e Osório. O enfrentamento público entre chefes militares e
políticos quanto a questões administrativas e as punições
impostas a alguns deles causaram indignação e terminaram
por motivar a adesão das unidades da guarnição da Corte à
sublevação que resultou na proclamação da República.
2) Com apoio na leitura do livro e na pesquisa que realizar,
você deverá caracterizar como a campanha demonstrou
cabalmente o despreparo das tropas e dos comandantes
para lidar com aquele tipo de insurreição e suas causas.
Para a República, ficou apenas uma alternativa: cuidar da
reorganização e reequipamento do Exército.

Unidade 2
1) Com apoio na leitura do livro e na pesquisa que realizar,
você deverá caracterizar como a campanha demonstrou
que os bons resultados da reorganização e equipamento
ainda estavam longe de dar ao Exército a eficiência desejada,
o que resultaria no esforço em busca de uma organização
e doutrina de emprego coerentes com os nossos meios e
características.
2) Este é o momento em que se resgata um pensamento naval
brasileiro, voltado para a guerra no mar, com equipamento
moderno e à altura das demais marinhas do mundo.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Unidade 3
1) Com apoio na leitura do livro e na pesquisa que realizar, você deverá
caracterizar a adoção de organização, equipamento e doutrina de
emprego semelhantes às praticadas pela França na Primeira Guerra
Mundial.
2) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá caracterizar o fortalecimento do espírito profissional e legalista e
o aprendizado em como lidar com os conflitos internos.

Unidade 4
1) Com apoio na leitura do livro e na pesquisa que realizar, você deverá
caracterizar, principalmente, a mobilização de toda a população para o
esforço de guerra.
2) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá identificar as dificuldades enfrentadas pela FEB para a formação
dos contingentes e as encontradas no TO europeu em relação à
logística e à coordenação e controle.

Unidade 5
1) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá responder a cada uma das perguntas que compõem esta
atividade.
2) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá caracterizar a inserção da Marinha do Brasil em um novo tempo,
que exigirá novos meios, nova organização e novas doutrinas de
emprego.

Unidade 6
1) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar,
você deverá caracterizar as novas concepções quanto à guerra de
movimento, ao apoio de fogo aproximado e em profundidade, à
vigilância e reconhecimento, à capacidade de coordenação e controle,
enfim, à amplitude do combate, alterando, portanto, a organização e a
doutrina de emprego das diversas armas e a logística da guerra.
2) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá caracterizar como o pensamento militar ganhou sua terceira
dimensão.

412
História Militar Brasileira II

Unidade 7
1) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá caracterizar a migração da influência francesa para a americana
com a consequente reorganização institucional e adoção de outra
doutrina de emprego. Caracterizar também o retorno à busca de
organização, equipamento e doutrina autóctones.
2) Com apoio na leitura do livro texto e na pesquisa que realizar, você
deverá caracterizar o caminho percorrido pelas Forças Armadas
Brasileiras desde a adoção do modelo americano pós - Segunda Guerra
Mundial até o modelo atual, no qual se busca consolidar a integração
operativa e logística através da unidade institucional e adequação à sua
destinação constitucional.

413
Biblioteca Virtual

Veja a seguir os serviços oferecidos pela Biblioteca Virtual aos


alunos a distância:

„„ Pesquisa a publicações online


www.unisul.br/textocompleto
„„ Acesso a bases de dados assinadas
www. unisul.br/bdassinadas
„„ Acesso a bases de dados gratuitas selecionadas
www.unisul.br/bdgratuitas
„„ Acesso a jornais e revistas on-line
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* Se você optar por escaneamento de parte do livro, será lhe enviado o


sumário da obra para que você possa escolher quais capítulos deseja solicitar
a reprodução. Lembrando que para não ferir a Lei dos direitos autorais (Lei
9610/98) pode-se reproduzir até 10% do total de páginas do livro.
História Militar Brasileira II: período
Universidade do Sul de Santa Catarina
republicano.
O material foi elaborado visando a uma
aprendizagem autônoma e aborda conteúdos
especialmente selecionados e relacionados à sua
área de formação. Ao adotar uma linguagem

História Militar
didática e dialógica, objetivamos facilitar seu
estudo a distância, proporcionando condições

História Militar Brasileira II: período republicano


favoráveis às múltiplas interações e a um
aprendizado contextualizado e eficaz.

Bom estudo e sucesso!


Brasileira II:
período republicano
Equipe UnisulVirtual.

w w w. u n i s u l . b r

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