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PRÉDICA:
1 CORÍNTIOS 11.23-26
ÊXODO 12.1-4(5-10)
JOÃO 13.1-17,31b-35
Werner Wiese
1 Introdução
O texto proposto para a pregação na Quinta-feira da Paixão é 1 Coríntios 11.23-26. O texto todo trata da Santa Ceia. Quinta-feira
da Paixão e Santa Ceia são factualmente inseparáveis. Conforme antiga tradição da igreja cristã, foi nesse dia que Jesus instituiu a
Santa Ceia no círculo de seus discípulos, e de lá para cá ela é celebrada em toda a cristandade até o dia de hoje e seguramente será
celebrada até a consumação da história derradeira de Deus com seu povo.
Se com o Domingo de Ramos inicia a Semana da Páscoa, então a Quinta-feira da Paixão é um marco dentro dessa semana. De
acordo com a tradição da igreja antiga, na Quinta-feira da Paixão termina o período da Quaresma (40 dias de jejum, que vão da
Quarta-feira de Cinzas até o Domingo da Páscoa). A Quinta-feira da Paixão é o último dia antes do “grande luto” por causa da
paixão e morte de Jesus – o “Cordeiro Pascal” de Deus (o noivo não estará mais presente como antes; cf. Mc 2.20). Aqui é
possível fazer o link com o texto do Antigo Testamento indicado para leitura no culto. Êxodo 12.1ss é o pano de fundo primeiro
da Páscoa cristã. Páscoa para Israel significava a libertação da escravidão no Egito; para os cristãos, significa a libertação da
escravidão do pecado e da morte por meio de Jesus Cristo.
Dificilmente, haverá um culto na Quinta-feira da Paixão que não seja culto de Santa Ceia, ao menos nas comunidades da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. E quem vem para o culto nesse dia vem por ser culto de Santa Ceia. Sendo assim,
convém lembrar os acontecimentos centrais desse dia (14° de Nissan): Jesus institui a Santa Ceia; Jesus ora no Getsêmani; Judas
trai a Jesus; os discípulos são dispersos como ovelhas que não têm pastor; Pedro nega a Jesus. Olhando sob esse prisma, pode-se
fazer facilmente a ligação com o segundo texto indicado como leitura bíblica para o dia: João 13.1ss – o lava-pés. Aliás, em
muitos lugares, também é celebrada o lava-pés na Quinta-feira da Paixão.
2 Exegese
2.1 – Olhando para o contexto
Em nenhuma outra carta do Novo Testamento, a instituição da Ceia do Senhor é mencionada ou retratada “literalmente”. Por esse
motivo, é importante perguntar pela razão da inclusão da instituição da Ceia do Senhor na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios.
1 – A situação na comunidade cristã. A comunidade cristã de Corinto era fruto do trabalho missionário-evangelístico de Paulo por
volta do ano 51 d.C. Ela passava por uma série de problemas de ordem interna, que, se não ameaçavam sua existência, colocavam
em xeque o testemunho do evangelho. Por esse motivo, Paulo escreveu cartas à comunidade cristã de Corinto. 1 Coríntios foi
escrita por volta dos anos 54-55 d.C. Um dos problemas de ordem interna estava ligado à celebração da Santa Ceia. Aliás, se não
houvesse problemas com a Ceia do Senhor, não haveria necessidade de Paulo escrever a respeito. Isso se deduz claramente dos
versículos precedentes (v. 17-22) e subsequentes ao nosso texto (v. 27ss). Desde os primórdios, parece não ter havido dúvida não
só quanto à importância da Ceia do Senhor para a igreja cristã, mas também quanto à maneira de celebrá-la de forma condigna.
Em Corinto, ao menos a partir de um dado momento, isso não estava mais claro para todos, não porque não tivessem recebido
orientações a respeito. O v. 23 não deixa dúvidas sobre isso: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei”. Em 1
Coríntios 11.2-16, Paulo manifestou-se a respeito de uma questão individual da ordem do culto – era uma questão que não dizia
respeito, em primeiro lugar, ao conteúdo ou à essência do culto, mas que, na verdade, era mais uma questão cultural do que
cultual. Paulo iniciou com louvor à igreja (v. 2).
A partir de 1 Coríntios 11.17ss, o apóstolo pronuncia-se sobre a celebração da Santa Ceia na comunidade cristã em Corinto. Dessa
vez, contudo, ele não inicia com louvor (v. 17a, 22b), mas censura duramente o comportamento da comunidade (v. 17b). No
parecer de Paulo, o que se celebrava na comunidade cristã em Corinto não era mais a Ceia do Senhor (v. 20). A Ceia do Senhor,
literalmente, não pode ser celebrada de “qualquer jeito” ou ao bel-prazer das pessoas presentes.
O que vinha acontecendo? Não é mais possível definir com última clareza o detalhe do problema. De qualquer maneira, Paulo
constata que os coríntios se encontram “não para melhor e sim para pior” (17b). A palavra traduzida como se encontrar ou se
reunir é synerchomai (v. 17b, 20a) e é um termo técnico para realizar assembleia, i.e, para reunir-se como igreja. O v. 21 destaca:
“... cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia...” A palavra grega para antecipadamente é prolambanein e, a princípio,
pode ser entendida de duas maneiras:
– Primeiramente, pode destacar o tempo em que algo acontece. No período neotestamentário inicial, casas de pessoas
economicamente melhor situadas serviam como espaço de culto. Ademais, naquela época, era comum celebrar refeições
comunitárias no contexto do culto e da Ceia do Senhor. Provavelmente, iniciava-se com a refeição comum e, ao término dessa,
celebrava-se a Santa Ceia. Nesse caso, membros ricos, em cujas casas a comunidade se reunia e que eram responsáveis pela
comida (refeição), não esperavam pela vinda dos mais pobres, que eram escravos/assalariados e dependiam da boa vontade de
seus patrões para ser liberados e poder participar do culto. E, quando os membros mais pobres chegavam à comunidade, os ricos
com seus amigos já haviam comido. Os menos favorecidos tinham que comer os restos. Na verdade, isso podia ser muito
constrangedor.
– Por outro lado, prolambanein pode referir-se à maneira de proceder, ou seja, tomar a Ceia para si. O v. 21, então, destacaria que
cada um tomava (comia) o que tinha trazido. Nesse caso, os ricos comiam muito, e os pobres pouco ou nada. Seja como for, em
ambos os casos, era uma desconsideração de uns para com os outros (U. Wilckens). Isso estava em frontal contradição com o que
o próprio Jesus demonstrou na instituição da Santa Ceia e demonstrou ao dar sua vida por muitos.
Com o passar do tempo, a ceia comunitária e a Ceia do Senhor foram completamente
desvinculadas, e a ceia comunitária era chamada de ágape. Por fim, abdicou-se inteiramente da ceia comunitária regular.
2 – Consequências da celebração da Ceia do Senhor (1Co 11.27ss). Como outros dons da salvação ou meios da graça, como se
costuma dizer às vezes, também a Ceia do Senhor foi dada para a edificação da comunidade cristã – para o bem de todos os que
dela fazem parte. Contudo, por se tratar da Ceia do Senhor, como expressão do fato de Jesus ter dado corpo e sangue para a
comunidade cristã, participar de forma indigna dela significa tornar-se culpado em relação ao próprio Cristo. Mas o que significa
comer e beber indigna ou dignamente? A resposta está nos versículos 27-29: Não se trata, como muitas vezes se tem pensado e
dito, de alguém merecer participar da Santa Ceia ou de não participar dela por ter cometido algum pecado , por causa do qual se
tornou indigno. Trata-se, sim, de pecar, ou seja, de não considerar a Ceia do Senhor como comunhão dos crentes. Em jogo está
uma conduta que desconsidera e humilha o irmão e a irmã no interior do culto e da comunidade. Resguardadas as devidas
proporções, nesse contexto convém remeter a palavras como Mateus 5.21-26.
4 Subsídios litúrgicos
Toda a ordem do culto (liturgia) deve ser bem pensada e não pode ficar por conta de improvisos e inspirações momentâneas. A
celebração não deve dar a impressão de que a Santa Ceia é um culto à parte do culto, mas está indissociavelmente ligada a esse
como parte integrante. O que deveria caracterizá-la não é que ela demore mais do que um culto normal. Ligado à saudação
trinitária, seria desejável deixar bem claro o específi co do dia e do culto.
Obviamente, hinos não faltam e devem ser bem escolhidos. Um hino que ajudaria a focalizar o momento específico da Quinta-
feira da Paixão (ou Sexta-feira Santa) é do pastor F. von Bodelschwingh:
1. Nossos corações pertencem ao varão de Gólgota,
Que, por ter sofrido a morte, vida e salvação nos dá,
Que o mistério do juízo ao Seu povo revelou,
Que em angústias e tormentos
Vida e paz nos conquistou.
As orações, especialmente a confissão de pecados, deveriam levar em conta os aspectos concretos da celebração condigna da Ceia
do Senhor, como foi mencionado na meditação.
Ademais, obviamente, recomenda-se fazer uso de material específico, elaborado para dias celebrativos como o de hoje.
Bibliografia
BRAKEMEIER, Gottfried. A Primeira Carta do Apóstolo Paulo à Comunidade de Corinto. Um comentário exegético-teológico.
São Leopoldo: Editora Sinodal & Faculdades EST, 2008.
JEREMIAS, Joachim. Isto é o meu corpo. São Paulo: Edições Paulinas, 1978.