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AMOR SEM PREÇO

“Doctor Diana”

Jessica Blake

Diana rompeu com Clive, um mau-caráter... Mas teve medo de ser perseguida
por ele o resto de sua vida!

Diana teve que romper seu romance com Clive, um cenógrafo extravagante, porque
ele a traía até com suas amigas. E conseguiu um emprego em Hong Kong, onde
conheceu Jonathan, um brilhante cirurgião, que era um verdadeiro enigma para ela:
arrogante e frio, mas que, às vezes, a surpreendia com sua delicadeza e sensualidade.
Afinal, que tipo de homem era aquele? Diana estava interessada em descobrir, quando
Clive apareceu inesperadamente em Hong Kong para transformar sua vida num inferno...
Será que aquele homem sem escrúpulos iria atormentá-la onde quer

Digitalização e Revisão: m_nolasco73


Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

CAPÍTULO I

Com o forte zunido dos jatos, o Jumbo sobrevoou a baía, quase encostando na
superfície da água e pousou no aeroporto de Kai Tak como se fosse uma gigantesca
gaivota.
Diana espiou pela janelinha e engoliu em seco ao ver a pista única cercada de água e,
mais ao longe, de um lado a majestosa ilha de Hong Kong, de outro Kowloon com sua
cadeia de montanhas ao fundo. O homem de cabelos grisalhos que estava ao lado dela
sorriu ao ver a expressão de seu rosto.
— Não sabia que a pista de decolagem do aeroporto de Hong Kong fica no meio da
baía? ― ele perguntou.
— Bem... eu pensei que fosse como as outras...
— Mas não é. O aeroporto foi construído em um aterro feito na baía, como é o caso de
Kowloon, e por causa do tamanho da enseada só pôde ser feita uma única pista, por isso
aqui só é possível decolar ou pousar um avião de cada vez. A primeira vez é sempre de
arrepiar os cabelos, não é? Parece que o avião vai cair no mar... mas nunca ouvi falar de
nenhum acidente desde que o aeroporto foi construído.
Diana se acalmou mas não pôde deixar de pensar que Pearl Wong deveria tê-la
avisado. Afinal Pearl nascera e fora criada em Hong Kong e ainda por cima era aeromoça
da Linhas Aéreas Ta'i... mas talvez por isso mesmo já estivesse tão acostumada que nem
lhe passou pela cabeça falar com a amiga sobre o aeroporto.
Pearl e Diana tinham morado juntas no mesmo apartamento em Londres até dois dias
atrás. Pearl possuía o encanto da beleza oriental e tinha-se mostrado muito amiga na
crise por que Diana passara com o rompimento do namoro com Clive. Foi ela quem a
ajudou a fazer essa viagem para que ficasse o mais longe possível do ex-namorado. Teria
sido intolerável -continuar morando no mesmo prédio que ele, apenas um andar abaixo.
Diana não queria ficar nem na mesma cidade que Clive, não queria vê-lo nunca mais,
nem correr o risco de encontrá-lo pelas ruas casualmente. Por isso decidira viajar para o
mais longe possível, embora soubesse que as lembranças a acompanhariam aonde
fosse. Aliás, desde que saíra de Londres, não tinha passado nem um minuto sem pensar
nele. Não conseguia se empolgar com a novidade da viagem nem com os requintes a
bordo do avião. O filme que passaram durante o voo era sobre um jovem e talentoso
cenógrafo, o que a fez lembrar ainda mais de Clive e só serviu para cutucar a ferida
recente.
O homem grisalho que viajava ao lado de Diana analisava o rosto dela furtivamente
como fizera o tempo todo. Ele já estava quase com setenta anos e portanto achava que
podia mostrar interesse por uma jovem bonita sem que essa atitude fosse interpretada
como uma tentativa de conquista.
Desde que o avião decolou do aeroporto de Londres, ele percebeu que a garota
estava tensa e preocupada e mostrava sinais de uma tristeza velada que só seus olhos
experientes podiam perceber. Ela se esquivara de qualquer tentativa de estabelecer uma
conversa e tinha ficado lendo e ouvindo música o tempo todo. Na hora do filme, fechara
os olhos, como se as cenas de amor lhe trouxessem recordações dolorosas.
Depois, quando o avião fez escalas em Bahrein e Bangkok e os passageiros ficaram
no aeroporto durante algum tempo, podendo fazer compras nas lojinhas ou tomar
aperitivos no bar, ela permanecera isolada, sem procurar companhia ou encorajar a
aproximação de qualquer pessoa.
Para ele, essa atitude reservada numa pessoa tão jovem parecia pouco natural. A seu
ver, não se tratava de timidez, mas sim de apatia, um profundo desinteresse por tudo que

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a cercava. Só diante do magnífico e resplandecente panorama de Hong Kong é que ela


se manifestou pela primeira vez demonstrando um certo entusiasmo. Olhou pela janelinha
do avião e seus olhos brilharam na expectativa do contato com aquela cidade exótica.
Ele, então, aproveitou para puxar conversa.
— É a primeira vez que vem a Hong Kong?
Ela balançou a cabeça afirmativamente.
— E quanto tempo pretende ficar?
— Dois anos. — Em seguida acrescentou: — É o mínimo para quem faz estágio no
exterior.
Um leigo não teria entendido o que ela disse, entretanto ele comentou: — Ah, então
você é médica!
— É... sou recém-formada.
— Só poderia ser mesmo, sendo assim tão jovem!
Pela primeira vez ela olhou realmente para ele. Durante todo o voo, ela mal prestara
atenção ao gentil senhor que viajava a seu lado e agora que o avião parara na pista, os
passageiros desapertavam os cintos, aliviados por aquela viagem de vinte horas ter
chegado ao fim, ela sentiu remorso de tê-lo ignorado. Só então notou que o olhar dele era
meigo e paternal.
— Quer dizer que vai trabalhar como médica-residente. — Ele pestanejou. — Eu
entendo bem da profissão, minha jovem, afinal eu a exerci durante vários anos. Posso lhe
perguntar em que hospital vai ficar?
— No Kinsale.
Diana percebeu uma expressão de surpresa e satisfação no rosto dele, mas não havia
tempo para prolongar a conversa. A viagem terminara. Os passageiros estavam reunindo
as bagagens de mão e se preparando para desembarcar. Gentilmente ele pegou o
casaco de Diana que estava no bagageiro acima do assento e entregou a ela.
— Naturalmente deve ter alguém esperando por você, não é?
— Tem sim, obrigada. Fui avisada de que mandariam um carro para me buscar.
— Então vou me despedir de você e desejar-lhe boa sorte. Sem dúvida terei o prazer
de encontrá-la de novo. Mais cedo ou mais tarde todo mundo acaba se encontrando nesta
cidade.
Ele inclinou a cabeça cortesmente e se afastou. Ela chegou a lamentar quando se viu
sozinha. Realmente, mergulhar na confusão daquele aeroporto de Kai Tak era uma
experiência assustadora para quem não conhecia o Oriente. O ruído de vozes era
ensurdecedor e a babel de línguas que ouvia era impressionante, mas, afinal, Diana
conseguiu passar por todas as formalidades de passaporte, visto, alfândega e saiu para a
rua. O que viu então foi espantoso.
Logo ali, perto da saída, havia um amontoado de jovens chineses cada um segurando
uma placa; umas anunciavam hotéis, outras traziam os nomes dos passageiros por quem
estavam esperando. Alguns nomes eram gritados pelo alto-falante, misturando-se ao som
de conversas, sininhos e risadas.
— Sr. e sra. Kellee atenção! Sr. e sra. Kellee! Estão sendo aguardados no saguão de
chegada da primeira classe... Coronel Parker, atenção! Coronel Parker, atenção... seu
carro está à sua espera no estacionamento. Favor dirigir-se ao guichê 5 para pegar as
chaves!
E de repente Diana ouviu seu nome sendo chamado. Assustou-se. Ficou um instante
confusa sem saber direito para onde ir, enquanto procurava na bolsa dinheiro para pagar
o carregador. Ainda nem sabia direito o valor daquelas moedas.
— Doutora Freeman, atenção! Doutora Freeman, favor dirigir-se ao guichê 6... guichê
6 por favor!

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O carregador já havia desaparecido e lá estava ela com três malas sem saber como
fazer para carregá-las ao mesmo tempo. E ainda por cima como é que iria saber onde
ficava esse guichê 6? Mas é claro, devia ser no saguão de entrada. Precisava arranjar
outro carregador! Ou então teria que deixar a bagagem ali... mas isso seria arriscado,
poderiam roubar naquela confusão toda. Meu Deus, o que fazer? Já que todos os
carregadores estavam ocupados e ela não conseguia encontrar nenhum, não teve
escolha. Pegou a mala mais leve, porque era a mais valiosa também e entrou de novo.
Naquela mala estava seu estetoscópio. Ainda se lembrava como se sentira orgulhosa
no dia em que o comprara. Clive também, a seu modo, se sentira orgulhoso. Ele tinha ido
com ela à loja de equipamentos médicos e ficara apreciando com um sorriso meio cínico
enquanto ela escolhia o aparelho. Diana sentiu-se um pouco perturbada com o cinismo de
Clive. Por que ele não a levava a sério, tal como o balconista que a servia, solícito?
Depois que ela já estava com o pacote nas mãos Clive murmurou em seu ouvido:
— Desculpe, meu amor, mas não consigo acreditar que está formada. Não consigo
enxergá-la como uma eficiente e séria médica. Você é bonita demais para ser inteligente!
— Quer que lhe mostre meu diploma? Ou melhor, quer ver minhas notas durante o
curso? Fique sabendo que sempre tirei notas altas!
— Eu acho que você merece notas altas, amor, mas por outras coisas. . não
inteligência.
Mas que absurdo lembrar-se dessa conversa justamente naquele momento em que
lutava com todas aquelas dificuldades num aeroporto estranho! Ela resolvera ir a Hong
Kong para esquecer Clive, para reconstruir sua vida, mudar de ambiente, de amigos,
afastar-se de tudo que estivesse ligado a ele, entretanto a lembrança daquele homem
persistia em sua mente. Mesmo nesse cenário oriental, totalmente estranho, ela não
conseguia esquecer aquele rosto bonito, de barba macia que lhe despertava tantas
emoções. Nem as carícias apaixonadas e ternas, os beijos prolongados e sensuais que
faziam seu corpo arder de desejo. Quanto tempo levaria para esquecer tudo aquilo?
Percebeu que os olhos estavam se enchendo de lágrimas e procurou se controlar.
Estava se sentindo cansada e com saudades de casa, além de estar muito suscetível por
causa do romance frustrado. A mágoa era muito grande e era difícil reagir e manter-se
forte. Afinal, antes de médica, era uma mulher jovem e sensível.
Nesse momento chamaram-na de novo pelo alto-falante.
— Dra. Freeman, por favor, dirija-se ao guichê 6.
E lá estava ele, encostado no balcão, um jovem alto, loiro, de calça de brim e camisa
estampada. Parecia chateado e impaciente e não foi difícil deduzir que ele não estava
gostando de ter ficado esperando por ela tanto tempo. Devia ser o chofer de táxi que
mandaram para apanhá-la. Mas afinal esse era o serviço d,ele, era muita insolência ficar
mostrando mau humor desse jeito! Por isso, Diana se aproximou do balcão e disse com
frieza e altivez:
— Chamaram-me pelo alto-falante. Sou a dra. Freeman.
O jovem loiro sobressaltou-se e imediatamente olhou para ela, atônito. Analisou-a da
cabeça aos pés, num breve instante, e exclamou:
— Puxa vida, não pode ser!
Diana então prestou mais atenção nele e achou que não tinha jeito de chofer de táxi.
Talvez fosse algum funcionário do hospital, alguém do setor administrativo que fora
incumbido de ir recebê-la no aeroporto, e talvez por isso estivesse com aquela má
vontade. O antagonismo entre funcionários administrativos e médicos era algo antigo e
mais do que sabido.
— E por que não? — retrucou ela com a mesma frieza.
O rapaz passou a mão pelos cabelos e sorriu meio sem jeito.
— Bem... ora, é que não esperava alguém com essa aparência!

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A última médica que veio para cá era gorda feito um elefante e tinha voz de taquara
rachada. Parecia mais um sargento dando ordens...
— Mas estou certa de que era uma médica competente!
A frase em si não dizia muito, mas a mensagem que havia no tom de voz ficou bem
clara para ele: "Só porque sou médica não quer dizer que não sou feminina, e porque sou
feminina não quer dizer que não seja boa médica". Ele percebeu nitidamente a posição
defensiva e entendeu logo que ela devia ter deparado várias vezes com atitudes cínicas e
céticas de pessoas que ainda hoje não acreditam na competência das mulheres como
profissionais, principalmente em certos campos como o da medicina. Quis demonstrar
isso e reparar o mal-entendido.
— Olha... que tal começarmos tudo de novo e com o pé direito, hein? Sou Chris
Muldoon, seu colega na cirurgia. Tal como você, para mim esse também é o primeiro
emprego. — Ele estendeu a mão, sorrindo, e imediatamente o gelo derreteu. Ela apertou
a mão dele, contente, e sorriu também. Era bom arranjar um amigo.
— Devia sorrir sempre, doutora! Fica muito melhor assim do que com aquela
expressão de frieza. Podemos ir, então? Onde estão suas malas?
— Lá fora, na calçada. Eu tive que deixá-las lá...
— Meu Deus! É melhor começar a rezar para que elas ainda estejam lá... se é que já
não sumiram!
Ele a apressou para saírem e tentou acalmá-la dizendo que não se preocupasse se as
malas tivessem sido roubadas porque seria fácil substituir as roupas perdidas.
— Não tem lugar no mundo melhor do que Hong Kong para se comprar coisas,
principalmente roupas! Aqui você acha o que quiser, pelo preço que quiser e sem demora.
— Desde que se tenha dinheiro, não é mesmo, Chris? E isso eu só vou ter daqui a um
mês quando receber meu primeiro pagamento. E não fique me olhando com essa cara,
conto se eu fosse uma boba de ter deixado as malas na calçada! O que você queria que
eu fizesse Como ia carregar tudo aquilo sozinha?
— Está bem, eu sei. — Ele riu. — Mas lembre-se de que está em Hong Kong, o antro
do vício, como dizem no resto do mundo... E não sem motivo, embora não seja mais
como nos velhos tempos dos grandes traficantes de ópio. I? verdade que ainda existem
narcóticos circulando por aí, cocaína... essas coisas, mas não fique tão assustada,
doutora! A polícia de Hong Kong é uma das melhores do mundo e, depois, pode contar
sempre com a minha proteção!
Estavam lá fora de novo diante da pequena multidão de chineses com cartazes e todo
aquele vozerio. Diana olhou em redor, e para seu alívio viu que as malas estavam no
mesmo lugar, intactas, apenas havia duas crianças chinesas sentadas sobre elas.
— Ah! — exclamou Chris — Charlie e Kathy trabalharam direitinho. Esse é o negócio
deles. — Ele pegou no bolso algum dinheiro que colocou nas mãozinhas estendidas. Os
dois inclinaram as cabeças em agradecimento e correram à procura de outras bagagens
para tomarem conta. — Essas crianças trabalham o dia todo assim. Aqui as pessoas
lutam desde pequenas para arranjar um ganha-pão.
Diana continuou a segurar a mala menor, enquanto Chris carregava as outras duas.
— Quer dizer que essas crianças, desse tamanhinho, passam o dia todo aqui no
aeroporto tomando conta de bagagens para as pessoas?!
— É melhor do que pedir esmolas, não acha? O estacionamento é por aqui. — Ele foi
abrindo caminho por entre as pessoas enquanto continuava a falar. — Você logo vai se
acostumar com esta cidade. Os chineses, aqui, têm uma capacidade incrível para
trabalhar. Os pais daqueles garotos trabalham das seis da manhã à meia-noite, seis dias
por semana. No domingo, como é feriado, trabalham só até meio-dia. — Ela ficou
horrorizada e ele riu ao ver a cara dela. – Logo você acostuma. Você vai conhecer os
Yengtoh, eles são donos de umas das melhores lojas de confecções em Kowloon. A sra.

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Yengtoh e as filhas costuram... e eu aposto como você vai ter que mandar fazer pelo
menos um vestido para o baile do hospital Kinsale. Aqui, toda mulher elegante manda
fazer vestidos no salão Yengtoh na rua Mody e os homens mandam fazer os ternos com o
sr. Yengtoh e os filhos. Todos que trabalham lá são da família. Assim que Charlie e Kathy
crescerem mais e terminarem a escola vão aprender o ofício e trabalhar com o pai e a
mãe. Todos na família têm nomes cristãos e ocidentais. É costume em Hong Kong. Os
preferidos são Charles, James Stuart, Elizabeth, Margaret e Anne porque pertencem a
pessoas da família real inglesa. Chegamos!... É este carro aqui. Que tal, não está
impressionada, Diana? Não preciso chamá-la de doutora, não é?
— É claro que não...
Quanto ao carro nem sabia o que dizer. Jamais imaginara que alguém fosse buscá-la
no aeroporto naquele espetacular Jaguar. Estava esperando um carro comum. do
hospital, ou talvez um táxi mas nada tão grandioso como o carro de Chris.
Ele colocou a bagagem no espaçoso porta-malas e sorriu de novo.
— Só que não é meu, nem preciso dizer, não é? Antes fosse! Meu carro é um velho
calhambeque... esta máquina maravilhosa, aqui, pertence ao superintendente.
— Puxa! E ele fez questão de mandar o carro particular dele?!
Chris abriu a porta para que ela entrasse, depois deu a volta e sentou-se ao volante.
— Não é bem assim. Jonathan Kinsale não é o tipo de homem que faz gentilezas e
concessões para mulheres que são funcionárias do hospital, anão ser que seja uma
inspetora... aí ele se mostra obsequioso, mas sabe como é, nesse caso precisa. É que
alguém tinha que vir buscar você e não havia nenhum carro do hospital nem um
funcionário disponível, só eu, é claro. E fiquei louco da vida quando me mandaram vir.
Detesto ficar em aeroportos esperando aviões que sempre atrasam, aliás, o seu atrasou
várias horas, mas também quando vi você...
— É, eu percebi que você estava chateado, mas talvez o prazer de dirigir esse carro
maravilhoso compense o aborrecimento. Mas como é que ele deixou você usá-lo?
— Ah, não teve outro jeito. O hospital só dispõe de dois carros para uso dos
funcionários e os dois estavam ocupados, foram usados para levar os pacientes que
receberam alta para casa. É muito comum esse tipo de atitude informal, você vai ver... o
pessoal do Kinsale parece mais uma família. — Ele desviou bruscamente de um táxi que
passou correndo e fechou seu caminho. O trânsito ali era uma loucura. — Então, só havia
o carro do superintendente e o meu, mas o meu quebrou hoje cedo e o dele estava lá no
estacionamento, dando sopa. Ele não gostou muito da ideia de emprestá-lo para mim mas
foi a supervisora quem sugeriu e ele não teve outro jeito. Ela é cheia de atenções com o
pessoal e gosta que todos se sintam bem, mas Jonathan é bem diferente! Se fosse por
ele você viria a pé carregando todas as malas nas costas.
— Que horror, então ele é um monstro!
— Nem tanto. Só que ele não dá bola para mulheres. Espera aí, não vai me entender
mal... não estou querendo dizer que... bem, você sabe. Ele já foi muito diferente pelo que
ouvi dizer, parece que gostava muito de uma mulher mas não sei o que aconteceu que
fez com que ele mudasse assim... parece que foi traído e depois disso ficou agressivo
com todas as mulheres.
A essa altura o aeroporto já estava longe e eles transitavam pelas ruas de Kowloon.
Chris continuava a falar como se quisesse pô-la a par de tudo durante o trajeto.
— Não sei se você conhece a história do hospital Kinsale, mas ele foi fundado pelo dr.
Joseph Kinsale em 1874 e desde essa época os membros da família estão ligados a ele.
e. por isso que temos um Kinsale como superintendente, embora ele seja um cirurgião. .
cuidado com Jonathan, Diana.
— Por quê? Então o homem é mesmo um bicho-papão?

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— É o que os funcionários em geral acham dele, embora todos reconheçam e


respeitem a competência dele como cirurgião e a dedicação dele ao trabalho. Jonathan
vive para àquele hospital! O único inconveniente é que ele acha que todos deveriam fazer
o mesmo e é aí que a coisa se complica. Não deixe que ele exija demais de você.
Entretanto, Chris não sabia que era justamente isso o que ela queria: ocupação total.
Absorver-se no trabalho aponto de esquecer todo o resto. Queria ocupar a mente e
preocupar-se o máximo possível para preencher o vazio que ficara em seu coração
depois do rompimento com Clive. Não que ele a tivesse trocado por outra, tivesse traído,
ou algo assim. Simplesmente o caso fora esfriando da parte dele, é claro. O ardor fora
diminuindo. Cada vez ele telefonava menos, cada vez aparecia menos. Quando ia para o
apartamento dele já não passava mais no dela, como antes, mesmo quando sabia que
Pearl estava viajando e que poderiam ficar a sós. Quando Diana não resistia e telefonava
para ele, a voz dele era sem entusiasmo e vivia dando desculpas e evasivas para não
marcar encontros. Enfim, Diana percebeu que havia todos os sintomas alarmantes de um
fim de caso, embora ele continuasse a dizer que a amava.
— A paixão acaba, como um fogo que se apaga lentamente, mas não é isso o que
importa. Depois pode ser que a labareda se reacenda — disse-lhe ele um dia.
— Ou se apague para sempre — retrucou ela. — Só que eu não vou ficar esperando
para ver o que acontece.
Ele encolheu os ombros como quem não pode fazer nada diante da situação.
— A escolha é sua. Nós dois somos absolutamente livres, por isso acho que nenhum
deve impedir o outro de ir embora se for essa a escolha. Não vou exigir que você fique.
Ela sentiu que de certa forma ele a fizera dizer exatamente o que queria ouvir. Mas
afinal, talvez fosse melhor assim, terminar o caso antes que a convivência se tornasse
insuportável e enquanto ainda podia ter boas recordações. Além disso, dessa forma
salvava seu amor-próprio.
E Pearl a ajudara muito naquele momento difícil.
— Meu irmão é advogado e cuida da parte jurídica do Hospital Kinsale em Hong Kong
— disse-lhe ela. — Eu sei que há falta de médicos lá porque todos vão para os outros
dois hospitais que são maiores e pagam melhores salários. Mas acho que para você
adquirir experiência seria ótimo. Quer que eu escreva a Lee e fale de você? Se houver
vaga disponível ele poderá informar a gente. Que tal, hein?
E por que não? Ela não teria nada a perder. Se não houvesse vaga, paciência.
Resolveu deixar ao acaso. Disse a Pearl que escrevesse ao irmão e enquanto isso ela
própria escreveu para vários hospitais fora de Londres mandando seu currículo, mas tudo
o que recebeu foram respostas gentis dizendo que a chamariam quando houvesse uma
vaga.
Diana já estava ficando desesperada. Não aguentava mais continuar morando ali. O
apartamento de Clive era em cima do seu e ela ficava sempre ouvindo os passos dele
quando chegava, procurando decifrar se estava sozinho ou acompanhado, querendo
identificar as vozes femininas que às vezes ouvia passar pelo corredor com ele. Era uma
agonia insuportável. Queria sumir dali o quanto antes.
Quando já estava no auge do desespero, aconteceu um milagre. Estava selecionando
os anúncios de emprego no jornal quando deparou com aquele dizendo que o Hospital
Kinsale, de Hong Kong, precisava de médico-residente, em início de carreira, para ganhar
salário mínimo. As entrevistas para o cargo seriam em Londres e a pessoa aprovada teria
a viagem paga. Ficou eufórica e comentou com Pearl antes de correr ao telefone para
marcar uma entrevista.
Logo seu entusiasmo murchou, quando soube que teria de esperar quatro dias, pois
alista de candidatos era enorme. Realmente havia milhares de recém-formados
desempregados em Londres. No dia marcado para a primeira entrevista estava certa de

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que algum outro já passara na sua frente e conseguira o lugar, por isso ficou surpresa
quando marcaram uma segunda entrevista e depois uma terceira e última. Mal pôde
acreditar quando recebeu a carta dizendo que fora aceita para o cargo. Uma semana
depois já estava a caminho.
Pearl ficou contente pela amiga, embora lamentasse a separação.
— Puxa, vou sentir sua falta... mas a gente pode se ver sempre que eu tiver voo para
Kai Tak; além disso, pode contar com minha família lá, se precisar de alguma coisa. Eles
conhecem todo mundo.
A voz de Chris arrancou-a de seus devaneios.
— Esse é o monumento Sung Wong Toi, ali à direita. É em homenagem ao imperador
da dinastia Sung que se refugiou em Kowloon. O nome de Kowloon em cantonês é Tsim
Sha Tsui. — Ele virou à direita num farol e continuou a falar. — Esse é o Hotel da
Península, à esquerda, ali na esquina, mais conhecido como Casa Real, porque todos os
europeus descendentes de famílias reais já estiveram hospedados lá. É um dos hotéis
mais famosos do mundo e o restaurante deles, o Gaddi, está entre os sete melhores do
mundo. O salão desse hotel é o ponto de encontro mais importante entre o Oriente e
Ocidente e é realmente algo que merece ser visto. Agora estamos na rua Nathan. Você
acredita que há sessenta anos não havia um único edifício moderno aqui? Era uma
ruazinha de subúrbio cheia de árvores, agora olhe só!
Diana estava olhando. A rua a era colorida com cartazes e enfeitada como se
estivesse decorada para o Natal. Havia butiques, joalherias, boates e discotecas. Lojas
grandes e modernas mostrando as últimas criações de Paris, Londres e Nova Iorque;
vitrines cheias de marfim, jade, flores exóticas, metais preciosos, outras mostrando
comidas e ervas aromáticas; boates de strip-tease ao lado de templos, igrejas
protestantes pegadas a casas noturnas, cinemas com cartazes de filmes pornográficos
entre lojas sérias de comerciantes de antiguidades, e pessoas caminhando sem tomarem
conhecimento umas das outras, mulheres sozinhas andando na rua sem serem
molestadas; casas de chá lotadas, com famílias chinesas; um borbulhar incrível, ao
mesmo tempo que tudo transmitia uma sensação de calma e serenidade.
— Que fantástico! — exclamou Diana.
— A história de Hong Kong é fantástica. Um dia eu conto a você... agora estamos
quase chegando. — Chris desviou de dois chineses, um carregando várias lanternas e
outro com um tabuleiro na cabeça do qual exalava um cheiro apetitoso. — Esta é a rua
Haiphong e à direita é o Parque Kowloon. Do hospital se avista isso aqui. Pelo menos
essa vantagem temos no Kinsale, não ficamos espremidos entre prédios. O lugar é
privilegiado, a área é enorme e tem uma vista muito bonita. Talvez você tenha sorte e
fique num quarto que dê para o parque.
Finalmente Chris parou o carro. Estavam num pátio diante de um prédio em estilo
vitoriano com degraus de pedra conduzindo à entrada.
— Bem, aqui estamos! — anunciou Chris alegremente. – Agora você vai ter que
enfrentar o monstro... Boa sorte!

CAPÍTULO II

Jonathan acabou a operação pouco depois das seis horas. Na sala de esterilização, a
enfermeira Chang retirou o avental cirúrgico dele, a máscara de operação e as luvas de
borracha fina e, com tudo isso nas mãos, desceu a rampa que conduzia diretamente à
lavanderia. Jonathan descalçou as botas de borracha, tirou a touca e começou a lavar as
mãos e os braços com o líquido desinfetante.

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— Bom trabalho — disse ele a seu assistente. — Um caso de apendicite pode parecer
simples, mas tem suas manhas. Graças a Deus, o homem está salvo.
Graças a Deus e à eficiência de Jonathan, pensou Maynard, seu assistente.
— É, foi um bom trabalho mesmo, — concordou ele — mas acho que agora devia
descansar um pouco. Você tem trabalhado demais, com todas essas operações que tem
feito, além do serviço de superintendência. A maioria dos médicos quando chega a
superintendente abandona um pouco a medicina.
— Pois não espere que eu faça isso. Eu morreria de tédio.
Maynard não pôde deixar de pensar que havia maneiras mais agradáveis de afastar o
tédio, principalmente em Hong Kong, mas Jonathan parecia não querer aceitar isso.
— Pelo menos acho que agora o serviço vai diminuir um pouco -: disse Maynard. —
Tenho um responsável pela clínica, Chris pode voltar à cirurgia.
— O novo médico-residente ainda precisa provar que é competente para ficar com a
clínica.
— Médico? Ué, eu ouvi dizer que era uma mulher.
— É, eu esqueci. — Jonathan pôs de lado a toalha, abaixou as mangas da camisa e
vestiu o paletó. — Pois é, pior ainda... o novo médico é uma mulher. Estamos sem sorte
mesmo. Também não temos muita escolha, financeiramente não podemos competir com
os outros dois hospitais daqui e com o salário que oferecemos só podia dar nisso. Espero
que pelo menos não seja das piores.
— Por que acha que ela não é boa? Existem muitas médicas de destaque hoje em dia,
Jonathan.
— Elas têm destaque porque são uma minoria e portanto muito mais notadas.
— Você não aprova mulheres na medicina?
— Só enquanto enfermeiras. Aí elas são ótimas, não sei por que não se restringem a
esse campo da medicina. É: nisso que dá toda essa história de liberação feminina... elas
querem invadir nosso campo! — Ele sorriu. — Meu pai acha que eu sou um intolerante e
bitolado quando falo assim.
Nesse momento a porta se abriu e surgiu a enfermeira Chang de novo. Ela era miúda,
morena e bonita. Corriam boatos de que ela estava apaixonada por Chris, mas sempre
existem muitos boatos e fofocas entre funcionários de um hospital e Chris vivia saindo
com garotas bonitas.
— Dr. Jonathan, a secretária telefonou e pediu-me para avisá-lo de que a médica nova
já chegou e está esperando em seu escritório.
— Ótimo. Mande levar um chá para lá, por favor, acho que uma inglesa vai ficar
contente com isso. Depois, diga a ela que eu não vou demorar, preciso resolver umas
coisinhas antes.
Ele saiu da sala com passos amplos e seguros. Uma jovem enfermeira viu-o passar e
suspirou discretamente. Ele era tão distante e altivo, tão reservado e tão distinto com
aqueles cabelos grisalhos nas têmporas emoldurando o rosto ainda jovem! A atitude dele
despertava romantismo na maioria das garotas. A enfermeira da sala de operações
também suspirava por ele secretamente. Ela se chamava Helen Collard, mas ele a tratava
com formalidade e Helen nem sonhava que pudesse haver uma aproximação maior.
— Puxa! O homem e bom mesmo, hein? — disse Davis, o rapazinho encarregado da
limpeza da sala de cirurgia, olhando para Helen enquanto limpava os ladrilhos. — Diz que
ele fez cada operação hoje a tarde!
Helen sorriu e entrou no escritório para preparar o relatório do dia. Concordava
plenamente com Davis. Sem dúvida Jonathan era um excelente cirurgião, muito
competente, mas era uma pena que fosse tão inacessível. Vários funcionários do hospital
achavam-no desumano porque aparentava frieza e altivez, outros achavam que a atitude
reservada era produto de uma enorme timidez, mas Helen acreditava que um homem tão

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dedicado a salvar a vida humana não podia ser frio como um computador. Tinha certeza
de que por trás daquela aparência pulsava um coração cheio de sentimentos.
Chang entrou na sala, pegou o telefone, ligou para a cozinha e pediu para mandarem
levar chá no escritório do superintendente, mas da cozinha veio a reclamação: estavam
muito atarefados, não havia ninguém disponível para levar o chá. Chang suspirou sem
perder a calma.
— Está bem, já entendi. Tenho meia hora de folga agora. Pode preparar que eu levo.
Ela desligou e foi buscar o chá. Na Inglaterra uma enfermeira jamais faria isso, mas ali
eram todos iguais e as pessoas às vezes faziam coisas que eram atribuições de outros
funcionários sem que isso fosse humilhante. O ambiente, ali, não era formal como em um
hospital inglês. A supervisora gostava de dizer que formavam uma família grande e feliz.
Mas, afinal, Chang estava mesmo curiosa para ver como era a nova médica recém-
chegada.
Mais tarde, no alojamento das enfermeiras, Chang contou como ficara embasbacada
ao ver Diana. Ela era mesmo bem jovem e de uma beleza estonteante. Estava muito
elegante e não precisava usar aquele uniforme horroroso do hospital nem esconder os
belos cabelos alourados naquela touca ridícula que elas tinham que usar. E disse às
outras enfermeiras que estavam perdidas pois ninguém mais olharia para elas com
aquela beldade por ali.
Quando ela entrou no escritório, entretanto, Diana estava em pé perto da janela,
olhando para o Parque Kowloon. Sem querer, estava pensando na sua casa e em Clive, é
claro. Já estava sentindo saudades de tudo o que deixara na Inglaterra, por isso quando
viu a enfermeira entrar com o chá quase teve vontade de chorar.
— Ah, mas quanta gentileza a sua! — ela exclamou, olhando para a bandeja.
— A ideia não foi minha, doutora, foi do dr. Jonathan.
— O superintendente? Mas me disseram que ele era um monstro.
— Quem lhe disse isso?
— O rapaz que foi me buscar Do aeroporto. Eu já estava imaginando que o
superintendente tratasse as funcionárias como escravas! Mas um homem que tem uma
ideia tão gentil assim não pode ser desse tipo!
Imediatamente arrependeu-se de. ter falado tão impulsivamente. Sabia que o
alojamento de enfermeiras era o centro de fofocas num hospital e que tudo o que
dissesse ali seria assunto de conversa na hora do jantar. É que estava nervosa, mas
precisava se controlar e ser mais discreta. A garota parecia disposta a conversar.
— O dr. Jonathan pediu-me que lhe dissesse que ele virá logo, não vai demorar... Eu
sou Chang, trabalho na enfermaria da ala de cirurgia. Um paciente meu foi operado hoje à
tarde de apendicite... o dr. Jonathan fez uma operação maravilhosa, aliás ele sempre faz.
Se eu fosse a senhora não dava ouvidos ao que Chris falou. Ele diz muita coisa da boca
para fora. Na verdade é um dos maiores admiradores do dr. Jonathan embora não goste
de admitir isso. Chris parece meio amalucado e irresponsável mas quando está
trabalhando fica irreconhecível, sério e compenetrado.
Ela parecia estar ansiosa para defender Chris, o que era bastante significativo. Diana
sorriu e tentou tranquiliza-la.
— Tenho certeza de que ele é um médico competente, não duvidei disso nem por um
momento.
— Então foi ele mesmo que foi buscá-la no aeroporto! — disse ela com uma ponta de
inveja na voz.
— Foi sim.
Chang estranhou, pois era o dia de folga de Chris e ela imaginara que ele estivesse
com uma das belas garotas com quem gostava de sair.
— Bem, é melhor eu ir embora...

Livros Florzinha - 10 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Com um sorriso amável ela se afastou embora quisesse ficar e descobrir mais coisas.
Gostaria de saber, por exemplo, como Chris encontrara a médica. Talvez tivesse sido
uma ordem da supervisora... e o que era mais importante, gostaria de saber qual teria
sido a reação de Chris ao deparar com essa ruiva estonteante. Ele tinha um fraco por
mulheres bonitas, Chang estava cansada de saber. Ela o amava e o conhecia muito bem,
por isso podia imaginar como ele olhara para essa garota de corpo bem feito e rosto
bonito.
Chang era filha de mãe inglesa e pai chinês, o que resultara numa beleza exótica,
misto de oriental e ocidental, mas era baixa e por isso olhava com inveja para a estatura
esbelta de Diana. Além disso, Diana sabia valorizar o corpo com roupas bem escolhidas e
apropriadas para seu tipo. Os olhos eram grandes e profundos e a pele clara e perfeita
tinha o frescor de uma pétala de rosa. O nariz era pequeno, reto e delicado. Enfim, tudo
em 'equilíbrio harmônico, formava um rosto sensível e adorável.
Ao sair do escritório Chang passava pelo corredor quando se viu refletida no vidro da
porta e suspirou desolada. Não podia dizer que era bonita! Quando muito podia ser
engraçadinha, embora Chris já tivesse dito várias vezes que achava fascinante o
resultado da mistura de raças nela, que o toque oriental dava a ela um certo ar de mistério
que a tornava cativante. Mas apesar dele ter repetido isso inúmeras vezes Chang não
conseguia acreditar que era verdade.
Diana tomou o chá, sentindo-se reconfortada. Afinal, aquele fora um gesto delicado
demais para um homem que diziam ser um monstro insensível. Quem sabe ele não era
tão mau assim... O melhor era não dar ouvidos a opiniões pessoais, a fofocas, pois estava
cansada de saber quanto mexerico havia no ambiente hospitalar, entre os funcionários e
principalmente entre os estagiários. Só que agora não era mais estudante, agora era uma
médica e precisava encarar o trabalho com responsabilidade e seriedade. Não haveria
mais ninguém para ensina-la, para lhe dizer o que estava certo ou errado. O diagnóstico e
o tratamento dependiam totalmente dela, não podia cometer falhas. Ao menor deslize
estaria perdida. Sabia que estaria sendo observada e julgada furtivamente pelos médicos
mais experientes e de repente sentiu-se apavorada, com vontade de estar em casa.
Nesse momento a porta abriu. Diana virou-se num sobressalto, espirrando chá na
lapela do vestido branco. Ela ficou desolada e olhou sem jeito para o superintendente.
Que belo começo! Iria parecer desastrada e desajeitada aos olhos dele. Diana passou a
mão no vestido tentando, em vão, limpar a mancha.
— Não vai adiantar. Assim é melhor...
Jonathan tirou o lenço do bolso, mas em vez de entregá-lo a ela começou ele próprio a
limpar a mancha e dessa vez com resultado. A mão dele era firme e leve, a mão de um
eficiente cirurgião.
— Pronto, o pior já saiu, mas eu acho que deve mandar para a lavanderia do hospital
para que não fique nem um pouco manchado.
Ele foi até a escrivaninha e fez um gesto indicando a Diana que se sentasse na
poltrona em frente. Ela fez isso e ficou observando-o. Achou que era um homem bonito
que causava boa impressão à primeira vista. Tinha os traços bem feitos, o olhar
penetrante e perspicaz e as mechas prematuramente grisalhas nas têmporas conferiam a
ele um certo ar de distinção. O formato do nariz e do queixo sugeriam força de caráter. O
corpo era esguio, ágil e mais alto do que a média. Perto dele toda mulher se sentia
pequena e muito feminina. Os olhos eram realmente de chamar atenção, eram profundos
e castanhos e ele olhava as pessoas direto, dentro dos olhos, de modo tão incisivo que
parecia impossível esconder qualquer coisa dele.
De certa forma era uma presença marcante que a deixou perturbada e Diana sabia
que não esqueceria tão fácil aquela figura, pois ele a impressionara muito. Era
completamente diferente do que imaginara. Esperava um tipo mal-encarado, ríspido e de

Livros Florzinha - 11 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

dar medo, e Jonathan não era nada disso. Era calmo, cortês sem ser fingido. Quando
começou a falar foi direto ao assunto, sem rodeios.
— É meu dever lhe dar as boas-vindas e recebê-la aqui, doutora. A agência
selecionou você, por achar que era a candidata mais indicada e nós respeitamos a
opinião deles porque essa agência tem fama de ser muito rigorosa em seus critérios...
— ...Mas, pessoalmente, o senhor não está contente com a escolha — completou
Diana, impulsivamente, quase sem se dar conta. Quando percebeu que interrompera o
superintendente desculpou-se logo em seguida.
— Não precisa se desculpar... você está certa — respondeu ele. — Eu tenho mesmo
um certo preconceito contra mulheres médicas, mas como sou parte de uma minoria você
não deve nem levar isso em consideração. E pode me chamar de você...
— Vai ser difícil não levar em consideração, já que você é o superintendente. Sua
oposição ou antipatia, sei lá, já me deixa em desvantagem para iniciar meu trabalho aqui!
-Ela estava cansada, decepcionada e continuou a falar com a voz trêmula de indignação
sem se importar com a cara que ele fazia. — Sei que estará julgando tudo o que eu fizer
de modo parcial e portanto poderá me reprovar injustamente!
— Pelo visto não será sem motivo. Você está demonstrando, neste instante,
justamente o que eu mais critico numa mulher e acho que a impossibilita de ser uma
médica competente: a instabilidade emocional. A mulher é muito sensível, deixa-se levar
facilmente pelas emoções e isso não pode acontecer com um bom médico. Enfermeiras
ainda podem se envolver emocionalmente com os pacientes... aliás, isso às vezes até
ajuda no tratamento deles... mas o médico tem que se manter calmo sempre e nunca
permitir que a emoção interfira em seu raciocínio. E foi o que você acabou de fazer. Bem,
mas já que está aqui quero lhe dizer que espero que seja feliz e realize um bom trabalho.
Este hospital significa muito para mim.
— E o trabalho significa muito para mim, pode estar certo.
Ela já recuperara o controle. Não iria permitir que esse homem a perturbasse de novo.
Dali em diante seria fria e eficiente e ele jamais poderia criticá-la outra vez. Diana amava
a medicina tal como o seu pai amara. Desde criança brincava de médica com as bonecas
e agora que crescera e se formara, estava preparada para se dedicar integralmente aos
pacientes, para enfrentar com coragem o sofrimento dos doentes. Tinha plena
consciência da responsabilidade que era lidar com seres humanos.
— Outra restrição que tenho, quanto às mulheres na medicina, é a lamentável
tendência que têm de procurar casamento, porque quando se casam, acabou-se a
dedicação, a profissão passa para segundo plano e aí não se pode mais confiar nelas.
Diana teve vontade de gritar “porco-chauvinista", "machão bitolado", mas precisava se
controlar e argumentou com calma.
— Pode ficar tranquilo que não tenho a menor intenção de me casar ou de me mostrar
indigna de confiança. Vim aqui para trabalhar e é o que vou fazer com toda eficiência.
Ele não pareceu nem um pouco impressionado.
— Se não fizer vai ter que se ver comigo depois – Jonathan retrucou. Ele a perscrutou
com olhar frio por alguns instantes e acrescentou meio sem jeito: — Por que você
escolheu a medicina?
— Eu sempre quis ser médica. Meu pai também queria; ele não era como você, não
achava a profissão inadequada para mulheres, nem me julgava incapaz de exercê-la.
Ele ignorou a indireta, ergueu-se e tratou de encerrar a conversa.
— Apresente-se para o trabalho em vinte e quatro horas.
— Vinte e quatro horas?! Mas eu pensei que fosse começar imediatamente!
— Você acabou de chegar de uma viagem longa e cansativa e ainda nem se adaptou
à mudança de horário. Não está em condições de trabalhar. Agora o que tem a fazer é ir
para o alojamento desfazer as malas e deitar-se. Fique na cama o tempo todo. Suas

Livros Florzinha - 12 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

refeições serão levadas no quarto, se acordar antes e quiser alguma coisa é só pedir pelo
telefone interno, mas eu ordeno que repouse as vinte e quatro horas. Você pode achar
que é desnecessário, mas acontece que é fato comprovado que o voo a jato e a mudança
de horário diminuem a resistência física e retardam os reflexos. Não pense que pode
dormir um pouquinho e já sair por aí passeando e fazendo compras. Eu disse repouso
absoluto por vinte e quatro horas! Não admito nenhum médico neste hospital que não
esteja em condições perfeitas para o trabalho.
Em seguida apertou um botão do interfone e chamou a supervisora.
— A dra. Diana está aqui comigo. Eu ordenei que ela repousasse vinte e quatro horas
como de costume e gostaria que a senhora se certificasse de que ela vai me obedecer.
Ela me parece voluntariosa e teimosa. Creio que vai ter de domá-la.

CAPÍTULO III

O homem era realmente um tirano, desumano mesmo! Estava tratando Diana como se
ela fosse uma mulher qualquer que ele tivesse comprado para seu harém e não uma
médica digna de todo respeito e consideração. Isso lá era jeito de falar! Ela se virou de
costas para esconder a fúria que sentia e, antes que saísse, a porta se abriu e entrou a
supervisora.
— Ah, aí está ela! Então é a dra. Diana?!... Bem-vinda ao Kinsale! — Ela a analisou
com simpatia, de olhos semicerrados, depois virou-se para o cirurgião. — Você andou
intimidando a garota?
— Eu? Nunca intimido ninguém! Estava apenas dando instruções para o próprio bem
dela — disse Jonathan.
— Exatamente o que pensei — retrucou a supervisora num tom de ironia. Em seguida
lançou um olhar eloquente a Diana. — Ah, esses homens! — Depois sorriu. — Venha
comigo, você deve estar exausta! Vou levá-la até seu quarto. Creio que o dr. Kinsale lhe
falou sobre o regulamento aqui do hospital em relação ao repouso necessário depois de
um voo prolongado e ele tem razão, concordo plenamente com ele. Portanto, esqueça-se
de tudo e trate de descansar até se sentir bem de novo.
— Mas eu não estou me sentindo mal — protestou Diana fracamente, vendo pela
porta Jonathan compenetrado no trabalho sem prestar a mínima atenção a ela.
— Não se preocupe com o dr. Jonathan — disse a supervisora, fechando a porta. — O
cargo de superintendente o deixa um pouco irritadiço. Na verdade ele devia se dedicar
somente à cirurgia, esse é o verdadeiro lugar dele. Ele é um ótimo cirurgião!
E Diana acreditava que fosse mesmo, pois para ser um bom cirurgião um homem
precisava ser frio e ter nervos de aço. Ela até admirava essas qualidades no campo
profissional, mas quando não estava trabalhando será que ele não podia ser um pouco
mais humano? Tantos médicos, cirurgiões ou não, agiam normalmente no plano pessoal,
por que não ele? Enquanto fizera estágio no hospital pudera notar bem isso.
Pelo menos a supervisora a recebera com amabilidade! E Diana gostou logo do jeito
bonachão e maternal e do sorriso bem-humorado dela. Era bem diferente da maioria das
supervisoras que em geral são carrancudas e cheias de empáfia, pois realmente têm
muito poder dentro de um hospital. Até os médicos costumam temê-las. A palavra delas é
sempre lei no que se refere à organização e funcionamento do hospital. Lógico que não
interferem no campo da clínica e da cirurgia, mas todo o resto está sob controle delas.
São como abelhas-rainha numa colmeia.
— Se não conhece o Oriente, doutora, provavelmente vai se espantar um pouco no
início, talvez até sinta muita saudade de casa, por isso quero que saiba que pode contar
comigo. Prometa que me pedirá auxílio se precisar de alguma coisa, está bem? Estou

Livros Florzinha - 13 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

aqui no Kinsale há vinte anos e tenho visto muitos médicos e enfermeiras irem e virem.
Poucos ficam para sempre. Hong Kong é conhecida como a porta do Oriente, para quem
vem do Ocidente, é claro, e vice-versa, por isso tudo aqui parece muito transitório, as
pessoas estão sempre de passagem. Este é o ponto de encontro entre Ocidente e
Oriente, o que torna a cidade diferente de todas as outras do mundo. É cosmopolita no
mais amplo sentido da palavra. Mas no início pode ser um pouco assustadora, por isso,
como já disse, não se esqueça que estou às ordens, caso precise conversar com alguém.
A supervisora olhou enternecida para a jovem médica recém-chegada. Pobrezinha, ela
nem se dava conta, mas estava tão abatida! Será que ela aguentaria o ritmo de trabalho
naquele hospital?
— Acho que você entende, não é, que o Kinsale vai ser muito diferente do hospital
onde estagiou... -começou ela com certo tato. — Sei que o St. Mark oferece um bom
treino, mas mesmo assim não pode ter preparado você para o que vai enfrentar aqui. No
Kinsale tudo é muito diferente e não há uma rotina fixa. Todos nós fazemos um pouco de
tudo quando é preciso. Eu mesma já trabalhei como enfermeira na enfermaria geral, e
enquanto estávamos sem médico, Chris clinicou ao mesmo tempo em que trabalhou na
cirurgia, por isso não se espante se houver alguma emergência e você for chamada para
ajudar na sala de operações.
— Até que eu gostaria!
— Ótimo. Assim você teria oportunidade de observar o dr. Kinsale em ação. — Ela
disse como se fosse a maior honra que um mortal pudesse receber.
— Tenho certeza de que seria muito interessante – respondeu Diana.
— Você ficou com antipatia dele, não foi?
— Ele me é indiferente. Não gosto nem desgosto. Só estou aqui para fazer meu
trabalho, o resto não importa.
— Ótimo — disse ela outra vez. — Chegamos. Este é seu quarto. Daqui se avista toda
a baía.
Ela abriu a porta, entrou na frente de Diana e foi direto até a janela, do lado oposto.
Diana a seguiu, parou ao lado dela e quando olhou para fora ficou boquiaberta com o que
viu. O céu estava azul, sem uma nuvem e via-se nitidamente a silhueta do morro de Hong
Kong. Logo adiante estava a baía, embora tudo isso ficasse ao longe porque mais perto,
logo abaixo da janela, ficava um amontoado de construções. Mas mesmo à distância dava
para se perceber a intensa atividade na enseada; barcaças chinesas, balsas e sampanas
que são barcos-casa onde mora grande parte da população de Hong Kong, sem contar os
transatlânticos de longo curso entrando e saindo do porto. As balsas faziam a travessia
entre a ilha e Kowloon, indo e vindo sem parar.
— Aquilo Ia se chama walla-walla — disse a supervisora apontando para as balsas. —
São os táxis marítimos. Não é bonita a vista? Eu acho muito bonita! Mesmo depois de
morar aqui tantos anos eu ainda acho a baía de Hong Kong a coisa mais incrível do
mundo. É movimentadíssima e cheia de vida! — Nesse momento bateram na porta e ela
foi atender. — Ah... aí está seu jantar! Agora deixemos de lado a paisagem e tudo o mais.
Trate de se alimentar e depois dormir .
Uma garota chinesa colocou a bandeja sobre a mesa e fez uma inclinação respeitosa
com a cabeça.
— Obrigada, Ah — disse a supervisora. A garota sorriu e saiu sem fazer barulho.
— Como é que a senhora chamou a moça?! — perguntou Diana intrigada.
— "Ah". A maioria das moças serventes ou empregadas domésticas são chamadas de
"'Ah". É uma espécie de título. Em cantonês não existe uma palavra que sirva para
designar isso, o termo que mais se aproxima é "Gung-yan" mas elas acham ofensivo.
"Ah" é uma forma mais gentil de se referir a elas. — A supervisora sorriu e bateu de leve
no braço de Diana. — Com o tempo você se acostuma e não vai mais achar tão estranho.

Livros Florzinha - 14 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Sei que você vai se dar bem aqui, estou sentindo isso. Esqueça o jeito agressivo e
intimidador do dr. Jonathan. Eu o conheço bem. Isso é apenas uma fachada.
— Mas por que ele precisa disso? Para se proteger?!
— Você não acredita em mim, não é? Bem, não posso censurá-la. Assim que entrei na
sala dele percebi que a recepção não tinha sido calorosa. Mas você não devia ter
esperado que fosse.
— Já cheguei a essa conclusão.
A supervisora abriu a boca como se fosse falar algo, depois mudou de ideia.
Encaminhou-se para a porta e virou-se para trás.
— Na terceira sexta-feira de cada mês, eu costumo receber em casa às seis horas
para um aperitivo, portanto já é nesta semana. Vão todos: enfermeiras, atendentes,
médicos, cirurgiões... Espero que você vá também, mas antes disso ainda nos veremos
em serviço. E se você tiver algum problema ou dúvida, minha sala fica no fim do corredor
entre a sala dos médicos e a dos cirurgiões e eu estou sempre lá das oito às dez horas da
manhã, antes de começar a inspeção nas enfermarias. — Ela sorriu maternalmente. —
Boa sorte, minha cara.
Diana agradeceu sorrindo. Realmente iria precisar de muita sorte. Quando a porta se
fechou e ela se viu sozinha sentiu-se abandonada e perdida como se tivesse mergulhado
num mar desconhecido e não soubesse para onde nadar. Além do mais, estava exausta.
Sentou-se diante da bandeja e fez esforço para comer alguma coisa, depois despiu-se
rapidamente e enfiou-se na cama nua, sentindo na pele o agradável frescor dos lençóis
limpos e logo adormeceu, embalada pelo suave zunido do ar refrigerado. A última coisa
que pensou, antes de pegar no sono, foi que o detestável Jonathan vencera o primeiro
round.
Ela realmente estava cansada, com sono... tinha vontade de dormir para sempre... E
pela primeira vez em várias semanas não pensou em Clive, nem sequer sonhou com ele.

Na primeira sexta-feira depois de sua chegada, Diana foi ao apartamento da


supervisora, que ficava no último andar, e bateu timidamente na porta. Só mais outros
dois funcionários do hospital tinham acomodações como as dela. O superintendente tinha
uma casa ao lado, no mesmo terreno, que o mantinha isolado de todos. Os outros tinham
acomodações no alojamento, como Diana, sendo a ala feminina totalmente separada da
masculina.
Diana ficou admirada com o esplêndido apartamento. Mesmo cheio de gente como
estava, dava para se notar que era espaçoso. A sala principal tinha portas de vidro que
davam para um terraço grande, bem decorado, com mobília de jardim e muitos vasos de
plantas e flores.
Uma empregada gentil conduziu-a até o terraço onde a supervisora, muito elegante
sem o uniforme, recebia seus convidados. Estava com um magnífico vestido de chiffon
cinza, enfeitado com um discreto broche de safiras, usava também anel e brincos
combinando. Diana aprenderia mais tarde que Hong Kong é um dos maiores centros de
comércio de joias, além de vários outros artigos.
— Olá, doutora, que bom que veio! Então, já está se acostumando com o serviço? —
A supervisora recebeu-a, alegre, e conduziu-a para um grupo que conversava perto da
grade do terraço.
— Creio que sim...
— Ora, não seja modesta, doutora! Não ouvi nenhuma queixa, nem de enfermeiras,
nem de pacientes ou colegas.
— Ainda bem. Mas gostaria que me chamasse pelo nome.
— Está certo. E eu também acho que tem feito um bom trabalho! Bem, mas afinal não
está aqui para ser julgada. Vamos esquecer o trabalho agora. Venha, vou apresentá-la

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

aos outros... Esta é a sra. Collard, esposa do secretário do consulado britânico. Como
sabe, Hong Kong ainda é uma colônia do império britânico...
— E tomara que continue assim por muito tempo — disse uma voz masculina. —
Mesmo que a China reclame os novos territórios depois que expirar o contrato de
arrendamento, acho que tanto o Oriente quanto o Ocidente precisam da liberdade de
comércio que Hong Kong representa na atual situação.
— O senhor, um chinês, dizendo isso, dr. Chang?
— Eu e muitos outros chineses acham isso.
Diana olhou para o homem que agora lhe estendia a mão. A supervisora fez a
apresentação.
— Este é o dr. Chang... a filha dele é enfermeira aqui. Você sem dúvida já deve tê-la
visto.
— Aquela moça bonita que trabalha na enfermaria? Ah, já vi sim. — Diana lembrou o
rosto amável da garota que lhe levou o chá no dia em que tinha chegado. — Outro dia
mesmo ouvi a enfermeira-chefe elogiando-a e dizendo que ela iria fazer uma bela
carreira.
— É, mas acho que ela vai se casar antes disso — comentou uma voz feminina. —
Minha filha nunca pretendeu fazer carreira e dedicar toda sua vida ao hospital, ela é como
eu.
— Esta é minha esposa, Bárbara — apresentou dr. Chang com visível orgulho, aliás
bastante justificável. Bárbara era uma mulher de seus cinquenta anos, ainda muito bonita,
com olhos vivos e inteligentes e uma expressão jovial.
— E este é o dr. Kinsale — apresentou a supervisora. — Ele estava ansioso para
encontrá-la.
Um homem de cabelo todo branco e sorriso amável estendeu a mão para ela.
— Eu estava ansioso para reencontrá-la — corrigiu ele. — Nós viajamos juntos de
Londres para cá, sentados lado a lado, mas só no fim da viagem é que trocamos algumas
palavras.
Diana surpreendeu-se ao reconhecer seu companheiro de viagem e ficou ainda mais
admirada ao ouvir o nome dele.
— Kinsale? — repetiu ela. — Mas então está ligado ao hospital!... Por que não me
disse?
— Não deu tempo. — Ele a conduziu para um canto do terraço coberto com toldo. A
vista dali era linda. Alguém colocou um copo na mão de Diana e ela tomou uns goles
distraída. Estava encantada de ter encontrado de novo aquele homem idoso tão amável,
embora talvez fosse parente do detestável Jonathan. — Não tenho mais ligação com o
corpo médico do hospital, pois já estou aposentado, mas continuo como presidente da
diretoria. Ah, aí vem meu filho. Naturalmente você já o conhece.
Diana disfarçou o espanto com dificuldade. Como é que Jonathan, tão ríspido e
agressivo podia ser filho desse homem tão amável e atencioso? Ele a cumprimentou com
frieza, trocou algumas palavras com o pai e afastou-se deixando-o com ar pensativo.
Depois de alguns instantes o dr. Kinsale virou-se para Diana, outra vez, e continuou a
conversa.
— Acho que você ainda não teve tempo de fazer passeios, não é? Vou lhe falar dos
lugares que acho interessantes.
— É muita gentileza do senhor.
— Em primeiro lugar vamos abolir esse formalismo. Nada de dr. Kinsale e senhor.
Meu nome é Hammond. E. assim que todos os amigos me chamam e espero me tornar
seu amigo também. Acho que o tratamento cerimonioso afasta muito as pessoas e numa
pequena comunidade como a nossa isso não é bom.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Diana pensou que ele deveria dizer isso ao filho dele que era frio e distante a ponto de
se tornar antipático.
— Fale-me sobre Hong Kong, — ela pediu — eu sei tão pouco sobre a cidade! Só sei,
que ela é dividida em duas partes, a ilha e a península Kowloon...
— Além dos novos territórios, cujo contrato de arrendamento é de noventa e nove
anos e expira em 1997. Esses territórios tiveram um grande desenvolvimento nesse
período, portanto, sem dúvida, quando o contrato terminar serão reclamados pela China,
com bastante vantagem para ela, é claro. Você deve conhecer essa região enquanto
estiver aqui.
— E o que me diz desta vista maravilhosa?! Nunca imaginei em minha vida que algum
dia pudesse estar num terraço contemplando os mares do Sul na China!
— É lindo, não é? — Ele sorriu. — É claro que tendo nascido aqui, para mim essa
beleza é muito especial. Pena que tenha havido tantas mudanças e tão rapidamente! Isso
que você está avistando é a ilha de Hong Kong... lá onde estão aqueles arranha-céus é o
distrito de Vitória, capital da colônia, mais conhecido como Distrito Central. O pessoal
daqui sempre se refere à península como lado de Kowloon e à ilha como lado de Hong
Kong. Esse nome derivou de "Heung Gong", que quer dizer "Baía Perfumada" e que era o
nome chinês de um ancoradouro na cidade flutuante de Aberdeen, onde os navios
podiam se abastecer com a água fresca de uma nascente.
— E o nome Kowloon... de onde veio?
— Esse ainda é mais interessante. O nome significa “Nove Dragões". "Kow" quer dizer
nove e "Loon", dragões. Há oitocentos anos, quando o imperador Ping era criança, ele
uma vez contou oito colinas no local e comentou que devia haver portanto oito dragões,
devido à crença de que montanhas são habitadas por dragões. O Primeiro Ministro então
disse a ele que eram nove e não oito dragões, por causa de uma outra crença antiga
segundo a qual os imperadores também são dragões.
— Sei que o centro comercial de Kowloon chama-se Tsin Sha Tsui, não é?
— Ah... você pronunciou muito bem. Você ficaria fascinada se tivesse tempo para
estudar os nomes chineses e suas origens... você acharia essencial estudar o calendário,
só assim poderia entender porque tantas comemorações e festas. Você vai ver durante o
ano a comemoração do aniversário de Buda, o Dia do Barco do Dragão... isso vale a pena
ser visto... o Festival do Coelho, o Festival das Virgens, o Dia dos Espíritos Famintos e o
Festival Chung Yeung e assim até o Ano Novo chinês, depois recomeça tudo. Nessa
época costumam dar dinheiro "da sorte", para parentes e amigos, que colocam em
envelopes vermelhos onde está escrito em dourado com letras chinesas "Kung Hei Fat
Choy" que corresponde ao "Feliz ano novo", mas que traduzido mais literalmente significa
"ganhe muito dinheiro". Olhe, as luzes da ilha estão se acendendo. Não é um espetáculo
bonito?
Diana concordou extasiada. Era como se milhares de estrelas estivessem se elevando
na bruma do entardecer.
O lusco-fusco rapidamente deu lugar à noite, como acontece nessa parte do mundo e
por instantes os dois ficaram contemplando em silêncio. Logo milhares de luminosos de
neon tomaram-se visíveis num certo ponto.
— Ali é o distrito de Wanchai, — explicou Hammond, apontando — mais conhecido
como o "Mundo de Suzy Wong". Vários filmes e romances imortalizaram esta cidade e
não só através de Suzy. Se você se lembrasse das cenas do começo do filme "Suplício
de uma Saudade" não teria se assustado quando o avião passou entre as montanhas de
Kowloon e desceu no meio da enseada no aeroporto de Kai Tak. Ora... mas eu estou
monopolizando você. Estou vendo que Chris não tira os olhos de você, lá de longe, e meu
filho vai ficar impaciente se eu o deixar esperando... ele dispõe de pouco tempo para um

Livros Florzinha - 17 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

jantar rápido antes de voltar ao serviço. Não lhe disse?, lá vem ele... aposto como vai
reclamar...
Logo depois Chris também se aproximou, mas Diana demorou para notar a presença
dele. Estava distraída observando Jonathan e o pai se afastarem.
— Já se apaixonou pelo cara? — brincou Chris. — Até parece que está na moda. Não
tem uma única mulher entre os funcionários do hospital que não esteja loucamente
apaixonada por ele. Isso sem falar nas pacientes.
— O que muito me admira! — Ela realmente não entendia como é que uma mulher
podia se apaixonar por um homem tão seco e esquisito como Jonathan. — E o que me
surpreende ainda mais é que aqueles dois homens sejam pai e filho.
— Pois é, Hammond é um cara bacana, não é? Mas não se impressione tanto com o
jeito de Jonathan. ..é que alguns homens têm necessidade de uma espécie de máscara.
— Você tem?
— Ainda não, — ele disse sorrindo — mas se eu chegar à posição que ele ocupa,
talvez acabe precisando de uma. Por enquanto sou um pé-de-chinelo que não atrai a
atenção de nenhuma mulher interesseira ou de mães que procuram bons partidos para as
filhas.
— E aposto que com Jonathan elas não conseguem nada, não é?
— Pelo que dizem, parece que algumas mulheres conseguiram balançar o coração de
Jonathan, mas isso é assunto dele, não tenho nada com isso. Minha única preocupação
agora é convidá-la para jantar. O que acha da ideia? Nós dois entramos em serviço às
nove e meia, portanto, se andarmos depressa poderemos aproveitar essas horinhas de
"recreio".
Ele a pegou pelo braço de leve e a conduziu para onde estava a supervisora enquanto
falava baixo perto de seu ouvido.
— Agora seja boazinha e desempenhe seu papel direitinho... "obrigada por ter me
convidado... etc..." e outras baboseiras... Depois vamos direto para Jade Garden tomar
uma deliciosa sopa de barbatanas de tubarão. Boa noite, querida anfitriã! — disse ele
para a supervisora, beijando a mão dela numa mesura exagerada. — Estamos nos
despedindo. Como sempre, sua hospitalidade serviu para abrandar dois pobres corações
de médicos... O que seria de nós, pobres escravos do Kinsale, se não fosse a senhora.
— Ah, Chris, como sempre andou bebendo demais — ela riu com indulgência. —
Faça-o comer bastante para ficar sóbrio logo, Diana. Boa noite... não há o que agradecer.
Pena que ficou tanto tempo com Hammond, ele monopolizou você... é que o dr. Wong
queria ser apresentado a você... Ah, ali está ele! Com licença, Chris, sinto muito, mas
você vai ter que esperar um pouco.
Chris ficou de lado enquanto a supervisora levou Diana.
— Dr. Lee Wong e sua esposa Mae. Ele é o consultor jurídico do hospital.
O rosto de Diana se iluminou.
— Ah! 0 irmão de Pearl! Bem que ela disse que mais cedo ou mais tarde acabaríamos
nos encontrando...
— Teria sido mais cedo, — disse Mae — se meu marido não estivesse ocupado com
um caso demorado no tribunal. Esse tribunal, aqui, é tão movimentado quanto o hospital
Kinsale! — ela riu.
Mae era uma criatura encantadora, pequena, esguia e elegante, parecia uma boneca.
Tal como várias esposas orientais, ela parecia muito jovem para já ser mãe de seis
crianças pequenas, conforme Diana tinha ouvido falar.
Houve a habitual troca de elogios, gentilezas e perguntas convencionais e Mae quis
saber quando é que Diana iria aparecer na casa deles para uma visita. Então Lee
acrescentou num tom de voz mais baixo:

Livros Florzinha - 18 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Ah, ficaríamos muito gratos se fizesse a gentileza de nos falar sobre Pearl, o que
ela faz, como se porta... a minha família é bem grande, como a maioria das famílias
chinesas, e todos gostariam muito de ouvir isso. Sabe como é, Pearl é de outra geração,
é moderna e não se importa mais com as tradições antigas...
— Mas não há nada de errado com o comportamento de Pearl! — protestou Diana. —
Ela é uma excelente garota. Leva muito a sério seu trabalho e tem muito brio. Eu não
poderia desejar uma companheira melhor do que ela para morar comigo.
Lee pareceu satisfeito mas o rosto dele era inescrutável. Diana começava a perceber
que era difícil ler qualquer coisa nos rostos reservados e contidos dos chineses. Eles não
demonstravam nada, nem mesmo a idade e às vezes, de certa forma, até pareciam usar
máscaras.
— Suas palavras são tranquilizadoras, doutora, espero que sejam também
verdadeiras.
— Mas é claro que são! — ela declarou desconcertada.
— Então diga-me uma coisa... como é que ela se comporta quando não está com
você?
— Meu caro marido, — interrompeu Mae — mas que pergunta tola! Como é que a dra.
Diana poderia saber como Pearl se comporta quando não está por perto dela? — Mae
virou-se para Diana. — Creio que lhe devo uma explicação. É que chegaram boatos a
meu marido de que a irmãzinha levada tinha sido vista várias vezes em Londres na
companhia de um homem excêntrico e esquisito. Nós, chineses tradicionais, não
gostamos de comportamentos excêntricos ou maneiras esquisitas. Creio que Pearl, por
ser a mais jovem da família Wong, foi muito mimada. Ela foi até educada nos Estados
Unidos! E quando voltou de lá, veio com ideias de independência. Isso chocou os mais
velhos que acham difícil aceitar essa atitude numa mulher.
— No caso de Pearl eu acho que é autoconfiança e não independência. Por isso está
desligada da família — disse Diana. — O trabalho dela exige isso. Portanto, acho que
vocês não têm motivo para se preocupar.
A conversa parou aí e só então Chris conseguiu levar Diana embora.
— Puxa, devia ganhar uma medalha por ter esperado tanto tempo! Estou morto de
fome! — disse ele. — Acho que agora vou comer tudo o que vier, ainda bem que temos
bastante tempo. Sabe, nesse restaurante onde vou levá-la o serviço é rápido e a comida é
ótima. Além disso, o mais importante é que é, baratíssimo. Eles servem de tudo. Trazem
travessas com caranguejos, sho'mai, rolinhos de primavera... e uma porção de coisas
deliciosas. A gente come o que quiser e quanto quiser e paga uma taxa fixa. Por isso é
que é barato! Chegamos. É aqui o Jade Garden. Espero que esteja com bastante apetite
que nem eu!
E para sua surpresa Diana descobriu que realmente estava com apetite.
Enquanto isso, Hammond comentava com o filho, já no carro em direção à casa dele.
— Teria sido um gesto de delicadeza convidar a Diana para jantar conosco.
— É, mas seria desnecessário. Chris teve essa ideia antes.
— Então você percebeu isso? Logo você?! — Hammond olhou para o filho com ar
matreiro e pensou que isso era um bom sinal. Desde o caso de Jonathan com Glória, que
terminara muito mal, seu filho não prestava mais atenção às mulheres.
— Parece que ouvi você dizer à supervisara que já tinha encontrado a dra. Diana, será
que ouvi bem? — perguntou Jonathan entrando no túnel submarino, construído
recentemente, que ligava Kowloon à ilha. — Quando foi isso?
— Quando estava voltando para cá, depois de ter ido a Londres visitar sua tia
Katherine. Sentamos lado a lado no avião, mas ela mal prestou atenção em mim, só no
fim da viagem é que me deu chance de trocarmos algumas palavras.

Livros Florzinha - 19 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Então você não viajou de primeira classe?! Não posso entender por que se priva de
confortos essenciais quando pode se dar ao luxo de tê-los!
— Já tenho em casa conforto até demais. No meu lar não me privo de nada! Além do
mais, prefiro viajar com turistas e pessoas comuns do que com os magnatas
empertigados da primeira classe que me irritam terrivelmente. Ora, Jonathan, deixe-me
viver minha vida à minha maneira!
— Como se eu pudesse impedir! — Ele olhou o pai de relance e sorriu.
Nesse momento saíam do túnel em Wanchai, à beira-mar, depois entraram na região
montanhosa onde as casas e apartamentos tinham uma vista privilegiada, além do
trânsito ali ser tranquilo, com a vantagem do bairro ficar perto do centro.
— Poderíamos muito bem ir jantar no Mandarin Grill – sugeriu Jonathan, mas o pai
balançou a cabeça negativamente.
— Não se deve comer com pressa. Você não dispõe de muito tempo e sabe que o
serviço lá é demorado, portanto vamos comer na minha casa. Antes de sair eu mandei
que fizessem jantar e já deve estar tudo pronto. Assim você poderá jantar com mais
calma.
Hammond ficara viúvo quando Jonathan era bem jovem e não se casara mais.
Dedicara sua vida ao hospital e à carreira do filho. O bairro luxuoso chamava-se
Luginsland e ele morava num apartamento de cobertura com um belo jardim que ele
próprio se orgulhava de cultivar. Ali havia seringueiras, várias plantas ornamentais e uma
grande quantidade de flores que perfumava o ambiente. Depois do excelente jantar
servido pelo garçom de Hammond, pai e filho sentaram-se lá fora para relaxar um pouco
enquanto fumavam. Aquilo era como um jardim no céu e não havia coisa mais repousante
do que ficar ali à vontade. Bem ao longe, à esquerda, podia-se avistar o telhado do
hospital.
— Conte alguma coisa sobre Diana — pediu Hammond.
— Falar o quê?
— Tudo o que você sabe. Não precisa me dizer que ela é muito atraente e bonita, isso
eu mesmo posso ver.
— Atraente? Eu não tinha percebido.
— Mas isso é até um crime! Você está na melhor época de sua vida. Até quando vai
ficar ignorando as mulheres só porque Glória abandonou você? Sei que foi uma grande
decepção mas você não pode julgar todas as outras baseado no comportamento de uma
mulher que não merecia confiança. Essa atitude é ridícula, além de covarde!
— Covarde?!
— É claro. Você está se protegendo, não quer correr riscos e com isso está
desperdiçando sua juventude, os melhores anos, o vigor de sua masculinidade!
— Não estou desperdiçando nada! Eu dedico minha vida totalmente ao hospital!
— Desculpe, filho, falei sem pensar... não quis ofendê-lo... mas é que detesto ver
desperdício. Você está com trinta e oito anos agora e por causa de um desengano você
se priva da possibilidade de encontrar a felicidade com uma mulher, de se casar e ter uni
lar de verdade! Você nem tem mais namoradas! Antigamente não era assim...
— Já passei da época de aventuras amorosas, isso é para rapazes como Chris.
— Que, aliás, esta noite se mostrou bastante interessado em conquistar Diana.
— E por que não? É problema dele, desde que continue consciencioso em seu
trabalho... deixa ele se divertir um pouco com a garota.
— Isso é o que não falta aqui em Hong Kong...
— Para quem pode gastar dinheiro. Lugares noturnos para homens custam uma
fortuna!
— Você fala por experiência própria?

Livros Florzinha - 20 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— É claro. Já frequentei muito esses lugares e sei que há garotas muito bonitas...
pode-se escolher à vontade.
— Só que isso não substitui uma relação afetiva, um relacionamento mais profundo.
— É claro, mas para quem está procurando isso, o que não é o meu caso.
— Existem outras coisas no mundo além do trabalho, meu filho...
— Que deixo de bom grado para que outros desfrutem. Você fez do hospital a sua
vida, papai, portanto por que eu não posso fazer o mesmo? Como você mesmo já disse,
deixe-me viver minha vida do meu jeito!
— Está bem, entrego os pontos. — Ele riu e desistiu da conversa.
Hammond sabia muito bem que fazer sermão sobre a vida particular do filho era uma
total perda de tempo, só que ele não resistira à tentação essa noite, porque ficara
contente de saber que o filho notara que Chris dera atenção especial a Diana. Achou que
era um bom sinal, que talvez o gelo estivesse começando a derreter, mas era esperto e
percebeu que era melhor ficar calado.
Entretanto, antes de se despedir não resistiu a um último comentário.
— Sabe que eu acho que Diana não é feliz? Ela parece ter uma certa tristeza
escondida no olhar...
— Não sei de onde tirou essa ideia. Ela me pareceu muito alegre esta noite.
— Ah, é claro! Numa reunião social, com champanhe, o que você queria? Mas não se
deixe enganar por falsas aparências. A alegria é um disfarce. Olhe bem nos olhos dela,
meu filho. Se prestar atenção vai ver que é um olhar magoado, no fundo. Eu tenho pena
dela... e você também teria se a analisasse devidamente, sem preconceitos.
Jonathan não disse nada, apenas suspirou e lançou um olhar para o pai que deixava
bem claro não ter a menor intenção de fazer o que ele dizia.

CAPÍTULO IV

A enfermeira Chang bateu de leve na porta do escritório da supervisora, esperou e


entrou quando ouviu a ordem.
— Por favor, a dra. Diana está aqui?
— Não. Creio que ela foi até a enfermaria.
— Eu não sirvo? — perguntou Chris. — É algo urgente?
— É Elias de novo.
— Ah, meu Deus, ele voltou?
— Ele sempre volta — disse a supervisora -, e vai continuar voltando enquanto as
autoridades permitirem que ele fique em Hong Kong. Este hospital é um segundo lar para
ele. Aliás, — ela acrescentou com tristeza — acho que na verdade este é o único lar que
ele tem agora. Pobre homem!
— Quando ele foi trazido para cá? — perguntou Chris.
— Ele não foi trazido, respondeu Chang — entrou no ambulatório há mais ou menos
meia hora e desmaiou lá. Como é plantão da dra. Diana, a enfermeira de lá me pediu para
vir chamá-la.
A supervisora pressionou um botão do aparelho em sua escrivaninha e disse no
microfone:
— Peça para a dra. Diana ir ao ambulatório, por favor. — Depois virou-se para Chang
e tranquilizou-a. — Pronto, ela não vai demorar agora.
— Obrigada — disse a enfermeira e saiu.
Quando já estava no meio do corredor Chris a alcançou.
— Como é que vai, minha gatinha?
— Não sou sua

Livros Florzinha - 21 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— E será que vai ser um dia?


Chang pensou que isso era a coisa que mais queria, entretanto não demonstrou nada,
apenas retrucou com displicência.
— Com tantas mulheres que tem, uma a mais não vai fazer diferença, você pode
passar sem mim. Principalmente aquele charmosa que vivia atrás de você...
— Estelle? Ora, ela não está mais atrás de mim. Caiu fora por conta própria. Não
gostou de ter passado para segundo plano por causa de uma médica...
— Está se referindo à dra. Diana?
Chris sorriu.
— É...
— Realmente, Estelle tem razão, a dra. Diana é uma forte rival. Seria difícil vencê-la.
— Isso se ela não fosse feita de gelo. Tentei ver se conseguia derretê-la um pouco,
mas já vi que é uma parada dura. Na semana passada, depois do aperitivo de sexta-feira,
eu a levei para jantar na Jade Garden e foi um fracasso total! Ela se interessou mais pela
comida do que por mim!
— Também depois de trabalhar aqui o dia inteiro não se pode censurá-la. Você já
calculou quantos quilômetros uma médica, ou as enfermeiras, andam por dia neste
hospital? Bem mais do que vocês da cirurgia.
— Ah, então você está do lado dela?
— É claro. E quanto a geleira que você diz que ela é, não acredito. Precisa vê-Ia com
os pacientes. Principalmente com as crianças.
— Sabe, gatinha, o que é maravilhoso em você é que sempre defende as mulheres.
Nunca ouvi você falar mal de alguma, o que não acontece com Estelle, por exemplo.
— Por falar em Estelle, quem está ocupando o lugar dela em sua vida?
— No momento está vago. Quer se candidatar?
— Não tenho tempo.
— Muitos convites de outros rapazes? Encontros marcados, hein?!
Ele teve vontade de deixá-lo acreditar que sim, mas era sincera demais para isso, não
gostava de fingir.
— Não, é trabalho mesmo. Você conhece a rotina, Chris. São poucas horas de folga
que a gente aproveita para fazer compras, tomar banho de mar, ou visitar os pais. Com
você também é assim, só que como você é homem passa as horas de folga de modo
diferente, pode pegar uma dessas garotas, nesses clubes de strip-tease da península...
— Não, na península é muito caro!
— Em outros lugares, então. Em todo caso é diferente para os homens. Vocês tem
muito mais liberdade e aproveitam muito melhor.
— Mas o que é isso, gatinha? Você não foi feita para andar nesses lugares noturnos
que existem por aqui... estou falando de outra coisa. Já pensou em quantos romances
aconteceram entre médicos e enfermeiras, neste hospital? Como é que acham tempo
para isso, hein?
Ela riu e virou o corredor. Já haviam chegado ao ambulatório e ela despediu-se dele
dizendo que ia entrar.
— Vou dar uma olhada em Elias — ele disse, como desculpa para ir atrás dela.
Diana fora avisada através do "bip" que carregava sempre, por isso, quando Chris e
Chang entraram, ela já estava examinando o paciente. Ele era velho e maltrapilho, com
aparência sofrida e cansada.
— Ele ficará bom, — disse Diana por sobre o ombro — só precisa repousar e se
alimentar bem.
— É por isso que ele sempre acaba vindo parar aqui, — explicou Chris — e como já
deve ter observado ele não é o único. Bem, já que não há nada que eu possa fazer é
melhor ir andando.

Livros Florzinha - 22 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Ele acenou com displicência para Diana e sorriu calorosamente para Chang antes de
sair.
Diana ficou apenas alguns instantes olhando para o velho; que era só pele e ossos,
depois virou-se para a enfermeira do ambulatório e perguntou:
— Ninguém sabe quem ele é?
Para sua surpresa ouviu a voz de Jonathan responder.
— Nós o chamamos de Elias, porque com essa barba e esse cabelo enorme ele
parece um profeta da Bíblia, não acha? Ele diz que esqueceu o nome dele há muito
tempo. — Jonathan olhou o velho com compaixão. — Ouvi dizer que ele estava aqui outra
vez e quis vê-lo. A única coisa que podemos fazer por ele é alimentá-lo, deixá-lo
repousar, depois mandá-lo de volta a sua vida obscura.
— Ma o que é que um inglês, neste estado, está fazendo aqui em Hong Kong? A
cidade é um Protetorado britânico, ele poderia procurar auxílio!
— Creio que o orgulho o impede de fazer isso, ou talvez medo, não sei.
Provavelmente ele sabe que seria mandado de volta à Inglaterra e acho que não é o que
ele quer.
— Quer dizer que ele prefere viver aqui nessa miséria do que na pátria dele sob
cuidados da Assistência Social?
— Mais ou menos isso. E ele não é o único. Hong Kong entra no sangue da gente,
como doença. Além do atendimento a turistas e residentes, uma grande porcentagem de
pacientes nossos é constituída de gente que aparece mais ou menos regularmente. Eu
tenho casos interessantes no nosso arquivo, se quiser pode dar uma olhada. Servirá para
conhecer melhor o local e as pessoas com quem vai lidar.
Ela aceitou na hora e acompanhou-o até o escritório dele. Era a primeira vez que
voltava lá desde o dia de sua chegada e a cena daquele dia voltou-lhe à memória.
Jonathan tinha deixado bem claro que não a queria ali e agora estava, solícito, abrindo o
arquivo e indicando as histórias interessantes.
— Olhe Elias, por exemplo, tudo o que sabemos dele é que é um artista, mas não
descobrimos que tipo de artista. Não sabemos se era pintor, escultor... Ele deve ter vindo
para cá há muitos anos e é muito hábil em não deixar pistas quando sai do hospital.
Provavelmente muda de um quartinho miserável para outro, expulso por falta de
pagamento... Pobre homem!
— Desta vez a enfermeira conseguiu que ele lhe desse um endereço antes de
desmaiar.
— Já é alguma coisa, mas acho que ele foi despejado e devem ter ficado com o que
possuía, como pagamento do aluguel.
— Mas será que ele não poderia recorrer a algum tipo de auxílio?
— Poderia, sim, mas homens como Elias são muito orgulhosos para aceitarem
caridade, é assim que ele encara os serviços da Assistência Social; além do mais, como
já lhe disse, isso significaria ser mandado de volta à Inglaterra, que ele não considera
mais sua pátria. A pátria dele é Hong Kong. Ah, aqui está um outro caso... – Ele pegou
uma outra pasta no arquivo e colocou na mesa.
Diana abriu-a com ansiedade. Os dados se referiam a um homem de Yorkshire que
chegara em Hong Kong, trabalhando numa agência de viagens. Pouco depois, a agência
fechou e o jovem passava de um emprego para outro, sem ter nada de definitivo, mas não
se incomodava Com isso desde que pudesse continuar em Hong Kong.
— Preferiu essa vida de obscuridade aqui do que tentar o sucesso em outro lugar —
explicou Jonathan. — Afinal, envelheceu, a saúde ficou debilitada e ele acabou vindo
parar no Kinsale. Isso foi quando o superintendente ainda era meu pai. O Serviço de
Assistência Social foi informado e entrou em contato com os parentes dele, na Inglaterra,
descobrindo que eram pobres e não tinham condições de pagar a passagem de volta

Livros Florzinha - 23 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

dele. Assim que ele se recuperou, e ficou bom para viajar, a Assistência Social arranjou a
volta dele e todos pensaram que nunca mais o veriam. Mas não foi o que aconteceu. Lá
na Inglaterra ele arranjou emprego num navio que vinha para cá e assim que o navio
aportou aqui ele sumiu pela cidade. E todas as vezes que caía pelas ruas era mandado
de volta, sempre arranjava um jeito de voltar para Hong Kong, até que acabou morrendo
de velhice no Kinsale, mas feliz por estar aqui.
Diana pegou outra pasta e leu uma história semelhante. E várias outras, de viúvas
inglesas, pobres que recebiam pensões do governo que mal davam para subsistirem.
— Elas ficam sempre nos salões de chá do Hotel da Península, ou no Mandarim. Não
que elas morem lá, pois o dinheiro não dá para isso. Moram em quartinhos alugados, mas
fazem questão de manter a dignidade frequentando esses lugares chiques, onde são
sempre tratadas com respeito e consideração, embora não sejam ricas. Procuram sempre
estar com as roupas bem cuidadas, apesar de não serem caras. E ficam lá matando o
tempo até a hora de voltarem para o quarto pobre e solitário, num beco qualquer. Mas
preferem continuar aqui, porque já criaram raízes e a Inglaterra se tornou uma terra
estranha para elas. Com a idade, fica mais difícil mudar os hábitos... E afinal acabam
todas aqui, doentes ou senis.
— Mas, e essas aqui que são jovens? — perguntou Diana, folheando outra pasta.
— Ah, as jovens! Essas são o maior problema. Nós ainda podemos cuidar e ajudar as
idosas, mas as jovens não nos deixam fazer isso. São garotas que vieram para cá como
governantas, dançarinas de teatro de revista ou de cabaré, ou até mesmo secretárias.
Hong Kong as seduz e ela caem na armadilha. Enquanto estiver trabalhando aqui você
vai surpreender com o número de garotas, de todas as nacionalidades, que acabam aqui
e se recusam a voltar para suas pátrias. As casas noturnas, as boates, as discotecas e
até mesmo as casas de massagem estão cheias delas, isso enquanto são jovens e ainda
atraem os homens.
— E depois, o que acontece?
Jonathan encolheu os ombros num gesto desolado de quem tem pena.
— Depois disso, as que têm sorte conseguem empregos como caixas em bares ou
coisas desse gênero. Esse é o lado trágico de Hong Kong, mas não é o predominante.
Existem também as garotas chamadas “acompanhantes". Elas trabalham para agências
que fornecem companhia por uma noite para homens de negócios ou senhores ricos, que
pagam adiantado uma taxa caríssima. Mas também as moças são de categoria, todas
têm ótima educação, bom nível cultural, conversam sobre qualquer assunto e falam várias
línguas, Além disso são ótimas ouvintes, elegantes, refinadas e bonitas. Quando elas
gostam do cliente, às vezes ficam mais tempo com ele do que foi pago. Se não querem,
ninguém pode obrigá-las e se o cliente insistir entra na lista negra da agência e não pode
mais recorrer aos serviços dela. Essas moças sabem se cuidar muito bem e os homens
sabem que o relacionamento é meramente profissional. Elas ficam com a gente por que
estão sendo pagas para isso. Mas de certa forma uma companhia comprada é sempre
insatisfatória...
Ele disse “ficam com a gente". Será que ele já chamara alguma dessas garotas?
Diana começou a considerá-lo sob outro aspecto. Seria possível que ele, com toda aquela
aparência de frieza, sentisse solidão e precisasse recorrer a isso?
Jonathan reuniu as pastas e guardou-as nos arquivos.
— O Kinsale foi fundado para atender pessoas como o velho Elias. A intenção inicial
era de só receber pacientes ingleses, mas agora, desde que haja leitos vagos, não
recusamos tratamento a ninguém, seja lá de que nacionalidade for. Nossa maternidade,
por exemplo, tornou-se bastante popular entre os chineses. Várias famílias só permitem
que suas mulheres façam o parto aqui. Famílias como a dos Yengtoh...
— Os costureiros?

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— É... você nem imagina quantas crianças Yengtoh nasceram aqui!... A supervisora
poderá lhe contar melhor essa história e lhe dizer como as parturientes mostram sua
gratidão, embora eu seja contra isso. Acho que nossa obrigação aqui é cuidar das
pessoas, sem esperar retribuição ou privilégios. Faço questão de que o atendimento
médico desse hospital seja dos melhores.
Depois, para surpresa de Diana, Jonathan perguntou se ela estava se adaptando bem
e acrescentou que esperava que estivesse gostando. Ela não pôde deixar de sorrir
satisfeita. Para um homem que dissera que não a queria por ali, esse era um grande
progresso.
Jonathan olhou para ela de modo diferente, com interesse. Diana ficava linda quando
sorria e nem mesmo ele, com todo rancor que tinha pelas mulheres, podia deixar de notar
isso. Será que aquilo que o pai dissera sobre a moça era verdade? Será que ela era algo
mais além de uma mulher bonita de avental branco?
— E o que está achando de Hong Kong? — ele perguntou.
— Ainda não tive oportunidade de conhecer muito bem.
Para seu espanto Jonathan riu e o rosto dele se transformou por completo, a frieza, o
ar distante, a reserva... tudo desapareceu como por encanto: E essa nova imagem mexeu
com Diana! Pela primeira vez, desde que terminara com Clive, sentiu que seu corpo
respondia ao apelo de uma presença masculina e uma onda de simpatia invadiu seu
coração.
— Então, precisamos corrigir essa falha imediatamente. Você tem estado tão ocupada
desde que chegou, que até peço que me desculpe por mantê-la tão...
— Ora, doutor, eu é que peço desculpas. Não quis dizer isso. Eu vim para cá para
trabalhar.
Ele lhe lançou, um olhar profundo que ela não soube interpretar, não podia saber que
ele estava lembrando o conselho do pai e olhava para ela como realmente devia... sem
preconceito e rancor. E o que ele descobriu deslumbrou-o. Não conseguia mais parar de
olhar para ela.
Num movimento brusco Jonathan se virou e abriu a porta para Diana. E, quando ela
passou por ele, Jonathan notou bem o brilho dos cabelos e teve vontade de tocá-los.
Pareciam tão macios! Com esforço conteve o impulso de estender a mão e ficou
observando-a se afastar; até que ela desapareceu no corredor. Então ele voltou ao
escritório.
Por algum e tempo ficou olhando pela janela. Viu o telhado do Teatro Municipal Lee e
lembrou-se de que já deviam ter começado os preparativos para o Festival Anual de Artes
para o qual vinham orquestras do mundo todo, além de grupos de teatro e balé. Ele ainda
não olhara o programa desse ano, embora já houvesse um sobre sua mesa. Mas como
sempre, compraria entradas para ir com o pai e alguns convidados. Essa era as duas
únicas ocasiões em que ele se afastava do hospital por mais tempo.
Sem querer, começou a pensar se Diana gostava de música clássica como ele, ou
não. Ou, quem sabe, se preferia balé ou teatro... Quando percebeu em que assunto
estava pensando ficou tão admirado que afastou-se da janela bruscamente e voltou ao
trabalho com certo esforço.
Estranho, mas há muito, tempo que não precisava se esforçar para se concentrar no
que fazia...

CAPÍTULO V

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Aquela tarde Diana foi dispensada do plantão, fato que a surpreendeu. Chris irrompeu
a sala dos médicos, feito um furacão, de dedo em riste apontando para ela
acusadoramente.
— Ah, muito bonito, não é? Desta vez não vou perdoá-la, Diana. É a segunda vez em
um mês que eu tenho que desmarcar um encontro por sua causa! A primeira vez acabei
perdendo Estelle, que me deu o fora, e agora pode ser que aconteça o mesmo com uma
garota que estou tentando encontrar há um tempão, desde que a conheci na festa da
península. Logo agora que consegui...
— Ah é? Que festa foi?
— Foi o coquetel de Ano Novo, que já é tradicional. Toda a sociedade de Hong Kong
comparece, tem embaixadores e gente importante pra chuchu. Lá que eu conheci Mimi,
fiquei de olho nela o tempo todo e quando resolvi me aproximar, outro cara chegou antes
de mim... e era nada menos do que o cônsul da França.
— E o que tem tudo isso a ver comigo?
— Você está ameaçando um relacionamento bastante promissor obrigando-me a
cancelar meu primeiro encontro com ela! Levei dois meses para conseguir ser
apresentado a Mimi. — ela é a secretária do cônsul... e foi um custo chegar até ela...
— Mas pelo visto você conseguiu.
— É, mas foi uma batalha dura. Depois, mais difícil ainda foi convencê-la a aceitar um
convite para jantar comigo, hoje. E agora vem você jogar areia em tudo trocando seu
plantão com o meu! Vou ter que cancelar esse encontro que me custou tanto conseguir!
Gostaria e ar como arranjou isso!
— Se eu soubesse de que está falando, entenderia melhor porque tanta revolta. Que
tal voltar ao começo?
— O começo, — disse ele fingindo severidade — minha senhora, foi no aeroporto de
Kai Tak, quando o atraso de seu avião fez com que eu perdesse meu encontro com
Estelle. Ela disse que ficou me o esperando no saguão do Hilton mais de uma hora,
embora eu não tenha acreditado, pois ela não é de ficar esperando por ninguém tanto
tempo. Aliás, foi o que me disse depois, quando me deu o fora.
— Então você não perdeu grande coisa, pois se ela gostasse mesmo de você
esperaria e não teria dado o fora só por causa disso — retrucou Diana. — Além do mais
eu não pedi para ninguém ir me esperar no aeroporto e nem tenho culpa do atraso do
avião.
Ele reconheceu isso, mas continuou aflito e chateado.
— Se ao menos você tivesse ido falar comigo primeiro, em vez de procurar Jonathan
diretamente! Não é ele quem estabelece os plantões. Por que não veio me pedir
diretamente para fazer a permuta com você? É claro que eu não ia concordar, depois de
ter esperado tanto para conseguir esse encontro com Mimi. Mas seria diferente a
conversa entre nós... poderíamos entrar num entendimento. Agora, receber a notícia da
decisão, assim de repente, foi um impacto! Jonathan chegou perto de mim e disse que
você estava trabalhando muito desde que tinha chegado e portanto deveria ter uma folga
imediatamente, quer dizer, hoje. Ah... isso foi demais!
— Olha aqui, Chris, eu não estou sabendo de nada! Não pedi coisa nenhuma e pelo
que me consta estou de plantão até as dez horas.
— Não está, não. Eu é que estou de plantão até as dez horas. Ordens de Jonathan
que acabei de receber assim que saímos da sala de operações, embora ele não tenha
dito dessa maneira, é claro. Ele foi um pouco mais sutil. Disse que ficou preocupado
quando soube que você ainda não tinha tido tempo de conhecer Hong Kong e portanto
tinha certeza de que eu não me incomodaria de assumir o seu plantão hoje mesmo. "Ela
precisa descansar um pouco, Chris, está tão abatida...", foi o que ele disse e meu queixo
quase caiu, porque é a primeira vez que ouço Jonathan falar sobre a aparência de uma

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

mulher, e, ainda mais, mostrar-se preocupado com ela. Acho que você andou tirando
vantagem, usando o charme feminino... eu é que pago o pato. — Ele deu uma risada
ríspida. — Meus parabéns, Diana! Parece que você conseguiu realmente me vencer.
— Eu não fiz nada! Não quero prejudicar você, é claro que vou ficar aqui e cumprir
meu plantão até as dez horas, pode ficar sossegado.
— Ah, isso é que você pensa. Quando o "Grande Chefe" ordena, seus servos
obedecem. Você vai aprender isso com o tempo, se é que ainda não aprendeu. — O
cirurgião perscrutou-a sem rancor. — Ora, vamos deixar de besteira, vá logo descansar...
você merece. E talvez até seja bom eu me fazer de difícil com a Mimi... acho que não vou
perdê-la, afinal.
— E se a perder, não vai ter que procurar muito para arranjar outra. Se prestar
atenção vai ver que tem alguém aqui mesmo neste hospital — disse ela, pensando em
Chang. Mas de qualquer forma estava chateada de ter estragado o programa de Chris e
foi o que disse a ele se desculpando pelo fato.
— Não tem importância, não precisa se preocupar com isso, afinal, não é nada sério...
mas como é mesmo o nome da garota que você falou que tem aqui no hospital?
— Eu não disse nem vou dizer, Trate de descobrir sozinho!
Diana ficou sensibilizada com a atitude inesperada de Jonathan. Que homem mais
contraditório! Um homem que tinha um gesto delicado de mandar servir chá a uma
nervosa senhora recém-chegada e depois a recebia friamente, dizendo com clareza que
não desejava sua presença ali. Um homem que podia ser ríspido, seco e formal e de
repente mostrar-se compadecido com um paciente que não se lembrava do próprio nome;
que dirigia seus funcionários implacavelmente de repente, sem aviso, liberava-a do
plantão, por achar que ela estava abatida...
Jonathan era um enigma que talvez ela nunca decifrasse. Diana foi para o quarto,
tomou um banho, colocou um vestido de algodão bem leve, fez uma maquilagem ligeira e
saiu em direção ao Parque Kowloon. Depois entrou na rua Nathan onde havia uma
porção de lojas e enquanto caminhava percebeu que estava pensando demais em
Jonathan... Como se explicava isso? Ela não tinha antipatizado com ele logo de início?
Continuou caminhando até que chegou num grande "shopping-center" bem em frente
à enseada. De lá do terraço do primeiro andar avistava os navios ancora s no porto e
parou um pouco para observar e respirar a brisa que vinha do mar. Havia navios de todas
as nacionalidades, conforme indicavam as bandeiras nos mastros. Ficou ali até que
começou a escurecer e as luzes se acenderam e só então resolveu olhar as lojas. Havia
de tudo para vender: joias, marfim e jade, artigos de couro, artesanato chinês... e quadros
com pinturas a fizeram lembrar de Clive.
Os melhores cenários que ele tinha criado eram justamente os que fizera para balés e
óperas com temas Orientais, como por exemplo o da Madame Butterfly. Clive tivera um
professor de arte que gostava muito de temas orientais e despertara nos alunos esse
mesmo gosto. Diana acompanhara esse processo e assimilara muita coisa, por isso agora
admirava aquelas telas desejando que Clive estivesse junto com ela para poder vê-Ias
também.
Lá estava ela pensando de novo em Clive... sempre as lembranças voltando à
memória, torturando... machucando... Lembrou-se da primeira vez que Clive a levou ao
estúdio dele. Uma casa velha, num bairro meio afastado, que ele comprara por ser
espaçosa e proporcionar condições de criar grandes cenários. Foi lá que ele a beijou pela
primeira vez, "bem no meio de um jardim chinês" como ele comentou com ternura. E foi
nesse cenário que ela experimentou as carícias mais ousadas que arrebataram seu
coração e foram destruindo aos poucos sua resistência... depois disso não controlaram
mais a paixão. Várias vezes fizeram amor entre as pinturas que depois iriam decorar o
palco de algum balé famoso...

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Com muito esforço ela voltou à realidade. Viu as lojas cheias de gente entrando e
saindo, aqueles rostos orientais que passavam por ela. Suspirou e continuou a andar sem
olhar para os lados, pois não queria mais ver as telas expostas nas lojas que lhe trariam
mais recordações de seu amor perdido para sempre. Clive era tão inteligente e
talentoso... ela sentia tanto orgulho dele. Ah! como era difícil esquecer algo que fora tão
marcante em sua vida, alguém que tivera tanta importância, alguém para quem se
entregara de corpo e alma!
Tinha que procurar se convencer de que ele saíra de sua vida de uma vez por todas e
jamais voltaria! Pelo menos, ali em Hong Kong, tão longe dele, não corria o risco de
encontrá-lo de novo para sentir sua indiferença que tanto a magoava.
E de repente levou o maior susto quando viu o nome dele num cartaz afixado na
parede. Firmou a vista ainda incrédula e lá estava: "Cenógrafo: Clive Field".
Diana ficou paralisada, olhando fixamente para o cartaz anunciando uma companhia
de teatro de Londres, que representaria Sheakespeare no Teatro Municipal Lee, como
parte da programação do festival de arte.

CAPÍTULO VI

Não tinha ideia de quanto tempo ficara ali parida como se estivesse pregada no chão.
Perdera a noção de tudo, a não ser do redemoinho de emoções contraditórias que a
agitava por dentro. Era um misto de euforia e medo: queria muito ver Clive outra vez, mas
a ideia a apavorava. Não contava com esse encontro depois de ter ido para tão longe
dele.
Era muita ironia do destino! Diana não se conformava. Como podia acontecer uma
coisa dessas?! Os pensamentos giravam confusos em sua mente enquanto ela olhava
fixamente para o nome dele que parecia crescer no papel, cada vez mais. "Cenógrafo:
Clive Field". Será que ele viria junto com a companhia de teatro? Certamente viria, pois
fazia parte do trabalho dele supervisionar a montagem, ainda mais que essa era uma
companhia importante! Só depois de ter conhecido Clive é que Diana ficou sabendo
quanto trabalho tinha um cenógrafo durante a montagem de uma peça, não era só a
criação dos cenários.
Em seguida, quase que automaticamente, passou os olhos pelos outros nomes que
compunham o elenco; todos eram conhecidos. Howard Butler no papel titular, Godfrey
Trease, coadjuvante… depois as mulheres: Glória Dickson, atriz principal, Phillida Brent,
coadjuvante, Ethel Marchant ...ela conhecia todos de nome porque Clive vivia falando
neles, principalmente em Glória. Lembrava-se de uma vez em que ele comentara: "Ela é
extremamente dedicada, não deixa que nada interfira em sua carreira... é por isso que vai
longe!"
Diana tomara aquilo como um simples comentário, sem desconfiar de coisa alguma.
Mas será que estava havendo algo entre eles naquela época? Será que Glória era sua
rival? Podia ser coincidência, mas Clive começara a esfriar com ela desde que entrara
para aquela companhia de teatro e conhecera Glória. Na época não ligara as coisas, mas
depois que se separou de Clive começou a estabelecer as relações e pensar nessa
hipótese. Lembrou-se de que ele começou a falar cada vez mais de Glória em suas
conversas.
Sentiu um calafrio só de pensar nisso tudo outra vez, apesar do calor que estava
fazendo naquele fim de tarde de fevereiro. O festival de arte teria início no dia vinte e seis
de fevereiro e fria até vinte e cinco de março, o que significava que Clive devia estar para
chegar junto com a companhia. Certamente viriam um pouco antes para preparar a
montagem e ensaiar, antes da abertura do festival.

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No terceiro andar do hospital, longe de enfermeiras e salas de operação, ficava um


escritório onde eram arquivados todos os papéis referentes ao trabalho dos médicos e
cirurgiões. No dia seguinte, depois de ter terminado o relatório daquela manhã, Diana foi
para a sala ao lado que era o lugar de descanso. Às vezes tinha algum médico de outro
hospital fazendo visita, mas naquele dia só Chris estava lá quando ela entrou. Ele a
recebeu com um sorriso jovial.
— Oi! Chegou na horinha. Acabaram de trazer um café quentinho!
Ela se serviu de bom grado. Depois de uma noite mal dormida, estava mesmo
precisando de um estimulante para se manter acordada.
— Aproveitou bem sua folga, ontem? O que você fez?
— Dei uma volta por aí, passei pela enseada e olhei as lojas.
— Não me diga que ficou na rua até anoitecer!
— Para falar a verdade nem percebi...
Chris percebeu o tom de cansaço na voz dela e a expressão preocupada no olhar.
— A vida está muito dura para você, aqui no Kinsale? — ele perguntou enternecido.
— Não. O trabalho não tem apresentado dificuldades...
— ...mas o fato de você ser a única mulher exercendo a medicina, aqui, é um
problema, é isso que quer dizer?
— Não, não é isso. Todos vocês, colegas, têm me tratado muito bem.
— Menos um, não é? Eu avisei você, lembra? Mas eu pensei que já o tivesse
conquistado quando o vi tão preocupado por achar você abatida e ter lhe dado folga
ontem. Fiquei impressionado, mesmo, com isso! E acho que você devia se animar com o
fato. Ou não é isso? Será que está com saudades de casa?
Ela se lembrou do pequeno apartamento de Londres, bem embaixo do de Clive, e das
horas que os dois passavam juntos ali, sempre que Pearl estava viajando. Depois
lembrou da casa dos pais em Somerset, do consultório dele sempre cheio, e do casarão
de interior, acolhedor e pitoresco, que tinha sido seu lar até que saíra para estudar
medicina em Londres, e sem querer sentiu uma onda de nostalgia e saudade da
segurança e conforto que sentira na infância.
Como a vida era simples naquela época! Não havia nada com que se preocupar a não
ser com o estudo e as provas na escola! Lembrou-se que o sonho do pai era que ela
trabalhasse com ele quando se formasse, mas ele fora muito compreensivo quando ela
falou sobre o emprego em Hong Kong e sua decisão de partir. Ele aceitou o fato, sem
criar complicações, dizendo que seria uma boa experiência para ela e um bom avanço em
sua carreira.
Seu pai sabia de Clive, é claro, mas foi discreto e não tocou no assunto, apenas ao
despedir-se dela com um beijo na testa comentou meio desajeitado: "Lembre-se, minha
filha, onde quer que vá não poderá fugir do amor". Desajeitado porque não era do feitio
dele falar de amor ou ter atitudes sentimentais. Mas devia estar comovido com a partida
da filha.
E como ele estava certo! Diana não podia deixar de dar razão ao pai. Viera para tão
longe mas trouxera consigo todos os sentimentos e todas as lembranças de Clive. E além
do mais, agora, acabara de descobrir que Clive viria para Hong Kong também.
Tentou consolar-se pensando que era pouco provável que viessem a se encontrar. Ela
estava ocupadíssima com o trabalho no hospital, não saía à noite, não frequentava
teatros, nem lugares onde pudesse encontrar esse pessoal do meio artístico. Só se o
encontrasse por acaso na rua, fazendo compras. Mas era só evitar os lugares mais
populares, durante a época do festival e não correria esse risco.
Subitamente percebeu que Chris estava lhe dizendo algo, mas só captou o fim da
frase.

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— ...poderíamos fazer isso juntos, se você quisesse.


Diana olhou para ele e se desculpou.
— A h... desculpe, mas meu pensamento estava a quilômetros daqui. ..
— É, eu percebi. Eu estava dizendo que poderíamos fazer alguns passeios juntos se
conseguirmos que nossas folgas coincidam. Gostaria de lhe mostrar a cidade, aliás, não
convém que uma garota como você ande sozinha pelas ruas de Hong Kong.
— Eu gostaria muito... obrigada.
Nesse instante a porta abriu e entrou um dos médicos-residentes.
— Sabe com quem saí? Com a sua Mimi — ele foi dizendo, assim que viu Chris. —
Levei-a para jantar no Hugo... foi caro pra chuchu mas valeu a pena!
— Que diabo! Como é que conseguiu isso? Eu não disse aonde nós íamos nos
encontrar...
— Nem precisava. Eu telefonei ao Consulado Francês e pedi para falar com a
secretária do cônsul. Quando ela atendeu, eu disse que você pedia desculpas mas não
poderia comparecer ao encontro. Depois me ofereci para substituir você e levá-la para
jantar. Ela aceitou na hora. E nós fomos. Quando a levei para casa, na hora de nos
despedirmos, eu a beijei e ela não reclamou, pelo contrário, correspondeu... e como! Ah,
que garota!
— Lembre-se de que ela é francesa — retrucou Chris. – Beijou você só para
agradecer pelo jantar. Nada mais do que isso!
— Bem que eu desconfiei... — disse Maynard em tom de brincadeira.
Chris deu um sorriso, piscou para Diana e saiu.
— Ah, esse cara precisa amadurecer! — disse Maynard, servindo-se de café que
tomou num gole só. Dali a dez minutos deveria estar na sala de operações.
— Como é essa tal de Mimi? É muito bonita? — perguntou Diana.
— Ah, é um tipo bem comum. Não tem nada de especial. Está cheio de garotas como
ela por aí. Chris devia prestar mais atenção às pessoas que estão mais perto dele. Aqui
nesse hospital tem uma porção de enfermeiras bem mais atraentes e interessantes do
que essa secretária do cônsul!
Diana concordou com ele, pensando em Chang. Quando será que Chris iria perceber
que aquele amor de garota estava apaixonada por ele?
Maynard tinha acabado de sair quando a porta se abriu de novo e Jonathan entrou.
Diana surpreendeu-se. Era muito raro ele ir à sala dos médicos, talvez para não
constranger os outros com sua presença, devido ao cargo que ocupava, ou talvez por se
sentir um intruso e não ficar ali à vontade. Assim que entrou ele foi dizendo quase como
se estivesse se desculpando, com certa timidez.
— Sei que aqui sempre tem café a essa hora... será que posso roubar um pouquinho?
Ela se admirou mais ainda, pois tinha visto levarem café na sala dele há apenas uns
quinze minutos. Mesmo assim apressou-se a servi-lo.
— Parece que a folga não adiantou muito — ele comentou, perscrutando-a. — O que
foi que você fez ontem?
— Passeei. Andei por aí, olhando as lojas...
— Mas isso deveria ter feito bem a você!
— E fez!
Ele olhou para ela desconfiado e perguntou:
— Você dormiu bem esta noite?
— Dormi — mentiu ela.
— Não parece, a julgar pela sua aparência... Você está com olheiras. Não estou
gostando disso.

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Diana ficou perplexa. Nunca imaginou que ele tivesse uma percepção tão aguçada
assim, a ponto de notar essas coisas nela. Como se tivesse lido os pensamentos dela,
Jonathan acrescentou:
— Estou pensando no hospital, por isso me preocupo. Médicos cansados ou
indispostos não servem para mim, nem para os pacientes.
— Ou será que quer dizer que uma médica não serve para você? — ela retrucou
impulsivamente.
— Na falta de alguém melhor, tenho que me contentar com uma médica, mesmo.
Ela percebeu que o provocara e que ele reagira assim para castigá-la,
— Desculpe, — ela disse — não tive intenção de ser petulante.
— Mas foi! — ele respondeu, rindo. -Você se sentiu melindrada e deu o troco, numa
reação tipicamente feminina.
Diana sentiu que tinha enrubescido e desviou o rosto. Mas ele a segurou pelo queixo,
de leve, fazendo com que ela o encarasse, depois olhou-a nos olhos, bem fundo, e foi
aproximando o rosto devagar até que seus lábios se uniram, num momento de loucura e
abandono. Naquele instante eram apenas um homem e uma mulher que se sentiam
mutuamente atraídos. Ela gostou do beijo, do calor daquela boca bonita e da sensação
que provocou nela. De repente, entretanto, ele a afastou bruscamente como se tivesse
recobrado a razão e saiu sem dizer uma palavra, batendo a porta atrás de si.

Os olhos cansados do velho Elias examinavam a enfermeira. Percebeu que uma


pessoa se aproximava... uma garota bonita de cabelos ruivos e avental branco. Ela parou
ao lado da cama de Elias e falou com a enfermeira que estava ali, dizendo que havia um
outro paciente precisando dela. Depois tomou o pulso do velho enquanto ele a olhava
com ar de curiosidade. Quando percebeu o estetoscópio aparecendo no bolso dela,
resmungou descontente.
— Meu Deus! Não me diga que você é médica! Eu não quero ser examinado por uma
mulher!
— Quer dizer que também tem preconceitos contra mulheres! O azar é do senhor, não
meu! E fique sabendo que foi examinado por mim quando chegou no hospital, embora o
senhor não se lembre, e vai continuar a ser enquanto eu estiver encarregada do seu caso.
O que tinha dito parecia ríspido, mas o olhar e o tom de voz eram brandos. Elias olhou
para Diana com interesse, analisando aquele rosto bonito. Era uma' beleza marcante,
pouco comum. Depois ele riu.
— Quer fazer o favor de virar para a luz? Eu quero ver melhor seu rosto... Isso a
surpreende?! Ah... sem dúvida você é nova por aqui, do contrário não se admiraria com o
que digo. Ninguém mais liga para as coisas que eu falo... já estão acostumados.
— Aposto como todo mundo mima o senhor, não é?
— Nada disso! Por que mimariam? Não sou nenhum velho gagá.
— Estou vendo que não é mesmo — disse ela sorrindo e começou a examiná-lo.
— Ei, você é corajosa, sabia? Eu gosto de mulher corajosa. Deixe-me analisar esse
seu rosto devagar... eu gosto dele. Quando sair daqui vou pintar seu retrato!
Havia um certo tom de desespero na voz dele. Sabia muito bem que jamais pintaria de
novo. Há anos que perdera a inspiração, a capacidade... ou talvez tivesse perdido a fé em
si próprio. Mas é difícil manter-se confiante e seguro quando não se ganha o suficiente
nem para comprar telas e tintas. A ansiedade começa a minar a autoconfiança.
— Quero ver o senhor cumprir essa promessa. Eu vou cobrar.
— Que promessa? — ele perguntou, porque estava distraído com suas lembranças.
— A de pintar meu retrato. Nunca ninguém fez isso e acho que vou gostar.

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— É mais provável que não goste — ele resmungou. — Você ia achar cansativo e
chato posar para mim. Nunca tive um modelo que não reclamasse que eu demoro muito e
que não vale a pena.
— Eu garanto que não vou me queixar. Para uma médica que corre o dia inteiro de cá
para lá atendendo doentes no ambulatório, na enfermaria e no pronto-socorro, parece
uma proposta bastante atraente essa de ficar sentada, imóvel, durante um longo período.
É um santo remédio!
O velho Elias não respondeu, e seu olhar ficou novamente absorto. Estava pensando
que sua carreira de pintor já estava terminada, o talento morrera, jamais conseguiria
manejar de novo tintas e pincéis. Estava acabado! Ainda bem que ali ninguém sabia
quem ele era.
Sentiu a mão da garota em seu pulso. A pulsação estava fraca e irregular, o corpo
estava definhando, só pele e ossos.
— A enfermeira vai lhe trazer um caldo de galinha. Quero que tome tudo direitinho e
depois durma. Promete que vai fazer tudo o que eu pedir? Eu soube que da última vez
que esteve aqui, o senhor saiu do hospital por conta própria, sem ter recebido alta e sem
estar devidamente recuperado.
— Um homem não pode ficar aceitando a caridade alheia para viver, ele deve lutar
para ganhar a vida.
— Mas também ele não pode ganhar a vida se não estiver apto para trabalhar, quer
dizer, se não estiver com a saúde boa. Eu pretendo deixá-lo em forma, forte e saudável,
para que possa trabalhar melhor do que nunca, mas não posso fazer isso sem sua ajuda.
O senhor vai ficar em dieta de superalimentação, que começa com coisas leves, só
líquidos e gradualmente vai aumentando até chegar aos alimentos sólidos e bem
nutritivos. Só vou deixá-lo sair daqui quando estiver forte como um touro!
Os olhos dela brilharam, brandos e bem-humorados, de tal modo que Elias não ousou
discutir. Em todo caso, tinha certeza de que a ideia de ganhar a vida com sua pintura,
como antigamente, era uma ilusão.
Como se lesse o pensamento dele, Diana disse com firmeza:
— Estou falando sério, portanto tome nota do que eu disse! Quando estiver forte e
saudável não terá motivo algum que o impeça de pintar!
— Minha época já passou, estou acabado — ele murmurou.
— Uma pessoa só está acabada quando se entrega e eu não vou deixar o senhor
fazer isso. A h... aí vem o caldinho de galinha. Não quero que deixe uma só gota, ouviu
bem? — Ela deu um sorriso animador e se afastou.
Jonathan que estivera por perto o tempo todo e escutara a conversa aproximou-se
mais. Elias olhou para ele e balançou a cabeça, como quem está muito fraco.
— Essa aí sabe o que quer... — ele comentou.
— O senhor sabe que ela tem razão no que disse – retrucou Jonathan.
A enfermeira entregou a Elias a vasilha com o caldo e o velho riu.
— Ah, aí está minha mamadeira! Enfermeira, você acha que estou na segunda
infância?

Mae Wong estava em seu elemento quando tinha que receber e entreter convidados,
tanto orientais quanto ocidentais, adorava fazer isso e ao menor pretexto convidava os
amigos e conhecidos para uma reunião. A chegada repentina da cunhada, Pearl, era
portanto uma boa desculpa para uma festa. Principalmente porque ela viajara com os
artistas de uma companhia de teatro de Londres dos quais conhecia uns dois ou três.
Além disso, Lee Wong era um eminente advogado em Hong Kong e tinha estreitas
ligações com o comitê do festival, o que justificava uma festa de recepção para os
artistas.

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Jonathan não tinha dúvidas de que aquela noite seria agradável como sempre,
embora ele não fosse muito amigo de festas. Por trás de sua atitude reservada e distante,
havia uma certa timidez que era em grande parte responsável por sua fama de anti-social.
Entretanto, gostava muito dos Wong e jamais cometeria a indelicadeza de recusar um
convite de Mae, embora preferisse ficar em casa com seus livros e seu cachimbo.
Ele morava numa casa ao lado do hospital, no mesmo terreno, o que era uma faca de
dois gumes, pois estando tão perto de seu trabalho, ele praticamente trabalhava vinte e
quatro horas por dia. É verdade que era muito dedicado, mesmo, mas às vezes sentia
necessidade de uma certa privacidade, de uma vida própria, independente do hospital.
Sem saber por quê, começara a sentir isso ultimamente com muita frequência e o que era
ainda mais inexplicável, começara a perceber a solidão que era sua vida.
A noite estava clara e a brisa fresca, por isso ele resolveu não ir de carro pelo túnel.
Preferiu andar um pouco e pegar a balsa para Hong Kong. Enquanto caminhava
começou, sem querer, a pensar em Diana, embora relutasse em lembrar aquele momento
de loucura e paixão que acontecera inexplicavelmente entre eles. Preferia não pensar no
motivo que ocasionara aquilo, que o fizera perder a razão, apenas estava decidido quanto
a um aspecto... aquilo não iria acontecer outra vez, nunca mais. Quando encontrasse com
ela, sua atitude seria fria e meramente profissional. Não encontrá-la mais seria o melhor,
mas trabalhando no mesmo hospital isso seria impossível, por tanto jamais deveria
demonstrar que se lembrava daquele momento.
Começou a pensar em Diana como profissional e foi obrigado a admitir que como
médica ela era muito competente, o trabalho não a assustava. Não pôde deixar de se
surpreender com o veredicto. Ele imaginara que uma moça da idade dela estivesse mais
interessada em vida social, em fazer amizades, frequentar festas... contudo em seu
primeiro dia de folga preferira passear sozinha...
Será que ela não tinha amigos em Hong Kong? Será que não saíra do hospital com
alguém naquele dia? Afinal, ela não dissera que saíra sozinha e era de se supor que uma
moça bonita tivesse sempre alguém para lhe fazer companhia! Em todo caso não tinha
sido Chris, pois ele ficara de plantão. De certa forma esse pensamento o confortou e
também o fato de ter sido ele o responsável por isso lhe deu uma certa satisfação naquele
momento.
Enquanto cruzava a enseada, Jonathan se perguntou por que diabos essa garota não
lhe saía do pensamento. Não podia estar apaixonado por ela! Como podia amar uma
pessoa que mal conhecia?!
Diante da casa dos Wong havia vários carros estacionados. A festa devia estar no
auge, cheíssima de gente, portanto seria fácil passar despercebido, fazer um pouco de
hora e ir embora cedo. Jonathan foi recebido pelo mordomo e depois de ter
cumprimentado Mae e Lee e ter sido apresentado a Pearl, ele se afastou discretamente e
misturou-se à pequena multidão que lotava a sala. Tudo estava como sempre. Odores de
perfumes caros, vozes e risos, fumaça de cigarros, tilintar de copos. Não havia o menor
indício de que essa noite seria diferente das outras.
Serviram-lhe uma bebida e, para fugir da aglomeração, ele procurou um canto mais
sossegado... e de repente deu de encontro com Diana. O cabelo dela brilhava como
nunca e o vestido que usava salientava com elegância as formas do corpo bem feito. Ele
quis voltar para trás como se não a tivesse visto, mas era tarde demais.
Mae, que estava passando por ali, parou entre os dois e disse com a cordialidade de
uma anfitriã:
— Bem, vocês não precisam ser apresentados, não é mesmo? Fiquem à vontade... —
Ela sorriu e desapareceu.
A sós no cantinho Jonathan e Diana ficaram em silêncio por alguns instantes até que
ele percebeu que ela apertava os dedos. Então ela também estava nervosa!? Isso o

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surpreendeu pois ela parecia fria e segura! Mas, se estava nervosa, certamente não seria
por estar se lembrando do momento apaixonado que houve entre eles. Ela devia ter sido
amada por muitos homens, bonita e jovem como era! Devia conhecer muito mais sobre o
amor do que aquele simples beijo! Por tanto devia ter considerado o acontecido como um
incidente sem importância, coisas de momento, que logo são esquecidas.
Mas não era o que acontecia com ele. Não costumava ser leviano, já passara da idade
dessas coisas, agora era controlado e sério em suas emoções.
Entretanto o nervosismo dela e a súbita timidez eram de certa forma tocantes, por isso
ele sorriu com simpatia e viu a expressão de alívio nos olhos dela. Aqueles olhos não
conseguiam esconder os sentimentos.
— Espero que esteja gostando da festa — ele disse desajeitadamente.
— De certa forma estou. Gosto de ficar observando as pessoas... toda essa gente
sofisticada... Nunca fui muito a festas, só algumas, enquanto morei em Londres, mas era
coisa de estudantes. Na minha cidadezinha a vida era muito calma. Se pelo menos Pearl
não estivesse tão ocupada com os convidados! Nem pudemos conversar direito. Ela
morava comigo no apartamento de Londres.
— Então, é melhor aceitar a minha companhia como substituto. Espero que não ache
a ideia muito desagradável, principalmente depois do nosso último encontro. Aliás,
gostaria de pedir desculpas pelo que houve.
— Ora, eu já esqueci o que houve — ela respondeu displicente.
Então realmente não significara nada Rara ela, tal como ele imaginara! Arrependeu-se
de ter pedido desculpas e só para mudar de assunto e puxar conversa ele disse ao acaso:
— Você veio sozinha para Hong Kong. E a sua família, como é?
— Ah, bem comum e calma. Meu pai é médico e minha mãe morreu quando eu era
pequena. Depois disso, papai dedicou-se inteiramente ao trabalho... Não foi egoísmo
dele, é que ele adorava mamãe e procurou sublimar o sofrimento trabalhando com afinco.
E conseguiu.
Jonathan imaginou a criança solitária que ela devia ter sido, nascido de duas pessoas
que praticamente deviam viver uma para a outra. E depois, o pai isolado em sua dor, com
a morte da esposa, e ela mais só ainda.
— Quer dizer que escolheu a medicina porque era o que seu pai queria? Por acaso
pensou alguma vez em seguir outra profissão?
— É claro que não!
— Dócil e obediente... — ele murmurou.
Ela enrubesceu.
— Ao contrário, a medicina sempre me interessou e não vejo razão para me
ridicularizar.
— Não estou ridicularizando. Estou simplesmente entendendo você, talvez pela
primeira vez.
Antes que ela respondesse qualquer coisa, abriu-se um súbito vazio entre os grupos,
por onde Jonathan viu um homem alto e extravagante entrar na sala acompanhado de
uma mulher que de imediato atraiu todos os olhares, principalmente o dele. Ele ficou
atônito, olhando fixo, alheio a todas as outras coisas. No estado em que estava, apenas
percebeu cegamente que Diana abafara uma exclamação de surpresa, mas só mais tarde
lembrou-se disso. Naquele instante a única coisa que havia no mundo era aquela garota
que acabara de entrar, Glória, a jovem com quem pretendera se casar um dia.

CAPÍTULO VII

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Jonathan nunca imaginou que fosse encontrá-la de novo, porque a separação tinha
sido definitiva e amarga, haviam discutido e dito coisas irreversíveis.
— Se você tivesse um pouco mais de juízo, Jonathan, você sairia desse hospital em
Hong Kong e viria trabalhar num bom hospital londrino, aí sim, nós dois poderíamos
cuidar de nossas carreiras. Você não tem o direito de esperar que eu abandone a minha,
só para me tomar uma simples dona-de-casa, enfiada lá naquela cidade do outro lado do
mundo! Eu morreria de tédio! Eu sou uma atriz, e por sinal muito boa, e minha carreira é
tão importante quanto a sua!
Todas as palavras e cenas voltaram a sua mente num turbilhão; o delírio de amor, a
desilusão, o sonho desfeito. Tinha sido um caso de amor à primeira vista, pelo menos da
parte dele, cheio de paixão e ardor e Jonathan acreditava que quando terminasse seu
estágio de um ano em Londres, Glória iria com ele para Hong Kong, mas ela logo o fez
perceber que essa ideia da esposa seguir o marido onde quer que ele fosse trabalhar era
mais do que ultrapassada e totalmente antiquada; viviam discutindo por isso, entre um
encontro apaixonado e outro até que. o romance tempestuoso terminou.
Mais tarde, refletindo sobre o caso deles, Jonathan achava às vezes que tinha sido
possessivo em seu amor e se culpava inteiramente pelo rompimento, mas também
lembrava-se das noites em que voltava do hospital e encontrava no apartamento vazio
apenas bilhetinhos com recados: "Querido, se quiser me ver, vá ao teatro, você pode
esperar no meu camarim e depois do espetáculo podemos ir jantar em algum lugar." Ou
então: "Não me telefone, amor. Hoje o espetáculo tem duas sessões e termina mais tarde,
e eu sei que você não gosta de ficar vagando pela madrugada..." e outras coisas desse
tipo. Tinha sido difícil aceitar isso tudo. A instabilidade era muito grande e ele vivia em
conflito, entre a paixão e revolta.
Às vezes tinha algumas horas de folga no hospital durante o dia e corria para procurá-
la, mas ela estava sempre ocupada com ensaios, gravações de comerciais para TV ou
fazendo gravação de programa em video-teipe, que assistiam juntos tarde da noite
quando ia ao ar pela televisão. Depois, ele sempre tinha que levantar cedo, enquanto ela
podia dormir até mais tarde.
Assim as coisas foram caminhando para o inevitável desfecho. Jonathan ficara
profundamente desiludido e decepcionado pois ele era um homem emotivo, sensível e
apaixonado, capaz de fortes emoções e sentimentos. Quando pessoas desse tipo são
magoadas, a dor é tão grande que em geral elas se retraem e constroem barreiras em
torno de si para se protegerem de outras mágoas e sofrimentos maiores. E foi exatamente
o que ele fez; decidiu com toda firmeza jamais deixar outra mulher se apossar de seu
coração.
Quando terminou seu estágio em Londres e ele anunciou a Glória sua intenção de
voltar a Hong Kong, ela tentou fazer chantagem emocional.
— Se você me amasse de verdade ficaria aqui comigo!
— E se você me amasse me acompanharia! Eu vim aqui para fazer esse estágio de
especialização e ficar um ano. Agora terminou e eu tenho de voltar. O Kinsale é um
hospital que sempre foi de minha família. Nem por sonho eu iria abandoná-lo para
trabalhar em qualquer outro!
— Eu também nem por sonho iria trabalhar noutro lugar que não fosse Londres, por
isso vou ficar aqui esperando você voltar. Não estou fechando as portas para você,
portanto; a decisão é sua.
A segurança dela chegava a esse ponto. Estava certa de que ele não conseguiria viver
sem ela e que voltaria correndo. Mas ele não voltou, superou tudo e conseguiu viver sem
ela. t verdade que se retraíra e nunca mais entregara seu coração. Até já se convencera
de que não era mais capaz de amar... só há pouco tempo algo começara a mudar nele,
embora ainda se recusasse a aceitar o fato e a analisar o que estava sentindo.

Livros Florzinha - 35 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Na festa, houve uma pequena excitação geral e a voz de alguém o trouxe de volta à
realidade.
— É Glória Dickson! Ela veio para o festival... ela não é um assombro? Que mulher,
puxa vida! Quem será o cara que está com ela? Será noivo dela? Parece que está
usando aliança... Seja quem for esse cara, a verdade é que ele também é uma figura
incrível! Olha só!
Logo em seguida Hammond se aproximou do filho e perguntou:
— Por acaso essa é a sua Glória, Jonathan?... A atriz que foi sua noiva? Eu não a
conheci na ocasião, mas não esqueci o nome dela. Se é Glória, meus parabéns, filho...
ela ainda não viu você. Vá falar com ela assim de surpresa, antes que ela saiba que você
está aqui. Vai ser melhor para vocês dois.
Jonathan sabia que o pai estava certo. Um encontro repentino e inesperado serviria
para testar os sentimentos de ambos. Mesmo assim ele relutou em ir ao encontro de
Glória.
Foi só então que se lembrou de Diana e da exclamação que ela havia sufocado. Virou-
se para ela.
Como todos, Diana estava olhando para os recém-chegados, mas olhava mais para o
homem, como se ele também fosse alguém emergindo de um passado. Nesse momento
Pearl aproximou-se e segurou de leve o braço da amiga.
— Sinto muito, Diana, mas eu não sabia que eles iam aparecer aqui! Eu juro que
quando escrevi a Lee não tinha a menor ideia de que eles viriam para o festival!
— Não tem importância... é claro que você não poderia saber.
— Bem... acho que foi distração minha, eu devia ter desconfiado... — disse Pearl meio
constrangida.
— Como assim? Por quê?
— É que Clive uma vez me perguntou se meu irmão tinha alguma relação com a
organização do festival, mas eu nem imaginei o que ele estava pretendendo quando...
quando...
Diana olhou a amiga com perspicácia por um longo instante, completamente
esquecida da presença de Jonathan.
— Quando ele começou a dar em cima de você. Não é isso que está tentando me
dizer? Ah... Pearl, por que você não me contou antes? Por acaso é ele o tipo esquisito e
extravagante com quem você foi vista em Londres?... E eu pensando que você estivesse
me incentivando a arranjar esse emprego aqui só para me ajudar. Mas você estava era
querendo me afastar para ficar com ele!
— Mas num certo sentido acabei ajudando mesmo... – Pearl fez uma pausa. — Bem
feito para mim, não é? Quero dizer, por ter sido usada por ele. Era só interesse... tudo o
que ele queria de mim era ser apresentado ao comitê do festival para figurar como diretor
de arte. Gostar, mesmo, ele gosta é de Glória e já faz tempo, mas nem você nem eu
percebemos isso. Homens do tipo de Clive não são fiéis nem sinceros, e ele é
tremendamente ambicioso.
Diana fechou os olhos por alguns instantes. Precisava se controlar, não podia perder a
cabeça... era demais! O fato de encontrar Clive de novo já era algo terrível, mas talvez
pior ainda fosse ouvir de sua melhor amiga a verdadeira razão por que a animara tanto a
ir para Hong Kong, bem longe de seu amor! Como fora ingênua e tola! Deixar-se enganar
assim! Entretanto, tomar consciência disso não aliviava nem um pouco a dor que sentia.
— Tome... beba isto, vamos! Vai lhe fazer bem.
Ela abriu os olhos e viu Jonathan lhe estendendo um copo. Pearl tinha se afastado e já
sumira no meio de tanta gente. Diana pegou o copo mecanicamente, bebeu o vermute e
ergueu os olhos para Jonathan. Os olhos dele eram inescrutáveis mas transmitiam a ela
uma força fazendo-a sentir-se grata por isso.

Livros Florzinha - 36 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— E agora, vamos respirar um pouco de ar fresco — ele disse conduzindo-a para a


porta do terraço.
Diana entendeu que ele estava lhe oferecendo uma oportunidade para escapar dali.
Será que ele descobrira seu segredo?
Foi nesse momento que Clive a viu. Não era difícil distingui-la, entre tanta gente
morena, com aquele cabelo alourado. Os olhares se encontraram rapidamente e a reação
de Clive foi de surpresa, depois o rosto dele se anuviou.
Pronto, estava resolvido! Agora ela não ia mais fugir, iria enfrentar a situação. Virou-se
para Jonathan e murmurou apenas.
— Com licença... acabo de ver um velho amigo...
Jonathan deixou-a afastar-se, com sentimentos confusos. Rejeição era o
predominante, depois uma certa raiva misturada com ciúmes. Ele ouvira bem a conversa
entre Diana e Pearl, e as últimas palavras dela ainda ecoavam em seus ouvidos. "Ele
gosta da Glória faz tempo... Homens como Clive não são fiéis..."
Então era esse o motivo daquela tristeza velada que seu pai percebera na jovem
médica! Diana viera para Hong Kong para esquecer um amor fracassado e por ironia do
destino o homem que ela amava estava apaixonado por Glória, sua ex-noiva! Jonathan
sorriu com amargura. Quem diria que essa noite os quatro iriam se encontrar novamente!
Que situação! Só que Jonathan conseguira encarar Glória corno alguém que tinha sido
importante em sua vida mas que pertencia ao passado. Enquanto que com Diana era
diferente. Esse homem chamado Clive parecia ser ainda muito importante para ela. Por
isso Diana se afastara em direção a ele e estava agora esperando que ele fosse ao seu
encontro.
Pelo que Pearl dissera, Clive parecia ser um tipo leviano que se divertira com as
duas... mas Diana devia tê-lo amado muito para ter vindo tão longe para esquecê-lo, e
pelo jeito ainda o amava, pois estava esquecendo o orgulho e o amor-próprio, ali parada
esperando por ele.
Jonathan teve vontade de impedi-la, de fazê-la recobrar a razão, mas deu de ombros e
se afastou. Que importância tinha isso para ele? Por que deveria se preocupar? Jonathan
também tinha seus problemas, só que preferia morrer a correr atrás de Glória ou esperar
que ela notasse sua presença. Estava pouco ligando se ela falasse com ele ou não. Teve
certeza absoluta de que o caso entre eles estava morto e enterrado. Ela lhe era
indiferente... É verdade que o súbito encontro tinha sido um choque.
Estava tentando abrir caminho até a porta. Não queria saber do conselho que o pai lhe
dera, tudo o que queria era sair imediatamente daquela festa barulhenta e não só para
fugir de Glória. É que lhe fazia mal ver Diana fazendo papel de boba, se humilhando,
esperando uma migalha de atenção. Se ela queria ser magoada de novo, então que
fosse! Como podia aceitar ser maltratada por um tipo como aquele? Cada vez mais
irritado ele abria caminho entre os convidados que estavam eufóricos por causa das
celebridades.
— Olha lá! Ela vem vindo para cá! — exclamou alguém. – Se ficarmos aqui talvez a
gente consiga ser apresentada.
— Ah, eu quero é conhecer o homem que está com ela – disse outra mulher... — Ele é
diretor de arte, muito famoso em Londres... dizem que é um cenógrafo fantástico. Ora,
que droga! Ele não está vindo para c ás, está indo para lá...
E realmente ele estava indo ao encontro de Diana que o esperava com o coração aos
pulos. Jonathan olhou mais uma vez com amargura. Como fora tolo de imaginar que ela
sentira algo com aquele beijo! É verdade que ela correspondera, mas devia ser só atração
física, sem nenhum envolvimento emocional!

Livros Florzinha - 37 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Estava tão absorvido com a cena que nem percebeu que Mãe vinha com Glória em
direção ao grupo perto dele para apresentá-la, como boa anfitriã que era. Assim, contra
sua vontade viu-se frente a frente com Glória.
Ela estava sorrindo, radiante, adorando toda aquela bajulação, espalhando seu
charme como só ela sabia fazer. Quando subitamente viu Jonathan quase perdeu o
rebolado mas, com a prática de teatro, soube disfarçar muito bem e só ele percebeu o
susto no olhar dela.
— Jonathan, meu querido! Mas que maravilha encontrar você!
— Será que foi mesmo uma surpresa? Você sabe que eu moro em Hong Kong.
— Mas não podia imaginar que iria encontrá-lo logo que desembarcasse! Acabamos
de chegar...
— Então devia estar descansando para que seu organismo se adapte à mudança de
horário e se recupere do voo prolongado.
— Sempre o médico em primeiro lugar, não é, querido?
— Sempre — ele concordou.
Mae olhava de um para o outro perplexa, seguindo a conversa cheia de
subentendidos.
— Quer dizer que já se conhecem? — ela perguntou. – Então também não preciso
fazer apresentações aqui.
— Nós nos conhecemos sim, aliás, muito bem, não é, Jonathan? — O tom de voz era
bastante significativo e ele entendeu muito bem.
Era como se o estivesse lembrando do que Glória dissera uma vez... que ele não
viveria sem ela, que ele voltaria correndo... Glória não mudara nada, realmente. Essa era
a tática que costumava usar naquela época, geralmente depois de uma briga e conseguia
sempre que ele voltasse, ela o seduzia e ele não resistia, Ela adorava fazer isso, sentir
que ele era propriedade dela... e iria fazer de novo, agora que o reencontrara. Só que ele
já estava imunizado, agora não daria mais resultado aquele joguinho.
— É, nós nos encontramos há muito tempo em Londres, mas não tivemos tempo de
nos conhecermos melhor — ele respondeu, querendo atingi-Ia.
— Não seja por isso, querido, podemos tentar agora. Vou ficar aqui um mês e meio só
para a montagem da peça e os ensaios e pretendo ficar um pouco mais, depois do
festival. Estive pensando em alugar um apartamento... preciso de umas férias
prolongadas...
A ideia lhe ocorrera só naquele momento, mas ela achou ótima, Tinha esquecido
como seu ex-noivo era bonitão, aliás, ele estava mais bonito ainda agora, atraente,
sensual, mais maduro... Será que ainda sentia atração por ela?
— Estou sempre muito ocupado no hospital, mas gostaria de encontrá-la em um lugar
mais calmo para conversarmos.
Jonathan sentiu de repente que era importante para ele fazer isso. Era preciso destruir
de uma vez por todas qualquer ideia que ela tivesse de conquistá-lo novamente. Glória
precisava saber que ele não era mais seu escravo, escravo da paixão e do desejo que ela
despertava nele. Não tinha a menor intenção de se envolver com ela de novo. O quanto
antes se esclarecesse isso, melhor.
Glória olhou-o com frieza, percebendo que ele estava distante.
— Quanta gentileza, querido, mas será que um homem tão ocupado assim vai ter
tempo disponível?
— Eu arranjo um tempinho, não se preocupe — ele disse secamente.
-Ah... para mim você sempre arranja — ela murmurou.
Mae interferiu trazendo outros convidados para serem apresentados, pois percebeu
que Jonathan estava querendo fugir daquela mulher, apesar de linda e charmosa. Não
sabia o motivo, mas sentia que ele não gostava de Glória e para falar a verdade ela

Livros Florzinha - 38 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

também não gostava. Preferia mulheres do tipo de Diana, simples e natural, apesar de
muito bonita. Por falar nela, onde é que estava? Talvez estivesse isolada, ela não
conhecia muita gente ali e parecia meio tímida... Ah, lá estava ela, conversando com
Clive... alheia a todos. Mae se aproximou deles.
— Ah, aí está você, Diana, quero lhe apresentar Glória... venha comigo.
Mae separou os dois propositalmente. Pearl lhe contara que era com Clive que tinha
sido vista em Londres e Mae não gostou do jeito dele. Era extravagante demais para seu
gosto oriental. Achou que ele não servia nem para Pearl nem para Diana, por isso os
separara. Ele estava bom para mulheres como Glória que sabiam se defender.
Alguns momentos depois Mae já estava apresentando as duas. Glória sorriu para
Diana com ironia.
— Ora vejam, uma mulher médica! Deve ser muito inteligente! Eu nunca tive cabeça
para esse tipo de coisas, não é, querido? — ela disse, virando-se para Jonathan com um
sorriso possessivo e provocante, mas percebeu que ele estava olhando para Diana.
Diana deu graças a Deus quando Mae interrompeu a conversa com Clive. Aquele
encontro não fora nada fácil. Estava decidida a não fugir e por isso foi ao encontro dele,
mas o que sentiu foi muito confuso. Ficou vendo-o se aproximar sem conseguir desviar o
olhar. O rosto dele, tão familiar, parecia agora de certa forma desconhecido. Em Londres,
a figura dele parecia natural com aquela barba, o cabelo comprido e despenteado, as
roupas amarrotadas e. desleixadas, mas ali ele lhe pareceu sujo e relaxado e de certa
forma afetado, como se estivesse fazendo pose, criando um tipo, só para ser diferente e
ser notado. Parecia estar fazendo aquil9 de propósito, para avisar a todos que era um
artista e portanto diferente do resto dos desprezíveis seres comuns.
— Pois é, Diana... — ele disse com ar banal ao se aproximar dela. — Quem diria, que
surpresa!
— É mesmo — ela respondeu displicente. — Não sabia que você estava entre os
convidados, embora Pearl já tivesse me dito uma vez que a cunhada dela sempre dá
festas para artistas e celebridades que visitam a cidade e, sem dúvida, a Companhia
Teatral de Londres é bastante famosa.
Diana procurou Jonathan com o olhar e viu que ele estava conversando com Glória,
muito entretido. Sentiu uma pontada de ciúme, Perdera um aliado! Também a culpa era
toda sua, ela o abandonara sozinho para ir falar com Clive! Arrependeu-se e sentiu
remorso. Sua atitude tinha sido desatenciosa e ingrata. Ele a tinha ajudado naquele
momento difícil quando ficou desconcertada com a inesperada chegada de Clive...
Por um momento teve vontade de ir atrás de Jonathan e explicar, pedir desculpas,
maS4gora era tarde, ele já estava conversando com a "famosa" Glória e ela estava lá às
voltas com Clive. Ele notou que a ex-namorada estava desatenta e isso o surpreendeu
porque quando estavam juntos em Londres, Diana só tinha olhos para ele, olhos cheios
de adoração, e jamais se distraíra quando estava perto dele.
— É incrível como as pessoas se sentem atraídas por gente famosa, em qualquer
parte do mundo, não é mesmo? — ela perguntou, observando a animação dos
convidados. -Mas essa Glória é realmente muito bonita, Clive... bem mais bonita do que
você me falava.
— Eu falei isso para você?
— Várias vezes.
Ela tentava falar com naturalidade, mas ele interpretou o tom de voz como indiferença
e não gostou muito.
— Por que resolveu vir trabalhar em Hong Kong? Londres está cheia de hospitais.
Ê claro que Diana não ia confessar que era por causa dele, sabia que era o que ele
esperava ouvir.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Sempre tive vontade de viajar, conhecer lugares diferentes, me sentir


independente... por isso aproveitei a oportunidade.
Isso o surpreendeu mais ainda. Clive nunca imaginara que ela tivesse coragem para
romper laços e enfrentar a vida sozinha num lugar estranho.
— Sabia que você não ia ficar em Londres... mas pensei que fosse voltar para sua
cidadezinha, fosse trabalhar com seu pai e ficar lá para sempre.
— Não sei por que essa ideia!
— Porque você nunca me pareceu ser do tipo ousado...
— Ninguém é assim estereotipado e tão previsível em suas ações, não acha? As
pessoas, às vezes, têm atitudes inesperadas.
Em parte era certo o que ela dizia, mas talvez Clive nunca a tivesse conhecido
realmente, em profundidade. Aquela noite quando a viu na festa ele quase não a
reconheceu. É verdade que ela estava um pouco diferente... na Inglaterra sempre usara o
cabelo preso na nuca e agora o cabelo estava solto sobre os ombros... mas havia outra
mudança bem mais sutil. Diana não era mais a garota tímida e inexperiente que
despertara o interesse dele justamente por isso. Clive gostara de conquistá-la, destruir as
resistências dela e fazê-la mulher, o que a tornara dependente dele. Mas agora lá estava
ela, mais madura, segura de si, bonita e completamente desligada dele. Isso o
incomodava terrivelmente.
Incapaz de se sentir à vontade com essa Diana tão diferente, Clive procurou Glória
com o olhar e ficou enciumado de vê-Ia recebendo tanta atenção. Não gostava de ficar à
sombra de uma mulher famosa, estando sempre em segundo plano nos lugares em que
apareciam. Essa era uma concessão difícil, que ele fazia só por estar tão apaixonado por
ela.
— Quem é aquele homem que está falando com Glória? — ele perguntou.
— Jonathan Kinsale — respondeu Diana. — É médico-cirurgião e é o superintendente
do hospital onde trabalho.
— Então é seu chefe? Você falou dele com tanta admiração!
— É mesmo? Não notei.
— Deu para sentir no seu tom de voz, do jeito como falou.
— Ele é um excelente cirurgião.
— E é só por isso que você o admira tanto?
— Deve ser, afinal eu só o conheço profissionalmente — ela disse, mas não pôde
deixar de pensar no beijo daquele dia na sala dos médicos.
A conversa desviou-se para generalidades e ficou meio forçada. Esse reencontro com
Clive tinha sido completamente diferente do que Diana imaginara. Ela se desgastara
tendo que manter a cabeça erguida o tempo todo. Uma sensação de vazio a invadiu e ela
começou a se sentir deslocada naquele ambiente estranho, a se sentir insignificante
diante da presença marcante e arrebatadora de Glória, com seus cabelos negros, a pele
morena, sua beleza vistosa e sensual. Olhou para o relógio de pulso que o pai lhe dera no
aniversário e uma onda de saudade invadiu seu coração. Queria ir embora dali... fugir
sem que ninguém notasse...
E foi justamente nesse momento que Mae apareceu e a levou para o grupo de Glória.
Depois das apresentações a anfitriã continuou a falar.
— Pois é, Jonathan, quero combinar um dia, para irmos juntos ao Teatro Lee, você,
Diana e eu. Vamos marcar o dia bem antes para eu ter certeza de que Diana não vai
estar de plantão. Você é um patrão muito exigente, sabia? Devia dar um pouco mais de
folga a nossa jovem médica! Então... qual é a noite em que vocês dois estão livres?
— Ah, tem que ser na sexta-feira — disse Glória em tom imperioso e coquete. — Eu
estarei fazendo o papel de Rosalinda... é o melhor papel que faço, não é, Clive?

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

As palavras se dirigiam a Clive que se aproximara mas estava fixado em Jonathan


com expressão provocante, por isso fez questão de contradizê-la.
— Não é, não. Eu prefiro, Lady Macbeth, é mais apropriado para seu tipo — ele
retrucou sarcástico.
Estava com raiva, pois percebera que Glória estava flertando com o cirurgião só para
provocar ciúme e torturá-lo. Aquele homem não era absolutamente do tipo que ela
gostava! Era muito reservado, calado demais e sério demais. Mas para alimentar a
vaidade de Glória qualquer homem servia! Ora, como é que suportava aquilo tudo? Ela
sempre estava flertando com alguém na frente dele, só para se valorizar e afirmar sua
beleza e sua independência. Era um inferno! A festa já perdera a graça, já estava
chateado e com vontade de ir embora. Teve a impressão de que começara a ficar
chateado depois de ter encontrado Diana tão inesperadamente. Não tivera tempo de se
preparar. Sentira a indiferença dela e isso o atingira. Como é que ela o esquecera tão
depressa? Não era possível! Ela devia estar fingindo...
— Para mim, sexta-feira está ótimo — disse Diana, arrancando Clive de seus
pensamentos. -É meu dia de folga, assim não terei que trocar o plantão com ninguém!
Clive fechou a cara. Glória percebeu e gostou pois interpretou como ciúmes da parte
dele. Adorava vê-lo enciumado. Gostava de deixá-lo inseguro com relação a ela para que
sempre estivesse por cima nas situações. Nunca dava a ele a certeza de ser amado e
para conseguir isso tinha um comportamento inconstante.
Quando Diana se despediu apenas cordialmente, Clive sentiu que a perdera e ficou
meio arrependido. Era bom ter a devoção de uma mulher, como tivera a dela. Com Glória
isso era impossível. É verdade que Diana nunca fora sensual e provocante como Glória,
mas sempre fora leal e sincera no relacionamento com ele. Vendo-a sair da festa tão
indiferente e fria sentiu-se estranhamente derrotado.

CAPÍTULO VIII

Lá fora o ar estava frio. Diana ergueu o rosto para o céu e viu milhares de estrelas
brilhando. A noite estava calma, mas aquela cidade parecia não dormir nunca.
Diana olhou a mansão dos Wong, com todas as janelas iluminadas e sabia que as
pessoas estavam se divertindo lá. Começou a caminhar sem rumo, sentindo-se sozinha e
desamparada. Lágrimas começaram a rolar por suas faces e ela continuou a andar sem
se preocupar com isso. Não havia ninguém para vê-la.
Lá embaixo, a enseada com suas luzes brilhantes parecia um outro mundo, totalmente
estranho. O que estava ela fazendo ali, afinal? O que tinha adiantado ter vindo para tão
longe? Era impossível fugir do amor, escapar dos sentimentos! Mas só vivendo aquela
experiência é que tinha aprendido.
Ela decidiu, então, ir a pé até o porto de embarque da balsa. Depois do esforço que
fizera para representar o papel de mulher segura de si mesma e de todas as emoções
que sentira naquela festa, estava precisando de uma boa caminhada para relaxar. Não
queria enfrentar a solidão de seu quarto. Se ao menos tivesse companhia poderia ir a um
bar, uma boate, qualquer outro lugar de diversão, mas estava sozinha e tinha que se
contentar com um. simples passeio a pé até a balsa.
Apenas desejava que ninguém tivesse percebido o quanto ela fingira a noite toda.
Principalmente Clive. Só ela sabia que esforço precisara fazer para parecer natural e à
vontade diante dele! Agora estava sem forças.
Passos ecoaram na calçada logo atrás dela, mas Diana nem prestou atenção até que
se assustou quando alguém disse perto de seu ouvido:

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Podemos pegar um táxi na porta do Hilton. Agora sugiro que enxugue as lágrimas e
esqueça aquele homem, pelo menos por enquanto. A gente vive aconselhando os
pacientes a não se entregarem à auto-piedade e é justamente o que você está fazendo
nesse momento.
Era Jonathan, sem dúvida. Nenhum outro homem teria sido tão direto a ponto de ser
quase rude. Ele sempre falava sem rodeios. Diana imediatamente se colocou na
defensiva.
— Obrigada, mas prefiro andar a pé.
— Mas isso é um absurdo! Não pode ir a pé até Kowloon... é preciso passar pelo
bairro de Wanchai, que a essa hora não é dos mais recomendáveis para passeios, e
depois atravessar o túnel que aliás é proibido para pedestres. E se apesar de tudo isso
chegasse a Kowloon ainda teria que andar muito até o hospital. Esses seus sapatinhos
delicados não aguentariam uma viagem dessas, por isso vamos de walla-walla em vez de
balsa, assim você poderá chorar no meu ombro.
— Não estou chorando.
— Então chore, pelo amor de Deus, até desabafar tudo. Depois poderemos conversar.
— Não tenho o que conversar.
— Ah, tem sim. Quero saber por que a simples visão daquele homem a perturbou
tanto. O que a gente faz com os pacientes? Enumera os sintomas, analisa, receita e cura,
não é isso? Pois então...
Jonathan falava de um modo, como se fosse insensível ao sofrimento, apenas racional
e analítico, mas ela se sentia grata porque isso tornava as coisas mais fáceis. Diana
suspirou fundo e isso tocou o coração dele, embora Jonathan fizesse questão de não
demonstrar nada. Esse não era o momento propício. Ele também tivera um encontro, de
certa forma difícil aquela noite e esperava ter disfarçado bem para que ninguém tivesse
notado. Aquele ar circunspecto e reservado era apenas uma aparência para se proteger,
mas no fundo era sensível e vulnerável como qualquer pessoa.
— Aquele homem foi muito importante para você. Além de eu ter percebido isso
claramente, eu ouvi tudo o que Pearl falou, e não vou pedir desculpa por ter ouvido.
Portanto, pode me contar a história toda.
— Só interessa a mim e a mais ninguém.
— Ao contrário, me interessa muito. Não gosto de ninguém com problemas no meu
hospital. Vamos tratar de resolver os seus.
Ah, claro! Sempre o hospital em primeiro lugar! Pensou Diana, dizendo:
— Sinto muito, não queria...
— Não sinta, fale. Ficar guardando as coisas não resolve nada e é sempre mais fácil
falar com uma pessoa estranha porque não há envolvimento.
Um estranho que a beijara daquela forma, será que poderia ser considerado um
estranho mesmo? Então o beijo não significara nada para ele! Entretanto, ela não
conseguia esquecer e se não fosse o fato de Clive ter aparecido outra vez em sua vida,
ela estaria pensando mais no beijo do que em Clive. Ela estreitou os lábios, afinal era
uma situação ofensiva. Então Jonathan pensava que podia beijá-la daquele modo e
depois ignorá-la assim sem mais nem menos?
— Está bem — ele disse depois de alguns instantes. — Já que você não fala, falo eu.
Você o ama...
— Nós nos amávamos — ela corrigiu.
— Só que não durou, não é? Alguns romances às vezes são passageiros, mas do
mesmo jeito que o sarampo ou a catapora, eles fatalmente acontecem para todos.
— O que você sabe sobre o amor? Aposto como para você ele não passa de uma
reação biológica!

Livros Florzinha - 42 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Jonathan sorriu com amargura. Ah, se ela soubesse quantos sonhos românticos ele
acalentara quando estava apaixonado por Glória!
Atravessaram a praça em frente à prefeitura e chegaram à orla da praia. Ele a
conduziu para um dos walla-walla, ancorados perto dos degraus de pedra do porto.
Sentaram-se lado alado e o barquinho partiu para fazer a travessia até Kowloon. Diana
sentou-se o mais longe possível de Jonathan, apesar do espaço ser pequeno.
E o desejo dele na verdade se intensificara, talvez não resistisse à tentação de
abraçá-la se ela chegasse mais perto. De repente Jonathan percebeu que não era só
desejo o que sentia. Já fazia algum tempo que vinha fugindo dessa realidade, mas agora
não dava mais para não enfrentá-la. Olhando para Diana naquele momento ele sentia
algo mais forte do que desejo... era carinho, ternura, vontade de protegê-la, de partilhar a
vida com ela. Teve i9veja, ciúme e raiva de Clive que tivera o amor de Diana e não
soubera cultivá-lo.
Entretanto Diana não percebia nada, para ela Jonathan estava sério e chateado.
Cinco minutos depois estavam chegando a Kowloon e quando o barco parou Diana
disse nervosa.
— Só espero que Clive não tenha adivinhado o que senti.
— Não se preocupe. Você representou muito bem — ele disse com naturalidade,
embora se sentisse magoado por estar sendo completamente ignorado!
Os dois caminharam lado a lado, em silêncio, até o hospital. Juntos, subiram os
degraus da entrada. Ele a acompanharia até que entrasse e depois iria para sua casa de
solteiro confortável e solitária, que já não o atraía tanto quanto antes.
Diante da porta principal eles pararam e Diana sorriu para ele.
— Sabe, já gosto muito desse hospital, posso entender por que você se sente tão
ligado a ele.
Jonathan a olhou por um longo instante. As lágrimas haviam secado. Os olhos dela
eram lindos, a boca terna e suave. O coração dele bateu mais depressa, teve vontade de
beijá-la de novo, mas resistiu.
— Então quer dizer que em seu coração não há lugar só para Clive! Minha cara, você
já está a caminho da cura — disse ele suavemente.
Ela sorriu outra vez.
Nesse momento ouviram um ruído de passos correndo. Era Chang que vinha
chegando apressada, o rosto tenso e cheio de ansiedade.
— Dr. Jonathan... por favor... pode entrar um pouco? Depressa! É o velho Elias...
houve um acidente!
Elias estava imóvel. O rosto pálido todo marcado de cortes feios. A respiração era
irregular e ele estava todo contorcido na cama.
— Ele estava muito inquieto esta tarde, — explicou Chang — ficou repetindo que já
estava bom para receber alta e que não queria ficar aceitando caridade... O senhor sabe
como ele fica, doutor...
— Conte-me exatamente o que aconteceu e que providências foram tomadas — disse
Jonathan, enquanto examinava o velho com habilidade.
— Ele quis sair pela escada de incêndio, aquela que passa fora da enfermaria
masculina, mas a porta estava trancada. Um minuto que eu saí da enfermaria ele
conseguiu subir numa janela mas caiu nos degraus de ferro, foi sim que cortou o rosto...
na beirada dos degraus. Nós o levamos para a sala do raio X...
Naquele momento a radiologista entrou aflita e continuou a história.
— Três costelas fraturadas... uma delas está penetrando o pulmão. — Ela estendeu as
radiografias ainda molhadas e Jonathan as examinou contra a luz, com bastante precisão.
— Onde está o cirurgião de plantão? Aliás, quem está de plantão?
— Dr. Chris... — gaguejou a enfermeira. — Ou pelo menos deveria estar.

Livros Florzinha - 43 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Chang interrompeu imediatamente.


— Ele foi chamado para atender uma emergência fora, doutor.
— E o médico-residente?
— Hoje é a folga dele. Tentei encontrá-lo, mas não foi possível.
— Bem, ele tem direito de sair, é folga dele — disse Jonathan — mas e esse caso que
Chris foi atender? Quem chamou? Onde é? Faz tempo?
Chang titubeou e Diana desconfiou que ela estava tentando encobrir algo. Mas o que
seria? Chris sempre fora responsável no trabalho.
— Eu... eu não sei doutor... mas posso descobrir.
Diana não acreditou nela. Achou que Chang estava querendo ganhar tempo. Algo de
errado acontecera.
— Não tem importância, esqueça isso. Temos um caso de emergência em nossas
mãos. Vou começar a operação e talvez Chris chegue a tempo de me ajudar: A sala de
operação foi preparada?
— Telefonei para lá assim que vi as radiografias — disse a radiologista. — Já devem
estar preparadas.
— Eu não posso ajudar? — perguntou Diana.
— Isso é trabalho de Chris... espero que ele volte a tempo — respondeu Jonathan.
Depois saiu da enfermaria e foi para a sala de cirurgia. Todos o seguiram menos a
enfermeira de plantão. Quando ele entrou na sala de esterilização, Diana segurou Chang
pelo braço e a deteve.
— Onde está ele? — ela murmurou.
— Ah, doutora... eu não sei!
— Diga-me a verdade.
— Bem, ele... ele não apareceu aqui hoje o dia todo.
Diana arregalou os olhos.
— Não acredito! Chris pode ser irresponsável lá fora, mas sempre cumpriu seu dever
aqui.
— Foi o que eu pensei, doutora. Quando o doutor Maynard saiu, Chris ainda Vão tinha
chegado, mas ele não se preocupou, disse que Chris devia estar atrasado. Eu fiquei
preocupada porque Chris sempre foi pontual. Isso não é do feitio dele.
— Vá procurá-lo e traga-o aqui. Tome um táxi. Tenho certeza de que você sabe os
lugares que ele frequenta.
Jonathan apareceu na porta e chamou.
— Dra. Diana... acha mesmo que pode me ajudar?
Diana entrou na sala de esterilização.
— É claro que sim — e como ele a olhasse indeciso, acrescentou: — Eu estudei
cirurgia também, como todo médico.
— Então se apronte o mais rápido que puder, por favor.
Ela entrou no vestiário feminino e tirou o vestido de festa. Uma enfermeira colocou
nela o avental de operação e trouxe sapatos apropriados. Diana prendeu os cabelos e
cobriu-os com a touca cirúrgica, depois desinfetou as mãos e os braços, em seguida
colocou a máscara e as luvas esterilizadas.
Pouco depois estava ao lado de Jonathan. A mesa de operação já estava pronta e
logo trouxeram Elias inerte, na maca.
Ele foi colocado na mesa e o anestesista começou seu trabalho. O silêncio era
absoluto. Diana olhou para Jonathan e o olhar dele a comoveu. Qual seria o verdadeiro
Jonathan, afinal? O estranho ríspido e frio que ela via quase sempre; o médico
preocupado com seus pacientes; ou o homem que a beijara com paixão, fazendo-a perder
a razão por instantes?
— Pronto para começar — anunciou o anestesista.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Jonathan começou seu trabalho. Era a primeira vez que Diana o via operar e a
destreza e habilidade das mãos dele a impressionaram. Era necessário ser rápido e
preciso. Elias era velho e estava fraco. Não podia ficar muito tempo anestesiado. E
felizmente Diana provou ser eficiente como assistente. Mais tarde, Jonathan admitiu para
si próprio que ela fora excelente.
Entretanto, quando tudo terminou e Elias já havia sido conduzido de volta para a
enfermaria, Diana sentiu-se terrivelmente decepcionada. Jonathan não disse uma só
palavra de agradecimento, de elogio ou de estímulo. Ela entrou no vestiário e trocou de
roupa como um autômato. Estava também muito cansada. Nem parecia que ainda era a
mesma noite da festa na casa dos Wong. Tantas coisas tinham acontecido! Reencontrara
Clive; Jonathan descobrira seu segredo e a censurara; e afinal acabara ajudando numa
operação de emergência. Tinha sido muita emoção para um só dia. Estava exausta.
Agora, a única coisa que queria era cair na cama e dormir... esquecer tudo, já que não
tinha quem a confortasse...
Parecia absurdo colocar um vestido de festa depois de ter estado diante da mesa de
operações. Ante, de sair, a enfermeira fez um comentário gratificante que a animou um
pouco.
— Fez um bom trabalho, doutora.
Diana agradeceu e saiu. Para sua surpresa, Jonathan a esperava no corredor.
— Vou levá-la para jantar. Esses salgadinhos de festas não alimentam ninguém. Nós
merecemos alguma coisa mais substancial...
Naquele momento Chang apareceu com Chris. Ela estava visivelmente apreensiva,
embora se sentisse triunfante por tê-lo trazido. Tinha sido muito difícil encontrá-lo. O
telefone dele não respondia, e não estava em nenhum dos lugares onde ele costumava ir.
Então, num último recurso, seguindo uma certa intuição, Chang foi ao quarto dele,
quebrando um dos regulamentos do hospital. Bateu na porta e ele não atendeu, daí ela
experimentou o trinco, estava aberto, ela entrou.
Chris estava na cama, ardendo em febre. Chang foi correndo buscar um antitérmico
fazendo-o tomar, depois conseguiu que ele se levantasse, e praticamente empurrou-o
para fora do quarto. Não queria que ele fosse repreendido ou perdesse o emprego. Faria
tudo para protegê-lo. Ele estava tão atordoado que nem sabia direito o que estava
acontecendo, deixou-se levar sem reagir.
— Vamos! Ainda não é tarde demais, eu ajudo você a descer. Se formos logo ainda dá
tempo do dr. Jonathan ver você e nem vai ser preciso explicar nada... qualquer um pode
perceber que você está doente.
— Dr. Jonathan? Ele está lá? Notou minha ausência? Ali, estou perdido, gatinha. Eu
devia ter mandado avisar antes que Maynard saísse. Ele não vai me perdoar por isso!
— Mas você não estava em condições... pode explicar .
— Não tem desculpa para o fato de eu não ter me apresentado para o plantão.
— Mas o dr. Jonathan não sabe que você não se apresentou. Eu disse que você tinha
sido chamado para uma emergência. Não me olhe desse jeito, eu tinha que fazer alguma
coisa para proteger você!
Para espanto de Chang ele se voltou contra ela.
— E quem lhe disse que quero sua proteção? O que você pensa que eu sou? Vou
assumir meu ato e se tiver que receber punição por isso, paciência! Ou você pensa que
vou fugir e me esconder atrás do avental de uma enfermeira, hein?!
Nesse momento eles chegaram ao corredor e encontraram Jonathan.
— Quer dizer que encontrou o dr. Chris atendendo a "emergência", não é enfermeira?
— Diana viu o rosto ansioso de Chang e teve pena dela. Era evidente que amava
Chris loucamente e que faria tudo por ele. Seria o fim do mundo para Chang se ele fosse
despedido.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Não houve emergência nenhuma — disse Chris. — A enfermeira é que supôs isso
quando eu não apareci para o plantão:
Jonathan olhou para ele analisando-o melhor.
— Você está quase caindo, rapaz! Devia estar na cama. Por que diabos não mandou
avisar que estava doente? Enfermeira, prepare um quarto para ele! É melhor que fique
aqui mesmo, é mais fácil para ser tratado. Deixei o número do telefone do restaurante
Gaddi com a enfermeira-chefe, se houver outra emergência podem me chamar lá. Bem,
Diana, vamos indo... o táxi já deve estar chegando.
Ele segurou o braço de Diana de leve, conduzindo-a para a porta e saíram. Chris e
Chang ficaram sozinhos no corredor do hospital. Ela segurou o braço dele tentando
conduzi-lo para o quarto no andar de cima, mas ele se desvencilhou, revoltado.
— Da próxima vez que você achar que eu preciso de proteção, espere que eu peça,
está ouvindo?!
Cambaleando ele subiu a escada, sozinho, atordoado, com raiva e ainda por cima
doente.

CAPÍTULO IX

Já era tarde da noite quando Jonathan e Diana saíram do Gaddi. Em silêncio, os dois
caminhavam de volta para o hospital. A rua estava deserta e parecia natural que
andassem de braços dados e devagar. A noite estava linda e agradável e assim podiam
apreciá-la melhor. Aliás, aquela noite parecia feita para o amor. A proximidade de
Jonathan começou a exercer uma estranha atração sobre Diana... que tinha vontade de
chegar mais perto, mas resistia com firmeza. Entretanto, à medida que caminhavam, o
braço dele roçando no dela, os corpos bem próximos, foi aumentando o desejo e criou-se
um clima tal entre eles que repentinamente sem mais nem menos, ele parou e estreitou
Diana nos braços. Com inesperada meiguice começou a beijar-lhe os cabelos, os olhos, o
rosto, o pescoço... murmurando baixinho o nome dela com voz cálida e carinhosa até que
afinal se apossou dos lábios, num beijo ardente e apaixonado. E foram muitos beijos e
carícias, em êxtase total, os dois completamente esquecidos do resto do mundo.
Ela sentia o corpo dele, quente e trêmulo, colado ao seu que também ardia de desejo.
— Ah... meu amor... minha querida... — ele murmurava ofegante entre beijos e
carinhos, e apertava o corpo dela contra o seu numa ânsia louca de possuí-la.
Ela sentia o mesmo anseio e correspondia aos agrados querendo que os corpos se
fundissem num só, querendo nunca mais sair dos braços dele.
Foi Jonathan quem quebrou o encanto, parando bruscamente e se desvencilhando
dela.
— Sinto muito... desculpe — disse ele de olhos baixos, e pegando-a pelo braço
continuaram o caminho sem mais palavras.
Antes de se despedir, na porta do hospital, ele disse apenas:
— Esqueça o que aconteceu agora há pouco. Eu perdi a cabeça...
Diana teve vontade de perguntar por que ele se reprimia tanto, por que não admitia
que era meigo e carente de afeto... que aquele ardor tinha sido autêntico, contudo não
conseguiu falar nada. Nem ela estava totalmente convencida disso. Aqueles momentos
nos braços dele tinham-na afetado profundamente, mas se para ele fora apenas um
desabafo sem importância, era melhor que não soubesse o que ela estava sentindo.
Disse apenas boa-noite e agradeceu pelo jantar.
— Fique de folga amanhã — ele retrucou. — Você merece um descanso.
— Mas Chris não está trabalhando...
— Eu dou um jeito. Farei dois plantões e pronto.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Ele era realmente imprevisível, ela já nem sabia como tratá-lo, o que dizer... por isso
não o contradisse, repetiu apenas boa-noite e assim eles se separaram. Os dois sentindo
intensamente o momento de amor vivido há pouco, mas ambos com medo de demonstrar
os sentimentos.
Enquanto se preparava para dormir, Diana pensava no enigma que era esse homem.
Ela já conhecera várias facetas do seu caráter, em situações diversas, mas não
conseguia reunir tudo para defini-lo. Mas a verdade era que ele a impressionava muito em
qualquer circunstância: sendo frio e distante, ríspido, humano e terno; apaixonado e
sensual.
Não conseguia dormir, o rosto dele não lhe saía da memória. O brilho nos olhos dele,
a suavidade da expressão com que a olhara, o calor daquela boca macia... aquele corpo
forte contra o seu... Ah, não queria mais pensar nisso. Tinha sido um momento de loucura
que não levaria a nada. .
Para afastar essas lembranças inquietantes começou a pensar na operação e em
Elias e novamente lhe veio a sensação que já tivera várias vezes de que o rosto dele era
de certa forma familiar. Ela já o vira em algum lugar... mas onde? Quando? Subitamente
decidiu que iria descobrir a verdadeira identidade de Elias. E, depois, ainda pensando
nisso, finalmente adormeceu.

Na manhã seguinte a enfermeira do ambulatório admirou-se quando encontrou Diana


lá, logo cedo, e ela lhe pediu para ver o registro dos pacientes. Felizmente a enfermeira a
conduziu até o arquivo sem fazer perguntas porque Diana não queria que ninguém
soubesse da decisão que tomara.
Olhando a pasta de Elias, Diana descobriu que havia o registro de um endereço
diferente para cada vez que fora internado. Às vezes nem constava endereço. Entretanto
desta vez ele dera um: rua Lei, nº9, no bairro de Wanchai. Ela tomou nota e saiu
imediatamente.
Tomou o bonde que ia para Wanchai, ignorando os olhares curiosos dos passageiros,
pobres e humildes que constituíam a população daquele bairro. Muitos deles viajavam no
estribo porque era mais barato e Diana ficava arrepiada cada vez que cruzavam com
outro bonde, um ônibus ou carros. Parecia que eles seriam arrancados dali.
Milagrosamente continuavam firmes.
Diana já ouvira falar de Wanchai, mas mesmo assim sentiu um impacto quando
chegou lá, não estava preparada para o que viu: ruas estreitas e sombrias, apinhadas de
gente; uma miséria chocante; as boates e casas noturnas de última categoria, antros
sórdidos de mil vícios; jovens com rostos envelhecidos antes do tempo; as casas
paupérrimas e em ruínas que pareciam encostar-se uma nas outras para não ruírem
completamente; ali não havia sol nem felicidade.
Diana começou a ficar com medo, mas continuou a andar assim mesmo, sem olhar
para os lados. Parecia impossível encontrar a rua Lei naquele labirinto, mas ela trouxera
um mapa, só que não achava conveniente parar para estudá-lo. Era melhor continuar
andando. Era a única mulher ocidental por ali e estava sozinha, por isso tentou consultar
o mapa enquanto andava. Estava difícil, não conseguia se localizar. Passou por um
mercado imundo que cheirava mal e sentiu náuseas.
Esse era um aspecto de Hong Kong que jamais imaginara existir. Um contraste
enorme com a parte elegante e bonita. Velhos e aleijados estendiam as mãos pedindo
esmolas; de algumas janelas moças pintadas e seminuas convidavam os passantes,
enquanto na porta velhas encarquilhadas cobravam a entrada...
Afinal, depois de muito andar e ver coisas incríveis pelo caminho, acabou chegando à
rua que procurava. Ficou eufórica e quase correu até o número da casa onde Elias
morava. Era uma subida e dali em diante o bairro começava a melhorar, as casas e as

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lojas já pareciam de gente de classe média. Era por aquele lado que deveria ter ido, se
soubesse o caminho, mas pelo menos voltaria por ali.
Finalmente, chegou diante do nº9, respirou fundo e entrou. Para sua surpresa veio lá
de dentro uma mulher ocidental, loira, com um jeito de depravada que não escondia a
vida que levava e que foi logo dizendo:
— O que deseja, amorzinho?
Não sabia o verdadeiro nome de Elias, por isso perguntou se ela conhecia um velho
inglês que morava por ali.
— Um artista de cabelos brancos e barba comprida — concluiu Diana.
— Tá falando do velho Jones? Se é por esse nome que conhece ele... acho que é o
nome de guerra, mas nunca faço perguntas a meus inquilinos, desde que paguem o
aluguel. Por falar nisso, o velho safado tá me devendo um mês já e acho que é por isso
que caiu fora, tá querendo me tapear...
— Ele está no hospital. No Kinsale. Eu vim aqui buscar algumas coisas para ele.
— Nada feito, dona. As coisas dele ficam pelo aluguel que me deve. O velho bobo
deixou a porta aberta... eu tranquei tudo lá no quarto.
— Se ele deixou aberta é porque pretendia voltar logo, mas ele desmaiou na rua e foi
recolhido ao hospital Kinsale. Diga-me quanto ele deve e eu pago.
A mulher disse uma quantia alta e Diana não acreditou, mas como tinha o dinheiro e
não queria discutir com ela, pagou assim mesmo.
— A chave, por favor — disse Diana, estendendo a mão.
A mulher entregou a ela sem dizer nada.
— E o quarto onde fica?
— Último andar, no fundo.
Não foi difícil encontrar, o corredor era minúsculo e só havia uma porta para a frente e
outra para o fundo.
Diana nunca tinha visto lugar tão patético! Havia uma cama tosca, uma mesa e uma
cadeira em ruínas, uma pia rachada, e um armário barato com a porta entreaberta
revelando umas poucas roupas esfarrapadas, mas o estranho nisso tudo era a limpeza
impecável contrastando com o resto da casa. Perto da janela havia um velho cavalete
com uma tela inacabada... mesmo assim o quadro perturbou Diana, porque as cores lhe
transmitiram confusão, desespero e medo.
Ela olhou os tubos de tinta quase secos e os pincéis gastos. Seria esse o único
material disponível que o velho tinha para trabalhar? Não era à toa que perdera a
esperança... aquela pobreza a tocou fundo.
Virou-se de costas para a janela, comovida, e então seu coração quase parou ao ver
pregado na parede um quadro que reconheceu imediatamente como sendo de Clive.
Aproximou-se para ler a assinatura. Era dele mesmo.
Então Diana reparou que havia outros vários trabalhos, todos de Clive, antigos, que o
velho Elias conservara como tesouro através dos anos. Telas a óleo, aquarelas, desenhos
com pastel ou lápis... Chocada ela imaginou ter adivinhado a identidade do velho Elias,
embora não achasse provas, ali.
Pegou os trabalhos e as telas e embrulhou com um jornal velho que achou. E depois,
para disfarçar, pegou algumas roupas e desceu com os pacotes. Ainda bem que a velha
não sabia o valor das telas senão já as teria vendido!
Quando chegou lá embaixo a velha a esperava e pediu a chave de volta.
— Não senhora, o quarto agora é meu — disse-lhe Diana. — Eu paguei muito mais de
que Jones devia, portanto está alugado para mim, agora, e a senhora não tem direito de
ficar com a chave. Vou levá-la comigo. O aluguel será pago pontualmente, pode ficar
tranquila e acho bom não deixar ninguém mexer em nada lá, se não quiser encrenca!
A mulher fez uma careta e disse em voz alta enquanto Diana se retirava.

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— Também só tem porcaria lá! Quem vai querer aqueles trastes?


Diana saiu com os pacotes e subiu a ladeira procurando a saída daquele bairro
deprimente.

CAPÍTULO X

Como era de se esperar Glória fez um grande sucesso e, depois da peça, o grupo que
Mae reunira para ir ao teatro foi todo para o camarim de Glória fazer um brinde com
champanhe. Ela recebia os elogios como se aquilo fosse a coisa mais natural e, como
sempre, irradiava um charme que envolvia todos, principalmente os homens e, entre eles,
Jonathan mais do que todos. Diana estava observando muito bem!
Embora Jonathan tivesse ido ao teatro com ela, não ficaram juntos e ela mal o viu.
Mais tarde, quando foram todos para o apartamento de cobertura de Hammond, ela o viu
menos ainda porque ele ficou com Glória o tempo todo, parecia não estar resistindo aos
encantos dela. Diana deveria ter ficado contente com isso, porque Clive ficava livre e ela
precisava mesmo falar com ele. Mas nem isso deu certo. Era praticamente impossível
conversar em particular com alguém numa reunião, ainda mais quando esse alguém não
queria saber de conversa. Diana percebeu que Clive a evitava de propósito.
Ele parecia muito à vontade na reunião daquela noite pois estava sendo elogiado e
bajulado pelo cenário que criara para a peça. Por tanto, não tinha a menor intenção de
renunciar a isso para ficar a sós com Diana.
Ela estava meio perdida naquele grupo e ficou de longe observando Jonathan e Glória
que pareciam estar muito entretidos numa conversa a dois.
De repente alguém chegou a seu lado e disse:
— Ora, vejam só... ainda não pude conversar com minha amiga predileta! — Era o pai
de Jonathan que sorria para ela. – Tenho ouvido grandes coisas a seu respeito, o que
aliás não me surpreendeu. Eu tinha certeza. Ah... aposto como está curiosa para saber o
que ouvi, mas esta sem jeito de perguntar. Pois bem, você tem direito de saber. Meu filho
elogiou muito seu trabalho na noite da operação de Elias.
— Ele não me disse nem uma palavra! — admirou-se Diana.
— E você esperou que ele dissesse?! Ah, minha cara, quando conhecer melhor
Jonathan você vai entender os silêncios dele tanto quanto as palavras... Agora você está
preocupada com a conversa entre ele e Glória, não é?
Ela se sobressaltou. Esse homem era muito observador e sempre a pegava
desprevenida.
— Nem estava reparando neles — ela mentiu. — Meu pensamento estava longe
daqui!
Ele não acreditou numa só palavra. Sabia que ela estava realmente preocupada e isso
o alegrava muito. Ele também estava curioso para saber o que o filho estava conversando
com a ex-noiva. Ah, se Diana soubesse disso! Hammond desejou que Glória fosse um
capítulo encerrado na vida do filho e pela expressão do rosto dela desconfiou que Glória
estava muito mais interessada que Jonathan em reatar a ligação.
E Hammond estava certo. Naquele exato momento Glória estava dizendo:
— Querido, não concordo com uma só palavra do que você falou! É claro que o que
houve entre nós não está terminado! Está certo, nós não nos víamos há muito tempo,
mas não há nada que nos impeça de reatarmos o relacionamento.
— A não ser o fato de eu não querer.
— Você já disse isso antes e voltou atrás.
— Mas antes era diferente. Você continua querendo dar as cartas, não é?

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— Não é não, amor. Eu queria você de verdade e tenho direito... eu sou sua noiva,
lembra?
— Minha ex-noiva — ele corrigiu.
— Eu sei que me portei como uma tola e talvez tenha sido um pouco egoísta, mas eu
aprendi a lição...
— Ah, aprendeu, é? Quem lhe ensinou?
— Ninguém... Foi a vida. A vida que se leva no teatro, principalmente, pois acho que é
a mais árdua de todas.
— Não me diga que está cansada dessa vida!
— É justamente o que estou tentando lhe dizer. Eu tive o sucesso que tanto queria...
— E sem dúvida vai querer mantê-lo.
Glória balançou a cabeça tristemente.
— Pensei que você fosse me entender, pensei mesmo. Que idade eu tinha quando
nós nos apaixonamos?
— Três anos menos do que eu... o que significa que tinha idade suficiente para
entender as responsabilidades de um casamento e poder assumi-las. Mas você não quis.
Em todo caso, de que adianta ficar relembrando essas coisas?
— Se não existe mais nenhuma brasinha acesa, não adianta... mas eu não acredito
que só haja cinzas! — Os olhos grandes e bonitos o fitaram num apelo. — Jonathan, eu
lhe imploro, dê-me outra chance.
— Para quê? Para brincar com meus sentimentos de novo e terminar tudo quando
acabar o capricho?
— Isso nunca mais vai acontecer, eu prometo. O fato de ter visto Hong Kong me abriu
os olhos... eu não imaginava que fosse assim.
O olhar dela percorreu o que havia a seu redor. O luxo do apartamento do pai dele, o
jardim suspenso, e toda vista panorâmica da enseada com as montanhas ao longe.
— E que clima maravilhoso faz aqui! Que diferença da Inglaterra!
— Queria ver se você ia gostar na época dos furacões!
— Ora, os furacões não duram o ano inteiro e depois não é preciso ficar aqui quando
eles chegam...
— Quando eles começam, parece que não vão parar nunca mais. Você já viu o abrigo
contra furacões para as pessoas que moram em barcos? Pois devia ver. Imagine milhares
de pessoas amontoadas lá, durante vários dias.
— Ora, meu amor, não diga absurdos... nós não iríamos morar num barco! Estaríamos
muito bem instalados na nossa casa.
— Nossa, não, Glória. Será que você não pode aceitar o inevitável? Não estou sendo
claro? Será que não pode ou não quer me entender? Eu quero me sentir livre, é
importante para mim.
— Mas você ficou livre todo esse tempo!
— Não livre... para amar e me casar.
Pela primeira vez ela ficou sem saber o que falar.
— Por que esse espanto? Você não imaginou que eu pudesse me apaixonar por
outra? Bem, confesso que eu também não imaginei... mas aconteceu! E por nada neste
mundo vou perdê-la!
Isso é o que você pensa, ela disse para seus botões, furiosa. Mas disfarçou bem e
disse apenas:
— Quem é ela, Jonathan?
— Você não a conhece.
— Mas eu já a vi, pelo menos?
Jonathan não respondeu. Não ia revelar a ninguém seu segredo. Além disso não
confiava nem um pouco em Glória, sabia que ela era vingativa.

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— Você não está com Clive? Será que ele não lhe basta?
— Sinceramente, não. Estou cansada dele. Eu nunca o amei de verdade.
— Mas você teve um caso com ele mesmo assim, ou talvez ainda tenha...
Ela deu uma gargalhada tão alta que Diana e Hammond ouviram de onde estavam.
Para Diana pareceu um riso de felicidade, mas para Hammond, que era mais experiente,
a gargalhada soou sinistra e ameaçadora. Precisava dar um jeito naquela mulher.
— Com licença... — murmurou Diana — preciso falar com uma pessoa.
Ela foi até Clive, muito decidida e Hammond ainda a ouviu dizer.
— Clive... preciso falar com você. É importante.
Naquele instante Jonathan, que afinal conseguira se livrar de Glória, aproximou-se dos
dois e ouviu o resto da frase que Diana dizia segurando o braço do ex-namorado.
— Por favor, Clive... eu preciso me encontrar com você, a sós. Estou tentando me
aproximar de você há horas...
— Está bem, agora se aproximou, mas não precisa grudar em mim com esse
desespero! O que os outros vão imaginar? Fala logo o que é.
Jonathan sentiu um aperto no coração. Será que ela o amava tanto assim, a ponto de
perder o orgulho? De implorar?
— Não posso falar aqui, é muito particular e importante. Alguém pode ouvir e eu não
quero. É melhor me encontrar em algum lugar... tem uma casa de chá chamada "The
Sickle Moon"' em frente ao hospital, e amanhã à tarde eu tenho uma hora de folga...
Clive titubeou e Jonathan se afastou sem querer ouvir o resto. Foi ao encontro do pai
que o recebeu com certa reprovação.
— Você não perdeu tempo, hein? Ficou um tempão falando com sua ex-noiva...
Estava reatando os laços?!
— Não, papai, não estava reatando nada, mas ela bem que quer.
— E você não está querendo?! Hum... bastante significativo. Será que não...
— Papai, por favor, deixe-me viver minha vida à minha maneira, como você disse uma
vez.
— E você fica repetindo isso toda hora para se defender. Só que eu sei que você não
quer mais continuar sua vida solitária de solteirão!
Jonathan ficou calado. Não havia o que dizer. O pai já adivinhara tudo.

Clive concordou em encontrar Diana na casa de chá às cinco horas do dia seguinte.
Diana teria preferido conversar na festa mesmo, mas não era lugar apropriado para falar
de Elias, o assunto era muito delicado, Passou amanhã ocupadíssima e quando foi
examinar Elias, ficou contente de vê-lo se recuperando bem.
— Ah, dra. Diana, pele amor de Deus, tira essa camisa-de-força que me puseram! —
ele disse, ainda um pouco fraco.
— O senhor precisa ficar enfaixado algum tempo, fraturou três costelas — ela disse
com firmeza.
— Ah, eu estou dando muito trabalho, não é? Sou um velho chato.
— Não para nós.
— Não está brava por que eu quis pular a janela à noite?
— Só vou ficar se o senhor fizer isso outra vez. Mas não se esqueça que quem vai
sofrer as consequências será o senhor mesmo!
— Eu gosto de você, dra. Diana. Você é brava comigo, mas eu prefiro isso... não me
trata como se eu fosse um velho gagá.
— Hoje o senhor está bonzinho, não precisa de bronca — ela sorriu.
— Estou tentando mudar. Eu sei que algumas enfermeiras aqui me chamam de velho
rabugento...

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— O senhor sabe que é de brincadeira, é um jeito afetivo de ralhar com o senhor


quando faz alguma das suas! Aliás, nós todos, aqui, gostamos muito do senhor! Está
surpreso?
— Muito. Por que haveriam de gostar de um velho rabugento, sem eira nem beira...
um parasita?
— Rabugento?... hum, às vezes. O resto não concordo. E quanto ao item do "sem eira
nem beira" ela hesitou. — Bem, gostaria de saber mais sobre o senhor.
A enfermaria estava calma e silenciosa àquela hora. Através da porta de vidro Diana
viu Chang no corredor. Desde o dia da operação de Elias que não tivera oportunidade de
conversar com ela, mas estava achando-a pálida e retraída, tinha perdido a vivacidade.
Diana ficou intrigada. Ela devia ter ficado contente com o fato de Chris não ter sido
despedido... por que estaria tão acabrunhada, então?
— O que gostaria de saber sobre mim? — perguntou .Elias, inesperadamente,
atraindo de novo sua atenção.
— O que o senhor quiser me contar.
— E se eu não quiser?
— Então não conte. Não vou forçá-lo.
Ele hesitou.
— Você quer saber quem eu sou, não é?
— Mas o senhor não pode se lembrar, pode?
Novamente ele hesitou.
— Não, não posso.
Diana tocou a mão dele de leve.
— Existe muita gente que prefere esquecer a própria identidade.
— Você acha que eu quero esquecer a minha?
— Acho que o senhor está tentando escondê-la, embora não posso imaginar por quê.
Elias lançou-lhe um olhar cansado.
— Digamos que eu sou um artista na miséria e não falemos mais nisso, está bem?
— Eu já estive apaixonada por um artista... — disse ela.
— Esteve? Quer dizer que não está mais?
— Justamente.
— Ele deve ser mesmo um louco, para ter deixado você...
Ah, se o senhor soubesse quem ele é não falaria assim!, pensou Diana. Se guardou
os quadros dele mesmo estando na miséria é porque o considera muito! O que será que
aquele pobre velho faria se soubesse que os quadros estavam agora guardados com ela?
— Por que estava tão aflito para sair do hospital naquela noite? — Diana continuou a
conversa.
— Já estou aqui há muito tempo. Pensei que fosse ficar só uns dias — ele respondeu,
fugindo do assunto.
— O senhor ainda estava fraco. A prova disso é que caiu da janela. Por que tentar
fugir assim, antes de estar completamente restabelecido?
— Estava aflito com uma certa coisa. — Ele a olhou com ar pensativo e afinal decidiu-
se. — Com você eu posso falar, dra. Diana...
— Está bem... então fale. O senhor quer me contar por que estava aflito? Era por
causa de alguém?
— Não. Não tenho parentes, graças a Deus. Estava aflito e preocupado com umas
coisas que eu possuo. Eu deixei a porta destrancada e essas coisas ficaram no meu
quarto... Achei que a proprietária poderia pensar que eu caí fora sem pagar o aluguel e
resolvesse remexer minhas coisas... Eu não tenho nada de valor, a não ser uns quadros
que são muito valiosos, principalmente para mim. Por isso eu queria voltar lá e...
— Não quer que eu vá buscar para o senhor?

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Lá não é um lugar apropriado para uma moça decente como você ir sozinha... só se
for acompanhada. Eu lhe agradeceria muito.
— Não se preocupe, vou providenciar.
Nesse momento a porta da enfermaria abriu e Jonathan entrou.
— Eu vou lhe dar o endereço.
— Não precisa, eu pego no registro.
Diana bateu de leve na mão de Elias e virou-se para sair, mas deu de cara com
Jonathan.
— Acabei de passar pela enfermaria feminina e a enfermeira me disse que você ainda
não passou por lá hoje, Diana.
— A culpa foi minha... — disse o velho Elias.
Diana sorriu para ele com doçura.
— Foi um prazer conversar com o senhor. — Depois virou-se para Jonathan. — Já
estou indo, doutor.

CAPÍTULO XI

Clive admirou-se de não ter encontrado Diana esperando por ele na casa de chá.
Tinha certeza de que ela já estaria lá quando ele chegasse! Diana estava tão ansiosa
para vê-lo quando marcou aquele encontro que ele teve certeza de que ela ainda o
amava. Além disso, o hospital era perto, do outro lado da rua.
Entretanto, ela não tinha chegado ainda e ele começou a ficar irritado com a espera.
Ela sempre chegara antes dele nos encontros! Não iria esperar mais do que dez minutos,
se ela não viesse, iria embora! Exatamente dez minutos depois ela chegou, mas por nada
deste mundo ele admitiria que tinha ficado esperando.
— Desculpe, Clive, eu me atrasei.
— É mesmo? Eu cheguei neste minuto também.
— Ainda bem. É horrível ficar esperando, não é? Tive que atender um paciente quase
na hora de sair, depois ainda tive que ir até meu quarto buscar isso. — Ela mostrou o
pacote embrulhado com jornal velho. — Não faça essa cara de nojo... foi o único papel
que encontrei e, depois, isso não é importante.
Diana tirou o casaco e sentou-se na cadeira em frente à dele. Clive não pôde deixar
de olhar para o corpo dela e lembrar certas coisas...
— Puxa, você escolheu um lugar cheio e barulhento demais para uma conversa
particular, não acha? — ele perguntou, meio irritado.
— A essa hora todos os lugares ficam assim. — Ela não ligou para a irritação de Clive.
Olhou para o relógio e disse: — Ouça, eu não tenho muito tempo, portanto vamos direto
ao assunto.
— Que assunto? Até parece que temos algum assunto para resolver!
— E temos mesmo. Isto aqui. — Ela colocou o pacote sobre a mesa e o abriu. — Deve
fazer muito tempo que você fez essas coisas, Clive, mas eu reconheci, além disso tem
sua assinatura.
Ele arregalou os olhos.
— Mas, meu Deus do céu, onde é que você foi buscar essas coisas? Puxa vida! Faz
um tempão que eu fiz isso... Olha só... esses trabalhos estão imperfeitos, imaturos...
— Mas demonstram um talento latente e são valiosíssimos para o homem que ensinou
você.
Clive ergueu a cabeça num sobressalto.
— Mathew Wade? Você o conhece?
— Acho que sim.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Onde o encontrou? — ele perguntou, com uma ansiedade sincera, esquecendo a


pose petulante. — Você não sabe como eu gostaria de reencontrá-lo! Eu devo muito a
ele...
— Deve tudo, como me disse uma vez. Foi por isso que eu peguei essas coisas.
— Pegou?! De onde?
— Do quarto dele, há uns dois dias.
— Aqui em Hong Kong? Mas, pelo amor de Deus, então me dá o endereço dele! Eu
tentei me comunicar com Mathew uma vez, mas não tive sorte. Depois fiquei sabendo que
ele tinha saído da Inglaterra mas não soube para onde foi.
— E você nem imaginou que pudesse ser Hong Kong, apesar de saber que ele
gostava desse lugar! Você me contou que ele vivia falando desta cidade. Ele tinha paixão
pelo Oriente e até influenciou a sua arte com isso...
— O que está querendo insinuar?
— Que você podia ter mostrado mais interesse em achá-lo.
— Ora, eu escrevi para o último endereço que ele me deu e não recebi resposta —
Clive defendeu-se.
— E daí você deixou por isso mesmo.
— É claro. Se ele quisesse manter contato comigo teria respondido a carta. Além
disso...
— Além disso, você estava ocupado demais com seu sucesso para pensar que outras
pessoas pudessem justamente estar perdendo o sucesso.
Nesse momento trouxeram o chá. Diana embrulhou de novo os trabalhos e serviu a
bebida perfumada e quente.
— Foi Mathew quem descobriu você, não foi? Eu lembro que você me contou: seus
pais morreram e você foi para um orfanato e foi Ia que ele encontrou você... Mathew foi
procurar um menino para posar como modelo e escolheu você, não foi?
— Foi — ele admitiu a contragosto. — Eu nunca fiz segredo de meu passado e
sempre reconheci o quanto devo a Mathew.
— Mas nunca pagou.
— Olhe aqui, — protestou ele — meu sucesso justifica a fé que ele depositou em mim!
Eu fui um bom aluno. Será que isso não basta?
— Naquela época talvez bastasse, mas não agora. Ele está doente, está aí no
Kinsale, bem do outro lado da rua.
— Pobre velho! Eu vou visitá-lo, vou levar umas frutas para ele... qual é a hora de
visita?
— Mas quanta bondade a sua! — Os olhos de Diana faiscaram. — Esse homem
praticamente adotou você! Foi ele quem comprou suas primeiras tintas e pincéis,
reconheceu seu talento e o incentivou, fez de você o sucesso que é hoje... Não acha que
deve a ele mais do que umas simples frutas?
Clive olhou-a atônito. Diana sempre o idolatrara e jamais abrira a boca para criticá-lo.
— Que direito tem você de julgar?
— Não estou julgando. Estou preocupada com meu paciente e com o ser humano que
ele é. Há algo sobre ele que você não sabe, algo que você saberia se o tivesse procurado
antes, e talvez até evitado que acontecesse. Ele não está só doente, está na miséria!
Clive ficou em silêncio por alguns minutos, depois falou devagar.
— Não posso acreditar... não é possível!
— Está bem, então vou levar você para ver a pocilga onde ele está morando. Aí você
vai acreditar, quando vir o quarto miserável, naquele bairro sórdido, os tubos de tinta
quase secos... os pincéis gastos. Também não sei como ele chegou a isso, mas posso
imaginar. Acontece com muitos artistas que saem de moda e são esquecidos pelo
público. Deve ter sido por isso que nunca respondeu a sua carta... orgulho! Não queria

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que você soubesse o que estava acontecendo com ele. Mathew é tão orgulhoso que
escondia de todos no hospital sua verdadeira identidade.
— E como foi que você descobriu, então?
— Eu fiquei desconfiada, por que o rosto dele me pareceu familiar, mas não conseguia
situá-lo. Você me mostrou várias fotografias suas quando criança e ele aparecia em
várias delas, e também nos recortes de jornal que você guardava...
— Ainda guardo.
— Que bom! Mas eu só tive certeza mesmo quando vi seus quadros pendurados na
parede do quarto dele. É verdade que Mathew está mais velho e doente, mudou bastante,
mas quem mais poderia guardar seus trabalhos por tanto tempo?
— Ah... pode ser alguém que os tenha comprado, eu já vendia meu trabalho naquele
tempo.
— Ora, mas um estranho jamais guardaria obras que valem muito agora, preferindo
passar fome.
Clive balançou a cabeça pensativo e depois perguntou:
— Quando posso vê-lo? Esta noite?
— Você quer mesmo vê-lo?
— É claro que sim! Que espécie de homem você pensa que sou? Está bem...
reconheço que tenho sido desatencioso, omisso e egoísta, mas posso me redimir, não
posso?
— Pode. E como pretende fazer isso?
— Sei lá... vou tirá-lo do quartinho miserável, montar uma casa decente para ele, dar
uma força para que ele se erga novamente...
— Vai ter que fazer isso com muito cuidado, com sutileza — ela preveniu. — Ele tem
horror de caridade e se desconfiar que é isso, ele some outra vez.
— Está bem, está bem... prometo que vou fazer tudo direitinho Então, quando posso
vê-lo?
— Amanhã seria melhor e vamos fazer o seguinte: quando você for visitá-lo você leva
esses quadros. Quero que diga a ele que foi você quem os tirou do quarto dele. Diga que
esteve lá comigo, ou sozinho, se preferir...
— Vou dizer que fui sozinho, que você me deu o endereço dele...
— Isso mesmo! E que eu peguei o endereço dele no arquivo, o que aliás é verdade.
Ele estava preocupado que pudessem roubar os quadros do quarto dele, até me pediu se
eu podia arranjar alguém para ir buscá-los porque não queria que eu fosse sozinha
naquele bairro... é perigoso.
— E você foi assim mesmo! — ele se surpreendeu.
— Já tinha ido quando ele falou e não sabia que o bairro era tão ruim... mas não me
arrependi. Só não queria que ele soubesse porque poderia parecer intromissão. Depois
que ele pediu, aí ficou diferente e então pensei em você. Agora entende por que não
podia falar com você, ontem, na festa, diante de toda aquela gente?
Ele entendeu não apenas isso, mas também que se enganara pensando que ela ainda
o amava. Fora vaidoso e pretensioso. Diana mudara muito depois que fora para Hong
Kong. Estava mais segura e amadurecida.
— Eu lhe agradeço muito por isso — ele disse meio sem jeito. — Prometo que vou
cuidar de Mathew até ele se restabelecer.
— E prometa que não vai mais perder o contato com ele. ..
— Prometo.
Diana levantou-se, entregou a ele o pacote e vestiu o casaco.
— Leve assim como está... embrulhado em jornal, assim ele vai ter certeza de que foi
embrulhado no quarto dele mesmo e que você foi até lá. Obrigada por não ter me
decepcionado, sempre acreditei no seu bom caráter.

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Ele sorriu com certa melancolia.


— Eu nunca mereci a auréola que você colocou em mim, e também não quero
merecê-la...
Ela riu.
— Ora, auréolas não ficam bem em seres humanos.
Na porta do "Sickle Moon" eles se despediram. Clive inclinou-se e beijou-a, e ela
aceitou o beijo.
— Este é em nome dos velhos tempos — disse ele com as mãos ainda nos ombros
dela. — E esse é por hoje e talvez pelo futuro...
Ele a beijou de novo e lá do outro lado da rua, de uma janela do hospital, Jonathan os
viu. Afastou-se da janela furioso e com uma enorme mágoa.
Diana afastou Clive delicadamente.
— Em nome do futuro, não, Clive... — ela disse.
O futuro ela imaginava com outra pessoa, embora não tivesse muita esperança.

Chang estava de plantão quando Clive apareceu no dia seguinte. Ele parou na porta,
olhando os Jeitos, à procura de Mathew.
— Posso ajudá-lo, senhor? Está procurando alguém?
Ele ia dizer o nome quando se lembrou o que Diana tinha contado a respeito da
identidade de Mathew e então disse apenas que tinha ido ver Elias. Entretanto antes que
a enfermeira respondesse, ele avistou o velho numa das camas. Parecia estar dormindo,
estava bem mais velho e muito mudado mas Clive o reconheceu e ficou emocionado.
Foi andando devagar em direção à cama dele. A miséria, o sofrimento e a doença
haviam deixado marcas profundas no rosto de Mathew e embora Diana o tivesse
prevenido, Clive não estava preparado para enfrentar aquela realidade.
O velho estava de olhos fechados, por isso não viu quando Clive parou aos pés da
cama. Chang observava de longe, curiosa. Estava imaginando como é que um estranho
perguntara por Elias, sendo que esse nome tinha sido inventado pelo pessoal do hospital.
Mathew não estava dormindo, é que nas horas de visitas sentia aumentar a sua
solidão ao ver que todos na enfermaria recebiam visitas, menos ele, então sempre fingia
que estava dormindo.
Naquele momento pensava justamente quanto tempo ainda teria que ficar ali no
hospital. Estava ansioso para voltar a sua vida obscura, no quartinho em Wanchai. Lá,
apesar da miséria, pelo menos tinha privacidade e podia esquecer quem era. Ganhava
algum dinheiro conduzindo turistas por Hong Kong e vivia isolado, sem amigos. A única
pessoa que o visitava às vezes era a velha prostituta, proprietária do quarto onde morava.
Ali, deitado naquela cama, as lembranças tomavam conta dele, torturando-o. .Desde
que falara com Diana sobre os quadros, sua preocupação aumentara ainda mais. E se
aquela prostituta velha os tivesse roubado? Aí, sim, perderia a última coisa de valor que
ainda lhe restava; o único elo com os dias mais felizes de seu passado, quando ainda era
famoso e encontrara aquele menino cheio de talento de quem ele cuidara como se fosse
um filho.
Elias não era do tipo que se deixava levar pela auto-piedade, mas estava muito fraco e
cansado para combater a depressão. Não tinha mais forças para .lutar, quase não
conseguia mais ter esperança, mas como sabia que essa era a última chama que o
mantinha vivo, agarrava-se a ela, obrigando-se a crer que melhores dias viriam.
Ele não era um homem religioso no sentido de frequentar igrejas, mas tinha fé e, na
sua opinião, isso era o que faltava à humanidade. Ele tivera fé no menino que pegara
para criar... ele o amara como filho, acreditara nele naquela época como acreditava
agora. Sabia que ele voltaria um dia, que iria procurá-lo, era só uma questão de tempo.
Sabia que ele estava ocupado com o trabalho... quando uma pessoa quer obter sucesso

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

numa carreira qualquer, tem que se dedicar integralmente, concentrar todo seu esforço e
sua energia... E sem dúvida o rapaz não sabia que ele estava naquele estado lamentável,
o que aliás era o que Mathew queria.
Entretanto, daria tudo para abrir os olhos e encontrá-lo ali olhando e sorrindo para ele
daquele jeito meio arrogante mas muito meigo também. Será que ainda usava aquelas
roupas desleixadas ou agora já andava elegante e bem vestido?
Com certa relutância, Mathew abriu os olhos. Não queria mais pensar nessas coisas.
Muita introspecção não era bom. Era melhor trancar de novo as lembranças bem no fundo
da memória e se distrair apreciando o movimento da enfermaria. Assim que abriu os
olhos, entretanto, deparou com uma figura alta, perto de sua cama, uma silhueta
recortada contra a luz da janela... Mas não dava para ver o rosto. Quem seria? Não podia
ser um médico porque eles nunca iam à enfermaria no horário de visitas...
Mas, aqueles ombros... aquele jeito de virar a cabeça... Era alguém que ele conhecia!
Fechou os olhos de novo e depois os reabriu e a figura continuava lá, agora estava mais
próxima dele e o olhava fixo.
Mathew ficou assustado. Seria sua imaginação ou aquela figura era mesmo real?
Agora podia ver o rosto barbado e jovem. Ele nunca o tinha visto assim...
— Mathew, — disse o rapaz suavemente — não está me reconhecendo?
As mãos do velho tremeram sobre as cobertas e Clive se inclinou e segurou-as entre
as suas. Meu Deus, como ele estava magro! Como envelhecera! Aquelas mãos que ele
tanto admirara e que o guiaram em sua pintura... Há muito tempo que Clive não se sentia
tão emocionado. Quando finalmente falou precisou fazer um grande esforço para que sua
voz soasse natural.
— Sou eu... Clive. O filho pródigo. Lembra-se?
Os olhos do velho se encheram de lágrimas, ele respirou fundo e disse com voz
gutural:
— Você demorou para voltar...
— Demorei demais, mas agora voltei para sempre, não vamos mais nos separar.
Clive ainda estava impressionado .com a patética fraqueza de seu mestre e tutor. Mal
podia olhar para aquelas mãos magras e trêmulas, mas o velho já não se sentia mais
fraco e acabado. Era de novo Mathew sendo visitado pelo rapaz que ele orientara desde
menino... havia um laço de afetividade e aquele reencontro lhe trouxe um novo alento.
— Puxa, que susto eu levei, rapaz... pensei que estivesse ficando caduco e
esclerosado... vendo coisas que não existem... Você aqui, bem na minha frente!
— Ora, o senhor está em forma! Aposto como nunca vai envelhecer!
— Ah, isso é verdade — concordou Mathew. — Não se impressione por eu estar aqui
nessa cama, enfaixado, pois continuo ativo como sempre fui!
— Tenho certeza absoluta.
— Bem... para falar a verdade, quase tão ativo. A doutora Diana acredita que ficarei
em forma, por isso não posso decepcioná-la, não é? Mas... como foi que me encontrou?
Há anos que eu não estou mais no endereço que você tem...
— Foi o que imaginei quando o senhor não respondeu a carta que lhe escrevi.
— Você esperou que eu respondesse? Ah... eu sou pior do que você para escrever
cartas! .
— É, eu devia ter escrito outra vez... — ele disse, com sentimento de culpa.
— Ora, deixe de besteira... isso não era do seu feitio. E não fique me olhando desse
jeito, não estou inválido! Foram só umas costelas quebradas... e assim que eu me livrar
disso vou voltar a trabalhar! Aliás, se quer saber, eu até poderia estar trabalhando agora!
Eu posso andar e sentar... É que eu não tenho material aqui. Há alguns rostos
interessantes nesse hospital, que eu gostaria de pintar... aquela enfermeira ali, por

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exemplo, com aquela mistura de sangue oriental e ocidental... a dra. Diana, claro! Você
precisa ver que cabelos bonitos ela tem!
— Eu já vi — disse Clive. — Eu conheço Diana há muito tempo.
— Ora, mas que diabo! Ela não me disse nada.
— E como é que ela ia saber que o senhor me conhece?
— É, você tem razão. Mas, afinal, como foi que me encontrou? Que pista você
seguiu?
— Esta aqui... — Clive colocou os trabalhos sobre a cama. — Aliás, nem sei porque o
senhor guardou essas porcarias, estão mal feitos...
O rosto de Mathew se iluminou.
— Ah, graças a Deus! Então ela providenciou para mim! Eu pedi a Diana que fizesse
isso para mim, mas disse que era melhor não ir sozinha... — ele se interrompeu,
bruscamente. Agora estava tudo claro. Clive tinha ido a seu quarto... era inútil continuar
fingindo que estava tudo bem. — Olhe, não se impressione com aquele lugar onde estou,
é apenas temporário. É que eu fiquei doente, mas tenho vários trabalhos
encomendados... — ele parou de novo. A voz sumiu. De que adiantava mentir? Se Clive
fora ao seu quarto ele tinha visto também o material gasto, as telas miseráveis, que ele
utilizara várias vezes, fazendo uma pintura em cima da outra, até que ficassem
imprestáveis. Por isso admitiu humildemente a verdade. — Ora, eu sou um péssimo
mentiroso, não sou?
Clive sorriu.
— Ainda bem que mentiu, porque então quer dizer que pode me ajudar.
— Você precisa da minha ajuda? Ora, você já passou dessa fase, há muito tempo!
— Aí é que o senhor se engana. Estou precisando me renovar e preciso trabalhar com
um mestre, alguém que tenha mais experiência do que eu. Estou pretendendo me fixar
em Hong Kong por uns tempos, se o senhor concordar em trabalhar comigo.
Mathew ficou alguns instantes em silêncio antes de responder .
— Você sabe muito bem que eu não posso! Se você viu meu quarto em Wanchai sabe
por quê.
— Não se preocupe com a parte financeira. Eu ganhei bastante dinheiro e dá para
vivermos confortavelmente por um bom tempo. Sabe, eu fiz nome como cenógrafo, mas
estou um pouco cansado desse trabalho, do teatro e dos que trabalham nele.
Ele estava pensando em Glória que o abandonara para correr atrás de Jonathan.
Realmente a ideia de ficar em Hong Kong trabalhando independente outra vez, sem ter
que tolerar mais explosões temperamentais dos diretores teatrais o atraía muito. E o que
dissera também era verdade... precisava mesmo da orientação de seu mestre outra vez,
não só em seu trabalho mas também em sua vida.
Sem dúvida Glória não ia gostar. Devia estar pensando em se divertir um pouco com
Jonathan e depois reatar com Clive quando voltassem para Londres. Só que ia cair do
cavalo porque ele, Clive, não, ia admitir essa situação.
— Pense nisso, Mathew. E lembre-se que antigamente nós dois vivíamos com o
dinheiro que o senhor ganhava. Agora, não seja tão orgulhoso, não tem nada demais
vivermos com o que eu ganho!
O velho resmungou qualquer coisa sobre o fato de não gostar de caridade e Clive
explodiu.
— Por que fala em caridade? O senhor vai ser útil para mim! Já não disse?! Eu preciso
mesmo me renovar. Tenho trabalhado tanto com cenários que quase já esqueci como
lidar com telas! Estou falando sério, eu preciso da sua ajuda de verdade! A gente pode ter
um estúdio em conjunto. Quero que o senhor seja meu crítico e meu colega de trabalho.
Não entende que não estou dando nada? O senhor é quem vai dar...

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Clive obteve o resultado que queria e sentiu-se imensamente satisfeito com o primeiro
gesto altruísta de sua vida. Mathew estendeu a mão direita.
— Combinado, então, aperte aqui...
Quando os dois trocavam um aperto de mão, selando o trato, Clive viu Diana entrar e
se aproximar. Ele fez um gesto imperceptível. Ela sorriu e se afastou.
Chang entrou na enfermaria para avisar que o horário de visitas estava encerrado e
ficou olhando, curiosa. Chris aproximou-se dela e disse em tom alegre.
— Olá, gatinha, como tem passado?
Chang quase não o vira depois daquela noite em que o encontrara doente, só se
encontravam por acaso no refeitório ou em serviço, é claro, mas ele não conversava mais
com ela, só falava de coisas impessoais... desde aquela noite o relacionamento deles
esfriara. Chang levara a sério o que Chris havia dito e se afastara dele, embora o amasse
cada vez mais.
— Muito bem, obrigada, dr. Chris. Não esperava vê-lo por aqui a essa hora.
— Hoje estou fazendo minha visita de rotina mais cedo. Meu plantão acaba às seis
horas e há vários casos pós-operatórios para serem examinados.
— Leitos seis e doze, atrás da cortina, lá no fundo — informou Chang e foi na frente
conduzindo-o até lá — Ele a acompanhou, com o olhar fixo nas costas dela. Estava com
saudades da velha camaradagem. Sabia que a culpa era sua, mas ela não lhe dera
chance de se desculpar.
Quando passaram pela cama de Elias, Chris viu o visitante que já se retirava e
surpreendeu-se.
— Ué, pensei que esse homem não tivesse amigos — ele comentou.
— Eu também. Essa é a primeira vez em sua vida que ele recebe uma visita. É
engraçado... — Ela ficou pensativa.
— Engraçado o quê?
— Uma coisa... é que esse visitante chamou-o pelo apelido que nós demos. Só nós
sabemos que ele se chama Elias! E tem mais... — ela ia dizer que Diana talvez tivesse
alguma coisa com aquela história, mas preferiu ficar quieta.
— Mais, o quê?
— Ah, não é nada — disse ela e deu de ombros.
Chang abriu a cortina que rodeava o leito seis e retomou sua atitude profissional, até
que Chris saiu da enfermaria.
No corredor ele cruzou com Jonathan que perguntou como ele estava e depois ao
entrar no saguão principal viu duas pessoas conversando com ar sério. Eram Clive e
Diana.
Jonathan também passou por ali, mas nem parou, não queria presenciar outra cena
romântica entre eles. Pouco depois Diana foi chamada através do "bip".
— Dra. Diana, é favor se apresentar na sala do superintendente com urgência!
Ela ainda estava sorrindo quando entrou na sala de Jonathan e isso o enfureceu mais
ainda.
— Pois não? Mandou me chamar, doutor?
— Gostaria de lembrá-la, doutora, de que não se permite visitas particulares no
hospital durante as horas de serviço, nem para enfermeiros nem para médicos. Por favor,
peço que combine seus encontros, daqui em diante, fora do Kinsale!
Ela ficou perplexa e depois furiosa, mas se controlou.
— A que visita particular está se referindo, doutor? – ela perguntou com frieza.
— A visita de Clive Field, naturalmente. Eu vi vocês se despedindo lá no saguão.
Ela ergueu a cabeça com arrogância.
— Isso é tudo o que tinha para me dizer, doutor?
Ela se mantinha fria e isso o enfurecia cada vez mais.

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— É, sim — ele respondeu. — Por enquanto.


Diana saiu da sala morrendo de ódio dele. Como é que ela tinha imaginado que esse
homem era humano, capaz de amar?!

CAPÍTULO XII

Entre o segundo e o terceiro ato do "O Mercador de Veneza" bateram na porta do


camarim de Glória. Era Clive.
— Você está atrasado — ela comentou secamente.
— Como, se não tínhamos nada marcado? Pelo menos eu não me lembro.
Ela mandou a camareira sair e ficou se olhando no espelho, retocando
cuidadosamente a maquilagem.
— Vim apenas lhe dar uma notícia — disse Clive. — Vou deixar a Companhia quando
terminar o festival e vou ficar em Hong Kong.
— Ora, mas que maravilha, querido! Eu vou fazer exatamente a mesma coisa, quer
dizer que vamos poder continuar a nos encontrar. É claro que não com a intimidade de
antes...
Ele arregalou os olhos.
— Você!... Vai ficar em Hong Kong? Quer dizer que está pretendendo tirar férias, é
isso? Mas eu conheço você bem, sei que em pouco tempo vai se entediar sem o palco, a
publicidade, a fama!
— E quem lhe disse que não vou ter tudo isso? Como esposa de um cirurgião famoso
vou ser bem importante na sociedade de Hong Kong.
— Meu Deus! Não me diga que conseguiu fazer com que ele a pedisse em
casamento! Parabéns, então. Sabia que você estava fazendo um cerco... mas conseguiu
rápido, hein? Só que pensei que você fosse contra o casamento... pelo menos era o que
dizia quando eu tocava no assunto.
— Porque eu não podia ficar noiva de dois homens, querido!
— Dois?! Quer dizer que...
— Que já estou noiva há muito tempo.
— Então, já estava noiva de Jonathan, quando começou o caso comigo? É isso que
está dizendo?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Isso mesmo, noivinha da silva! Tenho até o anel que ele me deu e uso sempre, olhe
aqui.
— Mas você nunca disse que era um anel de noivado! Hoje em dia todo mundo usa
anel em todos os dedos, como é que eu ia saber? Você devia ter me contado!
— E por quê? Jonathan veio trabalhar aqui em Hong Kong, eu tinha meu trabalho em
Londres... Você não ia querer que eu vivesse como uma freira só porque ele estava
longe. Só que agora o destino nos uniu de novo. É realmente muito romântico! Se você
vai mesmo ficar aqui, espero que vá nos visitar de vez em quando. Velhos amigos são
sempre bem-vindos. Quanta tempo pretende ficar?
— Para sempre.
— Mas e a Companhia? Você não pode abandoná-la assim. Você tem um contrato! .
— Você também tem e aposto que vai dar um jeito, como eu, para rompê-lo... sempre
há um jeito.
— É, quem não vai gostar é o empresário.
— Eu sei, vai me fazer pagar a multa mas eu pago de bom grado. Vou voltar a fazer o
trabalho que realmente quero e gosto, com uma pessoa muito querida com quem
pretendo me unir.

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Uma mulher?! — ela perguntou, erguendo a sobrancelha.


— Não. Um homem. Ele deve estar com mais de setenta anos e é o melhor amigo que
já tive. Foi meu mestre e tutor. Agora, quero retribuir tudo o que ele fez por mim e estou
muito feliz em poder fazer isso. Amanhã cedo vou telegrafar para Londres e falar com o
empresário. Quanto a você, acho que não a verei mais. Virei ao teatro de vez em quando,
é claro, mas fora disso tenho uma porção de coisas para resolver. Preciso alugar um
apartamento que dê para instalar um estúdio. Já vi um, num lugar ótimo, bem iluminado...
vou até lá amanhã, portanto pode me desejar boa sorte.
Glória jogou um beijo para ele.
— É claro que desejo, querido. Parece que nós dois estamos numa boa, não é
mesmo?!
Entretanto, assim que ele fechou a porta atrás de si, ela socou a mesinha do camarim.
Não gostava de ser passada para trás por nenhum homem, mesmo os que não queria
mais!

Embora não praticasse mais a medicina, o hospital continuava a ser um dos maiores
interesses na vida de Hammond, além, é claro, de seu filho. Ele era presidente da
diretoria do Kinsale, conhecia todos os funcionários, médicos e enfermeiras e tinha um
interesse paternal pelo bem-estar de cada um. E ele não ia ao hospital só para as
reuniões de diretoria; estava sempre por ali, ajudando os pacientes, escrevendo cartas,
trazendo livros para os que não podiam fazer essas coisas. Fazendo esse tipo de trabalho
voluntário, ele continuava a se sentir útil e de certa forma mantinha-se em contato com a
medicina. Isso era importante para ele e afastava o tédio da sua vida de aposentado.
Por isso Jonathan não se admirou quando viu o pai entrando em sua sala, ao
contrário, alegrou-se. Eles costumavam conversar muito, comentar as últimas novidades
e o pai era um bom ouvinte quando queria se desabafar. E era justamente o que Jonathan
estava precisando naquele momento.
Hammond é que se admirou de ter visto o filho sentado à escrivaninha, diante de
vários papéis, com o ar ausente de quem está com o pensamento longe. Logo ele que era
tão dedicado ao trabalho!
— Você e Glória voltaram? — Hammond foi dizendo sem preâmbulos. — Espero que
não. É claro que eu não tenho o direito de julgá-la, pois só a conheço de vista, da festa
daquela noite, mas não gostei do jeito dela. Ela monopolizou você a noite inteira! É muito
bonita, claro, mas não é a mulher certa para você! Sei que já estou falando demais e que
se perguntar a você o que conversaram aquela noite, você vai dizer que não é da minha
conta... mas era algo muito importante?
Jonathan se levantou. Ele estava sentado lá pensando em Diana desde que ela saíra
de sua sala; pensara em Glória também e na confusão em que se metera; pensara em
Clive e ficara se perguntando por que homens do tipo dele, arrogantes, rudes e sem a
menor delicadeza conseguiam tudo das mulheres. Diana parecia ter esquecido que Clive
a maltratara muito a ponto de fazê-la fugir para o outro lado do mundo. Continuava
apaixonada por ele, apesar de Clive tê-la enganado com sua melhor amiga e depois ter
se ligado a Glória!
Enquanto ele estava ali, ardendo de amor, querendo contar a Diana o quanto a
amava, querendo casar com ela e não apenas ter um caso... e ela não queria ouvir! Era
preciso esperar o momento certo, se desse um passo em falso poderia estragar o
relacionamento antes mesmo dele começar... e Jonathan não queria perdê-la! Queria,
isso sim, que Glória voltasse para Londres, que saísse de sua vida e o deixasse em paz.
Ele não a amava, não sentia mais nada por ela, nem mesmo a atração física que
antigamente o enlouquecia. Ainda bem que não se casara com ela naquela época! A
mulher de sua vida era Diana, era com ela que pretendia se casar e ter filhos...

Livros Florzinha - 61 -
Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

Emergindo de suas divagações, ele olhou o rosto amável do pai e viu que ele estava
preocupado, embora tentasse disfarçar.
— Não, papai, não me incomodo de falar... A conversa com Glória foi importante, sim.
Eu estava tentando convencê-la de uma vez por todas que não há mais possibilidade de
reatarmos a relação, não há mais nada entre nós, nem pode haver. Mas ela não
concordou com isso.
— Mas por quê? Meu Deus do céu! Que direito tem ela de agarrar você assim desse
jeito?
— Ela diz que ainda estamos noivos, que ela não rompeu o noivado, não me devolveu
o anel quando eu voltei para cá, que ficou me esperando todo esse tempo, e acha que eu
tenho obrigação de me casar com ela.
— Imagine só! Até parece que ela se conformaria com a vida simples de uma esposa!
Ela não foi feita para isso, logo começaria a sentir falta do palco e da consagração do
público e ficaria frustrada.
— Foi o que eu disse a ela, mas nã0 adiantou. Glória insiste que será uma boa
esposa, embora eu saiba que tudo isso é puro interesse. Ela está impressionada com
Hong Kong, com as festas, a sociedade... e está pensando que vai ser sempre assim, por
isso decidiu ficar.
— Mas não com você, ora essa! Você não vai concordar com essa loucura, vai?
— Jamais! Eu não a amo. Eu amo...
Ele ia dizer Diana, mas mordeu o lábio e o pai fingiu não perceber. Logo depois, saiu
da sala de Jonathan satisfeito e cheio de novas ideias.

Clive ia todos os dias ao hospital visitar Mathew. Às vezes encontrava Diana, mas só
de passagem. Ali ele descobriu uma nova faceta dela, totalmente desconhecida para ele,
até então... era uma médica eficiente, segura, muito querida pelos colegas e enfermeiros
e adorada pelos pacientes. Pensando bem, só agora começava a conhecê-la de verdade.
Seria bom se pudesse reconquistá-la...
Um dia, quando se encontraram no corredor, Clive aproveitou e disse que gostaria que
ela fosse com ele ver alguns apartamentos para alugar pois gostaria de ter a opinião de
uma mulher.
— Não sei por quê, você quer minha opinião se lá só homens vão morar. Mas se você
quer companhia, está bem... eu vou. Sei que é chato procurar apartamento sozinho. Eu
lembro quando estava em Londres com Pearl...
— Por falar em Pearl começou ele, mas Diana o interrompeu imediatamente.
Você não me deve desculpas nem explicações. Ela é minha amiga e eu gosto dela,
além disso Pearl me ajudou a arranjar este emprego e só por isso eu já sou imensamente
grata. Foi uma fraqueza feminina que posso entender muito bem... A vaidade de tomar o
homem de outra mulher... pode acontecer comigo ou com qualquer uma. E já que você
estava dando em cima dela... quem pode culpá-la?
— Então, quer dizer que ainda são amigas?
— É claro, ela me escreve sempre e em breve voltará a morar aqui.
— E eu, como é que fiquei para você? Como amigo?
— É, e espero que continue assim.
— Só como amigo? Nada mais?
Ela sorriu e fez que sim com a cabeça.
— Você não está apaixonada por outro, está?
— Por acaso eu lhe faço perguntas desse tipo?
— Quer dizer que está, senão não responderia com evasivas... Quem é ele? Eu
conheço?

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Bianca 010 - Amor sem preço - Jéssica Blake

— Pois não vou responder isso também. Não é da sua conta. Por acaso alguma vez
lhe perguntei sobre Glória?
— Não, mas pode perguntar agora. Está tudo acabado entre nós. Eu disse a ela o que
pretendo fazer e ela me contou que também tem planos. Assim, cada um vai para seu
lado e pronto.
— Ah, é? E quais são os planos dela? — perguntou Diana automaticamente, sem
interesse.
Clive riu.
— Você vai ficar admirada. Eu fiquei atônito! Ela vai ficar em Hong Kong para se
casar.
— Casar?! Com quem?
— Com o noivo dela, parece que estão noivos há muito tempo, mas estavam
separados por causa do trabalho dele que é aqui. Só que ela não ficou esperando por ele
feito uma santa... Glória aprontou bastante, eu não fui o único homem na vida dela... mas
não foi isso o que mais me surpreendeu. Foi saber quem é o homem com quem ela vai se
casar. Acho que não combinam nem um pouco, mas enfim, deve haver algo entre eles
para que se decidam casar... Sinceramente, Diana, você pode imaginar uma mulher como
Glória casada com um pacato cirurgião de Hong Kong?
Diana ficou gelada. Quis falar mas a voz não saiu. Ficou olhando Clive de olhos
arregalados. Estava pálida. Depois seus olhos se encheram de lágrimas e ela se afastou
trêmula, recusando o apoio de Clive. Ele ficou lá, parado, e não teve dúvidas. Então era
Jonathan o homem que ela amava.

CAPÍTULO XIII

Glória surpreendeu-se um pouco mas gostou da ideia, quando Hammond a convidou


para almoçar.
Então Jonathan contara ao pai que iam se casar! E se ele a estava convidando para
almoçar era porque estava de acordo com a escolha do filho e a aceitava como nora! Ela
ficou eufórica. Isso queria dizer que Jonathan tinha caído direitinho na armadilha!
Glória chegou ao apartamento de Hammond com uma pontualidade fora de seus
hábitos. Enquanto o discreto empregado servia os aperitivos, ela examinava o ambiente
luxuoso.
— Mas que belo apartamento o senhor tem! No dia da festa nem pude apreciá-lo
direito, mas agora...
— Agora, o que acha dele?
— Ah, é lindo! Realmente acho que aqui em Hong Kong o padrão de vida das pessoas
é bem mais elevado! Um apartamento de cobertura, como este, custaria uma fortuna em
Londres!
— Aqui também custa.
— Mas em Londres poucas pessoas podem se dar a esse luxo. Sabe como é, os
impostos são altíssimos, o custo de vida, a inflação...
— Aqui é a mesma coisa.
— Ah, mas nem se compara! Olhe só para isso aqui... — Ela foi até o terraço com a
magnífica vista para o mar e as montanhas ao longe. — Sabe o que vejo da janela do
meu apartamento em Chelsea? Uma usina de tratamento de águas!
— Mas se você não olhasse tão longe, veria o encanto do bairro, com suas
construções vitorianas, as barcaças passando pelo rio... muita gente famosa morou em
Chelsea, Você mesmo é uma delas! Uma artista brilhante que ainda poderia ter muito
sucesso... Eu a admiro por desistir de tudo isso! Jonathan me contou a novidade e eu

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fiquei encantado. O fato de querer abandonar sua carreira, no auge, aceitar o


esquecimento do público, para ficar ao lado de meu filho, aceitando a vida que ele tem
para lhe oferecer, é prova de muita dedicação e amor.
Glória deu um gole na bebida, sem saber ao certo o que responder. Aquela ideia de
cair no esquecimento a assustara bastante. Também não precisaria se afastar assim
completamente... que diabo! Poderia ir a Londres de vez em quando, gravar algum
programa para televisão, filmar uma série...
Durante o almoço a conversa foi leve e inconsequente, depois sentaram-se no jardim
para tomar o café. Glória não parava de admirar o requinte do lugar. Sorria para o futuro
sogro de modo cativante, contente com a ideia de que Jonathan seria seu único
herdeiro. .
Nunca imaginara que ele fosse de uma família tão rica! Ele sempre fizera questão de
parecer apenas um simples cirurgião recém-formado, quando o conhecera em Londres!
Graças a Deus que descobrira a tempo de remediar... não o teria deixado escapar assim
naquela época! Desde que Jonathan voltara a Hong Kong, ela tivera vários homens,
sempre procurando um que desse certo... e isso significava encontrar um que fosse rico,
dedicado, apaixonado, e estivesse disposto a colocar os interesses dela em primeiro
lugar. Por isso não dera certo com nenhum.
Já estava com seus trinta anos... mais uns dez e não poderia mais interpretar papel de
mocinhas no teatro, talvez tivesse que começar a fazer papéis secundários, a não ser que
tivesse dinheiro suficiente para se tratar, para fazer cirurgia plástica. Era terrível
envelhecer... principalmente, para artistas que estavam sempre em evidência! Não, dessa
vez não ia deixar escapar a oportunidade. Devia ser o destino que afizera ir para Hong
Kong e encontrar Jonathan de novo! .
— ...por trás de uma fachada — estava dizendo Hammond.
Ela estivera tão distraída que nem percebera que ele estava falando.
— Desculpe-me, dr. Kinsale...
— Todo mundo me chama de Hammond. Pode me chamar assim também.
— Ah, é claro... mas preferia chamá-lo de papai.
— Por enquanto ainda não.
— Ora, o senhor vai ser meu sogro...
— Desculpe, mas é que não a conhecia... e você entende, preciso me acostumar com
a ideia...
— O senhor se acostumará logo!
Ela sorriu e apoiou a cabeça no encosto da cadeira. Sentia-se langorosa e contente
como uma gata bem alimentada.
— O que o senhor estava dizendo sobre fachada?
— Que as pessoas se impressionam com a fachada das coisas, mas deviam procurar
o que há por trás, deviam se aprofundar. As aparências enganam, às vezes...
— Não estou entendendo muito bem.
Hammond sorriu.
— É simples. Estou dizendo que você está impressionada com essa aparência de
riqueza, .esse bairro chique onde moro, esse apartamento, mas não sabe o que há por
trás disso. -Ele fez um ar de resignação e encolheu os ombros. — É triste mas é a
realidade. Nós tivemos essa vida abastada até agora porque o Kinsale é um hospital
particular, pertenceu a nossa família, depende de capital privado... mas agora o governo
está tomando conta de tudo, vamos depender de verba governamental para funcionarmos
e isso é um caso sério! Como vê, estamos com os dias contados aqui. É uma questão de
meses... um ano no máximo! Pobre Jonathan, ele tenta esconder as coisas... ainda bem
que ele encontrou uma moça como você, disposta a se dedicar a ele sem se importar com
mais nada... vai até largar a carreira para acompanhá-lo!

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— De que o senhor está falando? — Glória imediatamente se tornou desconfiada e


alerta.
— Da nossa falência iminente. Para Jonathan, coitado, vai ser um golpe, um passo
para trás na carreira dele... para mim já não importa. Posso alugar um apartamento
pequeno e modesto. Na minha idade, a gente se contenta com pouco... mas Jonathan
está arrasado... sendo funcionário público ele vai ganhar bem menos e ele não está
disposto a aceitar isso, sabe, é uma questão de orgulho, por isso sei que vou sentir falta
dele, mas eu o compreendo.
— O senhor está dizendo que... que...
— Que ele vai procurar colocação num outro hospital, talvez na Austrália ou Nova
Zelândia... nem que seja numa cidade pequena, no deserto, ele só não quer continuar
aqui. Mas até que é romântico, não é? Viver perto do deserto... quilômetros e quilômetros
de areia, uma paisagem bem diferente, dizem que é muito bonito.
— Ora, mas isso é um absurdo! Um homem com a experiência de Jonathan, um
especialista com tanta habilidade não pode se enfiar assim num fim de mundo qualquer,
desperdiçando talento!
— Um médico nunca é demais, onde quer que haja seres humanos precisando dele!
Glória nem deu atenção ao tom de censura velada. Horrorizada, ela declarou não
acreditar nele.
— Como é possível acontecer isso com um hospital tão antigo como o Kinsale?!
— Crise financeira, minha cara! A diretoria vem lutando há tempos para conseguir
manter o hospital independente e para isso reduziu ao mínimo os salários. Jonathan já
está ganhando bem menos do que devia... e nós vivemos somente do que ganhamos,
não temos bens de família. Você vê, este apartamento é alugado, quando eu morrer não
deixarei nada para Jonathan... mas se eu não deixar dívidas já é uma grande coisa, não
acha? Por isso é que pretendo mudar para um lugar menor. — Ele estendeu a mão e
bateu de leve no braço dela encorajando-a. — Não se assuste, minha cara... Eu sei que
ele vai conseguir se estabelecer em algum lugar! Creio que na Nova Guiné ou nas ilhas
do Pacífico estão sempre precisando de médicos. É claro que não irá ganhar muito, mas
também acho que nesses lugares nem há onde gastar muito dinheiro, não é? Depois,
vocês dois estando juntos é o que importa, qualquer lugar do mundo é um paraíso quando
se está amando, não é? Eu sei que Jonathan ficará feliz só de ter você com ele.
— Mas eu não ficarei! — Ela colocou a xícara de café na mesa, com tanta força que
fez até barulho. — Como é que pode? Nenhuma mulher ficaria feliz com isso, quanto mais
eu com o talento que tenho! Aceitar me isolar da civilização, meter-me em lugares pobres
onde possa pegar uma febre amarela ou sei lá que doença pior!
— Ora, mas para que se preocupar com isso'? Afinal, seu marido é médico, pode
cuidar bem de você se apanhar alguma doença... — Ele não tinha a menor ideia de como
era a Nova Guiné, mas resolveu deixá-la pensar que era assim mesmo. — Você não sabe
como fico feliz em saber que meu filho terá uma esposa leal ao lado dele! Isso já é um
consolo para mim. Depois de ter vivido com todo conforto naquela casa ao lado do
hospital acho que seria mais difícil para ele se acostumar a uma condição de vida pior se
estivesse sozinho...
Ela o interrompeu, furiosa.
— O senhor está querendo me dizer que tudo isto aqui é apenas fachada? Que o
senhor não tem condições de viver neste apartamento de cobertura e que Jonathan
também é um "duro"?
— Infelizmente, é isso — ele fez cara de malandro. — Mas a gente tem que manter as
aparências, não é? Principalmente num lugar como esse, onde todos se conhecem. É
claro que quando a coisa estourar, a sociedade de Hong Kong fechará as portas para
nós. É por isso que Jonathan não quer ficar aqui. Você entende, não é? Deus a abençoe

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por ter voltado para ele na hora certa, Glória, quando ele mais precisa do apoio de uma
mulher que o ama!
Ela se ergueu indignada e inventou uma desculpa para ir embora.
— Ora, mas precisa mesmo ir embora? Que pena! Logo agora que estávamos
começando a nos conhecer melhor! — Hammond falou, com olhar pesaroso.

Uma hora depois, satisfeito da vida, Hammond correu para o hospital e chegou bem
na hora em que Elias vinha descendo as escadas ajudado por enfermeiros.. Na porta
havia um carro esperando por ele e Clive estava na direção. Diana e a supervisora
estavam lá fora também e Diana explicou a Hammond, que os dois iam até Sha Tin para
desenhar uns templos. Ela mostrou o equipamento de desenho no banco de trás do carro.
Tudo novo em folha. Diana estava maravilhada com a mudança que se operara em
Mathew, já nem podia mais pensar nele como Elias. Parecia um outro homem, cheio de
entusiasmo.
Hammond ficou contente com a notícia e quando o carro se afastou, ele comentou:
— Vocês conseguiram um milagre com esse homem! Que mudança! É inacreditável!
— Eu não — disse a supervisora. — Isso é mérito exclusivo da dra. Diana.
— Não, meu não, — retrucou Diana — de Clive Field.
Diana ia contar a história toda quando Jonathan se aproximou, descendo a escada de
entrada. Ela quis fugir, mas como não podia, esforçou-se para parecer calma e
controlada. Desde que Clive lhe contara a novidade sobre o casamento, ela estava
evitando Jonathan e sabia que ele percebera isso e estava bravo. Mas ela também estava
brava com ele. Jonathan a beijara, tocara em seu corpo, despertara seu amor e seu
desejo quando ele já pertencia a outra mulher. Vai ver estava pensando em Glória
naqueles momentos em que estivera com ela e se mostrara tão apaixonado e meigo.
Jonathan devia amar muito Glória, pois ela voltara depois de tanto tempo e ele correra
para ela.
Entretanto a mágoa era bem maior do que a raiva. Diana quase não dormia
ultimamente. Estava com olheiras e abatida. O pior era que não conseguia afastar a
lembrança daquele momento de arrebatamento nos braços de Jonathan, o calor dos
lábios dele, o jeito como a beijara, o corpo dele quente de desejo contra o seu. Aquilo
tudo parecia ter sido tão autêntico, tão espontâneo! E como fora maravilhoso!
Agora sim, sabia o que era amor de verdade! O que sentira por Clive fora algo imaturo,
uma paixão, uma atração muito forte... E agora que descobrira um sentimento tão bonito
não podia demonstrar! Teria que ir embora de Hong Kong o quanto antes. Era o melhor
que tinha a fazer!
Diana ouviu a supervisora conversando com Hammond, estava comentando sobre
Elias.
Não podemos mais chamá-lo assim... ele é Mathew Wade, um pintor famoso que teve
muito sucesso há algum tempo e, segundo o sr. Clive, vai ter de novo. Eu gosto daquele
rapaz. Nunca imaginei que ele fosse capaz de fazer o que está fazendo, mas é como se
diz... não se deve julgar pelas aparências, não é?
— Estava dizendo justamente isso a uma pessoa que almoçou comigo hoje! — disse
Hammond, mas a supervisora não entendeu a referência velada e ele mudou de assunto
logo em seguida. — Ah, a senhora já sabe que a diretoria aprovou os planos para a
ampliação? Vamos fazer um ambulatório maior, com maternidade e toda assistência pré-
natal, além de clínica pediátrica. Estamos indo de vento em popa, não é, Jonathan?
Ele se aproximou e Diana quis sair de fininho, mas Jonathan a deteve segurando-a
pelo braço.
— Realmente — ele concordou. — E o melhor disso é que vamos poder aumentar o
pagamento de todos.

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A supervisora sorriu com orgulho.


— Já estou até vendo nos jornais de amanhã a notícia da ampliação!
Entretanto, Hammond sabia que não sairia nada, por enquanto. Ele pedira aos
editores que aguardassem seu comunicado oficial para publicarem a notícia, o que
naturalmente só aconteceria depois que Glória tivesse ido embora.
— Estava contando a seu pai a história de Elias — disse a supervisora a Jonathan. —
Ele ainda não sabia...
— Ah, agora não se fala noutra coisa neste hospital e não é para menos! Clive me
contou que foi tudo obra de Diana. Precisa fazer com que ela lhe conte os detalhes,
papai, porque para mim ela não conta mesmo.
Jonathan lançou um olhar penetrante a Diana que sorriu sem jeito e entrou no hospital.
Ele correu atrás dela e alcançou-a no saguão.
— Dra. Diana, como superintendente deste hospital eu lhe ordeno que pare! Quero
conversar com você. Eu vi você ali fora e vim especialmente para isso. Desta vez não vai
me escapar! — Ele sorriu, triunfante. — Você tem me evitado e eu não suporto mais isso.
Há certas coisas que preciso lhe dizer. Principalmente sobre um capítulo de minha vida
que, graças a Deus, está prestes a se encerrar. Por favor, Diana, não fuja... Ouça o que
eu tenho para lhe dizer.
Nesse momento o pai e a supervisora entraram no saguão, mas ele nem se
incomodou. Estava tentando falar com Diana desde que Clive conversara com ele e o
fizera ver como estava sendo tolo. E não iria deixá-la escapar agora! Depois que Glória
telefonou, então, ele mal podia esperar para correr para Diana.
Glória telefonara há pouco para sua casa e estava furiosa.
— Escute aqui, por que não foi sincero comigo? — ela gritava do outro lado da linha.
— Por que me escondeu o que estava acontecendo? Pois fique sabendo que descobri
tudo a tempo, graças a Deus! Não precisa me explicar nada, não quero nem ouvir, só
quero que saiba que não vai mais haver casamento nenhum, nem que você me peça de
joelhos! E desta vez faço questão de lhe devolver o anel. Quando o receber já estarei a
caminho de Londres. Vou pegar o primeiro avião, portanto; isso é um adeus e para
sempre. Está tudo acabado entre nós!
Ele ficou tão contente que nem se lembrou de perguntar o que ela havia descoberto e
por que dissera que ele não tinha sido sincero. Não tinha a menor importância saber. A
única coisa que importava era que finalmente ele estava livre de Glória para sempre.
Ele segurou o braço de Diana de um jeito firme e decidido.
— Se não quiser me escutar agora, vou mandar chamá-la oficialmente ao meu
escritório, pelo interfone!
— Para mim, seu escritório está ótimo. Eu tenho mesmo alguma coisa para lhe dizer,
doutor.
Subiram as escadas juntos, ele ainda segurando o braço dela. Lá embaixo o pai ficou
olhando sorridente e esperançoso. No topo da escada Jonathan se virou e falou para o
pai:
— Não vá embora ainda, papai, quero lhe contar a novidade sobre Glória, mas só
depois que eu tiver tratado de um assunto muito importante. — Ele praticamente
empurrou Diana para dentro do escritório, fechou a porta e já foi logo dizendo: — Agora,
ouça-me...
— Não! Ouça-me você. Quero pedir demissão.
— De jeito nenhum! Não aceito.
Ela tentou falar, mas os lábios dele abafaram as palavras em sua boca. Tentou resistir,
mas fracassou. Novamente foi arrastada pela onda de paixão. Foi com um esforço sobre-
humano que ela conseguiu afinal afastá-lo.
— Eu falei sério! — A voz tremia mas Diana estava decidida.

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— Quero minha demissão já, quero sair deste hospital e sumir de Hong Kong!
— Vai fugir de novo? Só que desta vez é amor de verdade... você não pode, não
adianta... -Ele a tomou nos braços de novo. — Você não acredita que é amor? Eu vou
fazer você acreditar...
Ele a ergueu no colo, foi com ela até o sofá e sentou-se, assim, como se a estivesse
ninando, beijando-lhe os cabelos, o rosto, os lábios e murmurando baixinho:
— Eu amo você, Diana... eu amo você, minha querida... eu adoro você... quero que
seja minha para sempre... vou casar com você! Estou livre de Glória para sempre. Sei que
Clive lhe contou sobre meu noivado com ela. Clive me explicou tudo... desde o dia em
que você marcou o encontro com ele na casa de chá. Naquele dia eu vi vocês pela janela
do hospital... vi quando ele a beijou e morri de ciúmes...
Diana suspirou e o abraçou com força. De novo seus lábios sedentos se uniram e por
um longo tempo não houve mais conversa entre eles, até que Jonathan, ainda que
relutante, a afastou um pouco.
— Meu amor... se eu continuar beijando você desse jeito, vou esquecer que estou no
escritório e vou acabar perdendo o controle. É melhor não ficar nem perto de você...
Ele se ergueu delicadamente e foi se sentar longe dela.
— Temos que conversar, quero lhe explicar certas coisas e a primeira delas é sobre
Glória. Eu me apaixonei por ela há muito tempo, quando estive em Londres, mas foi
apenas uma ilusão passageira, só atração física... Soube disso quando comecei a amar
você. Então Glória voltou e quis reatar. Quanto mais eu resistia e dizia a ela que não
havia mais nada, mais ela tentava me envolver. Não sabia mais o que inventar, por isso
veio com aquela história de que ainda estávamos noivos porque ela não concordara com
o rompimento naquela época e não me devolvera o anel. Imagine que absurdo! Como se
eu fosse aceitar isso! Depois de ter conhecido você, jamais poderia casar com qualquer
outra mulher! Se demorei para me declarar, foi porque eu achava que você ainda estava
apaixonada por Clive e portanto eu não tinha a menor chance de me tornar seu marido.
Agora ele me contou sobre vocês... Está tudo acabado, não é, amor? Você não o ama
mais, ama?
Diana balançou a cabeça.
— Não... se é que o que eu sentia por Clive era mesmo amor...
— Acontece que nenhum de nós dois amou de verdade até agora, e agradeço a Deus
por isso, porque agora descobriremos juntos o que é o verdadeiro amor!
Diana abraçou Jonathan e disse:
— Ah... eu não posso ficar longe de você! Eu amo você, Jonathan... amo muito.
— O bastante para casar comigo? — ele perguntou com ternura.
— Muitíssimo!
Nesse momento bateram na porta. Jonathan continuou com o braço em volta dos
ombros de Diana e disse apenas:
— Pode entrar!
A porta se abriu devagar e surgiu a cabeça branca de seu pai. Ele não parecia
surpreso com a cena romântica.
— Sabia que era você — disse Jonathan. — Queria lhe contar que Glória voltou para
Londres e saiu da minha vida para sempre. Não posso imaginar o que aconteceu para
que ela mudasse de ideia tão de repente, mas dou graças a Deus. E agora quero lhe
contar outra coisa que é muito mais importante... Diana aceitou casar comigo. Quero que
seja logo porque esperei muito tempo para encontrar uma garota como ela...
— Esplêndido! Maravilhoso! — Hammond se aproximou de braços estendidos para
Diana e ela foi ao encontro dele.
Os dois se abraçaram e ele a beijou na testa carinhosamente.
— Bem-vinda à nossa família!

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— Papai, mal pude acreditar quando Glória me telefonou — disse Jonathan, passando
o braço pela cintura de Diana. — O que será que a fez mudar de ideia tão de repente?...
— Não posso nem imaginar murmurou o pai escondendo um sorriso enquanto saía e
fechava a porta atrás de si.
Os dois se abraçaram de novo, esquecidos do resto do mundo.
Ainda sorrindo, Hammond passou pelo refeitório daquela ala e resolveu dar uma
paradinha. Abriu a porta e foi dizendo:
— Oi, será que tem um cafezinho...?
Mas imediatamente se talou e fechou a porta depressa. É que lá dentro havia um
casal se beijando. Chang e Chris. O velho sabia de tudo o que se passava no hospital,
portanto sabia que os dois jovens se gostavam e que estavam brigados. Por isso, ficou
contente de vê-los juntos outra vez.
— Ora, vejam só... parece que o amor está no ar! — disse ele com seus botões,
seguindo sorridente pelo corredor.
Estava muito feliz por ter bancado o cupido para o filho e queria que todos sentissem a
mesma felicidade. Com sua experiência de homem vivido, ele sabia muito bem que o
amor é a melhor coisa que acontece na vida das pessoas.

FIM

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