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AULA 6

TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA

Profª Rossana Ghilardi


TEMA 1 – RELAÇÕES FAMILIARES E TEA

Nossos estudos têm como principal objetivo situar o Transtorno do


Espectro Autista no contexto escolar, mas já ficou claro ao longo das aulas que é
essencial a parceria com familiares e demais profissionais para conquistar
resultados positivos. No caso do autismo, o papel dos familiares é decisivo, seja
para buscar e incentivar tratamento e intervenções ou para implantação de
políticas públicas. Por isso, nossa aula inicia trazendo algumas das discussões
sobre o papel da família para a pessoa com TEA e suas relações com o
desempenho escolar.
Serra (2010), em sua pesquisa de doutorado, nos alerta que, apesar de a
Constituição Federal investir ao Estado a responsabilidade de assegurar direitos
às pessoas com necessidades especiais, as conquistas aparecem após muito
trabalho e esforço das famílias, buscando seus direitos e alternativas de
atendimento aos seus filhos.
No caso do TEA, sabe-se que a maioria dos casos tem grande potencial de
desenvolvimento, embora os tratamentos sejam exigentes e intensivos,
envolvendo um número razoável de profissionais de diferentes setores. Investir
em ações conjuntas entre os diversos envolvidos é essencial para manter
continuidade das intervenções.
A coordenação entre todos aqueles que atendem uma criança autista é
importante, para diminuir a ansiedade, estabelecer rotinas, facilitar o
reconhecimento de respostas comportamentais adequadas. Sintonia entre
familiares, escola, terapeuta, fisioterapeuta e outros que acompanham a pessoa
com TEA ajuda muito nos resultados.

1.1 Família: diagnóstico e prognóstico

Embora o atendimento precoce se configure como a principal alternativa


para bom prognóstico, é comum nos transtornos de neurodesenvolvimento a
família descobrir o problema “com a convivência, de uma forma progressiva e
dolorosa e, normalmente, pela ausência do desenvolvimento normal” (Serra,
2010). Aflorando primeiramente a dificuldade de interação social na família, além
de comportamentos agressivos, o que muitas vezes provoca o isolamento do
grupo familiar, evitando contato com outros.

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Os familiares tentam observar, entender e significar os comportamentos
antes que conhecer o diagnóstico, o que lhes provoca angustia e insegurança.
"Nessa perspectiva, o surgimento de uma condição crônica e o seu manejo no
seio das interações familiares são um desafio, o que pode determinar o
enfraquecimento dos laços familiares e de sua estrutura." (Mapelli et al. 2018, p.
2).
Na esteira do diagnóstico está a procura de soluções para os problemas
identificados. Assim, nos primeiros momentos após o diagnóstico os familiares
sofrem com adaptação aos medicamentos, com medo do novo, além dos
contínuos ajustes na dinâmica familiar.
Percebe-se um grande diferencial na aceitação e envolvimento da família
dependendo de como lhe é apresentado a suspeita ou diagnóstico de autismo, o
envolvimento aumenta quanto mais assertivas e positivas são as orientações
iniciais dos profissionais.
Outro aspecto às vezes negligenciado é a assistência aos familiares.
Geralmente a criança é encaminhada e segue com seu tratamento, mas a família
fica desassistida. Um diagnóstico de deficiência ou transtorno costuma ser
devastadora, dessa maneira é interessante que a família também receba apoio e
encaminhamento. Muitos pais têm como primeiro apoio grupos organizados
formados por outros pais de autistas. Talvez um dos mais conhecidos e
estruturados é o AMA (Associação de Amigos do Autista), cujo site está no
endereço: <https://www.ama.org.br/site/>.
Grupos de apoio têm impacto social importante, além de auxiliar familiares
e pessoas com TEA, mas não substituem as demais instâncias como as políticas
públicas, que precisam ser pensadas e elaboradas para atender a todos. Até
mesmo a equipe escolar, quando percebe dificuldade dos pais em dar conta das
pressões e demandas do atendimento do(a) filho(a) autista, pode e deve alertar e
oferecer apoio e indicar opções de atendimento.
Os pais costumam participar ativamente na intervenção. Com suspeita e/ou
diagnóstico, o primeiro aspecto de intervenção a criança com TEA está na
conquista dos marcos desenvolvimentais, para essa tarefa os pais precisam
estudar, conhecer, se preparar para atuar em áreas geralmente desconhecida
deles. Assim segue ao longo de todo o tratamento, os comportamentos em
excesso e inadequados, a comunicação e relações de convivência estão sempre
presentes em casa.

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Serra (2010) resgata Krynski no que diz respeito às fases vividas pelos
familiares após saber do diagnóstico de TEA, “do alarme, do estresse, da
angústia, da rejeição e da revolta” (Serra, 2010, p. 45). Após essas fases,
geralmente ocorre a busca por tratamento e cura milagrosa, até conseguirem
conquistar algum tipo de equilíbrio, uma aceitação mais consciente.

1.2 Tensão na família

São vários os aspectos impactantes na configuração familiar associada a


um diagnóstico de TEA. A começar pela dificuldade afetiva da criança autista, não
correspondendo às investidas dos familiares. Geralmente a mãe se vê
sobrecarregada, acumulando tarefas e funções, tornando-se emocionalmente
mais exigida. Algumas vezes precisa deixar o trabalho, diminuindo a renda
familiar. Às vezes o casal é levado à separação e a mãe assume toda a
responsabilidade pelo filho(a) com TEA (Serra, 2010).
Também é comum impacto junto aos irmãos. As crianças com TEA exigem
muito dos pais e os irmãos podem receber menor atenção e demonstrar ciúmes
ou mesmo agressividade para chamar a atenção. A equipe escolar precisa se
manter atenta aos irmãos de autista, pois pode precisar de um cuidado adicional
na escola.

TEMA 2 – RELAÇÃO ENTRE FAMILIARES E ESCOLA

Conhecer o que se passa na família do autista pode ajudar muito os


professores quanto ao plano de desenvolvimento individual e escolar da criança.
Serra relata comportamentos assumidos pelos pais

porque não acreditam que seus filhos possuam potencialidades, deixam


de ensinar coisas elementares para o autocuidado e para o
desenvolvimento da independência. Alguns optam pelo isolamento e
outros por infantilizarem seus filhos por toda a vida, esquecendo que não
são eternos e que o portador de necessidades especiais deve se tornar
o mais autônomo possível. (Serra, 2020, p. 46)

Nestes casos, a escola pode contemplar ações que auxiliem os familiares


a perceberem malefício da infantilização dos filhos e a necessidade de levar a
pessoa a desenvolver autonomia e independência, fundamentais para a vida de
todos. Temos o outro lado da moeda para considerar – o ingresso da criança com
TEA na escola vai afetar profundamente a relação dela com a família. Pela própria
dinâmica do TEA muitas das crianças convivem apenas com seus familiares mais

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próximos até o momento que entram na escola, quando passa a conviver com
outros adultos e muitas crianças. A convivência com outros é estressante para o
autista. Possivelmente passará por situações provocadas por preconceito e
variadas reações a sua presença na escola, com ambientes barulhentos e
“desorganizados”.
Assim como é imprescindível à escola receber informações dos pais sobre
a criança, o caminho de volta precisa acontecer, como via de mão dupla. Os
familiares precisam saber como seu filho se comporta na escola, as atividades
que realiza e as dificuldades que encontra. A troca de informações deve ser
rotineira, importante programar estratégias para permiti-la. Considere também o
PNE 2020, no qual os familiares têm papel fundamental para tomada de decisão
quanto à forma de escolarização dos filhos com necessidades especiais.

Os programas educacionais para crianças autistas envolvem também os


familiares, e, muitas vezes, o sucesso dos mesmos depende da
continuidade da utilização das técnicas dentro de casa, e, para isso, é
muito importante que, após a avaliação, o profissional conscientize os
pais sobre as dificuldades de seus filhos, mas também ressalte quais
são as potencialidades, e que os familiares, por sua vez, por meio de um
constante acompanhamento profissionalacreditenessas potencialidades
e auxiliem nas intervenções (Glat, 2002, citado por Serra, 2010)

Lima et al. (2020) pesquisaram como os pais de autistas entendiam o


processo de inclusão escolar dos filhos. Constataram que esses percebem a
escola como muito positiva na vida dos filhos, principalmente no aspecto da
socialização, mas também identificam avanços no desenvolvimento e
aprendizagem. A simples matrícula dos filhos na escola é algo muito valorizado
por alguns dos pais que participaram da pesquisa.
São pesquisados vários aspectos das famílias de autistas com diversos
artigos publicados, aqui trouxemos apenas alguns deles para levantar reflexões.
Influi também o fato de que cada família é única, tem sua própria configuração
fruto de relações dinâmicas e complexas, e a escola acompanhará cada caso em
particular.

TEMA 3 – ATIVIDADES REMOTAS E TEA

Ainda no tema família de criança com autismo e a vinculação com a escola,


não podemos deixar de discutir, mesmo que brevemente, as atividades remotas
(on-line), tanto nas intervenções terapêuticas quanto escolares. As atividades on-
line e atendimento remoto estão se revelando como alternativa permanente em

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diversas áreas, inclusive na área da saúde, que anteriormente demonstrava
resistência às relações mediadas por tecnologias da comunicação e da
informação.
Os períodos de isolamento social e quarentena provocados pela pandemia
do Corona Vírus se tornou momento de muita dificuldade para os familiares de
pessoas com autismo. Em parte, pela descontinuidade do atendimento
terapêutico e educacional, mas principalmente pela sobrecarga que coube aos
pais, assim como a alteração radical na rotina dos autistas.
Também as escolas têm enfrentado grande dificuldade em atender
remotamente todos os seus alunos, tanto mais aqueles da Educação Especial.
Acreditamos que orientações sistematizadas para pais que atendem em casa
seus filhos autistas podem servir de referência para atividades escolares on-line.
Algumas delas estão no artigo de Araripe et al. (2019), são:

1. Organização da rotina visual pelos pais para as tarefas dos seus


filhos:

Em aulas anteriores já falamos das rotinas visuais para os autistas, por


meio de agendas ou cartazes, com imagens, textos, fotos que indicam o que virá
pela frente. A organização do ambiente ajuda a controlar a expectativa do autista
para a atividade, acompanhada de dicas e lembretes. A participação da criança
na montagem da rotina é bem-vinda. Quanto mais previsibilidade nas atividades,
maior será o controle da ansiedade.

As modificações na rotina devem ser antecipadas e demonstradas


visualmente através do quadro de rotina, com a retirada ou colocação da
figura representativa da tarefa e sua substituição por outra, podendo o
processo ser realizado pela própria criança com ajuda dos pais. (Araripe
et al., 2019, p. 3)

2. Manejo de arranjos ambientais pelos mesmos cuidadores para a


otimização dos procedimentos terapêuticos:

Segundo Windholz (2016), o ambiente físico para desenvolver as


estimulações precisa apresentar algumas características específicas,
afinal, para que o local facilite a condução dessas atividades, sejam elas
estruturadas ou não, a organização do ambiente pode atuar favorecendo
ou desfavorecendo sua realização e a própria aprendizagem. (Araripe et
al., 2019, p. 4).

Como a casa é o ambiente cotidiano da pessoa, é muito difícil uma


reestruturação completa, transformando-a em uma sala de atendimento, nem é
esse o objetivo. Dessa maneira a orientação aos pais tem seguido base

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naturalística na análise comportamental, aproveitando os elementos, objetos e
espaços do dia a dia, com certo controle dos estímulos e materiais.
Por exemplo, separando e apresentando para a criança material específico
por atividade. Os reforçadores serão aqueles viáveis no contexto do lar,
considerando as condições de cada família. Lembrando que na proposta
naturalística o reforço quase sempre é intrínseco a atividade, como a conclusão
da mesma ou a conquista de um novo nível, o que facilita para os familiares.
Exemplo de reforçador intrínseco citado pelos autores seria

uma brincadeira com blocos de encaixar, por exemplo, pode ser uma
oportunidade para se realizar um treino de imitação com o objeto, cuja
consequência reforçadora intrínseca seria a observação dos objetos se
empilhando, formando um objeto maior, caindo no chão e se
espalhando, bem como pela interação com pais, cuidadores e/ou irmãos
em tom de diversão, obtidos na própria atividade lúdica (Araripe et al.
2019, p. 5).

3. Acompanhamento remoto dos pais para implementar os novos arranjos:

Atualmente há diversas opções tecnológicas para esse tipo de


acompanhamento, visto que o auxílio remoto do terapeuta é imprescindível.
Configurando um trabalho partilhado no qual familiares e terapeuta "possam
acompanhar todo o processo descrito acima: avaliar habilidades, conduzir treino
de pais, dispensar reforçadores e organizá-los, usar rotinas visuais e modelar
respostas na criança" (Araripe et at. 2019, p. 6)
Pode-se aplicar perfeitamente as orientações de Araripe et al. (2019) as
aulas remotas para Educação Básica, aquelas emergenciais, que falharam ao não
considerar o contexto do lar dos alunos, alguns assistidos pelos pais ou
responsáveis sem muita afinidade com equipamentos ou com a dinâmica das
aulas, outros sozinhos na frente do computador; ou celular enquanto seus
familiares estavam em trabalho tipo Home office; ou sem alguém que pudesse se
dedicar a criança durante os estudos. Isso sem contar aqueles sem acesso aos
equipamentos ou internet.
As dificuldades se tornam exponenciais para alunos de Educação Especial,
instruções e acompanhamento dos responsáveis seria importante para garantir
maior efetividade e envolvimento dos alunos a distância.

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TEMA 4 – TECNOLOGIAS DIGITAIS

O tema das aulas remotas nos encaminha a estudar um pouco mais o


emprego de tecnologias educacionais para o aprendizado de autistas. Já há
algum tempo recursos digitais são estudados, desenvolvidos e incorporados às
práticas escolares, processo que se acelera perante a condição de aulas remotas
provocadas pela pandemia. Conceitos como ensino híbrido, antes restrito a alguns
poucos interessados em Tecnologias Educacionais, hoje aparecem com
naturalidade na fala de pais e alunos até mesmo da Educação Infantil.
Mesmo para o autismo, desde os anos de 1970, busca-se alternativas de
aprendizagem com recursos tecnológicos, também com base na telemática, o que
parece natural, uma vez que as tecnologias estão cada vez mais presentes na
vida cotidiana de todos.
Vale o esclarecimento, até mesmo educadores podem confundir recursos
tecnológicos em geral com Tecnologia Educacional, que são aqueles centrais nos
processos de aprendizagem. Chimura e Lacerda (2020) reforçam que, para
considerar um aplicativo ou jogo digital como desenvolvido para aprendizagem da
pessoa com TEA, o critério é o mesmo, o recurso deve ser central na intervenção
e servir a pessoa com autismo. "Softwares, aplicativos ou jogos digitais para
computadores, smartphones, tablets, websites, dispositivos de realidade virtual e
até mesmo robôs são exemplos dessas tecnologias" (Chimura; Lacerda, 2020).
Os autores encontraram alguns programas indicados como para autistas
tendo como objetivo trabalhar habilidades socioemocionais, como
reconhecimento de expressões faciais e emoções, com estratégias simples e
comuns aos jogos digitais, como a apresentação de imagens e fotos associadas
a uma resposta e um reforço.
Comuns também são programas para alfabetização de pessoas com TEA.
Alguns deles são de uso livre e estão nas lojas de aplicativo, mesmo aqueles
desenvolvidos por pesquisadores em universidades. Um exemplo ilustrativo de
jogo de alfabetização é o ABC Autismo:

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Figura 1 – ABC Autismo

Fonte: Google Play, [S.d.].

Aplicativo sem custo e de simples instalação em smartphones ou tablets,


apresenta atividades em quatro níveis, abrangendo habilidades simples de
reconhecimento de forma e relações, chegando até reconhecimento de letras e
construção de palavras.
Muitos dos aplicativos prometem atender habilidades acadêmicas diversas.
Outros são voltados para autocuidado, para redução de comportamentos
desafiadores e até mesmo para ganhos para saúde mental (Chimura; Lacerda,
2020)
De acordo com Chimura e Lacerda, esses recursos “têm se revelado uma
opção de bom custo-benefício para trabalhar algumas habilidades importantes
para pessoas com este diagnóstico, e profissionais devem considerar incorporar
tecnologias em suas intervenções" (2020, p. 133). Mas precisam ser entendidos
como mais uma das alternativas para desenvolver habilidades, dentre outras
tantas disponíveis e necessárias para a aprendizagem da pessoa com TEA.
No entanto, para Santarosa e Conforto (2015), os recursos digitais ou
qualquer tecnologia educacional terá muito mais efetividade se incluída em planos
mais abrangentes. As autoras sistematizam orientações da Unesco para
incorporação de tecnologias digitais no seguinte organograma:

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Figura 2 – Incorporação de tecnologias digitais

Políticas
públicas de
inclusão
escolar e
digital

Empode-
ramento de
estudantes
com
deficiência

Dispositivos
Práticas de
móveis
inclusão
(laptops e
escolar e
computa-
social
dores

Fonte: Santarosa; Conforto, 2015, com base no Relatório Geral da UNESCO, 2014.

As políticas públicas tanto de inclusão escolar quanto de inclusão digital


dão sustentação as práticas, respectivamente de inclusão escolar e sociodigital.
No contexto atual, de sociedade tecnológica em que vivemos, tanto a inclusão
escolar quanto a digital dependem de dispositivos digitais, principalmente os
móveis, como laptop, tablets e smartphones. Este domínio e inserção podem levar
ao empoderamento dos estudantes com deficiência.
Outra consideração importante é a afinidade, ou falta dela, para com os
recursos digitais. Para o aluno com TEA ainda é preciso ter em conta a defasagem
quanto as habilidades motoras e cognitivas para manipular e interagir com
hardwares e softwares. Para responder aos comandos a criança precisa entendê-
los e controlar seus movimentos o suficiente para manipular os aparelhos.
Computadores têm sido considerados ao longo do tempo como motivo de
isolamento, reduzindo interação com outras pessoas. Esse entendimento é às
vezes tomado sem reflexão ou devidas considerações. Como nos dias atuais
acontecer a integração de todo tipo de recurso de informática com
telecomunicação (telemática), incluindo meios de comunicação diversos, redes
sociais e outras formas digitais de interação social. Mesmo no caso das pessoas
com TEA, que tem como característica a dificuldade na interação social e a
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vinculação excessiva com determinados objetos, é preciso ter atenção, mas
jamais abandonar um recurso que pode trazer benefícios no desenvolvimento e
aprendizado.
Levantamos mais um ponto de reflexão: a cibercultura e o ciberespaço
como mais um local de convivência que o autista vai enfrentar. O espaço virtual
“criado pela conjunção das diferentes tecnologias de telecomunicação e
telemática em especial, mas não exclusivamente, as mediadas por computador”
(Guimarães Jr., 1999, p. 2) é o ciberespaço. Quase tão complexo, heterogêneo e
confuso quanto os espaços concretos de relacionamento.
O ciberespaço abarca diferentes ambientes de socialização, com variadas
formas de interação entre pessoas, pessoas e máquinas e até mesmo entre
máquinas, embora sempre criado e frequentado por pessoas, portanto, também é
um espaço cultural. A cibercultura se caracteriza como “o conjunto de fenômenos
socioculturais que ocorrem no interior deste espaço ou que estão a ele
relacionados” (Guimarães Júnior, 1999, p. 3).

4.1 Robótica e TEA

Ainda na área de tecnologia educacional aparece o setor da robótica com


alternativas interessantes para autistas, tanto na intervenção terapêutica, quanto
no desenvolvimento de habilidades.
Usando softwares e materiais convencionais ou desenvolvidos para alunos
com TEA, os professores têm opção de trabalhar e desenvolver habilidades
motoras e cognitivas aproveitando o interesse dos alunos por objetivos, na
montagem de projetos robóticos, por exemplo.
Outro sim, robôs humanoides ou não estão sendo desenvolvidos e
empregados para pessoas com TEA, com possibilidade de interação terapêutica.
No entanto, as revisões de literatura em ambos os aspectos da robótica citados
aqui têm se mostrando inconclusivos. Alves et al., (2020) realizaram revisão
narrativa de nove artigos sobre robôs para intervenção em autistas e levantam
aspectos a serem superados, que as pesquisas atuais ainda não dão conta e que,
do nosso ponto de vista, seriam aplicados para qualquer programa informatizado
destinado aos autistas. Entre as recomendações a mais básica e aparentemente
óbvia é a necessidade de incluir na equipe de desenvolvimento especialista em
análise de comportamento e em TEA.

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A segunda recomendação é a preocupação em preparar adequadamente
o ambiente da aplicação dos recursos de informática, principalmente para
pessoas com TEA, eliminando distrações e organizando materiais associados a
cada atividade. No que se refere especificamente aos robôs, uma orientação está
na busca de opções com mais autonomia, pois a manipulação remota por parte
do terapeuta em tempo integral tem impactos nos custos, por exemplo (Alves et
al., 2020).
A revisão dos autores foi relacionada à aplicação dos princípios do
behaviorismo radical, representado pela Análise do Comportamento Aplicada
(ABA), o que levou a percepção de que a maioria das pesquisas estava muito
mais voltada aos processos intrínsecos ao programa de informática, do que
propriamente aos resultados no desenvolvimento da habilidade proposta.
Sugerem a necessidade de atentar a critérios de desempenho para verificar se as
habilidades são de fato conquistadas pela pessoa que se utiliza do robô ou
programa.
Os estudos analisados descrevem a utilização dos princípios da ABA no
tratamento de crianças com TEA. No âmbito da ABA, o uso de robôs
contribuiu para o aprimoramento das seguintes habilidades: atenção,
comunicação, leitura, comportamento social e socioemocional. No
entanto, a descrição das melhorias nessas habilidades não se ateve aos
princípios da ABA, de modo que não pode se arvorar gozar da mesma
pressuposição de efetividade e deve demonstrar de maneira mais
assertiva o efeito positivo sobre as habilidades-alvo enfocadas.
Sugerimos a colaboração entre desenvolvedores e Analistas do
Comportamento para esta finalidade. (Alves, 2020, p.144-145)

TEMA 5 – DEPOIS DA VIDA ESCOLAR

Como estudamos nas aulas da disciplina os avanços quanto ao diagnóstico


e tratamento do Transtorno do Espectro Autista são diversos. Embora ainda
existam dificuldades, como por exemplo, o diagnóstico frequentemente tardio no
Brasil e os altos custos dos tratamentos.
O mesmo ocorre com o atendimento escolar para alunos autistas. Um dos
principais parâmetros adotados até o momento para mostrar a efetividade da
Educação Especial no Brasil tem sido o número de matrículas nas escolas
chamadas regulares. Não há dúvidas de que aumentaram muito, o próprio INEP,
responsável pelo censo escolar, destacou o crescimento de 33,2% entre 2014 e
2018 nas matrículas de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e/ou altas habilidades/superdotação em classes comuns
(incluídos) ou em classes especiais exclusivas, totalizando 1,2 milhões de alunos
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na ocasião. O problema neste caso, segundo Lacerda (2020), está em entender
quantidade de matrículas como parâmetro para comprovar efetividade do
atendimento e bons resultados.
Relatamos nas aulas anteriores o esforço dos professores em organizar
aulas e material para os alunos TEA. No entanto, também há dados que revelam
resultados pouco expressivos deste esforço. Um exemplo é a pesquisa de Lima e
Laplane (2016) no município de Atibaia/SP, que analisou dados do Censo de
Educação Básica com as matrículas e permanência de aluno de Educação
Especial entre os anos de 2009 e 2012.
Analisando dados dos alunos no recorte de quatro anos, as autoras
identificaram cinco trajetórias diferentes:

• Trajetória completa – daqueles que permaneceram na escola passando a


cada ano para a série subsequente;
• Trajetória completa com retenção – com duas ou mais matrículas na
mesma série em anos subsequentes;
• Trajetória parcial – não há continuidade na matrícula, o aluno consta em
um ano e reaparece apenas um ou dois anos mais adiante;
• Trajetória parcial com retenção – matrícula na mesma série em dois anos
seguidos, depois, desaparece;
• Trajetória incompleta – apenas um registro sem continuidade na matrícula
do aluno (Lima; Laplane, 2016). A tabela construída pelas pesquisadoras
com o resultado da investigação é representativa do que estamos falando.

Tabela 1 – Resultado da investigação

Tipos de Trajetórias Número Porcentagem (%)


Trajetória Completa 6 6,38%
Trajetória Completa com 1 1,06%
Retenção
Trajetória Parcial 24 25,53%
Trajetória Parcial com 17 18,08%
Retenção
Trajetória Incompleta 46 48,93%
Total de Trajetórias 94 100%

Fonte: Lima, Laplane, 2016, p. 278.

Chama a atenção que menos de 8% dos alunos com TEA investigados na


pesquisa seguem regularmente a vida escolar, indicando a dificuldade na escola
em manter esse aluno. Uma das hipóteses levanta pela autora relaciona a

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retenção escolar à evasão do aluno, uma vez que apenas um aluno com retenção
seguiu o trajeto de forma ininterrupta.
As autoras também associam a evasão à mudança do atendimento da rede
municipal para estadual, o que acontece na sexta série, quando os alunos passam
a ter um professor para cada disciplina, dentre outras mudanças. No município
em questão há maior apoio aos autistas nas escolas municipais, e possivelmente
os pais se sentem inseguros com a mudança de escola. Também pode interferir
a quase ausência de retenção escolar nas séries iniciais do Ensino Fundamental,
responsabilidade da rede municipal.
Lima e Laplane (2016) afirmam que poucos alunos autistas chegam ao
ensino médio, com taxas de evasão muito altas neste nível de ensino

Apesar das garantias expressadas em leis, documentos e diretrizes, a


participação de alunos com autismo no ambiente escolar ainda é
problemática e se encontra distante das metas inclusivas. Os alunos têm
acesso a serviços de educação, mas a sua permanência no sistema de
ensino é incerta, como atestam as trajetórias traçadas no município, o
atendimento educacional especializado é pouco abrangente e, a sua
progressão para níveis e etapas superiores ainda é muito diferente
daquela apresentada pelos demais alunos. (Lima; Laplane, 2016, p. 281)

O fato não ocorre apenas no Brasil, observa-se a mesma dificuldade na


escolarização de alunos com TEA em outros países. Rosa et al. (2019) citam a
revisão de literatura dos pesquisadores Levy e Perry sobre os resultados
escolares de adultos e adolescentes na Inglaterra, revelando que muitos deles
não conquistaram independência e autonomia, vivendo ainda na casa dos
familiares.
Em sua pesquisa as autoras Rosa et al. (2019) buscaram identificar como
aconteceu a escolarização de pessoas adultas com TEA, isso do ponto de vista
de familiares e cuidadores. Foram entrevistadas 67 famílias de adultos com TEA
em 14 estados brasileiros, todos em condições econômicas favorável, pois tinham
acesso a assistência aos filhos. Os relatos dos responsáveis sobre o período
escolar dos autistas revelam que frequentar a escola é considerado como algo
muito positivo, no entanto trouxe também desafios e apreensão. A permanência
na escola é associada muitas vezes a episódios de preconceito e barreiras.

Na idade adulta, a maior parte destes indivíduos esteve e/ou ainda está
inserida em instituições educacionais especiais, sendo que apenas uma
parcela muito pequena de adultos com TEA se manteve no ensino
regular. Foram reveladas perspectivas educacionais para a vida adulta,
nas quais os participantes buscam locais para convivência, realização
de terapias multidisciplinares, acolhimento às famílias, atividades de

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profissionalização para os adultos com TEA, atendimento individualizado
e a presença de profissionais qualificados. (Rosa et al., 2019, p. 314)

Em nossos estudos, visitamos algumas áreas que permeiam a área escolar


tentando desenhar um panorama geral do TEA, entendendo que há muito ainda
a ser aprendido, discutido e ajustado para melhores resultados no
desenvolvimento e melhor inserção na vida social.

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REFERÊNCIAS

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