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TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
AULA 5
CONVERSA INICIAL
Bem-vindo(a)!
Nesta aula, especificamente, trataremos dos textos referentes à questão das crianças nas
escolas e sua relação com seus professores, as fantasias primitivas e como elas compõem a
formação edipiana, assim como os contos de fada no imaginário infantil e nas referências de
mundo adulto que as crianças aprendem por meio das histórias que escutam.
O artigo “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” foi escrito por Freud em 1914,
quando o colégio onde estudou completava 50 anos de existência. No texto, Freud recorda sobre
a questão da subjetividade do tempo e como algumas coisas permanecem em nós mesmo depois
de muitos anos. Quando estamos na escola, aprendemos a obedecer a autoridade dos professores,
a pedir licença para ir ao banheiro e a respeitar os colegas. Mesmo depois de adultos e mais
velhos, muitos desses aprendizados permanecem conosco, como quando dizemos “sentido” para
um militar aposentado e ele ainda se sente impelido a obedecer e seguir. Ao mesmo tempo,
perceber a mudança física nas pessoas à medida que o tempo passa, perceber que envelhecemos
e que, ao mesmo tempo em que nos recordamos das pessoas como eram, percebemos as
diferenças temporais, nos mostram como a percepção do tempo e a passagem cronológica são
Além disso, Freud (1914) também se pergunta no artigo o quanto a personalidade de seus
professores o influenciou nas escolhas profissionais futuras, talvez até muito mais do que o próprio
conhecimento em si. Na própria história da psicanálise, pudemos observar o quanto Charcot foi
uma parte importante na estruturação da teoria psicanalítica, tanto quanto – ou talvez até mais –
que a própria proposta em si. Para aqueles que já leram algum livro da série Harry Potter,
podemos atestar também como Dumbledore e os outros professores foram fundamentais para
que Harry, o protagonista desses livros, formasse a própria personalidade e fizesse suas próprias
escolhas dentro do mundo bruxo. Fora dos livros, observamos com frequência, durante as sessões
de orientação vocacional, como é comum os jovens escolherem suas profissões não por causa do
mercado de trabalho ou porque o conteúdo lhes agrada, mas pela projeção de poderem vir a se
tornar um professor como aquele que teve durante sua infância e adolescência. Poucas crianças,
inclusive, seguem para carreiras cujos modelos de profissionais são pessoas chatas, intolerantes,
sem graça ou detestadas pelos demais alunos. E como muitos depois desistem do caminho que
começaram a trilhar pelo fato de que as motivações iniciais eram limitadas a uma só referência.
Essa figura do professor (ou tutor) funciona como a figura da imago, nome dado pelo próprio
Freud (1914) para definir o que é essa figura: são como substitutos de pai, mãe, irmãos ou de
outras pessoas importantes para a vida das crianças. Tal é a importância dessas figuras para o
arcar com essa herança deixada pela imago. A imago é tão importante que, quando uma criança
tem uma figura paterna ou materna ausente ou inexistente, por exemplo, a imago pode surgir
como um substituto para a formação dos complexos. À medida que acompanhamos os textos
freudianos, observamos inúmeros relatos de pacientes que contam que, quando crianças, tiveram
a cena da fantasia primária (fantasia “ilusória” sexual entre os pais) com a presença da babá no
As atitudes das pessoas umas para com as outras é fundamental para a formação do
estabelecem quando conhecemos alguém (como aquela sensação de que não gostamos de
alguém sem saber o porquê, ou sentimos uma simpatia imediata sem nenhum motivo aparente).
Quando há a figura da imago, ela se torna uma opção de identificação, de referência daquele que
Na segunda metade de nossa infância, dá-se uma mudança na relação do menino com o pai –
mudança cuja importância não pode ser exagerada. De seu quarto de criança, o menino começa
a vislumbrar o mundo exterior e não pode deixar de fazer descobertas que solapam a alta
opinião que tinha sobre o pai e que apressam o desligamento de seu primeiro ideal. Descobre
que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos seres; fica insatisfeito com ele, aprende a
criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade; e então, em regra, faz com que ele pague
pesadamente pelo desapontamento que lhe causou. Tudo que há de admirável, e de indesejável
Quando refletimos sobre o trecho acima, nos damos conta de que com os professores
recebemos informações que nos fazem refletir sobre o que nossos pais dizem, nos trazem
argumentos para concordar ou discordar dos pais e nos auxiliam para que tenhamos nossas
próprias opiniões formadas. Por isso, é comum, quando recebemos um questionamento de pais
sobre qual escola seria a mais adequada para nossos filhos, a resposta em maior sintonia com essa
visão freudiana é que os pais encontrem uma escola cujos valores sejam os mais próximos dos
valores da família, pois a divergência de valores é que pode, com o passar do tempo, criar um
conflito interno na criança, na medida em que aquilo que é dito em casa é diferente do que é dito
na escola, obrigando a criança a contrabalançar cada informações nova e ter dificuldade, inclusive,
de se sentir segura com as informações que recebe, pois elas não convergem. Da mesma forma,
quando há sinergia entre os valores da escola e da família, fica mais fácil o reconhecimento dos
pais pelos professores, pois essa relação será repetida por cada criança.
No texto “Uma recordação de infância de Dichtung und Wahrheit” (1917), Freud continua a
abordagem do tema da imago, que na verdade depois será absorvida por Jung para tratar também
apreende o outro [...] é assim que a imago de um pai terrível pode muito bem corresponder a um
pai real apagado” (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 234-235). Para Freud, quando nos recordamos de
determinados fatos da infância, temos dificuldade de discernir o que realmente vimos ou ouvimos
e o que nos foi contado posteriormente por outras pessoas. No relato de Goethe sobre sua
infância (Dichtung Und Wahrhei), ele conta que seus vizinhos, um dia, estavam quietos e sérios ao
lado de sua casa, e Goethe decidiu diverti-los jogando seus pratinhos e brinquedos para que
objetos quebrados, e esse momento de recolher os objetos quebrados durante bastante tempo
ficou gravado em sua memória, mesmo sendo uma memória muito antiga. Assim, vemos que em
alguns casos podemos nos recordar de uma ou outra informação muito antiga, de quando éramos
bebês ou crianças muito pequenas, mas essas lembranças são escassas e geralmente dependem
de uma série de associações para que se tornem relevantes o suficiente para serem recordadas. No
caso de Goethe, embora a travessura recordada por ele tivesse causado prejuízos domésticos, a
impressão de inocência liga-se a essa lembrança porque possivelmente ela se fixou como uma
advertência para não esticar seu domínio em demasia, ou aplicar suas habilidades em situações
inadequadas. As crianças, inclusive, são recorrentemente capazes de gravar situações nas quais
fizeram uma travessura e foram advertidas, e conseguem derivar essa experiência para
O texto relata ainda que um paciente de Freud (1917) lhe trouxe que, aos 27 anos, tinha
conflitos com sua mãe, os quais repercutiam em sua capacidade de amar e de levar uma vida
independente. Quando esse rapaz começou a se recordar de sua infância, lembrou de que era uma
criança desobediente, que gostava de desafiar a autoridade de sua mãe. Quando ela ficou grávida
e ele ganhou um irmão, ficou gravemente enfermo e sua mãe teve que cuidar dele, ao qual se
dedicou tanto que ele se recordava dessa época como “a melhor época de sua vida”, pois tinha
constantes atenção e afeição da mãe. Quantas vezes não nos deparamos com a experiência clínica
de ver clientes (adultos e crianças) que, no fundo, gostariam de retornar ao ventre materno, onde
se sentiam aquecidos, eram alimentados e ficavam com suas mães 100% do tempo literalmente.
Desse modo, quando esse paciente chegou ao consultório de Freud, resgatou lembranças de
quando era criança e os sentimentos que teve por seu irmão – com o qual tinha ótimo
relacionamento – e por essa mãe – que era uma fanática religiosa. Depois, em um acesso de raiva,
quando soube que ganhara um irmão, o paciente pegou os pratos da mãe e os arremessou longe,
No caso de Goethe, Freud (1917) refaz a genealogia de sua família e resgata o momento em
que um de seus irmãos falece ainda criança. No enterro, Goethe não derramou lágrimas, embora
esse jovem irmão fosse seu constante companheiro de bagunças, e quando sua mãe depois
pergunta se ele não sentia falta desse irmão, Goethe pega diversos papéis e mostra à mãe que ele
estava tentando ensinar esse irmão, assumindo como que uma posição de pai ou de imago da
outra criança. Com a morte, Goethe parecia aborrecido, mas ao arremessar os pratos ele
possivelmente pode extravasar o sentimento de raiva que sentia, tal como o paciente de Freud
arremessara os pratos ao saber do nascimento do irmão. Aliás, não é incomum nós arremessarmos
objetos ou quebrarmos coisas para nos sentirmos melhor quando estamos com raiva ou tristes por
algum motivo. As crianças, quando quebram objetos sabem, inclusive, o que estão fazendo, e
sabem que esse comportamento irá gerar uma reação dos pais, com consequente castigo. Quando
Ainda em outro relato, um paciente conta a Freud que se recordou de quando era criança e
que seu pai chegou a ele, rindo, e lhe disse que ele teria um irmão. Pouco tempo depois, o menino
jogou diversas coisas na rua – escovas, sapatos, roupas. Depois, ele se lembra de ter estado com os
pais em um hotel e começado a fazer tanto barulho que seu pai precisou bater-lhe para parar. De
acordo com Freud (1917), quando as lembranças de um paciente surgem na sequência, ainda que
não façam parte de um mesmo momento ou com um mesmo grupo de pessoas, elas precisam ser
entendidas como tendo alguma relação do ponto de vista psíquico, ou não seriam apresentadas
simultaneamente.
Ainda que, em determinado momento, as crianças muito pequenas criem o hábito de jogar
descrevemos acima, de jogar objetos pela janela. No primeiro caso, o ato de jogar coisas e esperar
comportamento natural das crianças em uma fase específica e que faz com que elas queiram
“testar” o amor dos pais por meio do jogar e de receber de volta. No segundo exemplo, trata-se
de um comportamento de extravasar a raiva, jogar sem ter o objetivo de que aqueles objetos
voltem. Hoje em dia, quando sentimos raiva de algo, bater em algo como simbologia de extravasar
quando o sentimento de raiva nos consome por mais tempo do que deveria.
Por fim, ao concluir a história de Goethe, Freud (1917) comenta que se pudesse interpretar e
adicionar comentários para Goethe, ele provavelmente diria que foi por causa da morte do irmão;
que ele poderia ter todo o amor de sua mãe e se tornar o homem bem-sucedido que foi, pois com
a concorrência eliminada, ele receberia todo o amor de que precisava para se sentir autoconfiante.
Talvez poderíamos pensar que o amor que os meninos recebem de suas mães seja o que, em
partes, os faça serem bem-sucedidos na vida adulta, enquanto as meninas ainda enfrentam o
para refletirmos.
O artigo “Uma criança é espancada” (1919) resgata um pouco do que já vimos nos textos
sobre os Três ensaios, apresentados anteriormente, assim como em O homem dos lobos (1918
[1914]). O texto apresenta uma análise clínica detalhada de um tipo de perversão e os processos
envolvidos no recalque, sobre o qual Freud também trata em outros textos, como “Recalque” e “O
inconsciente”. Para Freud, muitas pessoas que iniciam o tratamento para neurose obsessiva e
espancamento quando crianças. É importante enfatizar aqui que estamos tratando de fantasias,
disso. Para o autor, desde cedo as crianças competiam em suas escolas para acessar livros de
ficção e contos que contivessem situações nas quais as crianças eram malcomportadas e, por essa
razão, recebiam como castigo espancamento e maus-tratos. Imaginar essas cenas muitas vezes
trazia uma mistura de sensações, com prazer e desagrado surgindo ao mesmo tempo. Nas escolas,
repugnância e gozo; em uma pequena parcela dessas crianças, surgia exclusivamente o gozo ou a
repugnância. Aliás, até hoje é comum, nas escolas, as crianças se reunirem ao presenciarem uma
briga ou alguma criança apanhar de outra(s). Apesar de muitas alegarem que sentem medo de
dessas crianças, percebemos um certo prazer nelas em ver a dor, associado ao asco por aquela
Muitos dos relatos de espancamento dos pacientes de Freud provinham de pacientes que
nunca tinham sido espancados, ou sequer sofrido alguma violência na escola, o que não os
impedia de imaginar a cena de espancamento. Freud (1919, p. 197) pergunta:
Quem é a criança que estava sendo espancada? A que estava criando a fantasia, ou uma outra?
Era sempre a mesma criança, ou às vezes era uma diferente? Quem estava batendo na criança?
Uma pessoa adulta? Se era, quem? Ou a criança imaginava-se a si mesma batendo em outra?
Nada do que foi apurado pôde esclarecer todas essas perguntas; apenas a resposta hesitante:
“Nada mais sei sobre isto: estão espancando uma criança”.
Então, Freud (1919) se depara com o seguinte desafio: uma criança é espancada, no sonho de
seus pacientes, mas não há maiores informações sobre isso. O sonho não pode ser sádico, pois
para isso o agressor deveria ser o próprio paciente. Provavelmente, um adulto está batendo na
criança, então concluímos que possivelmente seja o pai. Então, o pai está batendo na criança. Se
pensarmos que a fantasia sofre adaptações, poderíamos dizer que há várias respostas para essa
questão: primeiro, o pai poderia, de fato, estar batendo na própria criança, como um desejo
masoquista. Como o nome do pai não é mencionado, poderíamos pensar que esse adulto que
bate também pode ser um professor. Se a criança estiver assistindo ao espancamento, pode-se
supor uma espécie de satisfação masturbatória no ato de olhar, uma excitação sexual que se
Contudo, se a recordação é tão antiga que os pacientes sequer recordam exatamente da cena,
podemos pensar que a cena também remonta a um complexo parental, conectado ao desejo de se
ligar à mãe e à punição por esse desejo. É possível ainda associá-lo à chegada de um irmão e o
desejo de ver o pai batendo nesse irmão, o que reconheceria inconscientemente a exclusividade
do amor do pai pela criança que assiste a outra apanhar. A criança, desde pequena, aprende que
apanhar significa perder o amor do outro e ser humilhada. Assim, imaginar um rival apanhando
ajuda a trazer prazer e conforto, na medida que se apresenta como uma forma de “compensação”
por não ser possível que essa criança se reproduza com seu pai ou com sua mãe.
A perversão, aqui representada pelo sadomasoquismo, se mostra então não mais como um
fato isolado na vida do indivíduo, ou como um transtorno ao lado das neuroses e psicoses, mas
zonas erógenas, que posteriormente darão as bases para a formação do psiquismo neurótico. A
perversão leva a criança a uma relação com o objeto incestuoso de amor, ligando a cena da
criança sendo espancada como também sendo uma fantasia primitiva, ao lado da fantasia da cena
primária, ou seja, a cena de sexo entre os pais. A perversão, no desenvolvimento saudável, dá lugar
à moral e ao desenvolvimento sexual genital das crianças. Quando essa perversão se dá de modo
anormal, ela cria bases para que, no futuro, caso o indivíduo não consiga direcionar sua libido para
as zonas genitais e estabelecer uma relação de amor objetal, essas tentativas são abandonadas e a
psique retorna para o modelo pervertido infantil e lá permanece para o resto da vida.
Assim, o espancamento de uma criança envolve uma nova experiência no Complexo de Édipo,
que leva a criança a recalcar a lembrança de forma que o que resta é: “uma criança é espancada”.
O recalque, aqui, faz parte da operação na qual o ego mantém no inconsciente representações
(pensamentos, imagens, sons) ligadas a uma pulsão que, se satisfeitas, poderiam gerar prazer sob
Trata-se de uma carta de 1920 que Freud recebeu de uma mãe americana, com informações
muito importantes a respeito do desenvolvimento infantil. Ela conta que sua filha de 4 anos estava
ouvindo uma conversa entre sua mãe e uma prima, e esta prima contou que iria se casar em breve.
A criança então comentou: “Se Emily se casar, vai ter um bebê” (Freud, 1920, 281). A mãe ficou
muito surpresa e perguntou à sua filha como ela sabia disso, ao que a menina respondeu que
quando alguém se casava, logo vinha um bebê. A mãe, ainda incrédula, perguntou como a criança
poderia saber algo como aquilo, e a menina continuou. Disse que, na verdade, ela sabia uma
porção de coisas, como o fato de que as árvores nasciam do chão. A mãe achou estranha a
associação, e ficou novamente surpresa que a menina já tivesse esse tipo de informação. A menina
então concluiu que sabia que Deus tinha criado o mundo. A mãe não acreditou, e concluíram que
provavelmente, dito tudo isso, a menina já sabia que os bebês nasciam de suas mães, fazendo
associação entre as mães e a mãe-Terra. Ao dizer que sabia que Deus tinha criado o mundo
(Father, em inglês, que corresponde a Deus e à palavra “pai”), estava também fazendo associação
ao fato de que sabia que o pai dela tinha criado os filhos e dado a possibilidade à mãe de
engravidar, assim como Deus criou as bases para que a mãe-natureza criasse o que temos no
mundo.
Para Freud, esse relato mostrou que as crianças, mesmo quando não recebem as informações
de seus pais a respeito das questões sexuais humanas, investigam e chegam às próprias
conclusões, que depois são verbalizadas tão corretamente que poderíamos acreditar que alguém
lhes explicou como realmente se dá a origem dos bebês. Para quem tem mais de um filho, percebe
como é comum a criança mais velha querer saber como a mãe ficou grávida, por onde a criança irá
sair, quanto tempo o bebê ficará dentro da mãe, se poderá retornar depois para dentro da mãe, se
será possível escolher entre um irmão ou uma irmã, e como serão seus gostos. Depois, as crianças
compartilham no ambiente escolar todos esses conhecimentos e experiências e, muitas vezes, cabe
às professoras mediar as conversas e esclarecer todas essas dúvidas, além de muitas outras que, às
Sabemos como os contos de fada influenciam (poderíamos até dizer que moldam) o
pensamento infantil. Tanto que para aqueles que acompanham filmes da Disney como Frozen e
Encanto, sabemos o quanto as figuras das princesas fazem parte do imaginário infantil feminino.
Da mesma forma, ao humanizarem personagens heroicos como os da Marvel, cria-se nos meninos
e meninas protótipos do que eles mesmos gostariam de ser quando adultos: a Mulher Maravilha
ambições dos personagens, de modo que as crianças se identifiquem com suas histórias.
bíblicas, sobre regras e valores aprendidos oralmente. Assim, o conto da menina de sapatinhos
vermelhos traz a mensagem de que a falta de cuidado da mãe, o desejo da menina de apenas usar
sapatinhos vermelhos, implicou em uma alta punição para a menina; Cinderela se manteve boa, e
por isso foi recompensada pela fada com uma oportunidade para conhecer o príncipe; e, Elza
compreendeu a importância do amor para controlar seus próprios impulsos. Da mesma forma,
contos como a história de Jonas e a baleia, na qual Jonas foi punido por Deus até cumprir sua
obrigação de advertir uma cidade que agia fora dos princípios divinos, os egípcios foram punidos
por não aceitarem libertar os judeus da escravidão, e Jó, ao final, foi recompensado por Deus por
ter mantido sua fidelidade, embora tivesse perdido seu dinheiro e sua família enquanto era
Os contos, muito mais do que se proporem a contar uma história que de fato aconteceu,
permanecem no imaginário social porque passam uma mensagem a respeito das crenças e valores
de uma dada cultura. Na história de uma das pacientes, Freud (1913) conta como ela se via em um
quarto de madeira, com apenas uma escada íngreme. No alto da escada ela podia ver um
homenzinho pequeno e calvo, que dançava e se portava de maneira estranha. Depois, a paciente
se deu conta que estava descrevendo Rumpelstizchen, um dos contos dos irmãos Grimm (Freud,
1913, p. 305).
O segundo sonho apresentado aqui é o do “homem dos lobos”, que Freud (1913) reconta
nesse texto. De forma resumida, ele traz o relato do rapaz que, quando criança, sonhara que a
janela de seu quarto se abrira e, do lado de fora e em cima de uma grande nogueira, estavam seis
ou sete lobos brancos sentados, olhando para ele. Os lobos brancos se pareciam com cães
pastores ou raposas, tinham caudas grandes e orelhas empinadas, como se estivessem observando
algo. Aterrorizado, com medo de ser devorado pelos lobos, o menino gritou e acordou. Aqui, a
única ação do sonho foi a janela se abrir, pois de resto tudo estava imóvel. Quando se lembra do
que poderia estar associado, o paciente se recorda de um livro de contos de fadas de sua irmã. Ela
sabia que o menino tinha medo da imagem, por isso ela sempre pegava o livro e mostrava a
imagem ao irmão, até que ele chorasse para ela parar. Pela descrição que o rapaz fizera da figura
do livro, Freud acreditava que se tratava do livro de “Chapeuzinho Vermelho”. Ao tentar analisar o
sonho, o paciente se lembrou de que nas vizinhanças havia ovelhas, e que o proprietário decidiu
vaciná-las, porém, depois disso, muitas delas morreram. Sobre os lobos estarem na árvore, o rapaz
se lembrou de uma história de seu avô na qual um lobo velho queria se vingar de um alfaiate que
lhe cortara a cauda. Esse lobo levou a matilha para atacar o alfaiate que, assustado, subiu em uma
árvore. O velho lobo sugeriu que os demais subissem em suas costas para pegar o rapaz e vingá-
lo. Mas o alfaiate, ao reconhecer o lobo que ele havia enfrentado, gritou para que pegassem o
lobo cinzento pela cauda. O velho lobo, assustado pela lembrança da perda da cauda, fugiu e os
lobos desmoronaram (remontando ao ditado “Gato escaldado tem medo de água fria”). Ao
interpretar o sonho, Freud conclui que o lobo é um representando paterno que remonta ao
complexo de castração, e que os contos de fada serviram para a formação da fobia. Isso também
ocorreu com uma paciente que relatou que seus filhos tinham medo do avô porque ele dizia que
NA PRÁTICA
Propomos aqui, como prática, seguir falando sobre os contos e cantigas. A história da “Cabra
cabriola” tem origem portuguesa, e chegou ao Brasil entre os séculos XIX e XX. Segundo a lenda,
malcriadas. Isso se assemelha ao que antigamente se dizia sobre o “homem do saco”, um homem
com aspecto empobrecido e cruel que levava as crianças desobedientes para fazer sabão. Muito
dessa história desapareceu com o passar dos anos, quando as crianças começaram a ter medo de
mendigos e a agredi-los por causa desse medo. Além disso, inúmeras histórias e lendas de bruxas
contam como elas roubam as crianças desobedientes para comerem, a exemplo da história de
João e Maria. A cantiga Boi-da-cara-preta também traz uma toada para assustar e intimidar
crianças:
Não a coitadinha
Para aqueles que já estudaram as mensagens transmitidas nas cantigas de roda, como a
música “Ciranda, cirandinha”, há uma mensagem explícita sobre a fragilidade das relações
amorosas e conjugais que não se constituem sobre bases sólidas (“O anel que tu me deste era
vidro e se quebrou/O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”). Há também as histórias de
Esopo, como a da lebre e da tartaruga (na qual elas disputam uma corrida e a tartaruga vence
porque persiste, embora a lebre fosse mais rápida), que antropomorfiza os animais (ou seja, lhes
dá características humanas) para passar mensagens a respeito de como devemos nos comportar
em sociedade.
Esses contos, quando retirados de seu contexto original, tornam-se desconexos e até mesmo
preconceituosos, como podemos observar nas histórias de Monteiro Lobato, que foram escritas
em uma época na qual não havia discussões sobre questões étnicas, ou as histórias de princesas,
como a Branca de Neve e a Bela Adormecida, que, à primeira vista, parecem ser absurdas por se
tratar de jovens moças que se casaram com o primeiro rapaz que conheceram. No entanto, se
considerarmos que na época medieval o casamento costumava ser a única escolha e que elas não
tinham recursos disponíveis, embora fossem ricas, e que sofriam de ameaças e coação, o
matrimônio com o primeiro príncipe que lhes aparecia passa a ser, sem dúvida, a escolha mais
FINALIZANDO
imagos, ou seja, substitutos das figuras parentais; a simbologia de uma recordação de infância de
Goethe, e o que tal recordação nos diz sobre as fantasias e sobre recordar momentos que, embora
pareçam irrelevantes, podem ser cruciais para nossa formação; a fantasia do espancamento infantil
e como essa fantasia se constitui com a fantasia da cena primitiva para compor o complexo de
Édipo e o complexo de castração; as associações de uma criança de 4 anos de idade, e como ela já
mostra, nessa idade, que não acredita em tudo que lhe dizem, chegando a suas próprias
Por fim, falamos da importância dos contos de fada, dos mitos e das cantigas como
formadores sociais presentes no imaginário infantil, com base nas mensagens subjacentes a cada
uma das histórias, as quais transmitem mensagens sobre o que se espera das crianças na
Esperamos que você tenha aproveitado as discussões aqui apresentadas para conhecer um
pouco mais sobre as origens da psicanálise. Convidamos você a continuar acompanhando as aulas
para saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente que é a psicanálise.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR