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O “Latim Eclesiástico”

Não é incerto afirmar que, a Igreja Católica foi a responsável por dar continuidade ao
Latim e propagar a língua para todos os povos, os quais após a conversão para o Cristianismo
prezaram pelo uso em seus textos e missas. Textos que revelam uma possível expressão
gramatical e ortográfica do que seria o “Latim Cristão” datam de 200 d.C com as obras de
apologistas cristãos como Tertulião e Marco Minúcio Félix. No entanto, são contemporâneos
à, por exemplo, versões traduzidas para o Latim da Bíblia originalmente em Grego. É evidente
que, para incumbir um processo catequizante e ao mesmo tempo preservar a língua do Império
Romano era necessário fazer adaptações, apropriações e simplificações para facilitar o
entendimento daqueles que não tinham uma escolarização tão culta de Latim, certo?. Essa
afirmação, no entanto, é parcialmente verdadeira, pois os escritos de Tertulião, por exemplo,
não apresentam tantas diferenças do Latim Literário Clássico. Portanto, pode-se afirmar que
essa “proximidade” com o dialeto popular ou o sermo plebeius deve ser encarada de forma
cautelosa. O Latim Eclesiástico é, na verdade, uma língua artificial que tentou restaurar o Latim
Clássico para dar um maior grau de erudição aos textos cristãos e tornar possível uma
dominação pela instituição da Igreja Católica. Pelo fato de o Latim ter se diluído e adquirido
pronúncias muito distintas dependendo da região em que era falado o Imperador Além disso,
textos pós-queda do Império quando a Igreja já tinha domínio sobre diversos territórios denotam
um Latim que tinha marcas do Latim literário e elitista como em Historia Francorum de
Gregório de Tours.
Apresentar Historia Francorum

É mais seguro, portanto, afirmar que os escritos de cristãos não escolarizados antes da
instituição do Latim Eclesiástico como conhecemos hoje são retratos mais fiéis não de um
Latim degenerado, mas uma evolução do Latim Literário com léxico mais diverso e
especificamente cristão e influenciado completamente por traduções ainda “incorretas” da
Bíblia e termos Gregos. No texto Itinerarium Egeriae, o qual, é um relato de viagem de uma
mulher chamada Egeria pela França até a Terra Prometida podemos notar algumas
particularidades ortográficas e gramaticais que revelam, inclusive, formas que culminariam em
línguas Românicas como o Italiano e Espanhol.
Apresentar trechos do texto Itinerarium Egeriae:

lectum est, quia ipse est locus in Syon, alia modo


ecclesia est, ubi quondam post passionem Domini collecta

postmodum fit ordine suo missa.

ducent episcopum in Syon


qui non omnes uadent.

Nam presbyteri de hoc ipsud, quod


Lectum est, quia ipse est locus in Syon

Análise do texto de Egeria por Clackson e Horrocks. em The Blackwell History of The
Latin Language p. 289 – 290.:
“O estilo de Egeria é único, no entanto, é difícil não pensar que ela teve suas técnicas
narrativas e seu Latim encorajados pela Antiguidade Tardia e o Latim Arcaico de traduções
anteriores da Bíblia, as quais, seguiam versões do Hebreu e do Grego em seu estilo
relativamente pleonástico, paratático e direto. Egeria e sua fé Cristã levaram-a sentir que
poderia dispensar os modelos clássicos e comuns Latinos, se é que ela teve qualquer exposição
a essas coisas, e essas liberdade significa que seu texto é o “tesouro dos desvios das formas
padrões”, dando-nos o melhor retrato da direção do desenvolvimento das Línguas Românicas
no Século IV.” (Tradução minha)

Alguns pontos sintáticos também revelam os casos de uma língua proto-Românica como
o verbo em posição inicial na frase (1, 2), totalmente oposto à forma clássica Latina do verbo
no final da frase. Em certos casos o verbo também se apresenta imediatamente após o seu
elemento subordinativo.
Há também em frases com adjetivos como linguae e christianorum a posição do verbo
anterior ao adjetivo (3,4).
Há também estruturas sintáticas, as quais, podem ser observadas em períodos primitivos
da língua Italiana e outras línguas Românicas como a de “Left-detached element – Foco –
Verbo – Sujeito – Objeto”. Este “Tópico” parece apenas reiterar o foco da frase de modo geral.
(5)

1-procedit omnis populus


2-legitur ille locus
3- omnes linguae
4- nullus christianorum
5- omnis populus usque ad unum cum ymnis ducent episcopum in Syon

A pronúncia Clássica Restaurada Vs Italiana Eclesiástica.

Clássica.
- c, g + e, i - /k/, /g/
-o H é pronunciado
- gn = /gn/ ou / ŋn/
- v = /w/
- ti+vogal = /tiV/
- ph = /ph/
- ae = /ae/

Eclesiástica.
- c, g + e,i - /t͡ʃ/, /d͡ʒ/
- H não é pronunciado, exceto em mihi = /miki/
- gn = /ñ/
-v = /v/
-ti+vogal = /tsV/
- ph = /f/
- ae = /E/

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