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Eduardo Meditsch
Universidade Federal de Santa Catarina
Setembro de 1997
nelas com facilidade. Aí, é necessário ter lecida à margem deste padrão foi desmora-
cuidado para evitar um tropeço. Então, sa- lizada, considerada imperfeita e pouco legí-
liento que ao longo da exposição procurarei tima.
responder à primeira pergunta suprimindo Esta visão que entronizava “a Ciência”
o ponto de interrogação, mas que esta res- como “o método de conhecimento” estabe-
posta não implica necessariamente num po- lece a primeira das abordagens do problema
sicionamento entre os termos que aparecem do Jornalismo em relação ao conhecimento:
como mutuamente excludentes na segunda para ela, o Jornalismo não produz conheci-
pergunta. A hipótese que vou defender é mento válido, e contribui apenas para a de-
de que o Jornalismo é uma forma produ- gradação do saber. São notáveis as observa-
ção de conhecimento. No entanto, na prá- ções do intelectual austríaco Karl KRAUS a
tica, esta forma de conhecimento tanto pode este respeito, escritas no início do século:
servir para reproduzir outros saberes quanto
para degradá-los, e é provável que muitas ve- “O que a sífilis poupou será devastado
zes faça essas duas coisas simultaneamente. pela imprensa. Com o amolecimento ce-
rebral do futuro, a causa não poderá mais
ser determinada com segurança.(...) A
2 Abordagens do jornalismo imagem de que um jornalista escreve tão
como conhecimento bem sobre uma nova ópera como sobre
A questão do Jornalismo enquanto conheci- um novo regulamento parlamentar tem
mento, por sua complexidade, admite muitas algo de acabrunhante. Seguramente, ele
interpretações, como já foi dito. Para simpli- também poderia ensinar um bacteriolo-
ficar a exposição, vou classificar estas inter- gista, um astrônomo e até mesmo um pa-
pretações, que compreendem diferentes nu- dre. E se viesse a encontrar um especia-
ances, em três abordagens principais: lista em matemática superior, lhe prova-
A primeira delas nasce da definição de ria que se sente em casa numa matemá-
conhecimento não como um dado concreto, tica ainda mais superior.”
mas como um ideal abstrato a alcançar. Uma
Kraus não representa um crítico isolado.
vez estabelecido este ideal, passa a ser o pa-
Seu pensamento influenciou profundamente
râmetro para julgar toda a espécie de conhe-
muitos outros intelectuais de respeito, como
cimento produzido no mundo humano. A era
Walter BENJAMIN e os fundadores da Es-
moderna, com as fantásticas realizações da
cola de Frankfurt. Apesar das críticas que
técnica na transformação da vida humana e
este ponto de vista vêm recebendo nos úl-
no domínio da natureza, acabou por realizar
timos anos, sua influência ainda pode ser
o sonho dos filósofos positivistas de entroni-
constatada em grande parte da produção aca-
zar “a Ciência” como única fonte de conhe-
dêmica contemporânea sobre o Jornalismo,
cimento digna de crédito. O “método cien-
que de uma forma ou de outra o situa no
tífico” foi escolhido como o parâmetro ade-
campo do conhecimento como uma ciência
quado para se conhecer e dominar o mundo,
mal feita, quando não como uma atividade
e toda a tentativa de conhecimento estabe-
perversa e degradante.
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mas décadas têm se dedicado a desmistificar poderão ser considerados absurdos em ou-
o preceito positivista da infalibilidade da Ci- tro. Ao mesmo tempo, grande parte do que
ência, e a demonstrar o caráter cultural e his- costuma ser considerado descoberto e sabido
tórico de toda a forma de conhecimento, con- hoje, por nossa civilização, provavelmente é
tribuíram para destruir o ideal de uma ver- ignorado por nove entre dez seres humanos
dade única e obrigatória, e principalmente civilizados.
para estabelecer os limites lógicos de qual- Os auditórios a que se dirigem os dife-
quer reivindicação de objetividade. Ao rela- rentes discursos também tornam mais com-
tivizarem as verdades científicas, estas cor- plexa a questão do saber em nossa sociedade.
rentes críticas permitiram também a aceita- A sociologia e a antropologia do conheci-
ção de outras verdades como eventualmente mento, ao se debruçarem sobre o cotidiano
válidas e relativas, de acordo com os seus das pessoas comuns, e não apenas sobre os
pressupostos e objetivos. relatos dos sábios, reforçaram a idéia de que
Contribuíram para esta nova visão o extra- a metodologia científica não é o único modo
ordinário desenvolvimento da compreensão de conhecer e provavelmente sequer o mais
das linguagens, também elas, enquanto pro- importante para a nossa sobrevivência indi-
dutos históricos e culturais. O estudo do dis- vidual e de nossa existência gregária. Di-
curso, que se interessa pela utilização con- versos tipos de conhecimentos circulam em
creta das linguagens, demonstrou que todo diversas redes sociais (BERGER & LUCK-
o enunciado que se refere à realidade, ao MANN, 1966). Essa descoberta não signi-
refletí-la de certa maneira, também necessa- fica uma vitória do irracionalismo, que apon-
riamente a refrata de certa maneira (BAKH- taria para o retorno a um mundo assombrado
TIN, 1929). pelos demônios, como na Idade Média des-
Por este caminho, procura-se distinguir crita por Carl Sagan. Pelo contrário, aponta
a verdade que um enunciado pode conter para a necessidade de uma Razão mais refi-
da realidade mesma, a realidade referente nada, que dê conta da extrema complexidade
que se encontra fora do enunciado. Falar do mundo, que cada vez mais se expõe a nós
de “a verdade”, enquanto substantivo, atri- e com isso desafia todos os nossos parâme-
buto coisificado, assim vai perdendo o sen- tros.
tido. Mais apropriado será se falar no adje- Entre os fenômenos mais complexos com
tivo, no enunciado “verdadeiro”. E poderão que nos deparamos hoje está o funciona-
existir muitos enunciados verdadeiros, even- mento do cérebro humano. O conhecimento
tualmente até contraditórios entre si, ainda sobre o cérebro tem avançado em progressão
que cada um coerente com seus pressupos- geométrica nas últimas décadas, e a noção da
tos, porque nenhum enunciado é capaz de es- sua complexidade tem aumentado na mesma
gotar a realidade inteira. proporção. Já há algum tempo, pensadores
Os diferentes gêneros de discurso vão como o pedagogo Paulo Freire vinham aler-
abordar a realidade de diferentes maneiras, tando para a evidência de que a abertura per-
definindo verdades diversas, cada uma perti- manente é o que distingue o cérebro humano
nente a um objetivo ou a uma situação. Os do cérebro dos animais. É essa abertura o
argumentos validados num campo do saber que determina a nossa capacidade infinita de
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aprendizagem e o que nos faz superar con- uma mensagem do emissor ao receptor, por
tinuamente qualquer obstáculo a esta apren- meio de um processo singelo de codificação
dizagem, inclusive os estabelecidos por nós e descodificação, está completamente supe-
mesmos, como indivíduos ou como coletivi- rado pelo conhecimento atual do cérebro hu-
dade. As concepções fixas e os paradigmas mano. Para dar um só exemplo, a emoção,
estanques são alguns destes obstáculos que antes tão desprezada pelo ideal de objetivi-
temos superado. dade científica, e classificada como “ruído”
Paulo Freire também advertia para o fato no ideal mecânico da comunicação de men-
de que o saber não pode ser transmitido. Ob- sagens, vai aparecer agora como um com-
servava que quando qualquer tipo de infor- bustível imprescindível à maquinaria da ra-
mação é comunicada de uma pessoa a ou- zão humana (DAMÁSIO, 1994).
tra com sucesso, isto implica que ela não foi A intensa pesquisa que vem sendo reali-
apenas transferida, como seria de uma dis- zada no campo da inteligência artificial, no
quete para outra num computador, mas que caminho de criar máquinas que pensem, tem
foi re-conhecida pela pessoa que a recebeu. contribuído também para elucidar de certa
O cérebro humano não é um recipiente onde forma a maneira como nós pensamos, e mexe
se possa depositar conhecimentos: a apren- em nossos juízos de valor sobre o que seja a
dizagem implica numa operação cognitiva, maneira mais correta de pensar. Cada obstá-
onde quem aprende tem um papel tão ativo culo encontrado pelo computador para fazer
quanto quem ensina. Assim, tanto quem en- o que fazemos chama a atenção dos cientis-
sina quanto quem aprende não se limitam tas para um recurso a mais das nossas pró-
a reproduzir um saber que existia anterior- prias mentes, e contribui para a elucidação
mente a seus atos, mas re-criam este conhe- de maneira cada vez mais sofisticada de seu
cimento nos próprios atos de aprender e de funcionamento. Os técnicos do M.I.T., que
ensinar. Desta forma, pode-se afirmar que o desenvolvem máquinas inteligentes, surpre-
conhecimento não se transmite, antes se re- endem o mundo ao revelarem que são capa-
produz. zes de substituir especialistas em áreas tec-
A moderna ciência cognitiva, que já conta nológicas de ponta para muitos procedimen-
com um conhecimento mais aproximado do tos, mas não conseguem criar nada aproxi-
funcionamento do cérebro, confirma esta in- mado ao bom senso de uma criança de cinco
tuição dos pedagogos: a comunicação está anos.
indissoluvelmente ligada à cognição (SPER- O processo incessante de produção e re-
BER & WILSON, 1986). Nosso equipa- produção do conhecimento depende não só
mento cognitivo não registra nem arquiva do equipamento cognitivo dos indivíduos,
informações tal qual as recebe, antes as mas também das possibilidades de sociali-
processa, classifica e contextualiza, recons- zação de suas experiências. Por isso, cada
truindo a informação recebida a partir de es- vez mais se presta atenção no papel desem-
quemas de interpretação e informações pré- penhado pelas instituições e pelas tecnolo-
vias sobre o tema, o emissor e a situação co- gias intelectuais disponíveis em cada socie-
municativa. O esquema clássico da comu- dade e em cada cultura. Diversos autores têm
nicação como a transferência mecânica de demonstrado as mudanças ocorridas nas for-
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dentro da realidade dominante marcada sação, será também menos artificial e esoté-
por significados e modos de experiên- rico.
cia delimitados. A realidade dominante Evidentemente, como todo conhecimento,
envolve-as por todos os lados, por as- o senso comum não é tão democrático como
sim dizer, e a consciência sempre retorna sugere o termo. O conhecimento é repartido
à realidade dominante como se voltasse socialmente, devido ao simples fato do indi-
de uma excursão”. "Todos os campos fi- víduo não conhecer tudo o que é conhecido
nitos de significação caracterizam-se por por seus semelhantes, e vice-versa, processo
desviar a atenção da realidade da vida que culmina em sistemas de perícia extra-
cotidiana. (...) É importante, porém, ordinariamente complexos. A distribuição
acentuar que a realidade da vida cotidi- social de conhecimentos, desta forma, não
ana conserva a sua situação dominante se dá apenas em termos quantitativos (uns
mesmo quando estes ’transes’ ocorrem. conhecem mais do que outros), mas tam-
Se nada mais houvesse, a linguagem seria bém qualitativos (conhecem coisas diferen-
suficiente para nos assegurar sobre este tes). Cada campo de conhecimento é com-
ponto. A linguagem comum de que dis- partilhado por um auditório específico. A
ponho para a objetivação de minhas ex- questão dos auditórios, assim como a dos
periências funda-se na vida cotidiana e campos lógicos, estabelece diferenças entre
conserva-se sempre apontando para ela o modo de conhecimento das ciências e do
mesma quando a emprego para inter- Jornalismo.
pretar experiências em campos delimita- A linguagem formal dos cientistas
dos de significação"(BERGER & LUCK- justifica-se por sua universalidade, a univer-
MANN, 1966:43-4). salidade ideal de seu auditório. Porém, esta
universalidade será igualmente formal, uma
É o fato de operar no campo lógico da re- universalidade de direito mas não de fato,
alidade dominante que assegura ao modo de uma vez que esta linguagem só circula por
conhecimento do Jornalismo tanto a sua fra- determinadas redes e cria uma incomunica-
gilidade quanto a sua força enquanto argu- ção crescente entre os dialetos das diversas
mentação. É frágil, enquanto método analí- especialidades. Neste sentido, quanto mais
tico e demonstrativo, uma vez que não pode as ciências produzem conhecimento, mais
se descolar de noções pré-teóricas para re- tornam opaco este conhecimento (VIEIRA
presentar a realidade. É forte na medida em PINTO, 1969:165-6). Para penetrar nesta
que essas mesmas noções pré-teóricas ori- opacidade, é necessário também penetrar na
entam o princípio de realidade de seu pú- rede institucional que a mantém, através dos
blico, nele incluídos cientistas e filósofos processos pedagógicos específicos.
quando retornam à vida cotidiana vindos de Já o ideal de universalidade do Jornalismo
seus campos finitos de significação. Em con- caminha em outra direção. O auditório uni-
seqüência, o conhecimento do jornalismo versal que idealmente persegue refere-se a
será forçosamente menos rigoroso do que o uma outra rede de circulação de conheci-
de qualquer ciência formal mas, em compen- mento, constituída pela comunicação para
devolver à realidade a sua transparência co-
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cimento por ele produzido tem os seus pró- profissionais ou não. Neste ponto, a prolife-
prios limites lógicos e, quando observado na ração recente da instituição do provedor de
prática, apresenta também uma série de pro- leitores – o ombudsman – é certamente um
blemas estruturais. Como toda outra forma progresso, não apenas pelo que possa discu-
de conhecimento, aquela que é produzida tir diretamente da produção dos media, mas
pelo Jornalismo será sempre condicionada também por contribuir para levantar o véu
histórica e culturalmente por seu contexto que encobre os procedimentos habituais de
e subjetivamente por aqueles que participam construção da informação jornalística.
desta produção. Estará também condicio- Outro aspecto problemático do jornalismo
nada pela maneira particular como é produ- enquanto conhecimento é a velocidade de
zida. sua produção. No entanto, ao mesmo tempo
Nas últimas décadas se multiplicaram os em que a velocidade representa um limite,
trabalhos científicos que salientam o fato representa também uma vantagem em rela-
do Jornalismo não ser uma imagem da rea- ção a outros modos de conhecimento. A
lidade extraída unicamente desta realidade, velocidade não é uma característica exclu-
mas sim uma construção onde os projetos, siva do jornalismo, mas sim da civilização
as técnicas e seu manejo, as ferramentas e as em que vivemos que, por funcionar assim,
matérias primas também interferem no pro- necessita de informações produzidas rapida-
duto final (TRAQUINA, 1993). Inúmeras mente.
mediações condicionam o modo como o Jor- E, por fim, não poderíamos deixar de ci-
nalismo cria e processa a informação sobre tar a espetacularização como uma aspecto
a realidade, desde o schemata profissional problemático do jornalismo como conheci-
(MÉRÓ, 1990) - o modo particular como os mento. O que distingue uma matéria jorna-
jornalistas vêem o mundo, passando pelos lística de um relato científico, de um texto di-
objetivos, a estrutura e a rotina das organiza- dático ou de um relatório policial é o fato de
ções onde trabalham, as condições técnicas e que se dirige a pessoas que não tem obriga-
econômicas para a realização de suas tarefas ção de ler aquilo. Em consequência, procura
e, finalmente, o jogo de poder e os confli- de alguma forma aliciar as pessoas para que
tos de interesses que estão inextricavelmente se interessem por aquela informação, através
implicados na circulação social desta infor- de técnicas narrativas e dramáticas. Isto não
mação (MESQUITA, 1995). é um mal em si, o uso destas técnicas se jus-
Um dos principais problemas do Jorna- tifica amplamente pela eficácia comunicativa
lismo como modo de conhecimento é a falta e cognitiva que proporcionam. O problema é
de transparência destes condicionantes. A quando passam a ser utilizadas em função de
notícia é apresentada ao público como sendo objetivos que não os cognitivos, como a luta
a realidade e, mesmo que o público perceba comercial por audiência e o esforço político
que se trata apenas de uma versão da reali- de persuasão. No cotidiano do jornalismo
dade, dificilmente terá acesso aos critérios praticado em nossas sociedades, é muito di-
de decisão que orientaram a equipe de jor- fícil distinguir entre estes três tipos de obje-
nalistas para construí-la, e muito menos ao tivo.
que foi relegado e omitido por estes critérios,
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