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ITRODUÇÃO
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, PUC-RS, Porto Alegre, RS.
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Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, PUC-RS, Porto Alegre, RS.
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A Comunidade Campestre
empresas da região. Nesse local, existe uma Escola Municipal de Ensino Fundamental que
atende crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Nota Prova Brasil – 2005 Nota Prova Brasil – 2007 IDEB IDEB
2005 2007
Nota Média Nota Média (N x (N x
Língua Língua
Matemática Padronizada Matemática Padronizada P) P)
Portuguesa Portuguesa
(N) (N)
Esc
177,42 163,90 4,33 180,40 162,99 4,37 3,7 3,8
ola
Mu
190,68 184,31 4,95 195,74 176,94 4,92 4,2 4,3
nicípio
Est
188,39 179,48 4,82 200,24 181,45 5,08 4,2 4,6
ado
Quadro 1: Dados da Nota da Prova Brasil de 2005 e 2007, assim como seus
respectivos IDEB.
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IDH ou Índice de Desenvolvimento Urbano é a síntese de quatro indicadores: PIB (Produto Interno Bruto) per capita, a
expectativa de vida, a taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de idade e a taxa de matrícula bruta nos três
níveis de ensino.
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IDI ou Índice de Desenvolvimento da Infância é composto a partir da síntese de quatro indicadores: indicador de
escolaridade dos pais, do acesso das mães ao pré-natal, das taxas de imunização das crianças e taxa de acesso à pré-escola
para crianças de 4 a 6 anos.
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Os dados revelam que, na formação do Parque Campestre, pouco mais de 50% das
famílias pesquisadas provêm de localidades próximas ou têm origem nos municípios
vizinhos. Os números apontam que 25% das famílias são oriundas do Estado do Paraná e
revelam que moravam, durante a infância, na zona rural e tinham que ajudar os pais no
plantio e na colheita dos produtos, com fins de subsistência, o que não lhes permitia
freqüentar assiduamente a escola. Comentam, ainda, que a escola próxima à sua residência
oferecia apenas escolarização até a 4ª série. Para que pudessem continuar seus estudos,
fazia-se necessário caminhar muito, já que não existia transporte escolar coletivo naquela
época. Dessa forma, após concluir os estudos nas séries iniciais, acabavam por se
afastarem da escola.
O pai do meu marido veio do Paraná. Ele mora no Parque Mauá (bairro vizinho
ao Parque Campestre). Meu marido veio com 11 anos para cá. Os filhos eram
grandes e eles não tinham como trabalhar e estudar. Era longe o colégio e aí eles
vieram para cá.
Dessa forma, diante das carências, muitas famílias optaram por residir em outro
Estado, acreditando na oportunidade de ter melhor qualidade de vida. Outros pais
revelaram que houve a necessidade de abandonar os estudos para trabalhar, assim como a
vinda prematura dos filhos e as obrigações familiares, que não lhes permitiram continuar
os estudos.
Segundo o relato dos responsáveis, seus pais, muitas vezes, não puderam lhes
garantir a permanência na escola devido à distância entre a escola e a residência, o que
acabou por precipitar a saída do ambiente escolar. Esses fatos inviabilizaram sua
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Charlot (2000) afirma que o fracasso escolar pode ser pensado como uma diferença
entre alunos e entre estabelecimentos. As crianças, a partir do momento em que participam
do ambiente escolar, convivem com grande número de crianças com faixas etárias distintas
e com concepções de vidas diferenciadas. Devido à tomada de decisão e visão de seus
familiares em suas relações com o mundo, passam a conviver com situações de êxito ou de
fracasso. As situações de êxito determinam as posições ocupadas entre os alunos, no que
diz respeito às notas, às condições de permanência, à compreensão das orientações dos
professores em âmbito escolar. São circunstâncias que indicam o sucesso, num sistema
social hierarquizado. O fracasso é determinado pela falta de compreensão, pela
impossibilidade da garantia de manutenção na escola, quando deveria ser entendido como
um direito conquistado e garantido por lei.
A fala dos pais, no que diz respeito à própria vivência durante o período escolar,
corrobora as idéias de Charlot (1986) quanto às posições diferenciadas assumidas pelos
alunos, diante da impossibilidade de permanência de alguns no ambiente escolar. As
escolhas feitas pelos responsáveis no dia-a-dia permitem alterar ou não as posições que os
alunos assumem frente aos estudos e até mesmo seu envolvimento no processo de
aprendizagem.
No que diz respeito ao ensino da matemática, é possível identificar, nas falas dos
pesquisados, que as lembranças negativas atravessam gerações. A palavra que
primeiramente é associada ao período escolar e às aulas de matemática é “dificuldade”. A
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Sobre isso, Charlot (2000) destaca que o fracasso escolar traduz a experiência, a
vivência e a prática, compreendendo tanto a reprovação dentro de uma determinada série,
quanto o não entendimento de algum conhecimento ou desenvolvimento de competências.
Então a pessoa que ficava comigo, ela tinha até a quarta série e era bem rígida.
Ela fazia todo o dia a tabuada porque eu era bem fraca nisto. Ela ensinava todo
dia. Todo dia ela me explicava.
Se tu não entendesse bem numa conta, tu tinha que tentar até conseguir fazer
aquela conta. Enquanto não terminasse aquela, tu não poderia ir para a outra.
Que nem eu tava ruim em divisão.
Ele aponta que a questão do fracasso recobre tantas coisas e remete a tantos artifícios,
circunstâncias e dificuldades distintas, como é manifestado nas entrevistas com os
integrantes da Comunidade Campestre, que acabam por convergir para questões culturais,
sociais e a reprodução do comportamento familiar. Vale ressaltar que Charlot (1997, p.14)
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concebe o “fracasso escolar, como uma chave que está disponível para interpretar o que
está ocorrendo nas salas de aula, nos estabelecimentos de ensino, em certos bairros e em
certas situações sociais”.
M01 coloca que atualmente ainda sente dificuldades em trabalhar com a adição.
Auxilia a filha mais velha que está na quarta série em seus estudos, inclusive na
matemática, mas comenta que, em sua atividade profissional, faz uso da calculadora para
realizar contagens. Acredita que é importante aprender as quatro operações, pois “para a
vida, esta é muito necessária”. Relata, também, que diz aos seus filhos: “aprendam bem as
‘continhas´, porque não se pode levar a calculadora para qualquer lugar, para resolvê-las”.
Percebe que seus filhos não apresentam a mesma dificuldade que ela em matemática e que,
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até mesmo nas brincadeiras, eles utilizam a matemática. Seguem as palavras de M01,
diante da situação:
O Tiago nas brincadeiras usa a matemática. Ele usa. Eles (Tiago e a irmã) ganharam um
joguinho de vezes e por cores. Daí ele usa bastante assim. Às vezes, até são continhas de
multiplicação. Ele tem que achar a tabuada. Às vezes, eles brincam contando quantas
roupas têm no varal. Quantas roupas são deles, quantas roupas são da irmã. Eles se
desafiam contando até 100, 200... 1000. E a gente (pai e mãe) conta junto para eles não
contarem errado.
As mães deixam transparecer em suas falas que comparam muito a forma como seus
filhos aprendem a matemática atualmente e a forma como ela foi vivenciada. Manifestam a
falta de interesse do professor pela aprendizagem e acreditam que algumas defasagens de
ensino, que ocorreram nas séries iniciais, ainda se fazem presente em suas vidas. A fala da
M03 revela essa situação:
A minha mãe não tinha muito tempo para me ensinar. Então, a pessoa que ficava comigo
ela tinha até a quarta série e era bem rígida. Ela fazia todo o dia a tabuada porque eu era
bem fraca nisto. Ela e ensinava todo dia. Todo dia ela me explicava. De vez e quando
tomava uns tapas porque eu era porque eu era muito desatenta, mas sempre me cobrando.
Sempre em cima assim, principalmente a tabuada porque eu tinha muita dificuldade nisto.
Ainda tenho até hoje. Porque o meu colégio quando eu estudava era lá na Sharlau, ficava
numa mulher lá na Sharlau, o colégio era muito fraco eles deixavam por conta, então ela
tinha que ficar em cima de mim, porque a professora não ficava em cima da gente, ela não
cobrava da gente. Nas outras séries a minha dificuldade foi sempre em matemática, em
relação à matemática. O vezes era o problema. Dividido, multiplicar, menos não era o
problema na 3ª e 4ª série.
Um período de dezesseis anos separa o período escolar vivenciado por essas duas
mães, mas a percepção quanto à forma como o ensino era desenvolvido evidencia situações
comuns. A mãe M04 aponta:
A matemática, para mim, foi bem diferente do que é aqui. Lá era mais difícil. Se tu não
entendesse bem uma conta, tu tinha que tentar até conseguir fazer aquela conta. Enquanto tu
não terminasse aquela, tu não poderia ir para a outra. Que nem eu tava ruim em divisão. Tu
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tinha que ficar em divisão até... Sempre foi assim, pelo menos no colégio que eu estudei era
assim. Para aprender a divisão e a multiplicação, para mim era bem difícil. Eu sempre fui de
matemática pior, para mim era mais difícil entender matemática.
Charlot (2000) chama a atenção para as reproduções das diferenças que o ambiente
escolar patrocina. As diferenças de “capital cultural” e habitus (disposições psíquicas)
delineiam as posições ocupadas pelos próprios filhos na escola. A posição escolar que o
filho ocupa relaciona-se com a posição ocupada pelos pais na sociedade, o que caracteriza
a reprodução das diferenças. Nas palavras de Charlot (2000, p. 20):
Charlot (2000, p.73) argumenta que não só as crianças, mas as famílias incentivam
seus filhos a darem seguimento aos estudos, ao admitirem que: “não é nenhum acaso se os
meninos das famílias populares valorizam ‘o aprender´ que permite ‘virar-se em qualquer
situação´: eles precisam aprender efetivamente o uso de um mundo que não foi organizado
em seu favor”.
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Eles (os pais) diziam que tinha que aprender para ter um futuro melhor. Um emprego
melhor. (M05)
Quando ela (filha) trabalhar, também vai ajudar. Não dá para usar a calculadora em tudo
que é lugar, então, tem que saber dividir, tem que saber fazer continhas. (M06)
Para os pais, a educação dos seus filhos parece assumir grande importância, a partir
do auxílio que eles podem lhes prestar, particularmente quando seu grau de escolaridade ou
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É muito bom. A menina mais velha e a outra fazem conta para ver se não vai
faltar dinheiro para as compras no mercado (11 e 13 anos). (M08).
Sim. Pode manda ele ali no mercadinho, está certinho o troco. Eu acho que ele
aprendeu bastante coisa no colégio. (M06).
As crianças, assim que têm a compreensão necessária para executar tarefas que
podem auxiliar os pais, assumem esses afazeres. Na fala das mães, transparece que o fato
de os filhos poderem contribuir na rotina familiar, como é exposto anteriormente, é um
referencial que elas adotam para medir seu grau de satisfação com a aprendizagem das
crianças na escola, principalmente no ensino da Matemática.
Em suas falas, o ensino propiciado no ambiente escolar possui forte vínculo com o
futuro profissional das crianças. Estuda-se e compreende-se a Matemática, porque esta vai
auxiliar em atividades corriqueiras do dia-a-dia e no trabalho, futuramente.
Ao analisar as profissões dos pais, observa-se que eles exercem empregos que não
exigem formação técnica, envolvendo maior esforço físico do que conhecimento. As
atividades profissionais constituem-se basicamente nos seguintes ramos: indústria - 44%;
comércio - 19%; construção civil - 13%; setor público, transportes, desempregados e não
manifestantes - 6%.
Algumas mães, como M01, M02 e M09, identificaram, em sua profissão, a presença
da matemática. Elas riram e comentaram que, mesmo não gostando da matemática e tendo
dificuldades nesta área, não tiveram como fugir dela em seus empregos. Normalmente, a
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M07 é uma das mães que se encaixam nesse contexto. Ela revela que teve muita
dificuldade em matemática, mas atualmente, em sua atividade profissional, usa a parte da
matemática que envolve “mais” (adição) e consegue desenvolver a sua atividade
profissional com tranqüilidade.
Que nem agora... a matemática antes era mais “continha”. E eu cheguei a estudar
pouco. Daí não cheguei a aprender a matemática de agora. Como é que eles
dizem? A essa matemática..., aquelas contas..., como é que eles dizem? A as
equações! Eu nunca aprendi. Minha família, eles dizem que essa matemática não
tem nada a ver com o trabalho. Essa matemática de escola não tem nada a ver. O
que mais precisa é as contas. E que essa matemática não tem nada a ver com o
trabalho. Eles pedem segundo grau. E estão pedindo o segundo grau para
trabalhar que não tem nada a ver, a matemática com o serviço.
Ah... eu acho que ajuda e elas tinham que se interessar mais ainda. Assim como elas
estavam em casa no final do ano, elas tinham que estar no meio do ano. Eu acho assim que
ajuda. Tudo o que é pro estudo ajuda. Sem estudo vai fazer uma conta, vai num banco, vai
pagar uma conta e muitas vezes têm lugar que te logram né?! – Daí, é que tu vai resolver se
tu não sabe? Meu pai é um..., - ele mal e porcamente sabe escrever o nome dele. Conta, ele
nem sabe fazer!
Outro aspecto que fica evidenciado no depoimento de M04 é o fato de as pessoas que
têm pouca escolaridade estarem sujeitas a serem logradas na hora do troco, do pagamento
de contas e de não terem condições de provar, por desconhecimento, que estão sendo
enganadas.
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Todas as traduções das citações são de responsabilidade da autora.
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Considerações Finais
Assim, a matemática vai tornar-se algo bom e essencial para a sociedade, muito
mais pela busca de explicações e compreensões de maneiras e modos de se lidar
com a realidade, do que sobre o que se vai aprender, já que o seu aprendizado
acontece com muito mais freqüência fora da escola.
A validade dos saberes produzidos por grupos sociais distintos rompe com a idéia de
que o conhecimento só é produzido pelos que dominam a sociedade e possibilita a
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Muitos pais revelam que se sentem incapazes de auxiliar seus filhos na aprendizagem
da matemática. Zaslavsky (1996) aponta como solução o programa Family Math, que
proporciona a capacitação da criança e da família a trabalharem juntos e se divertirem
enquanto desenvolvem juntos variadas atividades matemáticas.
Referências Bibliográficas
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber Elementos para uma teoria.Porto Alegre:
Artmed, 2000.