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TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
AULA 5

 
 

Profª Raquel Berg

CONVERSA INICIAL

Bem-vindo(a)!

Nesta aula, especificamente, trataremos dos textos referentes à questão das crianças nas

escolas e sua relação com seus professores, as fantasias primitivas e como elas compõem a

formação edipiana, assim como os contos de fada no imaginário infantil e nas referências de

mundo adulto que as crianças aprendem por meio das histórias que escutam.

TEMA 1 – ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PSICOLOGIA DO


ESCOLAR

O artigo “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” foi escrito por Freud em 1914,

quando o colégio onde estudou completava 50 anos de existência. No texto, Freud recorda sobre

a questão da subjetividade do tempo e como algumas coisas permanecem em nós mesmo depois

de muitos anos. Quando estamos na escola, aprendemos a obedecer a autoridade dos professores,

a pedir licença para ir ao banheiro e a respeitar os colegas. Mesmo depois de adultos e mais

velhos, muitos desses aprendizados permanecem conosco, como quando dizemos “sentido” para

um militar aposentado e ele ainda se sente impelido a obedecer e seguir. Ao mesmo tempo,

perceber a mudança física nas pessoas à medida que o tempo passa, perceber que envelhecemos

e que, ao mesmo tempo em que nos recordamos das pessoas como eram, percebemos as

diferenças temporais, nos mostram como a percepção do tempo e a passagem cronológica são

coisas muito diferentes.

Além disso, Freud (1914) também se pergunta no artigo o quanto a personalidade de seus

professores o influenciou nas escolhas profissionais futuras, talvez até muito mais do que o próprio
conhecimento em si. Na própria história da psicanálise, pudemos observar o quanto Charcot foi

uma parte importante na estruturação da teoria psicanalítica, tanto quanto – ou talvez até mais –

que a própria proposta em si. Para aqueles que já leram algum livro da série Harry Potter,

podemos atestar também como Dumbledore e os outros professores foram fundamentais para

que Harry, o protagonista desses livros, formasse a própria personalidade e fizesse suas próprias

escolhas dentro do mundo bruxo. Fora dos livros, observamos com frequência, durante as sessões

de orientação vocacional, como é comum os jovens escolherem suas profissões não por causa do

mercado de trabalho ou porque o conteúdo lhes agrada, mas pela projeção de poderem vir a se

tornar um professor como aquele que teve durante sua infância e adolescência. Poucas crianças,

inclusive, seguem para carreiras cujos modelos de profissionais são pessoas chatas, intolerantes,

sem graça ou detestadas pelos demais alunos. E como muitos depois desistem do caminho que

começaram a trilhar pelo fato de que as motivações iniciais eram limitadas a uma só referência.

Essa figura do professor (ou tutor) funciona como a figura da imago, nome dado pelo próprio

Freud (1914) para definir o que é essa figura: são como substitutos de pai, mãe, irmãos ou de

outras pessoas importantes para a vida das crianças. Tal é a importância dessas figuras para o

desenvolvimento psicossexual infantil que muitos relacionamentos posteriores poderão inclusive

arcar com essa herança deixada pela imago. A imago é tão importante que, quando uma criança

tem uma figura paterna ou materna ausente ou inexistente, por exemplo, a imago pode surgir

como um substituto para a formação dos complexos. À medida que acompanhamos os textos

freudianos, observamos inúmeros relatos de pacientes que contam que, quando crianças, tiveram

a cena da fantasia primária (fantasia “ilusória” sexual entre os pais) com a presença da babá no

lugar da mãe, por exemplo.

As atitudes das pessoas umas para com as outras é fundamental para a formação do

comportamento posterior, seja afetivo ou profissional; inclusive, para os pré-julgamentos que se

estabelecem quando conhecemos alguém (como aquela sensação de que não gostamos de

alguém sem saber o porquê, ou sentimos uma simpatia imediata sem nenhum motivo aparente).

Quando há a figura da imago, ela se torna uma opção de identificação, de referência daquele que

poderá posteriormente ser um modelo de profissional, de pai ou mãe, de cônjuge ou de indivíduo

social. Segundo a explicação de Freud (1914, p. 249):

Na segunda metade de nossa infância, dá-se uma mudança na relação do menino com o pai –

mudança cuja importância não pode ser exagerada. De seu quarto de criança, o menino começa
a vislumbrar o mundo exterior e não pode deixar de fazer descobertas que solapam a alta

opinião que tinha sobre o pai e que apressam o desligamento de seu primeiro ideal. Descobre
que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos seres; fica insatisfeito com ele, aprende a
criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade; e então, em regra, faz com que ele pague

pesadamente pelo desapontamento que lhe causou. Tudo que há de admirável, e de indesejável

na nova geração é determinado por esse desligamento do pai.

Quando refletimos sobre o trecho acima, nos damos conta de que com os professores

recebemos informações que nos fazem refletir sobre o que nossos pais dizem, nos trazem

argumentos para concordar ou discordar dos pais e nos auxiliam para que tenhamos nossas

próprias opiniões formadas. Por isso, é comum, quando recebemos um questionamento de pais

sobre qual escola seria a mais adequada para nossos filhos, a resposta em maior sintonia com essa

visão freudiana é que os pais encontrem uma escola cujos valores sejam os mais próximos dos

valores da família, pois a divergência de valores é que pode, com o passar do tempo, criar um

conflito interno na criança, na medida em que aquilo que é dito em casa é diferente do que é dito

na escola, obrigando a criança a contrabalançar cada informações nova e ter dificuldade, inclusive,

de se sentir segura com as informações que recebe, pois elas não convergem. Da mesma forma,

quando há sinergia entre os valores da escola e da família, fica mais fácil o reconhecimento dos

pais pelos professores, pois essa relação será repetida por cada criança.

TEMA 2 – UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE DICHTUNG UND


WAHRHEIT

No texto “Uma recordação de infância de Dichtung und Wahrheit” (1917), Freud continua a

abordagem do tema da imago, que na verdade depois será absorvida por Jung para tratar também

do “protótipo inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como o sujeito

apreende o outro [...] é assim que a imago de um pai terrível pode muito bem corresponder a um

pai real apagado” (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 234-235). Para Freud, quando nos recordamos de

determinados fatos da infância, temos dificuldade de discernir o que realmente vimos ou ouvimos

e o que nos foi contado posteriormente por outras pessoas. No relato de Goethe sobre sua

infância (Dichtung Und Wahrhei), ele conta que seus vizinhos, um dia, estavam quietos e sérios ao

lado de sua casa, e Goethe decidiu diverti-los jogando seus pratinhos e brinquedos para que

quebrassem. As crianças começaram a rir e estavam se divertindo bastante, e quando os


brinquedos acabaram, Goethe decidiu ir até a cozinha pegar pratos e panelas para jogar e quebrar,

continuando a “diversão”. Em um dado momento, um adulto o interrompeu e o fez recolher os

objetos quebrados, e esse momento de recolher os objetos quebrados durante bastante tempo

ficou gravado em sua memória, mesmo sendo uma memória muito antiga. Assim, vemos que em

alguns casos podemos nos recordar de uma ou outra informação muito antiga, de quando éramos

bebês ou crianças muito pequenas, mas essas lembranças são escassas e geralmente dependem

de uma série de associações para que se tornem relevantes o suficiente para serem recordadas. No

caso de Goethe, embora a travessura recordada por ele tivesse causado prejuízos domésticos, a

impressão de inocência liga-se a essa lembrança porque possivelmente ela se fixou como uma

advertência para não esticar seu domínio em demasia, ou aplicar suas habilidades em situações

inadequadas. As crianças, inclusive, são recorrentemente capazes de gravar situações nas quais

fizeram uma travessura e foram advertidas, e conseguem derivar essa experiência para

experiências semelhantes com colegas e compartilhar o aprendizado, apropriando-se da lição para

mostrar seu amadurecimento.

O texto relata ainda que um paciente de Freud (1917) lhe trouxe que, aos 27 anos, tinha

conflitos com sua mãe, os quais repercutiam em sua capacidade de amar e de levar uma vida

independente. Quando esse rapaz começou a se recordar de sua infância, lembrou de que era uma

criança desobediente, que gostava de desafiar a autoridade de sua mãe. Quando ela ficou grávida

e ele ganhou um irmão, ficou gravemente enfermo e sua mãe teve que cuidar dele, ao qual se

dedicou tanto que ele se recordava dessa época como “a melhor época de sua vida”, pois tinha

constantes atenção e afeição da mãe. Quantas vezes não nos deparamos com a experiência clínica

de ver clientes (adultos e crianças) que, no fundo, gostariam de retornar ao ventre materno, onde

se sentiam aquecidos, eram alimentados e ficavam com suas mães 100% do tempo literalmente.

Desse modo, quando esse paciente chegou ao consultório de Freud, resgatou lembranças de

quando era criança e os sentimentos que teve por seu irmão – com o qual tinha ótimo

relacionamento – e por essa mãe – que era uma fanática religiosa. Depois, em um acesso de raiva,

quando soube que ganhara um irmão, o paciente pegou os pratos da mãe e os arremessou longe,

tal como o fez Goethe.

No caso de Goethe, Freud (1917) refaz a genealogia de sua família e resgata o momento em

que um de seus irmãos falece ainda criança. No enterro, Goethe não derramou lágrimas, embora

esse jovem irmão fosse seu constante companheiro de bagunças, e quando sua mãe depois
pergunta se ele não sentia falta desse irmão, Goethe pega diversos papéis e mostra à mãe que ele

estava tentando ensinar esse irmão, assumindo como que uma posição de pai ou de imago da

outra criança. Com a morte, Goethe parecia aborrecido, mas ao arremessar os pratos ele

possivelmente pode extravasar o sentimento de raiva que sentia, tal como o paciente de Freud

arremessara os pratos ao saber do nascimento do irmão. Aliás, não é incomum nós arremessarmos

objetos ou quebrarmos coisas para nos sentirmos melhor quando estamos com raiva ou tristes por

algum motivo. As crianças, quando quebram objetos sabem, inclusive, o que estão fazendo, e

sabem que esse comportamento irá gerar uma reação dos pais, com consequente castigo. Quando

continuam a fazer traquinagens, normalmente há um objetivo de desafio e um sentimento de

rancor que precisa ser demonstrado.

Ainda em outro relato, um paciente conta a Freud que se recordou de quando era criança e

que seu pai chegou a ele, rindo, e lhe disse que ele teria um irmão. Pouco tempo depois, o menino

jogou diversas coisas na rua – escovas, sapatos, roupas. Depois, ele se lembra de ter estado com os

pais em um hotel e começado a fazer tanto barulho que seu pai precisou bater-lhe para parar. De

acordo com Freud (1917), quando as lembranças de um paciente surgem na sequência, ainda que

não façam parte de um mesmo momento ou com um mesmo grupo de pessoas, elas precisam ser

entendidas como tendo alguma relação do ponto de vista psíquico, ou não seriam apresentadas

simultaneamente.

Ainda que, em determinado momento, as crianças muito pequenas criem o hábito de jogar

coisas para os pais buscarem, esse comportamento é diferente do comportamento que

descrevemos acima, de jogar objetos pela janela. No primeiro caso, o ato de jogar coisas e esperar

que os adultos busquem, envolve um comportamento de formação de vínculo seguro, um

comportamento natural das crianças em uma fase específica e que faz com que elas queiram

“testar” o amor dos pais por meio do jogar e de receber de volta. No segundo exemplo, trata-se

de um comportamento de extravasar a raiva, jogar sem ter o objetivo de que aqueles objetos

voltem. Hoje em dia, quando sentimos raiva de algo, bater em algo como simbologia de extravasar

a raiva que sentimos é terapêutico, perfeitamente saudável e adequado, inclusive aconselhável

quando o sentimento de raiva nos consome por mais tempo do que deveria.

Por fim, ao concluir a história de Goethe, Freud (1917) comenta que se pudesse interpretar e

adicionar comentários para Goethe, ele provavelmente diria que foi por causa da morte do irmão;
que ele poderia ter todo o amor de sua mãe e se tornar o homem bem-sucedido que foi, pois com

a concorrência eliminada, ele receberia todo o amor de que precisava para se sentir autoconfiante.

Talvez poderíamos pensar que o amor que os meninos recebem de suas mães seja o que, em

partes, os faça serem bem-sucedidos na vida adulta, enquanto as meninas ainda enfrentam o

desafio de conquistarem, por si sós, o empoderamento e a independência. Esta é uma questão

para refletirmos.

TEMA 3 – UMA CRIANÇA É ESPANCADA

O artigo “Uma criança é espancada” (1919) resgata um pouco do que já vimos nos textos

sobre os Três ensaios, apresentados anteriormente, assim como em O homem dos lobos (1918

[1914]). O texto apresenta uma análise clínica detalhada de um tipo de perversão e os processos

envolvidos no recalque, sobre o qual Freud também trata em outros textos, como “Recalque” e “O

inconsciente”. Para Freud, muitas pessoas que iniciam o tratamento para neurose obsessiva e

histeria trazem, em algum momento, o relato de recordações fantasiosas relacionadas ao

espancamento quando crianças. É importante enfatizar aqui que estamos tratando de fantasias,

algo da ordem do imaginário, e embora muitas crianças da época de Freud tivessem

testemunhado o espancamento em suas escolas, a fantasia de espancamento surge bem antes

disso. Para o autor, desde cedo as crianças competiam em suas escolas para acessar livros de

ficção e contos que contivessem situações nas quais as crianças eram malcomportadas e, por essa

razão, recebiam como castigo espancamento e maus-tratos. Imaginar essas cenas muitas vezes

trazia uma mistura de sensações, com prazer e desagrado surgindo ao mesmo tempo. Nas escolas,

o fato de as crianças verem os espancamentos novamente suscitava nelas a mesma sensação de

repugnância e gozo; em uma pequena parcela dessas crianças, surgia exclusivamente o gozo ou a

repugnância. Aliás, até hoje é comum, nas escolas, as crianças se reunirem ao presenciarem uma

briga ou alguma criança apanhar de outra(s). Apesar de muitas alegarem que sentem medo de

intervir no momento de violência, quando observamos mais atentamente o comportamento

dessas crianças, percebemos um certo prazer nelas em ver a dor, associado ao asco por aquela

situação – o ver e não ver, sadismo e masoquismo.

Muitos dos relatos de espancamento dos pacientes de Freud provinham de pacientes que

nunca tinham sido espancados, ou sequer sofrido alguma violência na escola, o que não os
impedia de imaginar a cena de espancamento. Freud (1919, p. 197) pergunta:

Quem é a criança que estava sendo espancada? A que estava criando a fantasia, ou uma outra?

Era sempre a mesma criança, ou às vezes era uma diferente? Quem estava batendo na criança?
Uma pessoa adulta? Se era, quem? Ou a criança imaginava-se a si mesma batendo em outra?
Nada do que foi apurado pôde esclarecer todas essas perguntas; apenas a resposta hesitante:
“Nada mais sei sobre isto: estão espancando uma criança”.

Então, Freud (1919) se depara com o seguinte desafio: uma criança é espancada, no sonho de

seus pacientes, mas não há maiores informações sobre isso. O sonho não pode ser sádico, pois

para isso o agressor deveria ser o próprio paciente. Provavelmente, um adulto está batendo na

criança, então concluímos que possivelmente seja o pai. Então, o pai está batendo na criança. Se

pensarmos que a fantasia sofre adaptações, poderíamos dizer que há várias respostas para essa

questão: primeiro, o pai poderia, de fato, estar batendo na própria criança, como um desejo

masoquista. Como o nome do pai não é mencionado, poderíamos pensar que esse adulto que

bate também pode ser um professor. Se a criança estiver assistindo ao espancamento, pode-se

supor uma espécie de satisfação masturbatória no ato de olhar, uma excitação sexual que se

conecta ao ver meninos sendo espancados.

Contudo, se a recordação é tão antiga que os pacientes sequer recordam exatamente da cena,

podemos pensar que a cena também remonta a um complexo parental, conectado ao desejo de se

ligar à mãe e à punição por esse desejo. É possível ainda associá-lo à chegada de um irmão e o

desejo de ver o pai batendo nesse irmão, o que reconheceria inconscientemente a exclusividade

do amor do pai pela criança que assiste a outra apanhar. A criança, desde pequena, aprende que

apanhar significa perder o amor do outro e ser humilhada. Assim, imaginar um rival apanhando

ajuda a trazer prazer e conforto, na medida que se apresenta como uma forma de “compensação”

por não ser possível que essa criança se reproduza com seu pai ou com sua mãe.

A perversão, aqui representada pelo sadomasoquismo, se mostra então não mais como um

fato isolado na vida do indivíduo, ou como um transtorno ao lado das neuroses e psicoses, mas

como um fator constitutivo no desenvolvimento psicossexual infantil, do mesmo modo como as

zonas erógenas, que posteriormente darão as bases para a formação do psiquismo neurótico. A

perversão leva a criança a uma relação com o objeto incestuoso de amor, ligando a cena da

criança sendo espancada como também sendo uma fantasia primitiva, ao lado da fantasia da cena

primária, ou seja, a cena de sexo entre os pais. A perversão, no desenvolvimento saudável, dá lugar
à moral e ao desenvolvimento sexual genital das crianças. Quando essa perversão se dá de modo

anormal, ela cria bases para que, no futuro, caso o indivíduo não consiga direcionar sua libido para

as zonas genitais e estabelecer uma relação de amor objetal, essas tentativas são abandonadas e a

psique retorna para o modelo pervertido infantil e lá permanece para o resto da vida.

Assim, o espancamento de uma criança envolve uma nova experiência no Complexo de Édipo,

que leva a criança a recalcar a lembrança de forma que o que resta é: “uma criança é espancada”.

O recalque, aqui, faz parte da operação na qual o ego mantém no inconsciente representações

(pensamentos, imagens, sons) ligadas a uma pulsão que, se satisfeitas, poderiam gerar prazer sob

um aspecto e desprazer intenso em outro (Laplanche; Pontalis, 2001). Assim, o recalque é um

processo de defesa, ou a base para a constituição dos mecanismos de defesa.

TEMA 4 – ASSOCIAÇÕES DE UMA CRIANÇA DE 4 ANOS DE IDADE

Trata-se de uma carta de 1920 que Freud recebeu de uma mãe americana, com informações

muito importantes a respeito do desenvolvimento infantil. Ela conta que sua filha de 4 anos estava

ouvindo uma conversa entre sua mãe e uma prima, e esta prima contou que iria se casar em breve.

A criança então comentou: “Se Emily se casar, vai ter um bebê” (Freud, 1920, 281). A mãe ficou

muito surpresa e perguntou à sua filha como ela sabia disso, ao que a menina respondeu que

quando alguém se casava, logo vinha um bebê. A mãe, ainda incrédula, perguntou como a criança

poderia saber algo como aquilo, e a menina continuou. Disse que, na verdade, ela sabia uma

porção de coisas, como o fato de que as árvores nasciam do chão. A mãe achou estranha a

associação, e ficou novamente surpresa que a menina já tivesse esse tipo de informação. A menina

então concluiu que sabia que Deus tinha criado o mundo. A mãe não acreditou, e concluíram que

provavelmente, dito tudo isso, a menina já sabia que os bebês nasciam de suas mães, fazendo

associação entre as mães e a mãe-Terra. Ao dizer que sabia que Deus tinha criado o mundo

(Father, em inglês, que corresponde a Deus e à palavra “pai”), estava também fazendo associação

ao fato de que sabia que o pai dela tinha criado os filhos e dado a possibilidade à mãe de

engravidar, assim como Deus criou as bases para que a mãe-natureza criasse o que temos no

mundo.

Para Freud, esse relato mostrou que as crianças, mesmo quando não recebem as informações

de seus pais a respeito das questões sexuais humanas, investigam e chegam às próprias
conclusões, que depois são verbalizadas tão corretamente que poderíamos acreditar que alguém

lhes explicou como realmente se dá a origem dos bebês. Para quem tem mais de um filho, percebe

como é comum a criança mais velha querer saber como a mãe ficou grávida, por onde a criança irá

sair, quanto tempo o bebê ficará dentro da mãe, se poderá retornar depois para dentro da mãe, se

será possível escolher entre um irmão ou uma irmã, e como serão seus gostos. Depois, as crianças

compartilham no ambiente escolar todos esses conhecimentos e experiências e, muitas vezes, cabe

às professoras mediar as conversas e esclarecer todas essas dúvidas, além de muitas outras que, às

vezes, as crianças sequer levam a seus pais.

TEMA 5 – O MATERIAL ORIUNDO DOS MITOS E CONTOS DE FADA

Sabemos como os contos de fada influenciam (poderíamos até dizer que moldam) o

pensamento infantil. Tanto que para aqueles que acompanham filmes da Disney como Frozen e

Encanto, sabemos o quanto as figuras das princesas fazem parte do imaginário infantil feminino.

Da mesma forma, ao humanizarem personagens heroicos como os da Marvel, cria-se nos meninos

e meninas protótipos do que eles mesmos gostariam de ser quando adultos: a Mulher Maravilha

ou o Homem-Aranha. Os filmes de hoje fazem adaptações na aparência, no comportamento e nas

ambições dos personagens, de modo que as crianças se identifiquem com suas histórias.

Na época freudiana, as histórias comumente traziam mensagens, como o faziam as passagens

bíblicas, sobre regras e valores aprendidos oralmente. Assim, o conto da menina de sapatinhos

vermelhos traz a mensagem de que a falta de cuidado da mãe, o desejo da menina de apenas usar

sapatinhos vermelhos, implicou em uma alta punição para a menina; Cinderela se manteve boa, e

por isso foi recompensada pela fada com uma oportunidade para conhecer o príncipe; e, Elza

compreendeu a importância do amor para controlar seus próprios impulsos. Da mesma forma,

contos como a história de Jonas e a baleia, na qual Jonas foi punido por Deus até cumprir sua

obrigação de advertir uma cidade que agia fora dos princípios divinos, os egípcios foram punidos

por não aceitarem libertar os judeus da escravidão, e Jó, ao final, foi recompensado por Deus por

ter mantido sua fidelidade, embora tivesse perdido seu dinheiro e sua família enquanto era

testado por Deus e pelo Diabo.

Os contos, muito mais do que se proporem a contar uma história que de fato aconteceu,

permanecem no imaginário social porque passam uma mensagem a respeito das crenças e valores
de uma dada cultura. Na história de uma das pacientes, Freud (1913) conta como ela se via em um

quarto de madeira, com apenas uma escada íngreme. No alto da escada ela podia ver um

homenzinho pequeno e calvo, que dançava e se portava de maneira estranha. Depois, a paciente

se deu conta que estava descrevendo Rumpelstizchen, um dos contos dos irmãos Grimm (Freud,

1913, p. 305).

O segundo sonho apresentado aqui é o do “homem dos lobos”, que Freud (1913) reconta

nesse texto. De forma resumida, ele traz o relato do rapaz que, quando criança, sonhara que a

janela de seu quarto se abrira e, do lado de fora e em cima de uma grande nogueira, estavam seis

ou sete lobos brancos sentados, olhando para ele. Os lobos brancos se pareciam com cães

pastores ou raposas, tinham caudas grandes e orelhas empinadas, como se estivessem observando

algo. Aterrorizado, com medo de ser devorado pelos lobos, o menino gritou e acordou. Aqui, a

única ação do sonho foi a janela se abrir, pois de resto tudo estava imóvel. Quando se lembra do

que poderia estar associado, o paciente se recorda de um livro de contos de fadas de sua irmã. Ela

sabia que o menino tinha medo da imagem, por isso ela sempre pegava o livro e mostrava a

imagem ao irmão, até que ele chorasse para ela parar. Pela descrição que o rapaz fizera da figura

do livro, Freud acreditava que se tratava do livro de “Chapeuzinho Vermelho”. Ao tentar analisar o

sonho, o paciente se lembrou de que nas vizinhanças havia ovelhas, e que o proprietário decidiu

vaciná-las, porém, depois disso, muitas delas morreram. Sobre os lobos estarem na árvore, o rapaz

se lembrou de uma história de seu avô na qual um lobo velho queria se vingar de um alfaiate que

lhe cortara a cauda. Esse lobo levou a matilha para atacar o alfaiate que, assustado, subiu em uma

árvore. O velho lobo sugeriu que os demais subissem em suas costas para pegar o rapaz e vingá-

lo. Mas o alfaiate, ao reconhecer o lobo que ele havia enfrentado, gritou para que pegassem o

lobo cinzento pela cauda. O velho lobo, assustado pela lembrança da perda da cauda, fugiu e os

lobos desmoronaram (remontando ao ditado “Gato escaldado tem medo de água fria”). Ao

interpretar o sonho, Freud conclui que o lobo é um representando paterno que remonta ao

complexo de castração, e que os contos de fada serviram para a formação da fobia. Isso também

ocorreu com uma paciente que relatou que seus filhos tinham medo do avô porque ele dizia que

iria cortar as barrigas deles como na história da Chapeuzinho Vermelho.

NA PRÁTICA
Propomos aqui, como prática, seguir falando sobre os contos e cantigas. A história da “Cabra

cabriola” tem origem portuguesa, e chegou ao Brasil entre os séculos XIX e XX. Segundo a lenda,

uma cabra de aspecto monstruoso espreita as casas em busca de crianças desobedientes e

malcriadas. Isso se assemelha ao que antigamente se dizia sobre o “homem do saco”, um homem

com aspecto empobrecido e cruel que levava as crianças desobedientes para fazer sabão. Muito

dessa história desapareceu com o passar dos anos, quando as crianças começaram a ter medo de

mendigos e a agredi-los por causa desse medo. Além disso, inúmeras histórias e lendas de bruxas

contam como elas roubam as crianças desobedientes para comerem, a exemplo da história de

João e Maria. A cantiga Boi-da-cara-preta também traz uma toada para assustar e intimidar

crianças:

Boi, boi, boi

Boi da cara preta

Pega essa menina que tem medo de careta

Não, não, não

Não a coitadinha

Ela está chorando

E também é bonitinha (Domínio público, S.d.)

Para aqueles que já estudaram as mensagens transmitidas nas cantigas de roda, como a

música “Ciranda, cirandinha”, há uma mensagem explícita sobre a fragilidade das relações

amorosas e conjugais que não se constituem sobre bases sólidas (“O anel que tu me deste era

vidro e se quebrou/O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”). Há também as histórias de

Esopo, como a da lebre e da tartaruga (na qual elas disputam uma corrida e a tartaruga vence

porque persiste, embora a lebre fosse mais rápida), que antropomorfiza os animais (ou seja, lhes

dá características humanas) para passar mensagens a respeito de como devemos nos comportar

em sociedade.

Esses contos, quando retirados de seu contexto original, tornam-se desconexos e até mesmo

preconceituosos, como podemos observar nas histórias de Monteiro Lobato, que foram escritas

em uma época na qual não havia discussões sobre questões étnicas, ou as histórias de princesas,

como a Branca de Neve e a Bela Adormecida, que, à primeira vista, parecem ser absurdas por se
tratar de jovens moças que se casaram com o primeiro rapaz que conheceram. No entanto, se

considerarmos que na época medieval o casamento costumava ser a única escolha e que elas não

tinham recursos disponíveis, embora fossem ricas, e que sofriam de ameaças e coação, o

matrimônio com o primeiro príncipe que lhes aparecia passa a ser, sem dúvida, a escolha mais

inteligente para uma moça nessa situação.

FINALIZANDO

Nesta aula, abordamos como a escola e os professores desempenham um papel fundamental


na construção psicossocial e psicossexual das crianças e jovens, vindo a representarem verdadeiras

imagos, ou seja, substitutos das figuras parentais; a simbologia de uma recordação de infância de

Goethe, e o que tal recordação nos diz sobre as fantasias e sobre recordar momentos que, embora

pareçam irrelevantes, podem ser cruciais para nossa formação; a fantasia do espancamento infantil

e como essa fantasia se constitui com a fantasia da cena primitiva para compor o complexo de

Édipo e o complexo de castração; as associações de uma criança de 4 anos de idade, e como ela já

mostra, nessa idade, que não acredita em tudo que lhe dizem, chegando a suas próprias

conclusões com base na observação do ambiente.

Por fim, falamos da importância dos contos de fada, dos mitos e das cantigas como

formadores sociais presentes no imaginário infantil, com base nas mensagens subjacentes a cada

uma das histórias, as quais transmitem mensagens sobre o que se espera das crianças na

sociedade quanto a comportamento e valores.

Esperamos que você tenha aproveitado as discussões aqui apresentadas para conhecer um

pouco mais sobre as origens da psicanálise. Convidamos você a continuar acompanhando as aulas

para saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente que é a psicanálise.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud

(1886-1899): livro XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


1995. v. 1.

_____. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. v. 2.

_____. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. v. 3.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.

MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980.

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