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oficialmente.
The STF and the Muses: the establishment of Power by the official story.
ABSTRACT: This essay discusses the trial given by the Supreme Court in
ADPF No 153 that has not revised the interpretation of the law of amnesty. The
point at this issue is the vote of the Minister Eros Grau, in particular the
argument that there was an agreement for the promulgation of Law 6683/79
which allowed the broad and general amnesty for public servants from the
Dictatorial State.
Federal de Ouro Preto. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Esta palavra primeiro dissera-me as Deusas
Musas Olímpiades, virgens de Zeus porta-égide:
“Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
Sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações”.
Mnemosines é filha de Urano e Gaia e mãe, junto com Zeus, das Musas
inspiradoras do aedos. É pela memória das Musas que os aedos (re)contam o
início de toda a ordem natural e social. Sendo assim, “Rememorar esta
constituição do cosmos é também (re)estabelecê-la e, portanto, conduzir ao
esquecimento de tudo o que não lhe é conforme.” (KRAUSZ, 2007, p. 121).
1
Aedo é um cantor ou poeta que, na antiga Grécia, cantava as epopéias através de poemas
desenvolvendo uma dupla função: (i) reconstrução da história através do poema e (ii) educação
dos povos pela poesia.
2
A canção que Hesíodo aprendeu com as Musas não celebra os feitos memoráveis de mortais.
Seu objetivo é recordar a origem dos deuses e o desenvolvimento das gerações divinas, na
Teogonia, e mostrar a seus contemporâneos os caminhos da ética e da retidão, em Os
Trabalhos e os Dias. A poesia hesiódica está sempre reiterando a existência de uma certa
ordem, instrínseca ao cosmos e à sociedade humana – a ordem estabelecida por Zeus – e a
origem desta mesma ordem, sbjacente a tudo. (KRAUSZ, Ano 2007, p. 121)
da pessoa humana que serve de fundamento à ordem jurídica do Estado
Democrático de Direito.
3
Para melhor conhecimento verificar: http://ictj.org/en/tj/
4
“A justiça de transição lança o delicado desafio de como romper com o passado autoritátio e
viabilizar o ritual de passagem à ordem democrática. O risco é que as concessões ao passado
posam comprometer e debilitar a busca democrática, corrompendo-a com as marcas de um
continuísmo autoritário. Justiça e paz; justiça sem paz; e paz sem justiça são os dilemas da
transição democrática.” (PIOVESAN, 2009, p. 204)
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre
02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes
políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus
direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e
Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos
Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e
representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares (vetado).
A decisão proferida inclui o Brasil como um país que não quer acertar as
contas com seu triste passado. Depois de mais de 20 anos de promulgação da
constituição que prima pelos princípios da democracia constitucional, o STF
decide a questão da anistia aos agentes do Estado que praticaram atos de
tortura de forma lamentável manchando a história constitucional do nosso país.
O silêncio é ensurdecedor. A sociedade civil parece ainda não ter dado conta
da desastrosa decisão proferida pelo STF na ADPF n. 153. Pior, o mundo
jurídico (Faculdades de Direito em especial) não se manifestou a respeito da
referida decisão5. Após duas décadas de proclamação da Constituição de 1988
percebe-se que ainda há um déficit de compreensão do modelo instaurado pelo
referido texto constitucional: um Estado Democrático de Direito 6. Não haverá
democracia sem o reconhecimento (e punição) dos crimes praticados pelo
próprio Estado durante o regime ditatorial.
A história não deve (pode) ser esquecida. O passado se constituiu como forma
legítima de compreensão do presente e na fusão de horizontes hermenêuticos
é que surge a possibilidade de compreensão. Esquecer o passado é negar a
experiência construtiva que constitui o ser humano como ser ético-histórico. É
negligenciar o esforço histórico do mundo ocidental na construção do
arcabouço teórico conhecido como direitos humanos.
5
Sobre as manifestações a respeito da decisão, em 22 de junho de 2010 foi promovido pela
OAB de Minas Gerais um Debate Público sobre a NÃO REVISÃO pelo STF da LEI DE
ANISTIA, que contou com a participação de juristas, historiadores, professores, advogados,
com objetivo de fomentar a discussão das medidas judiciais e extrajudiciais a serem tomadas
após a decisão do STF. Conferir: http://www.oabmg.org.br/sites/leideanistia/. Essa iniciativa é
um a honrosa exceção ao silêncio ensurdecedor de toda sociedade.
6
Sobre o assunto conferir o manifesto escrito pelo Professor Marcelo Cattoni in
http://www.ihj.org.br/bh/.
Não se trata de punir os agentes do Estado da mesma forma com que os
crimes foram praticados. Não se trata de simplesmente punir 7. Muito ao
contrário. Hoje temos uma Constituição que garante a todos os acusados o
respeito aos princípios processuais-constitucionais do contraditório, ampla
defesa e isonomia. Isto é, o Estado de Direito garante o devido processo legal
totalmente abandonado nos métodos escusos institucionalizados pelo Estado
Militar.
7
Ao retomar-se a ordem democrática, representada pela promulgação da Constituição de
1988, os brasileiros ainda se vêem diante da dolorosa perda de memória do País. A estratégia
das ditaduras é conhecida: produzir a supressão da memória por parte de pactos de silencia e
de concessões mútuas que acomodam, precariamente, os sobreviventes do conflito e mantêm
intocadas a possibilidade do ajuste de contas com o passado e a ignorância dos fatos
pretéritos, sobretudo entre os jovens (BARBOSA, VANNUCHI, 2009, p. 58)
8
A título de exemplo verificar: Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile (2006), para. 154-157,
2006, disponível em <www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/series 154 esp.pdf>
No início de sua decisão o Ministro Eros Grau faz digressão sobre a
hermenêutica jurídica para afirmar que o até o momento da interpretação da
norma o texto é obscuro. Segundo o Ministro:
A inicial alega, ainda, que a referida norma provoca violação dos princípios
democráticos e republicanos e da dignidade da pessoa humana. As duas
argüições são afastadas pelo voto do Relator ao afirmar que tais violações não
ocorrem. Novamente, entendemos que a compreensão apresentada nos
argumentos do Relator não condiz com uma hermenêutica constitucional
adequada ao modelo de Estado consagrado pelo texto de 1998, qual seja,
Democrático de Direito.
De todos os argumentos utilizados pelo Relator, nos parece que este é o mais
perigoso de todos na linha de raciocínio adotada no presente ensaio. Em seu
voto o próprio Ministro reconhece que os “subversivos” tiveram acesso à anistia
em razão do acordo político celebrado amplamente pelos setores sociais.
Contudo, há de se perguntar qual acordo foi feito e quais as partes figuram no
referido acordo. É possível pensar num acordo entre torturadores e torturados?
É válido um acordo celebrado entre opressor e oprimido? Qualquer acordo
jurídico, dentro da teoria geral do direito, deve passar pelo crivo da validade
formal (para explicitar os princípios positivistas contratuais). Nesse caso, não
nos parece ser possível acreditar que o acordo supostamente celebrado entre
as forças ocupantes do poder estatal e os cidadãos que lutavam contra o
regime ditatorial apresente os requisitos necessários a formação de qualquer
acordo válido.