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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA

PSICOLOGIA

IGOR ZIMMARO, LETÍCIA MENEZES, LETÍCIA FAJIN, MILLENA PEREIRA,


RAFAELA MELO, THIAGO RODRIGUES

RELATO DE ENTREVISTA SOBRE MOBILIDADE URBANA E


PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NA CIDADE
Psicologia e Conexões Urbanas

RIO DE JANEIRO
2019
IGOR ZIMMARO, LETÍCIA MENEZES, LETÍCIA FAJIN, MILLENA PEREIRA,
RAFAELA MELO, THIAGO RODRIGUES
RELATO DE ENTREVISTA SOBRE MOBILIDADE URBANA E
PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NA CIDADE
Psicologia e Conexões Urbanas

Trabalho sobre mobilidade urbana e processos de


subjetivação na cidade apresentado à disciplina de
Psicologia e Conexões Urbanas do curso de
Psicologia do Centro Universitário Augusto Motta
sob a orientação do professor Maicon Barbosa.

RIO DE JANEIRO
2019
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1. INTRODUÇÃO

A mobilidade urbana pode ser entendida como os deslocamentos dos sujeitos nos
espaços urbanos das cidades. Atualmente, é quase impossível dissociar tal tema de aspectos
referentes à qualidade de vida da população, acessibilidade e o uso de transportes públicos
coletivos (CARDOSO, 2008 apud ARAUJO, 2011). Além disso, ao falar de espaços públicos
e, mais especificamente, transportes públicos, um grande problema vem à tona: a violência.
Todos os dias, no espaço de vida urbano das grandes cidades do Rio de Janeiro,
funcionários e usuários dos serviços de transportes públicos são expostos a diversas situações,
muitas delas sendo prejudiciais ao sujeito, como, por exemplo, a violência. A violência nos
transportes públicos afeta o direito de locomoção e mobilidade do cidadão, oferecendo risco
às vidas dos sujeitos, além de estar relacionado com o tema de saúde pública (SOUSA et al.,
2017).
Devido a esses e outros fatores ocorre uma diminuição na utilização de transportes
públicos, muito por conta do medo subjacente aos altos índices de violência urbana, o que faz
com que haja o aumento do uso de veículos individuais, impactando o trânsito, o meio
ambiente, e, consequentemente, a mobilidade urbana e a qualidade de vida da população.
(SOUSA et al., 2017).
A violência nos transportes públicos, especificamente as situações de assalto que
abordaremos na entrevista, está diretamente relacionada à segurança pública. Com base em
estudos, foi observado que há uma diminuição de usuários de ônibus em horários que tem um
movimento baixo, justamente devido ao medo de assaltos que podem ocorrer, sendo que
nesses horários os índices de roubos são altos (SOUSA et al., 2017). Entretanto, a temática do
assalto é apenas um recorte específico, já que há outros tipos de violências que podem ser
observados nesses ambientes, como brigas, assédios e até mortes.

2. DESENVOLVIMENTO
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A mobilidade urbana teve um notório desenvolvimento no Brasil na década de 1920,


com o objetivo de uma locomoção entre as regiões brasileiras tendo em mente o clima pós-
guerra e a política da valorização do café, além do poder entre os mineiros e paulistas. Diante
desses fatos, ocorre uma movimentação do governo para a construção de vias que
interligassem as regiões (BARCELOS, SILVA, 2018).
A mobilidade urbana está diretamente vinculada aos direitos sociais, que promovem a
garantia do exercício aos direitos fundamentais a todos os indivíduos. Deste modo, é
importante entender a mobilidade como sendo um direito social, assim como os direitos ao
lazer, trabalho e moradia (BARCELOS, SILVA, 2018), visto que a população é livre, ou
deveria ser, para circular pelos espaços públicos urbanos da forma que desejar.
Um dos meios essenciais para a democratização da mobilidade são os transportes
públicos, sendo os mais procurados e acessados pelos cidadãos (CARDOSO, 2008 apud
ARAUJO, 2011). Com relação a tais meios de locomoção, é visível a necessidade de melhoria
na qualidade dos serviços, para um melhor atendimento tanto no quesito de acessibilidade às
diferentes partes do estado, quanto no de qualidade de vida e, especialmente, no de segurança
pública (BARCELOS, SILVA, 2018).
A segurança pública é um tópico em ampla discussão no país, e no Rio de Janeiro não
seria diferente. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública de 2019 (ISP, 2019), no ano
de 2018 foram contabilizados 15.660 roubos em coletivos, em 2017, 15.273 ocorrências e em
2016 o número foi de 13.731. Até o mês de setembro deste ano, o contador chega à marca de
12.132 roubos em transportes públicos no estado.
Os assaltos se tornaram comuns nos transportes públicos das cidades e configuram-se
como um dos maiores problemas da sociedade contemporânea (CALDEIRA, 2001 apud
ALVES, PAULA, 2009). Não é incomum encontrar indivíduos que têm medo de utilizar
meios de transporte como ônibus, trem, metrô, van e etc., por terem vivido ou presenciado
alguma situação envolvendo assalto. Além do roubo em si, tais experiências podem envolver
violência física, além de impactar diretamente o psicológico dos sujeitos que foram expostos
ao evento traumático.
Uma experiência de assalto produzirá implicações nos sujeitos, assim como qualquer
outro tipo de violência o faz (GARCIA, VIECILI, 2018). Frequentemente, um assalto gera
desequilíbrio, suscitando tensão e desconforto, o que pode levar ao surgimento de sentimentos
de raiva, medo, ansiedade e depressão no indivíduo, emoções que irão variar dependendo da
forma como este vivenciou o crime, assim como seus recursos disponíveis para enfrentar o
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trauma e o risco de experienciar novos assaltos (GREEN, CHOI, KANE, 2010 apud
GARCIA, VIECILI, 2018).
O assalto não “termina” ao fim do crime propriamente dito, isto porque as ansiedades,
os medos e as preocupações acompanham os sujeitos vitimizados em diferentes contextos de
suas vidas, para além do ambiente em que o evento de fato ocorreu. Os indivíduos se sentem
mais vulneráveis e, com frequência, apresentam comportamentos de vigilância para evitar
novas situações de risco (GARCIA, VIECILI, 2018).
O surgimento ou a intensificação de sentimentos de insegurança e vigilância após
vivenciar um episódio de violência, como o assalto em transportes públicos coletivos, é
extremamente comum nesses indivíduos. É possível observar isso na fala da entrevistada,
transcrita a seguir, que conta como se sentiu amedrontada e chegou até a mudar sua rotina
para que não sofresse novamente o mesmo trauma.
Além dos efeitos psicológicos que o evento traumático suscita, e também possíveis
violências físicas, a questão financeira também encontra espaço nos discursos e vivências das
vítimas de assaltos. Os bens materiais roubados, muitas vezes, precisam ser obtidos
novamente, como é o caso de aparelhos celulares, o que resulta em gastos que não estavam
previstos no orçamento dos indivíduos.
Ademais, outra questão financeira que pode surgir refere-se às alterações na rotina que
alguns indivíduos podem fazer após serem assaltados. Assim como a entrevistada comenta, a
mudança de meios de transporte pode ser uma estratégia encontrada pelos sujeitos com o
intuito de se sentirem mais seguros, visto que deixam de utilizar o transporte no qual sofreram
o assalto. Isso pode significar um aumento no preço da tarifa do transporte público, ou até a
substituição de transportes públicos coletivos para transportes privados individuais.
Para o presente trabalho, no dia 07/11/2019 foi realizada uma entrevista com
Priscila Gomes, 20 anos, moradora da cidade de Duque de Caxias. Foi informado à
entrevistada sobre o conteúdo da pesquisa que ela se disponibilizou a participar, assim como
também foi garantido o sigilo, entretanto, a mesma permitiu o uso de suas informações
pessoais neste trabalho. A entrevista foi gravada, após a permissão de Priscila, e a seguir está
a transcrição completa da mesma. Legenda: M (Millena - entrevistadora) e P (Priscila -
entrevistada).

M: Você utiliza transporte(s) público(s) com frequência? Se sim, qual(is)?


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P: “Sim, na maioria das vezes, ônibus, mas também trem”.


M: Como você descreveria o funcionamento do(s) transporte(s) público(s) que você
utiliza?

P: “Totalmente precário porque eu pego no horário de "pico", então quase todos os dias os
ônibus estão lotados, não tem uma infraestrutura pra deixar os passageiros confortáveis. Na
maioria das vezes, a janela tá quebrada, o ar não funciona, entre outros”.

M: Você já presenciou e/ou sofreu algum tipo de violência em transporte(s) público(s)?

P: “Sim. Sofri dois assaltos nesse ano de 2019 com uma diferença de tempo de 6 meses e
foram 2 assaltos à mão armada. Eu perdi meus pertences nas duas situações”.

M: Como você se sentiu e qual foi o impacto deste acontecimento em sua vida?

P: “Eu me senti totalmente sem reação e muito revoltada, sem ter o que fazer, porque a gente
não conta que vai acontecer isso com a gente no dia a dia, então, quando aconteceu, eu
fiquei totalmente paralisada e bastante estressada com a situação, porque ninguém tá
preparado pra viver isso. Isso mudou totalmente a minha rotina, hoje em dia eu não ando
mais com nada de valor, tenho medo de andar com celular, tenho medo de andar com
relógio, hoje eu tenho muito medo, porque, não só eu, mas pessoas no transporte que
estavam comigo também. Eu vi muita coisa como agressões, desmaios, enfim, isso
influenciou muito em mim e eu posso dizer que eu estou traumatizada hoje em dia de andar
com qualquer tipo de pertence que possa ser levado novamente, porque isso também
influencia de maneira bem grande no sentido financeiro. Porque eles simplesmente chegam,
fazem o que querem, levam tudo o que a gente tem e a gente fica ‘como que isso vai ser
amanhã?’, você não tá contando com aquilo, tem dívidas, tem outras coisas, então isso me
devastou”.

M: Hoje em dia você utiliza os mesmos transportes ou preferiu (teve a necessidade) de


mudar algo na questão do deslocamento?
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P: “Então, pelo bairro que eu moro, é uma periferia, eu não tenho muita opção de
transporte, mas o que me deixa mais próxima da minha casa é o ônibus específico que foi o
ônibus que aconteceu tudo isso, mas como eu tenho muito medo e trauma de pegar ele, às
vezes eu me desloco e pego um trem que me deixa mais longe e eu tenho que pegar outro
transporte, mas eu me sinto mais segura, mas também influencia na questão financeira de
que são passagens que eu pago a mais, porque se eu pegar trem tenho que pegar outro
transporte depois, mas é a maneira que eu me sinto mais segura”.

3. CONCLUSÃO

Percebe-se, portanto, que os impactos da violência nos transporte públicos acarretam


diversos problemas em suas vítimas ao ocasionarem danos psicológicos, como a apreensão e
o estresse tanto durante o momento desses atos de violência quanto após eles. Isso ocorre
pois, assim como supracitado na transcrição da entrevista, as vĩtimas não se sentem seguras
como anteriormente sentiam, então, tendem a modificar rotas ou meios de transporte, gerando
em elevação dos custos para se transportar. Além disso, esse sentimento de insegurança é,
claramente, negativo para a saúde mental do indivíduo e, dessa forma, deve ser sempre levado
em consideração.
Por fim, é inegável que as condições atuais dos transportes em nosso país não
apresenta os elementos necessários para prevenir quaisquer incidentes que possam ocorrer,
com isso, são um gravíssimo problema para a saúde de toda a população que está exposta a
essa realidade.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Marley Rosana Melo de et al. Transporte público coletivo: discutindo


acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicol. Soc., Florianópolis, v. 23, n. 3, p.
574-582, dez. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-71822011000300015&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 07 nov.
2019

BARCELOS, Leonardo; SILVA, Nayara Ribeiro da. Mobilidade urbana no Brasil: um


direito social. VirtuaJus, Belo Horizonte, v. 3, n. 5, p. 133-152, 2018. Disponível em
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<http://periodicos.pucminas.br/index.php/virtuajus/article/view/19051> Acesso em: 11 nov.


2019

GARCIA, Douglas; VIECILI, Juliane. As consequências do assalto para o trabalhador do


comércio vitimizado. Rev. Psicol., Organ. Trab., Brasília, v. 18, n. 2, p. 396-402, jun. 2018.
Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-
66572018000200008&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 13 nov. 2019

ISP. Instituto de Segurança Pública: Visualização de dados da categoria “roubo em


coletivo”. Disponível em <https://www.ispvisualizacao.rj.gov.br:4434/index.html> Acesso
em: 13 nov. 2019

SOUSA, Daiane Castro Bittencourt de et al. Violência em transporte público: uma


abordagem baseada em análise espacial. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 51, 127, 2017.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89102017000100308&lng=es&nrm=iso> Acesso em: 07 nov. 2019

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