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TAGLIARI, Ana
Doutorado em Arquitetura; PPGATC e Curso AU FEC Unicamp
tagliari.ana@gmail.com
FLORIO, Wilson
Doutorado em Arquitetura; PPGAU e FAU Mackenzie e Curso AU FEC Unicamp
wilsonflorio@gmail.com
RESUMO
A pesquisa aqui apresentada envolve o estudo de projetos de arquitetura com foco no sistema de
circulação e percursos. Iniciada em 2009, a pesquisa selecionou diversos projetos para análise da
circulação e a relação com conceito, programa e partido. As análises dos projetos foram realizadas por
meio de levantamento bibliográfico, levantamento gráfico a partir de fontes primárias, visitas, fotografias
sequenciais, análises por desenhos e fotos. Por meio desta pesquisa foram identificados diferentes tipos
de circulação e percurso em projetos pertencentes à momentos distintos da história da arquitetura.
Circulação: estática; contínua, desobstruída e fluída; sequencial, com surpresas e descobertas, quadro a
quadro; heterogênea, dinâmica e autoral. Apresentamos uma síntese destes tipos acompanhados das
análises projetuais realizadas nesta pesquisa, que relaciona Teoria e Projeto de arquitetura, com ideia
original da análise do projeto de arquitetura a partir do sistema de circulação e seus elementos, como
estruturador do partido arquitetônico.
PALAVRAS-CHAVE: Circulação. percurso. Análise de projeto. Teoria e projeto de arquitetura.
ABSTRACT
This research involves the study of architectural design focusing on the circulation system and movement.
Started in 2009, the research selected several projects for analysis of circulation and the relationship with
concept, program and parti. The analyzes of the projects were carried out by means of bibliographical
survey, graphic survey from primary sources, visits, sequential photographs, analysis by drawings and
photos. Through this research, different types of circulation and path were identified in projects belonging
to different moments in the history of architecture. Circulation: static; continuous, unobstructed and fluid;
sequential, with surprises and discoveries, frame by frame; heterogeneous, dynamic and authorial. We
present a synthesis of these types accompanied by the design analysis carried out in this research, which
relates Theory and Design in architecture, with the original idea of the analysis of the architecture design
from the circulation system and its elements, as the structurer of the architectural parti.
KEYWORDS: Circulation. Path. Design analysis. Theory and Project in architecture.
RESUMEN
A boa arquitetura ‘se caminha’ e ‘se percorre’ pelo interior e exterior. É a arquitetura viva.
(Le Corbusier, 2005, p. 43)
A investigação tem como ideia original o objetivo de analisar os projetos selecionados a partir
da abordagem no sistema de circulação como definidor e estruturador do partido arquitetônico,
relacionando estratégias projetuais (MONEO, 2004, p.2), conceito, programa e partido.
Por que a circulação? Normalmente no programa de necessidades o item circulação vem apenas
com a indicação de uma porcentagem. Verificou-se que os alunos apresentam dificuldade em
definir a circulação no projeto. Por outro lado, sabe-se da importância da circulação para
definição do partido arquitetônico.
Por meio das análises desta pesquisa foram identificados diferentes tipos de circulação e
percurso em momentos distintos da história da arquitetura, passando pelo modelo clássico,
Apresentamos neste artigo uma síntese das análises projetuais realizadas nesta pesquisa, que
relaciona Teoria e Projeto de arquitetura, com ideia original da análise do projeto de arquitetura
a partir do sistema de circulação e seus elementos, como estruturador do partido arquitetônico.
Este artigo está organizado em três partes. Primeiramente, apresentamos, de maneira sintética,
considerações sobre a abordagem da circulação no projeto de arquitetura, mais
especificamente dentro do foco da pesquisa, que é análise de projeto. Na segunda parte,
apresentamos as análises dos projetos selecionados e os tipos identificados a partir da seleção
dos projetos e da pesquisa em desenvolvimento. Na terceira parte a discussão e para encerrar
os apontamentos finais do artigo.
Esta afirmação nos leva a seguinte reflexão: arquitetura é dependente do sistema de circulação
que nos conduz a diferentes percursos e percepções dentro e fora de um edifício. Logo se
percebe que há íntimas relações entre espaço, tempo e movimento. O deslocamento pelo
espaço ao longo do tempo implica em diferentes direções do olhar. Se há íntimas relações entre
o tempo e o modo de deslocamento pelo espaço é porque nossa visão é atraída por
determinados pontos focais ou de interesse, sobretudo causada por contrastes - luz/sombra;
aberto/fechado; transparência/opacidade; largo/estreito; alto/baixo e assim por diante.
Os temas sobre movimento pelo espaço e a noção espaço-tempo foram amplamente debatidos
em momentos da arquitetura moderna ao longo do século XX. A “quarta dimensão”, o tempo,
assim denominada por Bruno Zevi (1992), foi plenamente introduzida na arquitetura moderna
como um meio de suplantar a arquitetura clássica, considerada estática. A estrutura
independente, a criação de grandes vãos possibilitada pela técnica do concreto armado, fizeram
com que os espaços se tornassem mais fluidos, favorecendo o pleno movimento livre.
A circulação e o percurso, dentro de um projeto de arquitetura, não são itens a serem analisados
apenas de modo funcional e objetivo, mas também subjetivos e conceituais, pois envolvem
questões das mais variadas esferas.
Por meio das análises desta pesquisa foram identificados diferentes tipos de circulação e
percurso em momentos distintos da história da arquitetura, que serão apresentados a seguir
acompanhados de desenhos investigativos decorrentes das análises dos projetos selecionados.
Neste tipo de circulação e percurso o sistema é definido essencialmente por eixos baseado na
composição clássica da arquitetura Beaux-Arts: O Marche e o Parcours. O movimento pelo
edifício que faz o usuário perceber a enfilade, ou sequência e organização dos ambientes,
geralmente compartimentados, ligado às possibilidades construtivas do período, com
construções que previam paredes portantes e espaços muito mais compartimentados.
Figura 1: Pinacoteca do Estado de São Paulo. Desenhos de estudo e sequência de fotos. Fonte: Autor.
Arquitetura Moderna é tema investigado por diversos pesquisadores como Leonardo Benevolo,
Bruno Zevi, Kenneth Frampton, Vincent Scully, apenas para citar alguns clássicos. A ideia de
percurso, movimento e circulação como estruturador de espaços e formas é uma característica
tipicamente moderna. A temporalização do espaço e a continuidade visual e espacial são
promovidas especialmente pelas condicionantes desse período. Busca-se apreciar o espaço
como um todo, num sistema de circulação presente num espaço amplo, fluido e desobstruído.
Figura 2: Museu Guggenheim de Nova York. Desenhos de estudo e sequência de fotos. Fonte: Autor.
Vincent Scully (2002) observa em seu livro Arquitetura Moderna que a continuidade, tanto
espacial quanto visual, é característica importante da Arquitetura Moderna. Bruno Zevi (1984)
em A linguagem Moderna da Arquitetura classifica sete invariáveis da Arquitetura Moderna,
sendo que duas delas são: a continuidade espacial e visual e a importância do percurso para
leitura e apreciação dos espaços e formas, ou seja, temporalizar a arquitetura, a conhecida “a
quarta dimensão” do espaço, definido por Zevi.
Figura 3: Carpenter Center for the Visual Arts. Desenhos de estudo e sequência de fotos. Fonte: Autor.
A “procissão” a que Johnson se refere é a trajetória preparada pelo arquiteto para desfrutar a
espacialidade pretendida para o projeto. A sequência temporal de aproximação ao edifício, o
acesso frontal ou diagonal, a penetração aos seus espaços interiores, as perspectivas e múltiplas
vistas possíveis a cada momento durante o percurso, as relações entre “cheios e vazios”,
corroboram a ideia de um rito de apreciação da beleza do edifício enquanto nos movemos por
seu interior. Como afirmou Philip Johnson (1965, p. 184), “a beleza consiste em como nos
movemos dentro do espaço”.
Muito melhor a esse respeito é o Guggenheim [...] A experiência de entrada
processional é diferente da de Mies. É novamente diagonal, mas o salto para
o corredor de cem metros de altura é exatamente o tipo oposto de
sentimento da grande entrada axial para a Seagram. O visitante vem através
de uma pequena porta (muito pequena, alguns sentem) e é pulverizado para
dentro do quarto. De tirar o fôlego é. (JOHNSON, 1965, p. 184). Tradução dos
autores.
O edifício que abriga a FAUUSP (Figura 3) tem o programa organizado em meios-níveis
interligados por rampas retas, e configuração de um átrio central iluminado por zenitais. Com
observa João Kamita (2000, p.35) (...) os espaços fluem com extrema e surpreendente liberdade,
formando um circuito contínuo, uma interligação física em todo o prédio. A sensação de
continuidade é sentida logo na entrada, por meio de generosas rampas que unem os seis
pavimentos intercalados do interior. Antonio Carlos Barossi (2016, p.119) destaca que: as
rampas e as escadas da FAU formam um binário que, integrado às circulações horizontais,
multiplica os percursos. Alternando o itinerário entre elas pode-se escolher entre vários
caminhos aquele que for melhor conforme a situação. Como na cidade.
O espaço fluido, contínuo e sem obstrução pode ser uma importante característica da
arquitetura moderna, com circulação livre e domínio visual do todo. No período posterior,
verificamos outras maneiras de organizar a circulação e o movimento pelos espaços. Dentro de
um conceito da pós-modernidade, sugerindo descobertas graduais dos ambientes, além de
visuais e surpresas.
Autores importantes como Charles Jencks, Robert Venturi e Paolo Portoguesi, apenas para citar
alguns, abraçam como tema de suas pesquisas a Arquitetura no período pós-moderno. Os
espaços e ambientes são descobertos de maneira a criar surpresas, quadro a quadro,
estimulando curiosidade e percepções. A preocupação no que diz respeito a estabelecer a
relação com o tecido urbano e entorno é evidente.
O espaço interno do museu tem organização clássica das galerias de exposição. O destaque do
percurso ocorre na organização da circulação e a costura do edifício com o entorno, com
surpresas e descobertas graduais, além da integração dos espaços da cidade e do museu.
Outro projeto analisado na pesquisa, o Espaço Natura (Figura 6) de Roberto Loeb também
observamos um modelo sequencial, de descobertas e surpresas, tantos nos ambientes internos
quanto externos. Trata-se de um programa de edifício industrial e administrativo.
Houve uma evolução entre o desenho inicial e o construído. (...) O tratamento
dos espaços, com uma sucessão de surpresas, é completamente contrário à
visão renascentista e, consequentemente, da arquitetura moderna brasileira,
No trecho a seguir fica evidente o quanto o sistema de circulação e seus elementos são
importantes e decisivos na qualidade dos espaços deste projeto. O arquiteto afirma:
O impacto começa na entrada. O acesso ao Espaço Cajamar é feito por uma
ponte metálica que atravessa um desvão do terreno e penetra em um muro
de concreto. Dentro do edifício, descortina-se uma recepção em tons pastel
e concreto aparente, discretamente aromatizada com perfume de erva-doce,
que leva a uma outra ponte – um corredor transparente de metal e vidro de
40 metros em vão livre - , que passa sobre um jardim de jabuticabeiras,
espelhos-d’água e gramados refletidos em um labirinto de paredes
espelhadas. (Roberto Loeb, em ARNT, Ricardo, 2007, p.10)
E o edifício do Museu Ara Pacis (Figura 7) de Richard Meier, que em sua delicadeza de escala e
proporção, é inserido no contexto urbano e histórico de Roma, interligando níveis, espaços e
ruas, de modo a criar surpresas e sequências, quadro e quadro, além de estabelecer uma relação
de harmonia na conexão de espaços da cidade e do museu.
Figura 7: Museu Ara Pacis. Desenhos de estudo e sequência de fotos. Fonte: Autor.
Rem Koolhaas é o arquiteto que revela grande interesse no que diz respeito aos elementos de
circulação e às metáforas que o sistema de circulação pode promover no projeto de arquitetura,
com vários textos publicados, além de manifestos concretos em sua arquitetura (Figura 8). Ao
analisar o sistema de circulação e seus elementos em cada um de seus projetos podemos
identificar informações importantes relacionadas ao conceito e partido, além de questões
simbólicas que cada elemento carrega. A cultura da congestão, a fragmentação dos espaços da
cidade grande, e outras questões do mundo contemporâneo estão presentes no discurso
teórico e prático de Koolhaas, em seus textos e projetos.
Em outro projeto analisado, Daniel Libeskind organizou o programa do museu por eixos e criou
percursos que simbolizam conhecimentos e metáforas inerentes aos ensinamentos do Museu
Judaico (Figura 10) de Berlim. Os percursos criados, assim como os elementos de circulação são
tão importantes que estruturam o partido, além de concretizar conceitos essenciais da ideia.
Figura 10: MAXXI Museum. Desenhos de estudo e sequência de fotos. Fonte: Autor.
No caso dos edifícios selecionados para análise da circulação e percurso observamos que essas
questões estão presentes de acordo com cada programa e funcionalidade. A arquitetura não é
apenas função. Há questões subjetivas que permeiam os espaços.
Observamos que o modelo estático clássico pode ser previsível ao mesmo tempo que
fragmentado e compartimentado. O modelo fluido e contínuo moderno oferece a compreensão
do todo e traz certa previsibilidade, de maneira diferente. O modelo sequencial pós-moderno
resgata a descoberta gradual do modelo clássico, com novo formato. E o modelo heterogêneo
contemporâneo reúne características de todos os outros com a linguagem de cada autor.
Verifica-se também que uma qualidade de todos os edifícios apresentados é a relação com a
cidade, reforçada pelas estratégias de projeto ligadas ao sistema de circulação, que envolve a
aproximação do edifício, acessos, fluxos e percursos. Por meio das análises e visitas, pode-se
observar que os edifícios apresentam boas soluções funcionais, além de oferecer qualidades
arquitetônicas conceituais, perceptivas e simbólicas, reforçadas pelo sistema e elementos de
circulação. Por meio do recorte definido pela pesquisa, podemos observar o olhar atento dos
arquitetos no que diz respeito ao fluxo de pessoas, com definições cuidadosas de percursos de
modo a valorizar e enaltecer a relação da arquitetura e cidade.
Figura 11: Estudo da circulação e percurso na arquitetura em diferentes edifícios e períodos. Fonte: Autor.
Este texto oferece uma síntese da pesquisa que analisa de modo interpretativo projetos de
arquitetura a partir da abordagem original com foco no sistema de circulação como estruturador
do partido arquitetônico. Por meio das análises, é possível afirmar que há diferentes tipos de
circulação e percurso em momentos distintos da história da arquitetura. O sistema de circulação
e seus elementos definem e estruturam o partido arquitetônico dos projetos analisados,
materializam conceitos, estabelecem uma relação cuidadosa entre arquitetura e cidade, além
de corresponder as intenções declaradas pelos próprios arquitetos e arquitetas em seus escritos
e declarações. O utópico, o simbólico e o metafórico estão presentes nos exemplares analisados.
Os elementos de circulação e conexão, como as passarelas e rampas, por exemplo, oferecem
também uma interpretação simbólica de fazer unir, e ao mesmo tempo criar ambientes internos
e externos, valorizando o espaço “entre”, o intervalo, e o circular das pessoas.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pelo auxílio a pesquisa “Espaço, Percurso, Tempo e Movimento. Análise de Projetos
como foco no sistema de circulação como sistema estruturador do partido”.
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