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PERGUNTAS

Jill Freedman & Gene Combs: “Narrative Therapy: The Social Construction of Preferred Realities” Norton: New York,
1996. Capítulo 5.

“Toda vez que fazemos uma pergunta, estamos gerando uma versão possível de uma vida.” David
Epston in Cowley and Springen, 1995, p. 74

“Há algumas perguntas que se demoram na cabeça dos clientes por semanas, meses e às vezes
anos, e continuam a ter um efeito.” Karl Tomm, 1988, p. 14

Todos nós fazemos perguntas desde que começamos a falar. Entretanto, como terapeutas
narrativos, pensamos sobre perguntas, as construímos e usamos de maneira diferente do que
fazíamos antes. A maior diferença é que fazemos perguntas para gerar experiência mais do que
para obter informação. Quando as perguntas geram experiência de realidades preferidas, podem
ser terapêuticas por si próprias. Muita gente (e.g., Campbell, Draper & Huffington, 1988; de
Shazer, 1994; Fleuridas, Nelson & Rosenthal, 1986; Freedman & Combs, 1993; Lipchik & de
Sahzer, 1986; O’Hanlon & Weiner-Cdavis, 1989; Penn, 1985; Tomm, 1987a, 1987b, 1988;
White, 1988a) escreveu sobre essa idéia, mas ela pode ter sido expressa pela primeira vez pela
equipe de Milão (Selvini Palazzoli et al., 1980) quando eles divagavam sobre se a mudança
poderia ocorrer somente através de seu processo de entrevistas (que consistia em grande parte
de perguntas circulares) sem nenhuma intervenção final.
Começamos primeiro a pensar como as perguntas poderiam gerar experiência há tantos
anos, quando estávamos usando idéias principalmente da terapia estratégica1. Naquele tempo
vimos uma família que veio para terapia porque Kathy, a filha de 12 anos, não queria ir para a
escola. Isso porque algumas colegas da escola aonde ela ia estavam mostrando muito interesse

1
Descrevemos essa experiência em outro lugar (Freedman & Combs, 1993). Como foi um momento decisivo na nossa história como
terapeutas, a descrevemos aqui outra vez.
em meninos, álcool e drogas. Ela tinha a sensação que se começasse a pensar em alguma
dessas meninas em particular quando estivesse envolvida numa atividade se tornaria igual a
elas. O medo a conduziu a alguns comportamentos problemáticos. Por exemplo, se tivesse um
pensamento sobre uma das colegas quando estava colocando um sapato, ela o tirava e o
colocava de novo. Ela repetiria esse comportamento até que se sentisse segura que o tivesse
completado com nenhuma das colegas na cabeça. Ela chegava abrindo e fechando portas,
acendendo e apagando luzes, e fazia outras coisas parecidas. Como as colegas a cercavam
quando estava na sala de aula, Kathy tinha que lidar não só com seus pensamentos como
também com a possibilidade de realmente escutar suas vozes quando estava abrindo sua mesa
ou trocando os tênis. Por isso tornou-se intolerável para ela estar na sala de aula, e recusava-se
a ir a escola.
Depois que nos encontramos com Kathy e seus pais por cinco vezes, a situação não tinha
mudado. Quando nos contaram que os outros dois filhos mais velhos vinham para casa para as
férias de inverno, combinamos que toda a família viesse. Dividimos o grupo na primeira parte do
encontro, um de nós com os filhos e outro com os pais.
Na conversa com os irmãos, eu soube que ambos os pais fumavam muito e que todos os
filhos, especialmente Kathy, estavam muito preocupados com os efeitos do fumo sobre a saúde
dos pais. Kathy ficava apavorada, com medo que eles morressem.
Kathy pareceu muito mais interessada na discussão sobre a saúde dos pais do que em
qualquer outro momento da terapia. Eu quis usar seu interesse e perguntei “Quem estaria em
perigo maior – seus pais se continuarem a fumar ou você se for para a escola?”
Quando ela respondeu “mamãe e papai”, comecei a imaginar se Kathy estaria desejando
fazer uma barganha, ir à escola em troca de seus pais deixarem de fumar.
Para testar minha idéia, fui mais além: “Você é o tipo de pessoa que se arriscaria pelo
bem estar de alguém importante para você?”
Ela disse que era, e seus irmãos concordaram, contando um incidente no qual ela tinha
resgatado o bebê dos vizinhos de um banheiro trancado passando através de uma janelinha do
segundo andar.
“Será que você faria algo que parecesse perigoso se soubesse que iria realmente
beneficiar alguém importante para você?” Ela disse que sim.
Perguntei “Como isso ajudaria?” e ela respondeu que o benefício à outra pessoa colocaria
as coisas em perspectiva. Ela teria uma razão muito forte para enfrentar o perigo.
Eu perguntei “Você iria para a escola se soubesse que isso salvaria a vida de seus pais?”
Ela respondeu sem hesitação, “Sim.”

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Perguntei então, “O que você vai fazer se olhar para uma pessoa e pensar que pode ficar
igual a ela?”
Ela disse, “É só me concentrar no trabalho e em estar ali.”
Perguntei “Mesmo que seja realmente difícil, se você se compromete a fazer algo, você é
uma pessoa de palavra?”
Ela disse que era.
Durante o intervalo nós (os terapeutas) conversamos e concordamos que, desde que os
pais haviam repetidamente se comprometido a fazer qualquer coisa que pudessem para que
Kathy voltasse à escola, eles certamente concordariam em deixar de fumar. Quando nos
reunimos a toda a família, argumentamos que todos sabiam como era importante Kathy voltar à
escola e que já tinham colocado muito tempo e energia nisso, primeiro tentando sozinhos,
depois se encontrando com o pessoal da escola e finalmente vindo à terapia. Dissemos que
tínhamos descoberto que era muito importante para Kathy que seus pais deixassem de fumar e
que ela estava querendo colocar tempo e energia para que isso acontecesse. Propusemos então
o acordo, perguntando a Kathy se ela iria à escola se os pais deixassem de fumar. Radiante, ela
disse que iria. Perguntamos aos pais se eles deixariam de fumar se a filha fosse à escola. Eles
também concordaram.
Quando nos encontramos com eles duas semanas mais tarde, ficamos chocados com o
que acontecia. Ambos os pais ainda estavam fumando, mas Kathy tinha ido à escola todos os
dias depois do nosso encontro! Desde então, Kathy continuou a ir para a escola e seus pais
continuaram fumando. Embora ela ainda desejasse que eles parassem de fumar, nunca
trapaceou para parar de ir à escola. O comportamento repetitivo parecia ter desaparecido. Nós
consideramos isso muito enigmático.
Mais ou menos seis meses depois encontramos uma maneira de pensar sobre o que
ocorrera que fazia sentido para nós. Começamos a pensar se, na procura mental envolvida em
responder às minhas perguntas, Kathy teria experimentado uma nova maneira de ser. Isto é,
quando eu perguntei, “O que você vai fazer se olhar para uma pessoa e pensar que pode ficar
igual a ela?”, talvez Kathy tenha imaginado muito nitidamente a si própria no contexto da
escola, concentrada no seu trabalho sem temer ser invadida. Sua resposta, “É só me concentrar
no trabalho e em estar ali”, implicava numa experiência. Ela deve ter se sentido como alguém
que pudesse correr riscos e lidar com uma situação perigosa focalizando na tarefa mais que
deixando o medo aterroriza-la. Ao responder às perguntas deve ter entrado em uma realidade
diferente daquela que habitava usualmente. Deve ter se sentido como alguém que poderia ir à
escola. Assim o fez.

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Ficamos pensando o que teria acontecido se não estivéssemos tão seguros da vontade dos
pais em fazer qualquer coisa para ajudar Kathy a voltar para a escola. Se tivéssemos feito a eles
perguntas parecidas com as que tínhamos feito a Kathy, será que também teriam tido uma
experiência diferente de si mesmos, uma onde eram ainda não fumantes?
Esse incidente foi um ponto decisivo na nossa maneira de pensar e praticar a terapia.
Nossa experiência nas abordagens Ericksonianas nos havia mostrado a importância de buscas
associativas, aprendizagem vivencial e realidades alternativas (Dolan, 1985; Erickson & Rossi,
1979, 1981; Erickson, Rossi & Rossi, 1976; Gilligan, 1987; Rossi, 1980a, 1880b; Zeig, 1980,
1985). Entretanto, pensávamos sobre a experiência vivida como armazenada “dentro” das
pessoas2. Sabíamos que através de perguntas poderíamos ajudar as pessoas a acessar e reviver
experiências cheias de recursos. Por exemplo, poderíamos perguntar a alguém, “Em que época
da sua vida se sentiu mais confortável?” com a esperança que essa pessoa pudesse acessar e
reviver uma experiência verdadeiramente confortável (ou um exemplo representativo de tal
experiência) e se sentir confortável no presente.
A experiência que tivemos com Kathy não se encaixava nessa maneira de pensar. Por
uma coisa, estava claro nas conversas prévias que Kathy não se via como uma pessoa que
pudesse correr riscos. O exemplo de salvar a criança que seus irmãos forneceram poderia ter
significado para ela que era obediente (se alguém tivesse sugerido que ela o fizesse), ou
pequena e ágil (já que podia passar através da janela), ou talvez cuidadosa. Mas foi só em
relação à minha pergunta que o passado começou a ter um novo significado “correr riscos”.
“Correr riscos” não estava armazenado em Kathy. Ela se constituiu, talvez pela primeira vez,
como uma pessoa que poderia correr riscos quando pôs o pé na nova realidade que minhas
perguntas fizeram surgir.
Até aquele momento pensávamos que a experiência era simplesmente o que acontece, e
pensávamos que todas as experiências ficavam armazenadas como aconteciam e eram
resgatadas através da memória. Agora pensamos que a experiência é colorida e moldada pelo
significado que as pessoas atribuem a ela e é lembrada ou não na medida em que seja relevante
para as histórias que as pessoas estão vivendo. Portanto, quando fazemos perguntas, mais do
que acreditar que as pessoas podem resgatar experiências particulares com significados
particulares predeterminados, estamos muito atentos a como nossas perguntas fazem uma
coautoria com a experiência de outros (Anderson& Goolishian, 1990b; Penn, 1982; Tomm,
1988). Elas ativam as experiências que recordam; sugerem começos e finais para essas

2
Lembram-se de nossas conversas sobre “recursos” com David Epston e Michael White no capítulo 1?
4
experiências; iluminam partes da experiência ao mesmo tempo em que obscurecem ou excluem
outras.
Nossas perguntas não acessam a experiência. Elas a geram (Campbell, Draper &
Huffington, 1988; Freedman & Combs, 1993; Penn & Sheinberg, 1991). Somos lembrados disso
a cada vez que uma de nossas perguntas é recebida com uma longa pausa, depois da qual a
pessoa diz “Nunca pensei nisso antes...” ou “Eu nunca soube disso até que você fez essa
pergunta”. Pensamos que não é porque a pessoa não sabia; o que pensamos é que nunca tinha
sido assim, a pergunta e a pessoa “juntas”, para se constituírem dessa maneira.
Os valores de uma terapeuta moldam a pergunta que ela faz. Assim como suas histórias
sobre gente e terapia. Com essa compreensão, achamos interessante voltar ao nosso trabalho
com Kathy. Naquele momento, não prestamos muita atenção à experiência de Kathy de estar
com garotas que estavam interessadas em garotos, álcool e drogas. Agora nós ficaríamos muito
interessados em saber sobre o impacto dessa experiência nela. Imaginaríamos se as pressões e
expectativas sociais estavam criando um clima que era intolerável para ela e que maltratava sua
percepção de si mesma como pessoa. Se tivéssemos feito perguntas nessa linha, imaginamos
que a maneira como a família dela pensava sobre ela e o problema e a maneira como ela
pensava sobre si mesma teriam sido diferentes. Agora acreditamos que, de fato, conspiramos
com as pressões sociais para levá-la para a escola, sem reconhecer que ela achava tais pressões
intoleráveis. Se pudéssemos viajar de volta no tempo, talvez nossas perguntas pudessem ter
demandado a ajuda da família para lutar contra pressões sociais. Evitando a escola, Kathy tinha
encontrado um meio de não deixar que as pressões sociais a submetessem. Imaginamos que
talvez pudéssemos ter sido mais úteis se tivéssemos feito as perguntas sobre os meios com que
ela seria capaz de fazer isso enquanto ia à escola3.
Neste trabalho esperamos privilegiar o conhecimento das pessoas com quem trabalhamos,
acima do nosso. Por essa razão, pensamos que é muito importante estarmos atentos à influência
que nossas perguntas têm em orientar a direção da conversa. Uma das maneiras que tentamos
equilibrar a influência de nossas perguntas é periodicamente fazer perguntas que convidam as
pessoas com quem trabalhamos a avaliar o processo. Por exemplo, perguntamos “É sobre isso
que você quer falar” e “Essa conversa está sendo útil para você? Como?”. Modificamos nossas
perguntas em relação às respostas. Também fazemos perguntas sobre nossas perguntas, tais

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Parte do que estamos tentando expressar através da crítica de nosso próprio trabalho é que somos parte do domínio de
poder/conhecimento dominante. Não podemos estar completamente fora das práticas dominantes, mas podemos tomar a
responsabilidade de trabalhar para olhar através das histórias culturais dominantes. Isso requer que des-construamos nossas práticas e
que situemos nossas idéias em nossa experiência.
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como “Há algumas perguntas que você julga mais úteis e outras que são menos úteis? Por que?”
e novamente prestamos atenção às respostas.
Mesmo reconhecendo a influência das perguntas em especificar o domínio de respostas
“apropriadas”, pensamos que interagindo principalmente através de perguntas nos ajuda a
privilegiar o conhecimento das pessoas com que trabalhamos. Como Karl Tomm (1988m p. 2)
escreve,

“Geralmente, as afirmações apresentam temas, posições ou visões, enquanto as


perguntas fazem surgir questões, posições ou visões. Em outras palavras, as perguntas tendem
a chamar por respostas e as afirmações tendem a fornecê-las.”

Em outro lugar, Karl Tomm (1987a, pp. 4-5) nos lembra que, embora possamos ter uma
idéia particular na cabeça quando fazemos uma pergunta, a pessoa que responde determina a
direção a seguir. Ele escreve,

“... o efeito real de qualquer intervenção em um cliente é sempre determinado pelo


cliente, não pelo terapeuta. As intenções e conseqüentes ações do terapeuta apenas disparam
uma resposta; nunca a determinam.”

Como já descrevemos no capítulo 3, nós nos esforçamos para trabalhar desde o que Harry
Goolishian e Harlene Anderson chamam uma posição de “não-saber”. Nós nos esforçamos para
não fazer as perguntas para as quais pensamos já ter “as” respostas, ou aquelas para as quais
desejamos respostas particulares. Isto é, não estamos fazendo perguntas desde uma posição de
pré-compreensão (Andersen, 1991a; Weingarten, 1992).
Mesmo valorizando uma posição de curiosidade e não-saber, temos intenções ou
propósitos. Pensamos que todos os terapeutas seguem alguma espécie de intencionalidade,
mesmo se o propósito é muito geral, tal como “abrir espaço”. Nossas intenções são mais
específicas. Esperamos atrair as pessoas a desconstruir histórias problemáticas, identificar
direções preferenciais e desenvolver histórias alternativas que dêem suporte a essas direções
preferenciais. A metáfora narrativa modela nossa curiosidade, mas não a sufoca.
Mesmo que tenhamos nos dedicado neste capítulo a oferecer exemplos de perguntas e
uma estrutura para pensar sobre “tipos” de perguntas, podemos pensar várias razões para não
dar esses exemplos ou essa estrutura. Primeiro, os exemplos estarão fora de contexto. Cada
pergunta que fazemos na terapia vem do que tinha sido dito na conversa. Quando, como aqui,

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focalizamos em tipos particulares de perguntas, mais que numa conversa viva, tendemos a
esquecer que qualquer pergunta pode ser útil somente em contextos particulares. Você poderá
notar que, em qualquer transcrição neste livro, não fazemos as perguntas exatas que damos
como exemplo aqui, porque nossas perguntas são em resposta às mudanças momento-a-
momento na conversa, e que não seguimos as estruturas idealizadas que oferecemos aqui.
Em segundo lugar, os exemplos ilustram somente palavras, não o tom de voz, o gesto ou
a relação. As pessoas respondem com muito mais que palavras. Como Karl Tomm (1988) e
James e Melissa Griffith (1992a, 1994) sugerem, as posturas emocionais desde onde as
perguntas são feitas são de importância primária. Nós nos esforçamos para fazer perguntas
desde uma posição de respeito, curiosidade e abertura, mas duvidamos que essas posições
possam ser adequadamente representadas através de palavras escritas. Esperamos que quando
você leia os exemplos possa atribuir um tom apropriado.
Em terceiro lugar, sabemos que algumas pessoas seguem exemplos como se fossem “a”
maneira de se fazer algo. Nossos exemplos não se propõem a tal e sinceramente esperamos que
não restrinjam a sua criatividade.
Em face de toda nossa hesitação, oferecemos os exemplos seguintes. Mudar de uma
intenção de recolher informação para uma intenção de gerar experiência é monumental – e não
é nada fácil para qualquer um interessado em fazê-la. Pela nossa própria experiência, achamos
extremamente útil o estudo dos exemplos de perguntas para gerar experiência vinda de outras
pessoas4. Deste modo, paramos o tempo e o foco em perguntas isoladas, uma de cada vez.
Usar a narrativa como uma metáfora-guia é outra grande mudança conceitual e prática,
que requer tipos especiais de perguntas. No começo, coordenar tanto a curiosidade como a
metáfora narrativa, ao mesmo tempo em que se cuida do relacionamento, parece com fazer um
monte de prestidigitações. Embora na prática eles todos funcionem juntos, é útil examinar os
componentes separadamente.
A razão principal de oferecermos esses exemplos é que as pessoas no nosso programa de
treinamento nos contam que é útil recebe-los, aos quais podem agregar os seus próprios, e que
ter categorias os ajuda a organizar seus pensamentos. Em outras palavras, para muita gente os
exemplos e as categorias estão lado a lado com a prática e a aprendizagem.
Pensamos que ajudaria dividir as perguntas que usamos neste processo em cinco
categorias maiores: perguntas de desconstrução (deconstruction questions), perguntas que
abrem espaço (opening space questions), perguntas sobre preferência (preference questions),

4
Nossas anotações nos seguintes artigos, cada um deles oferecendo categorias e exemplos de perguntas, foram particularmente úteis
na nossa aprendizagem: White, 1988a, 1988b (ambos reeditados em White, 1989); Tomm, 1987a, 1987b, 1988. Também são valiosas
as transcrições que aparecem em muitos dos artigos de David Epston – Epston, 1989a, e Epston e White, 1992.
7
perguntas de desenvolvimento da história (story development questions) e perguntas sobre o
significado (meaning questions). Essas categorias são fluídas, assim uma pergunta em particular
pode, por exemplo, tanto abrir espaço como/e conduzir à construção de um novo significado.
Alem disso um terapeuta poderia, com uma pergunta, ter a intenção de convidar alguém para
afirmar uma preferência e essa pessoa, no entanto, poderia dar uma resposta que começasse a
desenvolver uma história alternativa. As categorias que demos se referem às intenções do
terapeuta ao fazer as perguntas. São pensadas para ajudar o terapeuta a pensar claramente
sobre o processo da terapia narrativa. Enquanto a ordem na qual nós listamos esses exemplos
segue certa lógica linear, não seguimos uma ordem estrita quando fazemos perguntas nas
conversas reais. Ofereceremos algumas idéias sobre o que perguntar mais para o final do
capítulo.

PERGUNTAS DE DESCONSTRUÇÃO

As perguntas de desconstrução ajudam as pessoas a desembrulhar suas histórias ou a


olhá-las de diferentes perspectivas, para que a maneira como foram construídas possa se tornar
aparente. Muitas perguntas de desconstrução encorajam as pessoas a situar suas narrativas em
sistemas mais amplos e ao longo do tempo. Trazendo à tona a história, o contexto e os efeitos
das narrativas das pessoas, estamos ampliando seu alcance, descrevendo cenários completos
que sustentam problemas. Nesses cenários mais amplos, mais (e mais variados) “eventos
cintilantes” podem ser trazidos à tona.

Trazendo à Tona Crenças, Práticas, Sentimentos e Atitudes Problemáticas

Quase todas as perguntas de desconstrução que fazemos têm lugar em conversas


externalizadoras. Embora nossa intenção seja desconstruir narrativas problemáticas, nenhuma
pergunta em particular é dirigida a uma narrativa inteira. Ao contrário, cada pergunta se
direciona a algo que é parte de uma história saturada pelo problema, ou que mantém uma
narrativa problemática. Geralmente, enquanto escutamos narrativas problemáticas, ouvimos
sobre crenças, práticas, sentimentos e atitudes, e são a estas que uma pergunta particular de
desconstrução se dirige. Se, na história que uma pessoa conta, não conhecemos suas crenças,

Nota da tradutora: “sparkling events”, no original. Referem-se a esses eventos que passaram despercebidos, mas que contradizem a
história saturada pelo problema e “brilham”, chamando a atenção do terapeuta pela originalidade.
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práticas, sentimentos e atitudes, podemos fazer perguntas para constitui-los ou para trazê-los à
tona. Tais perguntas podem incluir:

Que conclusões sobre seu relacionamento você tirou por causa desse problema?
A que comportamentos você percebe que recorreu em relação à situação que você
descreveu?
Essa situação que você descreve encoraja sentimentos especiais na sua vida?
Que atitudes você imagina que devem existir aqui para justificar os
comportamentos que você descreveu?5
Que passos são necessários para desenvolver os tipos de relacionamentos que você
gostaria de ter?

Como essas perguntas ajudam as pessoas a distinguir crenças, práticas, sentimentos e


atitudes particulares, perguntamos sobre:

1. A história do relacionamento da pessoa com a crença, a prática, o sentimento ou a


atitude,
2. As influências contextuais na crença, na prática, no sentimento ou na atitude,
3. Os efeitos ou resultados da crença, prática, sentimento ou atitude,
4. A inter-relação com outras crenças, práticas, sentimentos ou atitudes e
5. As táticas e estratégias da crença, da prática, do sentimento ou da atitude.

Fazemos todas essas perguntas dentro do contexto de uma conversa externalizadora.


Você pode notar como cada um destes tipos de perguntas pressupõe que a crença, a prática, o
sentimento ou a atitude são separados da pessoa, e que isso servirá para externalizar depois?
Como você sabe, geralmente usamos a linguagem externalizadora sempre que nossa intenção é
deconstruir as narrativas saturadas pelo problema. Compor perguntas com a única intenção de
se engajar numa conversa externalizadora é uma parte importante da deconstrução. Sem
querer, a maioria das perguntas que compomos com uma intenção “puramente” externalizadora
são sobre pelo menos uma das outras áreas que identificamos. Da mesma maneira, todas as

5
Quando olhamos algumas dessas perguntas em branco e preto, vemos que podem parecer que nos metemos numa confrontação
pesada sobre deveres. Não é o caso. Nosso uso de linguagem externalizadora torna possível trabalhar com as pessoas num quebra
cabeças mútuo sobre as respostas a estas perguntas.
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perguntas nas outras áreas servem ao propósito da externalização, seja essa uma intenção
consciente do terapeuta ou não.
As cinco categorias de perguntas de desconstrução acima não são os únicos tipos de
perguntas que podem ser usados para desconstruir as narrativas. Melhor ainda, elas
representam tipos de perguntas que usamos com freqüência no nosso trabalho. Fazemos
numerosas perguntas desta categoria, não uma pergunta trivial, ao convidar para a
desconstrução da narrativa. Uma pergunta sobre uma crença, um sentimento, uma prática ou
uma atitude conduz a outra crença, sentimento, prática ou atitude. Então, perguntamos sobre
aquilo, como neste pequeno trecho de uma conversa terapêutica.
Eu (JF) estava trabalhando com Louise, que tinha começado um novo trabalho e estava se
preparando para a mudança. “Algumas pessoas no trabalho vieram me dizer para não
mencionar no meu novo emprego que sou uma meio Afro-Americana”, me disse.
“O que você acha dessa idéia?”, eu perguntei.
“Acho que estão certos,” declarou. “Não vai me fazer bem nenhum. As pessoas vão me
considerar negra e vão ser preconceituosas contra mim, e já que eu não pareço negra, os
negros também não vão me aceitar”.
“Estou em desvantagem aqui... não posso saber como é a sua experiência. Posso
perguntar um pouco mais sobre isso?”
“Claro”.
“Bom, que crenças ou atitudes você imagina que uma pessoa deva ter para sugerir que
você não deveria deixar que os outros soubessem que é bi-racial?”
“As pessoas que me disseram isso são negras, e eu concordo com elas. As pessoas negras
são mais rudes e mesquinhas.”
“Eu não concordo com isso, mas posso perguntar sobre outra coisa? Qual você imagina
que vai ser o efeito na sua vida em guardar segredo sobre sua herança?”
“Não tenho vergonha de ser o que sou. Quero dizer, não tive que contar às pessoas no
meu último trabalho.”
“Bom, e eu não estou lhe dizendo o que fazer de jeito nenhum. Não sei mesmo. Estou só
imaginando, se você guardar segredo, o que isto fará a você.”
“Provavelmente vai me impedir de me aproximar das pessoas. Talvez faça eu me sentir
pior sobre ser negra. Eu gostava de ser negra.”
Tendo em mente que usamos uma quantidade dessas perguntas juntas, como o trecho
demonstra, vamos olhar a cada uma das cinco categorias de perguntas de desconstrução, uma
de cada vez.

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História do Relacionamento. Alem de ampliar o cenário onde o problema existe,
perguntas sobre a história do relacionamento da pessoa com uma crença, prática, sentimento ou
atitude pode expor o papel das práticas culturais ou conhecimentos dominantes que dão suporte
ao problema. Como Lynn Hoffman (1992, p. 14), escrevendo sobre Foucault, nota,

Uma vez que as pessoas incorporam um determinado discurso – como o discurso religioso,
psicológico, ou de gênero – promovem certas definições sobre quais pessoas e quais temas são mais
importantes ou têm legitimidade. Entretanto, eles próprios não estão sempre conscientes dessas
definições embutidas.

As “Perguntas sobre relacionamento” podem revelar práticas e conhecimentos tomados


por garantidos ou embutidos.
Como você foi apanhado por esta maneira de pensar?
Onde você testemunhou essas maneiras de responder aos problemas?
Que experiências você teve no passado que encorajaram esses sentimentos ou
culpas?
A solidão sempre foi sua melhor companhia?
Quando, na sua história, essas idéias ganharam proeminência? Como foram
usadas? O que você aprendeu sobre elas?

Influências Contextuais. Essas perguntas visam descrever os contextos contínuos que


servem como sistemas de suporte para as histórias problemáticas. As “Perguntas de influência
do contexto” podem também expor o papel das práticas culturais e conhecimentos.

Em que situações você espera que esse tipo de idéia seja convocada?
Há lugares onde é mais provável que você seja empurrado para beber?
Quem na sua vida suporta a raiva quando toma posse?
Quem se beneficia desse jeito de fazer as coisas?

Efeitos ou Resultados. Essas perguntas ampliam o domínio da história problemática


mostrando o impacto do problema na vida e nos relacionamentos das pessoas. Perceber os
efeitos de uma crença, prática, sentimentos ou atitudes pode iluminar o relato de uma forma
diferente.
Quais são na sua vida os efeitos da crença que você não é uma boa pessoa?
Como esse padrão influenciou outros membros da família?
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Como o pessimismo afetou sua relação com você mesmo?
Se você avançasse mais neste jeito de ser, como isto afetaria o seu futuro?
O que a idéia de autoconfiança promoveu nos seus relacionamentos?

Inter-relacionamentos. “Perguntas sobre inter-relacionamentos” podem ajudar a


desconstruir a rede de crenças, práticas, sentimentos e atitudes que constituem a vida do
problema.6

Há outros problemas com os quais a anorexia faça uma equipe? Algumas pessoas
me disseram que culpa e isolamento são parceiros da anorexia. O que você acha?
Será que a crença de que as coisas devem ser dessa maneira encoraja a raiva a
tomar todo o espaço ou deixa lugar para outros sentimentos?
O que essa idéia tem levado você a fazer?
A que conclusões você tem chegado sobre seu relacionamento a partir de toda essa
briga?
Que idéias, hábitos e sentimentos alimentam o problema?
Se olharmos para os efeitos dessa atitude, eles combinam com suas expectativas e
seu relacionamento?

Táticas e Estratégias. Já que pensamos sobre as crenças, práticas, sentimentos e


atitudes problemáticas como entidades externalizadas, podemos pensar que elas têm planos e
métodos de trabalho preferidos. Desmascarar essas táticas e estratégias pode ter um efeito de
desconstrução poderoso.

Como a raiva se infiltra entre vocês?


Se eu fosse o medo na sua vida, como teria minha presença notada? Como eu
tornaria as coisas piores? Que momentos eu escolheria?
O que a voz da depressão sussurra no seu ouvido? Como ela se ajeita para ser tão
convincente?
O que a bulimia faz primeiro, mostra retratos de doces para os seus olhos ou coloca
um certo sabor na sua boca?
Que maneiras de viver possibilitam ao racismo sobreviver?

6
Ver o artigo de Rick Maisel (1994) “Comprometendo homens numa reavaliação de práticas e definições de masculinidade” para
uma excelente discussão acerca das contradições entre intenções e efeitos e entre idéias (e seus efeitos) e preferências de
relacionamentos.
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PERGUNTAS PARA ABRIR ESPAÇO

Uma vez que o cenário do problema foi ampliado através de perguntas de desconstrução,
há numerosos pontos vantajosos para que os resultados originais ou eventos cintilantes –
aquelas experiências que estão fora da narrativa saturada do problema e que não seriam
previsíveis – sejam trazidos à tona. Usamos perguntas de abertura de espaço para construir os
resultados originais.
Esse é um capítulo sobre perguntas, por isso estamos enfatizando as perguntas que
usamos para formular os resultados originais com as pessoas. Na prática, entretanto, as pessoas
costumam menciona-los ou demonstra-los espontaneamente. Nessas situações, preferimos
simplesmente responder ao que a pessoa mencionou, mais como uma pergunta sobre
preferência ou de construção, do que fazer alguma pergunta para abrir espaço.
Se não observamos aberturas para histórias alternativas, ou se as pessoas não nos falam
sobre elas, podemos co-construí-las perguntando:
1. Perguntas sobre resultados originais que ocorreram.
2. Ou, podemos perguntar sobre resultados originais na imaginação através de
perguntas hipotéticas sobre a experiência ou,
3. Perguntas sobre diferentes pontos de vista, e
4. Perguntas orientadas ao futuro.

Resultados Originais

Convidar a uma busca por exceções à história problemática é o caminho mais direto para
construir uma abertura:

Houve alguma época onde a reclamação poderia ter assumido o controle do seu
relacionamento, mas isto não aconteceu?
Alguma vez vocês dois resolveram suspender alguma dessas prescrições culturais e
decidiram fazer as coisas do seu jeito?
Em que situações você toma decisões mais facilmente?

Um resultado original não tem que ser um triunfo sobre o problema. Pensar de um jeito
que não combina com a história problemática, fazer algo de maneira diferente em resposta à
história problemática (mesmo se o problema eventualmente domina), ou fazer preparativos para

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ter uma relação diferente com o problema podem ser um resultado original. Ao fazer os tipos de
perguntas de que estamos falando, é útil reconhecer o domínio do problema para que as
pessoas saibam que sua presença e influência estão compreendidas. Freqüentemente isso os
libera para descrever os momentos nos quais ele não tem poder.

Mesmo com a bulimia tentando convence-lo que é muito perigoso sair para comer
com outras pessoas, você resistiu a seus argumentos por mais tempo do que em
outras vezes?
Eu compreendo que os medos ainda mantêm sua vida muito estreita e confinada,
mas você tem a sensação que está trabalhando para mudar isso? Pode me dizer o
que lhe está dando essa sensação?
Quer dizer que nas últimas duas semanas o conflito continuou, mas houve
momentos nos quais, mesmo por um instante, você se sentiu esperançoso?

Quando uma pesquisa direta sobre resultados originais não consegue abrir espaço,
tentamos outros tipos de perguntas.

Perguntas sobre Experiências Hipotéticas

Se as pessoas têm dificuldade em localizar exceções às histórias dominantes na sua


experiência, “perguntas sobre experiências hipotéticas” podem ajudá-los a imaginar essas
experiências (Penn, 1985; Penn & Sheinberg, 1991). Na primeira história que contamos neste
capítulo, as respostas de Kathy às perguntas sobre experiências hipotéticas criaram uma
abertura para uma história alternativa. Quando Kathy se imaginou fazendo algo que não
combinava com a história dominante – ir à escola – ela e outros membros da família puderam
olhar seu passado à luz dessa experiência imaginada. Ela penetrou numa história alternativa que
deu suporte à experiência imaginada-mas-experimentada-como-real.
Aqui temos algumas dessas perguntas:
Se uma de suas crianças tivesse nascido com uma doença séria, pensam que
teriam se juntado para lidar com a crise?... E como imaginam que teriam
funcionado como equipe?
O que teria acontecido se não tivessem se responsabilizado pelo cuidado com as
crianças? Por exemplo, se você não tivesse se levantado quando seu filho chorava à
noite?

14
Se você descobrisse que com certeza sua mãe trabalha no plantão noturno não
para evitar os jogos da sua Liga, mas para fornecer as coisas que você deseja para
o seu futuro, em que esse reconhecimento mudaria as coisas para você?

Ponto de Vista

Temos uma colega que tem mais encaminhamentos do que pode atender. Ela às vezes
nos pergunta se temos tempo para ver uma pessoa ou família que foi recomendada para ela.
Descobrimos que, se estivermos muito interessados em trabalhar com as pessoas que ela
descreve, embora ela esteja determinada a encaminhá-los, no final da conversa ela decide
atende-los ela mesma. O que entendemos com essa experiência é que ela “compra” nosso ponto
de vista. Se estivermos interessados ou excitados com a expectativa de trabalhar com
determinada pessoa ou família, ela começa a ver as pessoas envolvidas como nós as vemos, a
notar o que é interessante ou excitante para nós a respeito delas. Mesmo ocupada, não quer
perder essa oportunidade.
Do mesmo modo, quando uma pessoa está vivendo uma história saturada pelo problema,
os problemas a cegam para os resultados originais, do mesmo modo que o tempo restringe a
visão da nossa colega sobre o que possa ser interessante. Quando se vive uma história
particular, a tendência é ver toda a experiência através dessa história. As pessoas fora da
história ficam mais livres para tirar significados diferentes dos eventos que vivenciam. Quando a
pessoa considera o significado através da perspectiva de outrem, pode adotá-lo como próprio
(ou pelo menos tentar). Isso fornece uma abertura para um enredo alternativo.
Perguntas como estas podem trazer outros pontos de vista:

O que sua avó diria sobre a maneira como você está lidando com este dilema?7
Você pode entender como, desde o meu ponto de vista, está pronto para aceitar
essa responsabilidade? O que você imagina que eu possa ter notado e que me faz
pensar assim?
O que você imagina que sua filha está aprendendo quando ela vê seu marido
tomando quase todas as decisões pela família? É o que você quer para ela? O que
você preferiria que ela presenciasse? Houve momentos em que ela assistiu o que
você descreve?

7
Linda Bailey-Martiniere (comunicação pessoal, 1995) sugeriu as perguntas desde a perspectiva de uma avó.
15
Há amigos que influenciam você mais quando decide usar drogas? Você tem outros
amigos que são uma influência de outro tipo? Qual a diferença entre a maneira
como esses dois grupos descrevem você? Que características um grupo vê e o outro
não?
O que você percebe de você que a briga não deixa que sua família perceba?

Contextos diferentes

Se alguém está vivendo uma história dominada pelo desamparo, provavelmente essa
pessoa vê a si mesma como desamparada. Mesmo que tenham ocorrido incontáveis eventos na
sua vida que não combinem com essa história, esses eventos podem não ser parte do que pensa
ser sua vida. Como as pessoas vivem as histórias, não as contam apenas, as histórias
problemáticas com freqüência as cegam para o significado de outros contextos além daquele
saturado pelo problema. Em outras palavras, os problemas se colocam entre as pessoas e
entendimento sobre eles mesmos de tal maneira que perdem aspectos mais interessantes de
suas identidades. Como os problemas são construídos e sustentados por contextos particulares,
os resultados originais podem ser constituídos através de perguntas sobre outros contextos.

Eu compreendo que a raiva realmente ficou entre vocês dois enquanto trabalhavam
para construir um negócio juntos e os levou a dizer coisas que não são
representativas de como vocês realmente querem ser. Mas fico pensando se há
outras situações onde vocês são capazes de deixar a raiva no seu lugar.
A preguiça afetou todas as áreas da sua vida ou só a escola?
Eu acho que entendo algo sobre como a dúvida sobre você mesmo está roubando
sua autoestima na escola. Eu tenho um retrato diferente seu quando você fala
sobre basquete. Percebe como eu obtive esse retrato diferente? (Essa pergunta
também é uma pergunta sobre ponto de vista.)

Organização de Momentos Diferentes

Desde meu ponto de vista (JF), meu avô teve uma vida gloriosa. Com 16 anos ele
escapou dos ‘pogrom’ do Leste Europeu para chegar neste país com pouco dinheiro mas com
conexões familiares intensas. Foi vitorioso nas suas empreitadas de negócios, teve um
casamento maravilhoso por 63 anos, viajou bastante, foi um autodidata, politicamente ativo,

16
teve relacionamentos próximos com amigos e família e viveu para ver seus filhos e netos
realizarem sonhos que ele ajudou a construir. Entretanto, passou os últimos anos de sua vida
em uma casa de repouso, depois de perder sua saúde e ser afetado por uma confusão dolorosa
sobre o que era real, cercado por estranhos, privado de quase todas suas posses pessoais.
Quando eu o visitava nos últimos anos, imagens de sua vida anterior me bombardeavam,
torturando-me com a comparação. Eu me lembro de tentar explicar a um de seus
acompanhantes que aquele homem não era realmente ele. Eu não sei o que era real para meu
avô naquele tempo, mas eu espero que quando ele prestou contas de sua vida tenha evocado
todos os maravilhosos anos de satisfações, relacionamentos e realizações. Estes eram
certamente os momentos que diziam para mim sobre quem ele foi.
Ao fazer perguntas para desenvolver resultados originais, temos em conta a noção que as
histórias problemáticas que conduzem as pessoas às consultas conosco não representam a
totalidade de suas vidas, mesmo que pareçam preencher o presente. As perguntas seguintes são
exemplos de perguntas sobre resultados originais em diferentes momentos nas vidas das
pessoas:

Estou ouvindo que você experimenta isto como um problema duradouro mas, se
comparar momentos diferentes na sua vida, houve um momento em que o
desespero tinha um papel menor?
Em que momento na sua vida você se sentiu mais seguro?
Durante qual período na sua vida você foi menos suscetível ao pânico? Houve
algum incidente particular neste momento ao qual se referiu quando eu perguntei?
Pode me contar sobre isso?

PERGUNTAS SOBRE PREFERÊNCIAS8

Como nós construímos histórias alternativas um pouco de cada vez a partir das
experiências que não combinam com as histórias dominantes, problemáticas, é importante que
os terapeutas chequem freqüentemente para ver se as direções ou significado dessas
experiências são preferíveis a aqueles da história problemática. Este ponto parece ser

8
Estamos em dívida com David Epston e Sallyann Roth (1994) por causa do nome “perguntas sobre preferências”. Previamente
chamávamos a essas perguntas “perguntas de conveniência” porque convidavam as pessoas a avaliar a conveniência, mas agora
usamos “preferência”.
17
acadêmico, mas nós pelo menos, não estamos sempre seguros sobre o que as diferentes
pessoas realmente preferem.
Por exemplo, eu (JF) recentemente vi uma família que me foi encaminhada por um colega
que os tinha atendido por um tempo, mas que estava se preparando para se mudar de Chicago.
Quando me inteirei sobre o trabalho que tinham feito com meu colega, descobri que Glenn, 45
anos, estava envolvido numa luta interminável com uma depressão grave. Os membros da
família me falaram sobre os efeitos da depressão nas suas vidas e na vida da família.
Compartilharam comigo o que eles sabiam sobre depressão – os sinais quando estava
começando, quais suas fronteiras e assim por diante.
O que ficou para mim dessa descrição foi que, se a depressão tinha um começo, também
tinha um fim. Se havia fronteiras, havia lugares fora delas. Comecei a perguntar sobre aqueles
aspectos de sua experiência. Estava muito interessada em ouvir sobre esses momentos livres de
depressão.
No entanto, os membros da família, particularmente Glenn, pareceram um pouco
relutantes de entrar de coração aberto nessa conversa. Perguntei “É sobre isso que gostariam de
conversar ou há mais alguma coisa?”
Glenn respondeu, “Há momentos em que a depressão não está presente na minha vida, e
eu penso que todos concordamos que existem muitas coisas boas nesses momentos. Mas
focalizar neles não tem sido especialmente útil.”
“Acho que é assustador,” disse Karin, de 13 anos.
Pensei que era um comentário curioso, então perguntei mais sobre ele e descobri que a
idéia de que Glenn, ao invés de estar deprimido, pudesse tomar conta da sua vida e de que os
membros da família pudessem tomar parte nisso, não eram idéias preferidas por eles, de fato
eram consideradas perigosas. Quando tentaram essas idéias no passado, a depressão os tinha
pegado de surpresa. Não importa o quanto eles acreditassem que isso era coisa do passado,
estava sempre voltando.
A experiência os tinha ensinado que o que funcionava melhor era ter uma relação
diferente com a depressão. Não achavam que poderiam expulsa-la de suas vidas, mas
pensavam que poderiam coexistir com ela. Aprenderam os sinais iniciais de seu retorno e uma
porção de coisas que poderiam fazer para mantê-la em um “nível baixo”. A depressão nunca
mais se instalou completamente, mas havia um lugar nas suas vidas que requeria vigilância e
respostas rápidas. “Uma espécie de barata”, disse Margaret, a parceira de Glenn. “Não vai
embora, mas se você fizer algo quando nota que está se espalhando, não faz muito mal”.

18
Experiências como estas nos ensinaram a importância de perguntar às pessoas o que eles
preferem, ao invés de presumir que sabemos. Fazemos as perguntas sobre preferência através
de nossas entrevistas para nos certificarmos que estamos indo na direção preferida pelas
pessoas.
Entretanto, não é apenas uma questão de providenciar uma situação para que as pessoas
falem sobre suas preferências. Escolher uma preferência é se comprometer com uma direção na
vida. Muitas de nossas perguntas, tal como “Você pensa que a desonestidade combina com você
como um estilo de vida ou prefere um estilo honesto?” propõe que as pessoas escolham entre
duas possibilidades9. Quando colocamos estas perguntas, estamos construindo dilemas
particulares. As pessoas ocasionalmente nos dizem que nenhuma das possibilidades é a
preferida, mas suspeitamos que na maior parte das vezes as pessoas abordam as duas
possibilidades oferecidas como se fossem realmente as duas escolhas disponíveis e se esforçam
para se alinhar com uma ou outra.
Como observa Karl Tomm (1993, p. 67) “Estes tipos de perguntas, que justapõem duas
opções contrastantes... e convidam o cliente a afirmar uma preferência, são obviamente
‘plantadas’”. Tomm chama a estas “perguntas de bifurcação” e acredita que são úteis para
mobilizar e posicionar as respostas emocionais das pessoas. Ele escreve que estas perguntas
criam uma bifurcação ou ramificação de direções e significados alternativos. Quando uma pessoa
escolhe uma, conjuntos diferentes de emoções se orientam para cada ramo. Presumivelmente,
se uma pessoa afirma que a honestidade combina com ela e não a desonestidade, suas emoções
negativas serão orientadas para a desonestidade, o que pode ajudá-la a lutar contra ela, e suas
emoções positivas serão orientadas para a honestidade, ajudando-a a aderir a ela.
Às vezes, um dos dois caminhos é só implícito. Quando perguntamos “Você considera que
esse tipo de pensamento é útil?”, está implícito “Ou não é útil?”.
Anteriormente trabalhamos bastante com hipnose e vimos muita gente que queria parar
de fumar. Quando perguntávamos a eles o que ajudava mais a parar de fumar, muitas pessoas
nos disseram que comprometer-se a parar era de longe o elemento mais importante. Ao fazer
perguntas sobre preferência, criamos um contexto para os compromissos.
Freqüentemente perguntamos “Por quê?” depois que uma pessoa manifestou uma
preferência. Isso a convida a justificar suas escolhas e a descrever sua motivação e, durante sua
explicação, tem a oportunidade de clarear e elaborar suas direções preferidas na vida, nas
identidades, nos valores.
Alguns exemplos de perguntas sobre preferência:
9
Quando Michael White e David Epston levantaram essas perguntas sobre estilos de vida problemáticos, eles (Epston, 1989a; White,
1986a, 1986b) os nomearam “perguntas sobre dilemas” ou “levantando dilemas.”
19
Você acredita que essa reputação deveria falar por você ou pensa que seria melhor
você mesmo falar de você?
Essa é uma prática útil? Como? Por que?
Essa idéia combina com você? Por que?
Você acha que é melhor a raiva dirigir a sua vida ou seria melhor você mesmo
dirigir a sua vida?
Isso é uma coisa boa ou uma coisa ruim para você?

PERGUNTAS SOBRE DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA

Uma vez que há espaço suficiente para revelar um resultado original ou um


desenvolvimento preferencial, podemos fazer perguntas para desenvolver a história. Todas as
perguntas de que falamos neste capítulo são usadas para convidar à re-autoria da história. Ao
nos referirmos às “perguntas sobre o desenvolvimento da história” nesta seção, estamos nos
referindo a essa parte da re-autoria que constroem os eventos em uma história, no senso
comum. Isto é, as perguntas sobre o desenvolvimento da história convidam as pessoas a relatar
o processo e os detalhes de uma experiência e a conectá-los a uma moldura de tempo, a um
contexto particular e a outras pessoas. Desse jeito um acontecimento se expande no tempo e no
espaço, é povoado e re-experenciado de uma maneira detalhada. Torna-se uma história! Tais
histórias podem ser construídas tanto a partir de acontecimentos reais como hipotéticos.
Nossa esperança, quando fazemos esse tipo de pergunta, é que as pessoas cheguem a
experimentar suas vidas e a si próprios de novas maneiras, à medida que focalizam em aspectos
previamente desvalorizados e não incluídos de suas experiências, aspectos que ficam fora do
âmbito das histórias problemáticas em que estão metidos quando vêm procurar terapia. Para
essa finalidade, é importante que essas histórias sejam desenvolvidas de uma maneira
estimulante e vívida (Freedman & Comb, 1993).

Processo

Ao fazer perguntas sobre o processo, convidamos as pessoas a olhar novamente para um


evento e perceber o que aconteceu. À medida que a pessoa trabalha para recuperar a seqüência
de elementos importantes envolvidos no resultado original, ela o recorda. Neste processo, ela
tem a oportunidade de criar um mapa que estará disponível para ser seguido durante futuros

20
desafios. Como pedem às pessoas que revejam suas ações, essas perguntas quase sempre
contribuem para histórias de ação pessoal.

Quais os passos que você escolheu ao fazer isso? O que fez primeiro? E aí, o que
aconteceu?
Como você se preparou para ver as coisas desta maneira?
Quando você olha para essa realização, o que você acha que foram os momentos
críticos que a tornaram possível?
Houve coisas especiais que você disse a si mesmo e que deram suporte a essa nova
decisão?
Como você o fez?

Detalhes

Os detalhes ajudam a tornar um evento mais vívido. Perguntas sobre os detalhes


oferecem às pessoas a oportunidade de lembrar aspectos dos eventos que possam ter sido
negligenciados ou esquecidos. As descrições detalhadas aumentam a intensidade do
envolvimento com a experiência que avaliações mais gerais não alcançam. Isto também
acontece com acontecimentos hipotéticos. Alem disso, alguns dos diferentes detalhes trazidos
podem desempenhar um papel mais significativo na re-autoria do que aqueles que são mais
prontamente lembrados.

Qual foi a aparência do rosto dele quando você disse que tinha ganho o prêmio?
Que coisas especiais eu teria notado se eu estivesse lá quando vocês tiveram essa
ruptura?
Como foi agarrar esse prêmio com suas mãos? Você ouviu o barulho da multidão ou
notou algumas caras em especial?
O que acontecia no resto do ambiente quando você se deu conta disso?
O que exatamente ela disse quando você contou as novidades?

Tempo

Encontrar os antecedentes históricos dos resultados originais e dos desenvolvimentos


preferidos pode atribuir significância e créditos particulares para as histórias preferidas sobre a

21
identidade do self que resulta deste trabalho. Freqüentemente os resultados originais possuem
raízes históricas em situações para as quais os problemas cegaram as pessoas. “Perguntas sobre
a história” podem ajudar as pessoas a identificá-los e recupera-los.

Quem poderia prever que você faria essa mudança na sua compreensão? O que os
teria feito antecipar isso? Eles se lembrariam de um evento em especial?
Quando, no passado, sua filha mostrou esse tipo de coragem?
Essa é uma maneira nova de encarar a situação ou você já fez isso antes? De qual
situação você se lembra?

Usar perguntas orientadas para o futuro pode estender as histórias alternativas para o
futuro, mudando as expectativas das pessoas sobre o que estaria disponível para elas mais à
frente, como Peggy Penn (1985, p. 301) observa, elas podem “... recortar idéias de pré-
determinação.”

Qual você imagina que poderia ser seu próximo passo?


Agora que vocês descobriram essas coisas sobre seu relacionamento, há uma nova
visão a respeito do futuro?
Esses novos desdobramentos inspiram alguma nova previsão que você possa fazer
sobre sua futura carreira na universidade?
Daqui a três meses, quem você pensa que possa estar mais contente com as
conseqüências dessa nova compreensão? Quais seriam essas conseqüências que
iriam agradar tanto? (Essa pergunta também pode ser listada sob “Gente”, na
página seguinte).

As perguntas que confrontam o passado e também o presente ou o futuro enfatizam as


mudanças que a história teve ao longo do tempo10. Ao responder a estas perguntas, as pessoas
podem notar muitas mudanças e diferenças que estavam tendendo a tomar como “naturais”.

Como isto é diferente do que você teria feito antes?


Muito bem, então neste momento você não permitiu que a bulimia o forçasse a ficar
fora de uma situação social. Como isto é diferente de quando a bulimia controlava a
sua vida?
10
David Epston usa esse tipo de perguntas intensamente. À medida que as pessoas confrontam com o passado o que está acontecendo
no presente ou o que planejam para o futuro, parece que se tornam mais comprometidas com a nova direção.
22
Você parece estar muito satisfeita com os relatórios que os professores de John
estão fazendo. Como era antes, quando você ia aos encontros de pais e
professores? E agora...?

Perguntas que ligam o passado, o presente e o futuro dramatizam o intervalo de


tempo e a direcionalidade de uma narrativa, e acrescentam relevância aos eventos em
diferentes molduras de tempo.

Se ligarmos a autoconfiança no seu passado com suas idéias atuais, onde você acha
que pode chegar no futuro?
Você disse que na universidade você pode se garantir em algumas ocasiões, e que
só recentemente você fez contato com essa habilidade e contou para seu melhor
amigo o que estava pensando. Se pensarmos nestes eventos como uma espécie de
tendência na sua vida, o que você imagina que possa acontecer em seguida?
Quem, do seu passado, poderia prever esses desdobramentos na sua vida?
Sabendo o que essa pessoa sabe sobre o seu passado, se ela estivesse aqui agora,
o que poderia prever sobre o seu futuro?

Contexto

As histórias se desenrolam em um determinado contexto. As histórias problemáticas


podem ser mais cuidadas ou sustentadas pelos diferentes contextos sócioculturais do que as
histórias preferidas. À medida que as pessoas constroem histórias alternativas, novos contextos
podem se tornar importantes. Algumas narrativas são mais dependentes dos contextos que
outras, mas toda história tem um cenário. Fazer perguntas sobre o contexto pode ancorar uma
história em um lugar ou situação particulares. Às vezes perguntas sobre o contexto convidam as
pessoas a estender as histórias a novos lugares e a novas situações. As perguntas sobre o
contexto podem também convidar as pessoas a perceber o papel que sua cultura tem em criar e
sustentar as histórias preferidas.

Há alguma organização ou contexto em particular que sustentaria sua nova


história?
Onde isso aconteceu? O que estava se passando nessa ocasião?
Essa sua nova competência, ela se mostra mais no trabalho ou em casa?

23
Você diria que as circunstâncias sustentaram o que você fazia? Como?
Neste processo você descreve parte da sua cultura? Qual o ensinamento da sua
cultura sobre como uma pessoa deve enfrentar esse tipo de desafio?11

Pessoas

A maioria das histórias tem mais que um personagem. As “perguntas sobre pessoas”
convidam os indivíduos a recuperar o elenco de personagens que contribuem para uma narrativa
emergente ou a considerar como algumas pessoas específicas podem desempenhar um papel no
desenvolvimento de uma história. Estas perguntas apontam para a importância de outras
pessoas em narrativas alternativas. Também convidam as pessoas a considerarem os efeitos de
suas histórias alternativas nas vidas de outras pessoas – família, amigos, algumas vezes até
mesmo estranhos12. Como o significado é construído na interação social, combina com isso que
as histórias sejam “povoadas”.

Quem desempenhou um papel na retomada da sua vida por você mesmo?


Quem vai ser o primeiro a notar que você domesticou esse medo? Como isso o
afetará?
Sua correspondência com sua mãe teve um papel importante nisto? Qual foi a coisa
mais importante que ela escreveu para você?
Por quanto tempo você imagina que a família terá que ver você cumprindo as
regras para que possam relaxar sobre esta mudança?
Se você conservar seu irmão no seu coração quando enfrenta este problema, que
diferença fará?

Perguntas sobre acontecimentos hipotéticos

Podemos também construir uma história sobre um resultado original adicionando


detalhes, processo, tempo, contexto e pessoas do reino da imaginação13 através de perguntas

11
A Equipe “Just Therapy” (veja artigo publicado em Nova Perspectiva Sistêmica no. 19) de Wellington, Nova Zelândia, vem
trabalhando bastante para ajudar as pessoas a recuperar suas histórias e conhecimentos culturais. Veja Law (1994), Tamases e
Waldegrave (1993), Tapping et al. (1990) para descrições deste processo.
12
Além da importância das pessoas que fazem parte das histórias, nós reconhecemos a importância de convidar uma audiência para as
histórias; quer dizer, deixar as pessoas dentro dos desdobramentos na vida de alguém.
13
Veja Roth e Chasin (1994) para uma descrição de trabalho narrativo desenvolvido basicamente no reino da imaginação através de
atuação dramática, mais do que com perguntas.
24
sobre acontecimentos ou circunstâncias hipotéticas. Perguntas sobre futuro são sempre sobre
acontecimentos hipotéticos, mas podem ser muito importantes para construir as vidas atuais.
Diane Chisman, membro da equipe de formação do Evanston Family Therapy Center, foi
pioneira em usar perguntas hipotéticas. Depois que as pessoas faziam uma distinção sobre si
mesmas ou sobre seus relacionamentos que achassem útil, Diane os convidava a serem autores
de uma história especulativa. Por exemplo, numa conversa terapêutica com Diane, Nadine e
Hank perceberam que quando conversavam juntos sobre suas funções como pais, ambos
ficavam mais confiantes. Como Renee era de um casamento anterior de Nadine, as idéias
dominantes do que significava ser um pai “de verdade” haviam impedido Hank de expressar
suas idéias sobre paternidade. As idéias dominantes sobre as responsabilidades da maternidade
tinham convencido Nadine que Renee era sua responsabilidade totalmente. Eles não
trabalhavam de maneira colaborativa, embora cada um se sentisse sobrecarregado e sozinho.
Quando se deram conta que ambos gostariam de compartilhar idéias e negociar sobre os
cuidados com Renee, Diane fez algumas perguntas hipotéticas para desenvolver uma história
especulativa. Eram perguntas tais como “Se você tivesse sabido como você se sairia bem
compartilhando e negociando idéias sobre cuidar de filhos quando você estava casada, como os
assuntos em relação à Renee teriam sido diferentes, naquela época e agora?”
Uma vez que uma história se estabelece, as pessoas podem especular sobre o processo,
os detalhes, o contexto e as pessoas. Esses passados hipotéticos, uma vez experimentados,
freqüentemente têm efeitos reais nas vidas atuais das pessoas.
Os exemplos seguintes de “perguntas sobre acontecimentos hipotéticos” podem ser
usados no desdobramento de uma história:

Se a sua mãe não tivesse morrido, que diferença você imagina que teria feito no
seu desenvolvimento?
Se você tivesse se envolvido em tal projeto, o que faria primeiro?
Como você imagina que seria como estudante? Mudaria seu estilo?

PERGUNTAS SOBRE O SIGNIFICADO

Através das perguntas sobre o desenvolvimento da história as pessoas posicionam a ação


e o conteúdo nas suas histórias preferidas. Através de perguntas sobre o significado,
convidamos as pessoas a uma posição reflexiva de onde podem olhar aspectos diferentes nas

25
suas histórias, em si mesmos e em seus vários relacionamentos. Essas perguntas encorajam as
pessoas a considerar e experimentar as implicações dos resultados originais, das direções
preferidas e das novas experiências contadas numa história. Ao nomear os significados dessas
experiências, elas as estão construindo.
Quando Marta veio à terapia descreveu o problema como uma sensação de inadequação
ou de se preocupar demais. Ela achava que tinha a ver com duas experiências significativas na
sua vida. Primeiro, sua mãe morreu quando ela tinha 14 anos e ela acreditava que sua mãe era
a única pessoa que realmente a amava. Segundo, ela era bi-racial. Sua herança étnica não era
óbvia na sua aparência, e isso sempre a levava a pensar que diferença faria se as outras
pessoas soubessem. Ela freqüentemente pensava que não se encaixava em nenhuma das
culturas de seus pais. Para lidar com a sensação de inadequação ou de preocupação, Marta se
acomodava às idéias das outras pessoas. Quase sempre permanecia envolvida em
relacionamentos insatisfatórios porque pensava que era melhor do que ficar sozinha.
Em um determinado momento, numa entrevista para um emprego, ela se pegou
baseando suas respostas no que ela pensava mais que nas previsões que fazia sobre o que o
entrevistador gostaria de ouvir. Eu (GC) fiz a ela uma pergunta sobre significado: “O que lhe diz
esse fato, dizer na entrevista o que você pensava ao invés do que você imaginava que o
entrevistador gostaria de ouvir?” Ela pensou sobre minha pergunta por alguns momentos e
então falou “Imagino que eu gostaria de ser empregada por ser eu mesma e não fingindo ser
outra pessoa.”
Este foi um desempenho importante de significado para Marta. Ela disse que não teria se
dado conta se a pergunta não a tivesse convidado a refletir sobre isso. Esse autoconhecimento
permitiu que identificasse outras experiências onde não havia se mostrado como era, e foi muito
significativo descobrir isso. Através dessas descobertas Marta acessou um lado diferente dela
mesma. Não queremos dizer que esse desempenho de significado era tudo o que era necessário
ou mesmo um momento decisivo na terapia. Entretanto, foi uma experiência significativa que
ajudou Marta a reconhecer como ela poderia escolher se apoderar de seus próprios pensamentos
e identidade, e como essa escolha era valorizada pessoalmente, embora idéias e práticas
dominantes na cultura houvessem excluído sua experiência e sua identidade.
Nós fazemos perguntas sobre significado sobre as respostas para “abrir espaço”, “sobre
preferência” e “perguntas sobre o desenvolvimento da história” em relação às respostas sobre
“perguntas sobre significado”. As perguntas sobre significado são tecidas dentro e fora desses
tipos de perguntas, especialmente perguntas sobre o desenvolvimento da história.

26
Além de perguntar sobre o significado geral e as implicações das histórias à medida que
elas se desdobram também perguntamos sobre qualidades, relacionamentos, características,
motivações, esperanças, metas, valores, crenças, conhecimento e aprendizagens pessoais que
as pessoas deduzem de suas narrativas.

O Significado e Implicações

Perguntas sobre significado e implicações são do tipo mais ilimitado de pergunta. As


respostas podem tanto falar de características pessoais ou valores como de outra das categorias
listadas. Através destas perguntas as pessoas dão sentido do jeito que é possível para elas.

O que significa para você seu parceiro ter feito isso?


Se você tivesse que aplicar esse conhecimento à sua vida agora, em que contexto
faria diferença? Que diferença faria?
O que esta nova perspectiva diz a você sobre você?
Qual o significado para você, como membro de uma família, que estejam juntos
aqui hoje falando desse novo desdobramento?

Características e Qualidades

Ao perguntar sobre características e qualidades das pessoas e de relacionamentos,


estamos focalizando o significado na autoimagem ou na “imagem do relacionamento”. Essas
perguntas são muito úteis para atualizar a identidade de uma pessoa ou de um relacionamento,
para adequar ao desenvolvimento de uma história alternativa.

O que ter feito isso diz de você como pessoa? Que características mostra?
À luz de ter alcançado isso juntos, como seu parceiro descreve o tipo de
relacionamento que vocês têm?
Que qualidades em seu filho são evidentes para você, agora que escutou os passos
que ele precisou dar para colocar equilíbrio na sua vida?

Motivação, Esperanças e Metas


Perguntas sobre motivação, esperanças e metas convidam as pessoas a perceber como
desenvolvimentos particulares refletem projetos de vida mais amplos.

27
O que você imagina que o motivou a dar este passo?
Você pensa que a maneira como vocês dois se dedicaram à tarefa reflete a
esperança de vocês como um casal?
Conseguimos listar uma porção de coisas que vocês conseguiram neste projeto.
Revisar isso torna as metas mais claras? Que metas vocês podem identificar?

Valores e Crenças

Perguntas sobre valores e crenças podem convidar as pessoas a olhar atrás para
acontecimentos específicos e refletir nas suas dimensões morais, éticas ou espirituais. Eu (JF)
tive uma consulta com um casal em um encontro de duas horas, e seis semanas depois ouvi
falar de Elizabeth, a filha. Os membros da família eram brancos, classe média, católicos
descendentes de irlandeses. Quando Elizabeth ficou noiva de Jared, um estudante de engenharia
muçulmano do Irã, a família foi capturada pelo medo. O medo parecia ser abastecido pelo filme
“Não com a minha filha”, sobre um homem iraniano casado com uma americana. O homem
iraniano no filme parecia ser um esposo apaixonado enquanto estava na terra da mulher, mas se
tornou um estranho abusador quando a família visitou o Irã. A mulher americana fugiu, levando
apenas os dois filhos. Um segundo fenômeno que alimentava o medo era uma enxurrada de
chamados da família e dos amigos, todos de gente que conhecia alguém que conhecia alguém
que sabia de relacionamentos desastrosos com iranianos. Finalmente, a igreja não reconheceria
um casamento como o que Elizabeth queria.
Limitarei meus comentários a um pedaço de nossa conversa telefônica seis semanas
depois da nossa consulta. Elizabeth chamou para contar que seus pais atualmente estavam
querendo conhecer Jared, o que não tinha acontecido antes. Perguntei o que ela achava que
tinha feito diferença. Disse que o mais importante tinha sido o jeito como seus pais tinham
respondido a determinada pergunta. A pergunta que eu tinha feito era “Vocês me disseram que
tinham decidido não ter nada a ver com esse casamento; já que estão aqui, o que imaginam que
os trouxe à terapia?”
“Quando pensaram sobre essa pergunta, foi como se derretessem”, disse Elizabeth.
“Estavam congelados, contra mim durante meses, mas quando ouviram essa pergunta
começaram a falar sobre o quanto me amavam, sobre o quanto desejavam ser parte do meu
futuro, sobre o quanto desejavam o melhor para mim, e foi como ter meus pais de volta. Depois

28
disso, começaram a fazer algumas coisas para conhecer Jared realmente. Agora, minha mãe
chama a casa de Nações Unidas.”
Com essas perguntas, convidamos as pessoas a pensar sobre como os resultados originais
refletem seus valores e crenças:

Por que esse novo jeito de pensar combina melhor com você que o antigo?
Do que eu escutei, o que eu diria que você valoriza na amizade?
Agora que revimos o que aconteceu na escola da sua filha, em que você imagina
que acredita para tomar a atitude que tomou?

Conhecimento e aprendizagem

Como freqüentemente vemos a terapia como uma “insurreição dos conhecimentos


perdidos”, acreditamos que é importante recuperar o conhecimento local específico das pessoas
em relação ao resultado original e às direções valorizadas nas suas vidas. Isto é especialmente
verdadeiro quando o conhecimento cultural dominante deu uma mãozinha para se constituírem
as histórias saturadas pelo problema. Aqui estão algumas perguntas que podemos fazer para
iluminar experiências e conhecimentos que confrontam o problema:

Quando você pensa neste acontecimento, que pista sobre seu relacionamento você
já tinha e não percebeu naquele momento?
Há algo que você possa aprender disto que seja importante para outros aspectos da
sua vida?
Quando você vê o quão longe pôde ir, o que aprende sobre você mesmo?
Quando reflete sobre este incidente, o que tira como um resultado que os “amigos
da baixa autoestima” não gostariam que você soubesse?

CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA

Podemos pensar nas “perguntas sobre o desenrolar da história” e nas “perguntas sobre o
significado” como nossas perguntas sobre a construção da história (mais que de deconstrução).
Elas constroem os resultados originais, convidando as pessoas a usar os resultados originais e as
experiências preferidas como uma base para desenvolver histórias e significados alternativos.

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Embora vejamos as histórias que se desenrolam na terapia como propriedade das
pessoas, também pensamos sobre algo que Karl Tomm (1993) aponta numa discussão sobre o
trabalho de Michael White. Ele escreve que White é quem seleciona os acontecimentos que ele
convida as pessoas a historiar, e que essa escolha determina poderosamente o tipo de história
que vai ser construída. As perguntas que os terapeutas fazem têm um papel importante sobre
quais eventos, tanto vividos como imaginados, serão desenvolvidos. Os resultados originais que
se tornam os candidatos para o desenvolvimento da história são escolhidos pelos terapeutas
quando são feitas mais perguntas sobre eles, mas também são escolhidos pelas pessoas com as
quais trabalhamos quando elas os nomeiam como preferidos ao responder às perguntas sobre
preferências.
Nossos valores, a metáfora narrativa, e nossa experiência influenciam tanto nossa escolha
da pergunta como nossa decisão sobre em quais “eventos cintilantes” focalizar. Como nossas
escolhas dão uma mão para modelar os tipos de histórias que são construídas, é importante que
nos situemos, tornando nossos valores, idéias, e as experiências em que são baseados
suficientemente claros para que as pessoas possam compreender que eles não são neutros
(White, 1995). Oferecemos nossas idéias como idéias baseadas em experiências particulares,
não como afirmações verdadeiras. Também convidamos as pessoas com as quais trabalhamos a
fazer perguntas sobre as nossas perguntas e as nossas intenções quando trabalhamos com eles.
Na terapia, pontos particulares onde a narrativa encalhou são selecionados e tornados
mais finos através de um vai e vem, tecendo entre o desenvolvimento da história e o fazer
sentido. Quer dizer, quando alguém começa a desenvolver uma história alternativa, fazemos
perguntas que a convidam a encontrar sentido nessa história. Podemos então perguntar que
desdobramentos resultam do sentido que emerge, e assim por diante, de maneira que uma
tapeçaria de desdobramentos da história e seu sentido é tecida.
Gostaríamos de apontar que nossos termos “perguntas sobre o desdobramento da
história” e “perguntas sobre o significado” são diferentes dos adotados por Michael White,
inspirado em Jerome Bruner (1986). White (1991, 1995), seguido por muitos outros terapeutas,
usa o termo “cenário da ação” onde usamos “desenvolvimento da história”, e “cenário da
consciência” onde usamos “sentido”. Ele também usa uma terceira categoria, “experiência da
experiência”, para perguntas que convidam as pessoas a adotar outro ponto de vista14. Alem de
colocar essas perguntas numa categoria separada, nós as incorporamos em “perguntas sobre o
desenvolvimento da história” ou “perguntas sobre o significado”, de acordo com nosso propósito
ao fazê-las. Quer dizer, chamamos a estas perguntas tanto perguntas sobre o desenvolvimento

14
Descrevemos o uso destas perguntas neste capítulo com o nome “ponto de vista”, quando nossa intenção é abrir espaço.
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da história quanto sobre o significado, dependendo se elas desenvolvem a história ou o seu
sentido, desde o ponto de vista de outra pessoa. Por exemplo, nós chamaríamos a pergunta “Se
eu estivesse aqui e visse você dando esse passo, como imagina que eu descreveria o que
aconteceu?” uma pergunta sobre o desenvolvimento da história, e a pergunta “Se eu então
contasse a alguém o que eu vi em você que permitiu que você desse esse passo, que qualidades
você pensa que eu listaria?” seria uma pergunta sobre o significado.

O QUE PERGUNTAR QUANDO

Preocupamos-nos em apresentar uma lista de tipos de perguntas numa seqüência


particular, pode parecer que essas perguntas são para serem feitas nessa seqüência. Parece ser
útil para algumas pessoas ter uma ordem especial em mente quando aprendem e praticam como
usar perguntas como estas e parece que a ordem que sugerimos não é assim tão ruim. Mas
queremos enfatizar que outras ordens podem funcionar muito bem.
Começamos a conhecer as pessoas como gente, não em relação aos seus problemas.
Como Vicki Dickerson e Jeff Zimmerman (1993, p. 229) apontam, “Esse é um passo importante,
entender os membros da família como pessoas separadas do problema e como especialistas em
suas próprias vidas”.
Portanto, achamos útil e satisfatório seguir os interesses das pessoas. Freqüentemente a
conversa se move naturalmente para o que os trouxe à terapia. Se isso não acontece, podemos
perguntar. Normalmente ouvimos uma descrição do problema e, à medida que ouvimos, em
algum ponto começamos a fazer perguntas de desconstrução.
Recentemente, quando estávamos apresentando uma oficina com alguns colegas, alguém
perguntou “Quantas perguntas de desconstrução vocês costumam fazer?”, Jeff Zimmerman
respondeu “Tantas quantas forem necessárias”. Costumávamos fazer sistematicamente
perguntas de desconstrução (especialmente “perguntas de influência relativa”), mas agora
preferimos começar fazendo “perguntas sobre o desenvolvimento da história” em qualquer
momento que haja uma abertura para isso. Sempre podemos voltar atrás para uma escuta de-
construtora se a situação pede isso.
Podemos não usar alguns tipos de perguntas numa entrevista especial15. Tendemos a usar
as perguntas de desconstrução e para abrir espaço na primeira parte de qualquer conversa
sobre um problema particular. Usamos as perguntas sobre preferência ao longo das entrevistas,

15
Há ainda muitos tipos de perguntas às quais não nos referimos. Entre elas “Perguntas de internalização do outro”, desenvolvidas por
David Epston e Karl Tomm (Epston, 1993b) e perguntas sobre “Dizendo olá outra vez”, desenvolvidas por Michael White (1988b)
que são usadas com pessoas que sofrem por luto.
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especialmente em relação aos resultados originais. Quando um resultado original preferido é
identificado, fazemos perguntas sobre o desenvolvimento da história e sobre o significado,
sempre alternando ou fazendo várias perguntas sobre o desenvolvimento, depois sobre o
significado e depois mais sobre o desenvolvimento. Entretanto, há várias exceções para esse
modelo geral. Por exemplo, às vezes omitimos as perguntas sobre preferência, nos apoiando no
tom de voz, na expressão facial e em afirmações passadas sobre preferências como guia.
Se os membros da família começam a terapia descrevendo o que eles querem e esperam,
geralmente respondemos a isso como um resultado original e começamos por convidá-los a
serem os autores dessa história – talvez nunca ouvindo ou de - construindo uma história
problemática. Como alternativa, podemos perguntar sobre uma história problemática através de
perguntas sobre o desenvolvimento da história, que confrontam o passado com o presente ou o
futuro, de maneira que fica entremeado, através da terapia, a autoria de uma história
alternativa e contar a história problemática.
Às vezes nos movemos entre histórias problemáticas e histórias alternativas para fazer
uma conexão com a experiência das pessoas. Talvez uma pessoa comece a viver uma história
alternativa e algo a impeça de continuar. Se sente bloqueada e anda para trás. Nesta situação,
podemos tanto perguntar sobre a história alternativa, o que pode ser o suficiente para engajá-la
novamente nela, ou podemos ouvir e fazer perguntas de-construtivas sobre o que a está
puxando para trás. Para algumas pessoas, a segunda opção se encaixa melhor. Parecem
assumir a autoria sobre essa parada na história, então identificam outro problema, assumem a
autoria novamente, e assim por diante, até que estejam completamente imersos na história
alternativa.
À medida que as pessoas se tornam mais e mais envolvidas em viver histórias
alternativas, geralmente decidem em algum ponto que podem viver bem sem a terapia. Com
freqüência, ao invés de tomar uma decisão definitiva de “terminar”, querem deixar a porta
aberta para uma consulta ocasional. De qualquer jeito, já que negociamos o próximo encontro
no final de cada sessão, terminar a terapia é um processo fácil e “natural”.
Em um “encontro final” geralmente fazemos perguntas que os convida a rever como a
história se desenrolou – principalmente perguntas que confrontam o passado e o presente.
Também fazemos perguntas orientadas ao futuro. E às vezes temos uma comemoração!

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Traduzido do original por Eloisa Vidal Rosas
Psicóloga, Terapeuta de Família, Facilitadora de Processos Coletivos
eloisa.vidal@gmail.com

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