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MENTE, 

CÉREBRO E CIÊNCIA 
John Searle

BIBLIOTECA DE FILOSOFIA CONTEMPORANEA

Uma colecção que se pretende aberta a todas as correntes do pensamento 
filosófico actual,
congregando os autores mais significativos e abarcando os grandes polos da 
filosofia actual: filosofia da linguagem, hermenêutica, epistemologia e outros
BIBLIOTECA DE FILOSOFIA CONTEMPORANEA

1. MENTE, CÉREBRO E CIÊNCIA, John Searle
2. TEORIA DA INTERPRETAÇÃO, Paul Ricoeur
3. TÉCNICA E CIÊNCIA COMO «IDEOLOGIA», Jurgen Habermas
4. ANOTAÇõES SOBRE AS CORES, Ludwig Wittgenstein
5, TOTALIDADE E INFINITO, Emmanuel Levínas
6. AS AVENTURAS DA DIFErENÇA, Gianni Vattimo
7. ÉTICA E INFINITO, Ernmanuel Levinas
8. 0 DISCURSO DE ACÇÃO, Paul Ricoeur
9. A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO, Martin Heidegger
10. A TENSÃO ESSENCIAL, Thornas S. Kuhn
11. FICHAS (ZETTEL), Ludwig Wittgenstein
12. A ORIGEM DA OBRA DE ARTE, Martin Heidegger
13. DA CERTEZA, Ludwig Wittgenstein
14. A MÃO E 0 ESPIRITO, Jean Brun
15. ADEUS À RAZÃO, Paul Feyerabend
16. TRANSCEDÊNCIA E INTERLIGIBILIDADE, Ernmanuel Levinas
18. IDEOLOGIA E UTOPIA, Paul Ricoeur
19. 0 LIVRO AZUL, Ludwig Wittgenstein
20. 0 LIVRO CASTANHO, Ludwig Wittgenstein
21. QUE É UMA COISA?, Martin Heidegger
22. CULTURA E VALOR, Ludwig Wittgenstein
23. A VOZ E 0 FENóMENO, Jacques Derrida
24. 0 CONHECIMENTO E 0 PROBLEMA CORPO­MENTE, Karl R. Popper
25. A CRíTICA E A CONVICÇÃO, Paul Ricoeur
MENTE CÉREBRO E CIÊNCIA
Título original: Minds, Brains and Science

John R. Searle, 1984

Tradução: Artur Morão

Capa de Jorge Machado Dias

Todos os direitos reservados para a língua portuguesa
por Edições 70, Lda. / Lisboa /Portugal

EDIÇõES 70, Lda. Rua Luciano Cordeiro, 123­2’ Esq. ­ 1050 Lisboa

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de procedimento judicial.
john Searle

MENTE cérebro e CIÊNCIA

edições 70
INTRODUÇÃO
*/*
Fo @para,@,úm         grande honra ser convidado para dar a    ith    tureXe 
1984. Desde que Bertrand Russell iniciou a série em 1984, estas são as primeiras
dadas por um filósofo.

Mas, se dar as lições é uma honra, constitui também um desafio. A série ideal 
das Reith Lectures devia consistir em seis unidades radiofónicas, cada uma com a
duração exacta de meia hora e constituindo uma entidade autónoma que pode valer 
por si mesma, contribuindo, no entanto, para um todo unificado composto por 
seis. A série deveria tazer­se com base no trabalho prévio do confèrencista, mas
ao mesmo tempo deveria conter material novo e . E, de todas as coisas talvez a 
más dificil de rea­ @@devia ser completamente acessível a um auditório 
interessado e atento cujos membros na sua maioria não têm qualquer familiaridade
com o assunto, com a sua terminologia ou com as preocupações específicas dos 
seus praticantes. Não sei se todos estes objectivos são simultaneamente 
realizáveis, mas de qualquer modo são aquilo      eu visei. Uma das razões mais 
fortes para querer i: as Reith Lectures foi a convicção de que os

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@@­'rendtados, e métodos da moderna filosofia analítica podem
10, p8@r­4e à disposição de um auditório muito mais vasto.

Os meus primeiros planos para a versão em livro e= ampliar cada um dos capítulos
de maneira a tentar vir ao encontro de todas as objecções que eu podia imar

Surgirem, da parte dos meus embirrentos colegas ósofios, pa@a não, mencionar os 
colegas em ciência cogni” tiva, mteligencia artificial e outros campos. Em suma,
o meu plano original era tentar transformar as Lições num livro convencional com
notas de rodapé e tudo o mais. Por fim, tomei uma decisão contrária a isso 
precisamente porque tal destruiria o que para num constituía uma das coisas mais
atraentes L série, em primeiro lugar: a sua completa acessibilidade a quem quer 
que estivesse suficientemente interessado para tentar seguir os argumentos. 
Esses capítulos, pois, são essencialmente as Reith Lectures tal como as 
realizei. Ampliei alguns em favor de uma maior claridade, mas tentei conservar o
estilo, o tom e o carácter informal das conferéncias orig* * .

0 tema predominante da série diz respeito à relação dos seres humanos com o 
resto do Universo. De modo específico, diz respeito à questão de como 
reconciliamos uma certa concepção mentalista tradicional, que temos de nós 
mesmos, com uma concepção aparentemente inconsciente do Universo enquanto 
sistema físico, ou um conjunto de sistemas físicos em interacção. Em'torno deste
tema, cada capítulo aborda uma questão específica: qual é a relação da mente com
o cérebro? Podem os computadores digitais ter mentes só poralie têm programas 
correctos com as entradas e ;ãL correctas? Quão plausível é o modelo da mente 
enquanto programa de computador? Qual a natureza da estrutura da acção humana? 
Qual é o estatuto das ciências sociais enquanto .ciências? Como podemos nós 
reconciliar, se é que podemos, a convicção da vontade livre com a nossa 
concepção do Universo enquanto sistema físico ou um conjunto de sistemas fbicos 
em interacção?

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Enquanto trabalhava para a série, emergiram alguns outros temas importantes que 
não podiam ser plenamente desenvolvidos em virtude apenas das limitações do 
formato. Quero torná­las plenamente explícitas nesta Introdução e, ao fazC­Io, 
penso que posso ajudar o leitor a compreender os capítulos que se seguem.

0 ‘ primeiro tema é o escasso conhecimento que temos do flincionainento do 
cérebro humano e a medida significativa em que as pretensões de certas teorias 
dependem dessa ignorância. Como escreveu em 1978 o neurólogo David Hubel: «0 
nosso conhecimento do cérebro encontra­se num estado muito primitivo. Enquanto 
para algumas regiões desenvolvemos umaespécie de conceito funcional, há outras, 
do tamanho de um pulso, acerca das quais se ode quase dizer que estamos no mesmo

c estado de co Jecimento em ue nos encontrávamos relativamente ao coração, antes
lê cairmos na conta de que ele bombeava sangue.» E, efectivamente, se o leigo 
interessado pegar numa meia dúzia de livros de texto estandardizados acerca do 
cérebro, tal como eu fiz, e os abordar com o esforço de obter respostas para os 
tipos de questões que imediatamente ocorreriam a qualquer pessoa curiosa, é 
muito provável que fique desapontado.
0 que é exactamente a neurofisiologia da consciência? Por que é que nós 
precisamos de dormir? Por que é que o álcool nos embebeda? Em que medida exacta 
as memórias estão armazenadas no cérebro? Na altura em que escrevo, ainda não 
sabemos as respostas para qualquer uma dessas questões   fundamentais. Muitas 
das pretensões feitas a propósito da mente nas várias disciplinas, desde a 
psicologia freudiana  até à inteligência artificial, dependem deste tipo de     
ignorância. Tais pretensões vivem dos buracos que existem no nosso conhecimento.

Na explicação tradicional do cérebro, a explicação que toma o neurónio como a 
unidade fundamental do funcionamento cerebral, a coisa mais notável acerca do 
funcionamento do cérebro é simplesmente esta. Toda a

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enorme variedade de Inputs que o cérebro recebe ­ os

lhoes que impressio am a re~, as ondas sonoras que

thnpano, a pressão sobre a pele que activa as terminações nervosas para a 
pressão, o calor, o frio e a dor, etc. ­ todos estes Inputs se transformam num 
meio comum: padrões variáveis e excitação neuronal. Além disso, e igualmente 
notável, estes padrões variáveis de excitação neuronal em diferentes circuitos 
neuronais e diferentes condiçÕes locais no cérebro’ produzem toda a variedade da
nossa vida mental. 0 cheiro de uma rosa, ­a experiência do azul do céu, o gosto 
das cebolas, o penmsamento de uma fórmula matemática: tudo isto é produzido po!­
padrões variáveis de excitação neuronal, em circuitos diferentes, relativos a 
condiçõ es locais difi@rentes no cérebro. .Ora, o que são exactamente estes 
diferentes circuitos neuronais e o que são os diversos ambientes locais que 
explicam as diferenças na nossa vida mental? Em pormenor, ninguém sabe, mas 
temos boas provas de que certas regiões do cérebro são especializadas para 
certos tipos de expenencias. 0 córtex visual desempenha um papel específico nas’
experiências visuais, o córtex auditivo nas experiências auditivas, etc. 
Suponhamos que estímulos auditivos eram fornecidos ao córtex visual e estímulos 
visuais eram fornecidos ao córtex auditivo. Que acon­

teceria? Tanto quanto eu sei, ninguém alguma vez fez esta experiencia, mas 
parece razoável supor que o estímulo auditivo seria «visto», isto é, que ele 
produziria experiências visuais, e o estímulo visual seria «ouvido», isto é, 
produziria experiências auditivas e ambos em virtude de características 
específicas, embora largamente desconhecidas, do córtex visual e auditivo, 
respectivamente. Embora esta hipótese seja especulativa, tem algum apoio 
independente se reflectirmos no facto de que um soco nos olhos produz tun clarão
visual («ver estrelas»), embora não seja um estímulo óptico.

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Um ~do tema que aparece nestes capítulos é o termo herdado, uma resistência 
cultural a tratar a mente consciente como um fenômeno biológico semelhante a 
qualquer outro. Isto remonta a Descartes no Século XVIL Descartes dividiu o 
Mundo em dois tipos de substâncias: substãncias’ mentais e substâncias físicas. 
As substâncias físicas eram o domínio pró rio da ciência e as substáncias 
mentais eram a propniXde da religião. Existe ainda alguma aceitação desta 
concepção mesmo no tempo actual. Assim, por exemplo, a consciência e a 
subjectivídade são muitas vezes consideradas como tó             m'adequados 
para a ciência e esta relutância em             com a consciência e a 
subjectividade.é parte de uma tendência objectívante persistente..As pessoas 
pensam que a ciência deve tratar dos fimómenos objectivamente observáveis. 
Ocasionalmente, em conferências que fiz a auditórios de biólogos e 
neurofísiólogos, encontrei muitos deles que sentiam relutância em tratar a mente
em geral e a consciência em particular como um domínio adequado de investigação 
científica.

Um terceiro tema que pervade subliminarmente esses capítulos é o de que a 
terminologia tradicional, que temos para discutir esses problemas, é imdequada 
em várias maneiras. Dos três termos que constituem o título, Mente., Cérebro e 
Géncia, só o segundo se encontra bem definido. Por «Mente», entendo, justamente,
as sequências de pensamentos, sentimentos e experiências, quer conscientes quer 
inconscientes, que constituem a nossa vida mental. Mas    o uso do termo «Mente»
é perigosamente habitado pelos fantasmas das velhas. teorias filosóficas. É 
muito difícil resistir à ideia de que a Mente é uma espécie de coisa ou, pelo 
menos, uma arena ou, pelo menos, algum tipo de caixa preta em que todos os 
processos mentais ocorrem. . A situação em tomo da palavra «Ciênci» é ainda 
pior. Se pudesse, dispensaria alegremente esta alavra «Ci

toS             ência» tomou­se um termo honorifico e          os os tipos de

is
disciplinas que são completamente dessemelhantes da Física e da Química de boa 
vontade se denominam a si mesmas «Ciências». Uma boa regra empirica a reter na 
mente é que tudo aquilo que se chama «Ciência» provavelmente não o é ­ por 
exemplo, ciência cristã, ou ciência militar e, possivelmente, também ciência 
cognit ‘iva ou ciência social. A palavra « Ciência» tende a sugerir muitos 
investigadores em batas brancas agitando tubos de ensaio e prescrutando 
instrumentos. Para muitas mentes, sugere uma infilibilidade de arcano. 0 quadro 
rival que eu quero sugerir é este : o        todos nós visamos nas disciplinas 
intelectuais é co       ento e compreensão. Existe apenas conhecimento e 
compreensão, quer o tenha­

mos na Matemática, na Crítica Literária, na História, na Física ou na Filosofia.
Algumas disciplinas são mais sistemáticas do que outras, e poderíamos querer 
reservar para elas a palavra «Ciência».

Sinto­me em dívida para um vasto número de estudantes, colegas e amigos pela sua
ajuda na preparação das Reith Lectures, quer na versão radiofóm'c'a, quer na 
versão editorial. Quero especialmente agradecer a Alan Code, Rejane Carrion, 
Stephen, Davies, Hubert Dreyfus, Walter Freeman, Barbara Horan, Paul Kube, Karl 
Pribram, Gunther Stent e Vanessa Whang.

A BBC foi de uma ajuda extraordinária. George Fischer, o director do 
departamento de palestras, foi de grande apoio; e o meu produtor, Geoff Deehan, 
foi simplesmente excelente. A minha maior dívida é para com a minha esposa, 
Dagmar Searle, que me ajudou em todos os passos do trabalho e a quem este livro 
é dedicado.

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0 PROBLEMA DA MENTE ­CORPO

Durante milhares de anos, as pessoas têm tentado compreender a sua relação com o
resto do Universo. Por razões várias, muitos filósofos sentem hoje relutância em
abordar estes grandes problemas. No entanto, os problemas persistem e, neste 
livro, vou abordar alguns deles. Por agora, o maior problema é este: temos uma 
série de imagens de nós mesmos, provenientes do sentido comum, enquanto seres 
humanos, que é muito difícil de harmonizar com a nossa total concepção 
«cientifica» do mundo físico. Pensamo­nos como agentes conscientes, livres, 
atentos, racionais num mundo que a ciência nos diz consistir inteiramente em 
partículas físicas sem mente e sem significado. Ora, como podemos nós harmonizar
estas duas concepções? Como, por exemplo, pode ser possível que o Mundo contenha
apenas partículas físicas inconscientes e, no entanto, que contenha também cons­

ciência? Como pode o Universo mecânico conter seres humanos intencionalistas ­ 
isto é, seres humanos que podem representar o Mundo para si mesmos? Como,

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em suma, pode um mundo essencialmente sem signdicado conter significados?

Tais problemas transbordam para outras questões bombasticamente mais 
contemporâneas: como devemos nó s interpretar o trabalho recente em ciência de 
computadores e inteligência artificial ­ trabalho que visa a construção de 
máquinas inteligentes? De modo especifico, dar­nos­à o computador digital a 
imagem correcta da mente humana? E por que é que as ciências sociais, em geral, 
não nos deram uma compreensão de nós mesmos comparável à compreensão que as 
ciências naturais nos deram para o resto da natureza? Qual a relação entre as 
explicações ordinárias, de sentido comum, que aceitamos acerca da maneira com as
pessoas se comportam e os modos científicos de explicação?

Neste primeiro capítulo, quero mergulhar bem fundo naquilo que muitos filósofos 
pensam e consideram como o mais difícil de todos os problemas: qual a relação 
das nossas mentes com o resto do Universo? Este é, como certamente reconhecerão,
o problema tradicional da Mente­Corpo ou Mente­Cérebro. Na sua versão 
contemporânea, assume habitualmente a forma: como é que a mente se relaciona com
o cérebro?

Penso que o problema da Mente­Corpo tem uma solução bastante simples, e que e 
consistente tanto com aquilo que sabemos acerca da neurofisiologia, como com a 
concepção do sentido comum acerca da natureza dos estados mentais ­ dores, 
crenças, desejos e assim por diante. Mas, antes de apresentar esta solução, 
quero interrogar­me porque é que o problema da Mente­Corpo parece tão 
intratável. Por que é que temos ainda na Filosofia e na Psicologia, após todos 
estes séculos, um «problema da Mente­Corpo» de um modo que nã o temos, digamos, 
um «problema da digestão­estômago»? Por que é que a Mente parece mais misteriosa
do que os outros fenômenos biológicos?

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Estou convencido de que parte da dificuldade reside erri continuarmos a falar 
acerca de um problema do século xx coni um vocabulário fora de moda e próprio do
século xvii. Quando era estudante universitário, lembro­me de me sentir 
insatisfeito com as alternativas que aparentemente estavam disponíveis na 
Filosofia da Mente: poderia ser ou um nionista ou um dualista. Se se fosse 
monista, poder­se­ia ser um materialista ou um idealista. Se se fosse um 
materialista, poder­se­ia ser beliaviorista ou fisicalista. E assim por diante. 
Um dos meus objectivos para o que vai seguir­se, é tentar acabar com estas 
velhas categorias esgotadas. Note­se que ninguém sente que deve escolher entre 
monismo e dualismo onde está em causa o «problema da digestão­­estômago». Por 
que é que deveria ser diferente com o problema da Mente­Corpo?

Mas, vocabulário à parte, existe ainda um problema ou família de problemas. 
Desde Descartes, o problema da Mente­Corpo foi abordado da seguinte forma: como 
podemos nós explicar as relações entre duas espécies de coisas na aparência 
totalmente diferentes? Por um lado> há coisas mentais, como os nossos 
pensamentos e sentimentos; consideramo­los como subjectivos, conscientes e 
imateriais. Por outro, há coisas físicas; pensamos que elas têm massa, como 
extensas no espaço e como mteragindo causalmente com outras coisas fisícas. A 
maior parte das soluções tentadas para o problema da Mente­Corpo acabam por 
negar a existência ou, de algum modo, por minimizar o estatuto de um ou outro 
destes tipos de coisas. Dados os êxitos das Ciências Fisicas, não causa surpresa
que, no nosso estádio de desenvolvimento intelectual, a tentação seja minimizar 
o estatuto das entidades mentais. Assim, a maior parte das concepções 
materialistas da Mente de moda mais recente ­ como o behaviorismo, o 
funcionalismo e o fisicalismo ­ acabam por negar, implícita ou explicitamente, 
que há coisas como as mentes, tais como ordinariamente as pensamos.

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Isto,           que tenhamos real e intrinsecamente estais it@bJectivos e 
conscientes, e que eles sejam re ais e tão \irredutiveis como qualquer outra 
coisa Iiníverso.

­,Orá, por    e é que elas fazem isso? Por que é que

acabam por negar o carácter intrínsecame            al  dos fenómenos mentais? 
Se pudermos responder a esta questão, creio que entenderemos porque é que o 
problema da Mente­Corpo pareceu, durante tanto tempo, intratável.

Há quatro características dos fenômenos mentais que os impossibilitou de se 
inserirem na nossa concepção «científica» do Mundo enquanto feito de coisas 
materiais. E são estas quatro características que tomaram realmente difícil o 
problema da Mente­Corpo: são tão embaraçosas que levaram muitos pensadores, na 
Filosofia, na Psicologia e na Inteligência Artificial, a dizer coisas estranhas 
e implausiveis acerca da Mente.

A mais importante destas características é a consciência. E, no momento em que 
estou a escrever isto, e vocês, no momento de a lerem, somos ambos conscientes. 
É um facto evidente que o Mundo contém tais estados e eventos mentais 
conscientes, mas é difícil ver como é que meros sistemas físicos podem ter 
consciência. Como pode uma tal coisa ocorrer? Como é que, por exemplo, pode essa
indígena cinzento ­e branco dentro do’ meu crânio ser consciente ?

Penso que a existência da consciência deveria ser espantosa para nós. É bastante
fácil imaginar o Universo sem ela, mas se o fizermos, veremos que imaginámos um 
universo verdadeiramente sem sentido. A consciência é o facto central da 
existência especificamente humaria,

o. _J]   rs@ ‘yC 1 a por

a @me          al

porque sem    ela todos os outros aspectos especificamente humanos da     nossa 
existência ­linguagem, amor, humor e assim por diante ­seriam impossíveis. A 
propósito, penso que é    algo escandaloso que as discussões contem­

20
porâneas na Filosofia e na Psicologia tenham tão pouca coisa de interessante a 
dizer­nos acerca da consciência.

A segunda característica intratável da Mente e o que os filósofos e psicólogos 
chamam «intencionalidade», a caracteristica pela qual os nossos estados mentais 
se dirigem a, ou são acerca de, ou se referem a, ou são de objectos e estados de
coisas no mundo diferentes deles mesmos. A propósito, «intencionalidade,» não se
refere justamente a intenções, mas também a crenças, desejos, esperanças, 
temores, amor, ódio, prazer, desgosto, vergonha, orgulho, irritação, 
divertimento, e todos aqueles estados mentais (quer conscientes ou 
inconscientes) que se referem a, ou são acerca do Mundo, diverso da mente. Ora a
questão acerca da «Mitencionalidade» tem muita semelhança com a questão acerca 
da consciência. Como e que esta substância dentro da minha cabeça pode ser 
acerca de alguma coisa? Como é que ela se pode rejèrir a algo? Ao fim e ao cabo,
esta substância no crânio consiste em «á tomos no vazio», tal como o resto da 
realidade material consta de átomos no vazio. Ora, como é,que, em termos 
grosseiros, podem átomos no vazio representar alguma coisa?

A terceira caracteristica da Mente que parece difícil de inserir dentro de uma 
concepção cientifica da realidade e a subjectividade dos estados mentais. Esta 
subjectividade e assinalada por um facto como este: posso sentir as minhas dores
e vocês não. Eu vê o o Mundo do meu ponto de vista; vocês vêem­o a partir do 
vosso ponto de vista. Eu sou consciente de mim mesmo e dos meus estados mentais 
internos, enquanto inteiramente distintos da individualidade e dos estados 
mentais das outras pessoas. Desde o século xvii, pensámos a realidade como algo 
que deve ser igualmente acessivel a todos os observadores competentes ­ isto é, 
que pensam que ela deve ser objectiva. Ora, como é que vamos acomodar a 
realidade dos fenômenos mentais subjectivos à concepção cientifica da realidade 
enquanto totalmente objectiva?

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Finalmente, há um quarto problema, o problema da   causação mental. Todos nós 
supomos, como parte do senso comum, que os nossos pensamentos e sentimentos  são
realmente importantes para a maneira como nos comportamos, que efectivamente têm
algum efeito causal sobre o mundo físico. Decido, por exemplo, levantar o meu 
braço e­vejam­o meu braço levanta­se. Mas se os nossos pensamentos e sentimentos
são verdadeiramente mentais, como podem eles afectar algo de físico? Como    
pode algo que é mental originar uma diferença física? Pensamos, supostamente, 
que os nossos pensamentos e sentimentos podem de algum modo produzir efeitos 
quinuicos nos nossos cérebros e no resto do nosso sistema nervoso? Como pode uma
tal coisa ocorrer? Pensamos, supostamente, que os pensamentos podem embrulhar­se
a si mesmos nos axonios ou sacudir as dendrites ou esgueirar­se para dentro da 
membrana celular e atacar o núcleo da célula?

Mas, a não ser que ocorra alguma tal conexão entre a mente e o cérebro, não nos 
restará justamente a concepção de que a Mente não age, que é tão causalmente sem
importância como a espuma da onda o é para o movimento da onda? Suponho que se a
espuma fosse consciente podia pensar para si própria: «que trabalho duro é 
empur~ rar estas ondas para a praia e, depois, empurrá­las outra vez para trás 
durante todo o dia!» Mas sabemos que a espuma não tem qualquer importância. Por 
que é que supomos que a nossa vida mental é mais importante do que uma espuma 
sobre a onda da realidade física?

Estas quatro características, consciência, intencionalidade, subjectividade e 
causação Mental são o que fazem parecer tão difícil o problema da Mente­Corpo. 
No entanto, quero eu dizer, todas elas são características efectivas das nossas 
vidas mentais. Nem todo o estado mental as possui a todas. Mas qualquer 
explicação satisfatória da Mente e das relações Mente­Corpo deve ter em conta 
todas as quatro características. Se a teoria de alguém

22
acaba por negar alguma delas, saiba que deve ter havido algures um erro.

A primeira tese que eu quero avançar para «resolver o problema Mente­Corpo» é 
esta:

Os fenómenos mentais, todos os fenômenos mentais, quer conscientes ou 
inconscientes, visuais ou auditivos, dores, cócegas, comichões, pensamentos, na 
realidade, toda a nossa vida mental, são causados por processos que têm lugar no
cérebro.

Para termos um vislumbre sobre o modo como isto funciona, tentemos descrever com
algum pormenor os processos causais relativos a, pelo menos, uma espécie de 
estado mental. Por exemplo, consideremos as dores. Naturalmente,    qualquer 
coisa que agora digamos pode parecer maravilhosamente bizarra dentro de uma 
geração, já que o nosso conhecimento acerca do modo como o cérebro funciona está
em permanente aumento. No entanto, a firma da explicação pode permanecer válida,
mesmo se os pormenores se alteram. Segundo a concepç@ó corrente, os sinais da 
dor são transmitidos das terminações nervosas sensoriais para a espinal medula 
por,    pelo menos, dois tipos de fibras ­ as fibras Delta A, que     são 
especializadas para sensações de picadas, e as fibras C, que são especializadas 
para sensações de queimadura e dor. Na espinal medula, eles passam através de 
uma região chamada o tracto de Lissauer e ternúnam nos neur­óníos da espinal 
medula. Visto que os sinais sobem pela espinal medula, entram no cérebro por 
duas vias separadas: a via da dor de picada e a via da dor de queimadura; ambas,
as vias passam pelo tálamo, mas a dor de picada localiza­se, depois, mais no 
córtex somato­sensório, ao passo que a via da dor de queimadura transmite 
sinais, não, só para cima, para o córtex, mas também lateralmente, para o 
hipotálamo e outras regiões na base do cérebro. Em virtude destas diferenças, é 
muito mais fácil para nós loca­

23
uma sensação de picada ­ podemos dizer com bastante exactidão onde alguém está a
picar com um alfinete a nossa pele, por exemplo­, ao passo que as dores de 
queimadura e outras podem ser mais difíceis de suportar porque activam mais o 
sistema nervoso. A sensação concreta de dor parece ser causada pela estimulação 
das regiões basais do cérebro, especialmente o tálamo, e pela estimulação do 
córtex somato­sensorial.

Ora, para os objectivos desta discussão, o ponto que precisamos de rebater é 
este: as nossas sensações de dores são causadas por uma série de eventos que 
começam nas terminações nervosas livres e terminam no tálamo e em outras regiões
do cérebro. Na realidade, no tocante às sensações efectivas, os acontecimentos 
interiores ao sistema nervoso central bastam para causar dores ­ sabemos isto 
pelas dores do membro fantasma sentidas pelos amputados e pelas dores causadas 
mediante estimulação artificial relativa a partes do cérebro. Quero sugerir que 
aquilo que se verifica com a dor é também verdade a propósito dos fenômenos 
mentais em geral. Em termos grosseiros, e incluindo todo o sistema nervoso 
centkal como parte do cérebro na nossa presente discussão, tudo o que importa 
para a nossa vida mental, todos os nossos pensamentos e sentimentos, são 
causados por processos interiores ao cérebro. No referente aos estados mentais 
causantes, o passo crucial é o que ocorre dentro da cabeça, e não o estímulo 
externo ou perif@rico. E o argumento para isto é simples. Se os acontecimentos 
fora do sistema nervoso central ocorreram, mas nada aconteceu no cérebro, não 
haverá acontecimentos mentais; mas se as coisas aconteceram no cérebro como deve
ser, os acontecimentos mentais ocorreriam mesmo se não houve estímulo exterior 
(e a propósito, este é o principio sobre cuja base funciona a anestesia 
cirúrgica: o estímulo exterior é impedido de ter os efeitos relevantes no 
sistema nervoso central).

24
Mas, se as dores e outros fenómenos mentais sao causados por processos no 
cérebro, alguém quer saber: o que são, portanto, as dores? o que é que elas são 
realmente? Bem, no caso das dores, a resposta óbvia é que elas são espécies de 
sensações desagradáveis. Mas esta resposta deixa­nos insatisfeitos porque não 
nos diz como e que as dores se enquadram na nossa concepção global do Mundo.

Mais uma vez, penso que a resposta à questão é manifesta, mas exigirá algum 
esforço de deffiação. Ã nossa primeira afirmação ­ de que as dores e outros 
fenômenos mentais são causados por processos cerebrais ­, precisanios de 
acrescentar uma segunda afirmação:

As dores e outros jenómenos mentais são justamente caracteristícas do cérebro 
(e, talvez, do resto do sisteina nervoso central).

Um dos primeiros objectivos deste capítulo é mostrar como ambas as proposições 
podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Como pode acontecer que cérebros cau­

sem mentes e, no entanto, as mentes sejam justamente características do cérebro?
Creio que o não conseguir ver como ambas as proposições podem ser 
simultaneamente verdadeiras impediu a solução, durante um tempo, para o problema
Mente­Corpo. Há diversos níveis de conflisão que  este par de ideias pode gerar.
Se os fenomenos mentais e físicos têm entre si relações de causa e efeito, como 
é que um pode ser uma característica do outro? Não implicará isto que a Mente se
causou a si mesma­a incómoda doutrM"a da causa sui? Mas, no fundo da nossa 
perplexidade, encontra­se uma má com~ preensão da causação. É tentador pensar 
que, sempre que A causa B, devem existir dois acontecimentos discretos, um 
identificado como a causa, o outro identificado

como o efeito; que toda a causação funciona da mesma

maneira que as bolas de bilhar tocando unias nas outras.

25
Este modelo grosseiro das relações causais entre o cérebro e a mente inclinam­
nos a aceitar uma espécie de dualismo; somos inclinados a pensar que os eventos 
num reino material, o «fisico», causam acontecimentos num outro reino 
insubstancial, o «mental». Mas isto parece­me um erro. E o modo de eliminar o 
erro é alcançar um conceito de causação mais sofisticado. Para levar isso a 
cabo, afastar­me­ei, por um momento, das relações entre mente e cérebro, e irei 
observar algumas outras espécies de relações causais na natureza.

Uma distinção comum em Física é entre as micro

e as macropropriedades dos sistemas ­ as escalas pequenas  e grandes. 
Consideremos, por exemplo, a secretária a que agora estou sentado ou o copo de 
água que está à minha frente. Cada objecto é composto de micropartículas. As 
micropartículas têm características, ao nível das moléculas e dos átomos, como 
também ao nível mais baixo das partículas subatómicas. Mas, cada objecto tem 
também certas propriedades como a solidez da mesa, o carácter líquido da água e 
a transparência do vidro, que são características superficiais ou globais dos 
sistemas físicos. Muitas destas propriedades de superfície ou globais podem 
explicar­se facilmente por meio do comporta” mento dos elementos ao micronivel. 
Por exemplo, a solidez da mesa que está à minha &ente explica­se pela estrutura 
gradeada ocupada pelas moléculas de que a mesa é composta. Igualmente, o 
carácter líquido da água explica­se pela natureza das interacções entre as 
moléculas H20, Estas macrocaracterísticas são causalmente explicadas pelo 
comportamento dos elementos ao micronível.

Quero sugerir que isto fornece um modelo perfeitamente ordinário para explicar 
as relações intrincadas entre a mente e o cérebro. No caso do carácter liquido, 
da solidez e da transpareAncia, não temos nenhuma dificuldade em supor que as 
características de superfície são causadas pelo comportamento dos elementos ao 
micronível e, ao mesmo tempo, aceitamos que os fenómenos

26
de superfície sffo justamente características dos sistemas em questão. Penso que
a maneira mais clara de expor este ponto é afirmar que a característica de 
superfície é causada pelo comportamento dos microelementos e ao mesmo tempo 
realizada no sistema que é constituído pelos microelementos. Existe uma relação 
de causa e efeito mas, ao mesmo tempo, as características de superfície são 
justamente características de nível superior do mesmo sistema, cujo 
comportamento ao micronível causa essas características.

Objectando contra o que foi dito, alguém poderá dizer que a liquidez, a solidez 
e assim por diante são idênticas às características da microestrutura. Assim, 
por exemplo, poderíamos justamente definir a solidez como

a estrutura em grade da disposição molecular, tal como o calor muitas vezes é 
identificado com a energia cinética média dos movimentos moleculares. Este 
pormenor parece­me correcto, mas não constitui.realmente uma objecção à análise 
que estou a propor. E uma característica do progresso da ciência que uma 
expressão que originalmente se define em termos de características de 
superfície, caracteristicas acessíveis aos sentidos, seja subsequentemente 
definida em termos da microestrutura, que causa as características de 
superfície. Assim, para tomar o exemplo da solidez, a mesa que está diante de 
mim é sólida no sentido ordinário de que é rígida, resiste à pressão, suporta 
livros, não é facilmente penetrável pela maior parte dos outros objectos, tais 
como outras mesas e assim por diante. Tal é a noção de solidez própria do 
sentido comum. E pode com um giro cientifico definir­se solidez, já que qualquer
microestrutura causa estas características grosseiramente observáveis. Pode 
assim afirmar­se, então, que a solidez é justamente a estrutura em grade do 
sistema de moléculas em que a solidez assim definida causa, por exemplo, 
resistência ao tacto e à pressão. Ou pode dizer­se que a solidez consiste em 
tais características de nível superior como a rigidez e a resistência ao tacto e
à pressão,

27
e que é causavel pelo comportamento dos elementos ao micronível.

Se aplicarmos estas lições ao estudo da mente, parece­me que não há dificuldade 
em explicar as relações da mente com o cérebro em termos de funcionamento do 
cérebro para causar os estados mentais. Assim como a liquidez da água é causada 
pelo comportamento dos elementos ao micronível e, no entanto, é ao mesmo tempo 
uma característica realizada no sistema dos microelemento, assim também, no 
sentido preciso do «causado por» e «realizado em», os fenômenos mentais são 
causados por processos que ocorrem no cérebro, ao nível neuronal ou modular e, 
ao mesmo tempo, realizam­se no próprio sistema que­ consiste em neurónios. E 
assim como necessitamos da distinção micro/macro para qualquer sistema físico, 
assim, pelas mesmas razoes, precisamos da distinção micro/macro para o cérebro. 
E, embora possamos dizer que um sistema de partículas está a dez graus 
centígrados ou que é sólido ou líquido, não podemos dizer de qualquer partícula 
dada que esta partícula é sólida, esta partícula é líquida, esta partícula está 
a dez graus centígrados. Não posso, por exemplo, meter a mão neste copo de água,
tirar uma molécula e dizer: «Esta. aqui é hún@úda.»

Do mesmissimo modo, tanto quanto acerca disso sabemos alguma coisa, embora 
possamos dizer de um cérebro particular: «Este cérebro é consciente», ou «Este 
cérebro sente sede ou dor», nada podemos dizer de algum neurónio particular no 
cérebro: «Este neurónio tem dor, este neuróm*o sente sede.» Insistindo neste 
ponto, embora existam grandíssimos mistérios empm'*cos acerca do modo como o 
cérebro flinciona em pormenor, não existem obstáculos lógicos, filosóficos ou 
metafisicos para explicar a relação entre a mente e o cérebro em termos que nos 
são totalmente familiares a partir do resto da Natureza. Nada é mais comum na 
Natureza do que serem as caractetísticas de superfície de um fenómeno causadas 
por

28
e realizadas numa microestrutura, e essas são exactamente as relações exibidas 
pela conexã o da mente ao cérebro.

Voltemos agora aos quatro problemas que, como disse, se deparam a toda a 
tentativa de resolver o problema da Mente­Corpo.

Primeiro: como é possível a consciência@ A melhor maneira de mostrar como algo é
possível e mostrar como efectivamente existe. já fornecemos um esboço de como as
dores são concretamente causadas por processos neurofisiológicos que ocorrem no 
tálamo e no córtex sensorial. Por que é que, então, tanta gente se sente
111satisfeita com este tipo de resposta? Penso que seguindo uma analogia com um 
problema anterior na história da ciência, podemos dissipar esta sensação de 
perplexidade. Durante muito tempo, numerosos biólogos e filósofos pensaram que 
era impossível explicar a existência da vida em bases puramente biológicas. 
julgavam que além dos processos biológicos deve ser necessário algum outro 
elemento, deve postular­se algum élan vital para emprestar a vida ao que, de 
outro modo, era matéria morta e inerte. É difícil, hoje, fazer u ‘ma ideia de 
quão Mitensa foi a disputa entre o vitalismo e o mecanicismo há uma geração, 
mas, actualmente, esses problemas já não são tomados a sério, Por que não? Penso
que não foi tanto por o mecanícismo ter vencido e o vitalismo ter perdido, mas 
porque conseguimos compreender melhor o carácter biológico dos processos que são
caractenisticos dos organismos vivos. Logo que compreendemos como as 
características típicas dos seres vivos têm uma explicação biológica, já não 
constitui para nós mistério algum que a matéria deva ser viva. Penso que 
considerações exactamente similares deveriam aplicar­se às nossas discussões da 
consciência. Em principio, que esse pedaço de matéria, a substância cinzenta e 
branca do cérebro, com a textura de farinha de aveia, deva ser consciente não 
deveria parecer mais misterioso do que misterioso parece que este outro pedaço

29
de matéria, este conjunto de moléculas núcleo­proteínicas enquadradas numa 
estrutura de cálcio, deva ser vivo. Em suma, a maneira de eliminar o mistério é 
compreender os processos. Ainda não entendemos completamente os processos, mas 
compreendemos o seu carácter geral, compreendemos que há certas actividades 
electroquírnicas específicas que ocorrem entre os neuroMos ou módulos neuronais 
e talvez outras características do cérebro, e esses processos causam a 
consciência.

0 nosso segundo problema era: como podem os átomos no vazio ter 
intencionalidade? como podem eles ser acerca de alguma coisa?

Relativamente à nossa primeira questão, a melhor maneira de demonstrar como algo
é possivel é mostrar como efectivamente existe. Assim, consideremos a sede. 
Tanto quanto sabemos alguma coisa acerca dela, pelo menos, certos tipos de sede 
são causados no hipotálamo por sequências de explosões nervosas. Estas 
explosões, por seu turno, são causadas pela acção da angiotensina no hipotálamo,
e a angiotensuia, por sua vez, é sintetizada pela renina, a qual é segregada 
pelos rins. A sede, pelo menos de     ‘ um desses tipos, é causada por uma série
de acontecimentos no sistema nervoso c  1entral, principalmente o hipotálamo, e 
é levada a efeito no hipotálamo. Ter sede é ter, entre outras coisas, o desejo 
de beber. A sede    e, portanto, um estado intencional: tem conteúdo; o seu     
conteúdo determina sob que condições é satisfeita e possui todas as restantes 
caracteristicas que são comuns aos estados intencionais.

Quanto aos «inistérios» da vida e da consciência, o modo de dominar o mistério 
da intencionalidade é descrever com o máximo pormenor que nos for possivel como 
é que os fenómenos são causados pelos processos biológicos, ao mesmo tempo que 
ocorrem nos sistemas biológicos. As experiências visuais e auditivas, as 
sensações tácteis, a fome, a sede e o desejo sexual, são todos causados por 
processos cerebrais e realizam­se na estrutum do cérebro e são todos fenômenos 
intencionais.

30
Não estou a dizer que devenios perder o sentidodos mistérios da natureza. Pelo 
contrário, os exemplos que mencionei são todos num sentido espantosos. Aias 
estou a dizer que não são nem mais nem menos misteriosos do que outras 
características assombrosas do Mundo, tais como a existência da atracção 
gravitacional, o processo da fotossíntese ou o tamanho da Via Láctea.

0 terceiro problema é: como inserimos nós a subjectividade dos estados mentais 
no interior de uma concepção objectiva do mundo real?

Parece­me um erro supor que a definição de realidade tenha de excluir a 
subjectividade. Se «ciência» é o nome do conjunto de verdades objectivas e 
sistemáticas que podemos enunciar acerca do Mundo, então a existência da 
subjectividade é um facto cientfflco objectivo como qualquer outro. Se uma 
explicação científica do Mundo tenta descrever como as coisas são, então, uma 
das características da explicação será a subjectividade dos estados mentais, 
visto que é justamente um facto óbvio que a evolução biológica produziu certos 
tipos de sistemas biológicos, a saber, os cérebros humanos e de certos animais, 
que têm características subjectivas. 0 meu estado presente de consciência é uma 
característica do meu cére, bro, mas os seus aspectos conscientes são­me 
acessíveis de um modo que não são acessíveis a vocês. E o         ‘ vosso estado
presente da consciência é uma característica do vosso cérebro e os seus aspectos
conscientes são­vos acessíveis de um modo que a mim não são. Assim, a existência
da siibiectividade é um facto objectivo da biologia. É um erro’ persistente 
tentar definir «ciência» em termos de certas características das teorias 
científicas existentes. Mas, logo que se percebe que este provincialismo é o

num preconceito que e, então qualquer do i * o de factos é um tema de 
investigação sistemá tica. Assim, por exemplo, se Deus existisse, então esse 
facto seria um facto como qualquer outro. Não sei se Deus existe, mas não tenho 
dúvida alguma de que existem estados mentais subjecti­

31
i;o

vos, porque estou agora num e também vocês. Se o facto da subjectividade vai 
contra uma certa defnúção de «ciência», então é a definição e não o facto que 
teremos de abandonar.

Quarto, o problema da causação mental para o nosso propósito presente é explicar
como é que os eventos men~ tais podem causar eventos físicos. Como é que, por 
exemplo, algo <@mponderáveb> e «etereo», como o pensamento, pode suscitar uma 
acção?

A resposta é que os pensamentos não são imponderáveis e etéreos. Quando temos um
pensamento, está efectivamente a ocorrer a actividade cerebral. A actividade 
cerebral causa movimentos corporais mediante processos fisiológicos. Ora, porque
os estados mentais são caracteristicas do cérebro, têm dois níveis de descrição 
­um nível superior em termos mentais e um nível inferior em termos fisiológicos.
Os mesmos poderes causais do sistema podem descrever­se em qualquer um dos 
níveis.

Mais uma vez, podemos utilizar uma analogia da Física para ilustrar estas 
relações. Consideremos o acto de pregar um prego com um martelo. 0 martelo e o

prego têm um certo tipo de solidez. Martelo feitos de algodão em rama ou de 
manteiga são totalmente inúteis e martelos feitos de água ou de vapor nem sequer
são martelos. A solidez é uma propriedade causal real do martelo. Mas, a solidez
em si é causada pelo comportamento das partículas ao nu"crom'vel e realiza­se no
sistema que consiste em microelementos. A existência de dois níveis causalmente 
reais de descrição no cérebro, uma ao macronível dos processos mentais e a outra
ao micronível dos processos neuronais é exactamente análoga à existência de dois
níveis causalmente reais da descrição do martelo. A consciência, por exemplo, é 
uma propriedade real do cérebro que pode causar coisas e a sua.ocorrência. A 
minha tentativa consciente de levar a cabo uma acção como elevar o braço causa 
um movimento do braço. Ao nível superior da descrição, a intenção de elevar o

32
meu braço causa o movimento do braço. Mas, ao nível inferior da descrição, uma 
série de explosões neuronais inicia uma cadeia de eventos que resulta na 
contracção dos músculos. Tal como no caso do pregar um prego, a mesma sequência 
de acontecimentos tem dois níveis de descrição. Ambos são causalmente reais e as
caracteristicas causais do nível, superior são causadas por e realizadas na 
estrutura dos elementos do nível inferior.

Resumindo: na minha concepção, a mente e o corpo interagem, mas não são duas 
coisas diferentes, visto que os fenômenos mentais são justamente características
do drebro. Uma Rianeira de caracterizar esta posição é

e vê­Ia como uma asserção do fisicalismo e do mentalismo. Suponhamos que nós 
definimos o «fisicalismo, ingénuo» como a concepção de que tudo o que existe no 
Mundo são partí culas físicas com as suas propriedades e relações.
0 poder do modelo físico da realidade é tão grande que é difícil ver como 
podemos contestar seriamente o fisicalismo ingénuo. E defmamos, o «mentalismo, 
ingénuo» como a concepção de que os fenômenos mentais existem realmente. 
Existem, de facto, estados mentais; alguns deles são conscientes; muitos têm 
intencionalidade; todos têm subjectividade; e muitos funcionam causalmente na 
determinação dos eventos físicos no Mundo. A tese do primeiro capítulo pode 
agora enunciar­se de uma maneira muito simples. 0 mentalismo e o fisicalismo 
migênuos são perfeitamente consistentes entre si. Na realidade, tanto quanto 
sabemos algo sobre o modo como o mundo funciona, eles não só são consistentes, 
mas são ambos verdadeiros.

33
. II

PODEM OS COMPUTADORES PENSAR?

No capítulo anterior, forneci, pelo menos, as leis gerais de uma solução para o 
chamado «problema da ‘Mente­Corpo'». Embora não saibamos em pormenor como 
fiu@ciona o cérebro, conhecemos o bastante para ter uma ideia das relações 
gerais entre os processos cerebrais e os processos mentais. Os processos mentais
são causados pelo comportamento dos elementos do cérebro. Ao mesmo tempo, 
realizam­se na estrutura que é ­ constituída por esses elementos. Penso que esta
resposta se harmoniza com as abordagens biológicas correntes aos fenômenos 
biológicos. Sem dúvida, é uma espécie de resposta do senso comum à questão, dado
o que conhecemos acerca do modo como o Mundo funciona. No entanto, é um ponto de
vista de uma minoria. A concepção predominante em Filosofia, Psicologia e 
Inteligência Artificial, é a que realça as analogias entre o funcionamento do 
cérebro humano e o funcionamento dos computadores digitais. Segundo a versão 
mais extrema desta concepção, o cérebro é justamente um computador digital e a 
mente

35
é um programa de computador. Poder­se­ia resumir esta concepção ­ dou­lhe o nome
de «Inteligência Artificial forte» ou «IA forte» ­dizendo que a mente está para 
o cérebro tal como o programa está para o hardware do computador.

Esta concepção tem a consequência de que nada existe de essencialmente biológico
acerca da mente humana. Acontece que o cérebro é um de entre o número 
indefinidamente vasto de diferentes tipos de computadores materiais que poderiam
apoiar os programas constitutivos da inteligência humana. Nesta concepção, 
qualquer sistema físico que tivesse um programa correcto com as entradas e 
saldas correctas teria uma mente, no mesmissimo sentido em que vocês e eu temos 
mentes. Assim, por exemplo, se fizéssemos um computador de velhas latas de 
cerveja com energia fornecida por moinhos de vento, se ele tivesse o programa 
correcto teria de ter uma mente. E o importante não é que ele, por tudo o que 
sabemos, poderia ter pensamentos e sentimentos, mas antes que deve ter 
pensamentos e sentimentos, porque o ter pensamentos e sentimentos consiste 
justamente nisto: levar a cabo o programa correcto.

A maior parte dos que defendem esta concepção pensa que não projectámos ainda 
programas que sejam mentes. Mas existe entre eles um acordo muito geral de que é
apenas uma questão de tempo, até que os cientistas de computadores e os que 
trabalham na Inteligência Artificial projectem o hardware apropriado e os 
programas que serao o equivalente dos cérebros e das mentes humanas. Serão esses
os cérebros e mentes artificiais que de todos os modos constituem o equivalente 
dos cérebros e mentes humanas.

Muitas pessoas fora do campo da Inteligência Artificial ficam deveras espantadas
por descobrir que alguém possa acreditar numa til concepção. Assim, antes de a 
criticar, permitam que eu lhes forneça alguns exemplos das coisas que os que 
trabalham neste campo efectiva­

36
mente disseram. Herbert Simon. da Carnegie­Mello. University diz que já temos 
máquinas que podem li mente pensar. já que não é preciso esperar por ai máquina 
futura, porque os computadores digitais e tentes já têm pensamentos, no 
mesmíssimo, sentido em que vocês e eu temos. Ora vejam lá! Os filósofos 
preocuparam­se durante séculos acerca de se ou n@o uma máquina podia pensar e 
agora descobrimos que eles já têm tais máquinas na Carnegie­Mellon. 0 colega de 
Simon, Alan Newell afirma que «já descobrimós» (notem que Newell diz 
«descobrimos», não «supusemos» ou «consideramos a possibilidade», mas 
descobritnos) que a inteligência é justamente uma questão de manipulação de 
sIn@6olos físicos; n@o tem nenhuma ligação essencial com qualquer tipo de 
material ou humidade: biológica ou física. Antes, qualquer sistema que seja 
capaz de manipular símbolos físicos de modo correcto é capaz de inteligência no 
mesmo sentido literal que a inteligência humana dos seres humanos. Simon. e 
Newell sublinham, pela sua honra, que não existe nada de metafórico nestas 
pretensões; proferem­nas de um modo inteiramente literal. Freeman Dyson é citado
como tendo dito que os computadores têm uma vantagem sobre todos nós, no tocante
à evolução. Visto que a consciência é uma questão de processos formais, nos 
computadores esses processos formais podem ocorrã em subtâncias que estão muito 
mais capacitadas para sobre­, viver num universo que está a arrefecer do que 
seres como nós, feitos de materiais húmidos e sujos. Marvin Minsky do MIT diz 
que a próxima geração de computadores será tão inteligente que «teremos muita 
sorte se eles pernútirem manter­nos em casa como animais de estimação 
domésticos». 0 meu preferido de sempre, na literatura das afirmações, exageradas
em prol do computador digital, vem de John MeCarthy, o inventor do termo « 
Inteligência Artificia]». McCarthy diz que mesmo «máquinas tão simples como 
termostatos têm ­ pode dizer­se ­ crenças». E, efectivamente, segundo ele, quase
toda a máquina

37
capaz de resolver problemas tem, pode dizer­se, crenças. Admiro a coragem de 
McCarty. Uma vez perguntei­lhe: «Que crenças tem o seu termostato?»,, e ele 
respondeu: «0 meu termostato tem três crenças ­ está demasiado quente aqui, está
demasiado frio aqui e está bem aqui.» Como filósofo, aprecio estas afirmações 
por uma simples razão. Diferentemente da maior parte das teses filosóficas, elas
são razoavelmente claras e admitem uma simples e decisiva refutação. É essa 
refutação que eu vou empreender neste capitulo.

A natureza da refutação nada tem a ver com qualquer estádio particular da 
tecnologia dos computadores. É importante sublinhar este ponto, porque a 
tentação é sempre pensar que a solução para os nossos problemas deve esperar 
alguma maravilha tecnológica ainda não criada. Mas, de facto, a natureza da 
refutação é totalmente independente de qualquer estado da tecnologia. Tem a ver 
com a justa definição de um computador digital, com aquilo que um computador 
digital é.

Essencial à nossa concepção de um computador digital é que as suas operações 
possam ser especificadas em termos puramente formais; isto e, especificamos os 
passos na operação do computador em termos de símbolos abstractos ­sequências de
zeros e uns impressos numa fita, por exemplo. Uma «regra» típica do computador 
determinará que, quando a máquina está num certo estádio e tem um certo símbolo 
na sua fita, então realizará uma certa operaçã o, como o apagamento de um 
símbolo ou a inipressão de outro símbolo, e então ocorrerá um outro estado, COMO
o Movimento da fita um quadrado para a esquerda. Mas os símbolos não têm 
significado; não têm conteúdo semântico; não são acerca de qualquer coisa. Têm 
de ser especificados unicamente em termos da sua estrutura formal ou sintática. 
Os zeros e os uns, por exemplo, são simples numerais; nem sequer estão em vez de
números. Efectivamente, é esta característica dos cO@nputadores digitais que os 
torna tão poderosos.

38
Um e o mesmo tipo de hardware, se for apropriadamente projectado, pode utilizar­
se para executar um âmbito indefinido de programas diferentes. Um e o mesmo 
programa pode passar num âmbito indefuúdo de difèrentes tipos de harduares.

Mas esta caracteristica dos programas, que se definem em termos puramente 
formais ou sintáticos, é fatal para a concepção de que os processos mentais e os
processos de programa são idênticos. E a razão pode formular­se de um modo muito
simples. É muito mais complexo ter uma mente do que ter processos formais ou 
sintáticos. Os nossos estados mentais internos têm, por definição, certos tipos 
de conteúdos. Se estou a pensar em Katisas City, ou se desejo beber uma cerveja 
fresca, ou se estou a imaginar que vai haver uma baixa nas taxas de juro, em 
cada caso, o meu estado mental tem um certo conteúdo mental, além de quaisquer 
estruturas ffirmais que possa ter. Isto é, mesmo se os meus pensamentos ocorrem 
em séries de simbolos, deve haver algo mais no pensamento do que as séries 
abstractas, porque as séries por si mesmas não têm qualquer significado. Se os 
meus pensamentos são acerca de alguma coisa, então as séries devem ter um 
significado, que faz que os pensamentos sejam a proposito dessas coisas. Numa 
palavra, a mente tem mais do que uma sintaxe, possui também uma semântica. A 
razão por que nenhum programa de computador pode alguma vez

ser uma mente é simplesmente porque um programa de computador é apenas 
sintático, e as mentes são mais do que smitáticas. As mentes são semânticas, no 
sentido de que possuem mais do que uma estrutura formal, têm um conteúdo.

Para ilustrar este ponto, concebi uma certa experiência intelectual. Imaginemos 
que um grupo de programadores de computador escreveram um programa que 
capacitará um computador para simulara compreensão do chinês. Assim, por 
exemplo, se ao computador se

puser uma questão em chinês, ele conferirá a questão

39
com a sua memória ou a base de dados e produzirá respostas apropriadas para as 
perguntas em chinês. Suponhamos, em vista da discussão, que as respostas do 
computador são tão boas como as de um falante chinês nativo. Ora bem, entenderá 
o computador nesta base o Chinês, compreende ele literalmente o chinês tal como 
os falantes chineses entendem o chinês? Bem, imaginemos que alguém está fechado 
num quarto e que neste quarto há vários cestos cheios de símbolos chineses. 
Imaginemos que alguém, como eu, não compreende uma Palavía de chinês, mas que 
lhe é fornecido um livro de regras em inglês para manipular os símbolos 
chineses. As regras especificam as manipulações dos símbolos de um modo 
puramente formal em termos da ­sua sintaxe e não da sua semântica. Assim a regra
poderá dizer: «Tire do cesto número um um símbolo esticado e ponha­o junto de um
símbolo encolhido do cesto número dois.» Suponhamos agora que alguns, outros 
símbolos chineses são introduzidos no quarto e ue esse alguém recebe mais regras
para passar símbolos cEneses Para o exterior ido quarto. Suponhamos que, sem ele
saber, os símbolos introduzidos no quarto s

­ chamam «perguntas» feitas pelas pessoas que se encone tram fora do quarto e 
que os símbolos mandados para fora do quarto se chamam «respostas às perguntas».
Suponhamos, além disso, que os programadores são tão bons a escrever programas e
que alguém é igualmente tão bom em manipular os símbolos que muito depressa as 
suas respostas são indestinguíveis das de um falante chinês nativo. Lá está ele 
fechado no quarto manipulando os símbolos chineses e passando cá para fora 
símbolos chineses em resposta aos símbolos chineses que são introduzidos. Com 
base nesta situação tal como a descrevi, de nenhum modo se pode aprender chinês 
pela simples manipulação desses símbolos formais.

Ora, o ceme da história, é apenas este: em virtude da realização de um programa 
formal de computador do ponto de vista de um observador externo, esse alguém

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comporta­se exactamente como se entendesse chinês, nw de qualquer modo não 
compreende uma só palavra de chinês. Mas, se a efectivação do programa 
apropriado do computador para a compreensão do chinês não é suficiente para nos 
dar uma compreensão do chinês, então também não basta dar a qualquer outro 
computador digital uma compreensão do chinê s. E, mais uma vez, a razão para 
isso, pode enunciar­se de um modo muito simples. Se não compreendemos o chinês, 
então nenhum outro computador pode compreender o chinês, por        1que nenhum 
computador digital, em virtude da simples execução de um programa, tem algo que 
nós não tenhamos. Tudo o que o computador tem, como nós temos, é um programa 
formal para manipular simbolos chineses não interpretados. Repetindo, um 
computador tem uma sintaxe, mas não uma semântica. Tudo o que a parábola do 
quarto chinês pretende é lembrar um facto que já conheciamos. Entender uma 
língua ou, sem dúvida, ter estados mentais, implica mais cio que a simples posse
de um feixe de simbolos formais. Implica ter uma compreensão ou um significado 
associado a esses simbolos. E o computador digital, como foi defuiido, só pode 
ter símbolos formais, porque a operação de um computador, como eu disse antes, 
define­se em termos da sua capacidade para realizar programas. E estes programas
só podem especificar­se de um modo puramente flormal ­ isto é, não têm conteúdo 
semântico.

Podemos ver a força deste argumento, se contrastarmos o que é ser interrogado e 
dar respostas em inglês e ser interrogado e dar respostas numa língua em que não
temos conhecimento de qualquer dos significados das palavras. Imaginemos que, no
quarto chinês, nos fazem também perguntas em Miglês acerca de coisas como a 
nossa idade ou a história da nossa vida, e que nós respondemos a essas questões.
Qual a diferença entre o caso chinês e o caso inglês? Ora bem, se, como eu, 
vocês não compreendem chinês e entendem inglês, então a dife­

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rença   é óbvia. Vocês compreendem as perguntas em inglês  porque     o  
expressas em símbolos cujos significados   são  con@êcidos. De modo semelhante, 
quando ^ f      em respostas em         es voces ornec:                     
ing1^, produzem símbolos que são significativos para vocês. Mas, no caso do 
chinês, nada disso se tem. No caso do chinês, voces simplesmente manipulam 
símbolos fbrinais segundo um programa de computador e não atribuem nenhum 
significado a qualquer dos elementos.

Várias objecções foram sugeridas contra este argumento por aqueles que trabalham
em Inteligência Artificial, em Psicologia e em Filosofia. Todas têm algo em 
comum; todas são inadequadas. Existe uma razão óbvia por que é que elas têm de 
ser inadequadas, visto que o argumento se baseia numa verdade lógica muito 
simples, a saber, a sintaxe sozinha não basta para a semântica e os computadores
digitais na medida em que são computadores têm, por defnúção, apenas uma 
sintaxe.

Quero esclarecer bem isto mediante a consideração de alguns argumentos que, 
muitas vezes, me contrapõem.

Há pessoas que tentam responder ao exemplo do quarto chinês dizendo que todo o 
sistema compreende chinês. A ideia aqui é que, embora eu, a pessoa que no quarto
manipula os simbolos não entenda. chinês, sou justamente a unidade central do 
processamento do sistema do computador. Elas afirmam que é todo o sistema, 
incluindo o quarto, os cestos cheios de simbolos e OS discos que contêm os 
programas, e talvez outros artigos também, tomados como uma totalidade, que 
compreende o chinês. Mas isto encontra­se exactamente sujeito à mesma objecção 
que antes fiz. Não há maneira de o sistema poder passar da sintaxe para a 
semântica. Eu, enquanto unidade central de processamento, não tenho maneira de 
calcular qual o significado de qualquer um desses símbolos; mas também não o 
consegue todo o sistema.

Outra resposta de sentido comum é imaginar que pomos o programa da compreensão 
do chinês dentro

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de um robô. Se o robô se deslocasse e m*teragisse causaI@mente com o Mundo, não 
seria isso suficiente para garantir que ele compreendia o chinês? Mais uma vez, 
a inexorabilidade da distinção semântica/sintaxe supera esta manobra. Enquanto 
supusermos que o robô tem apenas o computador por um cérebro então, mesmo que se
pudesse comportar exactamente como se compreendesse o chinês, não conseguiria 
ainda passar da sintaxe para a semântica do chinês. Vocês podem ver isso se 
imaginarem que eu

sou um computador. Numa divisão no crânio do robô, eu manipulo simbolos sem 
saber que alguns deles vêm até mim de câmaras de televisão, ligadas à cabeça do 
computador, e outras saem para mover os braços e as pernas do robô. Enquanto eu 
tiver apenas um programa formal de coniputar, não tenho maneira alguma de ligar 
qualquer significado a qualquer dos símbolos. E o facto de o robô estar 
111serido em interacções causais com o mundo exterior

não me ajudará a ligar qualquer significado com o sínibolo, a não ser que eu 
tenha algum modo de descobrir esse facto. Suponhamos que o robô apanha um 
hamburguer e isso dispara e faz aparecer no quarto o simbolo para hamburguer. 
Enquanto eu tive apenas o símbolo sem qualquer corillecil­nento das suas causas 
ou do modo como ele ali apareceu, não tenho maneira de conhecer o que ele 
significa. As interacções causais entre o robô e o resto do Mundo são 
i.rrelevantes, a não ser que essas uiteracções causais sejam representadas em 
alguma ou noutra mente. Mas, não há nenhuma possibilidade de assim ser, se tudo 
aquilo em que consiste a chamada Mente é apenas um conjunto de operações 
puramente formais o smtáticas.

É importante ver exactamente o que se pretende e o

que não se pretende com o meu argumento. Suponhamos que eu faço a pergunta que 
mencionei no princípio: «Pode uma máquina pensar?» Bem, num certo sentido, 
naturalmente, todos nós somos máquias. Podemos imaginar a matéria dentro das 
nossas cabeças como uma máquina

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de carne. E, naturalmente, todos podemos pensar. Assim, no sentido de «máquina»,
a saber, o sentido em que uma máquina é justamente um sistema físico que é capaz
de realizar certos tipos de operações, nesse sentido, todos somos máquinas e 
podemos pensar. Assim, de uma maneira trivial, há máquinas que podem pensar. Mas
esta

não era a questão que nos preocupava. Assim, tentemos uma diferente formulação. 
Pode um artefacto pensar? Pode urna máquina feita pelo homem pensar? Bem’ mais 
uma vez, depende do tipo de artefactó. Suponhamos que projectamos uma maquina 
que era indistinguivel, molécula a molécula, de um ser humano. Ora bem, se se 
podem duplicar as causas, também se presumivelmente duplicar os efeitos. Assim, 
de novo, a resposta a esta questão é, pelo menos em principio, trivialmente sim.
Se se pudesse construir uma maquina que tivesse a mesma estrutura de um ser 
humano, então presuinívelmente essa maquma seria capaz de pensar. Na realidade, 
seria um ser humano de substituição. Ora, tentemos novamente.

A questão não é: «Pode uma maquina pensar?», ou «Pode um artefacto pensar?» A 
questã o é: «Pode         ‘ um um computador digital pensar?» Mas, mais uma vez,
temos de ser muito cuidadosos em relação à maneira de interpretarmos a questão. 
De um ponto de vista matemático, qualquer coisa se pode descrever como se fosse 
um computador digital. E isso é porque ele pode descrever­se como ilustrando ou 
levando a cabo um programa de computador. Num sentido extremamente trivial, a 
caneta que está diante de mim, em cima da secretária, pode descrever­se como um 
computador digital. Por acaso, tem até um programa de computador muito chato.
0 programa diz: «Permanece al.» Ora, visto que nesse sentido qualquer coisa é um
computador digital, porque qualquer coisa pode descrever­se como realizando um 
programa de computador, então, mais uma vez, a nossa questão obtém uma resposta 
trivial. Naturalmente, os nossos cérebros são computadores digitais, porque reá­

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lizam qualquer número de      ‘programas de computador. E, naturalmente, os 
nossos cerebros podem pensar. Assim, de novo, existe uma resposta trivial para a
questão. Mas não era esta efectivamente a pergunta que tentávamos fazer. A 
questão que quisemos fazer é esta: «pode o computador digital, tal como foi 
defu­lido, Pensar?» Isto é, o ilustrar ou realizar o correcto programa de 
computador com as entradas e saídas correctas é suficiente Para ou constitutivo 
do pensamento?» E para esta questão, diferentemente do que acontecia com as suas
predecessoras, a resposta é claramente «Não». E é «Não» pela razão que antes 
indicámos, a saber, o programa de computador define­se apenas em termos 
síntáticos. Mas pensar é mais do que apenas uma questão de eu manipular simbolos
sem sigm'ficado; implica conteúdos semânticos significativos. Estes conteúdos 
semânticos são aquilo que nós indicamos por «signi@ficado».

E importante sublinliar mais uma vez que nao estamos a fãlar acerca de um 
estádio particular da tecnologia dos computadores. 0 argumento nada tem a ver 
com os avanços futuros espantosos na ciência dos computadores. Nada tem a ver 
com a distmição entre processos seriais e paralelos ou com o tamanho dos 
programas ou a velocidade das operações do computador, ou com computadores que 
podem interagir causalmente com o seu ambiente, ou mesmo com a invenção de 
robôs. 0 progresso tecnológico é sempre grosseiramente exagerado, mas, mesmo 
eliminando o exacrero, o desenvolvimento dos computadores foi muito notável e 
podemos sensatamente esperar que, no futuro, amída se farão progressos mais notá
veis. Sem dúvida, estaremos muito mais capacitados para simular o comportamento 
humano em computadores do que o podemos fazer agora e certamente muito melhor do
que o conseguimos fazer no

passado. 0 que eu quero realçar é que, se estalilos a falar da existência de 
estados mentais ou de unia mente, todas essas simulações são simplesmente 
irrelevantes. Não ínte­

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ressa a boa qualidade da temologia ou a rapidez com que os cálculos são feitos 
pelo computador. Se é realmente um computador, as suas operações têm de 
definir~se sintaticamente, ao passo que a consciência, os pensamentos, os 
sentimentos, as emoções e tudo o resto implicam mais do que uma sintaxe. 0 
computador é, por defnúção, incapaz de duplicar essas caracteristicas, por mais 
poderosa que possa ser a sua habilidade em simular. A distinção essencial tem 
aqui lugar entre duplicação e simulação. E nenhuma simulação, por si mesma, 
alguma vez constitui a duplicação.

0 que até agora fiz foi dar uma base à opinião de que aquelas citações com que 
comecei esta conferência são realmente tão absurdas como parecem. Há, no 
entanto, uma questão intrigante nesta discussão e é: «Porque é que alguém terá 
cogitado que os computadores podem pensar ou ter sentimentos e emoções e tudo o 
mais.» Ao fim e ao cabo, podemos fazer simulações de computador de qualquer 
processo do qual se possa fornecer uma descrição formal, Assim, podemos fazer 
uma simulação por computador da circulação do dinheiro na economia britânica ou 
do modelo de distribuição do poder no Partido Trabalhista. Podemos fazer a 
simulação por computador das chuvadas nos contados à volta de Londres ou dos 
incendios de armazéns no Leste de Londres. Ora, em cada um destes casos, ninguém
supoe que a simulação por computador é efectivamente uma coisa real; ninguém 
supõe que a simulação por computador de uma tempestade, de uma trovoada, nos 
deixará todos molhados, ou que a simulação por computador de um incêndio vai 
queimar toda a nossa casa. Por que diabo alguém no seu completo juizo, havia de 
supor que a simulação por computador dos processos mentais teria efectivamente 
processos mentais? Por meu lado, não sei que hei­de responder a isto, uma vez 
que a ideia, para falar com franqueza, me parece inteiramente louca desde o 
Üilício. Mas posso fazer algumas especulações.

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Em primeiro lugar, no tocante à mente, há ainda muitas pessoas tentadas por 
alguma espécie de behaviorismo. Pensam que, se um sistema se comporta como se 
entendesse chinês, então ele deve efectivamente entender chinês. Mas já 
refutámos esta forma de behaviorismo com o argumento do quarto chinês. Outra 
suposição feita por muitas pessoas é a de que a mente não é uma parte do mundo 
biológico, não é uma parte do mundo da natureza. E nisto que se baseia. A 
concepção da inteligência artificial forte, na sua concepção de que a mente e 
puramente formal e que, de algum ou outro modo, não pode ser tratada como um 
produto concreto de processos biológicos, como qualquer outro produto biolófico.
Há nestas discussões, em suma, uma espécie de dualismo residual. Os partidários 
da IA crêem que a mente é mais do que uma parte do mundo biológico natural; 
pensam que a mente é especificável em termos puramente formais. 0 paradoxo de 
tudo isto é que a literatura da IA está cheia de flilminações contra a concepção
chamada «dualismo», mas, na realidade, toda a tese da IA forte se baseia numa 
espécie de dualismo. Funda­se numa rejeição da ideia de que a mente é justamente
um fenômeno biológico natura­ do mundo, como qualquer outro.

Quero concluir este capítulo apresentando juntamente as teses do primeiro e do 
segundo capítulos. Ambas as

teses se podem enunciar de um modo muito simples. E, na realidade, vou enunciá­
las com uma crueza talvez excessiva. Mas, se as pusermos conjuntamente, penso 
que obtemos uma concepção bastante poderosa das relações entre mentes, cérebros 
e computadores. E o argumento tem uma estrutura lógica muito simples, de maneira
que vocês podem ser se ele é válido ou inválido. A primeira premissa é:

i. Os cérebros causam mentes. Ora, naturalmente, isto é de facto demasiado rude.
0 que queremos dizer é que os processos mentais Gue.

na nossa consideração, constituem a mente são causaàos,’

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inteiramente causados, por processos que ocorrem dentro do cérebro. Mas sejamos 
rudes, abreviemos isto com três palavras ­ cérebros causam mentes. E isto é 
justamente facto sobre o modo como o Mundo actua. Escrevamos agora a proposição 
número dois:

2. A sintaxe não é suficiente para a semântica.

Esta proposição é uma verdade conceptual. Articula precisamente a nossa 
distinção entre a noção daquilo que é puramente formal e aquilo que tem 
conteúdo. Ora, a estas duas proposições, que os cérebros causam mentes e que a 
sintaxe não é suficiente para a semântica, acrescentemos uma terceira e uma 
quarta:

3. Os programas     de computador são inteiramente defi­

nidos pela sua estrutura jormal ou sintática.

Esta posição, na minha opinião, é verdadeira por definição; é parte do    que 
significamos com a noção de um programa de computador.

4. As mentes têm conteúdos       mentais; especificamente,

têm conteúdos semânticos.

E isto é para mim um facto       óbvio acerca do modo como as mentes agem. Os 
meus          pensamentos, crenças e desejos são acerca de alguma coisa, ou 
referem­se a alguma coisa ou dizem respeito a estados de coisas no Mundo; e 
fazem isso porque o seu conteúdo os dirige para esses estados de coisas no 
Mundo. Ora, a partir destas quatro premissas, podemos tirar a nossa primeira 
conclusão; ela segue­se obviamente das premissas dois, três e quatro:

CONCLUSXO i. Nenhum programa de computador é, por si mesmo, suficiente para dar 
uma mente a um sistema. Os programas, em suma, não sio mentes e por si mesmos 
não chegam para ter mentes.

Ora, esta é uma conclusão muito poderosa, porque significa que o projecto de 
tentar criar mentes unicamente

48
mediante o projectar programas está condenado, desde o início. E é importante 
tomar a sublinhar que isto nada tem a ver com qualquer estado particular da 
tecnologia ou qualqger estado particular da complexidade do programa. E um 
resultado puramente formal ou lógico, a partir de um conjunto de axiomas que são
aceites por todos (ou quase por todos) os disputantes em questão. Isto é, mesmo 
a maioria dos mais violentos entusiastas da Inteligência Artificial reconhece 
que, de facto, enquanto assunto de biologia, os processos cerebrais causam 
estados mentais e reconhecem também que os programas se definem. de um modo 
puramente formal. Mas, se se juntarem todas estas condusões com algumas outras 
coisas que conhecemos, então, segue­se imediatamente que o projecto de IA forte 
é incapaz de realiz,­@ção e de cumprimento.

No entanto, já que obtivemos estes axiomas, vejamos o que é que podemos ainda 
derivar mais. Eis uma segunda conclusão:

CONCLUSÃO 2. A maneira como asJunç,3es cerebrais causam mentes não pode ser 
apenas em virtude da activação de um programa de computador.

E esta segunda conclusão segue­se da junção da primeira pren­ússa com a nossa 
primeira conclusão. Isto é, a partir do facto de que cérebros causam mentes e 
que os programas não são suficientes para esse trabalho, segue­se que a maneira 
como os cérebros causam mentes não pode ter lugar apenas em virtude da activação
de um programa de computador. Ora, também considero isto um resultado 
importante, porque t@_m a consequência de que o cérebro não e ou, pelo menos, 
não é justamente um computador digital. Vimos antes que qualquer coisa se pode 
descrever, de um modo trivial, como se fosse um computador digital, e os 
cérebros não são excepção. Mas a importância desta conclusão é que as 
propriedades

49
computacionais do cérebro não são simplesmente suficientes para explicar o seu 
funcionamento para produzir, estados mentais. E, efectivamente, isto deveria 
parecer­nos, de qualquer maneira, uma conclusão cientifica bastante trivial 
porque tudo o que faz é lembrar­nos o facto de que os cérebros são máquinas 
biológicas; a sua biologia tem importância. Não é, como vários praticantes da 
Inteligência Artificial afirmaram, um facto irrelevante que a mente se realize 
em cérebros humanos.

A partir da nossa primeira premissa, podemos agorra também derivar uma terceira 
conclusão:

CONCLUSXO 3. Tudo o mais que causou mentes deveria ter poderes causais, pelo 
menos, equivalentes aos do cérebro.

E esta terceira conclusão é uma consequência trivial da nossa primeira premissa.
É um pouco como dizer que, se

o meu motor a gasolina impele o carro a cem quilómetros por hora, então, 
qualquer motor a diesel que fosse capaz de fazer o niesmo deveria ter também uma
salda energética, pelo menos, equivalente à do meu motor a gasolina. Decerto, 
algum outro sistema­ poderá causar processos mentais utilizando caracteristicas 
quimicas ou bioquimicas inteiramente diferentes das que o cérebro efectivamente 
usa. Pode ser que venha a descobrir­se que, noutros planetas ou noutros sistemas
solares, existem seres com estados mentais que utilizam uma bioqum'u'ca 
miteiramente diversa da nossa. Suponhamos que os marcianos chegaram à Terra e 
conclUlmos que eles têm estados mentais. Mas suponhamos que, quando as suas 
cabeças fossem abertas, se descobria que tudo o que têm dentro era apenas lama 
verde. Pois bem, mesmo então a lama verde, se funcionasse de maneira a produzir 
consciência e tudo o mais qUe é caracteristico da vida mental, deveria ter 
poderes causais iguais aos do cérebro humano. Mas agora, da nossa primeira 
conclusão, de que os programas não são sufi­

50
cientes, e da nossa terceira conclusão, de que qual er outro sistema deveria ter
poderes causais iguais ao cére ro, segue­se imediatamente a:

CONCLUSÃO4­ Para qualquer artejacto, que pudéssemos construir, o qual tivesse 
estados mentais equivalentes aos estados mentais humanos, a realização de um 
programa de computador não seria por si só suficiente. Antes, o artefacto 
deveria ter poderes equivalentes aos poderes do cérebro humano.

0 resultado desta discussão é, creio, lembrar­nos de algo que já sabemos há 
muito: a saber, os estados mentais

ci, . são fénómenos biológicos,. A cons iência, a íntencionalidade, a 
subjectividade e a causação mental fazem todos parte da nossa história vital 
biológica, juntamente com o crescimento, a reprodução, a secreção da bilis e a 
digestão.

51
111

A CIÊNCIA COGNITIVA

Sentimo­nos perfeitarnente confiantes ao afirmar coisas como esta: «Basil. votou
a favor dos Conservadores porque gostou da actuação da Senhora Tatcher na 
questão das Malvinas», mas não sabemos como proceder em afirmações de coisas 
como esta: «Basil votou nos Conservavadores em virtude de uma condição do seu 
hipotálamo.» Isto é, temos explicaçõ es de sentido comum para o comportamento 
das pessoas em termos mentais, em termos dos seus desejos, aspirações, temores, 
esperanças, e assim por diante. E supomos que deve existir também um tipo 
neurofisiológico de explicação do comportamento das pessoas em termos de 
processos que têm lugar nos seus cérebros. 0 problema é que a primeira das 
explicações funciona bastante bem na prática, mas não é científica; ao passo que
a segunda é certamente científica, mas não sabemos como fazê­la funcionar na 
prática.

Ora, isto deixa­nos ficar, aparentemente, com um hiato, um hiato entre o cérebro
e a mente. E alguns dos inaiores esforços intelectuais do século xx foram ten­

53
tativas para colinatar este hiato, para obter uma ciência do comportamento 
humano que não era justamente a Psicolo­
9,ia de senso comum da avozinha, mas também não era a neurofisiologia 
científica. Até ao dia de hoje, sem excepção, os esforços para colmatar essa 
lacuna redundaram em fiasco. 0 beliaviorismo foi o fracasso mais espectacular, 
mas, durante a minha vida, vivi no meio de afirmações exageradas feitas em nome 
de e, eventualmente, decepcionadas pela teoria dos jogos, pela cibernética, pela
teoria da informação, pelo estruturalismo, pela sociologia e vá rias outras. A 
fim de me antecipar um pouco, vou afirmar que todos os esforços para colmatar a 
lacuna falham porque não existe nenhuma lacuna para colmatar.

Os esforços mais recentes para tapar o buraco baseiam­se em analogias entre os 
seres humanos e os computadores digitais. Na versão mais extrema desta 
concepção, que eu chamo « Inteligência Artificial forte» ou apenas «IA forte», o
cérebro é um computador digital e a mente é justamente um programa de 
computador. É a concepção que refutei no último capitulo. Uma ten­

tativa recente aparentada para tapar buracos é muitas vezes chamada 
«cognítivísmo», porque procede do trabalho feito em Psicologia Cógnitiva e em 
Inteligência Artificial e forma a corrente principal de uma nova disciplina da 
«Ciência Cognitiva». Tal como a IA forte, vê o computador como a imagem correcta
da mente, e não apenas como uma metáfora. Mas, diferentemente da IA forte, não 
afirma ou, pelo menos, não tem de afirmar que os computadores têm literalmente 
pensamentos e sentimentos.

Se se houvesse de resumir o programa de investigação do cognitivismo, soaria 
assim: pensar é processar informação, mas o processamento de informação é 
justamente manipulação de simbolos. Os computadores fazem manipulação de 
simbolos. Assim, a melhor maneira de estudar o pensamento (ou, como eles 
preferem dizer, a «cognição») é estudar os programas computacionais de

54
manipulação de símbolos, quer existam em computadores ou em, cérebros. Segundo 
esta concepção, pois a tarefa da ciência cognitiva, e caracterizar o cérebro, 
não ao nível das células nervosas nem ao nível dos estados mentais conscientes, 
mas antes ao nível do seu funcionamento como sistema de processamento de 
informação. E é assim que o hiato fica colmatado.

Não posso exagerar até que ponto este processo de investigação pareceu constitui
um avanço importante na ciência da mente. Na realidade, segundo os seus 
defensores, pode mesmo ser o avanço que finalmente colocará a Psicologia numa 
base cientifica segura, agora que ela se libertou das ilusões do beliaviorismo.

Vou, nesta lição, atacar o cognitivismo, mas quero começar por ilustrar o seu 
atractivo. Sabemos que existe um nível de psicologia migénua, de senso comum, 
psicologia da avozinha, e também um mível da neurofisiologia ­ o nível dos 
neurónios e dos módulos neuronais e das smapses e dos neurotransnússores e de 
tudo o mais. Assim, por que é que alguém havia de supor que entre estes dois 
rilveis existe também um nivel de processos mentais que sã o processos 
computacionais? E, de facto, por que havia alguém de supor que é a este nível 
que o cérebro

executa as funções que nós consideramos essenciais para a sobrevivência do 
organismo ­ a saber, as funções do processamento da informação?

Ora bem, há várias razões: primeiramente, seja­me permitido mencionar uma que é 
um tanto desonrosa, mas penso que é hoje muito influente. Porque não 
compreendemos muito bem o cérebro, somos constantemente tentados a usar a última
tecnologia como um modelo para o tentar compreender. Na minha infância, 
asseguravam­nos que o cérebro era um quadro telefónico. («0 que é que ele 
poderia ser mais?»). Diverti­me ao ver que Sherrington, o grande neurocientista 
britâmico, pensava que o cérebro trabalhava como um sistema telegráfico. Freud 
comparou multas vezes o cérebro a sistemas

55
hidráulicos e electromagnéticos. Lelbniz comparou­o a um moinho e disseram­me 
que alguns dos antigos gregos pensaram que o cérebro funciona como uma 
catapulta. Hoje em dia, como é óbvio, a metáfbra é o computador digital.

E, a propósito, isto quadra muito bem com as tolices geralmente exageradas que 
hoje ouvimos acerca dos computadores e dos robôs. A imprensa popular garante­nos
frequentemente que estamos à beira de ter robôs domésticos que farão todo o 
trabalho doméstico, tomarão conta das nossas crianças, diverti­las­ão com uma 
conversa viva e que cuidarão de nós na velhice. Isto, naturalmente, é em grande 
parte pura tolice. De nenhum modo estamos à beira de conseguir produzir robôs 
que possam fazer quaisquer dessas coisas. E, na realidade, os robôs bem 
sucedidos têm sido confmados a tarefas muito restritas, em contextos muito 
limitados, como o das cadeias de produção da indústria automóvel.

Bem, regressemos às razões sérias que as pessoas têm para supor que o 
cognitivismo é verdadeiro. Em primeiro lugar, s@póem. que efectivamente possuem 
alguma prova psicológica de que ele é verdadeiro. Há duas espécies de provas, a 
primeira provém das experiências do tempo de reacção, isto é, experiências que 
mostram que diferentes tarefas intelectuais exigem diferentes quantidades de 
tempo para que as pessoas as possam executar. A ideia aqui é que, se as 
diferenças na quantidade de tempo que às pessoas gastam são paralelas às 
diferenças no tempo que um computador gastará, então, isto é pelo menos uma 
prova de que o sistema humano trabalha com os mesmos princípios que um 
computador. A segunda espécie de prova procede da linguistica, especialmente do 
trabalho de Chonisky e dos seus colegas em gramática generativa. A ideia aqui é 
que as regras formais da gramática, que as pessoas seguem ao falarem uma língua,
são semelhantes às regras formais que um coniputador segue.

Não vou dizer muitas coisas acerca da prova do tempo de reacção, porque penso 
que qualquer um concorda que

56
é de todo inconclusiva e sujeita a muito diferentes interpretações. Direi alguma
coisa acerca da prova linguistica.

Contudo, subjacente à interpretação computacional de ambas as espécies de prova 
existe uma razão muito mais profiinda e, creio, mais influente para se aceitar o
cognitivismo. A segunda razão é uma tese geral que supostamente as duas espécies
de prova devem exemplificar, e reza assim: porque podemos conceber computadores 
que seguem regras quando processam informação e porque, aparentemente, os seres 
humanos também seguem regras ao pensar, então, existe algum sentido unitário em 
que o cérebro e o computador funcionam de uma maneira semelhante ­ e, na 
realidade, talvez idêntica.

0 terceiro pressuposto que subjaz ao programa de investigação cognitivista é já 
velho. Remonta a Leibm'z e, provavelmente, até mesmo a Platão. E o pressuposto 
de que uma realizaçã o mental deve ter causas teoréticas. É o pressuposto de que
se o resultado de um sistema é significativo no sentido de que, por exemplo, a 
nossa habilidade para aprender uma língua ou a nossa habilidade para reconhecer 
faces é uma habilidade cognitiva significativa, então, deve existir alguma 
teoria, internalizada de algum modo nos nossos cérebros, que está na base dessa 
habilidade.

Por fim, há uma outra razão que leva as pessoas a aderirem ao programa de 
investigação cognitivista, especialmente se têm inclinação filosófica. Não 
conseguem ver nenhuma outra maneira de compreender a relação entre a mente e o 
cérebro. Visto que compreendemos a relação do programa de computador com o lado 
material do computador, este fornece um modelo excelente, talvez o único modelo,
que nos capacitará a explicação das rela~ ções entre a mente e o cérebro. já 
respondi a esta pretensão no primeiro capitulo, de maneira que não preciso agora
de novamente a discutir.

Bem, que iremos fazer dos argumentos a favor do cognitivismo? Não creio que 
tenha feito uma refutação

57
total do cognitivismo tal como a penso ter feito da IA forte. Mas creio que, se 
examinarmos os argumentos que se fornecem em favor do cognitivismo, veremos que 
eles são muito débeis e, efectivamente,, uma exposição das suas debilidades 
capacitar­nos­á para compreender várias diferenças importantes entre a maneira 
como os seres humanos se comportam e o modo como os computadores fimcionam.

Comecemos pela noção do seguimento de regras. Dizem­nos que os seres humanos 
seguem regras e que os computadores seguem regras. Mas quero afirmar que existe 
uma diferença crucial. No caso dos seres humanos, sempre que seguimos uma regra,
somos guiados pelo conteúdo efectivo ou pelo significado efectivo da regra. No 
caso do seguimento de regras pelos humanos, os signíficados causam 
comportamento. Ora, naturalmente, não causam comportamento por si mesmos, mas 
desempenham um papel causal na produção da conduta. Por exemplo, consideremos a 
regra: «Guíe pela esquerda na Inglaterra.» Ora, sempre que venho à Inglaterra 
tenho que recordar esta regra. Como é que ela funciona? Afirmar que obedeço à 
regra é dizer que o significado desta regra, isto é, o seu conteúdo semântico, 
desempenha algum tipo de papel causal na produção do que eu efectivamente faço. 
Note­se que há muitas outras regras que descreveriam o que está a acontecer. Mas
elas não são as regras que eu, na realidade, estou a seguir. Assim, por exemplo,
pressupondo que eu me encontro numa via com duas faixas e que o volante está 
localizado no lado direito do carro, então, poder­se­ía dizer que o meu 
comportamento está de acordo com a regra: «Guie de maneira que o volante esteja 
mais perto da faixa central da via.» Ora, isto é, efectivamente, uma descrição 
correcta do meu comportamento, mas não é a regra que eu sigo na Inglaterra. A 
regra que eu sigo é: «Guie pela esquerda.»

Quero que este ponto fique completamente claro. Assim, seja­me permitido 
fornecer ainda um outro exem­

58
plo. Quando os meus filhos foram à Oakland Driving School ensinaram­lhes uma 
regra para estacionar carros. A regra era: «Dirija o carro para a berma rodando 
inteiramente o volante para a direita até que as rodas da frente do seu carro 
fiquem alinhadas pelas rodas traseiras do carro que está à f@ente. Depois, rode 
inteiramente o volante para a esquerda.» Ora, note­se que se eles seguem esta 
regra, então o seu significado deve desempenhar um papel causal na produção do 
seu comportamento. Interessei­me em aprender esta regra porque não é urna regra 
que eu siga. Efectivamente, não sigo regra nenhuma quando estaciono um carro. 
Olho apenas para a berma e tento chegar­me a ela o mais que posso, sem amolgar 
os carros que estão à minha frente ou atrás de mim. Mas, atenção, podia muito 
bem acontecer que o meu comportamento, visto de fora, contemplado externamente, 
seja idêntico ao comportamento da pessoa que está a seguir a regra. No entanto, 
não seria verdadeiro afirmar acerca de nu*m  que estou a seguir a regra. As 
propriedades formais da conduta não sã o suficientes para mostrar que uma regra 
está a ser seguida. Para que a regra seja seguida, o significado da regra tem de
desempenhar algum papel causal na conduta.

Ora, a moral desta discussão para o cogluítivismo pode apresentar­se de um modo 
muito simples: no sentido em que os seres humanos seguem regras (e, 
incidentalmente, os seres humanos seguem regras bastante menos do que pre” 
tendem os cognitivistas), nesse sentido os computadores de nenhum modo seguem 
regras. Apenas actuam de acordo com certos procedimentos Jormais. 0 programa do 
computador determina os vários passos que o maquinismo deve fazer; determina o 
modo como um estado será transformado num estado subsequente. E podemos falar 
metajoricamente como se se tratasse do seguimento de regras. Mas, no

sentido literal em que os seres humanos seguem regras os computadores não seguem
regras, apenas act~ como se estivessem a seguir regras. Ora, tais metáfor^

59
são totalmente m'ócuas; na realidade, são até comuns e úteis na ciência. Podemos
falar metaforicamente de qualquer sistema como se ele seguisse regras, por 
exemplo, o sistema solar. A metáfora só se toma prejudicial quando se confunde 
com o sentido literal. Está muito bem utilizar unia metáfora psicológica para 
explicar o computador. A confusão surge quando a metáfora se toma à letra e se 
usa o sentido metafórico do computador de seguir regras para tentar explicar o 
sentido psicológico do seguimento de regras, em que a metáfora se baseava em 
primeiro lugar.

E estamos agora em condições de afirmar qual era o

erro presente na evidência linguistica a favor do cognitivismo. Se é, decerto, 
verdade que as pessoas seguem regras de sintaxe quando falam, isso não mostra 
que elas se comportem como computadores digitais, porque, no sentido em que elas
seguem regras de sintaxe, o computador não segue de modo algum quaisquer regras.
Executa apenas procedimentos formais.

Temos assim dois sentidos do seguir regras, um literal e outro metafórico. E é 
muito fácil confundiros dois. Ora, eu quero aplicar estas lições à noção de 
processamento de informação. Creio que a noção de processamento de informação 
inclui uma confusão maciça semelhante. A ideia é que, uma vez que eu processo 
informaçã o ao pensar e visto que a minha máquina de calcular processa 
informação quando toma alguma coisa como uni dado inicial, o transforma e produz
informação como resultado, então deve existir algum sentido unitário em que 
ambos estamos a processar informação. Mas isto parece­me obviamente falso. 0 
sentido em que eu faço processamento de informação, ao pensar, é o sentido em 
que eu estou consciente ou inconscientemente empenhado em certos processos 
mentais. Mas, neste sentido do processamento da informação, a calculadora não 
faz processamento de informação porque não possui quaisquer processos mentais. 
Simplesmente imita ou simula as caracte­

60
rísticas formais dos processos mentais que eu tenho. Isto e, mesmo se os passos 
que a calculadora atravessa são for malmente idênticos aos passos que eu dou, 
isso não mos­

tra que a máquina faz algo de semelhante ao que eu faço, pela simples razão de 
que a calculadora não tem fenómenos mentais. Ao somar seis e três, não sabe que 
o algarismo seis está em vez do número seis e que o algarismo três

está em lugar do número três e que o sinal mais está em lugar da operação da 
adição. E isso pela simples razão de que ela não conhece coisa alguma. De facto,
é essa a razão por que temos calculadoras. Podem fazer cálculos mais rapidamente
e com maior exactidão do que nós podemos sem ter de atravessar qualquer esforço 
mental para o fazer. No sentido em que nós temos de atravessar o processamento 
de informação, elas não o fazem.

Precisamos, pois, de fazer uma distinção entre os dois sentidos da noção de 
processamento de informação. OU, pelo menos, dois tipos radicalmente diferentes 
de processamento de informação. 0 primeiro tipo, que eu chamarei «processamento 
psicológico de informação», implica estado mentais. Ou, em termos mais 
grosseiros: quando as pessoas realizam operaçõ es mentais, pensam efectivamente,
e o pensamento implica caracteristicamente o processamento de informação de um 
ou de outro tipo. Mas existe um outro sentido de processamento de infor­ mação 
no qual não existem quaisquer ­estados mentais. Nestes casos, há processos como 
se estivesse a ocorrer algum processamento mental de informação. Chamemos a esta
segunda espécie de casos de processamento de informação formas «como se» de 
processamento de informação. É perfeitamente inócuo usar estes dois tipos de 
atribuições mentais, contanto que não as confundamos. Contudo, o que descobrimos
no cogintivismo é uma persistente confusão dos dois.

Ora, uma vez que divisamos claramente esta distinção, podemos ver uma das mais 
profundas fraquezas do argumento cognitivista. A partir do facto de que eu

61
faço processamento de informação ao pensar e do facto de que o computador faz 
processamento de informação
­ mesmo processamento de informação que pode simular as características formais 
do meu pensamento ­, não se segue sem mais que existe algo de psicologicamente 
relevante acerca do programa de computador. De maneira a mostrar relevância 
psicológica, deveria haver algum argumento independente de que a forma «corno 
se» do processamento computacional de informação é psicologicamente relevante. A
noção de processamento de informação usa­se para mascarar essa confusão, porque 
uma expressão é utilizada para cobrir dois fenômenos completamente distintos. Em
suma, a confusão que descobrimos a propósito do seguimento de regras tem um 
paralelo exacto da noção do processamento de informação.

Contudo, existe uma confusão mais profunda e mais subtil na noção de 
processamento de informação. Note­se que, no sentido «corno se» do processamento
de infiormação qualquer sistema se pode descrever como se estivesse a fazer o 
processamento de informação e, na realidade, poderiamos mesmo utilizá­lo para 
reunir informação. Assim, não é apenas uma questão de utilizar calculadoras e 
computadores. Consideremos, por exemplo, a água a correr pela encosta abaixo. 
Ora, podemos descrever a água como se ela estivesse a fazer processamento de 
informação. E poderiamos mesmo utilizá­la para obtermos informação. Poderiamos 
utilizá­la, por exemplo, para obter informação acerca da linha de menor 
resistência nos contornos da encosta. Mas, não se segue dai que exista alguma 
relevância psicológica a propósito do deslizar da água pela encosta abaixo. Não 
existe psicologia alguma na acçã o da gravidade sobre a água.

Mas podemos aplicar as lições que a este respeito tirámos ao estudo do cérebro. 
É um facto ó bvio quí@ o cérebro tem um nivel de efectivos processos 
psicológicos de Miformação. Repetindo, as pessoas pensam efectivamente e o 
pensamento ocorre nos seus cérebros. Além

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disso, há todo o tipo de coisas que têm lugar no cérebro ao nível 
neurofisiológico e que, de facto, causam os nossos processos de pensamento. Mas,
muitas pessoas supoem que, além desses dois níveis, o nível da psicologia 
ingénua e o nível da neurofisiologia, deve existir algum nível adicional de 
processamento de informação computacional. Ora, por que é que supõem isso? Creio
que é, em parte, por confundirem o nível psicologicamente real de processamento 
de informação com a possibilidade de fornecerem descrições «como se» de 
processamento de informação dos processos que ocorrem no cérebro. Se se falar de
água a correr pela encosta abaixo, toda a gente pode ver que isso é 
psicologicamente irrelevante. Mas é muito mais difícil ver que exactamente a 
mesma coisa se aplica ao cérebro.

0 que é psicologicamente relevante acerca do cérebro é o facto de que ele contém
processos psicológicos e tem uma neurofisiologia que causa e realiza esses 
processos. Mas o facto de podermos descrever outros processos no cérebro, a 
partir de um ponto de vista «como se» do processamento de informação, não 
fornece por si mesmo qualquer prova de que são psicologicamente reais ou mesmo 
psicologicamente relevantes. Visto que estamos a falar da parte interna do 
cérebro, é muito mais difícil ver a confusão, mas trata­se exactamente da mesma 
confusão, que existe em supor que, por a água que escorre pela encosta realizar 
uma forma «como se» do processamento de informação, houvesse alguma psicologia 
oculta na água que desce pela encosta.

A seguinte suposição que importa examinar é a ideia de que, por detrás de todo o
comportamento significativo, deve existir alguma teoria interna. Essa suposição 
encon­

tra­se em muitas áreas e não apenas na psicologia cognítiva. Assim, por exemplo,
a busca de Chomsky de uma gramática universal baseia­se no pressuposto de que 
existem certas características comuns a todas as línguas e, se esm

características são forçadas pelas características comUnS do

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cérebro humano, então, deve existir no cérebro um inteiroconjunto complexo de 
regras de gramática universal. Mas uma hipótese muito mais simples seria a de 
que a estrutura fisiológica do cérebro instiga gramáticas possi~ veis sem a 
intervenção de um nivel intermediário de regras ou teorias. Não só esta hipótese
é mais simples, mas também a existência real de características universais da 
lingua incitadas pelas caracteristicas inatas do cérebro sugere que o nível 
neurofisiológico da descrição é suficiente. Não precisamos de supor que existem 
quaisquer regras por cima das estruturas neurofisiológicas.

Algumas analogias, espero, elucidarão este ponto. Constitui um facto simples 
acerca da visão humana que nós não podemos ver mífravermelhos ou ultravioletas. 
Ora, acontecerá isso porque temos uma regra universal de gramática visual que 
diz: «Não veja infravermelhos ou ultravioletas?» Não, é obviamente porque o 
nosso aparelho visual não é sensível a esses extremos do espectro. Naturalmente,
poderiamos descrever­nos a nós mesmos como se estivéssemos a seguir uma regra de
gramática visual, mas, mesmo assim, não estamos. Ou, para mencionar outro 
exemplo, se tentássemos fazer uma análise teorética da habilidade humana em 
permanecer em equilíbrio ao carninhar, poderia parecer como se estivessem a 
ocorrer alguns processos mentais mais ou menos complexos, como se admitindo 
interpretaçõ es de diversos tipos resolvêssemos séries de equações quadráticas, 
inconscientemente é claro, e estas nos capacitassem para caminhar sem cairmos. 
Mas sabemos efectivamente que este tipo de teoria mental não é necessário para 
explicar a realização do canuinhar sem cair. De facto, tem lugar em larga medida
mediante fluidos no ouvido interno, que simplesmente não fazem qualquer cálculo.
Se rodopiarmos o suficiente para perturbar os fluidos, é provável que calamos. 
Ora bem, quero sugerir que grande parte das nossas realizações cognitivas podem 
muito bem ser semelhantes a esta. É o cérebro que as faz. Não temos boas razões 
para supor que, além do nível

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dos nossos estados mentais e do nível da nossa neurofisiologia, ainda tem lugar,
de modo inconsciente, algum cálculo.

Consideremos o reconhecimento dos rostos. Todos reconhecemos os rostos dos 
nossos amigos, parentes e conhecidos, mas sem esforço; e, na realidade, temos 
agora provas de que certas porções do cérebro são especializadas no 
reconhecimento dos rostos. Como é que ele funciona? Bem, suponhamos que vamos 
projectar um computador que, como nós, poderia reconhecer os rostos. Deveria 
levar a cabo uma tarefa computacional implicando uma boa dose de cálculo de 
características geométricas e topológicas. Mas existe alguma prova de que a 
maneira como a fazemos implica cálculo e computação? Observe­se que, ao 
caminharmos em areia molhada e deixarmos uma pegada, nem os nossos pés nem a 
areia fazem qualquer computação. Mas, se fôssemos a projectar um programa que 
deveria calcular a topologia de uma pegada a partir da informação acerca de 
pressões diferenciais na areia, seria uma tarefa computacional extremamente 
complexa.
0 facto de uma simulação computacional de um fenómeno natural implicar um 
processo complexo de processamento de informação não revela que o próprio 
fenômeno implique semelhante processamento. E pode até ser que o reconhecimento 
facial seja tão simples e tão automático como o deixar pegadas na areia.

Na realidade, se prosseguirmos consistentemente na analogia do computador, 
descobrimos que muitas coisas

ocorrem no computador que também não são processos computacionais. Por exemplo, 
no caso de algumas calculadoras, se perguntarmos: «Como é que a calculadora 
multiplica sete por três?», a resposta é: «Adicciona. três a si mesmo sete 
vezes.» Mas se perguntarmos: « Como é que ela soma três a si mesmo?», não existe
para esta pergunta qualquer resposta computacional; é simplesmente feita no 
hardware. Assim, a resposta à questão é: «É assim que o faz.» E quero sugerir 
que para muitas habilidades absolutamente

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fundamentais, como a nossa capacidade de ver ou a nossa capacidade de aprender 
uma lffigua, talvez não exista qualquer nível mental teorético suIjacente a 
essas capacidades: o cérebro simplesmente as faz. Estamos neurofisiologicamente 
de tal modo construidos que o assalto dos fotões às nossas células 
fotoreceptoras nos capacita para ver e estamos neurofisiologicamente de tal modo
construidos que a estimulação do ouvir outras pessoas a falar e a interacção com
elas nos capacita para aprender uma ligua.

Ora, não estou a dizer que as regras não desempenham qualquer papel no nosso 
comportamento. Pelo contrário, regras de Imíguagem. ou regras de jogos, por 
exemplo, parecem desempenhar um papel crucial na conduta relevante. Mas afirmo 
que é uma questão astuciosa decidir quais as partes do comportamento que são 
governadas por regras e quais as que não são. E não podemos supor que todo o 
comportamento significativo tenha suIjacente algum sistema de regras.

É este talvez um bom lugar para dizer que, embora não seja optimista acerca do 
projecto global de investigação do cognitivismo, penso que se podem 
provavelmente conseguir desse esforço muitas ideias, e certamente não pretendo 
desencorajar quem quer que seja de tentar provar que estou enganado. E mesmo que
eu tenha razão, podem conseguir­se muitas ideias a partir de projectos de 
investigação falhados; o beliaviorismo e­ a psicologia freudiana são dois casos 
destes. No caso do cognitivismo, tenho ficado especialmente impressionado pelo 
trabalho de David Marr sobre a visão e pelo trabalho de outras pessoas sobre « 
compreensão da linguagem naturah, isto e, sobre o esforço de levar os 
computadores a simular a produção e a interpretação da linguagem humana 
coloquial.

Desejo concluir este capitulo com uma nota mais positiva, mencionando quais as 
implicações desta abordagem para o estudo da mente. Como um modo de

66
q al

contradizer o quadro cognitivista, deíxem­me apresentar uma abordagem 
alternativa à soluçã o dos problemas que assediam as Ciências Sociais. 
Abandonemos a ideia de que existe um programa de computador entre a mente e o 
cérebro. Pensemos a mente e os processos mentais como fenômenos biológicos, que 
têm um fundamento biológico semelhante ao do crescimento ou digestão ou à 
secreção da bílis. Pensemos a nossa experiência visual, por exemplo, como o 
produto final de uma série de eventos

ue começa com o assalto de fotões na retina e acaba gures no cérebro. Ora, 
existirão dois niveis ordinários de descrição na explicação causal do modo como 
a visão ocorre nos animais. Haverá em primeiro lugar, um iúvei da 
neurofisiologia; um nível no qual podemos discutir neurónios individuais, 
SM'apses e potenciais de acção. Mas, dentro deste nível neurofisiológico, 
descobriremos níveis inferiores e superiores de descrição. Não é necessário 
confinar­nos apenas aos neurónios e as sinapses. Podemos falar do comportamento 
de grupos ou módulos de neurónios, como os diferentes níveis de tipos de 
neurónios na retina ou as colunas no córtex; e podemos falar acerca do 
funcionamento e acção dos sistemas neurofisiológicos em niveis de complexidade 
muito maiores; como, por exemplo, o papel do córtex estriado na visão ou o papel
das zonas dezoito e dezanove no córtex visual, ou a relação @ entre o córtex 
visual e o resto do cérebro no processamento dos estimulos visuais. Assim, 
dentro de um nível neurofisiológico, haverá uma série de níveis de descrição, 
todos eles igualmente neurofisiológicos.

Mas, além deste, encontraremos também um nível mental de descrição. Sabemos, por
exemplo, que a percepção é uma função de expectação. Se esperamos ver alguma 
coisa, vê­la­emos com muito maior prontidão. Sabemos, ademais, que a percepção 
pode ser afectada por vários fenômenos mentais. Sabemos que a disposição 
psíquica e a emoção podem afectar o modo como e aquilo que percebemos. E, mais 
uma vez, dentro deste nível

67
mental, existem igualmente diferentes níveis de descrição. Podemos falar não só 
do modo como a percepção e afectada por crenças e desejos individuais, mas 
também do modo como ela é afectada por fenómenos mentais globais como as 
capacidades básicas da pessoa, ou a sua visão geral do Mundo. Mas, além do nível
da neurofisiologia e do nível da intencionalidade, não precisamos de supor que 
ainda existe outro 111vel; um nível de processos coniputacionais digitais. E não
existe mal algum em considerarmos o nível dos estados mentais e o nível da 
neurofisiologia como processamento de informação, contanto que não façamos a 
confusão de supor que a forma psicológica efectiva do processamento de 
informação é análoga à da «como se».

Concluindo, pois: em que ponto nos encontramos na nossa apreciação do programa 
cognitivista de investigação? Bem, certamente não demonstrei que é falso. Pode 
muito bem vir a revelar­se como verdadeiro. julgo que as oportunidades de êxito 
são tão grandes como as oportunidades de êxito do beliaviorismo, há cinquenta 
anos atrás. Ou seja, penso que as suas oportunidades de sucesso são virtualmente
nulas. 0 que eu fiz para afirmar isto, porem, foram

é apenas as três coisas seguintes: primeiro, sugerir que logo que alguém traz ao
de cima as suposições básicas do cognitivismo a sua implausibilidade se toma 
transpareiite. Mas essas suposições, em grande parte, encontram­se profundamente
radícadas na nossa cultura intelectual, algumas delas são muito difíceis de 
estripar ou até de se tomarem plenamente conscientes. A núnha primeira asserção 
e que, logo que entendermos plenamente a natureza das suposições, a sua 
implausibilidade salta aos olhos. 0 segundo ponto que acentuei é que, 
efectivamente, não possuímos provas empíricas, suficientes para supor que tais 
Pretensoes são verdadeiras, pois a interpretação das provas existentes baseia­se
numa ambiguidade em torno de certas noções cruciais como as de processamento de 
informação e seguimento de regras. E, em terceiro lugar, apresentei

68
uma concepção alternativa, tanto neste capitulo como no primeiro, da relação 
entre o cérebro e a mente; uma concepção que não exige de nós a postulação de 
qual uer iúvel intermediário de processos computacionais aZorítmicos que medeiam
entre a neurofisiologia do cérebro e a intencionalidade da mente. A 
característica deste quadro, que e importante para a presente discussão, e que, 
além do nível dos estados mentais, como crenças e desejos, e um nível da 
neurofisiologia, não existe qualquer outro nível, não se necessita de qualquer 
tapa buracos entre a mente

e o cérebro, porque não existe nenhum buraco para encher. Provavelmente, o 
computador não é uma metáfora para o cérebro melhor ou pior do que anteriores 
metáforas

à i mecânicas. Aprendemos tanto a propósito do cérebro dizendo que é um 
computador como ao afirmarmos que e um quadro telefónico, um sistema 
telegráfico, uma bomba de água ou uma máquina a vapor.

Suponhamos que ninguém sabia como funcionavam os relógios. Suponhamos que era 
assustadoramente dificill imagmar como eles trabalhavam, porque, embora houvesse
muitos à nossa volta, ninguém sabia como construir um,

e os esforços para tentar saber como funcionavam tendiam a destruir o relógio. 
Ora, suponhamos que um grupo de investigadores dizia: «Havemos de entender como 
funciona um relógio, se projectarmos uma,maquma que e funcionalmente equivalente
a um relógio, que mede o tempo tal e  qual como um relógio.» Assim, pois, 
conceberam uma    ampulheta e exclamaram: «Compreendernos agora como    é que um
relógio funciona», ou talvez: «Se pudéssemos   conseguir que a ampulheta fosse 
tão exacta

como um relógio, então, finalmente poderíamos entender como um relógio 
funciona.» Substituamos «cérebro» por «relógio» nesta parábola e substituamos 
«programa computacional digital» por «ampullieta» e a noção de inteligência pela
noção de medir o tempo e teremos a situaçao contemporânea em muita (não toda!) 
da inteligência artificial e

ciência cogrutiva.

69
0 meu objectivo global nesta investigação é tentar responder a algumas das mais 
intrigantes questões acerca da maneira como os seres humanos se inserem no resto
do Universo. No primeiro capitulo, tentei resolver o «problema da Mente­Corpo». 
No segundo, ocupei­me de algui­nas pretensões extremas que, identificam os seres
humanos com computadores digitais. No presente capitulo, suscitei algumas 
dúvidas a propósito do programa cognitivista de investigação. Na segunda metade 
do livro, quero virar a minha atenção para explicar a estrutura das acções 
humanas, a natureza das ciências e os problemas da liberdade de vontade.

70
IV

A ESTRUTURA DA ACÇÃO

0 objectivo deste capitulo é explicar a estrutura da acção humana. Preciso de 
fazer isto por várias razões: primeiro, tenho necessidade de mostrar como é que 
a natureza da acção se harmoniza com a minha explicação do problema da Mente­
Corpo e com a minha rejeição da Inteligência Artificial, contida nos primeiros 
capítulos. Preciso de explicar a componente mental da acção e mostrar como ela 
se relaciona com a componente física. Preciso de mostrar como é que a estrutura 
da acção se relaciona com a explicação da acção. E sinto necessidade de lançar 
um fundamento para a discussão da natureza das ciências sociais e a 
possibilidade da liberdade da vontade, que irei discutir nos últimos dois 
capitulos.

Se pensarmos nas acções humanas, imediatamente descobrimos algumas diferenças 
notáveis entre elas e os outros acontecimentos do mundo natural. Primeiramente, 
é tentador pensar que tipos de acções ou de comportamento se podem identificar 
com tipos de movimentos corporais. Mas isso é obviamente errado. Por exemplo, um
e o mesmo conjunto de movimentos corporais poderá cons­

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tituir uma dança, ou uma sinalização, ou um exercício, ou uma testagem dos 
próprios músculos, ou então nada do que foi dito. Além disso, assim como um e o 
mesmo conjunto de tipos de movimentos físicos pode constituir tipos  de acções 
completamente diversos, assim também um tipo de acção pode ser realizado por um 
número de tipos grandemente diferente de movimentos físicos. Pense­se, or 
exemplo, no envio de uma mensagem a um anuigo­

P                                                        D~_ Podemos escrevê­la 
numa folha de papel. Podemos escrevê­Ia à máqumia. Podemos enviá­la por um 
mensageiro ou por telegrama. Ou entã o, podemos filar­lhe pelo telefone. E, 
efectivamente, cada um dos modos de enviar a mesma mensagem poderia realizar­se 
com uma variedade de movimentos físicos. Poderíamos escrever a nota com a mão 
esquerda ou a mão direita, com os dedos dos pés ou até, segurando a caneta entre
os dentes. Além disso, uma outra caracteristica singular das acções que as faz 
diversas dos acontecimentos em geral, é que as acções parecem ter preferido 
descriçõ es. Se vou passear para Hyde Park, há muitas outras coisas que 
acontecem durante o meu passeio, mas as suas descrições não descrevem as minhas 
acções intencionais, porque, ao agir, aquilo que eu faço depende em grande parte
daquilo que penso que estou a fazer. Assim, por exemplo, estou também a mover­

­me na direcção geral da Patagónia, sacudindo o,cabelo da minha cabeça para cima
e para baixo, gastando os sapatos e deslocando inúmeros moléculas de ar. No 
entanto, nenhuma destas outras descrições parece atingir aquilo que e essencial 
a propósito da acção, acerca do que a acção é.

Uma terceira caracteristica relacionada das acções é que uma pessoa está numa 
posição especial para saber o que está a fazer. Não tem de se observar a si 
mesmo ou encetar uma investigação para ver que acção está a realizar. OU, pelo 
menos, tenta realizar. Assim, se alguém me disser: «Está a tentar ir para Hyde 
Park?», ou «Está a esforçar­se por se aproximar da Patagónia?», não tenho 
hesitação em fornecer uma resposta, mesmo que os movi­

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mentos fisicos que faço possam ser apropriados para qual~. quer resposta.

É também um facto notável nos seres humanos que eles sejam capazes, sem esforço 
algum, de identificar e de explicar o seu próprio comportamento e o das outras 
pessoas. Creio que esta capacidade se funda no nosso dominio inconsciente de um 
certo conjunto de principios, da mesma maneira que a nossa capacidade de 
reconhecer algo como uma frase de inglês se baseia na posse de um dorrunio 
inconsciente dos principios da gramática inglesa. Penso que existe um conjunto 
de principlos que pressupomos, ao afirmarmos coisas de sentido comum normal 
como, por exemplo, Basil votou nos conservadores, porque pensou que estes 
sanariam o problema da inflação, ou Sally veio de Birmingliam para Londres 
porque julgou que aqui as oportunidades de trabalho seriam melhores, ou mesmo 
coisas tão simples como: «aquele homem além, que está a fazer movimentos 
estranhos, está, na realidade, a afiar o machado ou a engraxar os sapatos.@>

Acontece comummente que as pessoas que reconhecem a existência destes principios
teóricos deles escarneçam, dizendo que são uma teoria popular e que deveriam ser

suplantados por alguma explicação mais científica do com­

portamento humano. Desconfio desta pretensão, tal como desconfiaria de uma 
afirmação que dissesse que deveríamos su lantar a nossa teoria implicita da 
gramática in'orlesa,

P a que adquirimos pela aprendizagem da lingua. A razão para a minha suspeita é 
a mesma em cada caso: o uso da teoria implicita é parte da realização da acção, 
da mesma maneira que o uso das regras da gramática faz parte do falar. Assim, 
embora pudéssemos acrescentar ou descobrir toda a espécie de coisas adicionais 
interessantes a propósito da linguagem ou a propósito da conduta, é muito 
improvável que possamos substituir esta teoria, que é implícita e em parte 
constitutiva do fenómeno, por alguma explicação «científica» externa deste mesmo
fenónieno­

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pr@

Aristóteles e Descartes sentir­se­iam plenamente familiarizados com a maior 
parte das nossas explicações do, coniportamento humano, mas não com as nossas 
explicações dos fenómenos biológicos e físicos. A razão habitualmente aduzida 
para isso é que Aristóteles e Descartes dispunham de uma teoria primitiva da 
Biologia e da Física, por um lado, e de uma teoria primitiva do comportamento 
humano, por outro; e que, enquanto progredimos na Biologia e na Física, não 
fizemos um avanço comparável na explicação da conduta humana. Quero sugerir uma 
concepção alternativa. Penso que Aristóteles e Descartes,

a possuíam, um tal como nós i,               a teoria sofisticada e complexa da 
conduta humana. Penso igualmente que muitas explicaçoes, supostamente 
científicas do comportamento humano, como a de Freud, empregam efectivamente 
mais do que substituem os pn*ncipios da nossa teoria implícita da conduta 
humana.

Resumindo o que disse até agora: existem mais tipos de acção do que tipos de 
movimentos físicos, as acções preferiram as descrições, as pessoas sabem o que 
fazem sem observação, e os princípios pelos quais identificamos e explicamos a 
acção são também parte das acções, isto é, são, em parte, constitutivos das 
acções. Desejo agora fornecer uma breve explicaçã o do que se poderia chamar; a 
estrutura do comportamento.

Para explicar a estrutura do comportamento humano, preciso de introduzir um ou 
dois termos técnicos. A noção nuclear na estrutura do comportamento é a noção de
intencionalidade. Dizer que um estado mental tem intencionalidade significa 
apenas que ele é acerca de alguma coisa. Por exemplo, uma crença é sempre uma 
crença de que tal e tal coisa acontece, ou o desejo é sempre o desejo de de que 
tal e tal coisa deveria acontecer ou, então, ter lugar.
0 tencionar, no sentido comum, não tem uni papel especial na teoria da 
intencionalidade. Tencionar fazer alguma coisa é apenas um tipo de 
intencionalidade juntamente com querer, desejar, esperar, temer e assim por 
diante.

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1 Um estado intencional como uma crença, ou um desejo ou uma intenção no sentido
habitual, têm caracteristicamente duas componentes. Tem o que poderiamos chamar 
o seu «conteúdo», que faz que ele seja acerca de alguma coisa, e o seu «Modo 
psicológico» ou «tipo». A razão por que precisamos desta distinção é que podemos
ter o mesmo conteúdo em diferentes tipos. Assim, por exemplo, posso querer sair 
da sala, posso julgar que irei sair da sala e posso tencionar sair da sala. Em 
cada caso, temos o mesmo conteúdo, isto é, que eu sairei da sala; mas em 
diferentes modos psicológicos ou tipos: crença, desejo e intençã o, 
respectivamente.

Além disso, o conteúdo e o tipo do estado servirão para relacionar o estado 
mental do Mundo. Ao fim e ao cabo, é para isso que temos mentes com estados 
mentais: para representar o Mundo a nós próprios; para o representar como é, 
como gostariamos que ele fosse, como tememos que ele venha a ser, o que 
tencionamos fazer e a seu respeito e assim por diante. Isto tem a consequencia 
de que as nossas crenças serão verdadeiras se se harmonizam com o modo como o 
Mundo ê; falsas, se o não fizerem; os nossos desejos serão realizados ou 
frustados, as nossas intenções serão levadas ou não a cabo. Em geral, pois, 
estados intencionais têm «condições de satisfação». Cada estado determina sob 
que condições é verdadeiro (se, digamos, for uma crença), ou sob que condições é
realizado (se, digamos, for um desejo) e sob que condições é levado a cabo (se 
for uma intenção). Em cada caso, o estado mental representa as suas próprias 
condições de satisfação.

Uma terceira caracteristica que importa notar acerca de tais estados é que, por 
vezes, fazem acontecer coisas. Por exemplo, se quero ir ao cinema e vou ao 
cinema, normalmente o meu desejo causará o genumio evento que representa, o ir 
ao cinema. Em tais casos, existe uma conexão interna entre a causa e o efeito, 
porque a causa

é uma representação do genúmio estado de coisas que origina. A causa representa 
e leva a cabo o efeito. Chamo

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a tais espécies de relações de causa e efeito casos de «causação intencional». A
causação intencional, como veremos, revelar­se­á crucial para a estrutura e para
a explicação da acção humana. É, de várias maneiras, inteiramente diferente das 
explicações da causaçao que surgem nos livros de textos, onde, por exemplo, uma 
bola de bilhar bate noutra bola de bilhar e a faz mover.

Resumindo a discussão da íntencionalidade, há três características que 
precisamos de ter em conta na nossa analise do comportamento humano: em primeiro
lugar, os estados intencionais consistem num conteúdo em certo tipo mental. Em 
segundo lugar deternimiam as suas condições de satisfação, isto é, serão ou não 
satisfeitas, dependendo do facto de se o Mundo se harmoniza com o conteúdo do 
estado. E, em terceiro lugar, por vezes eles fazem as coisas acontecer, mediante
a causação intencional para produzir uma harmonia, isto é, para produzir o 
estado de coisas que representam, as suas proprias condições de satisfação.

ServM'do­me destas ideias, retomarei agora à tarefa principal deste capítulo. 
Prometi fornecer uma explicação muito breve do que poderia chamar­se a estrutura
da acção ou a estrutura do comportamento. Por comportamento, aqui, entendo o 
comportamento humano voluntário, intencional. Entendo coisas como caminhar, 
correr, comer, fazer amor, votar nas eleições, casar­se, comprar e vender, ir de
férias, trabalhar no emprego. Não entendo coisas como digerir, envelhecer ou 
ressonar. Mas, mesmo restringindo­nos ao comportamento intencional, as 
actividades humanas apresentam­nos uma desconcertante variedade de tipos. 
Precisaremos de distinguir entre comportamento individual e comportamento 
social; entre comportamento social colectivo e comportamento individual dentro 
de um colectivo social; entre fazer alguma coisa por mor de outra coisa e fazer 
alguma coisa por mor de si mesma. E, talvez o mais difícil de tudo, precisamos 
de explicar as sequências melódicas do comportamento ao longo da

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passagem do tempo. As actividades humanas, ao fim e ao cabo, não se assemelham a
uma série de instantâneos parados, mas mais ao filme da nossa vida.

Não posso esperar responder a todas estas questões, mas espero sim, no fim, que 
o que digo se assemelhará

a uma explicação de sentido comum da estrutura da acção. Se tenho razão, o que 
vou dizer parecerá obviamente acertado. Mas, historicamente, o que eu penso a 
proposito da explicaçã o de sentido comum não pareceu evidente. Por uni lado, a 
tradição beliaviorista na filosofia

e na psicolo­:,,ia levou multa gente a negligenciar a componente mental das 
acções. Os beliavioristas queriam definir as acções e, de facto, toda a nossa 
vida mental, em termos de simples movimentos físicos. Alguém uma vez 
caracterizou a abordagem beliaviorista, e com razão, do meu ponto de vista, como
simulando a anestesia. 0 extremo oposto na filosofia foi afirmar que os únicos 
actos que realizamos são actos mentais internos de volição. Deste ponto de 
vista, falando estritamente, jamais elevamos os nossos braços. Tudo o que 
fazemos é «querer» que os nossos braços se levantem. Se se levantarem, isso é 
muito boa sorte, mas não acção nossa. ­

Outro problema é que, até há pouco, a filosofia da acção era um tema bastante 
negligenciado. A tradição ocidental sublinhou insistentemente mais a importância
do conhecer do que do fazer. A teoria do conhecimento e do significado tem sido 
mais central para as suas preocupações do que a teoria da acção. Quero agora 
tentar mostrar os aspectos mentais e físicos da acção.

Uma explicação da estrutura do comportamento pode fornecer­se de um modo mais 
adequado, enunciando um

conjunto de princípios. Estes princípios explicarão os aspectos mentais e 
físicos da acção. Ao apresentá­los, não discutirei de onde é que procedem as 
nossas crenças, desejos    11 e assim por diante. Mas explicarei como é que eles
fig”, @, t4..’ no nosso comportamento.

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Penso que a maneira mais simples de comunicar estes principios é justamente 
enunciá­los e tentar defendê­los em seguida. Assim, aqui vão eles.

tl>

Princípio 1 : As acções consistem caracteristicamente em duas componentes, uma 
componente mental e uma componente física.

Pensemos, por exemplo, em puxar um carro. Por um lado, há certas experiências 
conscientes do esforço quando empurramos. Se formos bem sucedidos, essas 
experiências resultarão no movimento do nosso corpo e no movimento 
correspondente do carro. Se não tivermos êxito, ainda teremos tido, pelo menos, 
a componente mental, isto é, ainda teremos tido uma experiência de tentar mover 
o carro com, pelo menos, algumas das componentes físicas. Terá havido o esticar 
dos músculos, o sentimento da pressão contra o carro e assim por diante. Isto 
leva ao

Princípio 2: A componente mental é uma intenção. Tem intencionalidade é acerca 
de alguma coisa. Determina o­ que conta como êxito ou fracasso na acção; e se é 
bem sucedido, causa um movimento corporal que, por seu turno, causa os outros 
movimentos, como o movimento do carro, que constituem o resto da acção. Nos 
termos da.teoria da intencionalidade, que esboçámos, a acçao consiste em duas 
componentes; uma componente mental e unia componente física. Se é bem sucedida, 
a componente mental causa a coniponente física e representa a componente física.
Chamo a esta forma de causação a «causaçâo intencional».

A melhor maneira de ver a natureza das diferentes componentes de uma acção é 
relevar cada componente e examiná­la separadamente. E, de facto, no laboratório,
e muito fácil fazer isto. Na neurofisiologia, já temos experiências feitas 
porWilder Penfield de Montreal em que, mediante a estimulação eléctrica de uma 
certa parte do córtex motor do paciente, Penfield conseguiu causar o

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movimento dos membros do paciente. Ora, os pacientes ficaram invariavelmente 
supreendidos com isso e carac~ teristicamente disseram coisas como: «Eu não fiz 
issofoi você que o fez.» Num tal caso, relevámos o movimento corporal sem a 
intenção. Note­se que, em tais casos, os movimentos corporais poderiam ser os 
mesmos que são numa acção intencional, mas parece muito claro que existe uma 
diferença. Qual é a diferença? Bem, também já possuímos experiências que 
remontam aWiffiam James, onde podemos relevar a componente mental sem a 
correspondente componente física da acção. No caso de James, o braço de um 
paciente é anestesiado e fica pegado ao seu lado num quarto escuro, e então 
mandam­lhe levantar o braço. Ele pensa que obedece à ordem, mas mais tarde fica 
muito surpreendido por descobrir que o seu braço não se levantou. Ora, neste 
caso, extirpamos a componente mental, isto e, a intenção, do movimento corporal.
Na realidade, o homem teve a intenção. Isto é, podemos verdadeiramente dizer a 
seu respeito, que tentou de facto mover o braço.

Normalmente, as duas componentes andam juntas. Habitualmente, temos a intenção e
o movimento corporal, mas não são independentes. 0 que os nossos dois primeiros 
princípios tentam articular é como elas se relacionam. A componente mental, 
enquanto parte das suas condições de satisfação, deve representar e causar a 
componente física. Note­se, incidentalmente, que temos um vocabulário bastante 
extenso de «tentar» e «ter êxito» e «fracassar», de «intencional» e «não 
intencional», de «acção» e «movimento», para descrever o funcionamento destes 
princípios.

Princípio 3: 0 tipo de causação que é essencial à estrutura da acção e à 
explicação da acção e a causação intencional. Os movimentos corporais das nossas
acções são causados pelas nossas intenções. As intenções são causadas porque 
fazem acontecer coisas; mas têm igualmente conteúdos e assim podem figurar no 
processo do raciocínio lógico. Podem

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ser causais e ter caracteristicas lógicas, porque o tipo de causação de que 
estamos a falar é a causação mental ou a causação intencional. E, na causação 
intencional, os conteúdos mentais afectam o Mundo. Todo o aparelho funciona 
porque é realizado no cérebro, da maneira como expliquei no primeiro capitulo.

A forma de causação que estamos a discutir aqui é inteiramente diferente da 
forma padrão de causação, tal como é descrita nos livros de textos filosóficos. 
Não se trata de uma questão de regularidades ou de leis abrangentes ou de 
conjunções constantes. Efectivamente, penso que está muito mais próxima da nossa
noção de sentido comum de causação, em que justamente queremos dizer que algo 
faz acontecer alguma coisa mais. A peculariedade da causação intencional e que 
ela é um caso de estado mental que faz acontecer alguma outra coisa mais e que 
este alg@ mais é o genuíno estado de coisas representado pelo estado mental que 
o causa.

PrincliO 4: Na teoria da acção, existe uma distinção

Ip fundamental entre as acções que são premeditadas, que são resultado de alguma
espécie de planificação prévia, e as acções que são espontâneas, em que fazemos 
alguma coisa sem qualquer reflexão anterior. E, em conformidade com esta 
distinção precisamos de uma distinção entre intenções anteriores, isto é, 
intenções formadas antes da realização da acção, e intenções na acção., que são 
as intenções que temos enquanto efectivamente realizamos uma acção.

Um erro comum que existe na teoria da acção é supor que todas as acções 
intencionais são o resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto
de uma cadeia de raciocm'io prático. Mas, obviamente muitas coisas que fazemos 
não são assini. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão prévia. 
Por exemplo, numa conversa normal, não se reflecte sobre o que se vai dizer a 
seguir, simplesrtiente se diz. Em tais casos, há decerto uma intenção, mas não é
uma intenção formada antes da

80
realização da acção. É o que eu chamo uma intenção na acção. Noutros casos, 
porém, formamos intenções antecedentes. Reflectimos sobre o que queremos e sobre
qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este processo de reflexão 
(Aristóteles chamou­o «raciomuio prático») resulta caracteristicamente na  
formação de uma intenção prévia ou, como também Aristóteles sublinhou, por 
vezes, resulta na propria acção.

PrincipiO 5: A Jormaçjo de intenç6es prévias é, pelo menos geralmente, o 
resultado de raciocínio prático. 0 raciocínio prático é sempre raciocínio acerca
da melhor maneira de decidirentre desejos antagónicos. A força motriz que está 
por detrás da maior parte das acções humanas (e animais) é o desejo. As crenças 
funcionam apenas para nos capacitar a representar o melhor modo de satisfazer os
nossos desejos. Assim9 ‘por exemplo, quero ir a Paris e creio que a melhor 
maneira, depois de considerar todas as coisas, é ir de avião, pelo que formo a 
intenção de ir por via aérea. Eis um processo típico e de sentido comum de 
raciocimio prático. Mas o raciocínio prático difere crucialmente do raciocínio 
teórico, do raciocínio acerca do que sejam as coisas; no raciocínio prático, 
porém, trata­se sempre de como melhor decidir entre os vários desejos 
antagónicos que temos. Assim, por exemplo, suponhamos que eu quero ir a Paris e 
que imagino que o melhor M'Odo de ir é ir de avião. Contudo, não existe maneira 
de eu poder fazer isto sem frustar muitos outros desejos que tenho. Nã o quero 
gastar dinheiro; não quero entrar em bichas nos aeroportos; não quero sentar­me 
em assentos de avião; não quero tomar refeições de avião; não quero que as 
pessoas ponham o seu cotovelo onde eu tento pôr o meu cotovelo; e assim por 
diante, indefinidamente. Porém, apesar de todos os desejos que serão frustados 
se for a Paris de avião, posso ainda pensar que, depois de tudo considerado, o 
melhor é ir a Paris por avião. Isto é não só tipico do raciocínio prático, mas 
penso que

81
é universal no raciocúu*o prático que ele diga respeito à decisão a propósito de
desejos conflitívos.

0 quadro que resulta destes cinco principios, pois, é que a energia mental que 
impulsiona a acção é uma energia que opera mediante causação intencional. É uma 
forma de energia em que a causa, na forma de desejos ou de intenções, representa
o reciso estado de coisas que causa.

Ora, voitemos a arguns dos pontos acerca da acção que descortinámos no começo, 
porque, penso termos já reunido peças suficientes para os explicar. Notámos que 
as acções preferiam descrições e que, efectivamente, o sentido comum nos 
capacitava para identificar o que eram as descrições preferidas de acções. 
Agora, podemos ver que a descrição preferida de uma acção é determinada pela 
intenção na acção. 0 que a pessoa realmente está a fazer ou, pelo menos, o que 
tenta fazer depende inteiramente do que seja a intenção com que está a actuar. 
Por exemplo, sei que estou a procurar ir a Hyde Park e não a tentar aproximar­me
da Patagónía, porque esta é a intenção com que eu estou a passear. E sei isto 
sem qualquer observação, porque o conhecimento em questão não é conhecimento do 
meu comportamento externo, mas dos meus estados mentais internos.

Isto explica, além disso, algumas das caracteristicas lógicas acerca das 
explicações que fornecemos da acção humana. Explicar uma acção é fornecer as 
suas causas. As suas causas são estados psicológicos. Estes estados relacionam­
se com a acção, quer por serem passos do raciocínio prático que levou às 
intenções, quer porque são as próprias intenções. A característica mais 
importante da explicação da acção, porém, é digna de um enunciado enquanto 
princípio separado, pelo que chamemos­lhe o

Princípio 6: A explicação de uma acção deve ter o mesmo conteúdo que estava na 
cabeça da pessoa, quando ela realizou a acção ou quando raciocinou em vista da 
sua intenção de levar a cabo a acção. Se a explicação é efectivamente 
explanatória,

82
o conteúdo que causa o comportamento mediante a causação intencional deve ser 
idêntico ao conteúdo da explicaçao do com­ portamento.

Sob este aspecto, as acções diferem dos outros acontecimentos naturais do Mundo 
e, em conformidade, também

as suas explicações diferem. Ao explicarmos um tremor de. terra ou um furação, o
conteúdo da explicação apenas deve explicar o que aconteceu e porque é que 
aconteceu. Não deve causar o próprio acontecimento. Mas, ao explicar o 
comportamento humano, tanto a causa como a explicação tem conteúdos e a 
explanação apenas explica porque é que ela tem o mesmo conteúdo que a causa,

Temos, até agora, estado a falar como se as pessoas tivessem intenções sem 
conhecimento prévio. Mas, naturalmente, isto é muito irrealista e precisamos 
agora de introduzir algumas complexidades que aproximarão, pelo menos, um pouco 
mais a nossa análise dos afazeres da vida real. jamais alguém tem uma intenção 
por si mesmo sem mais. Por exemplo, tenho intenção de ir de carro.até Oxford, a 
partir de Londres: posso ter isso de um modo inteiramente espontâneo mas, no 
entanto, devo ainda ter uma série de outros estados intencionais. Devo ter unia 
crença de que tenho um carro e uma crença de que Oxford está a uma distância 
acessivel por carro. Ademais, terei caracteristicamente um dese o de que não 
haja muito

já dema ­­trânsito nas estradas e que o tempo não este               siado mau 
para a condução. Por isso (e aqui dá­se uma apro:Úmação maior à noção de 
explicação da acção), eu não conduzirei caracteristicamente até Oxford sem mais,
mas irei de carro a Oxford com alguma finalidade. E se assim é, embrenhar­me­ei 
caracteristicamente no raciocinio prático ­ essa forma de racioc"o que leva não 
a crenças ou a conclusões de argumentos, mas a intenções e à conduta efectiva. E
quando compreendermos esta forma de raciocínio, teremos feito um grande passo em
direcção à com­

preensão da explicação das acções. Aos outros estados intencionais que fornecem 
ao mesmo estado intencional

83
o significado particular que ele tem, chamemos­lhes a todos a «rede da 
intencionalidade». E à guisa de uma conclusão geral, podemos chamar­lhe o

Princípio 7: Qualquer estado intencional funciona apenas como parte de uma rede 
de outros estados intencionais. E aqui, pelo termo «funciona», entendo que ele 
apenas determina as suas condições de satisfação relativas a todo um conjunto de
outros estados intencionais.

Ora, quando começamos a examinar os pormenores da rede, descobrimos outro 
fenômeno interessante. E é que as actividades da nossa mente não podem consistir
em estados mentais, por assim dizer, de uma ponta a outra. Antes, os nossos 
estados mentais só funcionam do modo como funcionam, porque funcionam sobre um 
fiindo de capacidades, competências, habilidades, hábitos, maneiras de fazer 
coisas e atitudes gerais perante o Mundo que, em si mesmas, não consistem em 
estados intencionais. A fim de constituir a intenção de ir de carro a Oxford, 
devo ter a capacidade de guiar. Mas, a capacidade de guiar não consiste em si 
num complexo total de outros estados intencionais. Exige­se mais do que um feixe
de crenças e desejos para se poder conduzir. Na realidade, tenho que ter a 
habilidade de o fazer. É um caso em que a minha competência cognitiva não é 
apenas uma questão de saber isso. Chamemos ao conjunto de habilidades, actos, 
capacidades, etc., com base nos quais funcionam os estados intencionais, «o pano
de fundo da intencionalidade». E à tese da rede, a saber, de que todo o estado 
intencional só funciona como parte de uma rede, acrescentarei a tese do fundo ­ 
chamemos­lhe

PrincÍpio 8: A rede inteira da íniencionalidade só funciona sobre um fundo de 
capacidades humanas que em si   . mesmas não sio estados mentais.

Afirmei que muitas explicações supostamente científicas da conduta tentam 
subtrair­se a ou ultrapassar este

84
modelo de sentido comum, que tenho estado a delinear. Mas, ao fim e ao cabo, 
penso que não há maneira de elas o conseguirem, porque esses princípios não 
descrevem os fenómenos: em si mesmos constituem parcialmente os fenômenos. 
Consideremos, por exemplo, as explicações freudianas. Quando Freud elabora a sua
metapsicologia, isto é, quando fornece a teoria do que está a fazer, utiliza 
muitas vezes comparações científicas. Há muitas analogias entre a psicologia e o
elecromagnetismo ‘ou a hidráulica e devemos ensar na mente como funcionando 
segundo a analogia Jos princípios hidráulicos, e assim por diante. Mas, quando 
ele examina efectivamente um paciente e descreve a natureza da neurose de algum 
paciente, é surpreendente ver que em que medida as explicações que fornece são 
explicações de sentido comum. Dora comporta­se de determinada maneira porque 
está apaixonada pelo Herr, ou porque unita o seu primo que ficou doido com a 
Mariazell. 0 que Freud acrescenta ao sentido comum é a observação de que, muitas
vezes, os estados mentais que causam o nosso comportamento são inconscientes. Na
realidade, são reprimidos. Muitas vezes, somos r6itentes em admitir que temos 
certos estados intencionais, porque deles sentimos vergonha ou por qualquer 
outra razão. E, em segundo lugar, ele acrescenta também uma teoria das 
transformações dos estados mentais, sobre como um estado intencional se pode 
transformar num outro. Mas,

com a adição deste ou de outros acrescentamentos, a forma freudiana de 
explicação é a mesma que as formas de sentido comum. Sugiro que o sentido comum 
irá provavelmente persistir, mesmo se adquirirmos outras explicações mais 
científicas do comTortamento. Uma vez que a estrutura da explicação       eve 
harmonizar com a estrutura dos fenômenos explicados, os melhoramentos na 
explica@ão não possuirão, provavelmente, novas e inauditas estruturas.

Neste capitulo, tentei explicar como e em que sentido o comportamento contém e é
causado por estados mentais internos. Talvez surpreenda que muita da psico­

85
‘0 @a, e da ciência cognitiva tenha tentado negar essas re Ç es. No capítulo 
seguinte, vou explorar algumas das consequências da minhã visão do comportamento
humano

i é . para as ciências sociais. Por que é que as ciências sociais sofreram 
fracassos e conseguiram os êxitos que tiveram e o que é que delas com kazão 
podemos esperar aprender?

86
v

PERSPECTIVAS PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Neste capitulo, quero discutir um dos problemas intelectuais mais incómodos da 
era presente: por que é que os métodos das ciências naturais não nos forneceram 
o mesmo tipo de saldo do estudo do comportamento humano, como aconteceu na 
Física e na Quinica? E que tipo de ciências «Sociais» ou «comportamentais» 
podemos nós sensatamente esperar de qualquer maneira? Vou sugerir que existem 
algumas diferenças radicais entre o *comportamento humano e os fenômenos 
estudados nas ciências naturais. Afirmarei que essas diferenças explicam os 
fracassos e os êxitos que temos tido nas ciências humanas.

De começo quero chamar a atenção para uma diferença importante entre a forma das
explicações de sentido comum do comportamento humano e a forma canónica da 
explicação científica. Segundo a teoria normativa da explicação científica, 
explicar o fenômeno consiste em mostrar como a sua ocorrência resulta de certas 
leis científicas. Essas leis são generalizações universais acerca do modo como 
as coisas acontecem. Por exemplo, se nos

87
derem um enunciado de leis relevantes que descrevem o comportamento de um corpo 
em queda@         e se soubermos onde ele começou, podemos efectivamente deduzir
o que lhe, irá acontecer. De modo semelhante, se quísermos explicar cima lei, 
podemos deduzir essa lei de alguma lei de nível superior. Neste caso, a 
explicação e a predição são perfeitamente simétricas. Podemos predizer deduzindo
o que acontecerá; podemos explicar deduzindo o que aconteceu. Ora, seja qual for
o mérito que este tipo de explicação possa ter nas ciências da natureza, uma das
coisas que quero sublinhar neste capítulo é que ela é totalmente irrelevante 
para nós na e2xficação do comportamento humano. E não é por(            amos 
falta de leis p@ra explicar exemplos individ U_'ais da conduta humana. E porque,
mesmo se tivessemos tais leis, elas seriam ainda inúteis para nos. Penso que 
facilmente posso levar os ouvintes a ver isto, pedindo­lhes que imaginem o que é
que aconteceria se nós efectivamente tivéssemos uma «lei», isto é, uma 
generalização universal acerca de algum aspecto do nosso comportamento.

Suponhamos que, nas últimas eleições, vocês'votaram nos Conservadores e 
suponhamos que votaram nos Conservadores porque pensaram que eles fariam mais 
para resolver o problema da inflação do que qualquer um dos outros partidos. 
Suponhamos que é um facto óbvio acerca do motivo por que, votaram nos 
Conservadores, tal como é um faci     ‘@J LÈ@ente óbvio que votaram nos 
Conservadores. Suponhamos, além disso, que alguns sociólogos políticos 
apresentam uma generalização universal absolutamente sem excepção acerca de 
pessoas que se ajustam à descrição anterior ­ o mesmo estatuto sócio­económico, 
nível de rendimentos, educação, outros interesses e assim por diante. Suponhamos
que a generalização absolutamente sem excepção assere que pessoas como vocês 
votam de modo invariável nos Conservadores. Ora, quero per~ guntar: o que é que 
explica a razão por que vocês votaram nos Conservadores? Será a razão que vocês 
sm*cera­

88
mente aceitam? Ou a generalização universal? Quero afirmar que nunca 
aceitaríamos a generalização     como cação do nosso próprio comportamento. A 
gener enuncia uma regularidade. 0 conhecimento de uma tal regularidade pode ser 
útil para a predição, mas nada explica a propósito de casos individuaisda 
conduta humana., Na verdade, convida a ulterior explicação. Por exemplo, porque 
é que todas as pessoas nesse grupo votam nos Conservadores. Há uma resposta que 
surge espontanea~ mente. Votaram nos Conservadores porque estavam preocupados 
com a inflação ­ talvez haja pessoas no vosso grupo que são particularmente 
afectadas. pela inflação e essa é a razão por que votam todas da mesma maneira.

Em suma, não aceitamos uma generalização como explicação do nosso próprio 
comportamento ou do comportamento de quem quer que seja. Se se encontrasse uma 
generalização, ela exigiria uma explicação do tipo que nos procuramos em 
primeiro lugar. E, quando se trata do comportamento humano, o tipo de explicação
que normalmente procuramos é o que especifica os estados mentais ­ crenças, 
temores, esperanças, desejos e assim N

or diante ­ que funcionam causalmente na produção a conduta da maneira por mim 
descrita no capítulo anterior.

Regressemos à questão original: por que é que, aparentemente, não temos leis das
ciências sociais no mesmo sentido em que temos leis das ciências naturais? Há 
várias respostas correntes a esta questão. Alguns filósofos sublinham que não 
temos uma ciência do comportamento pela mesma razão por que não temos uma 
ciência do mobiliário. Não podíamos ter uma tal ciência porque não há quaisquer 
características físicas que as cadeiras, as M~. as secretárias e todos os outros
artigos de mobiliário tenhmam em comum que lhes permitam mte         rar­se num 
conjunto comum de leis do mobiliário. E, 3m disso, não precasamos efectivamente 
de uma tal ciência, porque tudo q que quisermos explicar ­por exemplo, porque é 
q ,             .

89
as mesas de madeira são sólidas, ou porque é que o mobiliário de ferro enferruja
­ já pode ­explicar­se mediante as ciências existentes. De modo semelhante, não 
há quaisquer características que todas as condt*tas humanas tenham em comum. E, 
ademais, as coisas particulares que desejamos explicar, podem explicar­se pela 
física e pela fisio­ .1 logia e restantes ciências que já existem.

Em argumentos com estes relacionados, alguns filósofos sublinham que talvez os 
conceitos para nos descrevermos a nós e a outros seres humanos não se equiparem 
de maneira correcta aos conceitos de cim^cias básicas como a física e a 
quinuica. Talvez ­ suger­em. eles ­ a ciência humana seja como uma ciência do 
tempo. Temos uma ciência do tempo, a meteorologia, mas não é uma ciência estrita
porque as coisas que nos interessam acerca do tempo não se equiparam às 
categorias naturais que temos para o caso da física. Conceitos meteorológicos 
como «abertas no centro» ou «céu parcialmente nublado em Londres» não estã o 
sistematicamente relacionados com os conceitos da física. Uma expressão poderosa
desta concepção encontra­se. na obra de Jerry Fodor. Sugere ele que ciências 
especiais como a geologia ou a meteorologia se ocupam das características do 
Mundo que podem pensar        .se em física de várias maneiras e que a conexão 
frouxa entre a ciência especial e a ciência mais básica da física é também 
característica das ciências sociais. Assim como as montanhas e as trovoadas 
podem pensar­se em tipos diferentes de estruturas microfísicas, assim também o 
dinheiro pode pensar­se fisicamente como ouro, prata ou papel impresso. E estas 
conexões disJuntivas entre os fenómenos de ordem superior e os fenômenos de 
ordem inferior permitem­nos efectivamente ter ciências ricas, mas não nos 
facultam leis estritas, porque a forma de ligações frouxas admitirá leis que têm
excepções.

Outro argumento a favor da concepção de que não podemos ter leis estritas que 
liguem o mental e o físico é a afirmação de Donald Davidson. de que os conceitos
de

90
racionalidade, consistência e coerência são, em parte, c   onstitutivos da nossa
noção de fenô menos mentais; e essas noções não se relacionam sistematicamente 
com as noções da física. Como afirma Davidson, não encontram «eco» na física. 
Porém, esta concepção depara com uma dificuldade: existem muitas ciências que 
contêm noções constitutivas, as quais, de modo semelhante, não encontram eco na 
física, mas são apesar de tudo ciências absolutamente sólidas. A biologia, por 
exemplo, requer o conceito de organismo e «orgamsmo» não encontra eco na física,
mas nem por isso a biologia deixa de ser uma ciência forte.

Outra concepção, amplamente defendida, é que as inter­relações complexas dos 
nossos estados mentais nos impedem alcançar um conjunto sistemático de leis que 
os liguem aos estados neurofisiológicos. Segundo esta concepção, os estados 
mentais ocorrem em redes complexas e inter­relacionadas e, por isso, não podem 
registar~se sistematicamente em tipos de estados cerebrais. Mas,.mais unia vez, 
este argumento é inconclusivo. Suponhamos, por exemplo, que Noam Chonisky, tem 
razão ao pensar que cada um de nós possui um conjunto complexo de regras de 
gramática universal programado nos nossos cérebros, à nascença. Nada há que, a 
propósito da complexidade ou interdependência das regras da gramática universal,
as impeça de se realizarem sistematicamente na neurofisiologia do cérebro. A 
interdependência e a complexidade não são, por si mesmas, um argumento 
suficiente contra a possibilidade de leis psicofísicas estritas.

Acho todas estas explicações sugestivas, mas não creio que apreendam de modo 
adequado as diferenças efectivamente radicais entre as ciências mentais e 
físicas. A relação entre sociologia e econonu*a, por um lado, e a física, por 
outro, é efectivamente de todo diversa das relações da, por exemplo, 
meteorologia, geologia, biologia e outras

ciências naturais específicas, com a física; e não precisamos de tentar explicar
exactamente como é que assim

91
acontece. Idealmente, gostaria de ser capaz de fornecer um argumento, passo a 
passo, para mostrar as limitações a propósito das possibilidades das ciências 
sociais estritas e, não obstante, mostrar a natureza e o poder efectivos destas 
disciplinas. Penso que devemos abandonar, de uma vez por todas, a ideia de que 
as ciências sociais são como a física antes de Newton, e de que estamos à espera
de um conjunto de leis newtonianas da mente e da sociedade.

Em primeiro lugar, o que é que, em rigor, o problema deve supostamente ser? 
Alguém poderia dizer: «sem. dúvida, os fenômenos sociais e psicológicos são tão 
reais como tudo o mais. Assim, por que é que não pode haver leis do seu 
comportamentoN Por que é que deve haver leis do comportamento das moléculas, mas
não leis do comportamento da sociedade? Bem, uma das maneiras de refutar uma 
tese é imaginar que ela é verdadeira e, então, mostrar que essa suposição é um 
tanto absurda. Suponhamos que, efectivamente, tinhamos leis da sociedade e leis 
da História que nos capacitariam a predizer quando haveria guerras e revoluções.
Suponhamos que poderíamos predizer guerras e revoluções com a mesma precisão e 
rigor com que podemos predizer a aceleração da queda de um

corpo no vazio a nível do mar.

0 problema real é este: sejam quais forem as guerras e revoluções, elas implicam
muitos movimentos de mole~ culas. Mas isto tem a consequência de que qualquer 
lei estrita acerca das guerras e revoluções deveria equiparar­se perfeitamente 
às leis acerca dos movimentos moleculares. Para que revolução começasse em tal e
tal dia, as moléculas relevantes teriam de estar a soprar na direcção correcta. 
Mas, se e assim, então as leis que predizem a revolução terão de fazer as mesmas
predições ao nível das revoluções e dos seus participantes que as leis dos 
movimentos mole~ culares fazem ao nível das partículas físicas. Assim, pois, a 
nossa questão original pode reformular­se. Por que é que as leis ao nível mais 
elevado, o nível das revoluções, não podem equiparar­se perfeitamente às leis do
nível infe­

92
rior, o nível das partículas? Mas, para vermos porque é que não podem, 
examinemos alguns casos em que existe de facto uma equiparação perfeita entre as
leis da ordem superior e as leis da ordem inferior e, em seguida, podemos ver 
como é que estes casos diferem dos casos sociais.

Um dos êxitos perenes na redução das leis de um nível às de um nível inferior é 
a redução das leis dos gases
­ a lei de Boyle e a lei de Charles ­ às leis da mecamica, estatística. Como é 
que fwiciona tal redução? As leis dos gases dizem respeito à relação entre 
pressão, temperatura e volume dos gases. Predizem, por exemplo, que se se 
aumentar a temperatura de um gás num cilindro, se aumentará também a pressão 
sobre as paredes do cilindro. As leis da mecânica estatística dizem respeito ao 
comportamento das massas de pequenas partículas. Predizem, por exemplo, que se 
se aumentar a velocidade do movimento das partículas num gás, maior número de 
partículas irá embater nas paredes do cilindro e mais duramente as atingirá. A 
razão por que se consegue uma equiparação perfeita entre estes dois conjuntos de
leis é que a explicação de temperatura, pressão e volume pode ser inteiramerite 
dada em termos do comportamento das partículas. Ao aumentar a temperatura do 
gás, aumenta­se a velocidade das partículas e, ao aumentar o número e a 
velocidade das partículas que embatem no cilindro, aumenta a pressão. Segue­se J

ue um aumento de temperatura produzirá um aumento e pressão. Suponhamos agora, 
por mor do argumento, que não era assim. Suponhamos que não havia explicação da 
pressão e da temperatura, em termos do comportamento das partículas mais 
fundamentais. Então, quaisquer leis ao nível da pressão e da temperatura seriam 
miraculosas, porque seria miraculosc, que a maneira como a pressão e a 
temperatura prosseguissem coincidisse exactamente com a maneira como as 
partículas prosseguiam, se não houvesse nenhuma relação sistemática entre o 
comportamento do sistema ao nível da pressão e da temperatura e o comportamento 
do sistema ao nível das partículas.

93
Este exemplo é um caso muito simples. Assim, tome­

mos o exemplo um tanto mais complexo. É uma lei da «ciência da nutrição» que a 
adníÍssão de calorias iguala a saída de calorias, com mais ou menos depósito de 
gorduras. Não é talvez uma lei muito fantasiosa, mas, apesar de tudo, é bastante
realista. Tem a consequência conhecida pela maior parte de nós de que, se se 
comer muito e não se fizer bastante exercício, se engorda. Ora esta lei, 
diferentemente das leis dos gases, não se baseia, de modo algum, no 
comportamento das partículas. A fundamentação não e simples ­ porque existe, por
exemplo, uma série muito complexa de processos pelos quais o alimento se 
converte em depósitos de gordura nos organismos vivos. Contudo, existe ainda um 
fundamento ­ embora complexo ­ desta lei, em termos de comportamento de 
partículas mais fundamentais. Se tudo o mais se mantiver igual, quando vocês 
comem muito, as moléculas soprarão exactamente na direcção correcta de modo a 
engordarem.

Podemos agora arguir no sentido da conclusão de que não haverá leis de guerras e
de revoluções do modo como há leis dos gases e da nutrição. Os fenómenos do 
Mundo que nós abrangemos mediante conceitos como guerra e revolução, casamento, 
dinheiro e propriedade, não se baseiam sistematicamente no comportamento dos 
elementos a um nível mais básico, à semelhança dos fenómenos que abrangemos com 
conceitos como depósito de gorduras e de pressão, os quais se fundamentam 
sistematicamente no comportamento dos elementos a um nível mais básico. Note­se 
que é este tipo de fundamentação que caracteristicamente nos capacita para 
realizar maiores avanços nos nIveis superiores de uma ciência. A razão por que a
descoberta da estrutura do DNA é tão importante para a biologia ou por que a 
teoria bactérica da doença é tão importante para a medicina é que, em cada caso,
ela inantêm a promessa de sistematicamente explicar características de nível 
superior, como os traços da hereditariedade e os

94
sintomas da doença, em termos de elementos mais fiindamentais.

Mas, surge agora a questão: se os fenômenos sociais e psicológicos não se 
fundamentam assim, por que é que não se fundamentam? Por que é que não podiam 
flindamentar­se? Admitido que não se flindamentam assim, por que é que tal não 
acontece? Isto é, as guerras e as revoluções, como tudo o mais, consistem em 
movimentos moleculares. Assim, por que é ue fenómenos sociais como guerras e 
revoluções não polem sistematicamente relacionar­se com movimentos moleculares 
da mesma maneira que são sistemáticas as relações entre entradas calóricas e 
depósitos de gordura?

Para vermos porque é que isso não pode ser assim, temos de indagar quais as 
características que os fenômenos sociais têm que nos capacitam para os vincular 
em categorias. Quais os princípios fundamentais, a partir dos quais 
categorizamos os fenómenos psicológicos e sociais? Uma característica crucial é 
a seguinte: para um vasto número de fenômenos sociais e psicológicos, o conceito
que nomeia o fenômeno é também um constituinte do fenômeno. Para que algo surja 
como uma cerimônia de casamento

ou um sindicato, ou propriedade, ou dinheiro, ou mesmo uma guerra ou revolução, 
as pessoas implicadas; nessas actividades devem ter certos pensamentos 
apropriados. Em geral, têm de pensar que é mesmo assim. Por exemplo, para 
conseguirem casar­se ou comprar propriedades, vocés e outras pessoas têm de 
pensar no que é que estão a fazer. Ora, esta característica é importantíssima 
para os fenónemos sociais. Mas nada de semelhante existe nas ciências biológicas
e físicas. Algo pode ser uma árvore ou uma planta, ou alguma pessoa pode ter 
tuberculose, mesmo se não pensar: «Aqui está uma árvore ou uma planta ou um caso
de tuberculose», e mesmo que ninguém pensa seja o que for a esse respeito. Mas, 
muitos dos termos que descrevem fenô menos sociais têm de entrar na sua 
constituição. E isto têm ainda o resultado de que tais termos possuem um tipo

95
particular de auto­referencialidade. «Dinheiro» refere­se a tudo o que as 
pessoas usam e pensam como dinheiro. «Promessa» refere­se a tudo o que as 
pessoas nitentam. e consideram como promessas. Não estou a dizer, que para terem
a instituição do dinheiro, as pessoas devem ter esta E

recisa palavra ou algum sinónimo exacto no seu vocaulário. Devem antes ter 
certos pensamentos e atitudes acerca de alguma coisa para que ela figure como 
dinheiro e esses pensamentos e atitudes são parte da própria definição do 
dinheiro.

Há outra consequência crucial desta característica.
0 princípio definidor de tais fenômenos sociais não poe quaisquer limites 
físicos aquilo que pode figurar como

a sua realização física. E isto significa que não pode haver quaisquer conexões 
sistemáticas entre as propriedades físicas e sociais ou mentais do fenômeno. As 
características

sociais em questão são em parte determinadas pelas atitudes que em relação a 
elas tomamos. As atitudes que a seu respeito assumimos não são constrangidas 
pelas caracteristicas físicas dos fenômenos em questão. Por conseguinte, não 
pode existir qualquer equivalência entre o nível mental e o nível da física que 
seja necessário para tomar possíveis leis estritas das ciências sociais.

0 passo fundamental no argumento a favor de uma descontinuidade radical entre as
ciências sociais e as ciências naturais depende do carácter mental dos fenômenos
sociais. E é esta característica que todas as analogias por mim antes 
mencionadas ­ isto é, entre a meteorologia, a biologia e a geologia ­ 
negligenciam. A descontinuidade radical entre as disciplinas sociais e 
psicoló31cas, por um lado, e as ciências naturais, por outro,     tam ao papel 
da mente nessas disciplinas.

Consideremos a afirmação de Fodor de que as leis sociais terão excepções, visto 
que os fenômenos ao nível social se inscrevem frouxamente ou de um modo 
disJuntivo nos fenômenos físicos. Mais uma vez, isto não explica as 
descontinuídades radicais para que ­eu tenho chamado

96
a atenção. Mesmo se este tipo de disJunção se tivesse verificado até certo 
ponto, é sempre possível que a pessoa seguinte lhe faça de muitos modos e 
indefinidamente novos aditamentos. Por suposição, o dinheiro tomou sempre um 
âmbito limitado de formas físicas ­ ouro, prata, papel impresso, por exemplo. No
entanto, é possível que outra pessoa ou sociedade considere mais alguma coisa 
como dinheiro e, efectivamente, a realização física não interessa grande coisa 
às propriedades do dinheiro, contanto que a realização física permita. o uso do 
material como um meio de troca.

«Bem», alguém poderá objectar, «para termos ciências sociais rigorosas, não 
precisamos de        equivalência estrita entre propriedades das coisas no =do. 
Tudo o que precisamos é uma equivalência estrita entre propriedades psicológicas
e características do cérebro. A fundamentação efectiva da economia e da 
sociologia no mundo físico não reside nas propriedades dos objectos, que 
encontramos

à nossa volta, situa­se nas propriedades físicas do cérebro. Assim, apesar de o 
pensamento de que algo é dinheiro ser essencial para a sua existência como 
dinheiro, contudo, o pensamento de que ele é dinheiro pode muito bem ser e, 
efectivamente, na vossa própria explicaçãó é, um processo cerebral. Deste modo, 
para mostrar que não pode haver quaisquer leis estritas das ciências sociais, há
que demonstrar que não pode haver quaisquer correlações estritas entre tipos de 
estados mentais e tipos de estados cerebrais e você ainda não mostrou isso».

Para vermos porque é que não podem e@dstir tais leis, examinemos algumas áreas 
onde parece provável que irt­mos conseguir uma neuropsicologia estrita, leis 
estritas r

ue correlacionam fenómenos mentais e fenômenos neurosiológicos. Consideremos a 
dor. Parece razoável supor que as causas neurofisiológicas das dores, pelo menos
nos seres humanos, são muito Iiinitadas e especificas. Efectivamente, discutimos
algumas delas no capítulo anterior. Em princípio, parece não haver obstáculo 
algum em ter­

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mos uma neurofisiologia perfeita da dor. Mas, que dizer a propósito da visão? 
Mais uma vez, é difícil ver, em princípio, qualquer obstáculo em conseguirmos 
uma neurofisiologia adequada da visão. Poderiamos mesmo chegar ao ponto de 
conseguir descrever perfeitamente as condições neurofisiológicas para termos 
certos tipos de experiências visuais. A experiê ncia de ver que algo é vermelho,
por exemplo. Nada na minha explicação nos proibiria de obtermos uma tal 
psicologia neurofisiológíca.

Mas, agora, surge aqui a parte mais difícil: embora pudéssemos obter correlações
sistemáticas entre a neurofisiologia e a dor ou entre a neurofisiologia e a 
experiência visual do vermelho, não poderíamos fornecer explicações ,ernelhant  
da neurofisiologia de ver que alguma coisa era dinheiro. Por que não? Adn­útindo
que sempre que vemos que há algum dinheiro diante de nós ocorre algum processo 
neurofisiológico, que é que o impedirá de ser sempre o mesmo processo? Bem, a 
partir do facto de que o dinheiro pode ter um âmbito indefinido de formas 
físicas segue­se que pode ter um âmbito indefinido de efeitos estímuladores 
sobre os nossos sistemas nervosos. Mas, visto que pode ter um âmbito indefinido 
de padrões de estimuiação sobre o nossos sistemas, visuais, seria mais uma vez 
um milagre se eles todos produzissem exactamente no cérebro o mesmo efeito 
neurofisiológico.

E o que vale para a visão de alguma coisa como dinheiro vale ainda com mais 
razão para a crença de que ele é dinheiro. Seria absolutamente inilagroso se 
sempre que alguém pensasse ter falta de dinheiro, fosse em que língua e cultura 
ele tivesse tal crença, tivesse o mesmo tipo de realização neurofisiológica. E a
raz46 úmica é que o âmbito de estimulos neurofisiológicos possiveis que poderiam
produzir esta mesma crença é infinito. Paradoxalmente, o modo como o mental 
afecta o físico impede a existência de uma ciência estrita do mental.

Note~se que, nos casos em que não temos este tipo de interacção entre os 
fenômenos sociais e físicos, o obs­

98
tículo à posse de ciências sociais estritas não está presente. Consideremos o 
exemplo que antes mencionei, o da hipótese de Chonisky de uma gramática 
universal. Suponhamos que cada um de nós tem inatamente programadas no nosso 
cérebro as regras da gramática universal. Visto que estas regras estariam no 
cérebro, à nascença, e seriam independentes de quaisquer relações que o 
organismo tivesse com o meio ambiente, nada existe no meu argumento que impeça a
existência de leis psicofísicas estritas que conectem essas regras e as 
características do cerebro, por mais inter­relacionadas e complicadas que as 
regras possam ser. Mais uma vez, muitos animais têm estados mentais conscientes 
mas, tanto quanto sabemos, carecem da auto­referencialidade que acompanha as 
línguas humanas e as mstituições sociais. Nada, no meu argumento, impedirá a 
possibilidade de uma ciência do comportamento animal. Por exemplo, poderão 
existir leis estritas que correlacionem os estados cerebrais das aves e o seu 
comportamento de construção dos ninhos.

Fiz a promessa de tentar fornecer, pelo menos, um esboço de um argumento 
gradual. Vejamos até que ponto consegui cumprir a promessa. Apresentemos o 
argumento como uma série de passos.

i. Para que haja leis das ciências sociais, no sentido em que há leis da física,
deve existir alguma correlação sistemática entre os fenômenos identificados em 
termos sociais e psicológicos e os fenómenos identificados em termos físicos. 
Pode haver uma complexidade igual à do modo como os fenómenos meteorológicos se 
conectam com os fenomenos da física, mas tem de existir alguma correlação 
sistemática. Em gíria contemporânea, deve haver alguns principlos­ponte entre os
níveis inferiores e os níveis superiores.

2. Os fenômenos sociais definem­se, em grande parte, em termos de atitudes 
psicológicas que as pes­

99
soas tomam. 0 que figura como dinheiro, ou como

promessa, ou casamento é, em grande parte, uma questão do que as pessoas 
consideram dinheiro, ou

uma promessa, ou um casamento.

3. Do que precede segue­se que estas categorias se mantêm indefinidamente 
abertas no aspecto Cisico. Falando de modo estrito, não existem limites para o 
que poderemos considerar ou estipular como dinheiro, ou uma promessa, ou uma 
cerimônia de casamento.

4. Isto implica que não pode haver quaisquer princípios­ponte entre as 
características sociais e as características físicas do Mundo, isto é, entre os 
fenomenos descritos em termos sociais e os mesmos fenomenos descritos em termos 
físicos. Não podemos sequer ter o tipo de princípios disjuntivos frouxos que 
temos para o tempo ou a digestão.

S. Além disso, é impossível obter o tipo correcto de principios­ponte entre os 
fenômenos descritos em termos mentais e os fenómenos descritos em termos 
neurofisiológicos, isto e, entre o cérebro e a mente. E eis a razão por que 
existe um âmbito m'definido de condições estimuladoras para qualquer conceito 
social dado. E este âmbito enorme impede conceitos, que não estejam incrustados 
em nós, de se realizarem de uma maneira que sistematicamente correlaciona as 
características mentais e físicas.

Quero concluir este capítulo com a descrição do que me parece ser o verdadeiro 
carácter das ciências sociais. As ciências sociais tratam em geral de vários 
aspectos de intencionalídade. A econon­úa ocupa­se da produção e distribuição de
bens e serviços. Note­se que o economista em acção pode simplesmente tomar como 
garantida a intencionalidade. Pressupõe que os empresários tentam fazer dinheiro
e que os consumidores preferirão sair­se melhor do que pior. E as «leis da 
economia», em seguida, referem resultados ou consequências sistemáticas de tais 
suposições.

100
Dadas certas suposições, o economista pode deduzir que empresários sensatos 
venderão onde o seu custo marginal iguala o rendimento marginal. Observe­se 
agora que a lei não prediz que o homem de negócios faz a si mesmo esta pergunta:
«lrei eu vender onde o custo marginal iguala o rendimento marginal?» Não, a lei 
não refere o conteúdo da intencionalidade individual. Elabora antes as 
consequências de tal intencionafidade. A teoria da firma em microeconomia 
elabora as consequências de certos pressupostos acerca dos desejos e 
possibilidades dos consuInidores e empresas empenhadas na compra, produção e 
venda. A macroeconomía elabora as consequências de tais pressupostos para nações
e sociedades inteiras. Mas o

economista não tem que preocupar­se com questões como esta: «Que é o dinheiro 
realmente?» ou «0 que é real­

mente um desejo?» Se for muito sofisticado na economia do bem­estar, poderá 
preocupar­se com o carácter exacto dos desejos dos empresários e consumidores. 
Mas, mesmo num caso assim, a parte sistemática da sua disciplina consiste em 
elaborar as consequências dos factos a propósito da intencionalidade.

Visto que a economia se funda, não em factos sistemáticos acerca das 
propriedades físicas, corno a estrutura molecular, tal como a química se baseia 
em factos sistemáticos acerca da estrutura molecular, mas antes em factos 
relacionados com a intencionalidade humana, com desejos, práticas, estados da 
tecnologia e estados do conhecimento, segue­se que a economia não pode imunizar­
se à história ou ao contexto. A economia, enquanto ciência, pressupõe certos 
factos históricos acerca das pessoas e das sociedades que em si mesmas não sã o 
parte da economia. E quando esses factos mudam, a economia deve também mudar. 
Por exemplo, até há pouco, a curva de Phillips, uma fórmula que relaciona uma 
série de factores nas sociedades industriais, pareceu fornecer uma descrição 
exacta das realidades económicas nessas sociedades. Ultimamente, não tem 
funcionado tão bem. A maior parte dos economistas

101
pensa que isso se deve a que ela não descrevia exactamente a realidade. Mas 
poderiam pensar assim: «Talvez descrevesse exactamente a realidade tal como era 
naquele tenipo.» Porém, após as crises do petróleo e outros vários 
acontecimentos dos     anos setenta, a realidade mudou. A economia é uma ciência
formalizada sistemática, mas não é independente     do contexto ou imune à 
História. Funda­se em práticas   humanas, mas essas práticas não são 
intemporais, eternas ou inevitáveis. Se, por alguma razão o dinheiro tivesse de 
ser feito de gelo, então, seria uma lei estrita da economia que o dinheiro se 
derrete a temperaturas superiores a zero grau centígrado. Mas, esta lei 
funcionaria apenas enquanto o dinheiro tivesse de ser feito de gelo e, além 
disso, não nos diz o que é que nos interessa acerca do dinheiro.

Viremo­nos agora para a linguistica. 0 objectivo contemporâneo normal da 
linguistica é estabelecer as várias regras ­ fonológícas, sintáticas e 
semânticas ­ que relacionam sons e significados nas várias línguas naturais. Uma
ciência idealmente completa da linguística forneceria o conjunto completo de 
regras para todas as linguagens humanas naturais. Não tenho a certeza de se é 
este o exacto Objectivo da linguistica ou mesmo se é um objectivo que é possível
atingir, mas, para o propósito presente, o importante é notar que é, uma vez 
mais, uma ciência aplicada intencionalidade. De nenhum modo se assemelha à 
quimica ou à geologia. Tem a ver com a especificação dos conteúdos intencionais 
historicamente determinados que existem nas mentes dos falantes das várias 
línguas e que são efectivamente responsá veis pela competência linguistica 
humana. Tal como na economia, a cola que aglutina a liliguistica e a 
intencionalidade humana.

0 resultado deste capitulo pode agora enunciar­se de uma forma muito simples. A 
descontinuidade radical entre as ciências sociais e as ciências naturais não 
procede do facto de que existe apenas uma conexão disJuntíva dos fenômenos 
sociais e físicos. Nem sequer procede do facto de

102
que as disciplinas sociais têm conceitos constitutivos que não encontram eco na 
física, nem ainda da grande comple~ )Made da vida social. Muitas disciplinas 
como a geologia, a biologia e a metereologia têm essas caraterísticas, mas isso

não as impede de serem ciências naturais sistemáticas. Não, a descontinuidade 
radical deriva do carácter intrinsecamente mental dos fenômenos sociais e 
psicológicos.

0 facto de as déncias sociais serem potenciadas pela mente é a fonte da sua 
fraqueza em relação às ciências naturais. Mas é também precísamente a fonte da 
sua força como ciências sociais. 0 que desejamos das ciências sociais e delas 
conseguimos no seu ponto melhor são teorias da intencionalidade pura e aplicada.
.

103
vi

A LIBERDADE DA VONTADE

Nestas páginas, tentei responder ao que para mim constitui algumas das questões 
mais incómodas sobre o modo como nos, enquanto seres humanos, nos harmonizamos 
com o resto do Universo. A concepção de nós mesmos como agentes livres é 
fundamental para toda a nossa autoconcepção. Ora, idealmente, eu gostaria de ser
capaz de conservar tanto as minhas concepções de sentido comum como as minhas 
crenças científicas. No caso da relação entre mente e corpo, por exemplo, 
consegui fazer isso, mas ao abordar­se a questão da liberdade e do determinismo,
sou incapaz ­ como muitos outros filósofos ­

de reconciliar as duas.

Alguém pensará que, após mais de dois mil anos de preocupação a este respeito, o
problema da liberdade da vontade estaria agora finalmente resolvido. Bem, na 
realidade, a maior parte dos filósofos pensa que ele já foi resolvido. Pensam 
que foi resolvido por Thomas Hobbes e David Hume e por outros filósofos de 
miclinação empirica, cujas soluções têm sido repetidas e melhoradas em

105
pleno século xx. Pessoalmente, penso que não foi solucionado. Nesta lição, quero
fornecer­lhes uma explicação do que o problema é e porque é que a solução 
contemporânea não constitui uma solução e, em seguida, concluir tentando 
explicar porque é que o problema certamente continuará connosco.

Por outro lado, sentimo­nos inclinados a dizer que, uma vez que a natureza 
consiste em partículas e nas suas relações reciprocas e, dado que tudo se pode 
explicar em termos dessas partículas e das suas relações, não há simplesmente 
espaço para a liberdade da vontade. Tanto quanto à liberdade humana diz 
respeito, não interessa se a física é determinada, como era a física newtoniana,
ou se ela permite uma indeterminação ao nível da física de particulas, como o 
faz a mecânica quântica contemporânea.
0 indeterminismo ao nível das partículas na física não é, efectivamente, um 
apoio para qualquer doutrina da liberdade da vontade; porque, em primeiro lugar,
a indeternúnação estatística ao nível das partículas não mostra 
qualquer'irideterminação ao nível dos objectos que nos afectam ­ corpos humanos,
por exemplo. E, em segundo lugar, mesmo se existe um elemento de indeternu­nação
no comportamento das partículas físicas ­ mesmo se elas são previsíveis só 
estatisticamente ­­ apesar de tudo, isso não dá por si mesmo livre curso à 
liberdade humana da vontade; pois, do facto de as partículas serem determinadas 
apenas estatisticamente não se segue que a mente humana possa forçar as 
partículas estatisticamente determinadas a desviarem­se do seu caminho. 0 
indeterminismo não constitui evidência alguma de que existe ou poderia existir 
alguma energia mental da liberdade humana, que pode mover as moléculas para 
direcções em que de outro modo elas não se iriam mover. Assim, parece realmente 
como se tudo o que sabemos acerca da física nos forçasse a alguma forma de 
negação da liberdade humana.

A imagem mais forte para transmitir esta concepção de determinismo é ainda a que
foi formulada por Laplace:

106
«se um observador ideal conhecesse as posições de todas as partículas num dado 
instante e conhecesse todas as leis que governam os seus movimentos, poderia 
predizer e retrodizer toda a história do Universo.» As predições de um

Laplace perito em mecânica quântica contemporânea podem ser estatísticas, mas 
apesar de tudo não perinitiriam espaço para a liberdade da vontade.

Chega já de referência ao determinismo. Voltemos agora ao argumento a favor da 
liberdade da vontade. Como muitos filósofos salientaram, se existe um facto da 
experiência com que todos somos familiarizados, é o facto simples de que as 
nossas próprias escolhas, decisões, raciocínios e,cogitações diferem do nosso 
comportamento efectivo. Há toda uma série de experiências que temos da vida em 
que parece ser um facto da nossa experiência que, embora tenhamos feito uma 
coisa, temos a certeza de sabermos perfeitamente bem que poderíamos ter feito 
alguma coisa mais. Sabemos que poderíamos ter feito alguma coisa mais, porque 
escolhemos algo em virtude de deterirúnadas razões. Mas tínhamos consciência de 
que havia também razoes para escolher outra coisa e, na verdade, podíamos ter 
exigido por essas razões e escolhido essa outra coisa. Uma outra maneira de 
apresentar este

ponto é dizer: constitui um facto empírico evidente que o nosso comportamento 
não é previsível da mesma maneira que é predizivel o comportamento dos objectos 
rolando por um plano inclinado. E a razão por que não é predizível dessa maneira
é porque, muitas vezes, poderíamos ter

agido de um modo diferente de como agimos efectivamente. A liberdade humana é 
precisamente um facto de experiência. Se desejarmos alguma prova empirica de tal
facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de 
falsificarmos quaisquer prediçõ es que alguém possa ter feito acerca do nosso 
comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem 
não fazer essa coisa. Ora bem, este tipo de opção não está à disposição dos 
glaciares que se movem pelas montanhas

107
abaixo ou das bolas que rolam em planos inclinados, ou dos planetas que se movem
em torno das suas órbitas elipticas.

Estamos perante um enigma filosófico caracteristico. Por um lado, um conjunto de
argumentos muito poderosos força­nos à conclusão de que a vontade livre não 
existe no Universo. Por outro, uma série de argumentos poderosos baseados em 
factos da nossa própria experiê ncia inclina­nos para a conclusão de que deve 
haver alguma liberdade da vontade, porque ai todos a experimentamos em todo o 
tempo.

Há uma solução corrente para este enigma filosófico. egundo essa solução, a 
vontade livre e o determinismo são perfeitamente compativeis entre si. 
Naturalmente, tudo no Mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas acções, 
humanas são livres. Dizer que são livres não é negar que sejam determinadas; é 
afirmar que não são constrangidas. Não somos forç ados a fazê­las: assim, por 
exemplo, se um homem é forçado a fazer alguma coisa porque lhe apontam uma arma,
ou se sofre de alguma compulsão psicológica, então, a sua conduta é genuinamente
não livre. Mas se, por outro lado, ele age livremente, se age, como dizemos, por
sua livre vontade, então, o seu comportamento é livre. Claro está, é também 
completamente determinado, uma vez que cada aspecto do seu comportamento é 
determinado pelas forças físicas que operam sobre as particulas que compõem o 
seu corpo, tal como operam sobre todos os corpos no universo. Assim, a conduta 
livre existe, mas é apenas um cantinho do Mundo determi­nado ­ é este canto do 
comportamento humano detern­iinado onde certos tipos de força e de compulsão 
estão ausentes.

Ora bem, porque esta concepção afirma a compatibilidade da vontade livre e do 
determinismo recebe habitualmente o nome de «compatibilismo». Penso que é 
inadequada como solução para o problema e eis porquê. 0 problema em tomo da 
liberdade da vontade não se põe a

108
P ló

pode

ia ou não       en i roposito da existênci           exist^ da de razões 
psicogicas internas que nos levam a fazer coisas, ou também de existência de 
causas físicas  externas e de compulsões internas. Põe­se antes a propósito de 
se ou não as causas da nossa conduta, sejam elas quais forem, são suficientes 
para determitiar a conduta de maneira que as coisas têm de acontecer da maneira 
como acontecem.

Existe outra maneira de apresentar este problema. Será sempre verdadeiro afirmar
de outra pessoa que ela

ria ter agido de outro modo, permanecendo idênticas todas as outras condições? 
Por exemplo, admitindo que uma certa pessoa decidiu votar nos Conservadores, 
poderia ela ter escolhido votar num dos outros partidos, permanecendo idênticas 
todas as outras condições? Ora, o compatibilismo não responde a esta questão de 
uma maneira que permita e conceda espaço para a noção corrente da liberdade da 
vontade. 0 que ele afirma é que todo o comportamento é determinado de uma 
maneira tal que não poderia ter ocorrido de outro modo, permanecendo idênticas 
todas as outras condições. Tudo o que aconteceu foi efectivamente determinado. 
Houve coisas que foram determinadas por certos tipos de causas psicológicas 
internas (as que nós chamamos as nossas «razões de actuar») e não por forças 
externas ou conveiiço@s psicológicas. Assim, ficamos ainda com um problema. E 
sempre verdadeiro afirmar de um ser humano que ele poderia ter agido de outra 
maneira?

A dificuldade que se põe acerca do compatibilismo, pois, é que ele não responde 
à questão ­ «poderíamos nós ter agido de outro modo, permanecendo idênticas 
todas as condições?» ­ de uma maneira que é consistente com a nossa crença na 
nossa própria livre vontade. Em suma, o compatibilismo nega a existência da 
vontade livre, embora mantenha a sua concha verbal.

Tentemos então recomeçar de novo. Afirmei que temos uma convicção da nossa 
vontade livre simplesmente baseada nos factos da experiência humana. Mas, até 
que ponto são fidedignas essas experiências? Como antes afir­

109
meí, o caso tipíco, muitas vezes descrito pelos filósofos, que nos inclina a 
acreditar na nossa própria vontade livre, é uin caso em que defrontamos um feixe
de escolhas, raciocinamos acerca da melhor coisa que há a fazer, tomamos uma 
resolução e, em seguida, fazemos a coisa que decidimos fazer.

Mas talvez a crença de que tais experiências apoiam a doutrina da liberdade 
humana seja ilusória. Consideremos o exemplo seguinte. Uma experiência de 
hipnose típica tem a seguinte forma. Sob a acção da hipnose, o paciente recebe 
uma sugestão pós­hipnótica. Pode dizer­Se­lhe, por exemplo, para fazer uma coisa
absolutamente trivial e inócua como, digamos, rastejar pelo soalho. Depois do 
paciente sair da hipnose, pode entrar em conversação, sentar­se, beber café e 
então, subitamente, afirmar uma coisa como: «que soalho fascinante existe nesta 
sala», ou

«quero examinar este tapete», ou «estou a pensar investir em coberturas de 
soalho e gostaria de investigar este soalho». E, em seguida, põe­se a rastejar 
pelo soalho. Ora, o interesse destes casos é que o paciente fornece sempre 
alguma razão mais ou menos adequada para fazer o que faz. Isto é, perante si 
mesmo, parece comportar­se livremente. Nós, por outro lado, temos boas razões 
para crer que o seu comportamento de nenhum modo é livre, que as razoes que, ele
aduz para a sua decisão aparente de rastejar pelo soalho são irrelevantes, que o
seu comportamento foi previamente determinado, que efectivamente está enredado 
numa sugestão pós­hipnótica. Quem quer que conhecesse os factos a respeito dele 
podia ter predito de antemão o seu comportamento. Ora, um modo de pôr o problema
do determinismo ou, pelo menos, um aspecto do problema do determinísmo, é: «todo
o comportamento humano é assim?» Todo o comportamentç> humano se assemelha ao 
homem que age sob uma sugestão pós­hipnótica?

Mas, se tomarmos o exemplo a sério, parece demonstrar ser uni argumento a favor 
da liberdade da vontade

110
e não contra ela. 0 agente pensava que agia livremente, embora na verdade o seu 
comportamento fosse determinado. Mas, no plano empirico, parece­me muito 
improvável que todo o comportamento humano seja assim. Por vezes, as pessoas 
sofrem sob os efeitos da hipnose e, por vezes, sabemos que se encontram sob a 
influência de impulsos inconscientes que não podem controlar. Mas serão elas 
sempre assim? É todo o comportamento determinado por tais compulsões 
psicológicas? Se tentarmos tratar o determínismo psicológico como uma afirmação 
factual acerca da nossa conduta, então, parece ser inteiramente falso. A tese do
determinísmo psicológico é que as causas psicológicas prévias determinam todo o 
nosso comportamento da maneira como determinam o comportamento do su .eito sob 
hipnose ou o viciado em heroffia. Para esta concepção, todo o comportamento, de 
um ou de outro modo, é psicologicamente compulsivo. Mas, as provas dispomíveis 
sugerem que uma tal tese é falsa. Na realidade, agimos normalmente com base nos 
nossos estados intencionais ­ as nossas crenças, esperanças, temores, desejos, 
etc. ­ e, nesse sentido, os nossos estados mentais funcionam causalmente. Mas 
esta forma de causa e efeito não é determimistica. Poderiamos ter tido 
exactamente esses estados mentais e, apesar de tudo, não termos feito o que 
fizemos. Tanto quanto às causas psicológicas diz respeito, poderiamos ter agido 
de outra maneira. Por outro lado, os exemplos de hipnose e de comportamento 
psicologicamente compulsivo são habitualmente patológicos e facilmente 
distinguiveis da acção livre normal. Assim, psicologicamente falando, existe 
espaço para a liberdade humana.

Mas é esta solução um avanço sobre o compatibilismo? Não estamos justamente a 
dizer, mais uma vez, que sim, todo o comportamento é deternu­nado, mas que o que
chamamos comportamento livre é o tipo determinado por processos racionais de 
pensamento? Por vezes, os processos conscientes e racionais de pensamento não

111
fazem diferença alguma, como no caso da hipnose e, por vezes, fazem, como no 
caso normal. Os casos normais são aqueles em que dizemos que o agente é 
realmente livre. Mas, naturalmente, esses processos racionais e normais de 
pensamento são tão determinados como tudo o mais. Assim, mais uma vez, não 
teremos nós o resultado de que tudo o que fazemos estava inteiramente escrito 
num livro de história biliões de anos antes de termos nascido e, por 
conseguinte, nada do que fazemos é livre em qualquer sentido filosoficamente 
interessante? Se decidimos chamar livre ao nosso comportamento, isso é apenas 
uma questão de adoptar uma terminologia tradicional. Assim como continuamos a 
falar de «pôr do Sol», embora saibamos que o Sol literalmente não se põe, assim 
também continuamos a falar de «agir por livre vontade», embora não exista tal 
fenômeno.

Uma maneira de, examinar uma tese filosófica ou qualquer outra espécie de tese 
para este assunto é perguntar «que diferença faria? Quão diferente seria o 
Mundo, se esta tese fosse verdadeira enquanto oposta ao que seria o Mundo, se a 
mesma fosse falsa?» Parte da atracção do determinismo, creio eu, provém de ele 
parecer consistente com a maneira como o Mundo funciona realmente, pelo menos, 
tanto quanto conhecemos algo acerca dele pela física. Isto é, se o determinismo,
fosse verdadeiro, então, o Mundo actuaria da mesmíssima maneira como actua, e a 
única diferença seria que algumas das nossas crenças a propósito do seu 
funcionamento seriam falsas. Essas crenças são importantes para nós, porque têm 
a ver com a crença de que poderiamos ter feito coisas diferentemente da maneira 
como efectivamente as fizemos. E, por seu turno, esta crença liga­se com crenças
acerca da rêsponsabifidade moral e da nossa própria natureza como pessoas. Mas 
se o libertarismo, que é a tese da vontade livre, fosse verdadeiro, parece que 
teriamos de fazer algumas xnudanças realmente radicais nas nossas crenças acerca
do Mundo. Para termos uma liberdade radical, parece

112
que deveríamos postular a existència, dentro de cada um de nós, de um si mesmo 
que fosse capaz de interferir com a orde m* causal da natureza, isto é, parece 
que de certa maneira deveríamos conter alguma entidade que fosse capaz de 
desviar as moléculas das suas trajectórias. Não sei se uma tal concepção é 
sequer inteligível, mas decerto não se harmoniza com o que sabemos pela física 
acerca do modo como fimciona o Mundo. E não existe a mínima prova para supormos 
que deveríamos abandonar a teoria física em favor de uma tal concepção.

Até agora, pois, parece que não chegámos a lado nenhum no nosso esforço para 
resolver o conflito entre determinismo e a crença na liberdade da vontade. A 
ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade e o indeterminismo na 
física não oferece para ela qualquer apoio. Por outro lado, somos incapazes de 
abandonar a crença na liberdade da vontade. Investiguemos ainda um pouco mais 
estes dois pontos.

Por que é que não há espaço para a liberdade da vontade na concepção científica 
contemporãnea? Na física, os nossos mecanismos explanatórios básicos funcionam 
debaixo para cima. Isto é, explicamos o comportamento das características de 
superfície de um fenômeno, como a transparência do vidro ou a liquidez da água, 
em termos do comportamento de micropartículas como as moléculas. E a relação da 
mente com o cérebro é um exemplo de uma tal relação. As características mentais 
são causadas por e reálizadas em fenóm'enos neurofisiológicos, como discuti no 
primeiro capitulo. Mas deparamos com a causação da mente para o corpo, isto é, 
deparamos com a causação de cima para baixo, durante uma passagem de tempo; e 
deparamos com a causação de cima para baixo durante um certo tempo, porque o 
nível de cima e o nível inferior ocorrem simultaneamente. Assim, por exemplo, 
suponhamos que eu quero causar a libertação da acetilcolina neurotransinissora 
nas placas terminais do axÓnio dos meus neurónios motores; posso fazer isso 
mediante a simples

113
decisão de levantar o meu braço e, em seguida, de o levantar. Aqui, o 
acontecimento mental, a intenção de levantar o meu braço causa o acontecimento 
físico, a libertação da acetilcolina ­ um caso de causaçâo de cima para baixo, 
se é que alguma vez houve algum. Mas a causação de cima para baixo opera 
unicamente porque os acontecimentos mentais se baseiam na neurofisiologia para 
se iniciarem. Assim, em correspondência com a descrição das relações causais que
vão de cima para baixo, há uma outra descrição da mesma série de acontecimentos,
onde as relações causais ocorrem inteiramente no fundo, isto é, constituem 
totalmente uma questão de neurónios e de excitações neuronais nas sinapses, etc.
Enquanto aceitarmos esta concepção do modo como a natureza opera, então não 
parece haver qualquer espaço para a liberdade da vontade, porque, nesta 
concepção, a mente pode apenas afectar a natureza enquanto é uma parte da 
natureza. Mas, se assim é, então, tal como o resto da natureza, as suas 
caracteristicas são determinadas nos n­licroníveis básicos da Física.

Eis um ponto absolutamente fundamental deste capitulo, deixem­me repetir. A 
forma de determinismo que, em última análise, é incómoda não é o determinismo, 
psicológíco. A ideia de que os nossos estados da mente são suficientes para 
determinar tudo o que fazemos é provavelmente falso. A forma incómoda de 
determinismo é mais básica e fundamental. Visto que todas as caracteristicas de 
superfície do Mundo são inteiramente causadas por e realizadas em sistemas de 
microelementos, o comportamento dos microelementos é suficiente para determinar 
tudo o que acontece. Uma tal imagem de «pernas para o ar» do Mundo adn­úte a 
causação de cima para baixo (as nossas mentes, por exemplo, podem afectar os 
corpos). Mas a causação de cima para baixo funciona apenas porque o nível, 
superior já está causado por e realizado nos níveis inferiores.

Muito bem, abordemos a seguinte questão óbvia.
0 que é que na nossa experiência nos impossibilita aban­

@ 114
donar a crença na liberdade da vontade? Se a liberdade e uma ilusão, por que é 
que é uma ilus@o que, aparente. mente, somos incapazes de abandonar? A primeira 
coisa a observar a propósito da concepção da liberdade humana é que ela está 
essencialmente ligada à consciência. Apenas atribuímos liberdade aos seres 
conscientes. Se, por exemplo, alguém construir um robô que cremos ser totalmente
inconsciente, nunca sentiriamos qualquer inclinação a dizer que ele é livre. 
Mesmo se achássemos o seu comportamento aleatório e impredizível, não diníamos 
que actua livremente no sentido em que nos pensamos a nós mesmos como agindo 
livremente, Se, por outro lado, alguém construir um robô acerca do qual nos 
convencemos de que tem consciência, tal como nós temos então, seria, pelo menos,
uma questão aberta de se ou não este robô tinha liberdade da vontade.

0 segundo ponto a observar é que não é qualquer estado da consciência que nos 
fornece a convicção da liberdade humana. Se a vida consistisse inteiramente na 
recepção de percepçõ es passivas, então, parece­me que nunca conseguiriamos 
formar a ideia da liberdade humana. Se nos imaginássemos a nós mesmos totalmente
imóveis, totalmente incapazes de nos movermos e incapazes até de determinarmos o
curso dos próprios pensamentos, mas, apesar de tudo, recebendo estimulos, por 
exemplo, suaves sensações dolorosas periódicas, não haveria a menor incli” nação
para concluirmos que temos liberdade da vontade.

Disse antes que a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade 
humana está essenci: mente ligada ao processo da decisão racional. Mas penso que
isso e só parcialmente verdadeiro. De facto, ponderar razões é apenas um caso 
muito especial da experiência que nos fornece a convicção da liberdade. A 
experiência caracteristica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma 
experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a 
experiência de nos empenharmos em acções humanas voluntárias e intencionais.

115
Na nossa discussão da intencionalidade, concentrámo­nos naquela forma de 
intencionafidade que consistia em intençóes conscientes na acção, 
intencionalidade que é causal da maneira como a descrevi, e cujas condições de 
satisfação são que certos movimentos corporais ocorram e que ocorram como 
causados por aquela genuína intenção na acção. É esta experiê ncia a pedra 
basilar da nossa crença na liberdade da vontade. Porquê? Reflictamos com todo o 
cuidado no carácter das experiências que temos, quando nos empenhamos nas acções
humanas normais da vida de cada dia. Veremos a possibilidade de cursos 
alternativos de acçã o incrustados nessas experiências. Levantemos o braço ou, 
atravessemos a rua, ou bebamos um copo de água e veremos que em qualquer ponto 
da experiéncia teremos um sentido de cursos alternativos de acção para nós 
disponíveis.

Se alguém tentar expressar em palavras a diferença entre a experiência de 
percepcionar e a experiência de agir é que, na percepção, se tem esta sensação: 
«Isto está a acontecer­me» , e, na acção, a sensação é a seguinte: «Faço isto 
acontecer.» Mas a sensação­ de que «faço isto acontecer» traz consigo a sensação
de que «poderia. fazer alguma coisa mais». No comportamento normal, cada coisa 
que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderiamos fazer 
alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras 
condições. Eis, permito­me afirmar, a fonte da nossa inabalável convicção na 
nossa vontade livre. É talvez importante salientar que estou a discutir a acção 
humana normal. Se alguém está a braços com uma grande paixão, se alguém se 
encontra numa cólera imensa, por exemplo, perde esse sentido da liberdade e pode
mesmo surpreender­se ao descobrir o que está a fazer.

Desde que atentemos nesta caracteristica da experiência do agir, muitos dos 
fenômenos intrigantes que antes mencionei facilmente se explicam. Por que é que,
por exemplo, o homem no caso da sugestão pós­hipnótica não está a

116
a g* li

ir vremente no sentido em que nós somos livres, mesmo que ele possa pensar que 
está a agir livremente? A razão é que, num sentido importante, ele não sabe o 
que está a fazer. A sua efectiva intenção na acção é totalmente inconsciente. As
opções que ele vê disponíveis para si são irrelevantes para a motivação efectiva
da sua acção. Note­se também que os exemplos compatibilistas do comportamento 
«forçado» implicam ainda, em muitos casos, a experiência da liberdade. Se alguém
me diz para fazer algo apontando­me uma arma, mesmo em tal caso eu tenho uma 
experiência (  ‘lue tem o sentido dos cursos alternativos da acção nela 
incrustados. Se, por exemplo, recebo ordens para atravessar a rua com a arma a 
mim apontada, parte ainda da experiência é que eu sinto que literalmente me é 
facultado em qualquer passo fazer alguma coisa mais. Assim, a experiência da 
liberdade é uma componente essencial de qualquer caso do agir com uma intenção. 
Assim, a experiência da liberdade é uma componente essencial de qualquer caso do
agir com uma intenção.

Mais uma vez, podemos ver isto se contrastarmos o caso normal da acção com os 
casos da Penfleid, onde a estiinulação do córtex motor produz um movimento 
involuntário, do braço ou da perna. Em tal caso, o paciente experimenta o 
movimento passivamente, como experimentaríamos um som ou uma sensação de dor. 
Diversamente das acções intencionais, aqui não há opções inseridas na 
experiência. Para vermos com clareza este ponto, tentemos imaginar que uma parte
da nossa vida se assemelhava às experiências de Penfield em grande escala. Em 
vez de caminharmos pela sala, sentiríamos simplesmente que o nosso corpo se move
através da sala; em vez de falarmos, simplesmente ouviríamos e sentiríamos que 
saiem da nossa boca. Imaginemos que as nossas experiências são as de uma boneca 
puramente passiva, mas consciente, teremos imaginado a remoção da experiência da
liberdade. Mas, no caso típico da acção intencional, não existe modo

117
algum de erradicarmos a experiência da liberdade. Ela é uma parte essencial da 
experiência do agir.

Isto explica também, creio eu, Porque é que não podemos abandonar a nossa 
convicção de liberdade. Achamos fácil abandonar a convicção de que a Terra é 
chata, logo que compreendemos a prova para a teoria heliocêntrica do sistema 
solar. De modo semelhante, quando olhamos para o pôr do Sol, apesar das 
aparências, não nos sentimos compelidos a crer que o Sol está a pôr­se por 
detrás da Terra. Cremos que a aparência do pôr do Sol é simplesmente uma ilusão 
criada pela rotação da Terra. Em cada caso, é possível abandonar uma convicçã o 
de sentido comum, porque a hipótese que a substitui explica as experiências que 
levaram a essa convicção em primeiro lugar e explica igualmente um vasto 
conjunto de outros factos que a concepção de senso comum é incapaz de explanar. 
Eis porque deixámos de lado a crença numa terra chata e o «pôr do Sol» literal 
em favor da concepção copernicana do sistema solar. Mas não podemos de modo 
semelhante abandonar a convicção de liberdade, porque esta convicção está 
inscrida em toda a acção intencional normal e consciente. E usamos esta 
convicção para identificarmos e explicarmos as acções. Esse sentido de liberdade
não é apenas uma característica de deliberação, mas é parte de qualquer acção, 
Seja premeditada ou espontânea. 0 ponto nuclear nada tem essencialmente a ver 
com a deliberação. A deliberação é apenas um caso especial.

Não navegamos na Terra com base na suposição numa terra chata, mesmo se a Terra 
parece chata, mas agimos no S

ressuposto da liberdade. Efectivamente, não podemos agir e outra maneira senão 
com base na suposição da liberdade, pouco importando o que aprendemos acerca do 
modo como o Mundo funciona enquanto sistema físico determinado.

Podemos agora tirar as conclusões que estão implícitas nesta discussão. Primeiro
se a preocupação a propósito do determinísmo é uma preocupação por que todo o 
nosso

118
comportamento é de facto psicologicamente compulsivo, então, parece que tal 
preocupação é injustificável. Na medida em que o determimismo psicológico é uma 
hipótese empirica como qualquer outra, então as provas,jue presentemente temos 
disponíveis, sugere que ela é          .  a. Assim, isto fornece­nos uma forma 
modificada de compatibilismo. Fornece­nos a convicção de que o libertarismo 
psicológico é compatível com o determinismo físico.

Em segundo lugar, fornece­nos mesmo um sentido do «poderia ter» em que o 
comportamento das pessoas, embora determinado, é tal que nesse sentido elas 
poderiam ter agido de outra maneira: o sentido é simplesmente que, tanto quanto 
aos factores psícológícos diz respeito, elas poderiam ter agido de outra 
maneira. As noções de capacidade, do que somos capazes de fazer e do que 
poderíamos ter feito, são muitas vezes relativas a algum conjunto semelhante de 
critérios. Por exemplo, eu poderia ter votado em Carter nas eleições americanas 
em 198o, mesmo se o não fiz; mas não poderia ter votado em George WashinN

ton. Ele não foi um candidato. Assim, há um sentido
0 «poderia ter», em que há para mim disponível um conjunto de escolhas e nesse 
sentido já muitas coisas que eu poderia ter feito, permanecendo iguais todas as 
outras coisas que eu não fiz. De modo semelhante, porque os factores 
psicológicos que operam em mim nem sempre ou mesmo em geral, não me impelem a 
comportar­me de uma maneira particular, muitas vezes eu, falando em termos 
psicológicos poderia ter feito algo de diferente daquilo que efectivamente fiz.

Mas, em terceiro lugar, esta forma de compatibilismo ainda não nos fornece nada 
que se assemelhe à resolução do conflito entre liberdade e determinismo, que o 
nosso nnpulso para o libertarismo radical efectivamente

aceitarmos a concepção de pernas para o exige. ar da e3@pV:çZtOfísica, e é uma 
concepçã o em que se baseiam os trezentos anos passados da ciéncia, então os 
factos acerca de nós, como quaisquer outros factos de míveis, superiores,

119
são inteiramente e causalmente explicáveis em termos de e inteiramente 
realizáveis em sistemas de elementos ao nível, microfísico fundamental. A nossa 
concepção da realidade física não oferece espaço à liberdade radical.

Em quarto e último lugar, por razões que efectivamente não compreendo, a 
evolução deu­nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência
da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, 
está inserida na genuia estrutura do comportamento humano consciente, voluntário
e intencional. Por essa razão, creio, nem esta discussão nem qualquer outra 
algunia vez nos convencerá de que o nosso comportamento não é livre.

0 meu objectivo neste livro foi tentar caracterizar as relações entre a 
concepção que temos de nós mesmos

como agentes racionais, livres, conscientes, atentos, e uma concepção que temos 
do Mundo como consistindo de partículas físicas sem mente, sem significado. É 
tentador pensar que, assim conio descobrimos que largas porções do sentido comum
não representam adequadamente o modo como o Mundo realmente funciona, assim 
poderíamos descobrir que a concepção de nós mesmos e do nosso comportamento é 
inteiramente falsa. Mas há limites para esta possibilidade. A distinção entre 
realidade e aparência não pode aplicar­se à genuí na existência da consciência, 
pois, se aparentemente sou consciente, sou consdente. Poderemos descobrir toda a
espécie de coisas surpreendentes acerca de nós mesmos e do nosso comportamento; 
mas não podemos descobrir que não temos mentes, que elas não contém estados 
mentais conscientes, subjectivos, intencionalísticos; nem poderíamos descobrir 
que não tentamos, pelo menos, empenharmo­nos em acções voluntárias, livres e 
intencionais. 0 problema que a mim mesmo pus não foi provar a existência dessas 
coisas, mas exan­iinar o seu estatuto e as suas implicações para as nossas 
concepções do resto da natureza. 0 meu tenia geral foi que, com certas

120
excepções importantes, a concepção mentalística de sentido comum de nós mesmos é
perfeitamente consistente com

a nossa concepção da natureza enquanto sistema físico.

121
SUGESTõES PAPLA LEITUPLA

BLOCK, NED (ed.), Readings in Philosophy and Psychology, vols. i

C 2, Cambridge: Harvard University Press, 1981. DAVIDSON, DONALD, Essap on 
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Limits of Arti­

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KUFFLER, STEMEN W. & NiCHOLAS, JOHN G., From Neuron to Brain:

A Cellular Approach to the Function of the Nervous System, Sunderland, Mass.: 
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123
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sity, Press, 983. WHrrE, ALAN R. (ed.), The Philosophy of Action, Oxford: Oxford

University Pr=, 1968.

124
INDICE

Introdução         . ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...               11

1 ­ o Problema da Mente­Corpo             ... ...   ... ...   ... ...    ...   
17

11 ­ Podem os Computadores Pensar?               ... ...   ... ...   ... ...    
35

III ­ A Ciência Cognitiva         ... ...   ... ...   ... ...   ... ...    ...  
53

IV ­ A Estrutura da Acção          . ... ... ... ... ... ... ... ...            
71

V ­ Perspectivas para as Ciências Sociais         . ... ... ... ... ...         
87

VI ­A Liberdade da Vontade             ... ...   ... ...   ... ...   ... ...    
ios

Suge~ para Leitura          ... ...   ... ...   ... ...   ... ...    ...   123

125
Impressão e acabamento da AMAGRAF ­ Artes Gráficas, Lda.

­para EDIÇOES 70, Lda. em Novembro de 1997

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