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22/11/2021 14:34 A Ku Klux Klan era uma associação patronal

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10/08/2021
AMÉRICA DO NORTE/ ANÁLISE
POLÍTICA / TRABALHO

A Ku Klux Klan era uma associação


patronal
POR
CHAD PEARSON
TRADUÇÃO

MARCO TÚLIO

A KKK deve ser entendida não apenas como uma


organização supremacista branca, mas como uma
organização patronal que resistiu violentamente às
conquistas emancipatórias da Guerra Civil e procurou
manter as massas trabalhadoras negras submissas.
GRAVURA DA DÉCADA DE 1860 MOSTRANDO DOIS MEMBROS DO KLU KLUX KLAN VESTINDO CAPUZ E
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Karl Marx lutou pela liberdade


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É melhor deixar John Locke na lata de lixo da História


John Quiggin

A
Guerra Civil revolucionou as relações de trabalho no sul dos
Estados Unidos. Pessoas escravizadas fugiram das
plantações, pegaram em armas contra seus brutais
exploradores e forjaram novos horizontes políticos. O futuro
parecia promissor.

Para os proprietários de plantações, no entanto, essa transformação foi um


pesadelo – os trabalhadores que mantiveram em cativeiro realizaram uma
“greve geral,” como W. E. B. Du Bois lembrou, deixando-os financeiramente
vulneráveis e intensamente agitados. Este grupo racista e revanchista não se
limitou a lamentar as suas derrotas — eles se organizaram.

Ao longo dos anos da Reconstrução, a maior parte da classe dominante dos


donos de plantação sulistas resistiu ferozmente ao florescimento da liberdade
entre os pretos. Leis restritivas, as políticas pró-latifundiários de plantações
do presidente Andrew Johnson, motins racistas em Memphis e Nova Orleans,

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e, acima de tudo, o terrorismo generalizado da Ku Klux Klan demonstraram


brutalmente os limites da emancipação. Liderada pelos ex-proprietários de
escravos, a Klan usou várias formas de violência para impedir que os negros
votassem ou frequentassem escolas, intimidar “carpetbaggers” [oportunistas,
aventureiros] do norte e assegurar, de acordo com um documento sem data da
Klan, que pessoas libertas “continuassem no seu trabalho apropriado.”

Ramos da Klan, distribuídos desigualmente em muitas partes do sul do país,


prometeram abordar os problemas trabalhistas mais prementes dos donos de
plantações. Depois de aprender sobre a organização, Nathan Bedford Forrest
– ex-comerciante de escravos, líder do massacre na batalha de Fort Pillow em
1864, e o primeiro Grand Wizard [líder] da Klan — expressou sua aprovação
acerca dos segredos, atividades e objetivos da organização: “Isso é uma coisa
boa; isso é uma coisa muito boa. Podemos usar isso para manter os negros no
lugar deles.”

Não foi uma tarefa fácil “mante-los em seu lugar”  — os negros abandonavam
avidamente as fazendas e plantações, causando uma escassez generalizada de
força de trabalho. Alfred Richardson, um negro da Geórgia, observou que os
donos de plantações permaneceram profundamente frustrados porque eram
incapazes “de fazer a colheita.” No entanto, a KKK provou ser um dos
melhores instrumentos para os patrões no sul imporem violentamente sua
vontade.

Os problemas trabalhistas dos donos da


plantações

D
urante décadas, os historiadores debateram a melhor forma
de caracterizar a KKK, uma organização terrorista
supremacista branca criada por veteranos confederados que
surgiu pela primeira vez em Pulaski, Tennessee, em 1866,

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antes de se espalhar pelo sul dos EUA. Centenas de milhares de latifundiários


passaram a fazer parte, embora obter um número exato de membros efetivos é
praticamente impossível devido ao hiper-sigilo da organização.

No entanto, muitas informações são conhecidas: os membros da Klan eram


intimamente ligados ao Partido Democrata e usaram a violência —
chicoteamentos, enforcamentos, afogamentos, violência sexual, campanhas de
expulsão – contra negros “insubordinados” e republicanos de todas as cores.
Membros da Klan usavam também formas de repressão “mais leves”,
incluindo a queima de livros e denúncias de professores vindos do norte do
país. Às vezes eles se mobilizavam para impedir que os negros tivessem acesso
à educação formal. De acordo com Z. B. Hargrove, da Geórgia, os membros da
Klan ocasionalmente chicoteavam pessoas libertas “por parecerem
inteligentes.”

O racismo unia os membros brancos da Klan independentemente das


diferenças de classe, mas nem todos tinham o mesmo papel na organização. A
liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações,
advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados
pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados
do sul e com uma tendência a queda da posição social.

Esses homens estavam enfurecidos com a sua posição econômica em declínio e


a ascensão de homens negros em posições com poder político.  O líder da Klan
na Carolina do Norte, Randolph Abbott Shotwell, reclamou que homens
negros recém-empoderados ajudaram o governo federal a derrubar “os
direitos dos mestres” e a “prejudicar” uma grande proporção dos “melhores e
mais hábeis homens da raça naturalmente dominada.”

Elites ressentidas como Shotwell e Forrest estavam determinadas a


restabelecer o seu poder. Evidências abundantes sugerem que a Klan da era da
Reconstrução funcionava como uma associação de patrões com objetivos que,
de alguma forma, se assemelhavam aos objetivos de outras organizações
empresariais anti-sindicato.

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Afro-americanos que haviam sido escravizados participando de uma eleição


em Nova Orleans, 1867. (Wikimedia Commons)
Os líderes da Klan exigiam que as massas negras desempenhassem apenas uma
função: trabalhar de formas cansativas e brutalmente intensas que se
assemelhavam à vida nas plantações pré-Guerra Civil. A organização buscava
impedir que os negros abandonassem os locais de trabalho, participassem de
reuniões políticas, fossem atrás de educação formal, tivessem acesso a armas
de fogo ou participassem de organizações destinadas a desafiar seus
exploradores. Como um observador da Geórgia disse a um comitê de
investigação do Congresso em 1871, “eu acho que seu propósito é controlar o
governo do Estado e controlar o trabalho dos negros, o mesmo que eles faziam
sob a escravidão”.

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A liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações,


advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados
pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados
do sul e com uma tendência a queda da posição social.

Enquanto os membros da Klan insistiam que as massas negras gastassem todas


as suas horas de vigília plantando e colhendo, muitos se recusaram a acreditar
que esses mesmos trabalhadores mereciam os benefícios financeiros de seus
esforços. De acordo com Relatório de 1871 do Tennessee, frequentemente “o
empregador cria alguma desculpa e falha com o trabalhador, que é forçado a
deixar sua colheita e abandonar seu salário pelo terror da Ku Klux Klan, que,
em todos os casos, simpatiza com os empregadores brancos”. Esse casos
assemelhavam-se mais à escravidão do que o sistema de trabalho livre
prometido pela emancipação.

A Klan como uma associação de patrões

P
oucos estudiosos rotulam a Klan como uma associação de
patrões e a maioria dos historiadores ignoram a Reconstrução
no sul dos EUA. O importante livro de Clarence Bonnett em
1922, Associações patronais nos Estados Unidos: um estudo de
associações típicas [Employers’ Associations in the United States: A Study of
Typical Associations], não cita a Klan, se focando exclusivamente nas
organizações do final do século XIX no norte do país que buscavam conter o
crescentemente e rebelde movimento sindical.

No entanto, a definição de Bonnett é flexível, permitindo-nos aplicá-la às


ações das organizações milicianas da Reconstrução: “Uma associação de
empregadores é um grupo que é composto ou fomentado pelos empregadores e que
promove o interesse dos empregadores em questões trabalhistas. O grupo é,
portanto, ou (1) uma organização formal ou informal dos empregadores, ou (2)

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uma coleção de indivíduos cujo agrupamento é fomentado pelos


empregadores.”

É claro que os membros da Klan da


época da Reconstrução e as
associações de patrões da era
Progressista enquadraram suas
respectivas questões trabalhistas de
forma bastante diferente. Enquanto os
membros das organizações de patrões
do norte e das “alianças de cidadãos”
defendiam a liberdade que os
trabalhadores industriais
supostamente gozavam (ou seja, não se
juntarem aos sindicatos), os membros
da Klan não tinham nenhum interesse
em tentar ganhar legitimidade entre as
massas negras.

Isto não quer dizer que as associações


patronais do norte aceitavam
explosões de rebeldia dos
trabalhadores. Eles também usavam
técnicas coercitivas, incluindo guardas
privados e sequestros, espancamentos
e enforcamentos, e se beneficiavam das rápidas intervenções da polícia e da
Guarda Nacional. No entanto, retoricamente, as associações de empregadores
da era Progressista empregavam muitas vezes a linguagem lincolnesca de
“trabalho livre”, sinalizando para as massas de trabalhadores “livres” que eles
estariam melhores trabalhando diligentemente e cooperando com seus chefes.
Aqueles que optaram por caminhos mais conflituosos muitas vezes foram
despedidos e denunciados – métodos coercivos, sem dúvida, mas muito
diferente do que o que os antigos escravos experimentaram.

Os membros da Klan falavam a linguagem sem verniz do domínio racial e de


classe — e seguiram com extrema brutalidade. Se medirmos o número de
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mortes e espancamentos, a Klan foi muito mais violenta do que a maioria das
associações patronais sediadas no norte. O historiador Stephen Budiansky
calculou que as milícias brancas mataram mais de três mil pessoas durante o
período da Reconstrução.

Os membros da Klan eram, no entanto, estratégicos, empregando ameaças,


sequestros e chicoteamentos para alcançar os principais objetivos das classes
dominantes do sul do país. Isso significava manter as pessoas libertas longe do
voto, dissolver reuniões políticas, e assassinar os homens e mulheres mais
irremediavelmente rebeldes. O historiador Douglas Egerton enfatizou  que
“os justiceiros brancos não atacavam as pessoas negras apenas por serem
negras”. Em vez disso, eles usavam intimidação e violência contra os homens e
mulheres que consideravam indisciplinados, não confiáveis, desrespeitosos e
insolentes.

Ações macabras como chicoteamentos e enforcamentos públicos serviram às


necessidades da administração, ajudando a disciplinar um número incontável
de trabalhadores. O dono de plantações de algodão Robert Philip Howell, do
Mississippi, por exemplo, expressou sua admiração pela Klan, porque seus
membros ajudaram a resolver seus problemas com “negros livres” em 1868:
“se não fosse por seu medo mortal da Ku Klux, eu não acho que poderíamos ter
lidado com eles tão bem quanto fizemos.”

Nem o fato de que os brancos pobres e da classe trabalhadora participam nas


filiais da Klan significa que não devemos considerar a KKK como uma
organização patronal – ter o controle sobre os trabalhadores quase sempre
envolveu a coordenação de grupos participantes de diversas classes. Afinal de
contas, a maioria das associações patronais do norte não teria conseguido
quebrar greves e derrubar sindicatos sem as mobilizações de fura-greves
durante os conflitos industriais.

A Klan era uma associação de patrões particularmente perversa,


particularmente racista – mas ainda assim era uma associação de patrões. E foi
brutalmente eficaz.

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O medo cerceou a classe trabalhadora agrícola. Embora as pessoas pretas não


fossem mais “propriedade” no sul do país, a ameaça da violência organizada
pela Klan crescia enormemente. Muitos erros, incluindo formas sutis e abertas
de insubordinação, poderiam levar a encontros indesejados com homens
encapuzados, seguido por ameaças, espancamentos e até mesmo a morte. Os
membros da Klan eram os executores ferozes das ações patronais, garantindo
que as massas mantivessem a cabeça baixa e trabalhassem eficientemente.

Algumas pessoas libertas se juntaram a organizações de resistência como as


Union Leagues [Ligas da União]. Essas organizações aliadas aos Republicanos
eram ativas em Estados como o Alabama, onde seus membros realizavam
reuniões, mobilizavam eleitores e muitas vezes se armavam — atividades
muito além das funções tidas como “apropriadas” em seus locais de trabalho.

Em resposta, os membros da Klan conspiraram uns com os outros para


invadirem as casas dos participantes das Ligas, chicoteando os moradores,
roubando suas armas e exigindo que eles ficassem longe das mesas de votação.
Pouparam vidas apenas quando os seus alvos prometeram abandonar as Ligas.
Só no Alabama, os membros da Klan assassinaram cerca de quinze
participantes entre 1868 e 1871.

“Contrarrevolução da propriedade”

A
ssegurar que os negros continuassem presos (literalmente) às
fazendas, plantações e outros locais de trabalho, enquanto
recebiam pouca compensação, foi um dos objetivos centrais
das elites sulistas — as mesmas pessoas que se beneficiavam
da escravidão antes da Guerra Civil. Enquanto os brancos de todas as classes se
juntaram aos ramos da Klan – e participaram com vontade dos ataques contra
professores do norte, administradores do Freedom Bureau [Escritório da
Liberdade] e membros da Union League — eram as elites que tomavam as
decisões

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Esta foi uma “contrarrevolução da propriedade”, como notoriamente pontuou


W. E. B. Du Bois. Ele escreveu que os reformadores da era da Reconstrução
não conseguiram proporcionar uma verdadeira liberdade aos ex-escravos
parcialmente “porque a junta militar por trás do trabalho não funcionou com
sucesso frente a Ku Klux Klan”. Tal como as associações patronais com sede no
norte, a KKK lutou pelos interesses dos membros mais poderosos da sociedade
– disseminando a violência e o terror em nome dos patrões no campo.

Devemos apreciar os enormes avanços emancipatórios da Guerra Civil sem


perder de vista os caminhos que a classe dominante do sul do país lutou para se
agarrar ao poder. Eles fizeram isso, em parte, mantendo papéis de liderança na
Klan e apoiando ativamente as numerosas organizações de justiceiros racistas
que exigiam a subordinação dos trabalhadores.

Destacando os seus interesses fundamentais de classe, podemos compreender


melhor as razões dos seus atos estratégicos de terror. Estes homens perderam
talvez o conflito mais significativo pela democracia na história dos EUA —
mas não cessaram de lutar contra as forças da libertação.

Sobre os autores

CHAD PEARSON é professor de história no Collin College. Ele está


terminando um livro chamado Capital's Terrorists: Klansmen, Lawmen, and
Employers in the Long Nineteenth Century [Os Terroristas do Capital: Klan,
homens da lei e patrões no longo século XIX], a ser lançado pela University
of North Carolina Press.

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