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Uma Intervenção Familiar no Contexto Educativo da RAM

Cristina Cruz, Psicóloga e Terapeuta Familiar, cristinacruz75@hotmail.com


Núcleo de Apoio à Família e Aconselhamento Parental - NAFAP, Caminho de Santo
António, n.º 285, Quinta do Leme 9020-002 Funchal - Portugal
Goreti Mendes, Psicóloga e Terapeuta Familiar, nafap.dre@gmail.com
Núcleo de Apoio à Família e Aconselhamento Parental – NAFAP, Caminho de Santo
António, n.º 285, Quinta do Leme 9020-002 Funchal - Portugal
Helena Ventura, Psicóloga, hcfventura@gmail.com
Núcleo de Apoio à Família e Aconselhamento Parental - NAFAP, Caminho de Santo
António, n.º 285, Quinta do Leme 9020-002 Funchal - Portugal
Dora Pereira, Psicóloga e Terapeuta Familiar, Professora Universitária,
dora.pereira@staff.uma.pt
Universidade da Madeira, Campus Universitário da Penteada
9020-105 Funchal - Portugal
Margarida Pocinho, Psicóloga e Professora, mpocinho@staff.uma.pt
Universidade da Madeira Campus Universitário da Penteada
9020-105 Funchal - Portugal

Resumo
O Núcleo de Apoio à Familia e Aconselhamento Parental (NAFAP), dirigido pelos
pressupostos da intervenção sistémica, foi criado com intuito de orientar o grupo familiar nas
relações. Contempla, ainda, todos os elementos envolvidos, as suas dinâmicas e as
oportunidades de sucesso que as mudanças poderão proporcionar. Os resultados preliminares
indicam que, apesar dos constrangimentos logísticos que apresenta, surge como um serviço
potencializador e mobilizador das competências das famílias.
Palavras-chave: intervenção familiar, educação, terapia familiar.

Introdução
A intervenção do psicólogo em contexto escolar há muito tem vindo a mostrar
transcender as paredes da escola. Progressivamente tem vindo a ser reconhecida a influência
de variáveis contextuais no percurso educativo dos alunos, que abrangem desde as
características do meio educativo, até às características do meio envolvente e os antecedentes
familiares dos alunos. Ou seja, reconhece-se hoje que a escola é (apenas) um elemento de um
ecossistema mais vasto, que em simultâneo com elementos dos diferentes níveis ecológicos
influencia o desenvolvimento da criança (Bronfenbrennner, 1994).
É no contexto deste olhar mais abrangente que em 2014 se realizou na Região
Autónoma da Madeira - RAM um estudo de caracterização (Cruz et al., 2014) no qual se
constatou o elevado número de famílias de crianças e jovens que apresentavam sinais de atual
ou muito provável risco do seu funcionamento. Todos sabemos que o sistema familiar é o
contexto onde se estabelecem as relações proximais com maior impacto na qualidade do
desenvolvimento, evidenciou-se, assim, a pertinência (e a urgência) de se desenvolverem
respostas de intervenção capazes de atender especificamente à forma como as famílias
influenciam o percurso educativo. Neste sentido, foi criado o NAFAP.

Situações de risco na escola


Após quatro anos de intervenção do NAFAP, no sistema educativo da RAM, verificou-
se que as situações de risco mais referenciadas foram as seguintes: insucesso escolar,
indisciplina/problemas de comportamento, separação/divórcio. De realçar que a maioria das
famílias apresentaram várias problemáticas em simultâneo, pelo que se considerou serem
multidesafiadas (Figura 1).

Problemáticas Familiares
Multiproblemática

Perda/Luto

Delinquência

Gravidez na adolescência

Comportamento alimentar

Desenvolvimento

Doença crónica

Conflitos familiares

Separação/Divórcio

Negligência

Indisciplina

Insucesso
0 10 20 30 40 50 60 70

Figura 1 - Distribuição da população segundo as problemáticas familiares pelos


referenciadores.

A maioria das famílias foi encaminhada pela Escola (24,3%), pela Equipa
Multidisciplinar de Assessoria ao Tribunal - EMAT (21,4%) e a pedido da própria família
(18,4%) (Tabela 1).

Tabela 1 - Número de famílias encaminhadas pelo referenciador.


Referenciador % N
Escola 24,3 25
EMAT 21,4 22
Familia 18,4 19
CPCJ 16,5 17
Tribunal 9,7 10
Centro de Saúde 4,9 5
Segurança Social 4,9 5

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Total 100 103

A maioria das famílias intervencionadas são nucleares biparentais, no entanto há


também um número considerado de famílias com outras tipologias, tais como nuclear
monoparental e reconstruidas e também com filhos institucionalizados e adotados (Figura 2).

Agregado Familiar

Institucionalização
Acolhimento/adoção
Reconstruído
Alargada
Alargada monoparental
Alargada biparental
Nuclear monoparental
Nuclear biparental

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

Figura 2 - Distribuição da amostra segundo o agregado familiar.

Intervenção Desenvolvida
Face aos encaminhamentos recebidos pelo NAFAP, em função das situações de risco
acima descritas, a equipa técnica (duas terapeutas familiares, uma psicóloga, uma supervisora
e uma investigadora) realiza uma intervenção sistémica. Esta intervenção tem o intuito de
intervir, promover e fortalecer as competências das famílias com crianças e jovens, em
constante mutação, e nas consequentes problemáticas familiares associadas em que os
serviços médicos e sociais não conseguem responder, dada a dimensão e complexidade das
mesmas.
A linha de intervenção assenta no modelo sistémico, contemplando todos os elementos
envolvidos da familia e confere à criança/jovem um papel importante, dando relevo ao
contexto e à mudança sociocultural, explicando as dinâmicas das relações e das suas
mudanças, promovendo competências parentais e o desenvolvimento da criança/ jovem.
Intervir no tratamento das problemáticas familiares e na promoção da saúde mental familiar
pressupõe, ainda, intervenção em rede e uma metodologia de investigação-ação e formação e
supervisão contínua.
Em função da intervenção, foram delineados alguns objetivos com intuito de
despoletar mudanças nas dinâmicas familiares, tais como: a) Promover o Estilo Educativo
Positivo; b) Desenvolver a Coparentalidade; c) Reforçar a Coesão Familiar; d) Melhorar a
Relação Escola-Familia; e) Reforçar a Coesão Familiar; f) Definir Fronteiras entre
subsistemas; g) Fomentar a autonomia na Criança; h) Aumentar a Rede de Apoio; i)
Resolução de conflitos familiares; j) Reorganização dos contactos pais-filhos pós separação.
Das 103 famílias referenciadas para o NAFAP podemos evidenciar que apenas 16,5%
não beneficiaram de intervenção. Das famílias em acompanhamento ou que tiveram terapia

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familiar houve a necessidade de articular com os outros serviços (98,1%), os quais 59,2%
solicitaram relatórios relativamente à evolução da intervenção.
No que se refere à intervenção, 32% das famílias tiveram alta, 27,2% continuam em
acompanhamento, estando em lista de espera 3,9%. O valor das desistências situa-se nos
13,6% e nunca compareceram 15,5%. A intervenção foi realizada tanto em sessões individuais
(72,8%) como em sessões de grupo (80,6%) (tabela 2).

Tabela 2 - Situação global da Intervenção.

Situação global da Intervenção % N


Altas 32 33
Acompanhadas 27,2 28
Encaminhadas 6,8 7
Lista de espera 3,9 4
Nunca vieram 15,5 16
Encerramento pelo tribunal 1 1
Desistiram 13,6 14
Total 100 103

Resultados Alcançados
Na tabela 3 podemos verificar quais os objetivos sistémicos definidos para cada
família. Estes foram delineados consoante as características e necessidades de cada uma delas.
No que se refere a cada objetivo podemos ler na tabela seguinte: o SIM significa “objetivo
atribuído à família X”; o NÃO significa que este “objetivo não foi atribuído à família”; o N/A
significa uma das seguintes situações: a) referenciadas para o NAFAP, mas nunca
intervencionadas por indisponibilidade para a terapia; b) após a primeira sessão, foram
encaminhadas para outros serviços por não apresentarem características para a terapia
familiar; c) desistência.
Por seu turno, a coluna SIM subdivide-se em duas situações: a) “objetivo alcançado”
significa que a família já terminou o processo terapêutico; e b) “intervenção” significa que a
família ainda se encontra em terapia familiar.
O objetivo “promover o estilo educativo positivo” foi o mais frequentemente atribuído
(54,4% das famílias). Tanto este como os restantes objetivos foram alcançados pelas famílias
em que foram definidos esses mesmos objetivos. Ou seja, pode-se afirmar que a maioria das
famílias alcançou os objetivos definidos em contrato terapêutico. No entanto, há famílias que
ainda continuam em terapia com o intuito de alcançar a mudança.

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Tabela 3 - Objetivos sistémicos definidos para cada família
Não N/A SIM OBJETIVOS
Alcançado Intervenção
Promover o Estilo Educativo Positivo 17,5 28,2 54,4 26,2 18,4

Desenvolver a Coparentalidade 30,1 28,2 41,7 20,4 14,6

Melhorar a Relação Escola-Família 31,1 28,2 41,7 20,4 14,6

Reforçar a Coesão Familiar 31,1 28,2 40,8 19,4 15,5

Definir Fronteiras entre Subsistemas 37,9 28,2 34 10,7 10,7

Fomentar a autonomia na Criança 48,5 28,2 23,2 7,8 10,7

Aumentar a Rede de Apoio 48,5 28,2 23,3 14,7 8,7

Resolução de conflitos familiares 30,1 29,1 40,8 16,5 16,5

Reorganização dos contactos pais-filhos 49,5 29,1 21,4 10,7 10,7


pós separação

Os resultados alcançados pelas famílias dependem do tipo de intervenção que o


NAFAP disponibiliza. Assim, a intervenção sistémica realizada tem incindido na prática de
avaliação e monitorização da intervenção sistémica com base no modelo de investigação-
ação; o follow-up mantido com as famílias após a intervenção; a coterapia e a inter e
supervisão. No que se refere à monitorização e avaliação do impacto da intervenção familiar,
utilizam-se os seguintes instrumentos: SCORE-15 – Systemic Clinical Outcome Routine
Evaluation (Vilaça, Silva & Relvas, 2014); SOFTA- s Sistema de Observação da Aliança em
Terapia Familiar Versão Auto – Resposta, clientes e terapeutas (Vilaça, Sotero, Silva &
Relvas, 2014), e F-COPES - Inventário de Avaliação Pessoal Orientado para a Crise em
Família (Cunha & Relvas, 2016). Estes instrumentos são aplicados após a primeira consulta e
no final da terapia, de forma a aferir o progresso da mudança, ou seja, pretende-se identificar
as mudanças ocorridas na família e nos seus elementos durante o processo terapêutico.
Posteriormente o NAFAP, tem como objetivo divulgar os dados acerca da intervenção
realizada com as famílias, nomeadamente, ao nível do funcionamento e comunicação familiar,
em relação à observação da aliança em terapia familiar e à avaliação pessoal orientado para a
crise em família.

Discussão
Consideramos o projeto inovador por ser o único serviço público na RAM, que
acompanha famílias com filhos na escola; é acessível a todas as famílias com filhos no
sistema de ensino; e é norteado pelo modelo ecológico e pela necessidade do constante estudo
das problemáticas familiares. A qualidade do projeto de intervenção sistémica e familiar
prima pelo seu tempo de intervenção (9-12 meses), pela ativação da rede social de apoio e
pelo trabalho articulado com os vários intervenientes.
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A equipa do NAFAP enfrenta como desafios o limite de horário de funcionamento
realizando a sua intervenção, durante 5 dias mensais, sendo insuficiente para os pedidos
solicitados, o que agrava a espera para a primeira consulta e a desistência das famílias. Além
disso, consideramos que os valores dos mesmos estão diretamente relacionados com o tempo
de espera para a primeira consulta, e, por serem famílias multidesafiadas e multiassistidas.
Estes parâmetros corroboram os estudos relativos à não adesão terapêutica (Benetti & Cunha,
2008; Lhullier, 2002; Renk & Dinger, 2002). Entende-se como oportuno o alargamento da
equipa e do horário de funcionamento, de modo a criar grupos de interajuda familiar e a
criação de um serviço intersectorial (saúde – educação – apoio social e comunitário).
Pela análise dos resultados apresentados, é visível o elevado número de famílias com
problemáticas (103) suscetíveis de intervenção familiar, apontadas pelos referenciadores com
mais frequência. A intervenção familiar potencia uma intervenção organizada, sistémica e
sistemática às famílias, oferecendo às mesmas um suporte integrado o que possibilita a
mudança. São vários os serviços que existem em Portugal que funcionam como um recurso
eficaz de apoio à familia, tais como os CAFAP – Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento
Parental, Unidade de Terapia Familiar da ARS do Algarve e gabinetes de apoio à família
ligados aos municípios, entre outros, que vão de encontro às necessidades específicas das
famílias da atualidade.
Podemos verificar pelos dados casuísticos que o NAFAP desenvolveu com os seus
paceiros uma relação próxima, proporcionando assim, uma nova visão em termos
comunicacional, desenvolvimental, estrutural e transgeracional das famílias sinalizadas e
intervencionadas. Vejamos, por exemplo, os filhos de pais separados, com dificuldade da
gestão das tarefas parentais e comunicacional. Nestes casos a intervenção sistémica potenciou
o equilíbrio do sistema em relação complementaridade da função parental em prol do bem-
estar da criança. Os estudos sobre pais separados evidenciam que há um menor envolvimento
e cumprimento das funções da parentalidade, ou seja, existe uma diminuição do afeto, da
comunicação, do controlo e da monitorização (Hetherington et al., 1982, 1989; Wallerstein,
1983).
De uma forma mais complexa podemos analisar outros casos de intervenção realizada
no NAFAP, sendo os casos de insucesso escolar os mais referenciados neste serviço. Estes
casos requerem uma maior articulação com as Escolas, com o objetivo de refletir sobre o
elemento potenciador da mudança, minimizando o sintoma na família. Rodrigues (2010),
refere que uma das facetas presentes no sistema educativo é o incesso escolar, salientando que
a causa do insucesso na aprendizagem pode estar ligada a fatores internos das crianças, mas
também de fatores externos, ambientais e familiares.

Referências Bibliográficas

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Hetherington, E. M., Cox, M. & Cox, R. (1982). Effects of divorce on parents and children. In

5
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(1989) Marital transitions: A child’s perspective. American Psychologist, 44(2), 303-
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Lhullier, A. C. (2002). Abandono de tratamento em psicoterapias realizadas numa clínica-
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Renk, k. & Dinger, T. M.(2002). Reasons for therapy termination in a university psychology
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Vilaça, M., Silva, J. T., & Relvas, A. P. (2014) Systemic Clinical Outcome Routine Evaluation
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Vilaça, M., Sotero, L., Silva, J. T, & Relvas, A. P. (2014). Sistema de observação da aliança
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Wallerstein, J. S. (1983). Children of divorce:Stress and developmental tasks. In N. Garmezy
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