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VULNERABILIDADE
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Sumário
1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................... 4
2 - AS ALTERAÇÕES DOS CRIMES SEXUAIS .......................................... 6
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FACUMINAS
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1 – INTRODUÇÃO
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Não se pode pensar mais em normas penais preocupadas com questões de ordem
meramente moral. O direito penal é o ramo mais violento do ordenamento jurídico
e, por isso, deve estar restrito à proteção de bens relevantes contra
comportamentos graves. A moral, por si só, não pode ser fundamento da
criminalização de condutas, nem pode estar na condição de bem jurídico principal a
ser tutelado. No Estado liberal e democrático de direito é tolerável incriminar
condutas imorais desde que acompanhadas de lesão ou perigo de lesão ao bem
protegido.
Liberalismo legal (ou jurídico) é a visão segundo a qual a única razão moralmente
legítima para a proibição criminal de condutas é a prevenção de lesões ou
ofensas a pessoas alheias ao próprio agente e aos incapazes de
consentir. O moralismo legal é diferente: para essa doutrina, às vezes é legítimo
criminalizar condutas para prevenir ações simplesmente porque essas são
“inerentemente imorais” (imorais por si mesmas), mesmo que não causem
lesões ou ofensas não consentidas a terceira pessoa.
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Um dos tipos penais que sofreram maior impacto foi o artigo 213. Antes da citada
lei, estupro e atentado violento ao pudor eram condutas previstas em tipos
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O Código Penal recebeu um novo tipo penal, o artigo 217-A. Trata-se do estupro
de vulnerável, cujo comportamento incriminado é “ter conjunção carnal ou praticar
outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos” ou “com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.
Evidente que neste crime o consentimento da vítima é inválido devido à falta de
capacidade para decidir sobre sua conduta sexual.
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atividade tornou-se irrelevante, uma vez que o objeto de tutela é a dignidade sexual
da vítima.
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como a moral não é vista como um sistema único, mas sim oriunda de uma
relação de consenso – dada a partir de uma argumentação –, ela não pode
sustentar um controle de situações que não necessariamente venham a
agredir a coletividade como um todo.
O que pode ser imoral para um, pode não sê-lo para outrem. Além disso, todo crime
carrega um certo conteúdo contrário à moral da maioria das pessoas, entretanto, essa
imoralidade, por si só, é insuficiente para legitimar uma incriminação. É necessário
que haja uma lesão ou um perigo de lesão a um bem jurídico objetivamente
determinável, que independa exclusivamente da avaliação subjetiva do legislador e
do aplicador da norma.
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A alteração promovida pela Lei 12.015/2009 trouxe novos horizontes aos crimes
sexuais. Cabe definir o que seja a dignidade sexual, nova denominação do bem
jurídico tutelado. Entende-se ser dignidade sexual o direito da pessoa de escolher,
consciente e voluntariamente, suas condutas sexuais. Englobam-se as outras
pessoas com quem se deseja relacionar, o lugar, o tempo e os procedimentos. Desde
que a dignidade dos demais seja também respeitada, cada um pode exercer sua
sexualidade como bem entender. Considera-se, assim, a individualidade de cada um,
suas aspirações e vontades, abandonando-se os valores meramente imorais.
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Pode-se dizer, assim, que o Estado liberal e democrático de direito exige o princípio
da autonomia como reitor de um ordenamento jurídico-penal que reconheça a pessoa
como objeto de proteção.
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O sujeito autônomo pode fazer aquilo que lhe é pedido, mas por sua própria vontade,
e não apenas pela vontade de quem lhe pediu. A autonomia só é mantida se o
indivíduo age de forma diferente porque sua vontade também mudou, e não por
qualquer tipo de obrigação que acredita possuir. Um conceito mais recente de
autonomia é o exercício da habilidade psicológica para governar a si mesmo – ou de
ser verdadeiro a si mesmo e não necessariamente agir racionalmente, ter certos
direitos ou escolher livremente. Este é um sentido bastante amplo, pois oferece ao
sujeito autônomo o direito de agir conforme seus desejos, mesmo que a escolha não
seja racional. Não se exige a racionalidade nas opções, desde que elas sejam
autênticas.
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O sujeito autônomo possui duas qualidades que lhe asseguram a liberdade. Ele
encontra abstinência de determinação e seus objetivos são propriamente seus.
A primeira característica implica não existir qualquer força determinista que mova a
pessoa. Tal determinação é concebida como condições antecedentes ao ato. O
sujeito faz porque quer, não porque foi condicionado.
capacidade de discernimento;
condições de agir conforme sua consciência;
liberdade de agir restringida pela preservação do interesse alheio.
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meios para coagir alguém são a força (vis corporalis) ou a ameaça (vis compulsiva).
O constrangimento deve ser suficiente para diminuir a capacidade de resistência da
vítima, por isso o ato deve ser violento ou representar uma grave ameaça. Na
legislação penal, encontram-se diversos tipos compostos por violência ou grave
ameaça: estupro (artigo 213), roubo (artigo 157), constrangimento ilegal (artigo 146),
entre outros.
Por seu turno, fraude é a alteração dos fatos para induzir alguém a uma falsa
percepção da realidade. O agente faz uso da dissimulação ou da ocultação de fatos
relevantes para a formação da opinião consciente. Apesar de não haver violência ou
grave ameaça na relação entre as partes, a expressão da vontade resta prejudicada
porque o acordo surgiu de uma manifestação indevida, que provavelmente não teria
acontecido se os fatos fossem colocados devidamente como realmente eram. No
direito penal, há tipos penais praticados mediante fraude, como o estelionato (artigo
171) e a violação sexual mediante fraude (artigo 215).
A coerção, por sua vez, não implica vício de discernimento. O sujeito coagido tem
condições de discernir, não obstante, está impedido por força maior de prosseguir de
acordo com sua consciência. Quem coage não induz a vítima a erro, simplesmente
oferece uma única opção de comportamento mediante violência ou grave ameaça. A
vítima sabe o que faz, discorda de seu próprio comportamento e tem consciência de
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que não lhe resta alternativa que não seja obedecer a quem coage. Há competência,
mas falta-lhe autonomia.
Sobre a autonomia, seus requisitos já foram mencionados. O sujeito deve ser capaz
de discernir e ser livre para agir conforme sua consciência. O outro requisito é a
consciência dos prováveis efeitos da conduta para a qual consente. A pessoa deve
saber o que poderá acontecer caso aceite o comportamento perigoso. Por fim, o bem
jurídico deve ser disponível.
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4 - VULNERABILIDADE DA VÍTIMA
crianças e adolescentes;
adultos com problemas
mentais;
adultos temporariamente perturbados;
grupos especiais de vulneráveis.
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deficientes são reconhecidos como vítimas mais fragilizadas pelo Código Penal etc.
Ilustrando o primeiro exemplo, as mulheres, fisicamente consideradas, são mais
frágeis na relação de coabitação com o homem, portanto, quando este pratica
qualquer ato de violência (qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial) está sujeito a medidas mais gravosas previstas na Lei 11.340/2006.
Enfim, é possível distinguir grupos e suas peculiaridades, apontando certo grau de
vulnerabilidade em determinadas situações.
Nos crimes sexuais, entretanto, surge um grupo especial de vulneráveis que merecem
maior atenção do legislador. O artigo 217-A, que prevê a figura delitiva do “estupro de
vulnerável”, cita, taxativamente, as pessoas que não possuem capacidade de
discernimento suficiente para a atividade sexual:
o menor de 14 anos;
quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato;
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
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A exploração pode ser definida como um duelo desigual de forças, no qual o mais
fraco dificilmente ousa enfrentar o mais forte em busca de novas possibilidades. Há
uma espécie de aceitação da exploração porque não há alternativas próximas
diferentes daquelas às quais os menos favorecidos estão submetidos. O explorado
não encontra outras opções que não sejam a submissão ao mais forte e este,
aproveitando-se do desequilíbrio, tira vantagens injustas.
Nos polos da relação, a parte mais forte encontra-se em melhor posição, financeira
ou economicamente, e a outra, debilitada, precisa de algum tipo de suprimento que
só pode ser obtido agindo contrariamente à sua vontade real. Por essa razão, a
vantagem obtida pelo mais forte é injusta, pois se apoia numa vontade contrária àquilo
que o explorado realmente queria para si.
A vantagem injusta pode ocorrer em duas formas. A parte mais forte obtém ganhos e
a mais fraca perde ou ganha menos que o devido. O explorador tem consciência sobre
a situação de fragilidade do explorado. No entanto, nem sempre o explorado tem
conhecimento das vantagens injustas obtidas por conta de sua fraqueza. A falta de
alternativas, muitas vezes, impede o sujeito de enxergar a relação de exploração.
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falta de discernimento;
falsa percepção da realidade;
coerção;
situação de fragilidade e ausência de opções para supri-la.
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5- CASOS PONTUAIS
6 - PROSTITUIÇÃO
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Há quem entenda que no sistema capitalista não há exploração consentida, uma vez
que não restam opções à grande maioria da população que não seja a submissão
aos detentores do capital. A lei do mais forte reduz a capacidade de escolher outros
meios de vida que não sejam a submissão pela sobrevivência. Assim, por exemplo,
segundo TORRES, DAWIM e COSTA, em artigo no qual analisam as causas da
prostituição em Natal, Rio Grande do Norte:
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causa dos ganhos, com toda consciência. Segundo matéria veiculada no Portal Terra
sobre uma prostituta de luxo:
Hoje, ela tem clientes fixos e faz em média dez programas por semana.
Segundo ela, sua renda chega a R$ 12 mil por mês, o que lhe possibilita
manter o apartamento de luxo que comprou em São Paulo e mais outras
regalias de uma mulher de classe média alta: roupas, academia, tratamentos
estéticos e viagens.
O auxílio à prostituição deve ser analisado individualmente, caso a caso, pois nem
sempre a prostituição é a única ou última fonte de renda da pessoa prostituída. O
Estado deve respeitar a vontade livre e consciente de quem não está em estado
vulnerável e opta, livremente, pelo comércio sexual. Se há outros meios de
subsistência e a alternativa selecionada foi a prostituição, em nome do princípio da
autonomia o direito penal não poderia intervir, direta ou indiretamente, na conduta
individual.
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7 – ASSÉDIO SEXUAL
O legislador
pretende evitar a
exploração da
vulnerabilidade do
empregado, sobre o
qual seu superior
exerce influência
direta, podendo
demiti-lo a seu
critério.
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Quando houver contradição entre a vontade real da vítima de não manter relações
sexuais e a vontade de seu superior, ao saber das eventuais consequências que a
resistência possa lhe causar, o vulnerável não consentirá livremente. Sua preferência
real não condiz com eventual manifestação em ceder sexualmente à vontade de seu
superior, o que legitimaria a intervenção do Estado num conflito que, aparentemente,
estaria apenas na esfera individual. O comportamento do superior estaria fora do
âmbito do permitido pelo Estado nas relações trabalhistas, as quais não podem ser
utilizadas como forma de atentar contra a dignidade sexual.
8 - ESTUPRO DE VULNERÁVEL
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qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Além do acréscimo do tipo,
houve a revogação do art. 224, que previa as hipóteses de presunção de violência.
O atual texto diz apenas que é crime ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. A idade da vítima é elementar do tipo e,
assim, basta o ato sexual e estar na faixa etária correspondente. O critério é o mais
objetivo possível, permitindo-se concluir que o legislador não adotou o critério do ECA
de distinção entre crianças e adolescentes. Quer dizer, é possível aplicar medidas
socioeducativas ao menor a partir dos 12 anos, entretanto, antes de chegar aos 14,
ainda é considerado sexualmente vulnerável.
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O relator do recurso, ministro Jorge Mussi, explicou que o tribunal fluminense decidiu
pelo reconhecimento do crime de estupro de vulnerável em sua modalidade tentada
porque o homem não concretizou a penetração, já que entendeu por dividir as
condutas do código entre “as mais graves, como penetração anal e vaginal”, e as
condutas “menos agressivas, como toques, carícias nas nádegas e nos seios”.
O repetitivo foi ainda um dos precedentes que deram origem à Súmula 593, publicada
no Diário da Justiça Eletrônico em novembro de 2017, segundo a qual “o crime de
estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso
com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a
prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento
amoroso com o agente”.
Com essas razões, a 6ª Turma reformou o acórdão do TJ-RJ para condenar o réu
pela prática de estupro na forma consumada.
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Segundo, não se pode negar que quase todo crime carrega um certo conteúdo de
imoralidade. No entanto, ser imoral não é suficiente para legitimar a criminalização de
uma conduta. Deve haver, além da conotação moral negativa, lesão efetiva ou perigo
de lesão a um bem jurídico penalmente relevante.
A alegação de fato criminoso implica diretamente nos meios para se chegar à uma
conclusão sobre a veracidade daquele fato, esses meios podem ser definidos como
provas, por causa do seu conteúdo relacionado aquele acontecimento. No âmbito do
processo penal a prova é utilizada como mecanismo probatório para construção do
convencimento do juiz sobre as situações dos delitos.
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A prova é tudo aquilo que será utilizado para contribuir na formação do convencimento
do órgão julgador, e esta pode ser entendida como o ato de provar (instrução
probatória); o meio para provar, que são os instrumentos para a demonstração da
verdade; e o resultado obtido para a análise do material probatório, isto é, o efeito ou
o resultado da demonstração daquilo que se alega. (NUCCI, 2016, p.307).
Diante disso, existem três meios de prova, as provas documentais se referem aos
documentos que são capazes de demonstrar a veracidade do que está sendo
alegado, as provas periciais são produzidas por profissionais técnicos à pedido do
juiz, por exemplo psicólogos, médicos que realizam o laudo técnico diante daquele
fato, como comprovar que houve o ato sexual com a vítima e a prova testemunhal
onde a pessoa narra o que sabe sobre aquele episódio para o juiz, quando nesse
meio de prova há o depoimento de uma criança deve ser analisada vários fatores,
como a idade e se o fato realmente aconteceu ou é objeto da imaginação daquele
infante.
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Dessa forma, por ser altamente sugestionável, jamais deverá o magistrado completar
lhe frases, com “sim” ou “não”, porque a criança para agradar quem a ouve,
certamente terminará concordando com o almejado pelo interrogante (ARAUJO,
2017, p. 55).
Os vulneráveis por não ter total discernimento sobre os acontecimentos da vida são
facilmente influenciados pelas palavras ou situações, em alguns casos, esses podem
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falar sobre a verdade dos fatos como ocorreram, como também inventar
acontecimentos ou serem manipulados por outras pessoas para induzir a inventar
sobre aquele fato.
A criança ou o adolescente, após ter sido inquirido por familiares, pela diretora da
escola, pelo Conselho Tutelar, pela autoridade policial e por inúmeros jornalistas, será
novamente ouvida na fase judicial.
9 - FALSAS MEMÓRIAS
A memória humana não é estável ou fixa, ela vai se modificando ao longo dos anos,
isso acontece porque cada vez que se esforça para ter uma lembrança ocorre uma
espécie de reconstrução mental, trazendo as lembranças do que aconteceu antes e
após aquele fato. Dessa forma, o ser humano se confunde e troca as informações.
A mesma memória que é responsável pela nossa qualidade de vida, uma vez que, é
a partir dela que nos constituímos como indivíduos; sabemos nossa história,
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Isto posto, há plena convicção de que para esses vulneráveis há uma maior facilidade
de produzir falsas memórias, pois as crianças por exemplo, não sabem expressar o
que aconteceu e nem a diferenciar certo do errado, sendo vulnerável e incapaz de
considerar o respectivo ato como uma violência sexual, no mesmo patamar estão as
pessoas que não tem o discernimento necessário para compreender o abuso sexual.
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Como mencionado acima foi possível perceber que as falsas memórias se dividem
em espontâneas que são fruto de um processo interno do indivíduo, isto é, do próprio
funcionamento da memória e as falsas memórias sugeridas no qual são fruto de
influências do ambiente externo em que o indivíduo se encontra, ou seja, falsas
informações que são incorporadas na memória até mesmo através de meios de
comunicação.
Uma informação enganosa tem o potencial de criar uma memória falsa, afetando
nossa recordação, e isso pode ocorrer até mesmo quando somos interrogados
sugestivamente ou quando lemos e assistimos a diversas notícias sobre um fato ou
evento de que tenhamos participado ou experimentado. (LOPES, 2019, p. 479).
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frequente farão com que aquela criança comece a responder da forma como está
sendo perguntada.
Situação similar, também narrada por LOFTUS, foi documentada em 1992, quando
um terapeuta ajudou Beth Rutherford, então com 22 anos, a “recordar” que entre 7 e
os 14 anos havia sido violentada com regularidade pelo pai (um pastor), inclusive com
a ajuda da mãe. Recordou também, a partir das técnicas de induzimento, que havia
ficado grávida duas vezes, tendo realizado sozinha os abortos, utilizando um cabide.
Finalmente os exames médicos demonstraram que a jovem ainda era virgem e que
nunca havia engravidado. Ela processou o terapeuta e, em 1996, recebeu 1 milhão
de dólares de indenização. (LOPES, 2019, p.481).
No caso exposto, essa distorção da realidade só foi percebida porque existiu outro
meio de prova contradizendo os relatos, pois embora a mulher acreditasse ter sido
violentada pelo seu pai, tendo inclusive ficado grávida por duas vezes, foi preciso
exame pericial para comprovar que ela estava com falsas memórias sobre esse fato,
sendo comprovado por exame médico que a mulher ainda era virgem. Entretanto, na
maioria dos delitos sexuais, não tem uma prova material como esta para comprovar
a violência sexual ou falsas memórias.
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b) supor que uma criança não mente nunca pelo simples fato de ser criança.
Portanto, se ela diz que é, é porque aconteceu, independentemente das
evidências que possam existir no sentido contraditório, pois a ocorrência de
ilusão ou fantasia é muito comum no mundo infantil. (TRINDADE, 2014,
p.440).
No entanto esse método de tentar ajudar as vítimas daquele fato, põe risco a
confiabilidade do seu depoimento, porque em alguns casos pode ser algo incerto, ao
mesmo tempo em que eles utilizam um tom mais acusatório, podem contribuir para
falsas revelações, de fatos que não aconteceram. “Os professores, assistentes
sociais, pais, enfim, podem transmitir um estereótipo negativo acerca de determinada
situação ou pessoa, gerando uma interpretação negativa por parte da criança,
fomentando a fabricação de um evento inteiramente falso.”
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ser ricos em detalhes, pois dessa forma facilita para imaginação, pois esses
vulneráveis não possuem total discernimento sobre o que acontece a sua volta.
Os delitos sexuais são os crimes que geram maior repercussão social. Portanto,
assim que surge uma suspeita de abuso sexual, principalmente, envolvendo pessoas
consideradas vulneráveis como crianças ou que possuem discernimento reduzido e
não compreendem essas situações, as pessoas ao redor daquela vítima, se
sensibilizam com o fato e procuram tentar “ajudar” a colher informações sobre o delito.
As autoridades passam a investigar rapidamente, fazendo a colheita de provas, na
tentativa de encontrar o autor com o intuito de prendê-lo e de dar uma resposta para
a indignação da sociedade.
Esse fenômeno chamado falsas memórias que ocorre na memória humana são
capazes de distorcer ou recordar fatos que na realidade nunca aconteceram. A
intenção não é afirmar que todas as memórias desses vulneráveis quando relatam
crimes sexuais, a que foram vítimas ou testemunhas são falsas, pelo contrário,
frequentemente são praticados crimes sexuais contra crianças ou pessoas que por
algum motivo não tenha discernimento necessário para o ato.
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Falsas memórias ainda que presente na realidade processual, ainda não é vista pela
maioria dos operadores do direito como um fenômeno que precise ser controlado
dentro do âmbito jurídico, eles passam a analisar como se fossem duas situações
distintas e afastadas.
Entretanto, pelos estudos acerca desse tema, o processo penal brasileiro não pode
ignorar essa realidade. Assim, todos os profissionais ligados ao atendimento à essas
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BIBLIOGRAFIA
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