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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

PRO1204 – GESTÃO DO CONHECIMENTO

OS MÚLTIPLOS DESAFIOS DE UM GESTOR DE MEIOS DE HOSPEDAGEM: EMPATIA, ATITUDE


E IMPARCIALIDADE

Resumo

Um grupo de 80 militares de um paı́s latino-americano, liderado por seu Ministro da Defesa, vai ao
Rio de Janeiro, em missã o especial junto a militares brasileiros, e se hospeda em Copacabana. Apó s
alguns dias é foi constatado um furto em um dos apartamentos ocupados por eles. Valendo-se de
sua autoridade, o lı́der militar dá voz de prisã o à camareira do andar. Por interferê ncia do gerente
geral do hotel, o caso é esclarecido no dia seguinte, mas fica o constrangimento em decorrê ncia do
padrã o militar em exercer a autoridade.

Descrição do case:

No inı́cio do ano de 2015, o Senhor Luiz Blanco (nome fictı́cio), um dos gerentes do Hotel
Horizontes de Copa, situado no bairro de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, conheceu um
hó spede de um paı́s latino-americano que, por ter admirado sua hospitalidade, arguiu-lhe sobre a
possibilidade de alocar um grupo de militares que iriam à cidade com o propó sito de desenvolver
um intercâ mbio de combate ao narcotrá fico, no Instituto Militar de Engenharia. Feito o acordo, o
meio de hospedagem se preparou para receber, em junho do mesmo ano, o grupo de cerca de 80
militares daquele paı́s, distribuı́dos em 28 unidades habitacionais (UHs), quase todas com
ocupaçã o tripla. Tratava-se de militares de alta patente, comandados por um Ministro de Estado
Militar de grande influê ncia na luta contra o narcotrá fico, a ponto de ter sua autoproteçã o
reforçada por quatro agentes cedidos pelo governo brasileiro.

A hospedagem aconteceu a contento, em bons apartamentos e em andares distintos, de


acordo com a disponibilidade e a disposiçã o de quartos triplos no corpo do estabelecimento. O
tempo de estadia ficou estabelecido em 12 dias aproximadamente, com compromissos
permanentes entre os militares e algumas horas de lazer para todos.

Certo dia, poré m, o senhor Luiz recebeu um chamado da governanta do hotel, solicitando
que ele fosse, com muita urgê ncia, até o hall de um dos andares. Ao chegar ao local, o gestor
deparou-se com uma grande confusã o, pois o Ministro havia dado voz de prisã o a uma das
camareiras, intencionando, inclusive, algemá -la, pois havia acontecido um furto de vá rios dó lares
em um dos apartamentos ocupados pelo grupo. Diante de situaçã o tã o inusitada, o senhor Luiz
buscou intermediar o conflito, nã o permitindo que o militar prendesse a moça, com o forte
argumento de que, nã o estando em seu paı́s, ele nã o poderia exercer o devido direito de polı́cia no
Brasil, principalmente por se tratar de uma funcioná ria honesta, considerada, pela casa, de
extrema confiança. A moça chorava copiosamente e negava qualquer participaçã o no furto. Foi
difı́cil convencer o Ministro a encontrar a maneira mais viá vel para descobrir o verdadeiro
culpado, sem apontar a primeira pessoa que estivesse à frente, mas, aos poucos, ele foi entendendo
a questã o. Como soluçã o imediata, o gerente informou que existiam diversas câ meras de vı́deo pelo
estabelecimento e que seria necessá rio apenas um tempo, de um ou dois dias, para que as imagens
fossem pesquisadas, por ele pró prio, com todo rigor. Solicitou, ainda, que o fato fosse relatado por
escrito, com o nú mero do apartamento onde havia ocorrido o possı́vel furto e o valor furtado. Mais
calmo, o militar concordou.

Com paciê ncia e dedicaçã o, o senhor Luiz assistiu à s gravaçõ es nos dias que se seguiram.
A primeira dificuldade encontrada foi que quase todos os integrantes do grupo eram bem
parecidos entre si: mesma estatura, mesma cor de pele, mesmo corte de cabelo e, quase sempre,
mesmas vestimentas. Mas, em determinado momento, no quarto em questã o, que abrigava dois
militares de alta patente, aconteceu uma movimentaçã o atı́pica: os hó spedes saı́ram, pela manhã ,
com roupa de praia, e, pouco tempo depois, outro sujeito adentrou o apartamento, permanecendo
por alguns minutos, e saiu tranquilamente. Pela cor da roupa, foi possı́vel identificar que o sujeito
solicitou a chave do quarto à recepçã o, em nome do colega, para cometer o furto. Nã o querendo
levantar suspeitas, ele nã o usava o elevador, subia e descia pelas escadas, o que dificultou bastante
a elucidaçã o do caso, porque nã o havia gravaçã o nas escadas. Mas, depois de quase trê s dias de
cuidadosa observaçã o, o gerente conseguiu desvendar o problema. As cenas foram gravadas em
CD e entregues ao Ministro, para que observasse com calma.

O militar viu o vı́deo, reviu outras vezes, e, com certeza, identificou o suspeito. Solicitou,
entã o, o aluguel do salã o de convençõ es do hotel, a fim de fazer, no mesmo dia, uma reuniã o com
todo o grupo. Diante de todos, ele apontou, sem hesitar, o sujeito que havia subtraı́do os dó lares
do colega. A situaçã o foi constrangedora, mas, diante dos fatos, teve um desfecho previsı́vel.

A seguir, o grupo saiu para seus compromissos, e o militar transgressor ficou retido no
lobby- bar do hotel, com outro militar o vigiando, porque, dias depois, ele seria deportado ao seu
paı́s de origem. Para o senhor Luiz, o quadro ficou angustiante naqueles momentos, porque, toda
vez que passava pelo lobby, recebia um olhar fulminante do sujeito, que parecia querer trucidá -lo.

Passaram-se dois dias. Pouco antes de o infrator viajar, o Ministro solicitou a presença da
equipe de governança do meio de hospedagem e, diante de todos, ordenou que o sujeito se
retratasse junto à camareira, pedindo desculpas de joelhos. Mais uma vez, a situaçã o foi
constrangedora. O gerente ponderou que nã o fizesse aquilo, mas nã o houve jeito de demover o
militar daquela atitude autoritá ria.

Por fim, o Ministro agradeceu a atitude conciliató ria e a dedicaçã o do senhor Luiz em
resolver o problema com justiça e empatia, quando ele deixou seus afazeres da firma para buscar,
pacientemente, a elucidaçã o do caso. Os dias que se seguiram foram tranquilos e satisfató rios para
todo o grupo, até o té rmino da jornada no Rio de Janeiro.

O empreendimento hoteleiro

O Hotel Horizontes de Copa é um meio de hospedagem de mé dio porte, com classificaçã o
4 estrelas, localizado em um edifı́cio de 14 andares, em Copacabana, Zona Sul da cidade do Rio de
Janeiro. O estabelecimento possui 90 UHs e cerca de 50 colaboradores. Suas UHs estã o distribuı́das
nas categorias: Standard, Superior e Superior Luxo, com diá rias que variam entre R$ 350,00 e R$
850,00. Para um hotel de padrã o 4 estrelas, possui um organograma enxuto, o que denota a
presença e envolvimento do gerente geral no meio de hospedagem (Figura 1).

O pú blico-alvo desse meio de hospedagem sã o hó spedes de lazer, principalmente,
representando cerca de 55% de seus hó spedes. Em segundo lugar, com relaçã o ao perfil dos
hó spedes atendidos por esse meio de hospedagem, estã o aqueles em turismo de negó cio, vindos,
principalmente de outros estados brasileiros. Com relaçã o aos hó spedes internacionais, sua maior
fraçã o corresponde aos provenientes da Amé rica do Sul, seguidos por norte-americanos e, em
menor proporçã o, europeus e de outros continentes.

O Hotel Horizontes disponibiliza um pacote completo de serviços incluindo: Wi-Fi, serviço


de quarto 24 horas, piscina, spa, business center, acessibilidade para pessoas com deficiê ncia (PCD),
serviço de praia, trê s restaurantes e dois bares, alé m de café da manhã .

O Hotel Horizontes, segundo opiniõ es dos hó spedes registradas nas principais agê ncias
de viagem on-line (OTAs) e sites de opiniã o de viajantes (como por exemplo o TripAdvisor), é uma
opçã o de hospedagem com ó tima relaçã o custo-benefı́cio, em funçã o do conforto, bons serviços e
localizaçã o privilegiada, a um preço compatı́vel com a categoria.

Alé m disso, o meio de hospedagem está localizado em uma á rea de fá cil acesso, a poucos
metros da estaçã o de metrô , pró ximo a paradas de ô nibus executivo com destino aos principais
aeroportos da cidade e à rodoviá ria, com ponto de tá xi localizado em frente ao hotel, facilitando o
deslocamento dos hó spedes tanto em sua chegada como na saı́da.

Devido ao organograma enxuto do Hotel Horizontes e ao envolvimento direto do gerente


geral nos setores, principalmente na Governança, considerado o setor-chave de um meio de
hospedagem, o gerente geral conhece os seus colaboradores, mesmo aqueles nã o subordinados
diretamente a ele. Alé m disso, trata-se, em geral, de colaboradores que vê m trabalhando nesse
meio de hospedagem há cerca de 10 anos, em mé dia. Abaixo, na Figura 1, apresenta-se o
organograma do Hotel Horizontes.

Conforme apresentado no organograma, o setor de Governança é o maior do hotel em


nú mero de funcioná rios, sendo constituı́do por 25 deles, alé m da governanta executiva. O segundo
setor que apresenta o maior nú mero de funcioná rios no estabelecimento é o setor de Alimentos e
Bebidas, compreendendo cerca de 15 pessoas. Os demais funcioná rios compõ em os quadros da
Recepçã o e Eventos.

Figura 1. Organograma do Hotel Horizontes de Copa

Dando continuidade ao caso, apresentam-se os setores com envolvimento direto na


situaçã o. Sã o eles: Governança e Segurança.

Setor de Governança em um meio de hospedagem

A realidade do setor de Governança do Hotel Horizontes apresenta similaridade com a


realidade da maioria dos meios de hospedagens brasileiros, principalmente no caso das
camareiras e governantas de hoté is, que possuem um grande volume de tarefas a serem realizadas
em um tempo limitado por uma diversidade de fatores, alé m da necessidade de constante
aperfeiçoamento e treinamento visando à excelê ncia na qualidade no atendimento aos clientes.

S egundo Oliveira (2019), o setor de Governança do Hotel Horizontes possui atividades


mapeadas, e as principais concentram-se no perı́odo da manhã , envolvendo limpeza e arrumaçã o
da UHs livres e ocupadas, alé m da reposiçã o de produtos do frigobar, destinaçã o de roupas à
lavanderia, tanto do enxoval do hotel como das solicitadas pelos hó spedes.

O setor possui uma governanta que administra as atividades e uma supervisora de


andares que auxilia a governanta nas atividades do setor e revisa a limpeza dos apartamentos,
supervisiona a limpeza e conservaçã o dos andares, alé m de acompanhar e treinar as camareiras e
auxiliares de serviços gerais. Uma das funçõ es importantes da supervisora de andar é a liberaçã o
de apartamentos para a recepçã o. Ainda há nove camareiras que fazem a higienizaçã o e limpeza
dos apartamentos e dois auxiliares de serviços gerais (ASG) que fazem a zeladoria das á reas
externas (piscina, escritó rios, lobby) do empreendimento hoteleiro.

Todas as atividades envolvendo o acesso à s UHs sã o realizadas pelas camareiras, com
acompanhamento das supervisoras de andar. Para segurança dos hó spedes e controle interno do
meio de hospedagem, o acesso à s UHs é realizado com chave magné tica codificada na fechadura
eletrô nica que registra todos os horá rios de abertura e fechamento das portas, e existe um rigoroso
controle da chamada “chave-mestre” de acesso à s UHs.

O setor de Governança conta, ainda, com o serviço de lavanderia, que é terceirizado.

Segurança patrimonial

Em conceito simples, “segurança” é um conjunto de medidas assumidas para proteger-se


de quaisquer atos de violê ncia, roubos, espionagens, sabotagens etc. Segurança significa proteçã o,
defesa, e ausê ncia de risco ou perda financeira que ocorra ou possa vir a ocorrer. Mas, no que diz
respeito à segurança patrimonial empresarial, o que, de fato, significa segurança?

Na hotelaria moderna, o setor de Segurança tem ganho cada vez mais destaque, e isso se
dá pelo fato do surgimento de novas ameaças. No passado, a maior preocupaçã o que um meio de
hospedagem precisava ter, no que se diz respeito a segurança, era a precauçã o com furtos e
possı́veis ataques fı́sicos. Atualmente, a segurança diz respeito a diversos componentes, podendo
ser relativa a: privacidade; imagem; segurança eletrô nica; segurança fı́sica; segurança contra
incê ndios; segurança do trabalho e meio ambiente; segurança pessoal etc.

A tecnologia é uma ferramenta significativa no que se refere a proteçã o, mas sabemos que
isso nã o é tudo. O treinamento dos colaboradores para que ajam integrados aos equipamentos de
segurança e tragam maior seguridade ao empreendimento é imprescindı́vel. Planejamento de
segurança, equipamentos de ponta e medidas preventivas de nada servem sem a participaçã o
efetiva dos funcioná rios, somente por meio deles o estabelecimento poderá , de fato, imbuir a
cultura preventiva, a qual é uma estraté gia eficiente que pode minimizar riscos e,
consequentemente, as perdas que esses riscos possam vir a gerar.

Diversos empreendimentos, na atualidade, ainda nã o investem de modo consistente na


integraçã o dos funcioná rios com as medidas de seguridade, tornando boa parte delas ineficiente,
pois fica apenas na teoria. Prá tica e teoria sã o elementos interdependentes, e tratar riscos e
segurança apenas de maneira empı́rica demonstra amadorismo, gerando graves consequê ncias
para empresas, podendo envolver nã o somente perdas financeiras e materiais, mas també m
perdas humanas.

A jornada de um experiente gestor

No que diz respeito ao gestor do empreendimento hoteleiro, apó s contato com um gerente
geral de um meio de hospedagem, conseguiu-se o contato do gerente Luiz Blanco. Faz-se
necessá rio informar que, em respeito à confidencialidade do gestor, utilizou-se o nome Luiz Blanco
para identificá -lo. Para traçar o perfil do gestor, nesta pesquisa qualitativa foi utilizada, como
instrumento de coleta de dados, uma entrevista semiestruturada. O profissional em questã o possui
o perfil que pode classificar-se como “gestor nato”. Graduado em Direito e Economia com algumas
pó s- graduaçõ es, possui vasta experiê ncia e qualificaçã o profissional, que, junto à sua
personalidade cortê s, fizeram dele um exı́mio gestor. Sempre se destacando, independentemente
da á rea em que trabalhava, Luiz Blanco tem um perfil muito analı́tico, crı́tico e proativo, alé m de
demonstrar paixã o em entregar trabalhos de excelê ncia. Dessa maneira, ele foi conquistando a
confiança de seus gestores, e, apó s alguns anos, sua desenvoltura e aptidã o, para gerir com
proatividade, o levaram ao topo do organograma da pirâ mide, com sua promoçã o para gerente-
geral do Hotel Horizontes de Copa.

Na é poca da situaçã o apresentada neste caso, Luiz Blanco já possuı́a sete anos de experiê ncia no
ramo hoteleiro.

Perfil do gestor: Nome: Luiz Blanco; Nascimento: 1958; Idade: 61 anos; Nacionalidade: brasileiro
(carioca); Estado civil: casado; Tempo de carreira: 11 anos na hotelaria; Cargo: gerente geral;
Formação: Economia e Direito; Fluência linguística: portuguê s e espanhol.

FONTE: GV Casos – Volume 10, Número 1, Jan/Jun 2020. ISSN 2179-135X

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv10n1c7

QUESTÕES

1. No cená rio apresentado no caso, Luı́s Blanco, inicialmente, sugere trê s


alternativas para a soluçã o da situaçã o:

a) Prevalecer a frase “O cliente tem sempre razã o”. E ir a favor do Ministro.


b) Ser complacente com sua funcioná ria. E inocentá -la
independentemente das circunstâ ncias.
c) Nã o tomar partido e acionar as autoridades locais.

Qual dessas alternativas seria a escolhida por você? JUSTIFIQUE SUA


RESPOSTA.


2. Com base no cená rio apresentado, ao longo do caso sobre o Hotel
Horizontes de Copa, qual seria a decisã o a ser tomada em relaçã o à atitude
do Ministro? E em quais possibilidades você , como gerente geral do
empreendimento, pensaria se estivesse nessa situaçã o?

3. A atitude do gerente geral com relaçã o à camareira foi correta? E com


relaçã o ao militar que furtou ao seu colega?

4. Como lidar com assé dio moral e exposiçã o de funcioná rios e hó spedes a
situaçõ es vexató rias?

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