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“Calamidades Meteorológicas no Brasil Meridional, em Agôsto de 1965”

Author(s): Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro


Source: Revista Geográfica, T. 35, No. 63 (2.o SEMESTRE 1965), pp. 173-178
Published by: Pan American Institute of Geography and History
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/40991855
Accessed: 13-05-2016 02:15 UTC

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CRONICA GEOGRÁFICA

"Calamidades Meteorológicas no Brasil


Meridional, em Agosto de 1965"

Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro

Geógrafo dp Conselho Nacional de Geografía


Brasil

No período de 19 a 28 de agosto de 1965 produziu-se, em todo o


país, um forte impacto emocional pela série de fenómenos meteorológicos
de rara intensidade que se sucederam no sul do país, atingindo propor-
ções de calamidade pública.
Já estava bem avançado um inverno, até então fraco, de invasões po-
lares separados por intervalos relativamente longos, onde a massa Tropi-
cal Atlântica produzia temperaturas elevadas. Após um destes intervalos
de bom tempo, entre sete e dez de agosto produziu-se, no decorrer dos
dias 11 a 13, uma série de perturbações barométricas, do extremo sul ao
Rio da Prata, conduzindo a uma acentuada definição da depressão do
Chaco, entre o anticiclone do Atlântico, particulamente ativo, e um fluxo
de ar polar. Este último investiu para o norte, a princípio hesitantemente,
através de duas fracas, próximas e rápidas passagens. De 14 a 15 a Fren-
te Polar deslocou-se até São Paulo, seguida, entre 16 a 18, de outra onda.
Enquanto esta se encontrava na altura de Santa Catarina, já se manifes-
tava intensamente definido o anticiclone migratório polar no sul do con-
tinente, com um centro de 1034mb. A previsão do tempo do dia 18 as-
sinalava o importante fato de que a progressão da massa fria para nor-
deste far-se-ia lentamente, devido a forte oposição oferecida pelo antici-
clone tropical marítimo, até então deslocado para o sul.
Entre 19 a 22 desencadeou-se a catástrofe. O freio imposto pela
massa tropical fez com que o ar polar se dirigisse pelo interior. Já no
dia 19 a frente fria era assinalada na latitude de Manaus, enquanto que,
pelo litoral, ainda não fora atingido São Paulo. O choque das massas na
rota litorânea conduziu a uma acentuada ciclogênese que evoluiu ràpida-
mente para uma oclusão. O eixo desta perturbação desenvolvida sobre o
mar incidiu perpendicularmente sobre o Rio Grande, coincidindo aproxi-
madamente com a borda do planalto. Acompanhando o noticiário dos
jornais, observa-se uma sequência de fatos que se analisará a seguir.

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No dia 19, início da série, enquanto a massa polar passava rapida-


mente pelo interior do continente, registrava-se em São Paulo uma sur-
preendente onda de calor que fez registrar no dia anterior, na capital, a
máxima de 33,6. Já no dia seguinte, as manchetes dos jornais davam
destaque às chuvas torrenciais que desabavam no sul. O Instituto Goussi-
rat Araújo, de Porto Alegre, informava que a queda pluviomètrica regis-
trada na capital gaucha atingira, nas últimas 24hs, a quota de 116mm? ín-
dice superado apenas por aquele de janeiro de 1940 (145mm). No lito-
ral e borda serrana do planalto, entre Rio Grande e Santa Catarina, hou-
ve queda de granizo e as fortes chuvas interrrompiam as ligações entre
Tubarão e Porto Alegre.
No dia 21, forte queda de granizo prejudicava a produção hortigran-
jeira dos arredores de Curitiba, enquanto se intensificavam as chuvas no
extremo sul. O Taquarí, o rio dos Sinos e o Guaíba transbordavam de
modo intenso, atingindo 16m acima do nível normal, inundando lavouras
e centros urbanos. A torrente impetuosa do rio Pelotas, sobre o planalto,
entre Santa Catarina e Rio Grande, arrastava a velha ponte, destruindo
a nova obra de arte construida em Passo do Socorro. A destruição desta
importante obra de arte produzia um sério golpe nas comunicações com
o sul, já que constitui um ponto nevrálgico da rodovia São Paulo- Porto
Alegre. Ainda no Planalto, o rio Caveira, subindo 15m, atingia o reser-
vatório dágua da cidade catarinense de Lages, prejudicando o abastecimen-
to da mesma.
À medida que a massa fria penetrava lentamente e se deslocava o
eixo da oclusão, temperaturas baixíssimas se produziam no planalto, onde
passaram a cair fortes nevascas. No dia 22 diminuiam sensivelmente as
chuvas no extremo sul, chegando a cessar em Porto Alegre, mas as inun-
dações prosseguiam impetuosas naquela zona, afetando mais intensamen-
te Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Gravataí. As nevascas as-
solavam, agora, o planalto desde Caxias do Sul até a faixa meridional do
Paraná. No setor catarinense observam-se nevascas não só em São Joa-
quim, mais frequentemente sujeita ao fenómeno, mas também no extremo
oeste, alcançando localidades como Dionisio Cerqueira e Itapiranga, onde
nunca se haviam registrado. No sul do Panará, quase na fronteira argen-
tina, em Barracão, registraram-se temperaturas de - 10°, enquanto em
Palmas a neve atingia a um metro de espessura, Clevelândia, Pato Branco,
Francisco Beltrão, Santo Antonio e União da Vitória foram outras loca-
lidades paranaenses castigadas pela neve. Surpreendemente, o Norte do
Paraná não foi sèriamente atingido. As fortes geadas, que por vezes ali
ocorrem, desta vez não se verificaram, escapando os cafezais de prejuisos.
Em São Paulo as repercussões pluviais da tormenta foram especialmente
fracas, manifestando-se antes pelo frio que chegou a ocasionar geadas.
Entre os dias 22 e 24 as mínimas foram acentuadas, variando entre 13°
no litoral e 3o e 2o positivos no planalto. A ocorrência de geadas chegou
a afetar a produção agrícola dos municípios de Jales, São Carlos, Descal-
vado, Louveira, Campinas e Bauru.

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Embora ultrapassado o climax meteorológico pela dissolução da


oclusão, ocorrida no decorrer do dia 23, nova invasão manifestou-se en-
tre os dias 24 e 25. Sensivelmente mais moderada esta nova investida da
massa fria, a frente resultante deslocou-se até Santa Catarina, à altura de
Florianópolis e trouxe como resultado novas precipitações especialmente
no Rio Grande. Acentuaram-se as enchentes, já então mais moderadas,
e a continuação da nevasca acarretou novos prejuizos. A esta altura dos
acontecimentos, já era considerável o número de vítimas. Pràticamente
toda a população de Canoas era atingida pelo Guaíba, enquanto calcula-
va-se em trinta mil o número de vítimas no vale do rio dos Sinos. Em
Lagoa Vermelha, Palmeiras e Passo Fundo, a neve acumulada sobre os
tetos danificava residências, fazendo mesmo desabar barracões de estabe-
lecimentos industriais. Em Palmas registravam-se cerca de 500 pessoas
desabrigadas pela neve e 3 mortos pelo frio. A circulação rodoviária
apresentava-se caótica, especialmente no Rio Grande do Sul, ligado ao resto
do país apenas pelo eixo ferroviário.
Durante o dia 26 verifica-se um recuo na Frente Polar, implicando
em continuação das perturbações no território gaucho. Até o fim do mês
de agosto a Frente Polar ainda trouxe perturbações ao Brasil Meridional,
através de uma progressão hesitante e várias oscilações. A cadeia desta
infausta sequência se encerraria a primeiro de setembro, quando o eixo
de perturbações ultrapassava a região, dissolvendo-se à altura de Cabo
Frio. Contudo, desde o dia 27, à medida que a discontinuidade ganhava
terreno em seu avanço para o nordeste, o tempo apresentava sinais de me-
lhora. As manchetes dos jornais focalizam de preferência os socorros
enviados à região assolada. O noticiário pràticamente se encerra no dia
28. Naquela data o Presidente da República dirigia-se a Porto Alegre para
inteirar-se pessoalmente dos prejuizos, enquanto créditos especiais de al-
guns bilhões de cruzeiros eram solicitados ao Congresso Nacional.
O registro desta ocorrência que, se não é muito frequente, não chega
a ser rara, poderá facilmente levar-nos a conjecturas sobre o problema,
tanto na esfera meteorológica quanto nas suas implicações geográficas.
Em que pesem todas as deficiências da rede de observações meteoro-
lógicas de nosso continente, podemos dar-nos conta da eficiência dos ser-
viços nacionais de meteorologia, no que se refere à plotagem e elabora-
ção das cartas sinóticas, tanto no Ministério da Agricultura quanto, espe-
cialmente, no da Aeronáutica onde, com vistas à segurança de voo, a Di-
retoria de Rotas Aéreas possui técnicos de alta competência. Desta etapa
fundamental à observação meteorológica, passa-se à alta esfera da pesqui-
sa meteorológica, sobretudo no Serviço Nacional de Meteorologia, onde
são realizados estudos de alto nível. Estes, em grande parte, são dedica-
dos a problemas de especulação científica de ordem geral e menos à apli-
cabilidade dos conhecimentos meteorológicos. Registra-se sensível la-
cuna entre estes dois níveis de análise meteorológica. Entre o registro da
observação diária e a pesquisa meteorológica elevada, faz falta um nível

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Fig. 2
Seleção das Cartas do Tempo - 13 a 2

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"^ Hora: 12,00 {-Ì«7T< ^.f% Horo: 12,00
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-^ Horo: 12,00 '-,v^f; ^T% Hora ; 12,00

Fig. 2
Fempo - 13 a 22 de agósto de 1965.

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intermediário, mais diretamente ligado ao estudo do ritmo de sucessão dos


tipos de tempo, seus padrões básicos e extremos, fundamentais ao aper-
feiçoamento da previsão.
É de toda justiça assinalar que não faltou aos meteorologistas brasi-
leiros esta preocupação. A vasta obra de Adalberto Serra é um eloquente
atestado desta afirmativa. Se existe uma base de trabalho interpretativo
mau grado as limitações materiais, não há infelizmente material humano
suficiente ao aprimoramento desta importante tarefa. Sabemos que, de
longa data, meteorologistas brasileiros, notadamente Leandro Ratisbonna,
vêm desenvolvendo esforços no sentido de que se criem em nossas uni-
versidades cursos de formação de técnicos especializados em meteorologia.
Se as dificuldades de ordem técnica material e pessoal especializado -
já que nossos poucos meteorologistas civis são emanados das escolas po-
litécnicas, sem estudos especiais e que tiveram formação extra-universitá-
ria - fizeram falhar, até agora, a instalação destes cursos no contexto
das Faculdades de Filosofia, é de esperar que novas universidades como
as de Brasília, e mesmo aquelas com um louvável sentido de dinamiza-
ção como as do Ceará e de Pernambuco, criem em seus Institutos de Geo-
ciências, cursos de formação meteorológica.
Ao nível atual das Faculdades de Filosofia, é sobejamente reconhe-
cida a insuficiência científica de que se reveste, nos cursos de Geografia,
o tratamento dado à Climatologia. Uma consequência lógica desta forma-
ção é a indisfarçavel reserva com que os geógrafos brasileiros, excelentes
em muitos setores, tratam dos fatos climáticos. Entretanto, é inegável a
necesidade do estudo do ritmo de sucessão dos tipos de tempo como meio
de caracterização climática.
O exemplo em foco, para os geógrafos que se preocupam com o tra-
tamento dinâmico do clima, tem a mais alta significação. O climax que
conduziu à catástrofe, fàcilmente previsto pela análise meteorológica da
sequência rítmica que a ela conduziu, apresenta-se para o geógrafo atua-
lizado e preocupado com a dinâmica dos processos naturais e humanos,
fàcilmente compreensível e revestido de grande interesse. O momento
culminante ou o ponto básico na compreensão do fenómeno encontra-se
nas perturbações ocorridas entre os dias 11 e 13, momento em que a
grande penetração tropical marítima verificada entre os dias 7 a 10 em
latitudes elevadas implicou na definição da depressão do Chaco, que por
sua vez atraiu o ar polar em processo de acumulação no extremo sul.
Desde o solsticio de junho até então, o Brasil Meridional fora percorrido
por sete passagens da Frente Polar, motivadas por avanços medíocres do
ar polar. A pulsação do ritmo já indicava, todavia, uma atividade acen-
tuada do ar tropical, já que suas penetrações atingiam a região platina e
produziam intervalos de tempo bom e temperatura sensivelmente elevada
para a época. O contraste das massas de ar e a intensidade do choque
foram esboçados na previsão do dia 18. O papel do plotador analista foi
desempenhado a contento. Por força do seu trabalho, a sua substituição

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impõe-se como uma necessidade. A tarefa da previsão será tanto mais


eficiente se desempenhada por urna equipe especializada, dedicada à com-
preensão da série das cartas e com profundo conhecimento do ritmo de
circulação regional e seus padrões fundamentais.
Se no domínio meteorológico a preocupação com os padrões dentro
do ritmo de sucessão são importantes ao aprimoramento da previsão, no
domínio geográfico eles constituem um meio de compreensão da sucessão
habitual que caracteriza o clima, que não exclui o registro dos padrões
extremos. Análises geográficas desde tipo trazem um valioso subsídio à
caracterização climática regional. Não se atemorize o estudante de geo-
grafia interessado neste tipo de análise de estar incorrendo no perigo de
realizar u'a micro análise e contribuir a uma fragmentação da abordagem
geográfica. Embora restrito a um curto período de tempo a correlação
inevitável que a interação de fenómenos naturais, sociais e económicos do
episódio reveste-lhe dos mais legítimos princípios da metodologia geográ-
fica. Os verdadeiros escrúpulos de um geógrafo consciente não devem
ser dirigidos à "escala" do fenómeno estudado, mas à observância do
"método".

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