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Universidade do Sul de Santa Catarina

Ética, Cidadania e Direitos Humanos


Disciplina na modalidade a distância

3ª edição revista

Secretaria Nacional Ministério


de Segurança Pública da Justiça

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Créditos
Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina
UnisulVirtual - Educação Superior a Distância

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Charles Cesconetto Adriana Ferreira dos Santos José Carlos Teixeira
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Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Ética, Cidadania e


Direitos Humanos.

O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma


e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados
à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática
e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância,
proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a
um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre-se que sua caminhada, nesta disciplina, será


acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual, por isso a “distância” fica
caracterizada somente na modalidade de ensino que você optou
para sua formação, pois na relação de aprendizagem professores
e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem,
que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e
recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade.
Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe
atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual

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Caroline Izidoro Marim (Org.)
Fernanda Frizzo Bragato
José Dimas d’Avila Maciel Monteiro

Ética, Cidadania e Direitos Humanos


Livro didático

Design instrucional
Carmen Maria Cipriani Pandini
Daniela Erani Monteiro Will
Viviane Bastos

3ª edição revista

Palhoça
UnisulVirtual
2008

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Copyright © UnisulVirtual 2008
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professor Conteudista
Caroline Izidoro Marim
Fernanda Frizzo Bragato
José Dimas d’Avila Maciel Monteiro

Design Instrucional
Carmen Maria Cipriani Pandini
Daniela Erani Monteiro Will (3ª edição revista)
Viviane Bastos

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Rafael Pessi
Edison Valim (3ª edição revista)

Revisão Ortográfica
Heloísa Mano Dornelles

170
A54 Marim, Caroline Izidoro (Org.)
Ética, cidadania e direitos humanos: livro didático / Caroline
Izidoro Marim, Fernanda Frizzo Bragato; José Dimas d’Avila Maciel
Monteiro; design Instrucional: Carmen Maria Cipriani Pandini,
Daniela Erani Monteiro Will, Viviane Bastos. – 3. ed. rev. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2008.
164 p.: il.; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Ética. 2. Cidadania. 3. Direitos humanos. I. Monteiro, José


Dimas d’Avila Maciel. II. Pandini, Carmen Maria Cipriani. III. Will,
Daniela Erani Monteiro. IV. Bastos, Viviane. IV. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03
Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 – Cidadania e Direitos Humanos: aproximações preliminares . . . . . .17


UNIDADE 2 – Fundamentos éticos e morais do comportamento humano . . . . 39
UNIDADE 3 – Ética Aplicada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
UNIDADE 4 – Fundamentos filosóficos e políticos dos Direitos Humanos . . . . . 89
UNIDADE 5 – Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .117

Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .145


Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .147
Sobre os professores conteudistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .155
Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157

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Palavras dos professores

É com grande alegria que produzimos este material,


com ele podemos apresentar-lhes questões da mais alta
relevância social; temas como os que agora você vai
estudar estão na ordem do dia e constituem os fatores
mais poderosos de transformação social. Infelizmente,
no mundo em que vivemos o que se vê com grande
freqüência é a ausência de ética nas relações, o
desrespeito aos direitos mais básicos do ser humano e a
falta do exercício de cidadania.

Os problemas que a sociedade vive, atualmente, estão


intimamente ligados à ignorância sobre os temas tratados
neste livro e estão relacionados, também, à pouca
importância atribuída a eles no decorrer da história.

Raros são os sistemas formais de educação no Brasil


que percebem a importância da introdução da Filosofia
e da Ética no ensino de suas disciplinas técnicas. É
importante percebermos que os temas em estudo nesse
curso não são noções isoladas, ao contrário, devem
permear a conduta do ser humano, como um paradigma
no desempenho e no entendimento de qualquer objeto
de estudo. É certamente com este intuito que escrevemos
este livro didático para vocês párea que sirva de
instrumento de estudo e para que seus princípios sejam
vivenciados no cotidiano.

Bom estudo!

Os professores.

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Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientar você no


desenvolvimento da disciplina. Nele você encontrará
elementos que esclarecerão o contexto da disciplina e
sugerirão formas de organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual


leva em conta instrumentos que se articulam e se
complementam, portanto, a construção de competências
se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das
diversas formas de ação/mediação.

São elementos desse processo:

„ o livro didático;
„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem
– EVA;
„ Atividades de avaliação (auto-avaliação, à
distância e presenciais).

Ementa
Fundamentos éticos e morais do comportamento
humano. Panorama das relações humanas na sociedade.
Ética, moral e sociedade. Ética como prescrição de
condutas. Ética nas organizações. Código de ética.
Cidadania. Direitos humanos: aspectos filosóficos,
históricos, jurídicos, políticos e sociais. As declarações
Internacionais. Direitos humanos e a Constituição
Brasileira de 1988. Direitos humanos no Brasil:
atualidade e desafios. Grupos vulneráveis: igualdade
racial e de gênero, combate à homofobia e questão etária.

Carga horária
45 horas – 3 créditos.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivos da disciplina
„ Identificar e compreender os princípios fundamentais
que norteiam o debate sobre ética, cidadania e direitos
humanos, fazendo o resgate de conceitos importantes
da ética e da política, tais como: liberdade, igualdade e
justiça, observando como eles constituem a base para o
debate sobre cidadania e direitos humanos.
„ Examinar historicamente os aspectos filosóficos,
históricos, jurídicos, políticos e sociais dos direitos
humanos, com vistas a refletir sobre questões, tais
como: os direitos humanos no Brasil e na sociedade
multicultural, declarações internacionais de direitos
humanos, relação cidadão e Estado e ética na
Administração Pública.

Conteúdo programático/objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação.

Unidades de estudo: 5

Unidade 1 – Cidadania e Direitos Humanos: aproximações preliminares


A primeira unidade do livro didático visa à compreensão das
diversas relações que o homem, enquanto cidadão, estabelece
com o mundo, isto é, com a cidade, partindo da reflexão acerca
dos fundamentos éticos e políticos que norteiam o debate sobre
cidadania e direitos humanos. Pretende, também, esclarecer
o que compreende a esfera pública e a esfera privada e qual a
abrangência de nossa participação como cidadãos, nessas esferas.
E finaliza o debate, situando-lhe em torno de algumas questões
atuais e desafios sobre os direitos humanos, que se encontram
intimamente ligados ao debate moderno sobre a cidadania.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Unidade 2 – Fundamentos éticos e morais do comportamento humano


Esta unidade proporciona condições para que se possa diferenciar
ética de moral, definir o conceito e os estudos em ética, conhecer
as principais teorias éticas, bem como para se perceber a
importância do estudo da ética no século XXI.

Unidade 3 – Ética Aplicada


Com esta unidade você conhecerá as aplicações práticas
da ética em nosso cotidiano pessoal, profissional e social,
ressaltando as relações entre ética e direitos humanos. Visa,
ainda, relacionar a ética com a administração pública, situar o
debate contemporâneo sobre ética na administração pública,
relacionando-a aos princípios administrativos; e oportunizar uma
compreensão do papel que os códigos de ética desempenham no
âmbito de atuação dos agentes públicos.

Unidade 4 – Fundamentos filosóficos e políticos dos direitos humanos


Na Unidade 4, conheceremos as principais razões políticas e
filosóficas que propiciaram o surgimento dos direitos humanos
na Modernidade, observando que os direitos humanos, como
valores voltados para a proteção e a promoção da dignidade
humana, nem sempre existiram na história da humanidade,
porque a pessoa, enquanto indivíduo, não ocupava uma posição
central na sociedade. Por isso, observaremos como os direitos
humanos passaram a fazer sentido politicamente, a partir das
teorias do contrato social pensadas por filósofos como Hobbes,
Locke, Rousseau e Kant para explicar as relações do homem
com o mundo. Partindo da mesma forma de explicar a sociedade
e o Estado, estudaremos como o poder se insere nessa relação
e produz os discursos de verdade, aos quais o direito está
intimamente ligado.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Unidade 5 – Direitos Humanos


Na quinta Unidade, observaremos um panorama geral das
principais questões ligadas aos direitos humanos. Em relação
aos aspectos históricos, entraremos em contato com as primeiras
idéias que, mais tarde, contribuíram para a formação da moderna
teoria dos direitos humanos. Poderemos observar, ainda, como
se deu o processo de afirmação dos direitos no século XVII e
as subseqüentes fases de evolução até nossos dias. Quanto aos
aspectos jurídicos, estudaremos as formas e os instrumentos de
sua efetivação no sistema internacional e brasileiro de proteção
dos direitos humanos. Conheceremos, também, a importância
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de
1948, para o processo de universalização e afirmação dos direitos
humanos. E, por fim, situaremos o debate dos direitos humanos
em face do fenômeno do multiculturalismo.

Agenda de atividades/ Cronograma


„ Verifique com atenção o Espaço UnisulVirtual de
Aprendizagem – EVA e se organize para acessar
periodicamente o ambiente da disciplina. O sucesso nos
seus estudos depende da priorização do tempo para a
leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo e
da interação com os seus colegas e tutor.
„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço
a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.
„ Use o quadro para agendar e programar as atividades
relativas ao desenvolvimento da disciplina.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

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UNIDADE 1

Cidadania e Direitos Humanos:


aproximações preliminares

Objetivos de aprendizagem
„ Compreender as diversas relações que o homem
estabelece com o mundo, isto é, do cidadão com a cidade.

„ Identificar os fundamentos éticos e políticos que norteiam


o debate sobre cidadania e direitos humanos.

„ Esclarecer o que compreende a esfera pública e a esfera


privada e qual a abrangência de nossa participação como
cidadãos nessas esferas.

„ Conhecer os principais desafios sobre os direitos humanos.

Seções de estudo
Seção 1 Cidadania.

Seção 2 A esfera pública e a esfera privada.

Seção 3 Direitos humanos: atualidades e desafios.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Quando falamos de cidadania, estamos falando do ser humano
e de sua relação com outros seres humanos em sociedade. Por
isso, nosso estudo se inicia com questões filosóficas que procuram
apresentar quais são os fundamentos históricos da cidadania, ou
seja, como se constitui a relação cidadão/cidade.

Você conhecerá também alguns problemas que norteiam o


debate filosófico sobre a cidadania, por meio de questões que
compreendam quais são nossos papéis enquanto cidadão, na
esfera pública e na esfera privada.

Portanto, esta unidade tem como foco a reflexão filosófica


sobre os aspectos históricos que norteiam o debate sobre
cidadania e direitos humanos e sobre os fundamentos éticos e
políticos que deles decorrem, bem como o debate sobre desafios
contemporâneos sobre os direitos humanos, enfatizando o
problema do multiculturalismo.

SEÇÃO 1 - Cidadania
O pensamento filosófico, geralmente, não é considerado a-
histórico, sem pátria, nem acima do bem e do mal. Ao contrário,
parece estar contextualizado, possui identidade, relaciona-se com
o mundo ao qual pertence. Aliás, vale ressaltar que a filosofia é
filha da sociedade, identifica-se com ela e com o ser humano. Os
conceitos de sociedade e de ser humano são, por conseqüência,
questões filosóficas. Tais questões serão abordadas a seguir.

Primeiramente, o ser humano é, de um modo, a medida para que


a sociedade, cidade-estado (polis), esteja organizada e conduza
seus cidadãos e seu povo ao bem comum. O pano de fundo dessa
organização é a relação entre cidade/cidadão. Uma das imagens
mais recorrentes para se compreender o que representa essa
Por utilizar o mar em diversas relação, neste contexto, é a imagem da embarcação: assim como
atividades, as imagens, envolvendo o timoneiro consegue guiar sua embarcação por rota segura,
tal contexto, é comum entre os mesmo em águas turbulentas, observando a posição dos astros,
gregos.
que é “fi xa”, os seres humanos também podem guiar a vida da
cidade e sua própria vida. Ora, se há ordem no céu, deve haver

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

ordem na cidade, deve haver leis universais que organizam a vida


da sociedade e promovam o bem comum.

Desde os gregos, a relação entre cidade/cidadão, polis/povo,


ocupou boa parte das reflexões filosóficas. Uma das questões
centrais era a reflexão sobre a condição humana e uma possível
natureza social do ser humano, ou seja, se os seres humanos
eram naturalmente inclinados à vida em grupo, em comunidade.
A tese que alimentou tal possibilidade foi sustentada por
Aristóteles. Afirma Aristóteles, na obra Política (1997, p.15): “O
homem por natureza é um animal social”. Mas como entender Uma tese contrária a esta
isso? é a dos Contratualistas,
como você observará na
A natureza, segundo Aristóteles, deu ao homem a disposição Unidade 4.
para a vida em sociedade, e se todas as coisas tendem a realizar
sua natureza, pode o homem concluir que deveria realizá-la, pois
é através dessa realização que os seres humanos visam a alcançar Você estudará que essa
um bem, ou seja, seria contra a natureza humana viver fora visão foi profundamente
da sociedade. Isso indica uma relação indissociável entre o ser alterada na Modernidade,
humano e a sociedade, entre o cidadão e a polis (cidade-estado). com a afirmação do
individualismo.

Mas o que é polis? Você acabou de ver que significa


“cidade-estado”. O que mais você sabe sobre polis?
Sistematize a seguir, antes de prosseguir. Escreva tudo
o que sabe, sem se preocupar se está certo ou errado.

Unidade 1 19

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Segundo Aristóteles (1997), toda cidade é uma espécie de


comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum
bem se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que
a mais importante de todas elas, e que inclui todas as outras, tem
mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos
os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política.

O bem a que se refere Aristóteles é o bem comum, forjado na


base de toda cidade, devendo ela promovê-lo e dar condições aos
seus cidadãos de alcançá-lo. Na obra Ética a Nicômaco (1095b),
Aristóteles considera que a finalidade da ciência política é o bem
do homem, que é mais desejável alcançá-lo ou persegui-lo para
uma cidade do que para um único homem. Este bem do homem
é a felicidade, e é na cidade que o homem se realiza, se identifica,
se torna feliz. É uma via de mão dupla: não há homem feliz
sem a cidade o ser; não há cidade feliz sem o homem o ser. Para
ajustar tal via, Aristóteles considerava que os homens deveriam
ser educados para agirem de modo bom, mediante o hábito de
ações virtuosas, que forma seu caráter, contribuindo para o bem
Você verá, na Unidade 2, a base da da cidade.
Ética de Virtudes, que tem como
fundamento parte do pensamento A afirmação de Aristóteles pode auxiliar na compreensão de
de Aristóteles. seu pensamento: “Não são os mais belos e os mais fortes que
conquistam a coroa, mas os que competem (pois é dentre estes
que hão de surgir os vencedores), também as coisas nobres e
boas da vida só são alcançadas pelos que agem retamente”.
(1999, 1099 a).

Outro filósofo grego que se dedicou a investigar a relação entre


homem e sociedade foi Platão. Com sua Alegoria da Caverna,
Veja o texto da Alegoria da Caverna em seu livro A República, Platão dizia que, para atingir o bem,
no Saiba Mais dessa unidade. era necessária a sabedoria. Este percurso não era somente de
ida, pois caberia ao filósofo retornar à caverna para “governá-la”.
Ela é, também, a imagem da cidade, onde muitos não sabem
o que fazem, precisam ser “resgatados” da ignorância a fim de
compreenderem seu papel na polis.

Não há como “fugir” dela, há como melhorá-la.

Num pequeno texto chamado Críton (1994, p. 109), Platão


descreve um memorável diálogo entre Sócrates e as “leis da
República”, a respeito da insistência de Críton para que Sócrates
fugisse da prisão. Dizem as leis da República:

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Sócrates, o que vais fazer? Levar teu projeto a cabo não


implica destruir-nos completamente, uma vez que de
ti dependem, para nós, as leis da República e a todo o
Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir quando
as sentenças legais nele não tem força e, o que é mais
grave, quando os indivíduos as desprezam e destroem?

A possibilidade de fuga de Sócrates poria, segundo as leis,


toda a cidade em perigo. Por quê? Porque cidadão e polis são
indissociáveis, ao menos como ideal. Os interesses privados
claramente confrontam-se com os interesses públicos, muitas
vezes justos. Mas, em Platão, não há dúvida, a ação isolada pode
implicar prejuízo para o bem comum e, com isso, para toda a
cidade.
Você estudará que, na
Modernidade, muitos
O diálogo Criton ilustra claramente a relação cidadão-cidade na
autores justificam a
Grécia Antiga, na medida em que nenhum direito individual desobediência civil com
é invocado contra a má aplicação das leis as quais devem base na preservação de
ser preservadas, mesmo que disso decorram injustiças a um direitos individuais, o que
determinado indivíduo. não se mostrava coerente
na Grécia Antiga.

Será que é possível viver dessa maneira?

A Metáfora da Nau
Outro aspecto que contribui para compreendermos a relação
entre cidadão e cidade na Grécia Clássica foi a metáfora da
Nau. Por sua característica geográfica, a Grécia sempre teve
o mar como aliado e, talvez por isso, usou-o como imagens
freqüentes para dar explicações acerca do mundo. Numa delas,
um timoneiro de uma nau (barco), mesmo diante de um mar
revolto, conseguia guiá-la ao destino desejado, orientando-se
pela posição dos astros no céu. Mesmo diante das mudanças dos
ventos, das marés e de toda intempérie, a nau era conduzida a
seu destino. Ora, se havia ordem nos astros no céu, por sob o
qual a nau poderia ser conduzida em segurança e sem desviar-se
de seu destino, deveria haver também uma ordem que guiasse
a sociedade para seu objetivo: o bem comum. Ou seja, se o
timoneiro de um barco pode conduzi-lo, mantendo-o no rumo

Unidade 1 21

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Universidade do Sul de Santa Catarina

certo, ainda que cercado por tempestades, o ser humano pode


conduzir suas vidas pública e privada, guiando-as pelas leis que
a relação cidade/cidadão deve constituir para alcançar o bem
comum. Mas Aristóteles faz um alerta:

Quem quiser realizar de maneira conveniente uma


investigação sobre a melhor forma de governo, deverá
necessariamente decidir primeiro qual é o modo de
vida mais desejável para os habitantes da cidade, pois
enquanto houver incerteza a propósito deste ponto
também haverá incerteza quanto à melhor forma de
governo.
(Política, Livro VII)

Há, desse modo, uma expressiva consideração sobre a relação


cidade/cidadão: o ser humano em sociedade pode organizar sua
vida, e essa organização é inerente à sua condição.

Nesse sentido, a metáfora da Nau pode nos levar a refletir


sobre os conceitos de administração, ordenamento, condução,
controle. Hoje, tais conceitos são lugar comum nas mais diversas
atividades humanas, como: administrar um negócio e a própria
vida; ordenar processos industriais; conduzir políticas públicas;
controlar gastos e a violência urbana.

Com base no que você aprendeu sobre a filosofia


política grega, reflita sobre a condição do homem
nesse tipo de sociedade e em que bases se assentava
o direito nessa época.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Na Modernidade houve uma espécie de “revolução copernicana”


no modo de compreender a relação do homem com a sociedade,
graças a uma visão de mundo que privilegiava o indivíduo em
relação à coletividade. Isso está intimamente ligado à nova
conformação antropocêntrica de mundo a partir do século XV
e XVI, que resultou numa reformulação do modo de pensar o
Estado, a sociedade e o direito, com o surgimento da categoria
“sujeito de direito” atribuída ao homem, decorrendo daí a idéia
moderna dos direitos subjetivos, invocáveis principalmente contra
o Estado que cada vez mais interferia nas relações humanas.

No Renascimento europeu, em torno do século XIV, irrompeu


um novo modo de conceber certos aspectos da cultura ocidental
marcando o momento inicial da história moderna européia. O
Renascimento foi palco das grandes descobertas marítimas,
da reforma Protestante, da física newtoniana e das teorias
revolucionárias de Copérnico e Galileu Galilei e, portanto,
aparece como um momento privilegiado da humanidade
ocidental, anunciando uma revelação laica.

O “humanismo” ganhou destaque nesse momento, afirmando-


se, definitivamente, como o discurso da supremacia do homem
enquanto indivíduo e frente ao grupo/sociedade, substituindo
o sistema teleológico da sociedade antiga e o sistema mental
hierárquico da sociedade medieval por uma perspectiva
individualista. Essa perspectiva parte de um conjunto de valores
inerentes à natureza humana, que podem ser identificados no
princípio da dignidade humana. Propôs, assim, uma consciência
puramente humana de que não se pode submeter o homem a
opressões e alienações, ainda que essa “idealização do humano”
tenha levado à tendência do perfeito e do excelente, traduzindo-
se, em geral, não mais que a dimensões aristocráticas e
nobiliárias.

Perpassando o pensamento moderno, o humanismo sustentou-se


em diversas teorias de grandes pensadores da época, marcadas,
principalmente, por concepções universalistas e racionais.

René Descartes definiu o homem como ser racional de cuja


razão provinha o conhecimento dos objetos, pois as verdades
objetivas e científicas, às quais ele jamais pode ser sacrificado,
eram produto de sua consciência. Com Descartes, os fenômenos
passam a ter uma explicação científica suscetível de conhecimento

Unidade 1 23

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Universidade do Sul de Santa Catarina

pelo homem, resgatando-o, assim, do obscurantismo. Descartes


supõe a superioridade do homem sobre todos os bens desejados.
A expressão “Penso, logo existo” exprime o valor superior do
homem em relação a tudo o que ele pode fazer e pensar.

A atribuição de valor individual do homem pode ser percebido


também em Locke, ao priorizar os direitos existentes antes do
pacto social em relação à coletividade e ao Estado Civil, a quem o
autor reconhece um poder apenas limitado de ingerência na esfera
privada do indivíduo. Segundo sua teoria, o Estado nasce como
produto da vontade de homens livres que se unem com o fim
de garantir seus direitos de liberdade e propriedade adquiridos
no hipotético estado de natureza, onde os mesmos, embora
existentes, eram precários.

A idéia do direito natural foi retomada da escolástica clássica e


tomista, cujo pressuposto era a ordem e a regulação natural do
cosmos ao qual o homem estava integrado e subordinado. Como
percebemos, partia-se, na Antiguidade Clássica, da existência de
um mundo harmonioso, um justo universal tanto humano quanto
físico, no qual cada um encontraria seu lugar previamente fi xado
pelo grande plano da Natureza, como se estivesse desenhado de
antemão em um projeto arquitetônico.

No entanto, o renascimento da idéia do direito natural pressupôs


uma inversão de significado do termo “natureza das coisas”,
passando-se a compreendê-lo como referência a racionalidade e
liberdade humanas: o direito restará radicado na razão individual,
como uma qualidade moral do homem, pois a razão é o que
representa a natureza humana. O homem moderno libertou-
se dos laços e regras sociais, na medida em que somente sua
racionalidade - e não os papéis pré-definidos na ordem social
- determinava a sua condição de ser no mundo, pois, de “simples
peça” de um todo organizado, transformou-se em ser dotado de
liberdades pessoais e naturais.

Ao reconhecer a liberdade inata do homem, já não se admite


submetê-lo aos papéis pré-definidos pelo grupo, senão
reconhecer-lhe direitos à livre consciência e ao desenvolvimento
racional de sua personalidade. Sob esse contexto, o direito
passou a equiparar-se a um poder de vontade garantido ao
sujeito, alterando profundamente, na modernidade, a relação do
cidadão com a cidade. A construção do discurso em torno da

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

figura central do homem determinou, portanto, o surgimento das


categorias jurídicas que norteiam a aplicação e a formulação das
normas jurídicas dos atuais sistemas jurídicos do Ocidente e as
formas e comportamentos políticos e sociais da atualidade.

SEÇÃO 2 – A esfera pública e a esfera privada


Vamos dar um pouco mais de atenção à frase apresentada:
“Não há homem feliz sem a cidade o ser; não há cidade feliz
sem o homem o ser”. Como podemos perceber, ao falarmos em
cidadania, estamos falando de ética e política e, como diziam
os gregos, as duas eram inseparáveis e uma dependia da outra.
Assim, agora é importante percebermos melhor qual a relação da
ética com a cidadania, como o comportamento ético é a base para
sermos cidadãos plenos.

O que significa ser cidadão? Ser cidadão significa ser sujeito de


direitos e deveres. Cidadão é, pois, aquele que está capacitado a
participar da vida da cidade, da polis, isto é, de agir politicamente,
transformando a cidade e se transformando a partir dela.

E o que tem a ver a ética com a cidadania?

Para se responder a essas indagações, é preciso considerar um


elemento especifico em torno do qual gira a questão, o homem
enquanto indivíduo é visto como um indivíduo egoísta, que elege
quais são os seus valores morais enquanto indivíduo, elegendo Para o filósofo iluminista,
muitas vezes apenas o que o agrada e o que o favorece. Mas, Immanuel Kant, não existe
enquanto cidadão, isto é, sujeito coletivo, é uma pessoa moral, bondade natural, pois, por
que possui direitos e deveres escolhidos socialmente, os quais natureza, somos egoístas,
ambiciosos, destrutivos,
cada indivíduo possuirá sempre em detrimento de outros. agressivos, cruéis, ávidos
de prazeres, que nunca
Como assinala Marx, “O direito do homem à liberdade não se nos saciam e pelos quais
baseia na união do homem com o homem, mas, pelo contrário, matamos, mentimos,
na separação do homem em relação a seu semelhante. A roubamos. Portanto, é
liberdade é o direito a esta dissociação, o direito do indivíduo justamente por isso que
delimitado, limitado a si mesmo.” (MARX, p. 31) Assim, a precisamos do dever
para nos tornarmos seres
sociedade burguesa se constituiu numa “sociedade que faz com morais. (Esse assunto será
que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua aprofundado na unidade 2.)
liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta”. (IBIDEM, p.32)

Unidade 1 25

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Desse modo, o verdadeiro exercício de cidadania somente é


possível quando conseguimos conciliar o homem individual que
conhece seus valores pessoais, mas que, ao estabelecer relações de
convívio com os outros homens, em sociedade, reconhece que ele
se torna livre ao reconhecer no outro sua liberdade, tornando-se,
assim, um cidadão ético, um indivíduo consciente e responsável,
que tomará como seu próprio ideal o ideal de toda a humanidade.

Na Antiguidade greco-romana e também na Idade Média, não se


conhecia a distinção entre esfera pública e privada que se tornou
patente na Modernidade a partir da consagração da concepção
contratualista de Estado e sociedade.

Até o século XVI, aproximadamente, não se concebia a idéia do


homem como indivíduo, o que veio a ocorrer com a consolidação
do individualismo. O individualismo é um modo de conceber
o homem centrado na figura do indivíduo que se caracteriza
como uma unidade referencial básica da sociedade. Estabelece
um discurso de valorização do indivíduo e sua supremacia frente
ao grupo e aos demais, a partir da aceitação de um conjunto de
valores inerentes à natureza humana, que podem ser identificados
no princípio da dignidade humana. É, assim, uma atitude que
privilegia o indivíduo em relação à coletividade.

Anteriormente à formação das sociedades modernas, o homem,


enquanto indivíduo, era uma abstração frente ao grupo. Quando
Aristóteles diz que o homem é um animal político, ele pretende
dizer que, à diferença de outros animais, o homem não pode
viver senão em sociedade.

Embora os gregos conhecessem a distinção entre a esfera social,


à qual pertence a política, a esfera individual, à qual pertence
a ética, e entre a vida ativa, que se desenvolve na sociedade, e
a vida contemplativa, que se refere ao indivíduo isolado, não se
preocupavam com a distinção dos vários âmbitos no interior da
esfera social, reconhecidos na modernidade. Isso porque a polis
grega era o grande ente onde toda a sociedade se resumia, pouco
importando as individualidades dentro do todo harmônico do
qual faziam parte. Essa era a visão teleológica do Estado e da
Sociedade.

Logo, a cidadania na Antiguidade implicava o exercício de


direitos e deveres no espaço da polis, criando o elo entre o

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

homem livre e a cidade, ou seja, no espaço do mútuo convívio


das pessoas (livres) e que interessava à ética e à política.
Circunscrevendo-se o exercício da cidadania à esfera da polis, não
importava a separação entre público e privado.

Vamos, agora, contextualizar esse debate na modernidade e pós-


modernidade, substituindo a relação cidadão/cidade, presente
na polis grega, pela relação entre esfera pública e esfera privada.
Ao fazer esse deslocamento, passamos o debate para os séculos
XVIII, XIX e XX e percebemos que a idéia de cidadania assume
nova feição.

Na modernidade, a separação entre público e privado passou


a determinar a essência e a forma de exercício da cidadania. A
cidadania já não está mais ligada à condição que se tem na cidade
e no Estado (a polis grega), mas à condição humana mesma do
indivíduo, e passa a ocorrer em esferas distintas: no espaço público,
onde o indivíduo é cidadão, e no espaço privado, onde o indivíduo
é simplesmente pessoa. Daí a distinção entre direito público e
direito privado e o surgimento da figura do sujeito de direitos.

Na modernidade, no período das revoluções burguesas, se


acreditava que o poder político era formado por uma esfera
pública impessoal, ou seja, por instituições que eram separadas da
sociedade civil e reguladas pelo Estado. Já na pós-modernidade,
a crença no poder do Estado é derrubada e os micropoderes,
disciplinadores da vida privada e da sociedade civil, são revelados.

Assim, enquanto a modernidade se preocupa com os direitos


individuais, a pós-modernidade passa a se preocupar com
as minorias, isto é, mulheres, homossexuais, negros, idosos,
etc. Na modernidade, os conceitos principais são a igualdade
e a liberdade, mas, na pós-modernidade, esses conceitos são
substituídos pelos conceitos de dignidade e alteridade. Desse
modo, na Modernidade percebe-se que a cidadania ainda
ostentava traços antigos, na medida em que só o cidadão era
titular de direitos e deveres, enquanto hoje, na pós-modernidade,
a cidadania, através do reconhecimento universal dos direitos
humanos, passou a poder ser exercida na esfera internacional,
como se verifica nas Declarações de Direitos da ONU, da OEA,
etc. Além da dimensão local e nacional, a cidadania assume
o espaço universal, transformando-se em direito de cidadania
cosmopolita.

Unidade 1 27

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Sistematize o que você sabe acerca da condição do


homem, enquanto indivíduo, na esfera da jurisdição
internacional (leia-se, os Tribunais internacionais).

É importante perceber que há diferenças no modo de


entendermos a cidadania, ou a relação homem/sociedade,
ou esfera pública e esfera privada, do ponto de vista político,
por isso tantas formas de governo foram experimentadas ao
longo de nossa história. Mas ainda vivemos o mesmo conflito
de como conciliar o meu desejo ao do outro, como ser livre,
respeitando a liberdade do outro. Por isso, na próxima unidade,
aprofundaremos o debate ético, para compreendermos quais são
os fundamentos éticos e morais do comportamento humano.

SEÇÃO 3 – Direitos Humanos: atualidades e desafios


Os direitos humanos são aqueles que, historicamente, foram
identificados ou reconhecidos aos seres humanos, pelo simples
fato de serem eles o que são. Costuma-se identificar suas origens
filosóficas e políticas aos acontecimentos históricos e às teorias
jusnaturalistas e contratualistas da Modernidade Européia
(séculos XVII e XVIII), como se observará no Estudo da
Unidade 5. Em virtude de sua gênese histórica, destaca-se, dentre
suas principais características, a concepção de direito preexistente
à sociedade e ao Estado, já que a imagem de homem criada nesse
contexto histórico era a individualista.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

A visão dos modernos sobre o Estado e a Sociedade alterou-se


profundamente em relação aos antigos, sobretudo os gregos, que
viam uma indissociável e necessária ligação entre a esfera pública
e a privada. Na Modernidade, essa relação passou a ser concebida
como um contrato, em que cada homem alienava parcela de sua
autonomia em favor do Estado, cujo papel se resumiria a garantir
a não intervenção no domínio privado dos cidadãos, mantendo
intocáveis os direitos já presentes no hipotético Estado de
Natureza.

No processo de afirmação dos direitos humanos,


destacam-se a Declaração dos Direitos da Virgínia e
a Declaração de Independência dos Estados Unidos
(1776), além da Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), onde as liberdades
individuais adquiriram contornos bem delimitados. Os
direitos liberais aí previstos possuíam nítida conotação
burguesa e desencadearam o espírito individualista
que norteiam as relações sociais até hoje.

A concepção individualista dos direitos humanos levou Marx


a afirmar que esses (droits de l’homme) nada mais eram que os
direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem
egoísta, separado do homem e da comunidade. A conclusão
marxista decorre do fato de ser a liberdade o direito humano por
excelência. Segundo Marx, a liberdade consiste no direito de
fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique o outro, ou
seja, é um direito que se baseia, não na união do homem com o
homem, e sim na separação deste em relação ao seu semelhante.
Por outro lado, entendia que a aplicação prática deste direito era
a propriedade privada - fundamento da sociedade burguesa -,
que nada mais é do que “desfrutar do patrimônio e dele dispor
arbitrariamente”.

Devido às transformações sócio-políticas ao longo do século


XIX, com a revolução industrial e emergência do capitalismo
e das classes sociais, e do século XX, com o surgimento
de conflitos de dimensões mundiais ou globais, os
direitos humanos foram assumindo uma nova feição e
assimilando novos papéis, o que alterou profundamente
a sua compreensão como meros direitos de liberdade do
ser humano – individualista e burguês. O processo de
afirmação dos direitos políticos, por exemplo, delineou-se

Unidade 1 29

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Universidade do Sul de Santa Catarina

no século XIX, quando os direitos civis já haviam conquistado


substância suficiente. Não se tratava de formação de um novo
conceito de direitos e sim de doação de velhos direitos a novos
setores da população. No século XVIII, os direitos políticos eram
deficientes no conteúdo e na distribuição, tanto que o direito ao
voto era monopólio de grupos estritamente identificados com o
poder econômico.

Por outro lado, o aprofundamento do pensamento liberal,


caracterizado pelo apego aos valores do individualismo, andou de
mãos dadas com a alteração radical no modo de vida promovida
pela industrialização. O processo industrial fez surgir as classes
operárias e o fenômeno da urbanização, os quais acabaram
refletindo na concentração do trabalho imposta pelo modelo
industrial e produtivo, bem como na relação desse com a
qualidade de vida das pessoas.

O modelo jurídico liberal teve como reação a profusão das idéias


socialistas, onde emergiu uma nova concepção de Estado, que
passou a ter funções positivas, assumindo um papel regulador e
promotor do bem-estar, sobretudo após 1945. O Estado passou
a assumir importante papel no terreno dos direitos humanos,
devido aos direitos conquistados pelos novos setores da sociedade
e à necessidade de promoção dos mesmos, negada pelo modo de
produção capitalista que privilegia a concentração de riqueza e a
exclusão da maioria.

O surgimento dos direitos sociais e o alargamento dos direitos


políticos representaram a inserção do Estado na questão dos
direitos humanos e esse foi o grande desafio do século XX, pois
poucas Nações conseguiram responder a essa demanda. É o caso
dos Estados Unidos da América e de alguns países da Europa,
sem contar o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia. O restante
do mundo continuou convivendo com a negação sistemática
dos direitos humanos sociais e políticos à grande maioria da
população que, por isso, não desfrutaram sequer de seus direitos
de liberdade.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Enquanto no século XX, buscava-se responder às demandas


dos novos direitos ou dos velhos direitos aos novos setores
da população, os conflitos bélicos de ordem global, as
inovações tecnológicas, o crescente autoritarismo dos
Governos, entre outros fatores, revelaram ao mundo a
situação de violação generalizada dos direitos humanos
sob novas formas, como poluição ambiental, exclusão
ou extermínio de minorias, genocídios e exploração
econômica dos povos.

A resposta encontrada foi a crescente positivação dos direitos


humanos, seja em âmbito interno, com a previsão nas respectivas
Constituições dos Países, seja no âmbito internacional, a partir
de 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU) e seus sucessivos Pactos e Declarações Internacionais de
Direitos Humanos. O conteúdo das novas prescrições baseou-se
na amplitude global e difusa das violações dos direitos humanos,
levando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
ONU, de 1948, a proclamá-los universais, isto é, de validade
universal. No entanto, existe ampla divergência em torno do
reconhecimento do caráter universal dos direitos humanos.
Dentre as principais objeções à sua universalidade, pode-se
destacar:

a) a idéia dos direitos humanos está ligada a pressupostos


válidos apenas para os povos europeus;

b) a idéia dos direitos humanos ignora a diversidade


cultural e a base social das identidades pessoais, logo,
pressupõe dissocialização e aculturação dos seres
humanos;

c) a noção dos direitos não é encontrada em muitas


sociedades, pois é um conceito recente, até mesmo
nas sociedades ocidentais e inerente à Modernidade
Européia. Por outro lado, o crescente reconhecimento
jurídico dos direitos humanos não representou o fim das
violações, pois essas se mantiveram freqüentes.

Unidade 1 31

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Portanto, no início do novo século os desafios que os direitos


humanos enfrentam transcendem a crítica de Marx, pois,
formalmente, pode-se admitir que seu reconhecimento é
generalizado e não apenas limitado ao homem burguês, devido à
ampla adesão dos Países aos pactos e Declarações Internacionais
de Direitos Humanos. Hoje, podemos concluir que os direitos
humanos convivem com os seguintes problemas:

a) apesar de tantas declarações internacionais e legislações


nacionais, asseguradoras dos direitos humanos, as
violações dos direitos humanos crescem e os Estados,
ou mesmo a ordem internacional, não dispõem de
mecanismos efetivos para a sua garantia e promoção;

b) filosoficamente, muitos sustentam que seu fundamento


é individualista e, por isso, contestam qualquer
possibilidade de validez universal, negando a
possibilidade de serem invocados como meio de proteção
de muitos povos.

Como se pode perceber, a concepção moderna de direitos


humanos foi sendo alterada ao longo do tempo, ao passo que
hoje representam uma categoria de direitos que abriga e protege a
existência e o exercício das diferentes capacidades do ser humano
e que encontram, na idéia de dignidade humana, o seu ponto
convergente. Hoje, podemos dizer que são direitos humanos,
não apenas o direito à liberdade e à vida, mas também o direito
à saúde, à educação, à moradia, ao meio ambiente saudável,
entre outros. Por isso, os valores que norteiam a afirmação e a
prática dos direitos humanos são a dignidade e a alteridade, de
modo que os direitos humanos se inserem na sociedade como
um componente ético, implicando, além da participação do
Estado, um comprometimento da sociedade e da comunidade
internacional.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Síntese

Nesta unidade, você percebeu que a idéia de cidadania não é


nova, que ela nasceu na Grécia, antes de Cristo, e tinha como
principal objetivo mostrar a relação direta entre o homem e a
polis, isto é, segundo Aristóteles, a natureza deu ao homem a
disposição para a vida em sociedade, e viver fora da sociedade
seria contra a natureza humana. Portanto, não há homem feliz
sem a cidade o ser; não há cidade feliz sem o homem o ser.

Você também teve a oportunidade de esclarecer as mudanças


ocorridas na idade moderna e pós-moderna, em que o debate
sobre a cidadania passa a ser travado na discussão sobre esfera
pública e esfera privada, ocorrendo uma substituição do modelo
grego, que dá mais atenção ao bem comum, para o nascimento
de uma sociedade de direitos individuais na modernidade e,
posteriormente, de minorias na pós-modernidade.

Em relação aos direitos humanos, você pôde compreender


que seu surgimento está atrelado, filosófica e politicamente,
aos acontecimentos da Modernidade Européia (séculos XVII
e XVIII). Porém, as transformações ocorridas na sociedade
nos séculos posteriores fizeram com que os direitos humanos
assumissem novos papéis e alcançassem um número cada
vez maior de seres humanos, a ponto de serem considerados,
hoje, direitos universais. Por dependerem de atuação estatal,
por estarem ligados a pressupostos filosóficos amplamente
contestáveis do ponto de vista universal e por representarem um
núcleo de tensão nas relações sociais, os direitos humanos têm
encontrado grandes desafios para verem-se implementados na
prática.

Unidade 1 33

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades de auto-avaliação
1. Por que, para os filósofos gregos, cidadão e polis são indissociáveis?

2. Quais são as principais mudanças da relação esfera privada e esfera


pública na modernidade e na pós-modernidade?

3. Aristóteles considera que a finalidade da ciência política é o bem do


homem, e é mais desejável alcançá-lo ou persegui-lo para uma cidade
do que para um único homem. Explique a partir da frase de Aristóteles,
qual a relação entre ética e cidadania.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

4. Quais os principais avanços e as principais dificuldades de


implementação dos direitos humanos na atualidade?

Saiba mais

1) Para aprofundar as questões abordadas nesta unidade, você


poderá consultar as seguintes obras:
„ ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Brasília:
Ed. Universidade de Brasília, 1985.
„ BOFF, L. Ética da Vida. Brasília: Letra Viva, 2000.
„ , Saber Cuidar. Petrópolis: Vozes, 2000.
„ CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo:
Ática, 1998.
„ , Público, Privado, Despotismo. In: Novaes
(org), Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
„ BORGES, Maria de Lourdes et al. O que você precisa
saber sobre Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
„ GIANOTTI, José A. A Moralidade Pública
e Moralidade Privada. In: Novaes (org). Ética. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
„ HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo.
Trad. Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989.
„ KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica
dos Costumes. São Paulo: Abril, 1983. (Coleção Os
Pensadores)

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Universidade do Sul de Santa Catarina

„ MILL, John Stuart. O Utilitarismo. São Paulo:


Iluminuras, 2000.
„ PLATÃO. A República. 8. ed. Lisboa: Fund. Calouste
Gulbenkian, 1996.
„ RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença,
1993.
„ SAVIANI, Dermeval. Conferência no “Congresso
Nacional de Educação para o Pensar e Educação
Sexual”. Florianópolis, 2001.
„ TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. 4. ed.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

2) Sugestão de filmes:

Diários de motocicleta – O filme, com direção de Walter


Salles, conta a história de Che Guevara (Gael García Bernal),
quando era um jovem estudante de Medicana que, em 1952,
decide viajar pela América do Sul com seu amigo Alberto
Granado (Rodrigo de la Serna). A viagem é realizada em uma
moto, que acaba quebrando após 8 meses. Eles então passam
a seguir viagem por meio de caronas e caminhadas, sempre
conhecendo novos lugares. Porém, quando chegam a Machu
Pichu, a dupla conhece uma colônia de leprosos e passa a
questionar a validade do progresso econômico da região, que
privilegia apenas uma pequena parte da população. Este filme
propicia uma reflexão sobre como nos constituímos, enquanto
sujeitos, nas relações com os outros, enquanto fazemos o nosso
próprio caminho.

A Praia – “Em um hotel barato de Bangcoc, Richard


Sinopse extraída do site: http:// (Leonardo DiCaprio) conhece Françoise (Virgine Ledoyen)
adorocinema.cidadeinternet.com. e Étienne (Guillaume Canet), um casal de franceses. Ele
br/filmes/a-praia/a-praia.htm também encontra Patolino (Robert Carlyle), um viajante mais
velho, marcado por anos de sol e drogas. De forma paranóica,
Patolino conta a Richard a improvável história de uma ilha
secreta, um paraíso na Terra, a praia perfeita sem a presença
de turistas. No dia seguinte, Richard encontra um mapa
desenhado à mão da ilha descrita por Patolino, preso na sua
porta. Ele vê nisto “algo diferente”, pois não pretende fazer a
mesma coisa que todos os outros turistas; assim, Richard vai

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

procurar Patolino e descobre que ele se suicidou, cortando os


pulsos. Richard persuade Françoise e Etienne a se juntarem a
ele em uma viagem, seguindo o mapa de Patolino. Para irem
até “a praia”, eles arriscam suas vidas ao nadarem, em mar
aberto, de uma ilha para outra, se arrastando e correndo de
guardas armados, que vigiam uma plantação de maconha,
e pulando de uma cachoeira, mas ao chegarem ao sonhado
destino encontram uma pequena comunidade de viajantes,
que, como eles, encontraram “a praia” e vivem em segredo.
Eles recebem as boas-vindas do grupo, e esta parte da ilha
paradisíaca se torna a casa deles, deixando para trás o mundo
que conheciam. Mas na realidade este céu na Terra não é
tão perfeito. Conflitos pessoais e ciúmes criam uma violenta
rivalidade, e trágicos eventos dividem a comunidade. Bastante
isolado e transtornado, Richard não sabe o que fazer, pois o
sonho se tornou um pesadelo, e o paraíso virou um inferno.
Agora sua única meta é partir. Mas a fuga não será fácil,
pois “a praia” é um lugar secreto, que alguns defenderão até a
morte.”

O filme proporciona uma discussão interessante sobre a


constituição do sujeito, tanto pela resistência e sujeição à
ditadura da comunidade, quanto pela resistência e sujeição aos
apelos do consumo.

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2
UNIDADE 2

Fundamentos éticos e morais


do comportamento humano

Objetivos de aprendizagem
„ Diferenciar ética de moral.

„ Definir o conceito e os estudos em ética.

„ Conhecer as principais teorias éticas.

„ Perceber a importância da ética no séc. XXI.

Seções de estudo
Seção 1 Moral e Ética.
Seção 2 Teorias éticas.
Seção 3 Ética em tempo de Globalização.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Falar sobre ética é uma tarefa entusiasmante, pois percebemos a
grande contribuição que ela pode dar à vida em sociedade, mas,
ao mesmo tempo, ela pode nos revelar o longo caminho que
ainda temos a trilhar para que alcancemos a felicidade.

A ética é um dos temas mais trabalhados no pensamento


filosófico contemporâneo. Talvez, neste espaço de tempo
compreendido entre o fim do século que passou e início deste, a
humanidade esteja mais preocupada com esse conjunto de normas
e regras morais de conduta e comportamento, em decorrência do
grande “vazio moral”. Até mesmo na guerra e entre os bandidos
há a necessidade de se estabelecerem regras, se imporem limites,
de aprendermos a nos relacionar uns com os outros, dentro desse
estreito presente.

Em todos os âmbitos da sociedade pós-moderna, são imperativas


a discussão e a reflexão sobre inúmeras questões, como a ética
dos negócios, a bioética, a ética na Internet. No campo da ciência
e da técnica, discute-se o papel dos cientistas e das pesquisas,
questionando-se se elas são neutras. Discute-se eticamente a
eutanásia, o uso de grãos transgênicos e suas conseqüências para
a saúde humana, a manipulação genética capaz de criar clones
animais e, quem sabe, até clones humanos.

A ética não é apenas uma abstração acadêmica,


não consiste em apenas criticar (julgar) os vícios ou
virtudes de terceiros, mas em fazer uma análise dos
próprios vícios e virtudes, além de discutir como
legitimar a ação profissional de cada grupo perante o
conjunto da sociedade.

É fundamental discutir nosso papel na sociedade, pois nenhuma


profissão e nenhum profissional conseguirão se manter ilesos
perante o conjunto da sociedade. Hoje, lutamos cada vez mais
para garantir nossos direitos como profissionais e cidadãos,
portanto precisamos assumir uma posição coerente com as duas
condições pelas quais somos sujeitos dentro da sociedade. Em
um momento assumimos a posição do profissional que respeita
os direitos dos cidadãos, em outro, somos o cidadão que quer ser
respeitado.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Notamos, desse modo, que, no rastro da globalização, o conceito


de cidadania passa a ser um valor universal, não apenas nas
relações das empresas e profissionais com seus consumidores, mas
com o meio ambiente em geral, seja artificial, cultural ou natural.
É fundamental que nos percebamos como uma partícula nesse
imenso ecossistema, que precisa dele e que pode defendê-lo.

Por isso, precisamos formar pessoas críticas de suas próprias


profissões, que tenham a visão abrangente, para entenderem
qual o seu papel profissional no novo milênio e que adquiram a
capacidade de interagirem com outros setores e de atenderem às
expectativas da opinião pública.

SEÇÃO 1 - Moral e Ética

A ética vem do berço? O que você acha?


Registre suas impressões para depois continuar a
discussão. Use o espaço abaixo.

Unidade 2 41

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Na introdução da unidade, você percebeu a importância da ética


para a vida em sociedade.

Mas será que é possível dizer que todos nós somos éticos,
ou há uma diferença que faz com que digamos que, em uma
determinada situação, um sujeito agiu eticamente e, em outro
caso, não?

Para responder a essa questão, é necessário diferenciar senso


moral de consciência moral. Primeiramente, quando falamos
que todos os humanos são seres morais, estamos falando que
todos nós temos um senso moral diante dos acontecimentos da
vida, mas ter consciência do significado de nossos atos é bem
diferente.

O atual governo federal tem como principal


campanha a “Fome Zero”, uma luta contra a
fome. Diante dessa luta, ficamos sensibilizados
quando vemos, em reportagens da TV, cenas em
que aparecem crianças e adultos do nosso sertão
nordestino que não têm ao menos água para beber.
A sensação que temos é de indignação diante
da realidade brasileira e do descaso de nossas
autoridades, para solucionar um problema tão
antigo e freqüente em nossa história. De certo modo,
também nos sentimos responsáveis por aquelas
crianças e, movidos pela solidariedade, participamos
de campanhas contra a fome; no inverno, de
campanhas do agasalho, etc. Nesse caso, podemos
dizer que os sentimentos despertados e as ações
praticadas são frutos de nosso senso moral. Portanto,
todos seres humanos têm senso moral.

Entretanto, se perguntarem a você se é correta a eutanásia,


podem surgir as seguintes questões: Se a pessoa estiver sentindo
dores fortes, é correto desligar as máquinas que a mantêm viva?
É preferível deixá-la morrer? É correto existir uma lei que proíba
a eutanásia, ou há casos em que ela pode ser correta?

Podemos agir de acordo com nossas crenças, mas como um


médico deveria se portar diante de tal situação? É difícil
responder a essas questões, pois nossa decisão afeta os outros
e temos dúvida quanto ao que realmente é correto. Nossa
consciência moral é colocada à prova, pois devemos saber o que

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

nos levou a considerar tal ação como certa ou errada, devemos


justificar nossos atos para as outras pessoas e sermos responsáveis
por nossas escolhas. Devemos apontar as razões que nos levaram
a considerá-la correta.

Quando nos vemos diante de situações que nos suscitam dúvidas


sobre a forma correta de conduzirmos nossas ações, levamos em
consideração os valores que adquirimos ao longo de nossas vidas,
porque nossos pais ou professores nos ensinaram, ou porque
nossa religião diz o que é certo e o que é errado, ou porque nós
temos realmente consciência de nossos atos? Valores como justiça,
honra e generosidade são a base para avaliarmos o que é correto.
Mas o modo como nos portarmos diante deles é variável, pois,
quando apenas seguimos o que é correto porque nossos pais nos
ensinaram, não temos ainda consciência do real valor de agir de
acordo com eles.

Isso é ter ética ou moral? Para você, o que é ética e


o que é moral? Sistematize sua resposta no espaço
abaixo antes de prosseguir.

Ética:

Moral:

Unidade 2 43

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Universidade do Sul de Santa Catarina

“O senso e a consciência moral dizem respeito a valores,


sentimentos, intenções, decisões e ações , referidos ao
bem e ao mal e ao desejo de felicidade.”
(CHAUÍ, 1997, p. 335)

Vamos ver a diferença entre ética e moral e situá-las no contexto


de estudo?

O que é Ética?
Costume, modo de ser ou caráter. Área de estudo da fi losofia que
se propõe a pensar as ações humanas, seus princípios e normas,
buscando distinguir entre o bem e o mal.

O que é Moral?
Costumes, valores e obrigações adquiridos por hábito e
compartilhados por um grupo ou sociedade em um determinado
tempo histórico.

O termo ética vem da palavra grega ethos e pode ter dois


significados, pois na língua grega existem duas vogais para nossa
vogal “e”, a vogal epsilon, que é breve, e a vogal eta, que é longa.
Por isso, ethos, com a vogal longa, significa costumes, e com a
vogal breve, caráter, isto é, temperamento ou modo de ser de um
sujeito.

Quando definimos ethos, por costume essa definição é equivalente


a moral, que vem do latim mores, que também significa costume.
Portanto, nesse caso, moral e ética tratam da mesma questão, dos
costumes de um determinado grupo ou sociedade, dos valores
que elegemos coletivamente como corretos.

Mas, ética também é definida como modo de ser ou caráter,


mostrando seu caráter individual, no qual o sujeito admite os
valores aceitos por sua sociedade como sendo seus também,
pois entende seu significado e sabe qual a importância de agir
de acordo com eles. Assim, pode-se dizer que ele realmente é
virtuoso.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Portanto, ética difere de moral, pois chamamos de moral os


costumes que são adquiridos por hábito, de cujo significado o
sujeito não tem consciência, o que não acontece com o sujeito
ético, que sabe e conhece por que age de acordo com um
determinado valor ou princípio.

Qual é o papel da ética?


Fazer a análise dos valores, pensar seus fundamentos, sua origem
e finalidades. O campo da ética procura definir o agente ético,
ao atribuir responsabilidade ao sujeito, que livremente decide
e escolhe o que faz e tem consciência dos princípios que elege
como correto. A ação ética é norteada pelas idéias de bem e mal,
justo e injusto, virtude e vício. Assim, uma ação só será ética
se consciente, livre e responsável; será virtuosa se realizada em
conformidade com o bom e o justo; se for livre, só o será se for
autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior do próprio
agente e não de uma pressão externa através da punição, ou
estímulo. (CHAUÍ, 1997)

Quando agimos moralmente?


Podemos dizer que agimos moralmente em todos os momentos,
mas isso não significa que sempre estamos sendo éticos. Vamos
analisar o exemplo da farra do boi, ainda praticada em Santa
Catarina:

Na próxima unidade,
Ao avaliarmos a prática da farra do boi, podemos você conhecerá a relação
considerá-la correta do ponto de vista moral, já que entre ética e direitos
a prática desse ritual é considerada boa e valorosa. humanos e verá como
Mas, quando avaliamos do ponto de vista ético, há direitos humanos que
podemos argumentar que o interesse de os animais são universais, isto é,
não sentirem dor deve ser levado em consideração. direitos que são válidos
Quando colocamos nossa espécie como superior à para qualquer ser humano,
dos animais, estamos sendo especistas, pois tanto nós independente dos
como os animais somos seres sensíveis à dor e temos costumes culturais de sua
o mesmo interesse em não senti-la. sociedade.

Unidade 2 45

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Existem dois problemas a serem levados em consideração


sobre a farra do boi. Primeiro, do ponto de vista moral, mesmo
que consideremos antiética essa prática, devemos respeitar
os costumes da comunidade praticante, sem interferir neles.
Contudo, por outro lado, podemos nos posicionar sobre o
tema do ponto de vista da ética, principalmente por meio da
discussão da defesa dos interesses dos animais em não sentir
dor, argumento utilizado pelas autoridades públicas em defesa
dos animais, ao criar uma lei que proíbe tal prática. Mas surge
uma outra questão: É ético interferir nos costumes de uma
determinada sociedade?

Toda lei é ética? O que você acha?

Analise a figura a seguir:

ÉTICA LEI

Primeiramente, vamos entender a relação entre lei e ética.


Notamos, no desenho acima, que nem toda lei é ética, e nem
tudo o que é ético é lei. Por que isso acontece? Immanuel Kant,
filósofo iluminista, aponta que ética é a legislação interna que
damos a nós mesmos, isto é, por sermos seres racionais, temos o
dever de nos guiarmos por regras que nossa razão verifica como
corretas. Devemos eleger máximas que guiem nossas ações.

Na próxima seção, abordaremos mais a tese kantiana sobre o


dever. Agora, detenha-se no fato de que Kant chama de lei a
legislação externa, e ela existe, porque não somos éticos, isto
é, nós precisamos de uma legislação que garanta que aqueles

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

que não cumprirem o seu dever sejam punidos, de modo que a


dignidade e a liberdade dos sujeitos sejam garantidas. Contudo,
a lei, para ser justa deve estar sustentada por princípios éticos,
mas nem sempre a lei acompanha a mudança de valores de uma
sociedade. Por isso, até pouco tempo
atrás, existiam leis que não
Há uma grande diferença entre a vontade do sujeito (interna) e os puniam os maridos que
valores morais da sociedade (externa), o que só pode ser resolvido alegassem direito à honra
se o indivíduo reconhecer os valores de sua sociedade como se ao matarem suas esposas
em caso de adultério.
tivessem sido instituídos por ele. Se não, surge um conflito, que
pode ser resolvido por meio de punição pela lei ou pelo desprezo
de seus iguais.

Os representantes da ética grega, Platão e Sócrates, nos


ensinaram que a transgressão se deve à falta de conhecimento, ou
seja, o erro decorre dessa falta.

Já Aristóteles dizia: O bem é a finalidade de toda a ação. A busca


do bem é o que difere a ação humana da de outros animais. E
o mais alto bem é a felicidade, e indica-se o bem viver e o bem
agir com o ser feliz. Mas a resposta sobre o que é felicidade não é
respondida por todos da mesma forma, pois cada um responde de
uma forma singular, de acordo com seus valores. Toda produção
histórica dos seres humanos consiste em criar condições para que
o homem seja feliz. Todas as filosofias de todos os tempos, as
religiões, as conquistas tecnológicas, as teorias científicas e toda
a arte são criações humanas que procuram apresentar condições
para a conquista da felicidade.

Nós podemos agir de acordo com a regra apenas por medo


da punição que podemos sofrer, ou porque conhecemos a
importância dessa regra.

No caso da mentira, podemos refletir por que ela é uma regra


que esperamos que seja seguida. Pensemos um pouco sobre a
promessa. Qual a necessidade de ela existir? Para que a promessa
exista, você precisa ter a garantia de que possa confiar na pessoa
que fez a promessa, e, por isso, precisamos levar em consideração
que “não mentir” é uma regra que se espera, seja respeitada pela
pessoa que faz a promessa.

Unidade 2 47

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Análise da expressão “não mentir”.


Essa frase se dirige não apenas ao sujeito que fala,
mas a todas as pessoas que devem obedecer a essa
regra. Pensemos no seguinte caso: você é fiador do
seu cunhado. Então, ao assinar o contrato de aluguel
como fiador, você está se responsabilizando por
pagar o aluguel, caso o inquilino não o faça; mas você
espera que isso não aconteça, afinal o seu salário é
mais baixo do que o do seu cunhado, e você confia
nele. No entanto, em uma determinada ocasião, seu
cunhado resolve trocar seu carro novo, nacional por
um importado, e por esse motivo deixa de pagar o
aluguel (enquanto você ainda não conseguiu comprar
um carro novo nacional). O que pode acontecer nessa
situação, em que você é obrigado a pagar os aluguéis
atrasados e esperar que seu cunhado cumpra com
sua dívida? E, caso ele não cumpra, isso pode levar
você a não acreditar mais em nenhuma promessa. E
imagine se, logo que você sofreu esse dano moral, sua
irmã, que foi largada pelo marido (aquele que trocou
de carro, trocou também de mulher), pede que você
seja novamente fiador? Afinal, você é o único parente
que restou na família. E, ainda, você sabe que sua irmã
dependerá da pensão do ex-marido?

Percebemos que, nesse caso, não cumprir a promessa (quebrar a


regra “não mentir”) faz com que tenhamos, a todo o momento,
que desconfiar do outro e faz também com que cada vez mais
tenhamos receio de ajudar outras pessoas, mesmo no caso em
que elas realmente precisem de nossa ajuda. Logo, a mentira não
pode ser uma regra, já que todas as relações tanto pessoais como
profissionais dependem da confiança. Pois, se você, por exemplo,
não pudesse confiar em que seu chefe pagará seu salário em dia, o
que você faria?

Para você entender melhor: aprendemos quando criança que não


devemos mentir, mas quando atingimos a vida adulta ou, mesmo
antes, na adolescência, mentimos. Então, por que existe a regra
de que é errado mentir?

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Há diversas maneiras de responder a essa questão. Immanuel


Kant, filósofo iluminista, responde da seguinte maneira: “Será
que podemos tornar regra uma lei universal, isto é, válida para
todos de que é correto mentir? Não, pois seria insustentável
vivermos em um mundo em que não podemos confiar nas
pessoas, a todo o momento, não saberíamos quem estaria falando
a verdade. Podemos dizer que viveríamos em estado de guerra.”

Nessa resposta de Kant, notamos que, para discutir essa


questão, ele levou em consideração a universalização da regra,
partindo de um ponto de uma reflexão que deixa de levar em
consideração casos relativos. No entanto, a ética contemporânea
não se preocupa mais em apenas discutir chavões, como “não
minta”, “não roube”, pois essas normas perdem sua importância
ao tratarmos de questões mais complexas, como, por exemplo,
quando devemos escolher entre duas ações cujos resultados
são contraditórios, como no caso de mentir ou não a Gestapo,
acerca da presença de judeus no sótão da casa, na época da 2ª
guerra mundial. “Não mentir” concorre explicitamente com “não
condene à morte” (SINGER, 1993). O que é correto diante da
mentira?

A lei possui princípios éticos, que visam ao ideal de justiça, como:

„ honestidade; não lesar a outrem, isto é, respeitar a


liberdade do outro;

„ a igualdade de direitos;

„ o respeito à dignidade do ser humano e o respeito à vida.

Contudo, é difícil decidirmos sobre o que é correto, mas temos


como avaliar o porquê de considerarmos tal ação correta. E isto
faz com que admitamos que todos nós temos senso moral, mas é
necessário, além disso, consciência do significado de nossos atos.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 2 - Teorias Éticas


“Age, diante de todos, do mesmo modo que desejarias
que os outros agissem, diante de qualquer pessoa”.
(Tugendhat)

Essas divisões são apresentadas no Divisões da Ética


livro: BORGES, Maria de Lourdes et
al. O que você precisa saber sobre Normativa Estudo das várias correntes de determinação da ação correta.
Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
Metaética Estuda as condições de verdade e validade dos enunciados éticos.

Procura resolver conflitos práticos, utilizando os princípios obtidos


Ética Aplicada pela ética normativa.

Estudaremos, nesta unidade, as éticas normativas e, na próxima


unidade, a ética aplicada, deixando de lado as questões de
metaética, que constitui um estudo muito específico do debate
filosófico.

E a Ética Normativa como se subdivide?


„ Ética Teleológica - determina o que é correto, de acordo
com uma certa finalidade (telos) que se pretende atingir.
„ Ética Deontológica - determina o que é correto,
segundo regras e normas em que se fundamenta a ação.

A Ética Teleológica pode ser subdividida em:

a) Conseqüencialista - se baseia nas conseqüências da ação


e defende que os seres humanos devem agir de forma tal
que produzam boas conseqüências. As duas correntes
principais são:

„ Egoísmo ético - o ser humano deve agir em seu


próprio benefício.
Todos devem convir com o interesse do indivíduo.

Agir apenas de acordo com o interesse pessoal,


ignorando o interesse dos outros.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Todos devem agir de acordo com o interesse do


indivíduo.

„ Utilitarismo - agir de acordo com o interesse


de todos. Proporcionar o maior bem ou a maior
felicidade para todos que o cercam. Ex: Jeramy
Bentham, John Stuart Mill e Peter Singer.

b) Ética de virtudes - considera o caráter moral ou virtuoso


do indivíduo.

„ Aristóteles - O que nós queremos em nossa vida?


Qual a finalidade de nossas ações?
É a busca da felicidade (eudaimonia), que não
consiste em uma alegria momentânea nem em uma
euforia efêmera, mas sim em um estado duradouro
de satisfação.

„ MacIntyre - objetivo da ética: criação de homens


virtuosos, cujos sentimentos e inclinações fossem
cultivados moralmente. Alasdair MacIntyre é um
defensor contemporâneo da ética das virtudes.

As principais correntes da Ética Deontológica são:

a) Intuicionismo moral − as pessoas são dotadas de um


conhecimento imediato quanto ao que é correto.

b) Ética do dever − pretende discriminar as regras do que é


certo ou errado moralmente. Ex: Kant.

c) Ética do discurso − determina as regras do que é correto,


a partir de uma comunidade ideal de comunicação. Ex:
Apel e Habermas.

d) Contratualismo moral − as regras de justiça, que devem


reger as principais instituições, decorrem de um contrato
hipotético. Ex: John Rawls. Seção 1.01

As éticas do discurso e o contratualismo moral são reformulações


da ética kantiana.

Unidade 2 51

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Vamos fazer um resumo?

Divisões da Ética Normativa


Egoísmo ético
Conseqüencialista Utilitarismo

Ética Teleológica

Ética de virtudes Aristóteles


MacIntyre

Intuicionismo moral

Ética do dever
Ética Deontológica
Ética do discurso

Contratualismo moral

Os seres humanos agem conscientemente, e cada


um de nós é senhor de sua própria vida. Mas como
resolvemos o que fazer? Você em algum momento
já pensou em como você toma as decisões sobre
o que fazer em determinada situação? Você age
impulsivamente, fazendo “o que der na telha”,
ou analisa cuidadosamente as possibilidades e as
conseqüências, para depois resolver o que fazer?
Pense um pouco sobre essas questões antes de
prosseguir. Se preferir, anote suas reflexões a seguir:

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

A teoria pode, sem dúvida, nos ajudar muito em nossas escolhas,


pois ela nos ensina a discernir entre o bom e o mau, no entanto
é necessária uma inteligência emocional, para que consigamos
agir corretamente; é necessário o exercício da vontade, já que
tendemos a eleger nossos desejos como mais importantes do
que os interesses alheios. Portanto, o que nos ajudará a uma
boa conduta não é apenas o conhecimento teórico, mas o
conhecimento empírico dos fatos, uma capacidade de prever as
prováveis conseqüências de nossa ação, e uma certa intuição de
qual seria a melhor conduta em determinada situação.

Você concorda com essa afirmação? Por quê?


Justifique abaixo sua resposta.

Para pensar a questão, acima, vamos comparar a


situação a um jogo de futebol. Supondo que se esteja
armando um time de futebol entre garotos(as) que
não conheçam as habilidades respectivas. Para que
cada um seja aceito, é necessário que se suponha
cada indivíduo sendo capaz de ter um desempenho
razoável. Suponhamos, ainda, que, durante o jogo,
alguém diga a seu companheiro: “Você está jogando
mal, cara” e obtenha a seguinte resposta: “Estou
jogando assim porque quero”. É evidente que este
último garoto(a) não está jogando com a intenção
normal de quem joga futebol e que, além disso,
está frustrando uma expectativa comum a todos os
parceiros(as).

Unidade 2 53

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Esse exemplo mostra que no jogo pede-se ao indivíduo tanto


a intenção quanto o preparo, para que essa regra seja seguida
convenientemente; se as regras do jogo não são respeitadas, o
desempenho do jogo é comprometido. O mesmo acontece em
nossa sociedade, pois podemos não cumprir as regras de conduta,
mas podemos ser punidos pela lei e, antes de tudo, podemos ser
desprezados por nossos semelhantes. Cada um se reconhece como
sendo capaz de participar ou não de certos sistemas de normas,
mas o respeito-mútuo ainda é fundamental para que possamos
nos colocar no lugar do outro e escolhermos qual a melhor ação,
buscando antes de tudo a integridade da relação. (GIANOTTI,
2002)

Os hábitos e normas não são inventados todos os dias, e para que


nós sejamos morais vale a pena sabermos distinguir as situações
em que devemos suspender nossos juízos. Existem muitas
formas de moralidade, cada grupo social ou profissional tem sua
identidade assegurada por normas consentidas, cuja infração
provoca censura e até mesmo a exclusão do grupo.

A teoria pode não nos ajudar a agir corretamente; no entanto,


ela pode nos ajudar a encararmos as adversidades de maneira
mais serena. Percebemos uma grande diferença entre o ser e o
dever ser, pois a prática não acompanha o discurso e, o que é
pior, muita gente não percebe a relação e a compatibilidade que
deveriam existir entre os valores
e a prática.

Realizar escolhas é eleger


objetos para o desejo, e o critério
das escolhas é sempre racional.
O motivo é sempre emocional,
ou seja, impulsionados pelo
desejo, movemo-nos em direção
aos objetos. Nesse sentido, a
capacidade racional de realizar escolhas permite-nos afirmar
nossa condição de liberdade. O exercício da liberdade é a
capacidade de escolher. É a escolha que define o caráter de um
ser humano. Suas virtudes se manifestam nas escolhas que realiza
no curso de sua vida. Quais são os valores que pautam suas ações?

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Os valores são criações humanas e não entidades abstratas e


universais, válidas em qualquer tempo e lugar. O local em que há
respeito tende a ser um lugar de agradável convívio, onde toda a
estrutura se fortalece, cresce.

Não existe uma receita universal, pronta e completamente


eficaz. A decisão, a escolha, sempre varia de pessoa para pessoa,
de consciência para consciência, mas o que nos pode ajudar é
sempre parar; refletir; deliberar diante das alternativas possíveis,
decidindo e escolhendo uma delas, antes de lançarmo-nos na
ação; ter a capacidade de avaliar e pesar as motivações pessoais,
as exigências feitas pela situação, as conseqüências para si e para
os outros e a conformidade entre fins e meios.

No entanto, a escolha envolverá crenças e leis, e dependerá do


limite e da vontade de cada pessoa. Valores, virtudes e crenças
determinam a maneira como vivemos no ambiente de trabalho e
fora dele.

O que acarretaria não ser ético? Por que ser ético?

Não ultrapasse seu limite ético. Agir eticamente, dentro ou fora


do seu ambiente de trabalho, será uma decisão pessoal: “Uma vez
que você tenha despertado para o assunto, mais ele tende a ser
considerado nas decisões, num processo permanente, sem fim.
Sempre estamos sujeitos a deslizes e equívocos. Como disse o
filósofo Spinoza, temos que escolher o que nos aumenta a vida e
não o que a diminui, podemos decidir trabalhar para a alegria, e
não apenas para obtermos dinheiro.

A ética discute questões extremamente delicadas e, na maioria


das vezes, de foro íntimo. A maioria de nós age com honestidade,
simplesmente porque quer dormir com a consciência tranqüila
– ou, então, porque tem medo das conseqüências, que podem
resultar em atos ilegais ou contrários à ética. Ser ético nada
mais é do que agir direito, proceder bem, sem prejudicar os
outros. É também agir de acordo com os valores morais de uma
determinada sociedade que você elege como modelo.

Unidade 2 55

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Percebemos que atualmente ser ético é a nova exigência


do mercado de trabalho, onde não há mais lugar para a
desonestidade, a omissão, a má conduta e a mentira. As empresas
querem se livrar de gente que pode comprometer a imagem delas.

Para concluir, devemos rever nossa posição frente a nossos


juízos endurecidos, precisamos tomar uma posição não mais
unilateral, mas precisamos nos confrontar com o outro, numa
moral cosmopolita, estabelecendo regras de convivência e direitos
do homem. Deve-se aprender a conviver com outras morais e
reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista.

SEÇÃO 3 - Ética em tempo de globalização

Esta seção vai tratar da Ética. O que você acha: o


Brasileiro está mais ético? Registre no espaço a seguir
suas análises com base em argumentos que você
selecionou.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Vivemos em uma sociedade democrática, que tem como princípio


básico o lema: “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Mas de que modo isso realmente acontece, e


quais são os princípios fundamentais para que isso
aconteça?

Liberdade, igualdade e cidadania, isto é, participação política é


fundamental para a vida em sociedade. De acordo com Saviani
(2001, p. 2), o homem é um ser situado. “Sabemos como o
homem depende do meio, isto é, do espaço físico: da vegetação,
da fauna, do solo e do subsolo, do clima, etc., mas não é somente
o meio natural que condiciona o homem. Também o ambiente
cultural se lhe impõe de modo inevitável.”

Diante disso, o homem é levado a valorizar tanto os elementos


naturais como os culturais, como as ciências, as instituições, as
técnicas, etc. Essa relação se constitui em uma não-indiferença,
que se chama valor. Esses valores podem ser considerados tanto
no sentido positivo como negativo.

„ Valores de sentido positivo são aqueles que favorecem a


existência humana.

„ Valores de sentido negativo são aqueles que rejeitamos


por nos prejudicarem.

Se o homem não se constitui como um ser passivo, determinado


por sua natureza, então ele constrói a cultura através da
transformação do meio, e esta também é responsável por
transformá-lo. Assim, ele é um sujeito livre e autônomo. Mas
essa liberdade de escolha, que o sujeito possui, também exige
responsabilidade pelas suas conseqüências, surgindo um conflito
quando ele percebe que o outro também se constitui como um
sujeito e não como um objeto.

Unidade 2 57

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Universidade do Sul de Santa Catarina

O fato de o homem não ser indiferente ao outro, de reconhecer


seu valor e a liberdade faz com que ele ultrapasse sua situação e se
coloque no lugar do outro para comunicar-se, atuar e ver as coisas
objetivamente com ele. Isso se chama consciência, responsável
pela comunicação entre os homens, demonstrando que somos
capazes de transcender nossa perspectiva pessoal (subjetiva) e nos
colocarmos numa perspectiva coletiva (objetiva).

O fruto dessa interação entre os homens é o


trabalho a partir do qual eles criam a cultura, agindo
sobre sua natureza e transformando-a. É nesse
processo que o homem afirma sua humanidade.

Desse modo, o novo milênio inaugura uma nova era, a era da


ética. Bobbio (1992) diz que a década de 90, no Brasil, ficou
conhecida como a década dos direitos, na qual o brasileiro
aprendeu a lutar pelos seus direitos, principalmente como
consumidor. E, agora, no rastro da globalização, vivemos um
período no qual a participação política da sociedade é cada vez
maior, avançando as conquistas no campo ético.

Assim, o conceito de cidadania passa a ser um valor universal. A


ética empresarial e a ética ambiental passam a fazer parte não só
de políticas de governos, mas de empresas que se preocupam com
o meio ambiente: social, natural e artificial. A responsabilidade
social não é exclusividade dos governos, as empresas passam a
ser sujeitos de transformação de nossa sociedade. Os cidadãos,
enquanto consumidores ativos, passaram a participar mais
ativamente do processo político, por meio de boicotes aos
produtos de empresas que depredam o meio ambiente.

58

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Com base no que foi colocado, perguntamos:


podemos ser éticos?

A educação confunde-se com a criação do próprio homem pelo


homem, já que é mediante ela que ele aprende a produzir sua
existência. De acordo com Saviani (2001, p. 6), “A educação
enquanto atividade intencional consiste no ato de produzir, direta
e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de
homens”.

É essa capacidade de transformação, que o homem realiza


através da educação, que possibilita a ampliação de sua
liberdade, da comunicação e da colaboração entre os homens.
Por isso, freqüentemente ele está valorizando algumas coisas em
detrimento de outras, com o objetivo de transcender a si mesmo e
a sua situação histórica.

Então, qual é o modelo de educação que adotamos


em nosso país? Qual o objetivo de nossa educação? O
que nós valorizamos? Reflita sobre essas questões e
sistematize suas conclusões no espaço a seguir:

Quando falamos que uma sociedade carece de ética e de


educação, na verdade o que acontece é que ela tem uma ética e
uma educação que lhe é própria, mas, se a criticamos, é porque
talvez ela já não corresponda mais ao que valoramos.

Unidade 2 59

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Como você já estudou nas outras seções dessa unidade, tanto


a ética como a moral correspondem ao que os homens elegem
como valoroso, sendo que tais valores se constituem num
processo educativo. Assim, a educação é a mediação entre o
que uma determinada sociedade ou grupo elege como valoroso
e a consciência da moralidade de suas ações, mediante uma
compreensão de seus fundamentos, critérios, regras e princípios
gerais, de modo que o homem seja livre em suas escolhas e, ao
mesmo tempo, responsável por elas.

Mas a educação atual tem sido dicotômica, ora priorizando


a responsabilidade, ora a liberdade, contrastando a educação
moral do caráter e a educação liberal, que prioriza a autonomia
do sujeito, enquanto que, o uso exclusivo do modelo liberal
também gera uma inversão, pois, com a hipertrofia da
liberdade, o indivíduo passa a manipular a situação apenas em
proveito próprio, incentivando a competição em detrimento da
Charles Darwin (1809-1882),
naturalista inglês, desenvolveu
cooperação. Portanto, a educação ética deve levar em conta tanto
uma teoria evolutiva que é a base o aspecto social, a responsabilidade, quanto o aspecto individual,
da moderna teoria sintética: a a liberdade. “O sujeito assume as suas decisões, engaja-se por elas,
teoria da seleção natural. Segundo assumindo também as conseqüências e implicações dessas suas
Darwin, os organismos mais bem decisões e de seu engajamento.” (SAVIANI, 2001, p. 9).
adaptados ao meio têm maiores
chances de sobrevivência do que
Resulta, daí, o pensar de um novo modelo de educação que
os menos adaptados, deixando um
número maior de descendentes. Os possibilite a dialética entre competição e cooperação. Cleofas
organismos mais bem adaptados Uchoa (1999) nos mostra que a competição não se constitui como
são, portanto, selecionados para um mecanismo evolutivo preponderante em nossa espécie, pois
aquele ambiente. A finalidade da foi a simbiose, a cooperação, que permitiu o surgimento do Homo
espécie é a sobrevivência dos mais
Sapiens.
adaptados e dos mais aptos, pela
seleção natural e por competição.
A teoria de Darwin aponta apenas um processo parcial da
evolução do homem. Diferentemente do que, em um primeiro
momento, a globalização pode nos sugerir, é equivocado
privilegiar apenas a competição e ignorar a importância da
cooperação como faz a sociedade atual.

A cooperação pode ser demonstrada com o exemplo


das bactérias que habitam o nosso intestino: elas são
nossos parasitas ou nós é que delas o somos? “As
bactérias não competem conosco, nem nós com elas.
Elas sintetizam as vitaminas B e K essenciais à nossa
vida.” (UCHÔA, 1999, p. 6)

60

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Essa cooperação incentiva intercâmbios, interdependências


que constituem a essência da vida. Contudo, a competição é
necessária quando os seres vivos estão diante de situações críticas,
quando o estoque de energia disponível é escasso.

A violência, o desequilíbrio, a insatisfação que o homem atual


sente é resultado da valorização da competição. Desse modo,
é necessária a construção de uma sociedade que seja capaz de
reconciliar a dialética competição-cooperação.

Para que haja essa nova conduta, a cooperação criativa deve ser
mediada pela educação, de maneira que possamos superar a atual
forma de educação, que não satisfaz mais nossos anseios, por uma
nova forma que garanta aos homens a realização plena de suas
potencialidades existenciais.

Portanto, o papel da Universidade, no mundo globalizado, não é


apenas formar especialistas, mas pessoas críticas de suas próprias
profissões: profissionais que saibam quais são seus papéis, tanto
profissionais como políticos, para interagirem com outros setores,
atenderem às expectativas da opinião pública, serem livres e
responsáveis pelo seu destino e pelo de seu país.

Síntese

Nesta unidade, você aprofundou os conteúdos sobre ética,


aprendeu a definir e conceituar ética e moral:

„ Ética – área da filosofia que se dedica a pensar, refletir as


ações humanas e seus fundamentos.

„ Moral – valores que um determinado grupo ou indivíduo


elegem como correto.

Também percebeu a importância de diferenciar ética de moral,


pois, na ética, temos consciência de nossas ações, enquanto,
na moral, apenas nos habituamos a agir de acordo com um
determinado valor e não nos questionamos sobre eles.

Unidade 2 61

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Por fim, você conheceu as principais teorias éticas, as correntes


conseqüencialista e deontológica, das quais os filósofos
Aristóteles e Kant, respectivamente, são seus mais importantes
representantes. E, principalmente, percebeu a importância da
ética no séc. XXI para a educação de qualquer cidadão.

Atividades de auto-avaliação

1) A partir do que você estudou, aponte as razões pelas quais a sociedade


necessita adotar padrões éticos de conduta. Pensando no imperativo
categórico do filósofo iluminista Immanuel Kant, é possível dizer que
existem princípios éticos comuns a toda humanidade?

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

2) Diferencie ética de moral e dê um exemplo para cada uma delas.

3) Associe a 2ª coluna de acordo com a 1ª.

a) Utilitarismo. ( ) Devemos nos comportar de acordo com princípios


válidos para todos.
b) Ética das Virtudes.
c) Ética do dever. ( ) “A convicção que aceita a utilidade ou o princípio
da maior felicidade como o fundamento da moral
d) Ética do discurso. admite que as ações são corretas na proporção em
promovem a felicidade, e erradas na medida em
e) Contratualismo moral.
que produzem o contrário da felicidade.”
(Mill, 1987, p. 16)

( ) Seu representantes são Jeremy Bentham e Peter


Singer.

( ) “Agir de maneira tal que seja possível desejar que


a máxima da ação deva tornar-se lei universal.”
(KANT,1983, 4:402)

( ) “Só podem reclamar validez as normas que


encontrarem – ou puderem encontrar – o
assentimento de todos os participantes de um
discurso prático.” (Habermas, 1989, p. 116)

( ) “A felicidade é sempre procurada por si mesma


e nunca em interesse de outra coisa, ao passo
que, embora escolhemos a honra, o prazer, a
inteligência e todas as virtudes por si mesmas.”
(ARISTÓTELES, 1985, 1097b)

( ) “Os contratantes estão sob um véu de ignorância, e


ignoram qualquer informação sobre seu lugar na
sociedade, sua posição de classe ou status social.”
(BORGES, 2003, p. 82.)

Unidade 2 63

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Universidade do Sul de Santa Catarina

4) Aristóteles cria um quadro de virtudes, no qual coloca que a virtude é


um meio termo entre um vício por excesso e um vício por falta. Escolha
três virtudes e mostre qual a papel delas na conduta ética.

Resumidamente, eis o quadro aristotélico:

Virtude Vício por excesso Vício por deficiência


Coragem temeridade covardia

Temperança libertinagem insensibilidade

Prodigalidade esbanjamento avareza

Magnificência vulgaridade vileza

Respeito próprio vaidade modéstia

Prudência ambição moleza

Gentileza irascibilidade indiferença

Veracidade orgulho descrédito próprio

Agudeza de espírito zombaria rusticidade

Amizade condescendência Entado

Justa indignação inveja malevolência

5) Nesta unidade, foi apontado que nem toda a lei é ética. Dê um exemplo
e explique como a ética tem o papel de rever as leis que uma sociedade
cria em uma determinada época.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Saiba mais

1) Para aprofundar as questões abordadas nesta unidade, você


poderá consultar as seguintes obras:

„ ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Brasília:


Ed. Universidade de Brasília, 1985.

„ BOFF, L. Ética da Vida.Brasília: Letra Viva, 2000.

„ , Saber Cuidar. Petrópolis: Vozes, 2000.

„ CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo:


Ática, 1998.

„ , Público, Privado, Despotismo. In: Novaes


(org), Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

„ BORGES, Maria de Lourdes et al. O que você precisa


saber sobre Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

„ GIANOTTI, José A. A Moralidade Pública e


Moralidade Privada. In: Novaes (org). Ética. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.

„ HABERMAS, J. Consciência moral e agir


comunicativo. Trad. Guido A. de Almeida. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

„ KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica


dos Costumes. São Paulo: Abril, 1983. (Coleção Os
Pensadores)

„ MILL, John Stuart. O Utilitarismo. São Paulo:


Iluminuras, 2000.

„ PLATÃO. A República. 8. ed. Lisboa: Fund. Calouste


Gulbenkian, 1996.

„ RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença,


1993.

Unidade 2 65

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Universidade do Sul de Santa Catarina

„ SAVIANI, Dermeval. Conferência no “Congresso


Nacional de Educação para o Pensar e Educação
Sexual”. Florianópolis, 2001.

„ TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. 4. ed.


Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

2) Sugestão de filmes:

DogVille e Manderley – Filme de Lars Von Trie, um dos


criadores do movimento Dogma95, que prega um cinema mais
simples e natural. Segundo filme de uma trilogia que se inicia
com o filme Dogville. Enquanto o primeiro filme trata de
(Você pode ler um pouco mais
forma bem elaborada a condição moral humana, que transita
sobre o filme no site: http://www. facilmente entre o bem e o mal, o segundo filme da trilogia
azulcalcinha.com.br/cinema016. traz à tona o debate sobre a escravidão, que aparentemente
htm) parece ser um tema resolvido na sociedade contemporânea,
mas que o diretor mostrar estar presente nas entranhas
de nossa sociedade. “Mais uma vez a chamada terra da
democracia e liberdade de expressão – como gostam de pregar
muitos por lá – é cada vez mais a terra das desigualdades
sociais. Usando como pano de fundo uma pequena cidade
perdida nos EUA, Manderlay, onde a escravidão continua
existindo mesmo depois de 70 anos de sua abolição, o discurso
do filme é extremamente atual e incomoda os dois lados, os
negros e os brancos. Trier cutuca com vara curta esse delicado
problema, que continua existindo não só nos EUA. Mas o
racismo é apenas o ponto do qual ele parte para analisar o
preconceito, as diferenças sociais, a exploração do trabalho, a
questão da liberdade, direitos sociais, democracia e as escolhas
individuais.”

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3
UNIDADE 3

Ética aplicada

Objetivos de aprendizagem
„ Conhecer aplicações práticas da ética em nosso
cotidiano pessoal, profissional e social.
„ Ressaltar as relações entre ética e direitos humanos.
„ Relacionar a ética com a administração pública, situando
o debate contemporâneo sobre ética pública no Brasil.
„ Estudar e relacionar os princípios administrativos à ética.

„ Compreender o papel que os códigos de ética


desempenham na orientação de condutas dos agentes
públicos.

Seções de estudo
Seção 1 Ética e Direitos Humanos.

Seção 2 Ética dos Agentes Públicos.

Seção 3 Ética e Princípios constitucionais-


administrativos.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Esta unidade tem o propósito de mostrar como as teorias éticas
podem ser aplicadas na prática. Serão objetos de estudo os temas:
Ética e Direitos Humanos, Ética dos Agentes Públicos e Ética
e Princípios constitucionais-administrativos. Na primeira seção,
que trata da Ética e Direitos Humanos, você aprofundará a
relação entre cidadania, ética e direitos humanos e conhecerá
conceitos filosóficos importantes, como liberdade, igualdade e
dignidade, que fundamentam o debate sobre os direitos humanos.

Na segunda seção, você estudará o papel fundamental da ética


para a administração pública, como se constrói uma postura ética
no espaço público e como toda a sociedade se beneficia quando
os agentes públicos pautam suas condutas por tais preceitos. Na
última seção, daremos subsídios para que você possa compreender
em que medida o direito administrativo brasileiro está imbuído
de exigências éticas.

SEÇÃO 1 – Ética e Direitos Humanos


“Se a liberdade e a igualdade são essenciais à democracia só
podem existir em sua plenitude se todos os cidadãos gozarem
da mais perfeita igualdade política.”

Aristóteles - Política (Livro IV, cap. IV)

Nesta seção o objetivo é mostrar a fundamentação moral


dos direitos humanos, pautados principalmente nos ideais
da Revolução Francesa de igualdade e liberdade. Para isso,
é necessário fazer um breve resgate do contexto histórico
dos direitos humanos, que será aprofundado na unidade 5, e
explicar os conceitos de liberdade e igualdade, conceitos éticos
fundamentais para o debate sobre direitos humanos.

Tudo começou com as Revoluções Americana e Francesa do


século XVIII, que foram responsáveis por provocar mudanças
e alterações profundas nas relações sociais e no poder,

68

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

principalmente pautadas na ascensão e consolidação política da


burguesia como classe dominante. E como não poderia deixar
de ser, uma revolução, seja burguesa ou popular, diz Marilena
Chauí: “possui um significado político da mais alta importância,
porque desvenda a estrutura e a organização da sociedade e do
Estado” (1998, p. 406). E isso acontece, principalmente porque
evidencia a divisão social e política, que divide a sociedade em
um alto opressor e um baixo oprimido, fazendo com que aquele
que está abaixo perceba o poder do alto como não natural.

É, portanto, da revolução burguesa que nasce também a


compreensão de que, como sujeitos políticos, os agentes sociais
são dotados de direitos e, por isso, eles passam a exigir o
reconhecimento e a garantia de seus direitos, tanto do poder
político como da sociedade, tendo como maior expressão a
Declaração Universal dos Direitos dos Cidadãos (conteúdo que
será aprofundado na unidade 5).

É importante ressaltar que a declaração dos direitos do cidadão


é um modo de garantir a relação entre poder político e justiça
social, mas, no caso do Estado burguês moderno, o modo dos
direitos serem garantidos passa pela criação de instituições que
proporcionem o cumprimento do respeito a esses direitos.

Retomando a unidade 1, lembramo-nos da metáfora da Nau: “o


timoneiro de um barco pode conduzi-lo no rumo certo, ainda
que cercado por tempestades”, o que explica que o ser humano
pode conduzir suas vidas pública e privada, guiando-as pelas
leis que a relação cidade/cidadão deve constituir para alcançar
o bem comum; lembramo-nos também do livro a República
de Platão, que pretendia, buscar o bom governante. A partir
desses dois exemplos, você pôde notar que o ideal grego é de
um governante que seja virtuoso e que tenha como objetivo
o bem comum, diferentemente do Estado Moderno, que cria
instituições públicas que garantam esses direitos. Essas diferenças
são significativas na separação que se faz, na sociedade moderna
e pós-moderna, entre esfera pública e esfera privada, também
tratadas na unidade 1.

Vimos como nascem os direitos humanos e sua declaração no


estado burguês, mas é principalmente a partir do séc. XIX que a
garantia de alguns direitos sociais, tais como, educação, saúde e
a regulamentação das relações de trabalho têm sido incorporados

Unidade 3 69

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Universidade do Sul de Santa Catarina

aos sistemas constitucionais de vários países e têm alcançado não


apenas o homem burguês, mas um universo cada vez mais amplo
de seres humanos.

Contudo, antes de tratarmos da garantia de direitos, vamos


aprofundar alguns conceitos fundamentais das revoluções
burguesas, os ideais de liberdade e igualdade.

Liberdade
“Homem livre é, então, o não submetido, e desse
significado derivam os subseqüentes como, por
exemplo, o de ser capaz de fazer algo por si mesmo.
A noção de liberdade não só inclui a possibilidade de
decidir, mas também a de autodeterminação, a idéia
de responsabilidade para consigo mesmo, mas também
para com a comunidade (nesse caso, ser livre implica a
assunção de algumas obrigações).” (MORA, 1998, p.
407)

Na literatura Para os gregos, a liberdade estava diretamente associada a polis,


filosófica, o conceito pois somente nela alguém poderia ser livre; a liberdade era a
de liberdade tem condição para ser cidadão e a ética estava a ela intimamente
sido interpretado ligada. Já na modernidade, trata-se não mais de uma natureza
em termos muito
diversos.
livre, mas de uma condição que é construída pela civilização, pela
cultura que, através da razão, elabora seus juízos éticos. Contudo,
a pós-modernidade não apresenta uma nova definição sobre a
liberdade, ao contrário, diz que ela é contingente, pois que é
razão e desejo.

Contudo, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos da ONU, o lugar comumente ocupado pela
liberdade vem sendo substituído pelo de dignidade humana,
pois esse conceito parece ampliar sua abrangência, não mais se
restringindo aos ideais estritamente burgueses, ou liberais, mas
que consegue ser aceito também pelos ideais socialistas, que
são tão constantes no séc. XIX, principalmente com as teorias
marxistas.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Dignidade
O filósofo Immanuel Kant apresenta uma ótima formulação
do que caracteriza a dignidade, em sua principal obra ética A teoria ética kantiana
Fundamentação da Metafísica dos Costumes: “Age de tal forma é uma das principais
que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa correntes éticas
normativas, que não
de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca
apenas têm influenciado
unicamente como um meio.” (KANT, 1993, p. 133.) debates filosóficos, como
também norteiam debates
Essa formulação feita por Kant, chamada de fórmula da jurídicos, principalmente
humanidade, tem o propósito de mostrar como podemos os debates sobre direitos
averiguar que uma ação praticada é correta, em caso de respeito humanos. Para aprofundar
à dignidade do outro, isto é, em que consideramos o outro um pouco mais nas
teorias éticas normativas,
também como um fim em si mesmo, e não apenas um meio para
recomenda-se ler o livro:
realizarmos nossas inclinações. Assim garantimos o respeito à BORGES, Maria de Lourdes
dignidade do outro. et al. O que você precisa
saber sobre Ética. Rio de
– Outro conceito importante quando falamos em direitos humanos é o Janeiro: DP&A, 2002.
de igualdade. Veja a seguir.

Igualdade
De uma forma geral, a igualdade pode ser definida como a
afirmação de que todos os seres humanos são iguais por natureza,
independentemente de etnia ou sexo. Mas, quando falamos de
igualdade, na maioria das vezes, estamos pensando na igualdade
de acesso à participação cívica, à riqueza ou aos empregos.
Também podemos apontar a igualdade de oportunidades no
futuro.

O filósofo australiano Peter Singer, em seu livro Ética Prática,


afirma ser problemático partimos do princípio de que todos os Em seus livros Ética Prática
seres humanos são iguais; ao contrário, os seres humanos são e Vida Ética, Singer trata
bio-fisio-psicologicamente diferentes. Por isso, um princípio que de questões de bioética
como ética ambiental, tirar
pretende garantir uma maior igualdade deve se pautar em algum
a vida: os animais, aborto
interesse que seja comum. Assim, para Singer, o Princípio da e eutanásia.
Igual Consideração de Interesses é capaz de garantir uma maior
igualdade, ao considerar que não só os seres humanos, mas todos
os animais, são iguais no interesse de não sentir dor. Ele cria esse
princípio com a intenção de ampliar o debate sobre os direitos
não apenas aos seres humanos, mas aos outros animais.

Unidade 3 71

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Com a conceituação de liberdade, igualdade e dignidade, você


deve ter percebido como as mudanças não são apenas conceituais,
mas são reflexos de uma sociedade pós-moderna, que deixa de
privilegiar a família, a escola e as organizações burocráticas,
isto é, a esfera pública, e passa a privilegiar a esfera privada,
a intimidade e principalmente as minorias, por isso os ideais
burgueses são abandonados, já que eles não dão mais conta de
satisfazer uma sociedade plural.

Nota-se que os direitos humanos guardam um escopo de


abrangência que pretende não somente reconhecer direitos
universais, mas também garantir a preservação das diferenças.
Pois, mesmo que possamos pensar em uma globalização de
mercados, quando falamos de valores morais – lembre-se do que
foi trabalho na unidade 2 –, são múltiplas as condições de vida
e o que valoramos enquanto cidadãos. Contudo, parece haver
uma moral mínima, ou melhor, deve-se verificar a existência de
um critério que perpasse as diferentes concepções morais e que,
portanto, se aplique a todos e inclua todos.

Como diz José Arthur Gianotti, “por certo, cada um não deixará
de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver
com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista.”
(1998, p. 245.)

— Ficou alguma dúvida?

Não se preocupe, o debate está apenas começando. Nas próximas


unidades, você terá instrumentos para refletir melhor sobre
os direitos humanos. Agora vamos ver de que modo podemos
aplicar a ética em nossa sociedade, de que modo as organizações
podem ser éticas e como, enquanto profissionais, termos regras
que garantam o sucesso de nossas atividades.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

SEÇÃO 2 - Ética dos Agentes Públicos


Outro debate ético atual tem sido a ética na Administração
Pública, vista como uma necessidade urgente, diante dos
inúmeros desvios de conduta que se verifica no espaço público.
A conduta dos agentes públicos assume, substancialmente, duas
dimensões, que são, de um lado, a relação com os administrados/
legislados/jurisdicionados e, de outro, a relação com a coisa
pública (bens).

Entenda-se por agente público todo aquele que,


por força de lei, contrato ou de qualquer outro ato
jurídico, preste serviços de natureza permanente,
temporária, excepcional ou eventual de natureza
estatal.

A discussão sobre a conduta dos agentes públicos está


intimamente ligada ao problema da legalidade. O princípio da
legalidade está previsto na Constituição Federal, no art. 37 e
reza que o Administrador Público está sujeito, na consecução de
suas atividades, aos mandamentos da lei e às exigências do bem
comum, deles não podendo se desviar ou afastar, sob pena de
praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar,
civil ou criminal, conforme o caso.

As leis administrativas são de ordem pública e seus preceitos


não podem ser descumpridos, pois a natureza da função pública
e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de
exercitar seus poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes
impõe. Daí, não dispor a Administração Pública de liberdade
ou vontade pessoal, pois a ela só é permitido fazer o que a lei
autoriza.

No entanto, a limitação que os preceitos legais impõem à conduta


dos administradores não é suficiente para que, daí, resultem
sempre e necessariamente ações éticas.

Aristóteles alertou quão ilusório é pensar que basta observar


automaticamente o que está dito na lei, pois o texto legal é
incapaz de prever de antemão todos os aspectos de nosso dever
ser. Pela própria limitação de jamais poder prescrever o que
é correto para toda gama de situações concretas, a lei deve

Unidade 3 73

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Universidade do Sul de Santa Catarina

sofrer um processo de correção/adaptação, no momento de sua


aplicação. À isso dá-se o nome de eqüidade.

A eqüidade, embora seja uma forma de justiça (e,


portanto, de virtude), não é a justiça segundo a lei,
mas um corretivo desta. Ela é uma correção da lei
onde essa é omissa devido a sua generalidade.

Portanto, verifica-se que a preocupação ética é saber ser bom e


virtuoso. Evidentemente que ações ilegais serão, também, anti-
éticas. Podemos citar o exemplo de um servidor público que
favorece algum candidato no processo licitatório, o que é vedado
por lei. No entanto, há ações que, mesmo dentro da legalidade,
podem caracterizar-se como anti-éticas, exigindo, do agente
público, ponderação no caso concreto, de acordo com princípios
que a ética erige como fundamentais para a ação correta.

Nesse sentido, o agente público deve assumir uma postura crítica


e responsável diante da função pública que exerce, socorrendo-se
não mais da lei ou dos códigos de ética, senão recorrendo ao seu
próprio saber ético, o que é inevitável quando se fala em ética.

A tarefa do saber ético é descobrir o que exatamente tal


situação exige do agente, é avaliar uma situação concreta à
luz das exigências éticas mais gerais. Mas a aplicação de um
conhecimento geral a uma situação concreta que não leve em
conta as suas peculiaridades pode obscurecer o sentido daquilo
que uma situação de fato pode concretamente exigir.

Por isso que no domínio ético, não subsiste a pretensão de um


grau de exatidão elevado como na matemática. No domínio ético,
exige-se do agente que ele saiba não só se decidir na ação, mas
também conhecer a si próprio e compreender como deve agir.

Portanto, qualquer conhecimento construído por uma ciência


ética ou códigos de ética jamais ocupará o lugar que a consciência
ética concreta tem na constituição do saber ético, que é obtido
sobretudo a partir da prática habitual da virtude, que se confirma
e se estabiliza a cada nova ação.

É o que podemos concluir da leitura da Seção I, do Decreto nº


1.171, de 22 de junho de 1994, que aprova o Código de Ética
Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo
Federal, cujos incisos II e III dizem:

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

II - O servidor público não poderá jamais desprezar


o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que
decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o
injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e
o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o
desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput,
e § 4°, da Constituição Federal.

III - A moralidade da Administração Pública não se


limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser
acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum.
O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta
do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade
do ato administrativo”.

Você pode estar se perguntando: por que devo agir


eticamente, assumindo responsabilidades além das
quais estou legalmente obrigado e produzindo um
esforço mental além do necessário, se, no final do
mês, vou receber a mesma remuneração que eu
receberia se apenas cumprisse o mínimo exigido de
mim?

A ética constitui não só o caráter do indivíduo, mas também


o alicerce fundamental para o pleno funcionamento das
funções estatais. Um ambiente de trabalho em que todos os
agentes públicos assumem uma postura de compromisso e
responsabilidade diante de seu cargo, visando o bem comum,
que é a finalidade maior do Estado Democrático de Direito,
favorece não só os administrados, como toda comunidade e o
próprio corpo de funcionários públicos.

Já o ambiente onde impera o descaso e a irresponsabilidade com


as pessoas e com os bens públicos prejudica toda a coletividade.
Pode-se ler no site da Comissão de Ética Pública da Presidência
da República que “a ética foi recolocada na agenda menos por Leia mais em http://www.
seus aspectos benéficos do que pelas conseqüências perversas presidencia.gov.br.
que sua falta gera. A falta de ética passou a ser reconhecida
como conseqüência e causa da má governança e como risco à
sobrevivência das organizações e do regime democrático”.

O CENE (Centro de Estudos de Ética nas Organizações, da


Fundação Getúlio Vargas) define ética como o ramo da filosofia
que estuda a moralidade das ações humanas enquanto boas ou
más, adotando essa definição e aplicando-a às características

Unidade 3 75

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Universidade do Sul de Santa Catarina

específicas das organizações brasileiras de iniciativa privada, do


governo e de fins não-lucrativos. Isso porque considera que uma
cultura organizacional ética leva a:

„ elevação do clima de confiança e respeito para com todas


as pessoas que, de forma direta ou indireta, se relacionam
com a instituição;
„ redução de custos e aumento de produtividade como
conseqüência do crescente nível de satisfação geral pelo
clima ético de trabalho;
„ fortalecimento da credibilidade da organização junto ao
mercado e à sociedade;
„ melhora das relações de trabalho, com o desenvolvimento
das qualidades humanas e a integridade dos membros da
organização.

Códigos de Ética da Administração Pública


O código de ética profissional está voltado para as profissões,
os profissionais, as associações e as entidades de classe do setor
correspondente. É o instrumento que tanto a Administração
Pública, como as empresas e os profissionais possuem para
orientar suas ações no ambiente de trabalho. Tem o objetivo de
reduzir os riscos de interpretações subjetivas quanto aos aspectos
morais e éticos da atuação profissional.

Nos códigos de ética, estão presentes os direitos e deveres de


cada profissional perante a sociedade em geral e a sua categoria.
Apesar de a maior parte dos códigos ter caráter proibitivo, sua
função é orientar e estimular a reflexão do exercício profissional.
Ele expressa os valores morais de uma determinada cultura e, por
isso, deve ser revisto de tempos em tempos, para que acompanhe
as mudanças de nossa sociedade.

No âmbito da Administração Pública Federal, observamos vários


códigos de Ética, que têm como diretriz, basicamente, orientar a
conduta dos agentes públicos em relação a bens e pessoas a quem
é dirigido o serviço público:

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

„ Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil


do Poder Executivo Federal (22/06/1994): determinam
parâmetros éticos para a conduta dos servidores públicos
do Executivo Federal;
„ Código de Conduta da Alta Administração Federal
(21/08/2000): visa tornar claras as regras éticas de
conduta das autoridades da alta Administração Pública
Federal, para que a sociedade possa aferir a integridade e
a lisura do processo decisório governamental;
„ Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos
em exercício na Presidência e Vice-Presidência da
República (11/01/2002): visa estabelecer as regras de
conduta inerentes ao exercício de cargo, emprego ou
função na Presidência e Vice-Presidência da República,
tornando mais transparentes as atividades da Presidência
e Vice-Presidência da República.

Em 26 de maio de 1999, foi criada a Comissão de Ética


Pública, vinculada à Presidência da República, que tem por
objetivo revisar as normas que dispõem sobre conduta ética na
Administração Pública Federal, elaborar e propor a instituição
do Código de Conduta das Autoridades, no âmbito do Poder
Executivo Federal. Essa Comissão regula questões como:
atendimento a usuários; brindes, presentes e viagens; conduta
Pessoal; conflito de interesse; controle; desempenho; exercício
das atribuições; favorecimento; hierarquia; local de trabalho;
participação em eventos; patrimônio pessoal; prejuízo ao erário;
prestação de contas; publicidade; tráfico de influências, etc.

A Organização das Nações Unidas também formulou um Código


de Conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da Lei,
no dia 17 de Dezembro de 1979, através da Resolução nº 34/169.
Segundo tal Código, os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes impõe,
servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos
ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade
que a sua profissão requer. O termo “funcionários responsáveis
pela aplicação da lei” inclui todos os agentes da lei, quer
nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais,
especialmente poderes de detenção ou prisão. Nos países onde

Unidade 3 77

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Universidade do Sul de Santa Catarina

os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, quer


em uniforme, quer não, ou por forças de segurança do Estado,
será entendido que a definição dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei incluirá os funcionários de tais serviços.

Os objetivos dos códigos de ética são basicamente:

„ manter a solidariedade entre os agentes públicos e os


usuários de serviços públicos; orientar o comportamento
honesto em relação aos bens públicos;
„ criar um ambiente de trabalho saudável e agradável;
possibilitar a discussão sobre valores e intenções,
tornando-a uma prática freqüente.

Para o código de ética tornar-se realmente efetivo, é necessário


que sua concepção envolva todos aqueles que fazem parte da
cadeia de relação da Administração Pública, de modo que
seja estimulada a participação e o compromisso de todos os
envolvidos.

Na sua opinião, por que o governo está ou deveria


estar investindo em programas de ética pública
direcionados aos agentes públicos? Reflita sobre esta
questão e sistematize suas considerações no espaço
abaixo, antes de prosseguir.

Desse modo, nesta seção, você conheceu os subsídios para que


você possa relacionar a ética com a administração pública,
a partir do debate contemporâneo sobre ética pública e
responsabilidade social.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

SEÇÃO 3 – Ética e princípios constitucionais-


administrativos
A partir da Reforma Administrativa levada a cabo pela Emenda
Constitucional nº 19/98, tornou-se freqüente a necessidade de se
estudar aspectos relativos à Ética na Administração Pública.

Os princípios consagrados no art. 37, da Constituição


da República, estão imbuídos de forte conteúdo ético,
incrementando a responsabilidade dos agentes públicos de todas
as esferas e poderes do Estado. Diz o caput do desse artigo que, “a
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência”.

A própria Constituição Federal introduziu a ética nas relações


públicas, ao eleger tais princípios como cânones de
conduta dos agentes públicos. A mera legalidade formal
administrativa, como técnica de garantia da liberdade,
conforme se pensava no século XIX, não é mais suficiente
para alcançar esse fim, por partir de uma premissa que
hoje não mais existe: a concepção de uma vida social
autônoma à administração.

Atualmente, em Estados como o Brasil, que se impuseram


funções inerentes ao Estado Democrático de Direito,
a simples idéia de que a atividade da administração
está vinculada somente pelos meios e limites formais e não
igualmente por seus fins leva a uma situação de exclusão
substancial da administração do âmbito do direito.

Pelos próprios fins que o Estado passou a assumir diante da


sociedade, a Administração vem submetendo-se, nos seus atos,
não só a regras formais, mas a princípios materiais de direito,
que, antes de normas de direito são normas de justiça, de
conteúdo axiológico. E tais princípios constituem pressuposto
de validez dos atos administrativos, ou seja, a sua inobservância
implica nulidade ou anulabilidade.

Unidade 3 79

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas o que dizem esses princípios? Acompanhe a seguir.

„ Moralidade - é o princípio que trata de tudo o que


estudamos. Não se resume apenas à observância da não
maleficência aos bens públicos e às pessoas, senão implica
comprometimento com o bem comum, com as pessoas e
com a comunidade.
„ Legalidade - o agente público está sujeito, na consecução
de suas atividades, aos mandamentos da lei e às
exigências do bem comum, deles não podendo se desviar
ou afastar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil ou criminal.
„ Impessoalidade - o administrador público deve ser
impessoal, pois está à disposição da sociedade, não
podendo privilegiar amigos, parentes ou interesses em
detrimento do bem servir. A impessoalidade é uma das
dimensões da moralidade.
„ Publicidade - os atos administrativos devem ser
A publicidade desempenha papel transparentes e públicos, não se admitindo decisões
fundamental na filosofia política do escusas, resoluções de gaveta, visto que o administrado
filósofo Immanuel Kant). não pode desconhecer as regras da administração.
Exceção se faz às questões de segurança nacional.
„ Eficiência - visa orientar o agente público a pautar
sua conduta sempre pelos imperativos da eficácia, da
obtenção de resultados úteis, da resolução de problemas e
do melhor para os usuários.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Síntese
Nesta unidade, você aprofundou um pouco o estudo sobre a
relação entre cidadania, ética e direitos humanos, notando que,
quando discutimos sobre direitos humanos, estamos falando de
conceitos filosóficos importantes, como liberdade e igualdade.
Você também aprendeu que esses conceitos foram ressaltados,
na pós-modernidade, pelo conceito de dignidade, que procura
ampliar os ideais burgueses, garantindo a qualquer cidadão seus
direitos.

Conheceu algumas das aplicações da ética em nosso


cotidiano pessoal e social. Aprendeu a relacionar a ética
com a Administração Pública, percebendo que a ética não
é um princípio filantrópico, mas um verdadeiro imperativo
constitucional, erigido à condição de validade dos atos
administrativos e da legalidade das condutas dos agentes
públicos. Você observou que a ética na Administração Pública
não se resume apenas a condutas negativas, como não prevaricar,
senão a posturas positivas que exigem responsabilidade perante
os bens públicos, a comunidade e os administrados/legislados/
jurisdicionados.

Por fim, aprofundou seus conhecimentos sobre os princípios


administrativos contidos na Constituição da República,
verificando que estão amplamente revestidos de conteúdo
moral, o que não poderia ser diferente em face do papel social e
democrático que o Estado Brasileiro assumiu após 1988.

Unidade 3 81

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades de auto-avaliação
1) Os direitos humanos encontram-se, nesse final de século, diante de
um paradoxo, consistente no número crescente de textos legais os
reconhecendo, de um lado, e no sistemático desrespeito por Estados e
grupos sociais, por outro, o que os fez parecer uma promessa utópica
não cumprida. A própria expressão direitos humanos tem sido utilizada
de forma equívoca, o que demonstra a falta de consenso acerca de
seu fundamento. Na análise dos direitos humanos, distinguem-se dois
níveis epistemológicos, quais sejam, a fundamentação e a eficácia.
Nesse contexto, analise a relação da ética com o nível da
fundamentação dos direitos humanos.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

2) Uma empresa (contribuinte) ingressou com requerimento


em determinada repartição pública (órgão fiscal), solicitando
o reconhecimento oficial de um crédito tributário apurado
extemporaneamente, caso no qual é obrigatória a autorização
prévia da Autoridade Fiscal (por meio de um servidor público) para
ser utilizado. O prazo estipulado na legislação do Estado X, para a
conclusão deste procedimento, é de um ano. Todavia, o contribuinte
possuía débitos fiscais, em razão dos quais, a qualquer momento,
poderia ser autuado pela Fiscalização. Atento a essa circunstância, o
contribuinte dirigiu-se até a repartição e solicitou tramitação célere
de seu processo, na medida em que poderia utilizar o crédito para
compensar seus débitos e livrar-se da autuação. No entanto, o servidor
negou-lhe o pedido, alegando ter prazo de um ano para concluir o
trabalho. Dois meses após ter solicitado o reconhecimento de seu
crédito, o contribuinte sofreu a ação fiscal, por falta de pagamento de
seu débito.
Analise a conduta do servidor público, do ponto de vista ético e do
ponto de vista legal, concluindo se o mesmo agiu corretamente ou não.

Unidade 3 83

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Universidade do Sul de Santa Catarina

3) Qual a função e a importância dos códigos de ética na Administração


Pública?

4) Estabeleça as relações que os princípios administrativos contidos na


Constituição da República (art. 37) guardam com a ética.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Saiba mais
1) Para aprofundar as questões abordadas nesta unidade, você
poderá consultar as seguintes obras:

BORGES, Maria de Lourdes et al. O que você precisa saber


sobre Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

CRES, Fabio Caldas. Ética na Administração Pública. São


Paulo: FDK Editora, 2004.

DALAI LAMA. Uma Ética para o Novo Milênio. Ed.


Sextante, 2000.

ENTERRÍA, Eduardo García de. , 1996

GIANOTTI, José A. A Moralidade Pública e


Moralidade Privada. In: Novaes (org). Ética. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.


Tradução Mauro Quintela. Abril Cultural, 1993. (Coleção Os
Pensadores).

LAFER, Celso. Desafios.Ética e Política. São Paulo: Siciliano.

MARIM, Caroline I. O Princípio da Igual Consideração de


Interesses como redefinição do Princípio da Igualdade em
Peter Singer. A Proposta de uma Ética Ambiental”. Trabalho de
Conclusão de Curso. UFSC, 1999.

MATTAR NETO, Joao Augusto. Filosofia e Etica na


Administraçao. São Paulo:Editora Saraiva, 2003.

MOTTA, Sylvio et al. Etica na Administraçao Publica. São


Paulo: Impetus Elsevier, 2005.

NALINI, José Renato. Etica Geral e Profissional. 4. ed. São


Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

OLIVEIRA, Manfredo Araujo de. Correntes Fundamentais da


Etica CONTEMPORANEA. São Paulo: VOZES, 2000.

PRADO, Leandro Cadenas et al. Etica na Administraçao


Publica: teoria e questões. São Paulo: Impetus Elsevier, 2005.

Unidade 3 85

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Universidade do Sul de Santa Catarina

ROBLES, Gregorio. Direitos Fundamentais e a Ética na


Sociedade Atual. Cidade: Manole, 2005.

ROSENFIELD, Dennis. A ética na Política. São Paulo:


Brasiliense, xx.

SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes,


1994.

2) Sugestão de filme:

O Terminal

Viktor Navorski (Tom Hanks) é um cidadão da Europa Oriental


que viaja rumo a Nova York justamente quando seu país sofre um
golpe de estado, o que faz com que seu passaporte seja invalidado.
Ao chegar ao aeroporto, Viktor não consegue autorização para
entrar nos Estados Unidos, pois segundo a legislação americana,
um passageiro sem passaporte e visto válidos não pode entrar no
país. A autoridade legal, representada pelo diretor em exercício
da administração do aeroporto dá instruções a um funcionário
para que impeça Viktor de passar pelo controle de passaportes e
o encaminhe ao escritório da diretoria. Como Viktor não domina
o inglês, fracassam as tentativas das autoridades amercicanas
de explicar-lhe o motivo da retenção. Sem poder retornar à sua
terra natal, já que as fronteiras foram fechadas após o golpe,
Viktor passa a improvisar seus dias e noites no próprio aeroporto,
à espera que a situação se resolva, sem qualquer colaboração
das autoridades locais. Porém, com a situação se arrastando por
meses, Viktor permanece no aeroporto e passa a descobrir o
complexo mundo do terminal onde está preso.

Segundo Bárbara Freitag, em artigo intitulado “Ética na


administração pública” (Revista do Serviço Público. Brasília:
N. 56 (1): 85-94. Jan/Mar 2005), o filme revela inúmeras
situações que contribuem para a compreensão da dimensão ética
na administração pública. O diretor do aeroporto encontrava-
se em situação delicada, pois, por um lado, como estava prestes
a ser promovido, não podia errar em nenhuma decisão e, por
isso, atinha-se ao pé da letra da lei; por outro, reconhecia a
excepcionalidade da situação de Viktor, que, em princípio, estava
com a documentação em ordem, tinha a passagem de volta

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

marcada e endereço em Nova York aonde ir (um bar onde se toca


jazz). Dificilmente poderia ser culpado pelo golpe ocorrido em
sua terra natal, razão pela qual se encontrava “fora da legalidade”,
do ponto de vista americano, ou seja, “caído em uma fresta do
sistema”. A autora conclui que inúmeras vezes os agentes públicos
ver-se-ão diante de situações semelhantes, em que recorrer à letra
fria da lei não resolverá o problema das pessoas, na medida em
que a lei é naturalmente incapaz de contemplar todas as situações
do mundo da vida. No entanto, nunca se pode perder de vista que
o fim do Estado, ao menos do Estado brasileiro que se intitula
“Estado Democrático de Direito”, a finalidade é o bem estar dos
cidadãos, de modo que a ética nas relações públicas deve sempre
permear as condutas. Mas devemos lembrar que não há uma
“regra de ouro” para agir eticamente, de modo que os códigos
de ética adotados em vários níveis da Administração Pública
nem sempre conseguirão socorrer os agentes públicos. Segundo
a autora, é sempre válido recorrer à literatura competente que
indique pistas ou sugira optar por um modelo ético ou outro.
Sempre devemos estar a par dos modelos mais sofisticados
da discussão ética, devendo orientar-nos pelo mais justo, para
tomar as decisões. No entanto, acima de tudo, é necessário ter
sensibilidade para compreender o problema alheio, já que a
alteridade é o critério ético por excelência, nunca descuidando da
própria responsabilidade perante a coisa pública, que existe em
função do bem comum.

3) Sugestão de sites na Internet:

http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/mundo/rover/c5.htm:
Premissas Básicas da Aplicação da Lei e Conduta Ética e Legal
na Aplicação da Lei;

http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/cepub: Comissão
de Ética Pública da Presidência da República e vários códigos de
ética da Administração Pública;

http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&
id=257&Itemid=255: Interessante artigo de Bárbara Freitag sobre
Ética na Administração Pública, onde a autora comenta o filme
“O Terminal” para problematizar o tema.

Unidade 3 87

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UNIDADE 4

Fundamentos filosóficos e
políticos dos Direitos Humanos

Objetivos de aprendizagem
„ Compreender as concepções modernas sobre origem da
sociedade, do Estado e do Direito.

„ Entender as concepções de direito natural e de direito


positivo, quais suas diferenças e relações com os direitos
humanos.

„ Perceber como as relações de poder influenciam


nossas vidas, através da tomada de decisões políticas,
da criação do direito e da produção dos discursos de
verdade.

Seções de estudo
Seção 1 O contrato social: Estado, sociedade e
indivíduo.
Seção 2 Direito positivo e direito natural.

Seção 3 A tríade: direito, poder e verdade.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Estudar os fundamentos políticos e filosóficos dos direitos


humanos significa compreender a sua razão de ser. Em nossa
sociedade, é freqüente ouvirmos as pessoas se referirem aos
direitos humanos como “direitos de bandidos”, pois muitas vezes
são invocados para justificar um tratamento mais digno aos
presos nas cadeias. Ficamos indignados com tamanha ignorância,
mas, muitas vezes, nos faltam argumentos para refutar tais
afirmações. Daí a importância de aprendermos os fundamentos
dos direitos humanos. Mas esse conhecimento não enriquece
o debate somente no nível da argumentação ou do discurso,
mas principalmente no nível da efetivação desses direitos, pois
enquanto a sociedade atribuir-lhes tal sentido de desvalia, os
mesmos jamais serão respeitados.

SEÇÃO 1 – O contrato social: Estado, sociedade e


indivíduo

Contrato Social: a idéia de liberdade

Segundo a teoria política tradicional, a liberdade é compreendida


de dois modos:

1) segundo o modelo liberal clássico, como faculdade


de cumprir ou não certas ações, sem o impedimento
dos outros que convivem no mesmo espaço social, da
sociedade ou do Estado;

2) segundo o modelo democrático, como poder de não


obedecer a outras normas senão àquelas que o agente
dá a si mesmo. Dessa distinta forma de compreender o
conceito de liberdade, derivam as diferenças entre Estado
Liberal e Estado Democrático.

O Estado Liberal é aquele no qual a ingerência do


poder público é a mais restrita possível, enquanto
o Estado Democrático caracteriza-se pelo grande
número de órgãos de autogoverno ou auto-
regulamentação, como é o caso do Parlamento.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Pode-se citar como representantes de cada uma dessas visões,


respectivamente, os célebres filósofos Montesquieu e Rousseau.

A doutrina liberal considera o problema da liberdade do


ponto de vista do indivíduo isolado, ao passo que a doutrina
democrática o toma em função do indivíduo enquanto membro
da coletividade. Mas ambas as formas de compreender e aplicar o
termo liberdade conduzem a um significado comum, qual seja, de
autodeterminação.

A esfera do permitido (onde se é livre) é aquela na qual cada um


age sem coerção exterior, ou seja, agindo nessa esfera, age-se
determinado não pelos outros, senão por si mesmo. Isso equivale
a dizer que um indivíduo ou grupo que não obedece a outras
leis senão àquelas que impostas a si mesmo significa que esse
indivíduo ou grupo se auto-determinam.

– Talvez você esteja se perguntando sobre a relação existente entre


o conceito de liberdade e convivência coletivo dentro de um Estado.
Então, acompanhe a seguir.

Como vivíamos antes da criação do Contrato Social?


De acordo com Hobbes (2003), vivíamos em estado de guerra,
uma luta de todos contra todos, na qual apenas o mais forte
vencia. Na ausência de Estado, havia guerra perpétua de cada
homem contra seu vizinho, e sendo cada coisa de quem o
apanhava e o conservava pela força, não havia nem propriedade
nem comunidade, mas apenas incerteza. Esse era o Estado de
Natureza, a situação pré-social em que os seres humanos se
encontravam antes de criarem o contrato social, o estado do
medo da morte violenta.

Por outro lado, a concepção de Rousseau (1993) é mais branda.


Em sua concepção de estado de natureza, vivíamos isolados nas
florestas comendo aquilo que a natureza nos oferecia, não havia
lutas e a liberdade era plena. O homem nesse estado é chamado
pelo autor de “bom selvagem inocente”, um estado de pura
felicidade, que só termina porque um desses indivíduos cercou
um pedaço de terra e falou que era dele, assim está criada a
propriedade privada. Esse momento se caracteriza como o estado
de sociedade, o segundo momento depois do estado de natureza,
que corresponde ao estado de guerra hobbesiano.

Unidade 4 91

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Já para John Locke, era no estágio pré-estatal, ou seja, no


hipotético Estado de Natureza, que os homens viviam em
perfeito estado de liberdade para regular as próprias ações e
dispor das próprias posses e das pessoas, dentro dos limites da
lei natural, sem pedir permissão ou depender da vontade de
ninguém.

Essas concepções de estado de natureza são consideradas


artificiais e foram criadas pelos filósofos modernos para explicar
como surgiu e, principalmente, por que estabelecemos um
contrato social, e compõem a base do pensamento contratualista,
em que a sociedade não é natural, mas constituída a partir da
necessidade dos seres humanos em organizar-se, viverem juntos.

Na passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil, o


indivíduo isolado cede lugar ao indivíduo enquanto membro
da coletividade, fazendo sentido falar-se em liberdade como
autodeterminação coletiva. A esfera das ações permitidas ou não
proibidas passa a ser definida pelo Estado, por meio de leis.

Essas leis, no Estado Democrático, devem ser resultado de


autodeterminação coletiva, por meio de órgãos de auto-regulação,
como o Parlamento. Já nos Estados despóticos, essas leis resultam
da vontade única do Soberano, razão pela qual não refletem
necessariamente aquilo que o povo escolheria se tivesse a
oportunidade de se auto-regular.

Mas o que é o contrato social e por que precisamos


dele?
Antes de prosseguir, procure responder a esta
questão, com base no que você já conhece sobre
este assunto. É importante que você sistematize
aquilo que já sabe e depois compare com o que
aprendeu de novo.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Por que renunciamos à nossa liberdade natural?


O estado de natureza, tanto de Hobbes quanto de Locke e de
Rousseau, representa o estado de insegurança, de constante luta
dos mais fortes contra os mais fracos, onde, para sobreviver, os
mais fracos escolhem renunciar à liberdade natural e à posse
natural de bens em troca de um estado civil que garanta seus
direitos. Essa passagem do Estado de Natureza para o Estado
Civil dá-se pelo contrato social que firmamos com os outros.

Locke prioriza os direitos existentes antes do pacto social em


relação à coletividade e ao Estado Civil e que, por isso, possuirá
um poder apenas limitado de ingerência na esfera privada do
indivíduo. Segundo sua teoria, o Estado nasce como produto da
vontade de homens livres que se unem com o fim de garantir
seus direitos de liberdade e propriedade adquiridos no hipotético
Estado de Natureza, onde os mesmos, embora existentes, são
precários.

Como no estado de natureza os indivíduos têm posse da sua


liberdade, eles podem abdicá-las e transferi-las para um terceiro:
o soberano. Eles transferem ao soberano (ao Estado) o poder de
dirigi-los em troca da segurança que ele lhes passa a oferecer.

Para Locke, somente na sociedade civil ou política existem as


condições para a observância das leis naturais que são as leis da
razão. Segundo Kant, para se ter algo como seu, é necessário
fazer parte de um Estado jurídico, onde haja poder público
efetivo. Sob essa premissa, explica a passagem do Estado de
Natureza para o Estado Civil, pois naquele a vontade geral não é
efetiva e, portanto, não garante as aquisições das pessoas.

Na “Paz Perpétua”, Kant define o estado de natureza como o


estado de guerra em que, embora não exista uma explosão de
hostilidades permanentes, há sempre uma ameaça constante,
razão por que o estado de paz entre os homens que vivem em
comunidade jamais ocorrerá sob essa condição. Portanto, essa
passagem hipotética é uma exigência racional a priori de ter algo
como seu e de garantir essa propriedade.

Unidade 4 93

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 93 22/9/2008 10:43:52


Universidade do Sul de Santa Catarina

O que é Estado?
Segundo as teorias contratualistas, o Estado é uma pessoa
artificial criada da associação dos indivíduos que estão reunidos
por meio de um pacto ou contrato, constituindo-se, assim, um
corpo político.

Dentro da concepção contratualista, o Estado é entendido,


ora como o reino da razão, dentro do qual o homem realiza
plenamente a sua natureza racional, ora como o reino da força,
onde, por meio dessa, se garante o bem estar dos que detêm o
poder.

Qual o papel do soberano?


Para Hobbes, o papel do soberano não é tão importante, podendo
se revestir de uma figura una (rei) ou plúrima (aristocracia ou
democracia). O que importa é a força política que possui o
Estado e suas instituições. Já para Rousseau o povo é soberano,
pois ele representa a vontade geral, isto é, a vontade do povo.

Contudo, tanto no modelo hobbesiano, quanto no rousseauniano,


a propriedade privada é apenas um direito civil, e os indivíduos
não possuem direitos sobre ela. É assim que Locke, no final do
séc. XVIII e início do XIX, cria o que chamamos teoria liberal.

Para Locke, o direito de propriedade é um direito natural,


pois, como filhos de Deus, herdamos o que ele construiu, mas,
como fomos expulsos do Paraíso, podemos ter direitos sobre a
propriedade apenas com o suor de nosso rosto, isto é, por meio
do trabalho. Portanto, para Locke, a propriedade privada é um
direito natural e fruto legítimo do trabalho.

Além de o Estado Civil caracterizar-se como a possibilidade


efetiva de poder e garantia, ele responde às exigências de
autonomia de Kant, que só pensa o Estado enquanto Estado de
Direito, estabelecendo relações de vontade sob a forma de uma
vontade geral (autonomia pública).

O conceito de autonomia pública é, no espaço público, uma


formulação nos mesmos moldes em que é pensada no plano
privado, ou seja, estabelece ao agente que não obedeça a nenhuma
lei senão àquela que ele tenha seu consentimento.

94

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 94 22/9/2008 10:43:52


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

– Você chegou ao fim da seção 1. Foi possível compreender o que é o


contrato social e por que precisamos dele? Acompanhe agora, Origens e
fundamentos do direito positivo e do direito natural.

SEÇÃO 2 – Direito positivo e direito natural


A idéia de contrato social, enquanto momento de transição entre
o Estado de Natureza e o Estado Civil, colocou em evidência a
íntima relação entre Direito e Estado, acentuando a diferença
entre as duas concepções de direito vigentes: o direito positivo e
o direito natural. Em que consiste cada uma dessas idéias e qual
a sua relação com os direitos humanos é o que vamos estudar.

O jusnaturalismo ou teoria do direito natural apresenta-se sob


duas versões, as quais divergem quanto à concepção de “natureza”
e convergem no que diz respeito à existência de direitos naturais
(independentes do Estado), à sua origem anterior ao Estado e ao
Direito Positivo e à sua condição de superioridade em relação ao
direito positivo.

O jusnaturalismo antigo remonta à Antigüidade


greco-romana (Platão, Aristóteles, Cícero) e à
escolástica medieval (São Tomás de Aquino) e explica
os direitos naturais, não como direito subjetivo
oriundo da condição humana em si, senão como o
sentido objetivo de justo ou devido, pré-determinado
por um mundo harmonioso ordenado pela razão
universal, onde cada instituição social e cada pessoa
encontravam sua estrutura e seu papel fi xados de antemão pelos
desígnios da ordem natural das coisas. Portanto, os antigos
admitiam a existência de um ordenamento jurídico (Direito)
próprio da natureza (das coisas naturais, independente da vontade
humana) e que, portanto, era o mesmo para todos. Essa natureza
tendia à ordem harmoniosa, tinha um sentido e um telos (uma
finalidade), por isso, os direitos naturais inseriam-se dentro deste
ordenamento teleológico.

O direito natural existe antes de toda a intervenção do artifício


humano, que o recebe por fazer parte da Natureza. O direito
natural não advém da razão humana e não depende dos juízos
humanos.

Unidade 4 95

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 95 22/9/2008 10:43:52


Universidade do Sul de Santa Catarina

Aristóteles utiliza a metáfora do fogo para explicar o direito


natural: o fogo que arde em Atenas é o mesmo que arde na
Pérsia. Para Aristóteles, o fim do direito é a justiça, que se
apresenta sob duas formas: a justiça em sentido estrito e a
justiça política, que se subdivide em justiça distributiva e justiça
corretiva. Aristóteles teorizou a justiça e com isso demonstrou
que o justo natural (expresso no direito natural) é o mesmo em
todos os lugares, basta utilizar a eqüidade, para aferir a justiça no
caso concreto.

O jusnaturalismo moderno ou racionalista afirmou-se a partir


Observe que, nesse momento da da Modernidade Européia, com os aportes filosóficos de Grotius,
história, não é exagero referir-se à Hobbes, Kant, Locke, Wolff e outros, e operou uma revolução
pessoa como homens (pessoas do na forma de pensar o direito, identificando-o a poder ou
sexo masculino), pois as mulheres faculdade do indivíduo, dado pela natureza racional e livre que
possuíam inúmeras restrições
somente os homens possuem. A moderna doutrina dos direitos
quanto ao exercício de direitos.
naturais nasceu de uma concepção individualista de sociedade
e, portanto, do Estado. Concepção individualista significa que,
antes, vem o indivíduo, que tem valor em si, e depois, o Estado,
cujo papel é proporcionar o desenvolvimento individual, livre
de condicionamentos externos. O Direito Natural Moderno
supõe um ordenamento universal deduzido da própria natureza
humana, donde derivam direitos que a pessoa ostenta como
reflexo subjetivo de sua condição de ser humano.

A tese jusnaturalista moderna ainda é defendida por muitos


pensadores contemporâneos que a utilizam para justificar
os direitos humanos, como, por exemplo, Perez-Luño, John
Finnis, John Rawls, Herbert Hart, Ronald Dworkin e Johannes
Messner. A concepção jusnaturalista moderna influenciou, de
modo decisivo, a teoria dos direitos humanos, sobretudo a partir
de uma mudança de enfoque que se operou no conceito de direito
durante a modernidade. A tradição jusnaturalista moderna
pressupõe a existência de direitos naturais, que são universais
porque decorrem da natureza do homem, que é a mesma e a
única, seja qual for o lugar ou o momento de sua existência.
Aquilo que vem dado com a mesma natureza ao ser humano é o
que lhes confere seu valor em todo o tempo e lugar, independente
de serem reconhecidos em uma declaração solene.

96

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 96 22/9/2008 10:43:52


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

As três principais características do direito natural moderno


utilizadas para identificá-los aos direitos humanos são:

1) A origem dos direitos naturais não é o Direito Positivo,


senão a ordem jurídica natural;

2) Tanto a ordem jurídica natural, quanto os direitos


naturais dela deduzidos, são expressão e participação de
uma natureza humana comum e universal para todos os
homens;

3) Os direitos humanos existem e o sujeito os possuem


independentemente do reconhecimento pelo direito
positivo.

É interessante saber que as críticas dirigidas à teoria


jusnaturalista acentuam as dificuldades teóricas de extrair
conseqüências normativas a partir de uma realidade natural, no
caso, a natureza humana ou a ordem cosmológica. Em relação
à sua identificação com os direitos humanos, essa problemática
é associada à necessidade que eles têm de uma correspondente
instância de cobrança, para que se tornem eficazes, pois não
basta afirmar que eles venham dados naturalmente, como uma
prolongação da comum natureza objetiva humana.

Antes de prosseguirmos, procure exemplos de


injustiça que você ou outra pessoa tenham sofrido,
porém não existia nenhuma lei brasileira ou mesmo
internacional que protegesse o direito violado. Com
base no que estudamos acima, você considera que
esse direito exista?

Unidade 4 97

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 97 22/9/2008 10:43:52


Universidade do Sul de Santa Catarina

O direito positivo é aquele que tem por princípio a vontade dos


legisladores. Em última análise, é produto do Estado, portanto,
posterior ao contrato social. Consiste em um conjunto de normas
gerais, emanadas da vontade do legislador e suscetíveis de
exteriorização, cujo cumprimento é garantido pela força emanada
do poder do Estado.

Embora a idéia de direito positivo ou de leis criadas pelos homens


não seja própria da Modernidade, já que presente na Antigüidade
(lembre-se das leis de Sólon e da Lei das XII Tábuas), neste
período histórico o modelo positivista assume traços peculiares e
resulta basicamente de dois fatores:

a) Processo de secularização que se produz no mundo


moderno e que atinge seu ápice no Iluminismo,
acentuando-se a importância das leis políticas civis;

b) Aparecimento e consolidação do Estado Moderno como


Estado Soberano que assume o monopólio da força e da
produção de normas.

O direito positivo é resultado direto da relação de poder que se


estabelece no interior do Estado Soberano, pois o primeiro signo
distintivo da soberania encarnada no poder estatal é o monopólio
da produção de normas e a primazia da lei. A positivação do
direito e a consideração do fenômeno jurídico a partir da história
transformaram a realidade do Direito e representaram as
seguintes passagens:

a) do modelo universalista do jusnaturalismo para um


critério particularista que leva em conta os traços
próprios de cada sistema jurídico e que conduz o
pensamento jurídico para esta realidade;

b) de uma concepção imutável, presente no jusnaturalismo,


para uma concepção dinâmica do Direito, que pode
mudar como conseqüência da relação direito-poder;

c) da concepção sobre a origem divina, natural ou racional


do Direito, para uma concepção sobre a origem estatal do
Direito;

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etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 98 22/9/2008 10:43:52


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

d) da concepção que permitia o conhecimento do Direito


pela razão, para uma que condiciona seu conhecimento à
publicidade e promulgação estatal;

e) da concepção que fundava a validade do Direito em sua


racionalidade, ou seja, em seu acordo com a natureza ou
com os mandamentos divinos, para uma que o funda no
poder político.

Veja que a corrente positivista vincula a validade e a eficácia do


Direito à efetividade do poder em uma dada sociedade. A partir
do século XIX, a sociedade política passou a ser identificada à
nação, expressão de uma coletividade unificada e homogênea
de indivíduos, todos iguais em sua qualidade de cidadãos. Essa
nova conformação política difundiu-se em termos planetários e
encarnou um modelo diferente de organização social, sob a forma
de Estado-nação. Com esse princípio, a pertença a uma nação
passou a ser considerada condição do gozo dos direitos e seu
papel foi o de fazer, do Estado nacional, a mais alta realização
desse ideal de liberdade, conferindo-lhe uma dimensão em que
cada povo, cada nação, só alcança a liberdade política se pertencer
a um Estado. No entanto, com o surgimento da figura do
Estado-nação, a nação passou a não mais existir, juridicamente,
fora do Estado, levando ao problema das minorias dentro dos
Estados nacionais.

Você pôde compreender o que é direito natural e


o que é direito positivo. Antes de prosseguirmos,
encontre e liste três diferenças entre os dois modelos.

Mas em que aspecto o fenômeno da positivação do Direito


influenciou os direitos humanos?

Em princípio, com o processo de nacionalização do Direito, os


direitos humanos passaram a ser reconhecidos como direitos
apenas e na medida em que proclamados dentro do Estado

Unidade 4 99

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 99 22/9/2008 10:43:52


Universidade do Sul de Santa Catarina

Nacional. Uma das principais conseqüências dessa ligação pôde


ser observada no final da II Guerra Mundial, com o problema
dos apátridas, ou seja, os povos que perderam seus territórios e,
com isso, seus direitos. Hannah Arendt explica que, no momento
em que os apátridas deixaram de ter um governo próprio,
não restou nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma
instituição disposta a garanti-los, apesar de serem seres humanos.
Na visão de Arendt, os direitos humanos subordinam-se ou
dependem, para a sua efetividade, da incorporação de seu titular
a uma comunidade jurídica, pois, de outra forma, ele se encontra
despojado da principal condição para usufruí-los.

Com o positivismo jurídico, os direitos humanos identificaram-


se, da mesma forma que os demais direitos, com normas
emanadas da vontade do legislador. Seu fundamento, portanto,
residiria no poder político. Mas devido à sua importância, passou
a ter acento constitucional em diversos Países, adquirindo o
mais alto status normativo no interior dos sistemas jurídicos.
Os direitos humanos consagrados nas Constituições têm sido
chamados de direitos fundamentais. Logo, são essencialmente a
mesma coisa; o que os diferencia é estarem ou não positivados.

Todavia, mantiveram-se, até seu processo de universalização


após a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,
de 1948, como direitos nacionais. Hoje, pode-se observar um
processo de transformação dessa realidade, com os sucessivos
Pactos e Declarações de Direitos firmados pelos países membros
da ONU e de outras organizações internacionais, bem como a
partir do crescente comprometimento, ao menos formal, desses
Países, com a proteção e a promoção dos direitos humanos.

Antes de seguirmos em frente, reflita sobre o que você


sabe sobre os direitos humanos e discorra sobre o que
você pensa sobre a fonte de validade desses direitos.

100

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 100 22/9/2008 10:43:52


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Em decorrência do fenômemo do Direito Positivo, quando se


fala em direitos humanos, para muitos vêm à mente as hipóteses
legais que se encontram previstas em variados documentos
jurídicos como Pactos, Leis, Constituições, seja no plano
nacional, seja no plano internacional.

Muitos autores, como Ottfried Höffe e Ronald Dworkin,


sustentam que antes de fazerem parte de uma Lei (até mesmo da
Constituição) e, com isso, passarem a obrigar os poderes públicos
sob o signo de direitos fundamentais, os direitos humanos são
parte integrante da moral jurídica universalista. Daí a origem
pré e supra-estatal dos direitos fundamentais, isto é, daqueles
direitos, reconhecidos pelo Estado, e que concernem à pessoa,
enquanto membro de uma comunidade política.

No entanto, os direitos humanos e os direitos fundamentais


não se distinguem, entre si, como direito e moral, e sim como
direito estatal e pré-estatal. Os direitos humanos, para quem
não admite seu fundamento na lei, são desta última categoria,
correspondendo ao direito moral que as pessoas devem umas às
outras.

SEÇÃO 3 - A tríade: direito, poder e verdade


Michel Foucault, em seu texto Soberania e Disciplina
(FOUCAULT, 1979) investiga a relação entre direito, poder e
verdade, verificando quais são as regras presentes no direito que o
poder utiliza para produzir discursos de verdade.

A tríade direito, poder e verdade se subdivide em outras duas:


força, poder e guerra; sujeito, unidade do poder e lei. Essas
relações têm como pano de fundo as seguintes questões:

Unidade 4 101

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Universidade do Sul de Santa Catarina

1) Quais são as regras do direito de que lançam mão as


relações de poder para produzir discursos de verdade?
2) Qual é esse tipo de poder capaz de produzir
discursos da verdade que são dotados de efeitos tão
potentes em nossa sociedade?
3) Como o discurso da verdade, tendo a filosofia o
discurso por excelência da verdade, pode fixar os
limites de direito do poder?
Use o espaço a seguir para fazer os seus registros.

1) Direito & Poder & Verdade

“Somos submetidos pelo poder à produção da verdade


e só podemos exercê-lo através da produção da
verdade.”(Ibid., p. 180.)

Há duas formas de poder: a primeira, em que o poder está


totalmente nas mãos do Soberano, muitas vezes designado poder
real; e outra, que tem por objetivo limitar o poder do Soberano

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

mediante regras de direito e da verificação do limite, para que o


soberano exerça seu poder com legitimidade.

A soberania é o problema central do direito nas sociedades


ocidentais, como já foi apontado na Seção 1 dessa unidade, pois
é através do direito, enquanto discurso e técnica, que é aplicada a
Foucault, trata o direito
função de dissolver a dominação presente no poder do monarca não apenas como lei,
e fazer aparecer os direitos legítimos da soberania e, por outro, a mas como conjunto de
obrigação legal da obediência. aparelhos, instituições e
regulamentos que aplicam
Foucault faz uma inversão na análise tradicional do discurso do o direito. Ibid.; p. 181.
direito, de forma a evidenciar como o principal instrumento do
direito é a dominação, e como ele é responsável pelas relações de
dominação e não de soberania, que tendemos a acreditar em um “Por dominação eu não
primeiro momento. entendo o fato de uma
dominação global de um
O problema da sujeição e da dominação encontra-se nas punições sobre outros, ou de um
e formas de punir, que encontramos nas instituições locais, grupo sobre outro, mas
as múltiplas formas de
regionais e materiais, e deve ser analisado não como quem
dominação que podem
procura o culpado e sua intenção, mas como quem quer ver: se exercer na sociedade.
Portanto, não o rei em sua
como funcionam as coisas ao nível do processo de posição central, mas os
sujeição ou dos processos contínuos e ininterruptos súditos em suas relações
que sujeitam os corpos, dirigem os gestos, regem recíprocas: não a soberania
os comportamentos,....., tentar saber como foram em seu edifício único, mas
constituídos, pouco a pouco, progressivamente, realmente as múltiplas sujeições que
e materialmente os súditos, a partir da multiplicidade dos existem e funcionam no
corpos, das forças, das energias, das matérias, dos desejos, interior do corpo social”.
dos pensamentos, etc. (Ibid., p. 183) Ibid.; p. 181.

Essa forma de abordar o problema é contrária ao que Hobbes


propôs em seu Leviatã, já que ele tinha como proposta construir
um corpo único a partir do conjunto de indivíduos e de suas
vontades que teria como alma a soberania. Por isso, Foucault
pretende estudar os corpos periféricos e múltiplos e não sua alma,
pois os corpos são os sujeitos constituídos pelo efeito de poder.

O poder tratado por Foucault constitui uma rede, na qual em um


determinado momento o sujeito exerce poder e, em outro, ele está
sujeito ao poder, portanto não há uma estabilidade, o poder passa
pelo sujeito sem que ele o perceba: “O indivíduo não é o outro do
poder: é um de seus primeiros efeitos.” (Ibidem)

Unidade 4 103

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 103 22/9/2008 10:43:53


Universidade do Sul de Santa Catarina

A análise do poder deve ser ascendente, por meio da investigação


dos fenômenos, das técnicas e dos procedimentos nos seus níveis
mais baixos como, por exemplo, a loucura, e podemos estabelecer
uma relação entre o desenvolvimento da classe burguesa no final
do séc XVI e início do XVII e o surgimento da internação
dos loucos, pois era necessário retirar o louco da sociedade,
já que ele não teria nenhuma utilidade para a indústria.

Os mecanismos de controle, no período de dominação


burguesa, consistiam (análise inversa feita por Foucault) na
exclusão social e principalmente na repressão sexual infantil, já
que a indústria precisava de uma força de trabalho altamente
produtiva. Mas os agentes dessa repressão, vistos por Foucault,
são a vizinhança, a família, os médicos, os agentes da sociedade
em geral.

A técnica e o procedimento de exclusão são:

os aparelhos de vigilância, a medicalização da


sexualidade, da loucura, da delinqüência, é toda esta
micro-mecânica. (Ibid., p. 185)

O importante é notar que Foucault não coloca a burguesia


como responsável pela repressão e exclusão, mas como se esses
mecanismos tivessem nascido espontaneamente no interior da
própria sociedade, tornando-se útil num determinado momento.

Pela análise das técnicas de poder e dos lucros econômicos e


políticos, obtidos nesse período, podemos compreender como
esses mecanismos se tornam eficientes. Como no exemplo da
loucura, o verdadeiro interesse do Estado não é a loucura, mas o
poder que o controle da loucura traz ao Estado como forma de
dominação da sociedade. Para que essa estrutura se fortaleça, são
necessários instrumentos reais de formação e de acumulação do
saber; não são as ideologias as responsáveis pelo fortalecimento
desses mecanismos, mas a forma pela qual o saber é estruturado,
o que pode ser por: “... métodos de observação, técnicas de
registro, procedimentos de inquérito e de pesquisa, aparelhos
de verificação.” (Ibid., p. 186). É necessária uma análise dos
discursos da verdade, já que estão diretamente relacionados com
o poder. “Somos obrigados pelo poder a produzir a verdade,
somos obrigados ou condenados a confessar a verdade ou a
encontrá-la.”(Ibid., p. 183)

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etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 104 22/9/2008 10:43:53


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Ao mesmo tempo que a verdade produz riquezas é ela quem


determina a forma pela qual somos julgados, avaliados, a
forma como vivemos e como morremos. Michel Foucault
faz uma revolução na forma de tratar do poder nas
sociedades capitalistas: a sua natureza, seu exercício em
instituições, sua relação com a produção da verdade e as
resistências que suscita.

O encontro da verdade (saber) não é como a leitura histórica


tradicional nos mostra: tranqüila e contínua, isto é, não é mais
apenas uma mudança de conteúdo, nem uma mudança de
paradigmas, como vimos na unidade 2 com Thomas Kuhn,
mas como os enunciados científicos são aceitos politicamente.
Portanto, é por meio das revoluções, que são desencadeadas pela
relação entre poder e verdade, que construímos nossas teorias
científicas, as instituições, a política, etc.; o poder exterior e
interior sobre os enunciados científicos que são capazes de
modificá-lo totalmente.

Foucault é o primeiro a colocar a questão do poder no discurso,


pois os discursos anteriores a ele giravam apenas em torno da
questão da soberania, da constituição em termos jurídicos para a
direita, contra discursos da esquerda em torno dos aparelhos do
Estado.

Veja que a análise de Foucault procura não se referir ao sujeito


ao analisar a trama histórica, fazendo uma genealogia que
revela a constituição dos saberes, dos discursos e dos domínios
do objeto, levando em conta os acontecimentos que são
desencadeados pela relação de poder e verdade. A verdade e
o poder estão inteiramente entrelaçados, um não existe sem o
outro, pois a verdade é produzida em decorrência das coerções
que o poder exerce sobre ela e dos efeitos que nele causa. A
verdade é necessária para a criação dos discursos científicos e das
instituições que o produzem.

As lutas políticas do séc. XVIII se fizeram em torno da


lei, do direito, da constituição, daquilo que pode ser válido
universalmente, ficando para os intelectuais a tarefa de criar os
universais. No entanto, Foucault, acredita que os intelectuais são
aqueles que participam das lutas diretamente; são aqueles que
fazem o uso de seu saber, de sua competência, de sua relação com
a verdade nas lutas políticas. O que importa não é o combate

Unidade 4 105

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 105 22/9/2008 10:43:53


Universidade do Sul de Santa Catarina

existente na busca da verdade, mas o estatuto que ela alcança e


o papel econômico-político que ela desempenha. É necessário
descartar a idéia apregoada pela direita, como pelo Marxismo,
que pensa o papel dos intelectuais de modo cartesiano como
ciência/ideologia, em vez do que eles realmente são: verdade/poder.

Portanto, de um lado estão as regras do direito que delimitam


formalmente o poder, e de outro, os efeitos da verdade que esse
poder produz, conduz, e tais efeitos, por sua vez, reconduzem ao
poder.

2) Sujeito & Unidade do Poder & Lei


A análise dos mecanismos do poder não parte da ideologia, do
edifício jurídico da soberania ou dos aparelhos do Estado, mas da
análise da dominação, de seus operadores materiais, das formas
de sujeição, dos usos e conexões da sujeição pelos sistemas locais e
estratégicos.

A teoria jurídico-política da soberania desempenhou quatro


papéis importantes na história:

a) mecanismo de poder efetivo, a monarquia feudal;

b) instrumento e justificativa para a construção de


monarquias administrativas;

c) limitador da religião e reforçador do poder real, válido


para qualquer modelo político e religioso da época, tanto
monárquico como parlamentar, católico ou protestante;

d) no séc XVIII a teoria da soberania é reativada pelo


Direito Romano, tendo Rousseau como precursor da
democracia parlamentar.

No Feudalismo as relações de poder entre soberano e súdito


eram mais claras; no entanto, após a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa, ocorre uma mudança na mecânica do poder,
que adquire novos procedimentos de dominação , contrários
ao antigo modelo amparado nas relações de soberania. No

106

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Feudalismo os mecanismos de poder atuavam em torno da terra


e de seus produtos (sua riqueza), enquanto que, agora, passam a
ser apoiados nos corpos e nos seus atos. Não é mais a terra que
precisa ser explorada, são os corpos que precisam produzir através
da extração (ou melhor, exploração) do tempo e do trabalho.

O novo poder é exercido por meio da vigilância, da cobrança


de taxas e da distribuição de obrigações, tendo em vista um
“crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da
eficácia de quem as domina.”(Ibid., p. 188). Percebemos que
esse mecanismo é totalmente contrário ao que propunha a teoria
da soberania, que conseguia fundamentar o poder na existência
física do soberano, e não precisava recorrer a uma vigilância
contínua, de forma a garantir um gasto mínimo e uma eficiência
máxima como é exigido pela classe burguesa.

O novo poder não é mais soberano, é disciplinar; contudo, a


teoria da soberania permanece como ideologia presente nos
códigos jurídicos. O novo sistema de direito, pautado na
soberania, transfere o direito, que era apenas do soberano,
para cada indivíduo, através da soberania do Estado.
Para manter esse novo estado, que tem como discurso e
organização do direito público, articulado em torno do
princípio de corpo social e da delegação de poderes, são
necessários instrumentos de coerções disciplinares de forma a
manter a coesão desse corpo social.

Portanto, o exercício de poder acontece com a união do direito de


soberania com um mecanismo de disciplina que possui também
um discurso próprio, pois são criadores dos aparelhos do saber e
de múltiplos domínios de conhecimento. As novas disciplinas, as
ciências humanas, são responsáveis por garantir, mediante seus
discursos normalizadores, um novo código de regras naturais.
Para Foucault, esses mecanismos são eficientes, pois não estão
presentes no discurso do direito (ou na lei), mas fora dele, nos
saberes clínicos.

Foucault não vê a organização das ciências humanas como um


desenvolvimento das ciências exatas, mas como a conexão de
dois mecanismos heterogêneos e contrários: o direito em torno
da soberania e as coerções exercidas pelas disciplinas. O discurso
das disciplinas faz parte cada vez mais do discurso do direito,
mas cada vez mais entra em choque com ele, sendo solucionado

Unidade 4 107

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 107 22/9/2008 10:43:53


Universidade do Sul de Santa Catarina

apenas com a “medicalização geral do comportamento, dos


desejos.” (Ibid., p. 190)

Hoje, o poder anda junto com o discurso científico, e somente


um retorno ao direito organizado em torno da soberania
pode solucionar esse problema; no entanto, a soberania e os
mecanismos disciplinares estão atrelados e são partes do poder
existente em nossa sociedade, por isso não pode haver limitação
de um através do outro. Notamos que, somente por meio de
um direito antidisciplinar, haverá solução para esse problema,
ficando de lado os inconvenientes que o conceito de repressão
possa trazer como catalisador dos direitos soberanos do indivíduo
e dos discursos e práticas retiradas das ciências humanas. Essa
noção é jurídico-disciplinar, e, portanto, qualquer crítica política
que utilize essa expressão continua entrelaçada a soberania e a
normalização.

3) Força & Poder & Guerra


Outra crítica que Foucault faz à teoria hobbesina de soberania é
de que ela pressupõe o indivíduo como sujeito de direitos naturais
e poderes primitivos, tentando criar um estado que possui a lei
como sua manifestação fundamental do poder; no entanto, em
vez disso é necessário mostrar as relações de sujeição existentes
entre o poder e a guerra (força), pois são elas que compõem
verdadeiramente nossa sociedade. A guerra pode valer como um
analisador das relações de força.

Foucault, mediante sua visão histórico-política, coloca a política


como uma forma continuada da guerra, e não o cessar da guerra,
como pretendia a teoria de Hobbes:

O que ele (Hobbes) denomina uma guerra de todos


contra todos não é em absoluto, uma guerra real e
histórica, mas um jogo de representação pelo qual cada
qual mede o perigo que cada qual representa para si,
calcula a vontade que os outros têm de lutar e avalia o
risco que ele próprio assumiria se tivesse reconhecido à
força. (Ibid., p. 318)

O modelo jurídico da soberania, proposto por Hobbes, deixa de


lado toda a multiplicidade das relações de poder; é apenas uma
teoria que estabelece a relação política do sujeito com o sujeito;
colocando a unidade do poder no Estado. Mas, para Foucault, a

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

guerra é o pano de fundo de todas as instituições de poder, ela


não cessa, apenas utiliza outras formas para atuar em defesa da
sociedade, como a dominação.

Pela análise da história e das instituições, Foucault nota que o


aparecimento do exército, de um Estado dotado de instituições
militares, ocorre posteriormente às guerras civis e religiosas na
Europa, principalmente na Inglaterra. Na guerra de Hobbes
(o estado de guerra) não há um enfrentamento direto, existem
apenas representações, pontuadas principalmente pelo medo
da morte, o que não percebemos na história, em que a guerra é
cotidiana e o Estado é responsável pela crença de que vivemos
num mundo ordenado e pacificado. As leis não nascem da
natureza, mas de batalhas reais, de vitórias, massacres e
conquistas; há uma guerra particular, na qual não há nenhum
sujeito neutro, mas apenas adversários.

Há apenas relações de poder, e nenhuma delas


deve ser analisada mediante um direito natural ou
da constituição da soberania, mas como uma rede
indefinida de relações de dominação de uns sobre os
outros, construída pela história.

Conceber o poder pela análise de Foucault traz para a atualidade


uma nova forma de interpretar a política e suas relações com a
verdade. É por meio de sua interpretação que deixamos de ver o
poder apenas como algo repressivo, como uma força que não é
negativa, mas que permeia e produz as coisas, induz ao prazer,
forma o saber e produz os diversos discursos presentes em nossa
sociedade. Devemos considerar o poder e a verdade como uma
teia de relações, com todos os organismos sociais externos e
internos a eles.

Não temos como nos livrar da verdade e de todo sistema de


poder, pois verdade é poder, e o poder se dá pela verdade. No
entanto, fica clara a tentativa de Foucault de desvincular o
poder da verdade das formas tradicionais de hegemonia: sociais,
econômicas e culturais.

Unidade 4 109

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Seu objetivo é inverter a forma de interpretar as relações de


poder, para que possamos transformar o regime político,
econômico e institucional da produção da verdade e, assim,
talvez, construirmos uma outra sociedade, mesmo sabendo que
sempre existirão essas relações.

Pensar sobre política não é um engano, é a própria verdade, e ela


é a verdadeira tarefa para os filósofos e intelectuais.

A questão da Filosofia é a questão deste presente


que somos nós mesmos. É por isso que hoje a
Filosofia é inteiramente política e inteiramente
historiadora. Ela é a política imanente à história, é a
história indispensável à política. (FOUCAULT, Dits et
écrits, III, p.266)

Síntese

A teoria do contrato social foi criada pelos pensadores modernos,


como Hobbes, Locke e Rousseau, para explicar a origem da
sociedade e do Estado. O chamado “estado de natureza” é um
estado hipotético criada para descrever a situação dos homens
sem o Estado, convivendo entre si em estado de força bruta.
Serve para explicar a motivação que levou os homens alienarem
parcela de sua autonomia para uma organização estatal que,
através do direito e da lei, dá conta de garantir os direitos
individuais. A doutrina do contrato social revela as diferenças
fundamentais dos modernos em relação aos antigos acerca da
concepção de Estado e de sociedade e, ainda, estabelece uma
separação clara entre direito natural e direito positivo, que não
era tão clara nos tempos antigos.

Por direito natural, você pôde perceber que se trata de um


conjunto de direitos preexistentes ao Estado e ao direito positivo
e que decorrem daquilo que é natural. Para os antigos, o conceito
de “natural” divergia dos modernos, ou seja, o direito provinha
daquilo que podia ser extraído da ordem natural do cosmos e que
era imutável. Independia da vontade humana, que se subordinava
aos desígnios da ordem natural do mundo. Por outro lado, os

110

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

modernos entendiam que o direito provinha da natureza humana


e, portanto, era extraído de sua razão, motivo pelo qual inseriu-se
a voluntas como elemento fundamental do direito, que passou a
ser compreendido como direito individual. Por direito positivo,
você aprendeu tratar-se de um conjunto de normas emanadas
da vontade do legislador. Portanto, o direito positivo pressupõe
o Estado e o aparato de poder de que o mesmo dispõe. Ambas
as teorias influenciam no modo de compreender os direitos
humanos: partindo do direito natural, os direitos humanos são
vistos como direitos superiores ao Estado, que deve protegê-
los; com o direito positivo, os direitos humanos passaram a ser
identificados aos direitos fundamentais e se identificarem como
tal na medida em que previstos dentro de um ordenamento
jurídico.

Por fim, você aprendeu o que é alienação e como esse fenômeno


se insere por trás dos discursos ideológicos de nossa sociedade.
Esse instrumental teórico serviu-lhe ainda para compreender as
relações de poder e de verdade que sustentam as normas jurídicas
em nossas sociedades, estabelecendo a esfera do permitido e do
proibido e como os direitos humanos dependem de um discurso
que os legitime como prática de promoção da dignidade humana.

Atividades de auto-avaliação

1) Na visão de pensadores, como Hobbes, Locke e Rousseau, como surgiu


o Estado?

Unidade 4 111

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Universidade do Sul de Santa Catarina

2) A partir do que você aprendeu sobre Direito Natural, analise o caso


abaixo e responda as seguintes perguntas, justificando-se:

Caso: Certo País resolve editar leis, restringindo direitos dos cidadãos.
A primeira lei proíbe os cidadãos daquele País de expressarem
publicamente, sob qualquer forma, seu pensamento sobre questões
políticas. A outra, proíbe os cidadãos de subir a Avenida X dirigindo seu
carro, por motivos de adequação do trânsito.

Pergunta 1. Você considera válida a restrição de direitos nos dois casos?


Em caso positivo, qual dos direitos é válido contra as leis do Estado?

Pergunta 2. Qual o comportamento que o Estado pode adotar em


relação a cada um desses direitos?

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

3) Relacione a primeira coluna com a segunda:


(1) Direito Natural ( ) Leis criadas pelos legisladores.
(2) Direito Positivo
( ) Leis extraídas da ordem cosmológica.

( ) Uso da força pública para garantir o


cumprimento das normas.

( ) Direitos fundamentais.

( ) Direito preexistente ao Estado

4) Analise as relações entre direito, poder e verdade na visão de Focault


e explique por que essa relação assume um caráter circular ou auto-
referencial, destacando o papel do Direito nessa rede.

Unidade 4 113

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

1) Para aprofundar as questões abordadas nesta unidade você


poderá consultar as seguintes obras:

„ ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Anti-


semitismo, imperialismo e totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.

„ ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 4. ed. Brasília:


Universidade de Brasília, 2001.

„ BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos Direitos


Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2000.

„ BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia


política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus,
2002.

„ DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São


Paulo: Martins Fontes, 2000.

„ . Uma questão de princípios. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

„ FERNANDEZ, Eusebio. Teoria de la Justicia y


Derechos Humanos. Madrid: Debate, 1997.

„ FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de


filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a
justiça e o direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

„ FINNIS, John. Ley natural y derechos naturales. Buenos


Aires: Abeledo-Perrot, 2000.

„ FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo:


Loyola, 1996.

„ . Microfísica do Poder. São Paulo: Graal,


2004.

114

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb Sec1:114 22/9/2008 10:43:54


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

„ HABERMAS, Jürgen. “Sobre a Legitimação baseada


nos Direitos Humanos”, p. 190-208. Direito, Estado e
Sociedade. Porto Alegre, n. 17, 2000.

„ . Facticidad y validez. Sobre el Derecho y el


Estado Democrático de Derecho en términos de Teoría
del Discurso. Madrid: Trotta, 1998.

„ HART, Herbert. O conceito de direito. Lisboa: Calouste


Gulbenkian, 1994.

„ HESPANHA, Antonio Manuel. Panorama Histórico da


Cultura Jurídica Européia. 2. ed. Portugal: Publicações
Europa-América, 1998.

„ HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret,


2004.

„ HÖFFE, Otfried. Derecho Intercultural. Barcelona:


Gedisa, 2000.

„ . Justiça Política. São Paulo: Martins Fontes,


2001.

„ KANT, Immanuel. Doutrina do Direito. São Paulo:


Ícone, 1993.

„ KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 1998.

„ LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São


Paulo: Martins Claret, 2003.

„ MESSNER, Johannes. Ética Social. O Direito Natural


no Mundo Moderno. São Paulo: Quadrante, 1980.

„ PECES BARBA, Gregorio. Introduccion a la filosofia


del derecho. Madrid: Debate, 1994.

„ PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos,


Estado de Derecho y Constitución. 5. ed. Madrid:
Tecnos, 1995.

115

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb Sec1:115 22/9/2008 10:43:54


Universidade do Sul de Santa Catarina

„ RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

„ VILLEY, Michel. Filosofia do Direito. Definições e


fins do direito. Os meios do direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

2) Sugestão de filme:

Mar Adentro - Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um


homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria
vida. Na juventude ele sofreu um acidente, que o deixou
tetraplégico e preso a uma cama por 28 anos. Lúcido e
extremamente inteligente, Ramón decide lutar na justiça
pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe
gera problemas com a igreja, a sociedade e até mesmo seus
familiares.

O filme mostra a relação entre o direito natural, ou seja,


aquele que existe independente de estar positivado, e o direito
positivo, revelando como os Estados Nacionais costumam
tratar questões relacionadas à falta de regulamentação legal
dos direitos.

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5
UNIDADE 5

Direitos Humanos

Objetivos de aprendizagem
„ Conhecer cada fase do desenvolvimento histórico dos
direitos humanos e situá-las na história, utilizando os
conhecimentos históricos prévios que você já detém;

„ Conhecer os mecanismos jurídicos internos e


internacionais de proteção dos direitos humanos e qual
o papel do Brasil nesse contexto;

„ Conhecer o que é, do que trata e qual o papel da


Declaração Universal dos Direitos Humanos no
desenvolvimento dos direitos humanos.

„ Conhecer o que é multiculturalismo e a realidade dos


direitos humanos em face desse debate contemporâneo.

Seções de estudo
Seção 1 Aspectos históricos.

Seção 2 Aspectos jurídicos e Declaração Universal


dos Direitos humanos
Seção 3 Multiculturalismo e Direitos Humanos

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


É fundamental para o estudo de qualquer objeto situá-lo
no tempo e no espaço. Por isso, nesta unidade, optamos por
problematizar os aspectos históricos e jurídicos dos direitos
humanos. O estudo histórico lhes revelará não apenas como e
porquê os direitos humanos surgiram, mas como foi possível a
transformação de seu conteúdo e de sua forma para se tornarem,
hoje, o que são: normas de caráter obrigatório em diversos Países
e na ordem internacional. A abordagem dos aspectos jurídicos
tem como finalidade proporcionar-lhes conhecer o status
desses direitos dentro de nosso País, assim como no âmbito das
organizações internacionais, qual seu papel e formas de garantia.

Por fim, o que se pretende é situá-los no debate dos direitos


humanos em face do contexto multicultural das sociedades
do século XXI e como esse fenômeno pode contribuir ou
obstaculizar a implementação dos direitos humanos em nível
universal.

SEÇÃO 1 – Aspectos históricos


A noção de direitos humanos reporta-se à consolidação de um
sistema jurídico de cunho individualista, que ocorreu na maioria
dos países ocidentais a partir dos séculos XVII e XVIII, com o
surgimento da Escola de Direito Natural de cunho racionalista.
A definitiva afirmação do individualismo na Modernidade
lançou as bases para a moderna teoria dos direitos subjetivos e,
conseqüentemente, dos direitos humanos.

Apesar de ser não ser uma escola fi losófica moderna, a filosofia


estóica, que nasceu na Grécia, por volta do século IV a.c. e
permaneceu viva até a Idade Média, contribuiu para a moderna
teoria dos direitos humanos, no que se refere à importância
atribuída ao indivíduo no alcance de seu fim, de seu bem e de
sua felicidade. Para os estóicos, o bem supremo identificava-se e
era alcançado pelo controle integral da alma e pela existência da

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

razão. O fim do homem era viver de acordo com a sua natureza,


ou seja, a racionalidade. O ponto de contato entre a filosofia
estóica e o individualismo está em atribuir-se unicamente à
racionalidade humana a realização do bem (de sua felicidade).
Portanto, ao radicar na natureza a fonte do direito, o estoicismo
exaltou o indivíduo como ser de razão que ordena o mundo.

Você saberia dizer o que contribuiu para a afirmação


dos Direitos Humanos? Acompanhe a seguir.

O nominalismo, fundado por Guilherme de Ockham, monje


franciscano do início do século XIV, também é uma filosofia
pré-moderna de cunho individualista, que contribuiu para a
posterior afirmação dos direitos humanos. Para o nominalismo,
o indivíduo é o único ser dotado de existência real, único centro
de interesse e objeto autêntico de nosso conhecimento, o que
torna impossível uma ordem jurídica senão a procedente da
vontade individual. Esta doutrina entendia que o fim buscado
pelo direito era assegurar ao indivíduo as condições de uma
vida livre e plenamente individual, idéia essa que encontrou seu
prolongamento no liberalismo moderno.

Na mesma linha, o cristianismo trouxe a idéia da existência


de uma infinidade de atos morais livres e indiferentes, que o
indivíduo não estava obrigado racionalmente a cumprir, mas
que cumpria por amor; deles dependia a virtude cristã, razão
pela qual o indivíduo era entendido como um centro de conduta
livre e, por isso, de poderes absolutos. Daí a concepção de um
sistema jurídico tendo como eixo central o poder do indivíduo.
O cristianismo compreendia a ordem social, não como um
entrelaçamento de proporções entre os objetos repartidos entre
as pessoas, senão como sistema de poderes subordinados uns aos
outros e de leis nascidas destes poderes.

No Renascimento europeu, em torno do século XIV, irrompeu


um novo modo de conceber certos aspectos da cultura ocidental
marcando o momento inicial da história moderna européia. O
Renascimento foi palco das grandes descobertas marítimas,
da reforma Protestante, da física newtoniana e das teorias
revolucionárias de Copérnico e Galileu Galilei e, portanto,
aparece como um momento privilegiado da humanidade

Unidade 5 119

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Universidade do Sul de Santa Catarina

ocidental, em que o homem toma consciência de seu papel central


no mundo.

Apesar de ser possível identificar na Antigüidade e no Medievo,


diversas teoria filosóficas que identificam-se com a moderna
teoria dos direitos humanos, muitos entendem que
foi somente na Modernidade Européia que começou
a se delinear os primeiros passos para a afirmação
definitiva dos direitos individuais. Isso porque foi nesse
período histórico que se consolidou um sistema legal de
proteção de direitos, sem o qual prevalecem condições
incipientes de violência. O vínculo entre a garantia
legal e a liberdade política se baseia na limitação do exercício do
poder e isso se mostrou incipiente tanto na Antigüidade, quanto
na Idade Média. Em contraste, a solução moderna para esse
problema requereu um esforço para tornar o poder impessoal ao
sujeitar o governo à lei. Uma série de acontecimentos ocorridos na
Inglaterra e na França, originados em razão de atos intoleráveis
do absolutismo real, podem ilustrar esse fato.

Na França, assistiu-se ao florescimento de grupos intelectuais


politicamente ativos a partir do Massacre de São Bartolomeu, em
1572, e das teorias sobre a monarquia absolutista de Jean Bodin.
Engendraram-se rebeliões contra a política fiscal do Estado,
levando, finalmente, à maior revolta, que precedeu a Revolução
Francesa, “La Fronde”, de 1640. Essa desencadeou uma série
de garantias, que embora efêmeras e de mero papel, ajudaram
a popularizar a causa liberal de restringir a tirania e limitar
os poderes do governo. A idéia sobreviveu por poucos meses,
até ser esmagada pelas tropas da regência, estabelecendo-se o
absolutismo dos últimos anos de Luís XIV.

Na Inglaterra, a rebelião dos levellers e a revolta armada bem


sucedida de Oliver Cromwell contra a monarquia inglesa
fizeram renascer as idéias republicanas e democráticas. Como
expressão desse movimento, a Petition of Rights, de 1628, com
a qual o Parlamento objetou às exigências de impostos sem
a sua autorização, demarca importante manifestação dessa
tendência. A seguir, promulgou-se o Habeas Corpus Act, em
1679, que consistia numa garantia judicial, criada para proteger a
liberdade de locomoção e que se tornou a matriz de todas as que
vieram a ser criadas posteriormente, para a proteção de outras

120

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

liberdades fundamentais. O Bill of Rights de 1689 veio fazer eco


ao movimento de garantias institucionais que, embora não sendo
uma declaração de direitos humanos, nos moldes em seriam
aprovadas cem anos mais tarde nos Estados Unidos e na França,
estabeleceu uma forma de organização de Estado baseada na
separação de poderes, cuja função, em última análise, é proteger
os direitos fundamentais da pessoa humana.

Aliado aos movimentos políticos do século XVII, várias


doutrinas filosóficas e movimentos culturais fizeram florescer, na
Europa, a idéia dos direitos humanos. O humanismo perpassou
o pensamento moderno e se sustentou em diversas teorias de
grandes pensadores da época, marcadas, principalmente, por
concepções universalistas e racionais. A idéia de direito natural,
ligado à racionalidade humana e ao mesmo tempo desvinculado
de influências divinas, estabeleceu-se, decisivamente, na cultura
jurídica européia do século XVII. Isso se deveu à consolidação
do individualismo, com a afirmação do valor em si do homem.
A premissa do jusnaturalismo moderno passa a ser a existência
de um direito inato de cada homem ao desenvolvimento de sua
personalidade. Logo, esse direito vai ser concebido como anterior
ao Estado Civil, pois antes existe um indivíduo isolado, com
importância em si, que o constitui por meio do contrato social.

A influência jusnaturalista na história dos direitos


humanos, nos séculos XVII e XVIII, foi sentida, não
somente em diversos pensadores, como Grotius,
Pufendorf, Spinoza, Hobbes, Locke, Rousseau e
Kant, como nas declarações de direitos do século
XVIII. Assim ocorreu com a Declaração dos Direitos
da Virgínia e a Declaração de Independência dos
Estados Unidos (1776), além da Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Nessas
Declarações, os direitos humanos surgiram e se
afirmaram como direitos negativos do indivíduo
em face do Estado e, por isso, representaram a
emancipação do poder político, agora fundamentado
na vontade da Nação, no pacto firmado entre os
homens e não mais no comando de Deus e dos
costumes.

Unidade 5 121

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Universidade do Sul de Santa Catarina

O povo americano, a despeito de escassas produções filosóficas,


como ocorreu amplamente na França revolucionária, proclamou
sua independência, sob a invocação dos inalienáveis direitos do
homem – a vida, a propriedade e a busca da felicidade. O poder,
contra o qual pretendia-se proteger estes direitos, tinha sua fonte
nos pactos firmados pelo povo americano, aos quais devotou-se
plena confiança.

Para os americanos, a constituição da liberdade implicava fundar


um corpo político suficientemente estável para assegurá-la. Daí
a decisiva contribuição da teoria da separação dos poderes de
Montesquieu, segundo a qual o sistema de freios e contrapesos,
a limitar os poderes do Estado, constituía-se na melhor forma
de controlar o poder. Daí decorre, para os americanos, a íntima
ligação entre a soberania popular e o reconhecimento destes
direitos inalienáveis. A importância histórica da Declaração
da Independência reside no fato de ser o primeiro documento
político que reconhece, a par da legitimidade da soberania
popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano,
independentemente das diferenças de sexo, raça e religião, cultura
ou posição social.

Nas nações da Europa ocidental, a proclamação da legitimidade


democrática, com respeito aos direitos humanos, somente veio
a ocorrer com a Revolução Francesa, em 1789. Até então, a
soberania pertencia legitimamente ao monarca, auxiliado no
exercício do reinado pelos estratos sociais privilegiados. A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
significou a derrocada do Ancien Régime e a matriz fundamental
dos projetos constitucionais vindouros de muitos povos. Foi
o primeiro elemento constitucional do novo regime político
instaurado, pois assentou-se no poder decisório exercido pela
Nação, representada por uma assembléia, que mais tarde
declarou-se a portadora de toda soberania.

Apesar de os direitos humanos estarem, tradicionalmente,


associados às Revoluções Americana e Francesa, o episódio
da colonização hispânica da América, que lhes antecedeu,
verteu uma contribuição não menos importante para a
definitiva afirmação dos direitos humanos no século XX.
No entanto, esse fato histórico costuma ser ignorado pela
literatura disponível para o estudo desta matéria.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

A colonização hispânica da América (século XVI)


caracterizou-se pela conquista do território e pela
subjugação dos indígenas locais. Embora legitimada pela
Igreja Católica, a colonização foi intensamente contestada
dentro da sociedade hispânica, resultando na construção
de um discurso ético, pelos intelectuais da Universidade de
Salamanca, que deslegitimou a conquista reconhecendo a
dignidade humana dos povos indígenas, então considerados
seres inferiores. A partir dos aportes filosóficos encontrados
no episódio do processo de colonização hispânica da
América, onde foi flagrante a utilização da violência contra
os povos indígenas, é possível rediscutir o problema da
legitimação ou fundamentação dos direitos humanos.
As práticas violentas e, em muitos casos, dizimadoras, eram
amplamente legitimadas sob a premissa de que os povos do
Novo Mundo eram seres inferiores. Esse discurso constituiu-
se como verdade, até o processo de deslegitimação sofrido
com as teses então inovadoras dos padres evangelizadores
e dos intelectuais de Salamanca, permeadas por elementos
eminentemente éticos. O estudo aprofundado do fato
histórico em questão pode contribuir para uma visão ética e
menos dogmática do tema, auxiliando na compreensão mais
autêntica dos direitos humanos.

Às declarações de direitos oriundas das Revoluções Americana


e Francesa, seguiu-se uma progressiva afirmação de direitos na
esfera estatal, em muitos países. As primeiras Constituições
escritas retratam o pensamento liberal-burguês consolidado no
século XVIII, de forte inspiração individualista, como tivemos
a oportunidade de constatar. Mas o incremento de necessidades
sociais engendrou o necessário alargamento do conteúdo de
direitos a novos setores da população.

Segundo Marshall (1967, p. 63), o conceito de cidadania se divide


em três partes ou elementos, aos quais correspondem direitos
e instituições correlatas. Ao elemento civil, correspondem os
direitos necessários à liberdade individual, cujas instituições mais
intimamente ligadas são os Tribunais de Justiça. Ao elemento
político, correspondem os direitos de participar no exercício do
poder político, cujas instituições são o Parlamento e os Conselhos
de governo local. Finalmente, ao elemento social, correspondem
os direitos a um mínimo de bem estar social e segurança ao
direito de participar na herança social e viver dignamente, cujas

Unidade 5 123

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Universidade do Sul de Santa Catarina

instituições são o sistema educacional e os serviços sociais.


Nos velhos tempos esses direitos eram fundidos em um só,
mas à medida em que as instituições passaram a tornar-se
independentes umas das outras, os três elementos de cidadania
logo passaram a se constituir em elementos totalmente estranhos
entre si, de modo que se pode atribuir o período de formação
da vida de cada qual a um século diferente – os direitos civis ao
século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX, os quais,
no entanto, devem ser encarados com certa elasticidade, sem
concebê-los como processos de gradativa substituição.

O processo de afirmação dos direitos políticos delineou-se apenas


no século XIX, quando os direitos civis já haviam conquistado
substância suficiente. Não se tratava de formação de um novo
conceito de direitos e sim de doação de velhos direitos a novos
setores da população. Até sua afirmação definitiva no século
XX, os direitos sociais não tinham qualquer expressão em face
do sistema liberal das forças de mercado dominantes. Havia,
no máximo, políticas estatais destinadas a minimizar o ônus da
pobreza e eximir o capitalismo da responsabilidade com aqueles
que não participassem de um contrato de trabalho, fomentando,
assim, a competição no mercado. Esse tipo de política não era
identificado com a promoção de direitos cidadãos, mas com
medidas protetivas dotadas de caráter coercivo que afrontavam as
liberdades cidadãs.

Surge no final do século XIX e início do século XX, a discussão


acerca de uma nova formulação da idéia de direito, contrapondo-
se à idéia individualista que norteava até então todo campo
jurídico e da teoria do Estado (muito embora possamos encontrar
resquícios de direito social já na Idade Média). O direito
social é, portanto, produto dos tempos modernos. Advém
da emancipação total do pensamento renascentista, do
reconhecimento de um pluralismo de sistemas equivalentes,
da liberação da sociedade humana e de uma síntese entre
individualismo e universalismo, criando, assim, um pensamento
alheio àquele direito ligado ao individualismo e aos grupos sociais
aos quais integra. Paralelamente a isso, grandes transformações
no seio do Estado ofereceram as condições a sua emergência,
correspondentes, sobretudo, à Revolução Industrial e às duas
primeiras décadas do século XX. O processo de industrialização

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

operou na sociedade uma alteração radical no modo de vida,


fazendo surgir as classes operárias e o fenômeno da urbanização.

Concomitantemente, assiste-se ao aprofundamento do


pensamento liberal, caracterizado pelo apego aos valores do
individualismo. O projeto jurídico que daí decorre assume
efetivamente como figura central de sua estrutura, este homem
alheio e alienado de seu meio ambiente. Nesse contexto, a
profusão das idéias socialistas surge como uma reação ao modelo
jurídico liberal, agravada pela crise do individualismo que começa
processar-se, privilegiando-se a idéia de comunidade. Nessa
esteira, delineia-se uma nova concepção de Estado, que passa a
ter funções positivas, assumindo um papel regulador e promotor
do bem-estar, sobretudo após 1945.

Portanto, no fim do século XIX, observou-se o interesse


crescente pela igualdade material e a compreensão de que
o reconhecimento formal de direitos não era suficiente. Os
direitos sociais assumem, nesse contexto, o aspecto de direitos
de crédito do indivíduo em relação à coletividade e encontram
no Estado o seu sujeito devedor. São direitos que surgiram como
reivindicações de todos ao amplo acesso aos meios de vida e
de trabalho. Foi através das reivindicações sócio-econômicas
ocorridas no século XX, que se ampliou o espectro dos direitos
humanos.

A obtenção destes direitos, por seu turno, inverteu a posição dos


indivíduos e do Estado, que se assumiu como lócus privilegiado
da afirmação e promoção destes direitos, que, ao contrário das
esmolas e da caridade dos tempos passados, visam resguardar o
homem moderno dos riscos da penúria econômica e dependem
basicamente do concurso de três fatores: potencial econômico,
vontade política e capacidade administrativa.

Com isso, assistiu-se à incorporação nas legislações estatais destes


direitos, fomentando a emergência do Estado de Bem-estar
Social. A Constituição Francesa de 1848 reconheceu algumas
exigências econômicas e sociais, mas a plena afirmação desses
novos direitos humanos só veio a ocorrer no século XX, com a
Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar
de 1919. O reconhecimento dos direitos humanos de caráter
econômico e social foi o principal benefício que a humanidade
recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade

Unidade 5 125

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Universidade do Sul de Santa Catarina

do século XIX, que identificou no conjunto dos grupos sociais


esmagados pela miséria, pela fome e pela marginalizarão, o
titular destes direitos.

Você pode perceber que o desenvolvimento dos direitos humanos


desde o século XIX até o século XX foi marcado pela evolução
em seu conteúdo e em sua extensão, passando de simples direitos
negativos de liberdade, para direitos sociais e de participação
política. Às duas fases dos direitos humanos, seguiu-se, a
partir do segundo pós-guerra, a sua fase universalista, com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da ONU,
como você vai ver na seção seguinte.

SEÇÃO 2 – Aspectos jurídicos e Declaração Universal


dos Direitos Humanos
A terceira etapa na história de afirmação dos direitos humanos foi
marcada pela universalização, que teve seu ponto de partida na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948,
e que significou a transposição de sua proteção, do plano interno,
para o plano internacional, alçando o indivíduo à qualidade de
sujeito de direito internacional, com a possibilidade de reclamar,
contra o próprio Estado, perante uma instância superior.

Embora o ideal contido na Declaração não seja novo, eis que


remonta às primeiras declarações dos Estados Unidos da América
(1776) e da França (1789), nas quais se percebe inúmeras
similitudes, novo é, no entanto, o âmbito de validade de suas
disposições, ao estabelecer uma proteção de “segundo grau”, a
partir do momento em que o Estado apresenta-se falho em suas
obrigações constitucionais com os sujeitos.

A elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos de


1948 foi precedida pela organização de consultas, encomendadas
pela Comissão de Direitos do Homem das Nações Unidas, em
1947, a uma série de pensadores e escritores de nações membros
da UNESCO, que formaram a Comissão da UNESCO para as

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Bases Filosóficas dos Direitos do Homem. Os textos recolhidos


expressavam a opinião pessoal de seus autores, representando
diversas correntes de pensamento filosófico e político em torno da
fundamentação dos direitos humanos. O resultado do trabalho
dessa Comissão foi publicado, pela UNESCO, sob o título “As
bases de uma Declaração Internacional dos Direitos do Homem”.
Segundo Jacques Maritain, que redigiu a Introdução à coletânea
de textos, que redundou na conclusão dos trabalhos da Comissão,
as diversas opiniões expressadas puderam ser divididas em dois
grupos: os que aceitavam e os que rejeitavam a “lei natural”
como o fundamento dos direitos humanos. Para os primeiros,
o homem, em razão de sua essência ou natureza, possui certos
direitos fundamentais e inalienáveis, anteriores e superiores à
sociedade. Para os segundos, o homem, em razão da evolução
histórica da sociedade, reveste-se de direitos de caráter variável e
sujeitos às variações impostas pela história.

Na votação global da Declaração dos Direitos do Homem,


obteve-se 48 votos a favor, nenhum contra e 8 abstenções (União
Soviética, Ucrânia, Rússia Branca, Polônia, Tchecoslováquia,
Iugoslávia, União Sul-africana e Arábia Saudita). A declaração
dos direitos abrange um preâmbulo e 30 artigos, divididos em
normas gerais e três grupos de direitos individuais. As normas
gerais contêm as noções fundamentais de caráter filosófico que
constituem o cerne dos direitos do homem na cultura ocidental,
cunhadas nas expressões “direitos inalienáveis” e “dignidade
inerente” ao homem, as quais sugerem a tese de que o direito está
vinculado às garantias das liberdades individuais. O conteúdo
aí expresso esclarece a orientação filosófica e jurídico-política
que a norteou: os ideais de dignidade da pessoa humana, de
fraternidade universal, de liberdade e igualdade de todos os
homens. Tal proclamação, em âmbito internacional, significa,
realmente, um grande passo para frente, marcando época na
história dos direitos humanos.

Os três grupos de direitos e liberdades individuais, que seguem a


clássica tripartição dos direitos humanos em direitos individuais
ou civis, direitos políticos e direitos econômicos e sociais, são a
parte central da Declaração.

Unidade 5 127

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A pretensão do primeiro grupo é proteger a pessoa


individual e sua liberdade contra os possíveis excessos
do Estado, tratando dos direitos à vida, à liberdade e
segurança, igualdade perante a lei com as necessárias
decorrências desses direitos.
Como segundo grupo de direitos fundamentais, os
direitos políticos aparecem no artigo 21 afirmando-se
como direito de todos a participar do governo do seu
respectivo Estado, de acesso aos cargos públicos igual
para todos e que a vontade do povo deve ser a base da
autoridade do governo, expressando-se essa vontade em
eleições livres e periódicas com voto universal e secreto.
Quanto ao terceiro grupo de direitos, constituído pelos
direitos econômicos e sociais, o tom da Declaração é
moderado, em nada inovando em relação àqueles já
integrantes da constituição da maioria dos Estados: direito
ao trabalho, à livre escolha do emprego, ao salário justo, à
proteção contra o desemprego.

Como a Declaração trata-se de um documento emergente de


vários Estados-nação, apenas foram contemplados os principais
direitos, que já eram praticamente patrimônio comum ou, ao
menos, admitidos pela maioria. A diversidade do conteúdo dos
direitos, contudo, revelou a oposição entre Ocidente e Oriente.
Para esse, os direitos sociais constituíam a verdadeira base de
todos os direitos em razão de que a coletividade precede ao
indivíduo e os direitos deste surgem no meio da coletividade. Na
concepção ocidental, em contrapartida, elevava-se a proeminência
do valor do indivíduo, da dignidade da pessoa humana, perante o
todo social.

O texto da Declaração não responde à questão do valor


jurídico deste documento, devendo-se recorrer a princípios
de interpretação aplicáveis a documentos internacionais deste
gênero para se chegar a uma conclusão satisfatória. Em que pese
a posição da maioria dos internacionalistas, que entende não
se constituir em um documento jurídico no sentido técnico da
expressão, não se pode afirmar que a Declaração esteja fora do
direito das gentes (internacional). Ela não estabelece normas
de direito internacional público positivo, nem sequer no âmbito

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

mais estrito das Nações Unidas, mas se constitui numa “profissão


de normas”, isto é, diretrizes gerais para o comportamento
dos Membros das Nações Unidas, tanto que normas jurídicas
explícitas e obrigatórias, tomaram corpo, em breve, na forma de
uma Convenção Internacional de Direitos do Homem, vazada
nos moldes de outras convenções de caráter internacional com
pleno valor jurídico.

Panorama Geral do Sistema de Proteção dos Direitos


Humanos
No contexto da preservação dos direitos humanos, o direito
internacional e o direito interno conformam um todo indivisível
com o propósito comum de proteção da pessoa humana. A
tradicional distinção entre o direito internacional e o direito
interno não fornecia uma resposta satisfatória à proteção dos
direitos humanos, pois essa abordagem dualista impedia que os
direitos reconhecidos no plano internacional possuíssem aplicação
direta no âmbito interno.

As transformações geradas pelo fim da II Guerra Mundial


provocaram uma nova onda de constitucionalismo. Este próprio
constitucionalismo foi transformado, tendo havido uma abertura
cada vez maior aos instrumentos internacionais de proteção dos
direitos humanos. São inúmeros os exemplos de constituições
que oferecem um tratamento especial aos tratados sobre direitos
humanos, como é o caso da Constituição Brasileira, em seu
artigo 5º. Estes novos dispositivos constitucionais, prevendo um
tratamento especial ao tema dos direitos humanos, constituem
um fator que contribui para a internalização dos pactos
internacionais. Neste novo domínio, não se discute se a norma
internacional prevalece sobre a norma interna ou vice-versa.
O que se aplica, agora, (ou se deveria aplicar) é a norma mais
favorável à pessoa, seja ela internacional ou interna.

Os fundamentos últimos da proteção dos direitos humanos


transcendem o direito estatal. A tendência constitucional
contemporânea de dispensar um tratamento especial aos tratados
de direitos humanos é, pois, sintomática de uma escala de valores
na qual o ser humano passa a ocupar a posição central. Ao
mesmo tempo em que as constituições dão maior abertura às
normas internacionais sobre direitos humanos, os tratados sobre

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Universidade do Sul de Santa Catarina

este assunto implicam uma maior interação entre o direito as


normas internacionais e as de direito interno.

Esta interação entre o direito internacional público e o direito


interno tem alguns aspectos significativos:

1º) os tratados afirmam a autoridade dos tribunais


internos, estabelecendo a necessidade de ampla defesa,
contraditório, etc;

2º) a margem de controvérsias é reduzida à medida em


que os próprios tratados disponham sobre a função e o
procedimento dos tribunais internos na aplicação das
normas internacionais;

3º) os tribunais internacionais de proteção aos direitos


humanos de proteção aos direitos humanos não
substituem os tribunais internos e nem funcionam com
uma corte de cassação.

A regra do esgotamento, segundo o qual se deve encerrar as


instâncias internas para se recorrer à jurisdição internacional
é vista sob uma nova perspectiva. Esta regra somente pode ser
considerada conforme as obrigações assumidas nos tratados, se,
efetivamente, houver um sistema interno de proteção aos direitos
humanos.

Até aqui observamos um panorama geral do sistema


de proteção dos direitos humanos. Mas como o
Brasil se comporta em relação aos direitos humanos?
Escreva o que você conhece sobre normas de direitos
humanos existentes no Brasil.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

O Brasil nos foros internacional e interno sobre direitos


humanos.
O Brasil tem participado intensamente dos foros internacionais
e regionais que tratam da matéria, numa posição de defesa da
democracia e dos direitos humanos, apesar de, internamente, não
ter adotado medidas eficazes para conter as violações sistemáticas
dos mesmos. Na comissão de Direitos Humanos da ONU, o
Brasil desempenha papel de destaque, apresentando importantes
iniciativas, como, por exemplo, a abolição gradual da pena de
morte, além de contribuir para as diversas atividades normativas
em curso.

O Brasil vem, também, aderindo aos Pactos Internacionais sobre


direitos humanos, como por exemplo, Convenção sobre tortura e
Convenção dos direitos da criança. Algumas medidas vêm sendo
adotadas, internamente, para dar cumprimento ao Pacto sobre
Direitos Civis e Políticos, dentre elas: lei de reconhecimento
dos desaparecidos, lei da tortura, reestruturação do Conselho de
Direitos da Pessoa Humana e Programa Nacional de Direitos
Humanos. Outras medidas são o aumento de poderes ao
Ministério Público, a federalização dos crimes contra os direitos
humanos e a transferência para a Justiça Comum dos julgamentos
de policiais.

Todavia, a situação de desrespeito interno dos direitos humanos


coloca o Brasil em situação delicada perante a sociedade
internacional, sendo comum apontar-se em relatórios, ocorrências
de execuções sumárias, tortura, falta de proteção às testemunhas
e de controle das polícias, trabalho escravo, etc. Importante
destacar que, por meio da Emenda Constitucional nº 45, de
2002, o Brasil inseriu os seguintes dispositivos ao seu art. 5º:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos


humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal


Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Unidade 5 131

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Isso sinaliza a completa disposição de nosso País em se inserir


no sistema internacional de proteção dos direitos humanos, pois
alça os Tratados de Direitos Humanos que forem aprovados por
nosso Legislativo à condição de norma constitucional, que tem
supremacia sobre todas as demais normas de nosso ordenamento
jurídico.

Ainda quanto à Constituição Federal de 1988, existe um amplo


sistema de proteção de direitos humanos, estando os mesmos
previstos principalmente nos Títulos I e II, que abrangem os
artigos 1º a 17. O direito brasileiro, além de reconhecer uma série
de direitos – direito à vida, à honra, à liberdade de expressão e
reunião, ao voto e a ser votado, direitos trabalhistas, etc – ainda
dota-os de instrumentos processuais que permitem a sua defesa
na Justiça ou mesmo fora dela, como é o caso de inúmeras ações
judiciais e administrativas.

SEÇÃO 3 – Multiculturalismo e Direitos Humanos


Atualmente, a pretensão de universalidade dos direitos
humanos não se restringe apenas ao âmbito teórico, mas figura,
expressamente, na Declaração Universal dos Direitos do Homem
proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10
de dezembro de 1948, e em sucessivos pactos internacionais de
direitos humanos que se seguiram a ela.. Esses pactos, firmados
por diversos Estados, repousam no reconhecimento de que
à própria humanidade, como um todo solidário, devem ser
reconhecidos certos direitos.

Você sabia...
Podem ser citados a Convenção para a Prevenção
e a Repressão do Crime de Genocídio, em 1948, as
Convenções de Genebra sobre a Proteção das Vítimas
de Conflitos Bélicos de 1949, a Convenção Européia
dos Direitos Humanos de 1950, o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
ambos de 1966, a Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1696 e a Carta Africana de Direitos
Humanos de 1981.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Existe uma ampla divergência em torno do reconhecimento do


caráter universal dos direitos humanos. Segundo Milne (1986:5),
as principais objeções das culturas ou sociedades refratárias ao
ideal dos direitos humanos se devem a que:

a) a idéia dos direitos humanos, como um standard ideal,


compõe-se de direitos da liberal e da social-democracia,
os quais são irrelevantes para grande parte da
humanidade, inclusive os povos do Terceiro Mundo;

b) a idéia dos direitos humanos é um standard que ignora


a diversidade cultural e a base social das identidades
pessoais, logo, pressupõe dissocialização e aculturação
dos seres humanos;

c) a noção dos direitos não é encontrada em muitas


sociedades, pois é um conceito recente, até mesmo nas
sociedades ocidentais e inerente à Modernidade.

Portanto, a principal aporia à aceitação universal dos direitos


humanos reside no relativismo cultural ou multiculturalismo,
que compreendem a pluralidade dos discursos morais que se
encontram nas diversas tradições e que se multiplicaram na
Modernidade, como um obstáculo fático a tal pretensão.

Para o relativismo, a existência de tradições culturais


múltiplas representa a impossibilidade do estabelecimento de
normas universais de comportamento social. Michel Villey
considera impensável um catálogo de normas uniformes para
todos os povos da Terra, pois o direito existe em função das
particularidades de cada povo.

No entanto, é preciso observar que a teoria universalista dos


direitos humanos não busca um sistema fechado de leis que,
como direito eterno e imutável, igualmente válido para todos
os seres humanos, se oponha ao direito mutável e positivo. O
universalismo dos direitos humanos não ignora a multiplicidade
de condições da vida humana e sua historicidade, ou seja, a
necessária diversidade de obrigações jurídicas concretas, razão
por que não se trata de um obstáculo à aceitação de que alguns
direitos, mais prementes, podem e devem ser reconhecidos a
qualquer ser humano. O reconhecimento igualitário de direitos
evita que os direitos humanos favoreçam minorias.

Unidade 5 133

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Segundo Heidi Hurd (2001:46), o propósito subjacente ao


relativismo metaético é a defesa do princípio da tolerância,
que requer a não intervenção nos hábitos, crenças e práticas
de grupos, distintos dos seus.
O princípio de tolerância parte de que, se todas as convenções
morais são igualmente verdadeiras, nenhum grupo está
justificado a impor seus valores a outros grupos. Ou seja, fazer
julgamentos morais de diferentes culturas ou comunidades
significa empenhar-se numa espécie de imperialismo ético. Os
relativistas cometem, com isso, erros que induzem à própria
contradição.
O princípio da tolerância por eles desenvolvido não é
relativizado a um conjunto único de padrões e crenças.
Quando um princípio é formulado, ele impõe obrigações
absolutas a qualquer grupo que enfrente pretensões
morais conflitantes com as suas. No entanto, desenvolver
um princípio é claramente incompatível com a defesa do
relativismo moral que o motiva, pois os relativistas são
impedidos de fazer o juízo moral de que todos deveriam ser
tolerantes em relação a opiniões contrárias, pois tal afirmação
implica desistir de uma perspectiva moral neutra e, por
conseguinte, emitir juízos de valor.
Por isso, o relativismo se obriga a considerar, como aceitável,
um grupo que não adota nenhum princípio interno de
tolerância e, por conseqüência, deve aceitar qualquer ação
desse grupo, tendente a se impor sobre os demais, pois ele
próprio não acredita na tolerância como um valor.
Logo, o relativismo autoriza a intolerância para todos aqueles
que não lhe atribuem valor, já que isso, do ponto de vista
relativo, pode ser considerado moral, pois decorre de uma
convenção social. Se a teoria relativista considera que o único
critério, a ser atendido, para tornar uma ação moral verdadeira,
é a correspondência com as atitudes da comunidade à qual ela
é aplicada, então o relativismo reconhece, em qualquer coisa,
o potencial de se tornar moral.
Com isso, presumindo-se que as crenças de sociedades que
praticam a escravidão ou a tortura de bebês para torná-los
mais vigorosos, por exemplo, podem receber consistência
interna, o relativista terá que admitir que as práticas nas quais
esses grupos se envolvem estão além da crítica. Disso resulta,
para o relativista, ter que considerar moral a perpetuação
da barbárie, o chauvinismo, o racismo, a limpeza étnica, a
perseguição religiosa, a escravidão e assim por diante.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

– Quais argumentos está associada a impossibilidade de


universalização dos direitos humanos? Vamos analisar!

O corolário de todas essas concepções é a identificação dos


direitos humanos com um projeto ocidental, que privilegia o
individualismo e o antropocentrismo, considerados a genuína
expressão da vida ocidental. O individualismo é
uma característica das
A noção de direitos humanos é comumente associada a civilizações ocidentais
pressupostos filosóficos ocidentais, como: natureza humana e foi um importante
ingrediente para o
universal fundada na razão, dignidade do indivíduo e ordem
desenvolvimento
social democrática. conceitual dos direitos
humanos.
Todavia, esses pressupostos não são encontrados em muitas
outras culturas, de modo que, supor a universalidade do conceito,
implica a crença de que a maioria dos povos do mundo esteja,
hoje, comprometida com um processo de transição, para uma
modernidade organizada, de forma racional e contratual, como é
conhecida, no mundo ocidental industrializado, o que é bastante
questionável.

Nunes (2004:20) observa que a universalidade dos direitos


humanos é um postulado que, muitas vezes, contribui para
ocultar a origem histórica e a especificidade cultural e ideológica
desses direitos, como idéia concebida no Ocidente. Isso não
significa que não seja desejável a sua extensão ao conjunto da
humanidade.

A divergência em torno de questões multiculturais tem a ver,


portanto, com o reconhecimento dos direitos humanos, no
contexto da Modernidade européia e norte-americana. Porém,
isso não deslegitima seu alcance universal, pois, embora o
contexto no qual se fizeram ouvir, pela primeira vez, demandas
relativas aos direitos humanos, tenha sido durante guerras
religiosas, em períodos de arbitrariedade absolutista e exploração
capitalista, típicos do mundo ocidental, há muito, países não
europeus já praticavam a tolerância religiosa, a igualdade entre
homem e mulher e o repúdio à escravidão.

Em contraposição à compreensão exclusivamente ocidental dos


direitos humanos, Bielefeldt (2004: 143) destaca a existência
das declarações islâmicas de direitos humanos, onde se observa
que tais direitos não são parte integrante apenas de determinada

Unidade 5 135

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Universidade do Sul de Santa Catarina

tradição cultural ou religiosa e sim conquistas, tanto ocidentais,


quanto orientais.

Além da identificação dos direitos humanos ao projeto ocidental


iluminista, pode-se detectar outros fatores de confusão que
dificultam o sentido da universalização dos direitos humanos.
Para os povos islâmicos, as objeções à assimilação dos direitos
humanos relacionam-se à hipocrisia dos discursos ocidentais em
relação aos direitos humanos, que os invocam como argumento
para justificar intervenções armadas contra Paises, quando é
evidente que são interesses político-econômicos aqueles que as
motivam.

Ainda, verifica-se o temor dos povos não ocidentais de que a


expansão do discurso dos direitos humanos esconda objetivos
políticos identificados com a busca de um padrão de condutas que
erija a cultura ocidental à condição de mais avançada e superior,
tornando-se natural que seja o mais benéfico para a humanidade.

O princípio da tolerância é, em si, contraditório, ao passo que


os fatores de confusão relativos à universalização dos direitos
humanos dificultam, mas não anulam ou não servem para
desconstruir sua argumentação.

Mas em que consiste a teoria universalista dos direitos


humanos?

As experiências de várias culturas extremamente diferentes


demonstram que as diferenças não é o obstáculo à universalização
dos direitos humanos. Ao contrário, essas diferenças dependem,
para seu respeito e proteção, do reconhecimento generalizado dos
direitos humanos a todas as pessoas.

A pretensão de exigir um reconhecimento universal dos direitos


humanos baseia-se na idéia de que, como pessoas, todos são
igualmente dignos de consideração e respeito. Isto é algo
geralmente admitido, mas para que esta idéia de igualdade de
respeito dê lugar à idéia dos direitos é necessário que o primeiro
respeite, no outro, a capacidade que tem de decidir por si mesmo.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

A aproximação de valores de outras culturas, que não a cultura


ocidental, com os valores expressos nos direitos humanos
demonstra que os mesmos podem ser universalizáveis, desde que
respeitadas as especificidades de cada cultura.

A despeito das diferenças no debate sobre direitos humanos


entre europeus, latino-americanos, norte-americanos, islâmicos,
africanos e tantos outros, Bielefeldt sustenta que esses direitos
foram, e continuam sendo, conquistas históricas, objeto de
permanente disputa política contra toda forma de opressão, não
só no contexto europeu.

Uma fundamentação universalista dos direitos humanos, além


de passar por argumentos morais, cujo pressuposto reside na
igualdade dos seres humanos e cujo fim é espelhar valores
relacionados com a dignidade da pessoa humana, necessita de um
debate mais profundo.

Fundamentos morais têm a ver com princípios éticos, comuns a


toda a humanidade e que transcendem as diversas especificidades
culturais, sem que isso signifique a supressão de diferenças, de
modo a legitimar um discurso de massificação.

Unidade 5 137

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nessa unidade você aprendeu que:

1) Falar de direitos humanos, a partir de seu


reconhecimento estatal, só faz sentido após a Declaração
de Independência dos Estados Unidos de 1776 e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
Francesa de 1789. No entanto, podemos encontrar nos
primórdios da civilização ocidental, identificados na
Antigüidade greco-romana e nos princípios cristãos,
as bases filosóficas do pensamento jusnaturalista e sua
concepção de que os direitos humanos se deduzem da
natureza humana e, por esta condição, são inerentes à
pessoa. Esta concepção está identificada nas primeiras
declarações de direitos, onde primeiramente foram
garantidos direitos negativos de liberdade oponíveis ao
Estado. As várias dimensões assumidas pelos direitos
humanos foram e continuam sendo resultado das
transformações ocorridas na realidade social, política,
cultural e econômica, ligadas ao incremento das
necessidades básicas, do processo de industrialização e
de descolonização. A incorporação progressiva de novos
conteúdos, a par dos clássicos direitos de liberdade, é um
fenômeno que se delineou, sobretudo, após o processo
de reconhecimento constitucional pelos Estados.
Entretanto, após o final da 2ª Guerra Mundial, a
humanidade empreendeu esforços na universalização dos
direitos humanos, no que se refere a sua categorização
e implementação, representada pela aprovação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU de 1948, que inaugurou uma nova fase de
internacionalização destes direitos.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

2) Você percebeu, ainda, que, embora o Brasil não adote


medidas eficazes de proteção e promoção dos direitos
humanos, nosso País está plenamente inserido no sistema
normativo internacional de proteção dos direitos huma
nos, subscrevendo diversos Pactos e Declarações dos
organismos internacionais, bem como promulgando leis
internas sobre direitos humanos. Nossa Constituição
Federal de 1988 contém um extenso número de normas
protetivas desses direitos, como o direito à vida, à
liberdade de expressão, à saúde, à moradia, dentre muitos
outros.

3) Por fim, situamo-nos no debate atual acerca do


multiculturalismo e percebeu que as variadas visões
culturais existentes no mundo impedem que os direitos
humanos tenham aceitação generalizada, apesar de
termos constatado que os valores básicos, subjacentes
aos direitos humanos, são comuns a todos os povos
que reconhecem a dignidade humana como valor a ser
protegido.

Unidade 5 139

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades de auto-avaliação

1) Partindo do texto sobre os aspectos históricos dos direitos humanos,


podemos identificar quatro fases de seu desenvolvimento: pré-história,
primeiras Declarações, socialização e universalização dos direitos
humanos. Comente os principais aspectos de cada uma delas.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

2) O Brasil participa ativamente na produção de normas de proteção dos


direitos humanos, seja criando-as internamente, seja subscrevendo
Tratados e Pactos Internacionais.
a) Pesquise e identifique, na Constituição Federal de 1988, normas
sobre direitos humanos;
b) Pesquise no “site” da Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República (www.planalto.gov.br/sedh), em legislação
internacional, os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é
signatário. Escolha dois e comente o conteúdo dos mesmos.

3) Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948,


responda:
a) Por que ela representa o marco inicial da fase de universalização dos
direitos humanos?

b) Já que você pesquisou o “site” da Secretaria Especial de Direitos


Humanos da Presidência da Republica e lá encontrou a Declaração,
identifique, no Preâmbulo, os principais valores que a inspiraram.

Unidade 5 141

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Universidade do Sul de Santa Catarina

c) Identifique e dê um exemplo de cada um dos grupos de direitos


humanos previstos na Declaração.

142

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

4) Identifique as principais idéias que caracterizam o multiculturalismo


e problematize-no frente ao propósito universalista dos direitos
humanos.

Saiba mais

Para aprofundar as questões abordadas nesta unidade você poderá


consultar as seguintes obras:

„ ARENDT, Hannah. Da Revolução. Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 1988.

„ BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia


política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus,
2002.

„ BOLZAN DE MORAIS, José Luiz. A idéia de direito


social: o pluralismo jurídico de Georges Gurvitch. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

„ CLAUDE, Richard Pierre. Uma perspectiva comparada


da tradição ocidental dos direitos humanos. 1ª ed. [SL]:
[SN],1976.

„ COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica


dos Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.

„ COULANGES, Fustel. A cidade antiga: estudo sobre


o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma.
Rio de Janeiro: Hemos, 1975.

Unidade 5 143

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 143 22/9/2008 10:43:56


Universidade do Sul de Santa Catarina

„ FERNANDEZ, Eusebio. Teoria de la Justicia y


Derechos Humanos. Madrid: Editorial Debate.

„ HESPANHA, Antonio Manuel. Panorama Histórico da


Cultura Jurídica Européia. 2. ed. Portugal: Publicações
Europa-América, 1998.

„ HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret,


2004.

„ LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São


Paulo: Martins Claret, 2003.

„ MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status.


Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

„ ROMANO, Ruggiero; TENENTI, Alberto. Los


fundamentos del mondo moderno. Madrid: Siglo
XXI, 1989.

„ SABOIA, Gilberto Vergne. “O Brasil e o Sistema de


Proteção Internacional dos Direitos Humanos”. In: O
Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos
do Homem. Organizado por Alberto do Amaral Júnior e
Cláudia Perrone-Moisés. São Paulo : EDUSP. P. 219-238.

„ SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento


Político Moderno. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.

„ SODER, José. Direitos do Homem. Companhia


Editora Nacional. São Paulo: 1960

„ TRINDADE, Antonio Cançado. Direito Internacional


e Direito Interno: Sua Interação na Proteção dos
Direitos Humanos. Instrumentos Internacionais de
Proteção dos Direitos Humanos. São Paulo: Centro de
Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996.

„ VILLEY, Michel. Estudios en torno a la nocion


de derecho subjetivo. Santiago, Chile: Ediciones
Universitarias de Valparaiso, 1976.

144

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 144 22/9/2008 10:43:56


Para concluir o estudo

Caro aluno,

Ao final do presente estudo, gostaríamos de parabenizá-lo!


Esperamos que este lhe tenha sido proveitoso.

Ao longo das cinco unidades, analisamos, de forma simples


e direta, conceitos, função, aplicação prática, importância e
fundamentos da ética, da cidadania e dos direitos humanos,
e estabelecemos relações entre os temas, de modo a justificar
a abordagem conjunta dos mesmos. Enfim, a Disciplina
ofereceu uma visão panorâmica e introdutória desses
temas concentrando a atenção, sobretudo, sobre aquilo
que entendemos ser mais importante para as reflexões
iniciais e para o alcance dos objetivos traçados. Ou seja, a
compreensão dos fundamentos do comportamento e das
relações humanas em sociedade.

Esperamos ter alcançado nossos objetivos. Em primeiro


lugar, procuramos destacar a relevância do estudo de temas
como ética, cidadania e direitos humanos, conceitos dos
quais a sociedade está carente e que são fundamentais para
a transformação das condições precárias de vida que nos
cercam. Em segundo lugar, objetivamos introduzi-los ao
assunto tratado, oferecendo-lhes nada mais que noções
básicas sobre os temas em discussão, pois não pretendemos
esgotá-la. E, por fim, nossa principal meta, ao elaborar
esse curso, foi estimulá-los a continuar os estudos sobre
a matéria; mas esperamos, sobretudo, que você tenha
percebido a relevância social que a mesma apresenta e o
interesse que, por si só, desperta.

Finalmente, resta colocar-nos à disposição para qualquer


ajuda que possamos oferecer. Desejamos que você dê
continuidade ao estudo dos assuntos que você estudou nesta
Disciplina!

Os professores.

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Referências

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Paulo: Brasiliense, 1989.

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jogo e suas regras. São Paulo: Brasiliense, 1981.

AMOÊDO, S. Ética no trabalho na era pós-qualidade.


Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

ARANHA, Maria l. & MARTINS, M. H.


Filosofando: Introdução à Filosofia. SP: Moderna,
1986.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Anti-


semitismo, imperialismo e totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Brasília:


Ed. Universidade de Brasília, 1985.

BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel,


2003.

BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos Direitos


Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2000.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a


filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de
Janeiro: Campus, 2002.

BOLZAN DE MORAIS, José Luiz. A idéia de direito


social: o pluralismo jurídico de Georges Gurvitch.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

BRANDÃO, Junito. Dicionário mítico-etimológico da


mitologia grega. 2 v. Petrópolis: Vozes, 1991.

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 147 22/9/2008 10:43:56


Universidade do Sul de Santa Catarina

. Mitologia grega. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio


de Janeiro: Zahar editor, 1997.

BOFF, L. Ética da Vida.Brasília: Letra Viva, 2000.

. Saber Cuidar. Petrópolis: Vozes, 2000.

BORGES, Maria de Lourdes et al. O que você precisa saber


sobre Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

BREHIER, Emil. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou,


1986.

CAMARGO, Marculino. Fundamentos de Ética geral e


profissional. Petrópolis: Vozes, 1999.

CHALMERS, Alan F. O que é a ciência, afinal? Trad. Raul


Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.

CHATELET, F. História da Filosofia, Idéias, Doutrinas. (8


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. O iluminismo. Coleção Os pensadores. v. 4. Rio de


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CHAUÍ, Marilena. Uma ideologia perversa. Artigo especial da


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. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1995.

. Público, Privado, Despotismo. In: Novaes (org), Ética.


São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

CLAUDE, Richard Pierre. Uma perspectiva comparada


da tradição ocidental dos direitos humanos. 1ª ed. [SL]:
[SN],1976.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos


Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

148

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 148 22/9/2008 10:43:56


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

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o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Rio de Janeiro:
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149

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 149 22/9/2008 10:43:56


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etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 150 22/9/2008 10:43:56


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo:


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KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. 3ª ed. São


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MESSNER, Johannes. Ética Social. O Direito Natural no


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MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia: dos Pré-


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MILL, John Stuart. O Utilitarismo. São Paulo: Ed. Iluminuras,


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MORA, José F. Dicionário de Filosofia (versão abreviada). São


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PECES BARBA, Gregorio. Introduccion a la filosofia del


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PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos,


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PETERS, F. E. Termos filosóficos gregos. 2. ed., Lisboa:


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PINSKY, J.; PINSKY, C. B. História da cidadania. São Paulo:


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151

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 151 22/9/2008 10:43:57


Universidade do Sul de Santa Catarina

PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Abril Cultural, 1987.

PLATÃO. A República. 8. ed. Lisboa: Fund. Calouste


Gulbenkian, 1996.

PRADO JR.,Caio. O que é Filosofia. 17. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1990. (Coleção Primeiros Passos)

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença, 1993.

REALE, G. História da Filosofia. 3 v. São Paulo: Paulinas,


1990.

. A História da Filosofia Antiga. 5 v. São Paulo: Ed.


Loyola, 1996.

ROMANO, Ruggiero; TENENTI, Alberto. Los fundamentos


del mondo moderno. Madrid: Siglo XXI, 1989.

SABOIA, Gilberto Vergne. “O Brasil e o Sistema de Proteção


Internacional dos Direitos Humanos”. In: O Cinqüentenário da
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Organizado por
Alberto do Amaral Júnior e Cláudia Perrone-Moisés. São Paulo :
EDUSP. P. 219-238.

SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político


Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SODER, José. Direitos do Homem. Companhia Editora


Nacional. São Paulo: 1960

SAVIANI, Dermeval. Conferência no “Congresso Nacional


de Educação para o Pensar e Educação Sexual”. Florianópolis,
2001.

SÓFOCLES. A trilogia tebana: Édipo rei, Édipo em Colono,


Antígona. Trad., apresentação e notas de Mário da Gama Kury.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

SROUR, R. H. Ética empresarial: posturas responsáveis nos


negócios, na política e nas relações pessoais. Rio de Janeiro:
Campus, 2000.

152

etica_cidad_dir_humanos_epc.indb 152 22/9/2008 10:43:57


Ética, Cidadania e Direitos Humanos

TRINDADE, Antonio Cançado. Direito Internacional e


Direito Interno: Sua Interação na Proteção dos Direitos
Humanos. Instrumentos Internacionais de Proteção
dos Direitos Humanos. São Paulo: Centro de Estudos da
Procuradoria Geral do Estado, 1996.

TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. 4. ed. Petrópolis, RJ:


Vozes, 1996.

UCHÔA, C. Ensaio Telebrasil. n° 1, agosto 1999.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do Pensamento Grego. 9.


ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

VILLEY, Michel. Filosofia do Direito. Definições e fins do


direito. Os meios do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

VILLEY, Michel. Estudios en torno a la nocion de derecho


subjetivo. Santiago, Chile: Ediciones Universitarias de
Valparaiso, 1976.

153

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Sobre os professores conteudistas

Caroline Izidoro Marim

Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de


Santa Catarina, onde foi bolsista de PIBIC – CNPq por
dois anos e estudou a proposta de uma ética ambiental
(desenvolvida pelo filósofo Peter Singer), mestre em Ética
e Filosofia Política, também pela UFSC, oportunidade
em que estudou a obra Kantiana Doutrina das Virtudes
e aprofundou seus estudos em bioética. Atualmente
desenvolve alguns projetos na área de Bioética e Ética
Empresarial. Professora da Universidade do Sul de Santa
Catarina, ministra as disciplinas de Ética, Bioética e
Filosofia nos seguintes cursos: Administração, Filosofia,
Letras, Enfermagem, Naturologia Aplicada, Nutrição,
Psicologia e Turismo.

Fernanda Frizzo Bragato

Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em
Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – UNISINOS, onde desenvolveu estudos sobre
a fundamentação moral dos direitos humanos. Nesta
mesma Universidade, participa do Grupo de Pesquisa
sobre Fundamentação Ética dos Direitos Humanos e
do Grupo de Pesquisa Transdisciplinar sobre Direitos
Humanos. É advogada militante em Porto Alegre.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

José Dimas d’Avila Maciel Monteiro

É Bacharel em Filosofia e Mestre em Letras (Teoria Literária)


pela Universidade Federal de Santa Catarina, desenvolvendo
pesquisas em Filosofia Grega (Aristóteles) e em Estética
(Schiller). Na Universidade do Sul de Santa Catarina, participa
do Grupo de Estudos em Ética e é professor de Ética e Políticas
Gregas no curso de Filosofia, em que também é Coordenador,
e professor de Filosofia no curso de Direito. É membro da
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos.

156

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Respostas e comentários das
atividades de auto-avaliação

Unidade 1
1) Você poderá dar destaque a vários aspectos e discorrer sobre
os mesmos, tais como:

Principais avanços:
„ sistema internacional de proteção dos direitos
humanos: Declarações, Pactos, adesão de muitos
Estados às normas internacionais;

„ sistemas regionais de proteção dos direitos humanos,


como é o caso do sistema interamericano;

„ previsão, em nível constitucional, no interior de muitos


Países;

„ Principais dificuldades:

„ resistência de muitos países não ocidentais em aceitar


a idéia dos direitos humanos, em razão de não os
identificar a sua própria cultura;

„ desrespeito generalizado dos direitos mais básicos dos


seres humanos que, em sua maioria, estão excluídos de
bens fundamentais para o desenvolvimento humano;

„ surgimento de novas formas de violação dos direitos


humanos.

Unidade 2
1) A sociedade torna-se mais harmônica e organizada quando
as pessoas agem eticamente, não admitindo, para si próprio,
exceções à regra. Por exemplo: não mentir. Segundo Kant,
podemos identificar um substrato comum às ações éticas, qual
seja, o reconhecimento da dignidade dos outros com que se
relaciona.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

2) A ética diferencia da moral, pois a ética pode ser considerada uma


reflexão sobre as ações humanas, isto é, dos costumes que adquirimos
através de nossa cultura, o que denominamos de moral. Portanto, a
ética é reflexão, enquanto a moral são costumes, hábitos, valores que
foram escolhidos por um indivíduo ou sociedade como padrão a ser
seguido. Como exemplo de ética temos o ato de mentir, pois sabemos
as implicações que isso representa, pois se estabelecemos a regra que é
correto mentir viveríamos em uma guerra. Contudo, sabemos que muitos
de nós mentimos e inúmeras vezes porque acreditamos que a mentira,
ou omissão é melhor do que a verdade, isso caracteriza um costume, um
hábito, mas quando refletido pela ética toma outro rumo.

3) c, a, a, c, d, b, e.

4) Virtudes analisadas:
„ Coragem – a pessoa que é corajosa demais pode arriscar sua
vida, colocando-a em pergio, por exemplo quando corremos
em alta velocidade, contudo, a pessoa que tem medo de tudo,
muitas vezes pode deixar de aproveitar prazeres como conhecer
novos lugares, por ser covarde. Portanto, a coragem é um meio-
termo entre a temeridade e a covardia.
„ Respeito próprio – a pessoa que se sente feliz pelo bom trabalho
que realiza é virtuosa, contudo, a que é vaidosa e se considera
melhor que os outros é um excesso. Por outro lado, aqueles que
são modestos demais e não se dão o devido valor erram pela
falta. Lembre-se de que Aristóteles nasceu antes de Cristo e por
isso a modéstia tem outro sognificado.
„ A prudência é virtude mais importante para Arsitóteles, pois
quando a temos, podemos discernir bem sobre todas as outras.
Por isso, o homem prudente não é ambicioso demais e nem
mole, isto é, procura realizar seus projetos de vida agindo da
forma mais virtuosa.

5) Um exemplo de lei que não é ética, era a lei que considerava a mulher
que traia o marido, como alguém que deveria ser punida severamente,
porque violou a honra do marido. Até aqui parece que nossos costumes
aceitam essa lei, contudo, caso acontecesse o contrário, a mesma regra
não valeria. Essa lei foi transformada recentemente no Brasil.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Unidade 3
1) A construção de uma teoria justificadora dos direitos humanos enfrenta
uma série de contradições. A expansão de seu conceito, englobando
direitos que não dizem respeito aos bens mais prementes para a realização
da vida digna, transforma-o em um conceito heterogêneo. Isso se observa
nos próprios textos constitucionais que, a despeito da diversidade de
denominações que empregam, qualificam como fundamentais, direitos que
não o são, sem atentar para o fato de que existe uma escala de valores que
subjaz à idéia de direitos humanos e que comporta gradação de proteção,
onde se encontram pouquíssimos direitos com proteção absoluta (direito a
não ser torturado, por exemplo). Isso demonstra que, os direitos humanos
justificam-se a partir de pressupostos éticos, que estabelecem a base
hierárquica de valores que são protegidos sob esse signo.

2) De acordo com os padrões éticos, o servidor público não agiu


corretamente, pois, embora tenha cumprido os prazos legais, não se
sensibilizou à peculiaridade do caso concreto, que reclamava uma prestação
mais rápida, sob pena de tornar inútil a providência solicitada, o que, no
caso, ocorreu.

3)
„ Resultados – Ao contrário do que propunha a hipótese, a
análise dos dados mostra que, ao terem de decidir quanto ao
lançamento de um produto pouco seguro no Terceiro Mundo, os
executivos apresentaram uma média de respostas éticas maior
na primeira pergunta, referente aos lucros da empresa, do que na
segunda, que envolve seu bem-estar econômico.

„ Conclusões – Os resultados indicam que as pessoas sempre


agirão com menos ética quando as conseqüências pessoais
forem maiores. Essa resposta demonstra que aqueles que
antes não tomariam nem perdoariam uma atitude menos ética
efetivamente passam a agir em interesse próprio, quando a
situação o exige.

Essa descoberta pode ser de grande importância para explicar o


comportamento ético, já que tende a sustentar a teoria de que os
indivíduos se deslocam para cima e para baixo, numa escala que vai do
puro egoísmo ao puro altruísmo.
Esses resultados também podem ser relevantes no desenvolvimento de
uma linha de pesquisa sobre a tomada de decisões éticas. Além disso,
põem em dúvida qualquer suposição que aponte para a permanência ou
consistência dos níveis morais, já que as pessoas se mostram propensas
a mudar seus padrões éticos quando as circunstâncias assumem
um impacto pessoal mais direto. As investigações futuras tendem a
aprofundar a busca dos motivos de tais mudanças e o entendimento de
seu significado em relação à teoria do desenvolvimento moral. A pesquisa,

159

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Universidade do Sul de Santa Catarina

portanto, tende a confirmar a noção de que, independentemente


da força do posicionamento ético, certas circunstâncias podem
precipitar mudanças no comportamento ético. Essa percepção torna-
se particularmente importante, à medida que as organizações tentam
entender as razões e os motivos do comportamento dos funcionários, em
situações de tomada de decisão, e serve de base para o desenvolvimento
de outros estudos que aprofundem o tema.

4) As três primeiras estão corretas.

Unidade 4
1) Na visão de pensadores, como Hobbes, Locke e Rousseau, o Estado
surgiu como resultado de um pacto entre os homens, que viviam no
chamado Estado de Natureza em situação de força bruta, no qual
alienaram parte de sua liberdade individual, a fim de tê-la protegida pela
lei e pela força institucionalizada da organização estatal.

2) Os dois casos propostos visam a testar seu conhecimento sobre


os domínios do direito natural e do direito positivo, relacionando a
pertinência de cada uma dessas formas de direito com os direitos
humanos. Lembre-se que o direito positivo é aquele que está previsto
nas leis feitas por legisladores dentro de um organismo estatal ou
supranacional. E que por direito natural, entende-se aquele que existe
independente de estar previsto em determinada lei. Valendo-se dessas
diferenças e lembrando-se de questões que envolvem direitos novos,
ainda não tutelados pelo Estado, tente responder a essas questões.

3) O correto é:
( 2 ) Leis criadas pelos legisladores.
( 1 ) Leis extraídas da ordem cosmológica.
( 2 ) Uso da força pública para garantir o cumprimento das normas.
( 2 ) Direitos fundamentais (Constituição).
( 1 ) Direito preexistente ao Estado.

4) Os discursos que se estabelecem como verdadeiros podem tanto


legitimar quanto deslegitimar uma prática. O discurso é um instrumento

160

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

de persuasão que, por sua vez, é uma das formas de poder, ao passo que
uma verdade é sempre veiculada por um discurso.
O poder se exerce a partir de dois aspectos fundamentais e contraditórios:
a força e a persuasão. As sociedades contemporâneas utilizam-se
do discurso, a fim de obter o consentimento social para estruturas e
instituições postas que, por meio desse discurso, são apresentadas como
se fossem formas científicas, racionais e éticas de funcionalidade social.
Estabelecida num discurso, uma verdade é constituída como forma
eficiente de poder que, concomitantemente, legitima os mecanismos de
poder que instituem a formação de uma verdade. Daí, a relação circular,
em que o poder instituir a verdade e a verdade legitimar o poder. A
questão da verdade passa por um processo de construção histórica e
situa-se em relação a um discurso. Encontra-se perpassada pelos interesses
de quem a formula, assemelhando-se mais a um saber construído do que
a uma instância natural objetiva e universal. Porém, uma vez definida e
aceita, reveste-se de um poder próprio e autônomo, de legitimar práticas e
saberes, tornando-se eixo do poder.
Por trás de uma verdade, há um interesse que a motiva e dirige a prática
correspondente; todavia, a influência do interesse em sua produção
não impede que esta possa confrontar-se com formas de alteridade, ou
instâncias externas, através das quais deva confirmar a veracidade ou não
de seus postulados.
A verdade, como observa Foucault, está ligada a sistemas de poder,
que a produzem e a apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a
reproduzem. Trata-se do mais forte e intenso símbolo gerador de prática
social, pois a busca e a definição do verdadeiro delimita a prática social
correta.

Unidade 5
1) Você deverá identificar as quatro principais fases evolutivas dos direitos
humanos:
a) Pré-história: período que precede a Modernidade (até século
XVI ou XVII), onde identifica-se teorias ou idéias que erigem o
indivíduo a centro de interesse do Direito e da sociedade;

b) Período das Declarações: aconteceu no século XVIII, na França e


nos Estados Unidos da América e marcou o início da positivação
dos direitos humanos. O conteúdo (titulares, objetode proteção,
conseqüências jurídicas) dos mesmos era ainda bastante
reduzido e se caracterizavam como direitos em face do Estado,
ou seja, surgiram como freios contra a atuação estatal contra a
esfera privada dos cidadãos;

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c) Período da socialização: este período histórico começou
a se delinear a partir do século XIX, com o fenômeno da
industrialização e da urbanização, que gerou a luta por direitos
de novos setores da população que passaram a se inserir
na sociedade através do trabalho assalariado. A partir daí,
muitos Países passaram a reconhecer os direitos sociais – ao
trabalho, moradia, educação, saúde – como essenciais ao pleno
desenvolvimento do ser humano. As principais Constituições
prevendo direitos sociais datam do início do século XX e são:
Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919
(Alemanha);

d) Período da universalização: surgiu após a Segunda Guerra


Mundial, tendo como marco histórico, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, da ONU, de 1948, que representou uma forte
reação da comunidade internacional às atrocidades cometidas
durante a guerra. Após a Declaração, sucessivos foram os Pactos
e as Convenções firmadas, sendo notório o aumento de adesões
dos Países ao sistema internacional de proteção dos direitos
humanos.

2)
a) A Constituição Federal de 1988 contêm inúmeras normas sobre direitos
humanos. Veja os Títulos I, II e VIII, e, ainda, os artigos 60, § 4º, 150, e 182.
b) Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário:

Organização das Nações Unidas (ONU):


„ Declaração Universal dos Direitos Humanos.
„ Pacto internacional sobre direitos civis e políticos.
„ Pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais.
„ Convenção sobre eliminação de todas as formas de
discriminação racial.
„ Convenção contra tortura.
„ Convenção contra discriminação no ensino.
„ Convenção sobre eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher.
„ Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948).

Organização dos Estados Americanos (OEA):


„ Convenção americana sobre direitos humanos.
„ Convenção interamericana sobre tortura.

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Ética, Cidadania e Direitos Humanos

Organização Internacional do Trabalho (OIT):


„ Convenção nº 29 - sobre trabalho forçado.
„ Convenção nº 87 - sobre liberdade sindical.
„ Convenção nº 98 - sobre negociação coletiva.
„ Convenção nº 100 - sobre direito a igual remuneração.
„ Convenção nº 105 - sobre trabalho escravo.
„ Convenção nº 111 - sobre discriminação no emprego e na
profissão.

3)
a) Antes da DUDH/48 não havia normas internacionais de proteção dos
direitos humanos; havia, no máximo, normas internas que protegiam os
cidadãos do Estado onde as normas estivessem previstas.
b) Dignidade humana, igualdade em direitos, imprescindibilidade do
Estado de Direito, desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.
c) Grupos de direitos e exemplos:
„ Direitos individuais ou civis: direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal; proibição de escravidão ou servidão, o tráfico
de escravos, tortura, tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
„ Direitos políticos: direito de tomar parte no governo de
seu país, diretamente ou por intermédio de representantes
livremente escolhidos; sufrágio universal, por voto secreto ou
processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
„ Direitos econômicos e sociais: direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos
e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em
caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu
controle; direito a cuidados e assistência especiais à infância e à
maternidade.

4) O multiculturalismo é invocado como argumento contrário à idéia de


universalização dos direitos humanos, pois compreende a diversidade de
culturas e modos de vida da sociedade contemporânea. Dessa condição
de nosso mundo atual se inferem as seguintes conclusões:
a) a idéia dos direitos humanos, como um standard ideal, compõe-se de
direitos da liberal e da social-democracia, os quais são irrelevantes para
grande parte da humanidade, inclusive os povos do Terceiro Mundo;

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Universidade do Sul de Santa Catarina

b) a idéia dos direitos humanos é um standard que ignora a diversidade


cultural e a base social das identidades pessoais, logo, pressupõe
dissocialização e aculturação dos seres humanos;
c) a noção dos direitos não é encontrada em muitas sociedades, pois é
um conceito recente, até mesmo nas sociedades ocidentais e inerente à
Modernidade.

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