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25/05/2020 ExCelso: Os dois 22 de maio de Celso de Mello e um mesmo recado para os poderes - JOTA Info

HISTÓRIA

ExCelso: Os dois 22 de maio de Celso de Mello e um


mesmo recado para os poderes
Dois discursos separados por 23 anos

FELIPE RECONDO

24/05/2020 08:26
Atualizado em 24/05/2020 às 11:06 BRASÍLIA

Celso de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Antonio Carlos Magalhães (presidente do Congresso) e Michel Temer
(presidente da Câmara) em 1998

Nesse dia 22 de maio, o ministro Celso de Mello fez um alerta com sua costumeira
ênfase em certas palavras.

“O Brasil não mais aceita modelos políticos de inspiração autoritária, qualquer que
seja a denominação que se lhes dê: regime cívico-militar, ou regime de arbítrio, ou
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regime de exceção, eis que todos, sem distinção, constituindo sistemas marginais
de poder, igualam-se nos gestos de atrevimento, de insolência e de sistemático
desrespeito às liberdades e ao postulado essencial da legitimidade democrática”.

Em meio a atritos entre os poderes, evidente no momento em razões de propostas


do Executivo, Celso de Mello pregou a harmonia entre Judiciário, Executivo e
Legislativo. “A harmonia entre os poderes da República quali ca-se como valor
constitucional a ser permanentemente preservado e cultivado. Mais do que mero rito
institucional, o convívio harmonioso – e reciprocamente respeitoso – entre os
Poderes do Estado traduz indeclinável obrigação constitucional que a todos se
impõe”.

Quando assinava – nessa sexta-feira, dia 22 de maio de 2020 – a decisão que


autorizou a divulgação da quase totalidade do vídeo com o registro da reunião
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ministerial comandada pelo presidente Jair Bolsonaro, o discurso de Celso de Mello,


ao assumir a presidência do Supremo, completava 23 anos.

Discurso proferido no dia 22 de maio de 1997 na presença do presidente da


República, Fernando Henrique Cardoso, do vice-presidente Marco Maciel, do
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do presidente do Senado,
Antonio Carlos Magalhães, e assistido por aquele que o indicou para o STF em 1989,
o ex-presidente José Sarney.

Um tom bastante diferente do adotado, agora, por Celso de Mello. Um clima político
distinto. Mas com um recado que o ministro repete, sempre que pode, em suas
decisões e discursos.

“Impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio


republicano, a possibilidade de responsabilizar todos os detentores de poder pelos
atos ilícitos que eventualmente venham a praticar no desempenho de suas funções”,
disse em 1997.

E repetiu, agora em 2020, na sua decisão no Inquérito 4.831, aberto para investigar
as alegações do ex-ministro Sérgio Moro contra Bolsonaro, acusando-o de
interferência na Polícia Federal.

“Torna-se necessário sempre relembrar, portanto, que vivemos sob a égide do


princípio republicano, que se revela hostil a qualquer tratamento seletivo que busque
construir espaços de intangibilidade em favor de determinadas autoridades públicas,
como se consagrasse, quanto a elas, verdadeiro (e inaceitável) ‘noli me tangere’”.

Leia mais: ExCelso: Quando um ministro acusado de “antipatriota” devolveu a


“patriotada”

Celso de Mello estava com 51 anos e tornou-se, na época, o ministro mais jovem da
história a assumir a Presidência do STF (Dias Toffoli, em 2018, assumiu a o
comando do Supremo aos 50 anos). Celso estava longe, portanto, da aposentadoria
que, calculava, ocorreria em 19 anos – na época a aposentadoria compulsória se
dava aos 70 anos de idade. Agora, a poucos meses de se aposentar aos 75 anos, o
ministro se depara com con itos e reações às suas decisões que não identi cou ao
longo de mais de três décadas de Supremo.

Na sexta, o chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da


República, general Augusto Heleno, divulgou uma nota em que contestava uma
decisão inexistente de Celso de Mello. O ministro encaminhou à Procuradoria-Geral

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da República pedido feito por partidos políticos para que o celular de Bolsonaro
fosse periciado na investigação aberta pelas suspeitas levantadas por Moro.
Augusto Heleno, pelo tom da nota, interpretou o despacho de Celso de Mello, ou
como decisão, ou como pedido seu (e não de partidos de oposição).

“O pedido de apreensão do celular do presidente da República é inconcebível e, até


certo ponto, inacreditável. Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade
máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na
privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do País”,
escreveu o general. “O gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa
de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências
imprevisíveis para a estabilidade nacional”, completou.

Celso de Mello respondeu, neste 22 de maio de 2020, que nada decidira nesse
sentido. E repetiu o que já estava expresso em sua decisão: ele apenas encaminhava
para a PGR notitia criminis apresentada por partidos políticos. Não foi além disso.
Naquele 22 de maio de 1997, Celso de Mello responderia a comportamentos como
este de outra maneira.

“Tenho para mim – e novamente insisto que se trata de posição de ordem pessoal –
que o juiz não pode ser despojado de sua independência. O Estado não pode
pretender impor ao magistrado o veto da censura intelectual, que o impeça de
pensar, de re etir e de decidir com liberdade”, disse da cadeira de presidente do STF.
“É preciso não perder jamais de perspectiva o fato de que os tribunais e juízos
constituem, por excelência, o espaço institucional de defesa das liberdades”,
acrescentou. Há 23 anos.

* A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do


Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros.
A coluna será publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao
atual decano, Celso de Mello, que, pela função e temperamento, funciona como a
memória do tribunal. Quem assiste às sessões já se acostumou às suas
referências que, não raro, vão até o Império e às Ordenações Filipinas, do século
XVI. 

FELIPE RECONDO – Diretor de Conteúdo e sócio-fundador do JOTA. Autor de "Tanques e Togas - O STF e a
Ditadura Militar" e de "Os Onze - O STF, seus bastidores e suas crises", ambos pela Companhia das Letras.
Antes de fundar o JOTA, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, no blog do jornalista
Ricardo Noblat.

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