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Machado de Assis
A GÊNESE
A Gazeta foi o primeiro de uma série de jornais a venderem seus exemplares de forma avulsa,
na rua. Havia outros destinados a assinantes, como Atalaia e Jornal do Commercio. A Gazeta
era menos engajada politicamente, portanto, a chegada de Machado eleva esse nicho
opinativo, carente ao jornal em questão. A estrutura da Gazeta era destinada a produção
de vários gêneros: 2 páginas destinadas a anúncios publicitários; uma os pedidos e mais duas
destinadas a notícias, informação comercial, reportagens parlamentares, notícias sobre
teatro, artigos de opinião, romances de folhetins e, é claro, crônicas.
OS TEMAS
Os acontecimentos políticos são palco para o olhar aguçado do autor: abolição da escravatura,
relações étnicas, lei áurea, pensamentos imperialistas e republicanos. A visão do autor
era imperialista e escravocrata: “A quem Deus quer destruir, antes lhe tira o Juízo”. Crítica à
medicina popular, ao espiritismo: “O espiritismo é uma fábrica de idiotas e não pode subsistir”;
valorização do positivismo. Além disso, tem-se crônicas sobre o meteoro de Bendegó.
POSICIOMENTO POLÍTICO-SOCIAL
Umas das visões desse cronista é reacionária: não aceita a república. O leitor deve estar
surpreso, uma vez que conhece o Machado progressista. O entanto, ele conhece bem
os fazendeiros imprevidentes e cobiçosos do Vale do Paraíba e de outros locais igualmente
sedentos da tomada de poder. Machado parece prever que o Império valia 6, igualmente seria
o valor da República. Logo, a transição de Império para República, seria o equivalente a trocar
6 por meia dúzia. A república será, portanto, oligárquica e federalista, nome bonito para se
dizer regionalista. É nesse contexto que o Brasil se tornará um terreno com topografia
acidentada: São Paulo e Minas como dois vulcões em constante reclame de erupção, cercados
por grandes latifúndios a sustentar a riqueza do café-com-leite.
DEFINIÇÃO
Crônica é a vida cotidiana retratada pelo olhar clínico do jornalista. Trata-se de um novo
modelo textual, um “instrumento novo”, como a entoar uma nova moda, um novo olhar sobre
o rotineiro. Um cronista possui o dom de dar riso a algo grave (tinta da galhofa) ou tornar
sério algo extremamente pitoresco (pena da melancolia).
Dada a extensão do texto e sua descontinuidade enquanto gênero ágil, torna impossível dizer
que há um narrador. O que há, de fato, é uma espécie de relojoeiro, pois esse se vale de
um monóculo para ampliação do objeto artístico a que se dedica. Essa ampliação é
a caricatura que Machado faz utilizando sua veia sagaz: ironia.
Desta forma, o gênero passa a ser um reflexo do contexto temporal em que está o cronista;
o espelho de sua subjetividade.
Machado escreveu 475 crônicas, em outras épocas, usando o pseudônimo de Lélio ou João das
Regras. Sua produção, no entanto, era menor quando estava próximo da publicação de seus
famosos romances: 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo.
ESTILO DO NARRADOR-JORNALISTA
Apresenta-se com uma espécie de pseudônimo: Bons dias/Boas Noites. Escreve respeitando
a norma culta; oscila entre a profunda polidez (daí a explicação do título-pseudônimo – Bons
Dias) e a agressão (no fundo, esse cronista é um comentarista de tudo o acontece,
principalmente no Rio de Janeiro, nos fins do Império). Daí o uso de sua principal figura de
linguagem: ironia. Exemplo: o cronista está irritado com vários acontecimentos e se expressa
como a convidar o leitor para o exercício de análise social: “Agora fale o senhor, que eu não
tenho mais nada a dizer.”
LINHA DO TEMPO
1884 – O senador Dantas propôs uma medida inusitada: libertar os escravos com mais de 60
anos.
1885 – Lei Saraiva-Cotejipe – alguns historiadores dizem que atendeu mais aos escravocratas
que os próprios cativos – O Imperador convoca o Barão de Cotejipe, escravocrata, para forma
um governo
1887 – Antônio Prado e João Alfredo Correia de Oliveira, conservadores, mudam de lado e se
tornam abolicionistas – há fugas, em massa, de escravos.
1888 – Lei Área – Liberta os escravos, mas os insere à uma nova ordem nacional: devem se
vincular ao mundo do trabalho (a escravidão não é a passagem do reino das trevas para a luz,
mas a mudança de uma organização para outra).
GALERIA DE FOTOS
Figura 1 - https://br.pinterest.com/pin/382946774560034525/
Figura 2 - http://blog.comuniqueiro.com/2016/07/gazeta-de-noticias-1875-1942-
2007.html?m=0
Figura 3 - https://saopauloantiga.com.br/anuncios-de-escravos/
LINHA DO TEMPO NA GAZETA DE NOTÍCIAS
1.
05-04-1888 Metalinguístico: apresenta o texto dizendo que “não há
nenhum programa”. Só afirma que virá ao jornal “uma vez por
semana”.
2.
12-04-1888 Critica a política da época dizendo que ele deveria ser
deputado, uma vez que aqui ninguém inventa nada, mas copia
ideias políticas de outros países.
3.
19-04-1888 Afirma que a corte carioca é uma “terra de malcriados”, uma
vez que não se trabalha, nem mesmo em época de eleições. É
justamente esse o atrativo da política brasileira: pouco trabalho
e muito salário.
4.
27-04-1888 Dialoga com o contexto da abolição da escravatura.
5.
04-05-1888 Não retira o chapéu (grosseria) porque está muito constipado
(ironia). O motivo de estar assim, sorumbático é o fato da
Princesa anunciar o fim da escravidão.
6.
11-05-1888 Técnica de folhetim: “Vejam os leitores a diferença entre um
homem de olho alerta e o resto da população”. Declara-se
contrário à libertação dos escravos e alinha-se à ideologia do
Império.
7.
19-05-1888 Anuncia a liberdade de seu escravo Pancrácio (aquele que tudo
pode – Pan = tudo; cracio = governo) trata-se de uma crônica
importantíssima pois ironiza o escravo livre: “Tu és livre, podes
ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens
mais um ordenado, um ordenado que...”.
8.
20-05-1888 Intertextualidade bíblica: o cronista parafraseia a missa do dia
17 de maio: “No princípio era Cotejipe, Cotejipe esta com a
Regente e Cotejipe era a Regente”.
9.
17-05-1888 Vale-se do meteorito de Bedengó para, por meio da
personificação, informar a esse “estrangeiro” sobre a questão
política no Brasil. O meteoro responde que Império e República
não são incompatíveis: “A escravidão é a base dos estados
confederados” – seria esse meteoro metáfora de algum
pensamento norte-americano (Lembre-se de que o partido
Republicano americano é escravocrata).
10.
01-06-1888 Anuncia seu nome, Policarpo, e a natureza de sua educação: foi
amamentado e educado por uma negra (escrava) e, por isso,
justifica-se a escravidão.
11.
11-06-1888 Crítica a forma pela qual se ascende no serviço público: na
Europa, um imperador concede o título de excelência, aqui,
qualquer pessoa o tem.
12.
16-06-1888 Critica um trabalhador que pede 2 meses de licença.
Argumento: Deus descansou depois de trabalhar. Resposta
negativa do empregador:
“Conquanto o suplicante não junte documentos do que alega,
é, todavia, de notoriedade pública o seu zelo e prontidão em
bem servir a todos. A licença, porém, só lhe pode se concedida
por um mês”.
13.
26-06-1888 “A honestidade é como a chita; há de todo preço”
14.
06-07-1888 Critica o cargo vitalício dos senadores: “Mas, quanto, Deus da
Misericórdia, quantos estão ali e nunca hão de sair!”,
15.
15-07-1888 Critica a câmara de deputados, pois esta não queria trabalhar
aos sábados, criando assim, uma semana com dois domingos, à
moda dos ingleses. Outra lei: “suspender a sessão em função da
morte de algum membro da casa”,
16.
19-07-1888 Critica a forma embolada do discurso político: falar como rei
europeu, citando Goethe, convence indígenas. Todo esse
discurso verborrágico tinha um fundamento: criar o sistema
parlamentarista aqui, como na Inglaterra.
O cronista é contra.
17.
29-07-1888 Luis Murar não foi eleito para deputado. Ironia: “que bonita
derrota”. Outra ironia: “é um homem liberto” – não precisa
mais se vender moralmente a um sistema falido.
18.
07-08-1888 “Crimes em se tornando longos, aborrecem. Os próprios crimes
políticos perdem o sabor, com o tempo; mas enfim, vão
vivendo”.
Lembrou de Mariele?
19.
26-08-1888 “Vi a chegada do imperado, as manifestações públicas e gostei
muito!” – posicionamento ideológico: imperialista.
20.
06-09-1888 O Cronista aconselha a não usar armas na cidade, pois elas são
para caçar na mata. A arma da cidade é a denúncia contra o
parlamentar corrupto; a leitura de críticas reais contra qualquer
um.
21.
16-09-1888 Crítica ao deputado Liberal Antônio Monteiro Manso que se
recusou a fazer juramento à coroa para tomar posse.
22.
22-09-1888 Critica a medicina popular por meio do Xarope Cambará.
23.
22-10-1888 Conta que Guilherme II visitou Pompéia, na Itália. A visita de
Dom Pedro nada significou para o cronista.
24.
28-10-1888 “Vamos nós vivendo com a nossa polícia. Não será superior,
mas também não é inferior à polícia de Londres, que ainda não
pôde descobrir o assassino e estripador de mulheres”.
25.
10-11-1888 Ironia: “Todas as liberdades são irmãs”.
26.
18-11-1888 “O voto secreto agrada o povo, porque lhe dá força para
dissimular o pensamento e olhar com firmeza para os outros”.
27.
25-11-1888 Ironia: “nunca tirei o chapéu com tanta melancolia. Tudo é
triste em volta de nós. Creio que chegamos aos fins dos
tempos.”
28.
17-12-1888 “Posso aparecer?” – o autor ficou 03 semanas sem aparecer,
possivelmente em função de algum romance que estava
finalizando: “Não se cuide que estiva em casa, vadio. Aproveitei
a folga obrigada para compor uma obra, que espero que seja
útil ao meu país”.
29.
27-12-1888 Crítica ao Visconde de Abaeté, porque ele não contrariava
ninguém: usava o discurso político de quem lhe apertava a
mão. Trata-se do tipo mais abjeto de político existente no país:
o Maria vai-com-as-outras.
30.
13-01-1889 Aborda um assunto muito falado na Europa: hipnose. Ele diz
que, caso fosse sem ética, usaria esse método para roubar:
bastaria hipnotizar o assaltado e ele não se lembraria de nada.
Logo, não haveria crime. Qual seria o local de assaltos:
31.
21-01-1889 Vai até à cidade de São Sebastião visitar o interior e ver
“homens-tabuleta” a ofertar algo e volta à rua do comércio
carioca, Rua do Ouvidor. Houve um incêndio e um funcionário
salvou o “estandarte” (propaganda de loja) e o livro (livro de
anotações de quem comprava à prazo). Em outras palavras:
quem salva o sistema capitalista: o funcionário.
32.
26-01-1889 O cronista retoma a temática dos romances: a contradição
humana. Nessa crônica, um sobrinho chora a morte de um tio.
Ele recebe toda a herança daquele... (lembro do amigo de Brás
Cubas, o qual discursou no velório?)
33.
31-01-1889 Assuntos do momento: febre amarela e General Boulanger,
general francês que queria revanche contra a Alemanha. O
autor ironiza o general pedindo que se recolha, como o cisne.
34.
06-02-1889 Crítica ao esoterismo:
35.
13-02-1889 “O diabo que entenda os políticos!” – Crítica a César Zama –
Deputado Liberal baiano e a criação da sociedade protetora dos
animais que defendia o cachorro, mas não defendia os burros
que puxavam carroças.
Fim:
36.
23-02-1889 “Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa ... meu erro não era
de vontade, mas de inteligência”.
37.
27-05-1889 É carnaval, mas falta dinheiro para a diversão. Não dá para se
fantasiar de nada...
38.
07-03-1889 Crítica à influência da língua francesa na cultura brasileira e a
possível adaptação dos verbetes na realidade daqui: croquetes,
bocado de senhoras, robes de chambre, cache-nez, guarda-
cara, focale, reclame, pince-nez, nasóculos...
39.
19-03-1889 Faleceu, em Portugal, o Conde da Praia da Vitória. Um amigo
mandou rezar-lhe uma missa, mas não revelou seu nome. O
cronista entende esse ato como puro altruísmo, uma vez que
não houve publicidade da caridade.
40.
22-03-1889 Linguagem modernista – valorização do nacional frente ao
francês:
41.
30-03-1889 Problemas que geram crônicas: situações do cotidiano –
Farinha de Pernambuco, Moedas, Galinhas de Santos...
42.
20-04-1889 “Imaginem agora o meu assombro, ao ler o artigo em que o
nosso ilustre professor mostra, a todas as luzes,
que Chambre é um vocábulo condenável por ser francês. Antes
de acabar o artigo, atirei para longe a fatal estrangeirice, e
meti-me num paletó velho, sem advertir que era da mesma
fábrica. A Ignorância é a mãe de todos os vícios.”
43.
07-06-1889 Critica a questão esotérica ligada ao espiritismo. O espiritismos
é, por si só, algo antipositivista e por isso sofre a virulência do
cronista.
...
44.
14-06-1889 “Jornal antigo é melhor que cemitério”.
45.
19-06-1889 Outra crítica política: só se vê choro de político onde há
eleitores.
46.
03-08-1889 Metalinguagem:
O autor critica o próprio jornal que se autoelogia quando
comemora aniversário em vez de retratar “uma porção de
conflitos”.
Por isso ele se autoelogia também.
47.
13-08-1889 Sobre o patrão, Lulu Sênior, dono do jornal Gazeta:
E por último:
48.
22-08-1889 O cronista versa sobre a questão de um pecado capital: inveja.
Final:
Atividades
Não há abertura de Congresso Nacional, não há festa de Treze de Maio, que resista a uma
adivinhação. A sessão legislativa era esperada com ânsia e será acompanhada com interesse. A
festa de Treze de Maio comemorava uma página da história, uma grande, nobre e pacífica
revolução, com este pico de ser descoberta uma preta Ana ainda escrava, em uma casa de S.
Paulo. Após quatro anos de liberdade, é de se lhe tirar o chapéu. Epimênides também dormiu
por longuíssimos anos, e quando acordou já corria outra moeda; mas dormia sem pancadas. A
preta Ana dormiu na escravidão, não sabendo até ontem que estava livre; mas como o sono da
escravidão só se prolonga com a dormideira do chicote, a preta Ana para não acordar e saber
casualmente que a liberdade começara, bebia de quando em quando a miraculosa poção. O
caso produziu imenso abalo; o telégrafo transmitiu a notícia e todos os nomes.
ASSIS, M. Obras completas. Volume 4: crônicas. São Paulo: Nova Aguilar, 2015. p. 827.
• De acordo com o Dicionário Houaiss, ironia é uma figura de linguagem que pode ser
definida como o “emprego inteligente de contrastes, usada literariamente para criar ou
ressaltar certos efeitos humorísticos”. Localize, no fragmento da crônica, dois exemplos de
ironia que possibilitam ao autor fazer a respectiva crítica à prática da escravidão.
RESPOSTA
• O texto de Ângelo Agostini, famoso chargista do século XIX, aborda o fi m da escravidão numa
perspectiva mais otimista, ainda sob a euforia dos abolicionistas, que, finalmente, tinham dado fim a
essa herança colonial. Já a crônica de Machado de Assis, diferentemente da charge, revela que, mesmo
legalmente proibida, a escravidão ainda continuava presente na sociedade brasileira. Tomando o caso
de uma mulher que ainda vivia em regime de escravidão, o autor, sutilmente, evidencia que, mesmo
após 13 de maio de 1888, o país mantinha a mentalidade escravocrata, dando diferentes condições a
negros e brancos.
• As expressões “é de se lhe tirar o chapéu” e “bebia de quando em quando a miraculosa poção” são
claros exemplos de ironia, pois, em vez de representarem algo positivo no texto, ajudam a expressar a
privação da liberdade e da cidadania de Ana e, simbolicamente, de vários outros negros da sociedade
brasileira após o fim da escravidão.
Exercício 02
BONS DIAS!
Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou
como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a
história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes
mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos,
mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e
quinhentos, e dei um jantar. Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em
falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três
(anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico. No golpe do meio (coup du
milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e
declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a
liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as
mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que
os homens não podiam roubar sem pecado. Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala,
como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu
sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que
acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso
agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as
lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões.
Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo. No dia seguinte, chamei o
Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza: — Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens
casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que… — Oh! meu senhô!
fico. — … Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu
cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais
alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…
— Artura não qué dizê nada, não, senhô… — Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas
é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha. —
Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou
sete. Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não
escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um
impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele
continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos. Tudo
compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou
outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas
que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre. O meu plano está
feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes,
muito antes de abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato
que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler,
escrever e contar (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os
homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os
que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos,
sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do
céu.
BOAS NOITES.
Após a leitura do texto anterior, construa uma resenha que busque explicar o estilo crônica,
ressaltando aspectos técnicos do texto e também aspectos temáticos que justifiquem a
escolha do gênero CRÔNICA pelo autor, Machado de Assis.