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52-62 – Julho/2021

Os Impactos do TDAH na Interação Social da Criança: uma revisão


de literatura
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Rebecca Damacena de Andrade 1
João Paulo Moreira Di Vellasco 2
Sara Rezende Coutinho Ribeiro 3

Resumo
As disfunções neurais na infância, em sua maioria, possuem uma característica heterogênea, como no caso do
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) que é caracterizado por uma etiologia neuro-
genético-ambiental que acarreta disfunção executiva e prejuízo na tomada de decisão, automonitoramento,
memória, atenção, linguagem, controle das emoções e comportamento, que impactam o desempenho social da
criança. Este trabalho teve por objetivo compreender a interação social de crianças com TDAH por meio da
análise de como o transtorno impacta em sua regulação do humor e na adaptação social e como pode ser
avaliada, pela perspectiva da neuropsicologia, além de levantar quais os principais instrumentos
neuropsicológicos utilizados para este tipo de análise. Como método, foi realizado uma revisão da literatura,
composta por trabalhos empíricos publicados entre 2010 e 2020, pesquisados nas plataformas Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e PubMed.
Foram analisados seis artigos que apresentaram como prejuízos cognitivos, déficits em controle inibitório,
flexibilidade cognitiva, autorregulação e automonitoramento em crianças com TDAH, com impacto no
direcionamento do funcionamento afetivo, emocional, motivacional e social, além do desempenho de
comportamentos adaptativos.

Palavras-chave: TDAH; Interação Social; Regulação Emocional; Neuropsicologia.

Abstract
This article most neural dysfunctions in childhood have a heterogeneous characteristic, as in the case of
Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) which is characterized by a neuro-genetic-environmental
etiology that causes executive dysfunction and impairment in decision making, self-monitoring, memory,
attention, language, control of emotions and behavior, which impact the social performance of child in their
midst. Thus, this study aimed to understand the social interaction of children with ADHD through the analysis
of how the disorder impacts their mood regulation and social adaptation and how it can be assessed, from the
perspective of neuropsychology, in addition to raising which are the main neuropsychological instruments
used for this type of analysis. As a method, it was carried out through a literature review, composed of empirical
works published between 2010 and 2020, researched in the Scientific Electronic Library Online (SciELO),
Portal of Electronic Psychology Journals (PePSIC) and PubMed. Six articles were analyzed that presented as
impairments in levels of control, cognitive flexibility, self-regulation, and self-monitoring, as found in children
with ADHD, impact on the direction of affective, emotional, motivational, and social functioning, in addition
to the performance of adaptive behaviors.

Key words: ADHD; Social Interaction; Emotional Regulation; Neuropsychology.


_________________________________________
1
Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA). E-mail: rebecca.damacena@gmail.com
2
Psicólogo. Especialista em Neuropsicologia. Professor do curso de Psicologia do Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA). E-
mail: joaovellasco50@gmail.com
3
Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia. Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail:
saracout@hotmail.com

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O surgimento da Neuropsicologia se que é caracterizado por uma etiologia neuro-


deu como resultado de décadas de estudos genético-ambiental (Couto, Melo-Junior &
dedicados ao entendimento da atividade Gomes, 2010; Gonçalves, Pureza & Prando,
cerebral, sua ligação com o comportamento 2011).
humano e impactos decorrentes do ambiente De acordo com o DSM V (2014), o
(Luria, 1981). Hoje tal ciência é compreendida TDAH é um transtorno do
como o estudo de toda estrutura cerebral em neurodesenvolvimento que acarreta disfunção
sua complexidade e profundidade, a medida executiva e prejuízo na tomada de decisão,
em que alia sistemas neurais ao automonitoramento, memória, atenção,
comportamento humano, considerando-os linguagem, controle das emoções e
como base para a atividade humana (Luria, comportamento social. Tais desajustes se
1981; Fuentes, Malloy-Diniz, de Camargo & externalizam em comportamentos como
Cosenza, 2014). esquecimento, distraibilidade, impulsividade e
No Brasil, a Neuropsicologia teve seu desorganização (Couto, Melo-Junior &
ápice a partir dos anos 2.000 mediante estudos Gomes, 2010; Gonçalves, Pureza & Prando,
e pesquisas interdisciplinares, desde 2011; Ramos-Galarza, Acosta-Rodas, Perez-
observação clínica até investigações por Salas & Ramos, 2019), que impactam o
imagens de exames cerebrais em contextos desempenho social da criança em seu meio
psiquiátricos, escolares e de reabilitação com pais, professores e pares (Sena & Souza,
cognitiva. O Conselho Federal de Psicologia 2010).
reconheceu a Neuropsicologia como uma área A interação social é possibilitada por
especialista em 2004 e desde então diversos meio da regulação das emoções e da adaptação
profissionais têm se profissionalizado e social propiciadas pelo funcionamento
realizado novos estudos dentro da disciplina, executivo em níveis de controle de
mantendo interface com outras áreas do comportamentos inadequados, flexibilidade
conhecimento (Luria, 1981; Fuentes, Malloy- cognitiva, autorregulação e
Diniz, de Camargo & Cosenza, 2014). automonitoramento, que permitem o sujeito
Com o crescimento da atuação em internalizar aspectos sociais da cultura e
Neuropsicologia, viu-se a necessidade de desempenhar comportamentos adaptativos, de
expandir e aprimorar os termos da avaliação acordo com a demanda do contexto (Rueda &
neuropsicológica com atualização de pesquisas Paz-Alonso, 2013; Malloy-Diniz, Mattos,
e adaptação de testes (Luria, 1981; Fuentes, Abreu & Fuentes, 2016; Costa, Louzada,
Malloy-Diniz, de Camargo & Cosenza, 2014), Macedo & Santos, 2016; Rohde, Buitelaar,
inclusive para avaliação infantil na Gerlach & Faraone, 2019).
investigação da relação entre o cérebro e o Conforme proposto nos estudos de
comportamento durante o ciclo do Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu
desenvolvimento, que engloba o (2018), o processamento das emoções é
amadurecimento de sistemas emocionais, modulado no córtex pré-frontal, responsável
cognitivos e de controle (Malloy-Diniz, por integralizar as funções executivas básicas
Fuentes, Mattos & Abreu, 2018). e superiores e, consequentemente, emitir
Por abranger questões relacionadas à respostas emocionais, sendo que, crianças
maturação cerebral, contextos ambientais e hábeis em controle tendem a iniciar respostas
sociais, a maior parte das disfunções neurais na menos hostis em situações de conflito (Rueda
infância possuem uma característica & Paz-Alonso, 2013).
heterogênea (Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos & Tem-se que déficits no controle
Abreu, 2018), como no caso do Transtorno de cognitivo e no sistema de recompensas são
Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) alguns dos principais prejuízos de crianças

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com TDAH que impactam seu comportamento Malloy-Diniz, 2016). Dessa forma, prejuízos
na dificuldade em modular suas emoções ao no autocontrole impactam na regulação
lidar com frustrações, no controle da raiva, em comportamental e acarreta competência social
espera à longo prazo e outras situações que disfuncional em crianças com TDAH (Malloy-
envolvem aspectos emocionais complexos, Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu, 2018; Rohde,
como as emoções morais que surgem durante a Buitelaar, Gerlach & Faraone, 2019; Ramos-
interação social e se manifestam como Galarza, Acosta-Rodas, Perez-Salas & Ramos,
vergonha, culpa, orgulho e gratidão (Rueda & 2019).
Paz-Alonso, 2013; Galarza & Salas, 2015; A partir da temática exposta, este
Costa, Louzada, Macedo & Santos, 2016; trabalho tem por objetivo compreender a
Ramos-Galarza, Acosta-Rodas, Perez-Salas & interação social de crianças com TDAH
Ramos, 2019; Rohde, Buitelaar, Gerlach & mediante uma análise de como o transtorno
Faraone, 2019). impacta em sua regulação emocional e na
A literatura apresenta o controle adaptação social, além de como pode ser
inibitório como chave central no TDAH, visto avaliada por meio do levantamento dos
que sua ação regulatória engloba habilidades principais instrumentos neuropsicológicos
de modulação emocional, assim como o utilizados para este tipo de avaliação, pela
controle cognitivo comportamental, perspectiva da neuropsicologia.
fundamental na adequação ao ambiente em
Procedimentos Metodológicos
respostas de ações adaptativas (Rohde,
Buitelaar, Gerlach & Faraone, 2019; Ramos- O estudo foi realizado por meio de uma
Galarza, Acosta-Rodas, Perez-Salas & Ramos, revisão da literatura, composta por trabalhos
2019), ou seja, habilidades sociais verbais ou empíricos que serviram como base para uma
não verbais (Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos & análise da literatura existente acerca do tema
Abreu, 2018). proposto (Marconi & Lakatos, 2003; APA,
Segundo Del Prette & Del Prette 2012).
(2013), habilidades sociais são Como base, pesquisou-se artigos nas
comportamentos emitidos em situações plataformas Pepsic, Scielo e PubMed que
interpessoais com função de comunicar ações, contivessem as palavras-chave “TDAH”,
emoções, opiniões e necessidades de maneira “infância” e/ou “criança”, “funções
assertiva. Com isso, prejuízos funcionais executivas”, “controle inibitório”, “regulação
nessas habilidades se desdobram em relação emocional”, “regulação do humor”,
interpessoal conflituosa, comportamentos “socialização” e/ou “adaptação social”,
disruptivos, isolamento e baixa qualidade de “habilidades sociais” e foram considerados
vida, como em crianças com TDAH, que estudos publicados a partir de 2010 nos
possuem ampla dificuldade de regular suas idiomas português, inglês e espanhol. Como
ações em grau de impulsividade, além de requisitos para seleção, incluiu-se apenas
problemas no seu automonitoramento ou em estudos empíricos que possuíam avaliação
perceber as respostas emitidas pelo outro qualis de B2 a A1 pela Qualis CAPES e que
(Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu, retratavam a regulação emocional e a
2018; Rohde, Buitelaar, Gerlach & Faraone, adaptação social de crianças com TDAH; e
2019). como critério de exclusão, retirou-se artigos
Sabe-se que as funções executivas apenas teóricos, os que não se referiam ao
possuem processos que direcionam o TDAH no período do desenvolvimento e os
funcionamento afetivo, emocional, baseados em modelos neuropsicológicos para
motivacional e social (Costa, Louzada, o transtorno contrários ao da Autorregulação.
Macedo & Santos, 2016; Salles, Haase &

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A pesquisa gerou 76 artigos e após a sintomatologia e impacto comportamental do


aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, TDAH em crianças com relação à interação
foram selecionados 6 estudos para a análise e social.
discussão. Dos estudos excluídos, 17 foram
Resultados
por possuírem um qualis abaixo de B2 pela
Qualis CAPES, 4 foram publicados antes de A tabela abaixo apresenta os resultados
2010, 27 eram apenas teóricos, por fim, 26 não provenientes de estudos empíricos que
se referiam ao modelo teórico da objetivaram analisar, descrever e delinear
Autorregulação, nem respondiam aos questões acerca do TDAH relacionadas à sua
questionamentos do objetivo do trabalho etiologia neuro-genética-ambiental, em que
proposto. abordaram sobre o controle inibitório,
Além dos artigos, a revisão se pautou flexibilidade cognitiva, sintomatologia do
na bibliografia clássica e atualizada para transtorno e questões relacionadas à adaptação
articular conceitos de funções executivas, social e regulação emocional de crianças em
regulação emocional, habilidades sociais, temáticas que permeiam sua interação social.

Tabela 1. Descrição dos resultados encontrados nos artigos selecionados para análise e discussão
sobre como o TDAH impacta na regulação do humor e adaptação social da criança.
Impactos na regulação Impactos na adaptação Instrumentos
Autores
emocional social utilizados
Capelatto, Dificuldade de atenção e Ao se comparar com os Teste de
Lima, Ciasca funções executivas pares, crianças com TDAH Cancelamento; Trail
& Salgado- acarretam pior desempenho se percebem em Making Test; Stroop
Azoni (2014). das tarefas escolares e desvantagem e usam como Color Word Test;
diárias, e, meio alternativo de Torre de Londres;
consequentemente, geram socialização a Children’s
sentimento de culpa e agressividade e modo Depression
impactam no abusador com o grupo. Inventory; Escala
desenvolvimento de Multidimensional de
autoestima. Auto-Estima, Escala
de Autoconceito
Infanto-Juvenil.
Yazdi, Farahi, Crianças com TDAH Dificuldade em estabelecer Questionário de
Farahi & apresentaram desempenho relacionamento com seus inteligência
Hosseini prejudicado em todos os pares, por conta do déficit emocional; Stroop.
(2018). fatores de inteligência nas funções executivas,
emocional, como principalmente controle
regulação da emoção, inibitório e flexibilidade
avaliação da emoção, cognitiva, que geram
habilidades sociais, deficiência em organizar e
utilização da emoção. regular emoções e
comportamentos.
Ramos- Não cita. Identificaram que crianças Escalas
Galarza & com TDAH tendem a um comportamentais
Pérez-Salas maior número de erros no BRIEF, BIS 11-c e
(2017) controle comportamento ADHD Rating Scale
em avaliações de inibição IV, e os

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de uma resposta motora, de experimentos


modo que impacta em sua Go/No-Go, Simon e
resposta diante de Stroop Victoria.
estímulos grupais.
Freitas & Del Dificuldade em regular Forte preditor de déficit em Sistema de Avaliação
Prette (2014). atenção e impulsividade, habilidades sociais gerais e de Habilidades
assim como o autocontrole nos comportamentos Sociais (SSRS-BR).
e sistema de recompensa, prossociais. A preferência
contribuem para déficit na por reforços imediatos
modulação das emoções. contribui para a perda de
oportunidades em aprender
comportamentos
alternativos como as
diferentes classes de
habilidades sociais.
Rubiales, A investigação confirmou Ademais, crianças com Teste de
Bakker & que crianças com TDAH TDAH exibiram um Classificação de
Urquijo possuem déficit de problema na capacidade de cartões de
(2013). flexibilidade e controle inibição de Wisconsin, Teste de
inibitório, em comparação comportamentos, Stroop de cores e
com crianças sem colaborando com a palavras e as provas
transtorno, impactando na dificuldade observada em de execução - não
modulação de suas crianças ao tentar conter execução.
emoções e respostas respostas impulsivas, que
impulsivas. normalmente são emitidas
por meio de
comportamentos
externalizantes de
agressividade,
impulsividade e
descontrole frete aos
outros.
Russo, Não cita. Dificuldade em estabelecer Messy (Matson,
Arteaga, relacionamento com os Rotatori & Helsel,
Rubiales & pares; déficit em 1983) e o Teste
Bakker (2015) assertividade que culmina Sociométrico
em comportamentos (Moreno, 1962).
agressivos com outras
crianças; apresentaram
isolamento por serem
pouca opção dos colegas
para compor o grupo; e,
metade da amostra
apresentou percepção
equivocada sobre suas
competências sociais.

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Capelatto, Lima, Ciasca & Salgado- Com olhar integrado em modulação do


Azoni (2014), procuraram comparar o humor e socialização de crianças com TDAH,
desempenho de crianças com e sem TDAH em Freitas & Del Prette (2014) buscaram verificar
tarefas de atenção visual, função executiva, a força preditiva das doze categorias de
sintomas depressivos, autoestima e necessidades educacionais especiais estudadas
autoconceito. Seus estudos indicaram que sobre o repertório de habilidades sociais das
crianças com TDAH apresentam resultados crianças, por meio da técnica estatística de
inferiores nas avaliações atencionais, de Regressão Linear Múltipla. Chegaram à
funções executivas, na crença em fazer as conclusão de que as necessidades especiais
coisas do jeito errado e sentimento de culpa, e mais fortemente preditoras para déficits de
na autoestima, tanto no resultado geral como habilidades sociais foram: TDAH, Problemas
na percepção de si. Já Yazdi, Farahi, Farahi & de Comportamento Misto, Autismo,
Hosseini (2018) objetivaram contrastar o papel Problemas Externalizantes, Problemas
da inteligência emocional na flexibilidade Internalizantes e Dificuldades de
cognitiva de crianças com e sem TDAH e Aprendizagem, sendo que o TDAH obteve
perceberam que crianças com transtorno pontuação deficitária em todas as categorias de
tendem a possuir baixo desempenho da habilidades sociais avaliadas.
inteligência emocional e da flexibilidade Com foco em questões de adaptação
cognitiva. social, Russo, Arteaga, Rubiales & Bakker
Em concomitância com os estudos (2015) procuraram estabelecer relações entre
supracitados, Ramos-Galarza & Pérez-Salas autopercepção da competência social em
(2017) se propuseram a comparar o controle crianças com TDAH e seu status sociométrico
inibitório e monitoramento em crianças com e escolar. Perceberam uma oportunidade de
sem TDAH e analisar a correlação existente aprimorar abordagens educacionais em sala
entre os testes de avaliação experimental de para contribuir no fortalecimento da interação
controle inibitório e monitoramento em relação social entre crianças com o transtorno e seus
com as escalas de avaliação comportamental pares, visto que em seus resultados
de tal função executiva. Com isso, constataram que as crianças com TDAH são
encontraram que o grupo experimental com menos assertivas do que as crianças do grupo
TDAH apresentou déficits nas funções de controle e a maioria das que possuem o
executivas avaliadas e que as escalas transtorno são isoladas de seu grupo de pares.
comportamentais e experimentos avaliam Além disso, identificou-se que crianças com
diferentes níveis do funcionamento executivo. TDAH possuem dificuldade em estabelecer
Enquanto Rubiales, Bakker e Urquijo (2013) vínculos interpessoais.
analisaram a flexibilidade cognitiva e o
Discussão
controle inibitório em crianças com
diagnóstico de TDAH na população argentina, Essa pesquisa teve por objetivo
concluído que estas apresentaram desempenho compreender a interação social de crianças
inferior em todas as variáveis de flexibilidade com TDAH por meio da análise de como o
cognitiva, controle inibitório e motor, a partir transtorno impacta em sua regulação
do qual se concluiu que o TDAH se caracteriza emocional e na adaptação social e como pode
como um transtorno com um estilo cognitivo ser avaliada, pela perspectiva da
próprio e distinto, com uma menor neuropsicologia, além de levantar quais os
flexibilidade cognitiva, um menor controle principais instrumentos neuropsicológicos
inibitório e uma dificuldade específica da utilizados para este tipo de análise, mediante
inibição motora. uma revisão da literatura.

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Através da análise dos artigos, Hiperatividade comparado ao grupo de


observou-se que grande parte utilizaram o crianças que não possuem o transtorno.
Teste de Stroop de cores e palavras para Em concomitância com a literatura,
avaliação da flexibilidade cognitiva (Rubiales, percebeu-se o quanto as funções executivas,
Bakker & Urquijo, 2013; Ramos-Galarza & em especial o sistema de controle, de
Pérez-Salas, 2017; Yazdi, Farahi, Farahi & recompensas e a flexibilidade cognitiva, são
Hosseini, 2018; Capelatto, Lima, Ciasca & importantes para propiciar modulação das
Salgado-Azoni, 2014). No geral, foram emoções e a promoção do desempenho em
utilizados tanto testes psicológicos quanto habilidades e competências sociais assertivas
inventários de habilidades especificas, como (Costa, Louzada, Macedo & Santos, 2016;
sociais, de inteligência emocional, status Salles, Haase & Malloy-Diniz, 2016).
sociométrico, autoestima e autoconceito, além Em relação à regulação emocional,
de depressão em crianças (Russo, Arteaga, percebeu-se que crianças com TDAH
Rubiales & Bakker, 2015; Freitas & Del Prette, apresentaram déficit no funcionamento
2014; Yazdi, Farahi, Farahi & Hosseini, 2018; executivo, especificamente na dificuldade em
Capelatto, Lima, Ciasca & Salgado-Azoni, regular a atenção, a impulsividade e o sistema
2014). de recompensa, desempenho este prejudicado
Também foram aplicados o ADHD nos fatores de inteligência emocional, além do
Rating Scale IV e Escalas comportamentais déficit nas habilidades de flexibilidade mental
BRIEF, que avaliam características e controle inibitório também abordados
comportamentais em sujeitos com TDAH e (Rubiales, Bakker & Urquijo, 2013; Capelatto,
funções executivas, respectivamente (Ramos- Lima, Ciasca & Salgado-Azoni, 2014; Freitas
Galarza & Pérez-Salas (2017), além do Teste & Del Prette, 2014; Yazdi, Farahi, Farahi &
de Classificação de Cartões de Wisconsin para Hosseini, 2018).
investigação de raciocínio abstrato e Tais prejuízos evidenciaram diversas
estratégias de solução de problemas (Rubiales, consequências na rotina dos sujeitos, como:
Bakker & Urquijo, 2013). Outros instrumentos baixo desempenho nas atividades escolares e
usados foram o Messy, Simon, BIS 11-c, os diárias, dificuldade na regulação e avaliação da
experimentos Go/No-Go, Trail Making Test e emoção, habilidades sociais e utilização da
Torre de Londres (Russo, Arteaga, Rubiales & emoção propriamente dita, bem como
Bakker, 2015; Ramos-Galarza & Pérez-Salas, respostas impulsivas, sentimento de culpa e
2017; Capelatto, Lima, Ciasca & Salgado- impacto no desenvolvimento de autoestima ao
Azoni, 2014). não performar de acordo com o esperado pelo
A partir dos resultados apresentados, seu meio. (Rubiales, Bakker & Urquijo, 2013;
pode-se observar que dos seis artigos Capelatto, Lima, Ciasca & Salgado-Azoni,
analisados todos evidenciam alterações das 2014; Freitas & Del Prette, 2014; Yazdi,
habilidades de adaptação social, sendo que Farahi, Farahi & Hosseini, 2018).
quatro estudos abordam também a regulação Com as informações analisadas e
emocional em crianças com TDAH. Os artigos apresentadas acerca da regulação emocional,
examinados explicitaram concordância no que pode-se fazer alusão sobre a forma como a
tange à relação entre a importância de possuir integralização das funções executivas básicas e
emoções reguladas para propiciar superiores suportam a emissão de respostas
comportamentos sociais adaptativos e emocionais, sendo que, o déficit em
assertivos, de modo que buscaram apresentar habilidades de controle inibitório prejudica a
características neurais, emocionais e enunciação de respostas em crianças com
comportamentais de crianças diagnosticadas TDAH, que encontram nas respostas hostis
com o Transtorno de Déficit de Atenção e meios de enfretamento das situações de

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conflito (Rueda & Paz-Alonso, 2013; Malloy- decisão, desfavorecendo respostas ajustadas
Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu, 2018). perante seus pares, com tendência a
Ademais, percebe-se que a dificuldade impulsividade e agressividade (Rubiales,
na espera, no autocontrole e ao lidar com Bakker & Urquijo, 2013; Freitas & Del Prette,
frustrações, crianças com TDAH demonstram 2014; Russo, Arteaga, Rubiales & Bakker,
em grande parte comportamentos impulsivos 2015; Ramos-Galarza & Pérez-Salas, 2017;
ao lidar com frustrações e dificuldade no Yazdi, Farahi, Farahi & Hosseini, 2018).
controle da raiva, ou seja, prejuízo ao modular Freitas e Del Prette (2014), apresentam
suas emoções (Rueda & Paz-Alonso, 2013; a forma como crianças com TDAH
Galarza & Salas, 2015; Costa, Louzada, demonstram possuir forte preditor de déficit
Macedo & Santos, 2016; Ramos-Galarza, em habilidades sociais gerais, assim como nos
Acosta-Rodas, Perez-Salas & Ramos, 2019; comportamentos prossociais, muito associado
Rohde, Buitelaar, Gerlach & Faraone, 2019). ao prejuízo no sistema de recompensas, em que
Importante ressaltar a forma como o optam por reforços imediatos e tendem a
déficit na modulação das emoções em termos perder a oportunidade de aprenderem
de inteligência emocional, flexibilidade comportamentos alternativos.
cognitiva e autocontrole está intimamente Os artigos possuem como público-alvo
relacionado ao desempenho de habilidades e crianças na fase do desenvolvimento entre 6 e
competências sociais disfuncionais (Malloy- 12 anos de idade, porém percebe-se a
Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu, 2018; Rohde, variedade de nacionalidade envolvida. Dos
Buitelaar, Gerlach & Faraone, 2019; Ramos- seis artigos, apenas dois abarcam o cenário
Galarza, Acosta-Rodas, Perez-Salas & Ramos, brasileiro, já os demais se dividem em públicos
2019). latinos, iberos e americanos. Portanto,
A partir do exposto, percebe-se que os entende-se ser necessário expandir os estudos
estudos investigados mostraram meios empíricos no Brasil ao avaliar a forma como
alternativos que crianças com TDAH TDAH tem impactado na regulação das
costumam desenvolver para socializar. Um emoções e na adaptação social de crianças nas
fator observado nos seis estudos é a dificuldade diferentes formas de cultura regional e
que elas possuem em estabelecer condição socioeconômica do nosso país.
relacionamento com pares. Com isso, pode-se Além disso, considera-se relevante
associar o sentimento de culpa e baixa incluir em investigações futuras os impactos
autoestima à autopercepção de desvantagem do TDAH em crianças no contexto da Covid-
que apresentaram no estudo de Capelatto, 19, pois a atual pandemia alterou os principais
Lima, Ciasca & Salgado-Azoni (2014), de meios de socialização infantil, como
modo que se utilizam de agressividade e perfil casa/família e escola, ambientes que
abusador na socialização com o grupo normalmente se expunham em situações
(Rubiales, Bakker & Urquijo, 2013; Freitas & sociais com pais, professores e pares.
Del Prette, 2014; Russo, Arteaga, Rubiales & Para estudos futuros, sugere-se a
Bakker, 2015; Ramos-Galarza & Pérez-Salas, realização de uma revisão sistemática da
2017; Yazdi, Farahi, Farahi & Hosseini, 2018). literatura, ampliação do qualis e de plataformas
Outro fator disposto nos estudos é o de buscas de periódicos científicos em
déficit no controle inibitório, que suscita na neuropsicologia, visto que esta foi uma
dificuldade em modular o comportamento, produção não sistemática e apresenta limitador
favorecendo um maior número de erro na de dados para análise do tema proposto.
execução de tarefas, uma vez falhando na Ademais, faz-se pertinente pensar em
tentativa de inibir àqueles distratores que produções científicas que abordem também as
impactam o processamento de suas tomadas de implicações clínicas na avaliação

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neuropsicológica infantil, considerando o Capelatto, I. V., Lima, R. F., Ciasca, S. M. &


impacto do transtorno no contexto social da Salgado-Azoni, C. A. (2014). Cognitive
criança. Functions, Self-Esteem and Self-Concept
Por meio da análise desse estudo of Children with Attention Deficit and
observou-se como a modulação das emoções e Hyperactivity Disorder: Psicologia:
a adaptação social colaboram para o Reflexão e Crítica, 27(2), 331-340. DOI:
desempenho da interação social em crianças, 10.1590/1678-7153.201427214
assim como o funcionamento executivo, que
propicia o sujeito internalizar os aspectos Costa, J.S.M., Louzada, F.M., Macedo, L. &
sociais da cultura. A partir disso, examinou-se Santos, D.D. (2016). Funções Executivas
que prejuízos em níveis de controle, e Desenvolvimento Infantil: habilidades
flexibilidade cognitiva, autorregulação e necessárias para a autonomia: estudo
automonitoramento, conforme encontrados em III/organização Comitê Científico do
crianças com TDAH, impactam no Núcleo Ciência pela Infância. (1. Ed.).
direcionamento do funcionamento afetivo, São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto
emocional, motivacional e social, além do Vidigal. ISBN 978-85-61897-19-2
desempenho de comportamentos adaptativos,
de acordo com o ambiente em que se Couto, T.S., Melo-Junior, M.R. & Gomes,
encontram. (Rueda & Paz-Alonso, 2013; C.R.A. (2010). Aspectos neurobiológicos
Malloy-Diniz, Mattos, Abreu & Fuentes, 2016; do transtorno do déficit de atenção e
Costa, Louzada, Macedo & Santos, 2016; hiperatividade (TDAH): uma revisão.
Salles, Haase & Malloy-Diniz, 2016; Rohde, Ciências & Cognição, 15(1), 241-251.
Buitelaar, Gerlach & Faraone, 2019). Retirado de
A partir do exposto por este artigo, é http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scrip
possível afirmar que a pesquisa responde ao t=sci_arttext&pid=S1806-
objetivo proposto de analisar quais impactos o 58212010000100019.
Transtorno de Déficit de Atenção e
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