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Bons Dias!

Machado de Assis

A GÊNESE

No dia 05 de abril de 1888, Machado inicia um novo trabalho: escrever crônicas no


jornal Gazeta de Notícias. Sua função vai até 29 de agosto de 1889, totalizando 49
crônicas. Todas começavam com Bons Dias! e terminavam com Boas Noites.

A Gazeta foi o primeiro de uma série de jornais a venderem seus exemplares de forma avulsa,
na rua. Havia outros destinados a assinantes, como Atalaia e Jornal do Commercio. A Gazeta
era menos engajada politicamente, portanto, a chegada de Machado eleva esse nicho
opinativo, carente ao jornal em questão. A estrutura da Gazeta era destinada a produção
de vários gêneros: 2 páginas destinadas a anúncios publicitários; uma os pedidos e mais duas
destinadas a notícias, informação comercial, reportagens parlamentares, notícias sobre
teatro, artigos de opinião, romances de folhetins e, é claro, crônicas.

OS TEMAS

Os acontecimentos políticos são palco para o olhar aguçado do autor: abolição da escravatura,
relações étnicas, lei áurea, pensamentos imperialistas e republicanos. A visão do autor
era imperialista e escravocrata: “A quem Deus quer destruir, antes lhe tira o Juízo”. Crítica à
medicina popular, ao espiritismo: “O espiritismo é uma fábrica de idiotas e não pode subsistir”;
valorização do positivismo. Além disso, tem-se crônicas sobre o meteoro de Bendegó.

POSICIOMENTO POLÍTICO-SOCIAL

Machado-cronista não tem um propósito de análise psicológica como fez em Brás Cubas ou


Bentinho. Seu posicionamento enquanto romancista é mais ambicioso: deseja compreender a
natureza humana para reformar essa espécie em sua conduta moral. O funcionário da gazeta,
porém, reduz seu espectro de ação e visa anunciar os acontecimentos diários, principalmente
aqueles vinculados a decisões políticas, afinal ele vive na Capital Federal.

Umas das visões desse cronista é reacionária: não aceita a república. O leitor deve estar
surpreso, uma vez que conhece o Machado progressista. O entanto, ele conhece bem
os fazendeiros imprevidentes e cobiçosos do Vale do Paraíba e de outros locais igualmente
sedentos da tomada de poder. Machado parece prever que o Império valia 6, igualmente seria
o valor da República. Logo, a transição de Império para República, seria o equivalente a trocar
6 por meia dúzia. A república será, portanto, oligárquica e federalista, nome bonito para se
dizer regionalista. É nesse contexto que o Brasil se tornará um terreno com topografia
acidentada: São Paulo e Minas como dois vulcões em constante reclame de erupção, cercados
por grandes latifúndios a sustentar a riqueza do café-com-leite.

DEFINIÇÃO

Crônica é a vida cotidiana retratada pelo olhar clínico do jornalista. Trata-se de um novo
modelo textual, um “instrumento novo”, como a entoar uma nova moda, um novo olhar sobre
o rotineiro. Um cronista possui o dom de dar riso a algo grave (tinta da galhofa) ou tornar
sério algo extremamente pitoresco (pena da melancolia).

Os acontecimentos focalizados pelo autor vão do início do século até a Proclamação da


República. Há (vide a linha do tempo abaixo) várias situações que exigiam um gênero ágil, leve,
que discutisse a vida de forma engraçada... enfim, que pudesse circular por entre a “ boca
miúda”, nos botequins, nas esquinas, nas repartições públicas, salões, salas de casas... enfim, a
crônica foi a institucionalização de uma espécie de fofoca, aderida rapidamente por todos.
Machado transita, com prazer, pelo Rio de Janeiro – “Terra de Malcriados, pois fica a meio
caminho da Túnis e da Roça”.

Dada a extensão do texto e sua descontinuidade enquanto gênero ágil, torna impossível dizer
que há um narrador. O que há, de fato, é uma espécie de relojoeiro, pois esse se vale de
um monóculo para ampliação do objeto artístico a que se dedica. Essa ampliação é
a caricatura que Machado faz utilizando sua veia sagaz: ironia.

A Crônica, portanto, é um gênero que se ancora, à moda das charges, em fatos noticiados no


tempo presente. Daí seu nome: crônica, pois se remete a Cronos, deus do tempo. A crônica
está a mercê dos acontecimentos e para dar-lhes ênfase, vale-se da técnica do
expressionismo (exagero, deformação do objeto).

Desta forma, o gênero passa a ser um reflexo do contexto temporal em que está o cronista;
o espelho de sua subjetividade.

OUTRAS CRÔNICAS NA GAZETA

Machado escreveu 475 crônicas, em outras épocas, usando o pseudônimo de Lélio ou João das
Regras. Sua produção, no entanto, era menor quando estava próximo da publicação de seus
famosos romances: 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo.

ESTILO DO NARRADOR-JORNALISTA
Apresenta-se com uma espécie de pseudônimo: Bons dias/Boas Noites. Escreve respeitando
a norma culta; oscila entre a profunda polidez (daí a explicação do título-pseudônimo – Bons
Dias) e a agressão (no fundo, esse cronista é um comentarista de tudo o acontece,
principalmente no Rio de Janeiro, nos fins do Império). Daí o uso de sua principal  figura de
linguagem: ironia. Exemplo: o cronista está irritado com vários acontecimentos e se expressa
como a convidar o leitor para o exercício de análise social: “Agora fale o senhor, que eu não
tenho mais nada a dizer.”

LINHA DO TEMPO

1824 – Lei institui um máximo de 3 escravos por família

1850 – Lei Eusébio de Queirós

1871 – Lei do Ventre Livre

1884 – O senador Dantas propôs uma medida inusitada: libertar os escravos com mais de 60
anos.

1885 – Lei Saraiva-Cotejipe – alguns historiadores dizem que atendeu mais aos escravocratas
que os próprios cativos – O Imperador convoca o Barão de Cotejipe, escravocrata, para forma
um governo

1886 – O Imperador cria uma câmara conservadora (antirreformista), obviamente vitoriosa.

1886 – Ceará e Amazonas já haviam abolido os castigos físicos.

1887 – Antônio Prado e João Alfredo Correia de Oliveira, conservadores, mudam de lado e se
tornam abolicionistas – há fugas, em massa, de escravos.

1888 – Lei Área – Liberta os escravos, mas os insere à uma nova ordem nacional: devem se
vincular ao mundo do trabalho (a escravidão não é a passagem do reino das trevas para a luz,
mas a mudança de uma organização para outra).

1889 – Proclamação da República. A república nasce da Oligarquia, que resulta em uma


mudança de rótulo, pois o povo simples não foi inserido no princípio de res publica.

GALERIA DE FOTOS

 
 

Figura 1 - https://br.pinterest.com/pin/382946774560034525/

 
Figura 2 - http://blog.comuniqueiro.com/2016/07/gazeta-de-noticias-1875-1942-
2007.html?m=0

Figura 3 - https://saopauloantiga.com.br/anuncios-de-escravos/

 
 
LINHA DO TEMPO NA GAZETA DE NOTÍCIAS

Crônica DATA TEMA

1.                   
05-04-1888 Metalinguístico: apresenta o texto dizendo que “não há
nenhum programa”. Só afirma que virá ao jornal “uma vez por
semana”.

Anuncia que será um “relojoeiro”, mas evidencia que os


relógios do mundo marcam “horas diferentes”.

Observação: óbvio – a crônica vive de acontecimentos e não


podemos saber o que acontecerá amanhã.

2.                   
12-04-1888 Critica a política da época dizendo que ele deveria ser
deputado, uma vez que aqui ninguém inventa nada, mas copia
ideias políticas de outros países.

3.                   
19-04-1888 Afirma que a corte carioca é uma “terra de malcriados”, uma
vez que não se trabalha, nem mesmo em época de eleições. É
justamente esse o atrativo da política brasileira: pouco trabalho
e muito salário.

4.                   
27-04-1888 Dialoga com o contexto da abolição da escravatura.

5.                   
04-05-1888 Não retira o chapéu (grosseria) porque está muito constipado
(ironia). O motivo de estar assim, sorumbático é o fato da
Princesa anunciar o fim da escravidão.

Critica a instabilidade dos partidos do Ceará.

6.                   
11-05-1888 Técnica de folhetim: “Vejam os leitores a diferença entre um
homem de olho alerta e o resto da população”. Declara-se
contrário à libertação dos escravos e alinha-se à ideologia do
Império.

7.                   
19-05-1888 Anuncia a liberdade de seu escravo Pancrácio (aquele que tudo
pode – Pan =  tudo; cracio = governo) trata-se de uma crônica
importantíssima pois ironiza o escravo livre: “Tu és livre, podes
ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens
mais um ordenado, um ordenado que...”.

O ordenado era de 6 mil réis, pouco mais do valor de uma


galinha caipira.

“Pancrácio aceitou tudo, aceitou até um peteleco que lhe dei


no dia seguinte, por não me escovar bem as botas”.

Observação: a liberdade não alterou substancialmente a vida


do negro.

Daí o grande final:

“... homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não


são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela,
dizendo ao escravo: és livre, antes que os dizem os poderes
públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de
restaurar a justiça da terra, para a satisfação do céu”.

8.                   
20-05-1888 Intertextualidade bíblica: o cronista parafraseia a missa do dia
17 de maio: “No princípio era Cotejipe, Cotejipe esta com a
Regente e Cotejipe era a Regente”.

Esse trecho mostra que a gênese do Brasil era escravocrata,


mas certa dia, “Passados meses, aconteceu que o espírito da
Regente passou para João Alfredo..”

A ABOLIÇÃO tomava conta do espírito político.

Em 1888: “Tendo a Regete abençoado a João e seus discípulos,


foram estes para a câmara, onde apresentaram o projeto de lei,
que, depois de algumas palavras duras e outras cálidas de
entusiasmo, foi aprovado em meio de flores e aclamações”.

No Maranhão, afirmaram que a lei não valia nada e açoitaram


os negros...

9.                   
17-05-1888 Vale-se do meteorito de Bedengó para, por meio da
personificação, informar a esse “estrangeiro” sobre a questão
política no Brasil. O meteoro responde que Império e República
não são incompatíveis: “A escravidão é a base dos estados
confederados” – seria esse meteoro metáfora de algum
pensamento norte-americano (Lembre-se de que o partido
Republicano americano é escravocrata).

10.               
01-06-1888 Anuncia seu nome, Policarpo, e a natureza de sua educação: foi
amamentado e educado por uma negra (escrava) e, por isso,
justifica-se a escravidão.
11.               
11-06-1888 Crítica a forma pela qual se ascende no serviço público: na
Europa, um imperador concede o título de excelência, aqui,
qualquer pessoa o tem.

12.               
16-06-1888 Critica um trabalhador que pede 2 meses de licença.
Argumento: Deus descansou depois de trabalhar. Resposta
negativa do empregador:
“Conquanto o suplicante não junte documentos do que alega,
é, todavia, de notoriedade pública o seu zelo e prontidão em
bem servir a todos. A licença, porém, só lhe pode se concedida
por um mês”.

(Observação: não havia férias, ainda regulamentadas)

13.               
26-06-1888 “A honestidade é como a chita; há de todo preço”

Trata-se de crítica aos fazendeiros escravocratas que desejavam


criar uma lei indenizatória. O personagem dessa crônica queria
comprovar que perdeu 500 escravos e por isso comprava
papeis de posse (especulação). Custos do investimento: 5
contos. Indenização: 150 contos.

Observação: Machado já sabia que a libertação não melhoria,


em nada, a situação do negro e dos cofres brasileiros...

14.               
06-07-1888 Critica o cargo vitalício dos senadores: “Mas, quanto, Deus da
Misericórdia, quantos estão ali e nunca hão de sair!”,

Havia, nessa época, senadores gerais e houve um projeto de lei


para criar senadores para cada estado (província). Quem criou:
Partido Liberal.

15.               
15-07-1888 Critica a câmara de deputados, pois esta não queria trabalhar
aos sábados, criando assim, uma semana com dois domingos, à
moda dos ingleses. Outra lei: “suspender a sessão em função da
morte de algum membro da casa”,

Em suma: não se trabalha da terra de malcriados.

16.               
19-07-1888 Critica a forma embolada do discurso político: falar como rei
europeu, citando Goethe, convence indígenas. Todo esse
discurso verborrágico tinha um fundamento: criar o sistema
parlamentarista aqui, como na Inglaterra.

O cronista é contra.
 

17.               
29-07-1888 Luis Murar não foi eleito para deputado. Ironia: “que bonita
derrota”. Outra ironia: “é um homem liberto” – não precisa
mais se vender moralmente a um sistema falido.

18.               
07-08-1888 “Crimes em se tornando longos, aborrecem. Os próprios crimes
políticos perdem o sabor, com o tempo; mas enfim, vão
vivendo”.

A crítica consiste em dizer que houve, de fato, mortes. Mas


como não apresentam os culpados, tornam-se crimes supostos
(truques políticos).

Lembrou de Mariele?

19.               
26-08-1888 “Vi a chegada do imperado, as manifestações públicas e gostei
muito!” – posicionamento ideológico: imperialista.

20.               
06-09-1888 O Cronista aconselha a não usar armas na cidade, pois elas são
para caçar na mata. A arma da cidade é a denúncia contra o
parlamentar corrupto; a leitura de críticas reais contra qualquer
um.

A crítica é contra um senador liberal Siqueira Mendes.

21.               
16-09-1888 Crítica ao deputado Liberal Antônio Monteiro Manso que se
recusou a fazer juramento à coroa para tomar posse.

22.               
22-09-1888 Critica a medicina popular por meio do Xarope Cambará.

23.               
22-10-1888 Conta que Guilherme II visitou Pompéia, na Itália. A visita de
Dom Pedro nada significou para o cronista.

24.               
28-10-1888 “Vamos nós vivendo com a nossa polícia. Não será superior,
mas também não é inferior à polícia de Londres, que ainda não
pôde descobrir o assassino e estripador de mulheres”.

Diante da inaptidão da polícia inglesa, o cronista sugere (ironia)


a adoção da polícia irlandesa como referência.

Outro tópico: “O digno Senador Taunay deseja a imigração legal


em larga escala” – isso colaborará para a marginalização da
mão de obra não inclusa na sociedade: a negra.

Havia muitos atrativos para o migrante em detrimento do


negro.

25.               
10-11-1888 Ironia: “Todas as liberdades são irmãs”.

O autor critica a liberdade de legislar em causa própria: o


congresso queria fechar aos sábados, nos dias santos.
Conseguiram. Parece que os pulsos fortes do liberalismo
chegam somente nos homens pobres de nossa república.

26.               
18-11-1888 “O voto secreto agrada o povo, porque lhe dá força para
dissimular o pensamento e olhar com firmeza para os outros”.

Crônica que critica o voto por cabresto: “ É fora de dúvida que,


com o voto público, o caixeiro vota no patrão, o inquilino no
dono da casa, o fiel vota no escrivão, os empregados bancários
votam no gerente, e assim por diante”.

O voto público é a garantia da manutenção de privilégios.

27.               
25-11-1888 Ironia: “nunca tirei o chapéu com tanta melancolia. Tudo é
triste em volta de nós. Creio que chegamos aos fins dos
tempos.”

Critica a “lata de manteiga (propaganda de um país alimentado)


vazia (realidade famélica).

São listados problemas brasileiros: “Mas, como se não bastasse


a falsificação dos comestíveis, temos as mortes súbitas, os tiros
com ou sem endereço, a peste dos burros, a seca do Ceará,
vários desaparecimentos.”

De novo: o fechamento das portas na câmara.

O que não fecha no país: farmácia – metáfora de povo


adoentado.

28.               
17-12-1888 “Posso aparecer?” – o autor ficou 03 semanas sem aparecer,
possivelmente em função de algum romance que estava
finalizando: “Não se cuide que estiva em casa, vadio. Aproveitei
a folga obrigada para compor uma obra, que espero que seja
útil ao meu país”.

Crítica aos políticos e valorização dos escritores: “É sabido que


Deus dá o frio conforme a roupa, não faz o mesmo com as
ideias; há pessoas bem enroupadas e pouco ‘ideadas’”.

A crítica política continua: “Nenhum cidadão pobre, embora de


altos serviços no Estado, mereceu uma distinção qualquer. O
governo não os conhece.  E por que não os conhece? Por que
não os pode corromper”.

29.               
27-12-1888 Crítica ao Visconde de Abaeté, porque ele não contrariava
ninguém: usava o discurso político de quem lhe apertava a
mão. Trata-se do tipo mais abjeto de político existente no país:
o Maria vai-com-as-outras.

30.               
13-01-1889 Aborda um assunto muito falado na Europa: hipnose. Ele diz
que, caso fosse sem ética, usaria esse método para roubar:
bastaria hipnotizar o assaltado e ele não se lembraria de nada.
Logo, não haveria crime. Qual seria o local de assaltos:

“Casa de penhores, ourives, joalheria. Subia ainda aos tribunais


ganhar causas, ia às câmaras legislativas obter votos, ia ao
governo, ia a toda parte.”

Ainda bem que a moda não pegou...pois ele hipnotizaria até


mesmo São Pedro, para entrar no céu.

31.               
21-01-1889 Vai até à cidade de São Sebastião visitar o interior e ver
“homens-tabuleta” a ofertar algo e volta à rua do comércio
carioca, Rua do Ouvidor. Houve um incêndio e um funcionário
salvou o “estandarte” (propaganda de loja) e o livro (livro de
anotações de quem comprava à prazo). Em outras palavras:
quem salva o sistema capitalista: o funcionário.

32.               
26-01-1889 O cronista retoma a temática dos romances: a contradição
humana. Nessa crônica, um sobrinho chora a morte de um tio.
Ele recebe toda a herança daquele... (lembro do amigo de Brás
Cubas, o qual discursou no velório?)

33.               
31-01-1889 Assuntos do momento: febre amarela e General Boulanger,
general francês que queria revanche contra a Alemanha. O
autor ironiza o general pedindo que se recolha, como o cisne.

Quanto à febre amarela:

“A quem afirme que morrem mais de cem pessoas diariamente;


que o obituário é subvertido para não assustar a população”.
Para o cronista, tudo o que se noticia não parece muito sério,
“nem os revólveres que tanta gente traz agora no bolso”.

Única certeza: “Por ora, assalta-me a ideia de que, ainda sem


revólver, a morte aí vem, por seu pé, tranquila, nojenta,
dolorosa, com um outro nome, agitando as asas da liberdade, e
as unhas da grã besta. Madre implacável”.

34.               
06-02-1889 Crítica ao esoterismo:

“- A folhinha de Ayer só dá chuva lá para 20 de fevereiro”.


Quem acredita nele é um “pedaço de asno”.

Outra crítica: Xarope do Bosque – “Juravam pelo xarope do


bosque como um cristão jura por Nosso Senhor. Contavam-se
maravilhas; pessoas mortas voltavam à vida.”

35.               
13-02-1889 “O diabo que entenda os políticos!” – Crítica a César Zama –
Deputado Liberal baiano e a criação da sociedade protetora dos
animais que defendia o cachorro, mas não defendia os burros
que puxavam carroças.

Fim:

“A sociedade não há de fazer tudo ao mesmo tempo”.

E assim caminha a humanidade: com passos de formiga e sem


vontade....(acho que essa música seria a trilha sonora de todo o
processo de formação do Brasil).

36.               
23-02-1889 “Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa ... meu erro não era
de vontade, mas de inteligência”.

O texto critica aqueles liberais que aplicam em bolsas de


valores e descaracterizam que é o dono da empresa:

“- Mas que é então o dono da casa?

- Não há; o dono é o próprio acionista.”

37.               
27-05-1889 É carnaval, mas falta dinheiro para a diversão. Não dá para se
fantasiar de nada...
38.               
07-03-1889 Crítica à influência da língua francesa na cultura brasileira e a
possível adaptação dos verbetes na realidade daqui: croquetes,
bocado de senhoras, robes de chambre, cache-nez, guarda-
cara, focale, reclame, pince-nez, nasóculos...

“Perdão, peti-metrem que já é da nossa língua e do nosso


povo”.

Texto que antecipa o modernismo linguístico da miscigenação


antropofágica.

39.               
19-03-1889 Faleceu, em Portugal, o Conde da Praia da Vitória. Um amigo
mandou rezar-lhe uma missa, mas não revelou seu nome. O
cronista entende esse ato como puro altruísmo, uma vez que
não houve publicidade da caridade.

40.               
22-03-1889 Linguagem modernista – valorização do nacional frente ao
francês:

“Para acudir ao mal, à dificuldade de extrair pela raiz esse


dente dentro o francês, não poderiam usar a mesma palavra,
com uma forma portuguesa? Se à-plomb indica a posição tese e
desempenada da pessoa, dizendo nós “aprumo”, não teremos
dado a nossa fisionomia ao galicismo, para incorporá-lo ao
idioma, já não digo para sempre, mas temporariamente?

41.               
30-03-1889 Problemas que geram crônicas: situações do cotidiano –
Farinha de Pernambuco, Moedas, Galinhas de Santos...

“Mas, principalmente, o que vejo nisto é um pouco de estética.


Tem a Inglaterra a sua libra, a França o seu franco, os Estados
Unidos o seu dólar, por que não teríamos nós a nossa moeda
batizada?”

42.               
20-04-1889 “Imaginem agora o meu assombro, ao ler o artigo em que o
nosso ilustre professor mostra, a todas as luzes,
que Chambre   é um vocábulo condenável por ser francês. Antes
de acabar o artigo, atirei para longe a fatal estrangeirice, e
meti-me num paletó  velho, sem advertir que era da mesma
fábrica. A Ignorância é a mãe de todos os vícios.”

Nessa crônica, novamente, se discute a questão de


nacionalismo linguístico.

43.               
07-06-1889 Critica a questão esotérica ligada ao espiritismo. O espiritismos
é, por si só, algo antipositivista e por isso sofre a virulência do
cronista.

“Lapa está naquele período do espiritismo em que o homem, já


inclinado ao obscuro, dispõe de razão ainda clara e penetrante,
e pode entreter conversações com os espíritos”.

...

“ A segunda fase do espiritismo é muito melhor. Depois de


quatro ou cinco anos (prazo da primeira), começa a pura
demência”>

44.               
14-06-1889 “Jornal antigo é melhor que cemitério”.

O autor critica o jornal antigo porque nele ainda vivem pessoas


que deveria ter morrido: os curandeiros. No entanto, a morte
de um não resolve o problema, pois para cada uma morte
existem 5 vivos. Logo, o curandeirismo é uma forma de
medicina difícil de ser combatida, segundo a crônica.

Eles seriam uma variante dos espíritas.

“Era assim, os curandeiros anunciavam livremente, não se iam


esconder em Niterói, como o célebre caboclo, ninguém os iam
buscar ou prender; punham na imprensa o nome da pessoa, o
número da casa, a aplicação.”

45.               
19-06-1889 Outra crítica política: só se vê choro de político onde há
eleitores.

“Em política (ao menos aqui) só choram os da paróquia na


paróquia, entendendo-se que chorar quer dizer rir. Quem
nasceu no alto mar, faça-se eleger por Tubarões.”

Chorar, no caso, seria o passaporte para a comoção dos


eleitores. Rir, portanto, seria a confirmação da estratégia
eleitoral e o sucesso nas urnas.

46.               
03-08-1889 Metalinguagem:

“Negar que o aumento da tiragem da Gazeta é devido aos meus


cumprimentos, é tapar o sol com a peneira”.

 
O autor critica o próprio jornal que se autoelogia quando
comemora aniversário em vez de retratar “uma porção de
conflitos”.
Por isso ele se autoelogia também.  

47.               
13-08-1889 Sobre o patrão, Lulu Sênior, dono do jornal Gazeta:

“Dizia-me ontem um homem gordo... para quê ocultá-lo?...Lulu


Sênior:

- Você não pode deixar de ser candidato à câmara temporária.”

Para se eleger, o método maquiavélico é infalível:

“- Não te definas, eles conhecem-te; procura-os. Quando o


filhinho de algum vier à sala, pega nele, assenta-o na perna; se
o menino meter o dedo no nariz, acha-lhe graça. E pergunta
para o pai como vai a Senhora. Não ofereças charuto, que pode
parecer corrupção; mas aceita-lhe o que ele te der.”

E por último:

“- Anda, vai-te embora e volta-me deputado.”

O patrão é a síntese de tudo o que foi criticado durante um ano


e meio de crônicas: artificialismo na vida e na política;
pensamento egoísta, distante do bem comum; foco no prestígio
e não na ação política de diminuir o sofrimento alheio.

48.               
22-08-1889 O cronista versa sobre a questão de um pecado capital: inveja.

“Quem nunca invejou não sabe o que é padecer. Eu sou uma


lástima. Não posso ver uma roupinha melhor em outra pessoa,
que não sinta um dente de inveja a morder-me as entranhas”.

Isso também acontece com políticos que desejam tanto o


poder “que o candidato era apresentado pelos três partidos:
liberal, conservador e republicano.

A crônica mostra que não há regularidade ética na política, pois


muda-se de partido a todo momento.
49.               
29-08-1889 Volta-se contra o curandeirismo. Afirma que nenhum desses
charlatães é preso e por isso, a indústria é lucrativa.

Critica também o espiritismo: “O espiritismo não é menos


curandeira que a outra, e é mais grave, porque se o curandeiro
deixa seus clientes estropiados, o espírita deixa-os
simplesmente doidos. O espiritismo é uma fábrica de idiotas e
alienados, que não pode subsistir.”

Final:

“Eu, legislador, mandava fechar todas as portas das Igrejas


dessa religião”.

Atividades
 

            Texto II - 15 de maio de 1892 

Não há abertura de Congresso Nacional, não há festa de Treze de Maio, que resista a uma
adivinhação. A sessão legislativa era esperada com ânsia e será acompanhada com interesse. A
festa de Treze de Maio comemorava uma página da história, uma grande, nobre e pacífica
revolução, com este pico de ser descoberta uma preta Ana ainda escrava, em uma casa de S.
Paulo. Após quatro anos de liberdade, é de se lhe tirar o chapéu. Epimênides também dormiu
por longuíssimos anos, e quando acordou já corria outra moeda; mas dormia sem pancadas. A
preta Ana dormiu na escravidão, não sabendo até ontem que estava livre; mas como o sono da
escravidão só se prolonga com a dormideira do chicote, a preta Ana para não acordar e saber
casualmente que a liberdade começara, bebia de quando em quando a miraculosa poção. O
caso produziu imenso abalo; o telégrafo transmitiu a notícia e todos os nomes.

ASSIS, M. Obras completas. Volume 4: crônicas. São Paulo: Nova Aguilar, 2015. p. 827.

• A charge de Ângelo Agostini e a crônica de Machado de Assis foram produzidas após a


libertação, no Brasil, dos africanos escravizados, apresentando, todavia, modos distintos de
representá-la. Explique por que essa afirmação está correta.

• De acordo com o Dicionário Houaiss, ironia é uma figura de linguagem que pode ser
definida como o “emprego inteligente de contrastes, usada literariamente para criar ou
ressaltar certos efeitos humorísticos”. Localize, no fragmento da crônica, dois exemplos de
ironia que possibilitam ao autor fazer a respectiva crítica à prática da escravidão.

RESPOSTA
• O texto de Ângelo Agostini, famoso chargista do século XIX, aborda o fi m da escravidão numa
perspectiva mais otimista, ainda sob a euforia dos abolicionistas, que, finalmente, tinham dado fim a
essa herança colonial. Já a crônica de Machado de Assis, diferentemente da charge, revela que, mesmo
legalmente proibida, a escravidão ainda continuava presente na sociedade brasileira. Tomando o caso
de uma mulher que ainda vivia em regime de escravidão, o autor, sutilmente, evidencia que, mesmo
após 13 de maio de 1888, o país mantinha a mentalidade escravocrata, dando diferentes condições a
negros e brancos.

• As expressões “é de se lhe tirar o chapéu” e “bebia de quando em quando a miraculosa poção” são
claros exemplos de ironia, pois, em vez de representarem algo positivo no texto, ajudam a expressar a
privação da liberdade e da cidadania de Ana e, simbolicamente, de vários outros negros da sociedade
brasileira após o fim da escravidão.

Exercício 02

Veja a imagem abaixo:


Leia a crônica 10, publicada em 01 de junho de 1888. Logo após, teça um paralelo com a
imagem acima e busque explicar por que o cronista valoriza a escravidão. Em seu texto, após
escrever a visão do cronista, faça um comentário que explicite sua visão sobre o que ele
pensava a respeito do período escravocrata do país.

Exercício 03 - Crônica de 19 de maio de 1888 Machado de Assis

BONS DIAS! 

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou
como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a
história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes
mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos,
mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e
quinhentos, e dei um jantar. Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em
falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três
(anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico. No golpe do meio (coup du
milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e
declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a
liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as
mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que
os homens não podiam roubar sem pecado. Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala,
como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu
sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que
acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso
agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as
lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões.
Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo. No dia seguinte, chamei o
Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza: — Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens
casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que… — Oh! meu senhô!
fico. — … Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu
cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais
alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…

— Artura não qué dizê nada, não, senhô… — Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas
é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha. —
Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou
sete. Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não
escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um
impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele
continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos. Tudo
compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou
outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas
que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre. O meu plano está
feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes,
muito antes de abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato
que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler,
escrever e contar (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os
homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os
que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos,
sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do
céu. 

BOAS NOITES.

Após a leitura do texto anterior, construa uma resenha que busque explicar o estilo crônica,
ressaltando aspectos técnicos do texto e também aspectos temáticos que justifiquem a
escolha do gênero CRÔNICA pelo autor, Machado de Assis.

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