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FILIPE DUARTE BARBOSA

O RESPEITO À IDENTIDADE DE GÊNERO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS EM


CONCURSOS PÚBLICOS MILITARES

CANOAS, 2021
FILIPE DUARTE BARBOSA

O RESPEITO À IDENTIDADE DE GÊNERO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS EM


CONCURSOS PÚBLICOS MILITARES

Projeto de intervenção apresentado à


disciplina de Trabalho de Conclusão II do
Curso de Direito da Universidade La Salle –
Unilasalle.

Orientação: Profª. Dra. Paula Pinhal de Carlos

CANOAS, 2021
AGRADECIMENTOS

Meus mais sinceros agradecimentos à Rede Nacional de Operadores de


Segurança Pública (RENOSP) LGBTI+ pelo apoio e colaboração, a todas as pessoas
trans que participaram e auxiliaram na construção deste trabalho, à Divisão de
Recursos Humanos do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Sul
por estar prontamente disposta a ouvir, acolher e contribuir com este projeto, a minha
orientadora pela confiança depositada na minha proposta de projeto e por aceitar
conduzi-lo e pelo apoio e incentivo de meus pais e familiares, que sempre estiveram
ao meu lado em todos os momentos de minha trajetória.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 5
2 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................................ 6
3 OBJETIVOS....................................................................................................................................... 8
3.1 Objetivo geral ............................................................................................................................... 8
3.2 Objetivos específicos ................................................................................................................. 8
4 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................................. 9
4.1 Identidade de gênero e orientação sexual ............................................................................ 9
4.2 A Situação de pessoas transexuais e travestis no Brasil .............................................. 12
4.5 Transexuais em instituições militares no Brasil ............................................................... 23
4.5.1 Pesquisa documental na internet ........................................................................................... 23
4.5.2 Entrevistas realizadas .............................................................................................................. 25
4.6 Breve histórico do Corpo de Bombeiros no Estado do Rio Grande do Sul .............. 30
5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ................................................................................................ 32
5.1 Adequação dos editais do CBMRS a fim de possibilitar a utilização nome social e
áreas de uso comum conforme a identidade de gênero ....................................................... 32
5.2 Propostas secundárias de projeto ao CBMRS .................................................................. 35
5.2.1 Criação de um núcleo de apoio interno ................................................................................ 35
5.2.2 Canal de atendimento ao público externo ............................................................................ 37
5.3 Apresentação das propostas ao CBMRS ............................................................................ 38
6 CRONOGRAMA ............................................................................................................................. 40
7 RECURSOS ..................................................................................................................................... 41
8 RESULTADOS ESPERADOS ...................................................................................................... 42
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 43
5

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como foco abordar sobre a participação de travestis e


transexuais em concursos públicos militares do Corpo de Bombeiros Militar do Estado
do Rio Grande do Sul (CBMRS) de acordo com sua identidade de gênero, algo já
respeitado no âmbito da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e
Fundacional. Atualmente, os certames militares possuem especificidades com base
no sexo da pessoa participante, o que levanta questões jurídicas e práticas acerca da
participação de travestis e transexuais. Visto isso, deve-se analisar se a utilização do
nome social e escolha dos locais de uso coletivo para travestis e transexuais de
acordo com sua identidade de gênero pode ser um fator benéfico ou não, identificando
os requisitos na aplicação das etapas do certame (como a do teste de aptidão física),
bem como a inscrição para ingresso no concurso público, a fim de verificar se o
Decreto n° 8.727, de 28 de abril de 2016 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade
4275 (ADI 4275) tiveram alguma influência em editais semelhantes posteriores a sua
promulgação, respeitando a identidade de gênero desses indivíduos.
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2 JUSTIFICATIVA

O trabalho de bombeiro militar tem como objetivo ajudar e auxiliar pessoas em


situações de risco e perigo. Por ser um militar estadual e integrante do corpo de
bombeiros, gostaria de ajudar uma população que também se encontra em situação
de risco, mas que geralmente é marginalizada e invisibilizada pelo Estado.
Ao ter participado de um concurso público militar, pude observar que a forma
como ele é aplicado difere dependendo do sexo da pessoa participante. Por não
identificar nada nos editais relacionado às pessoas transexuais e travestis, questionei-
me sobre como seria garantida a igualdade nos concursos públicos militares do
CBMRS à todos os concorrentes, para que tenham os mesmos direitos e sejam
tratados com dignidade, independentemente de seu sexo biológico. Tendo a carreira
militar como base a hierarquia e disciplina, acredito ser de extrema importância a
garantia não de um benefício, mas sim do respeito à identidade e individualidade de
cada ser humano.
Por ser um concurso onde o sexo do participante irá definir questões avaliativas
específicas (como teste de aptidão física diferentes para homens e mulheres),
utilização de ambientes coletivos (banheiros, alojamentos) bem como a própria
apresentação pessoal do indivíduo (através do nome e fardamentos específicos), é
de extrema necessidade a possibilidade de optar pelo nome social e pelos ambientes
coletivos de acordo com o gênero que o(a) participante se identifica. Outras questões
também estão sendo discutidas atualmente, como a de militares que ingressaram com
seu sexo biológico e posteriormente efetuaram a transição de gênero, como o caso
do primeiro policial militar trans do Estado de São Paulo, que ingressou em 2015 como
“mulher” e foi reconhecido pela corporação como “homem”, em 2018.
A trajetória de travestis e transexuais ainda é fortemente marcada por diversas
formas de violências. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA) o Brasil ainda é o líder em número de assassinatos de pessoas trans no
mundo. A transfobia é a principal causa da rejeição e falta de oportunidades
,marginalizando essa população. Nesse contexto, garantir um tratamento igualitário e
digno é garantir a oportunidade de uma vida melhor para essas pessoas.
Em 2018, o Estado do Espírito Santo foi o primeiro a modificar o edital de um
concurso para ingresso na carreira de bombeiro militar, tendo como parâmetro a ADI
7

4275, fazendo referência expressa sobre a possibilidade de uso do nome social e


garantindo a possibilidade da escolha de locais de uso coletivo para pessoas
transexuais e travestis de acordo com sua identidade de gênero e, atualmente, é o
único corpo de bombeiros do país que atende essa necessidade com previsão em
seus editais. A decisão da ADI 4275 foi extremamente importante, pois reconheceu à
população trans a possibilidade de alteração de registro civil sem a necessidade de
mudança de sexo e conforme sua identidade de gênero, tendo como base para essa
decisão o direito à autodeterminação do próprio gênero, enquanto expressão do
princípio do livre desenvolvimento da personalidade, da autoafirmação e da dignidade
da pessoa humana.
É importante salientar que, sendo um homem cisgênero e não possuindo
propriedade para abordar sobre um assunto do qual não é meu local de fala, todos os
termos e conceitos utilizados neste trabalho são provenientes de bibliografias e com
auxílio de pessoas trans que participaram do projeto, as quais peço desculpas caso
haja algum equívoco ou mal entendimento na forma como aqui forem apresentados e
expressados.
8

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

Verificar qual a aplicabilidade do Decreto n° 8.727/2016 e da Ação Direta de


Inconstitucionalidade 4275 nos concursos públicos militares do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Rio Grande do Sul e a possível previsão do reconhecimento da
identidade de gênero e utilização do nome social nos certames do CBMRS.

3.2 Objetivos específicos

Identificar formas de garantir o efetivo respeito às pessoas trans que


participarem do certame, por parte do efetivo do CBMRS que irá recepcioná-los.
Explorar meios de possibilitar que o público LGBT possa sanar dúvidas e
questionamentos sobre a carreira militar e o certame junto ao CBMRS.
9

4 REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 Identidade de gênero e orientação sexual

É visível a necessidade da compreensão de termos e conceitos frequentemente


confundidos na temática que será abordada neste trabalho. Muitas pessoas, por
exemplo, esperam que alguém do sexo biológico feminino possua uma identidade de
gênero feminina e seja heterossexual, mas nem sempre essa linearidade irá existir.
Lins, Machado e Escoura (2016, p. 10) explicam que gênero “[...] é um
dispositivo cultural constituído historicamente, que classifica e posiciona o mundo a
partir da relação entre o que se entende como feminino e masculino.” Os autores
explicam que o gênero age como um operador, criando sentido para as diferenças
percebidas em nossos corpos, articulando pessoas, emoções e práticas dentro de
uma estrutura de poder, sendo que esses arranjos de gênero criam as expectativas
de como devemos ser, pensar, gostar e até como agir em sociedade.
Garcia (2015, p. 19-20) segue o mesmo raciocínio, onde gênero faz referência
a um conceito construído pelas ciências sociais para analisar a construção sócio-
histórica das identidades masculina e feminina, englobando todas as normas,
obrigações, comportamentos, pensamentos, capacidades e até mesmo o caráter que
se exigiu que uma pessoa tivesse (comportamento esperado de uma mulher por ter
nascido biologicamente mulher e comportamento esperado por um homem por ter
nascido biologicamente um homem). Também explica que gênero não é sinônimo de
sexo, pois quando se fala em sexo está na verdade se referindo à biologia (diferenças
físicas entre os corpos) e ao falar de gênero, estamos nos referindo as normas e
condutas determinadas para homens e mulheres em função do sexo.
Para Gimenes e Alferes (2020, p. 39-40, grifos do autor) “[..] sexo biológico é
o conjunto de informações genéticas do ser humano que, biologicamente, classificam
como ‘homem’ e ‘mulher’.” Já a “identidade ou expressões de gênero são as
diferentes formas de se apresentar para si e para outros, tendo como diferencial a
feminilidade ou masculinidade”. Temos então que sexo biológico não se confunde com
a identidade de gênero, pois não necessariamente a identidade de gênero irá coincidir
com o sexo biológico dessa pessoa. Quando isso acontece, essa pessoa será
denominada transgênero (trans), ou seja, possui identidade de gênero feminina e sexo
10

biológico masculino ou possui identidade de gênero masculina e sexo biológico


feminino. Quando a identidade de gênero coincide com o sexo biológico, essa pessoa
será denominada como cisgênero (cis).
Quando falamos em orientação sexual, esta está associada a forma como esse
sujeito se relaciona com as outras pessoas.

[...] Um homem pode se interessar erótica e afetivamente por mulheres, por


homens, por ambos ou por nenhum deles, e caso ele trate esse desejo
identitariamente, estabelecerá, assim, que é heterossexual (se seu desejo for
por mulheres), homossexual (se for por homens), bissexual (se for por
ambos) ou assexual (se não se sente capaz de ter atração sexual por outras
pessoas, podendo ou não estabelecer uma relação romântica). Essas
categorias correspondem a convenções construídas histórica e culturalmente
em nossa sociedade e não são necessariamente reconhecidas e utilizadas
em outras culturas e sociedades. (FERREIRA, 2018, p. 33).

A orientação sexual e identidade de gênero estão representadas na sigla


LGBT1, sendo, respectivamente, as letras “L”, “G” e “B” referindo-se à orientação
sexual do indivíduo (que pode ser lésbica, gay ou bissexual) e a letra “T”2 referindo-
se à identidade de gênero do indivíduo, que pode ser transexual, travesti, transgênero
ou pessoas transmasculinas.
Cada país pode ter uma designação própria para esses termos, com definições
e categorias próprias. “No Brasil, convencionou-se especificar as identidades trans
através das categorias ‘travesti’ e ‘transexual’, que possuem diferenças discursivas,
geográficas, históricas e sociais.” (FERREIRA, 2018, p. 31)
É importante salientar que também existem outras identidades além das
especificadas pelos autores acima, como transgêneros, homens transmasculinos,
dentre outras, cada uma com suas características e especificidades únicas. Outros
autores entendem apenas que “[...] travesti é a pessoa que nasce com sexo masculino
e tem identidade de gênero feminina”. e que transexual é a “[...] pessoa que possui

1 Inicialmente, a sigla LGBT era conhecida como GLS (gays lésbicas e simpatizantes), mas sofreu
alterações ao longo dos anos (por busca de reconhecimento e visibilidade de mulheres lésbicas e pela
inclusão outras identidades de gênero e orientações sexuais), podendo também ser alterada
futuramente por novas questões que venham a surgir. Esta sigla pode ser encontrada em outras
versões, de acordo com o momento político e com as demandas defendidas por seus integrantes. Por
ser mais conhecida e utilizada por movimentos sociais e por órgãos públicos a sigla LGBT, esta será
convencionada para a utilização deste trabalho, não se limitando apenas aos grupos e identidades nela
destacados, mas sim a todos os grupos nela representados e incluídos em sua totalidade.
2 É necessário esclarecer que, no Brasil, muitos órgãos utilizam, de forma equivocada, a letra “T”

representando apenas a identidade de gênero transgênero como sendo esta uma identidade única e
global, ou baseando-se em distinções com base em procedimentos cirúrgicos. Cada identidade possui
uma grande complexidade e também possuem demandas diferentes, necessitando de políticas
públicas que atendam essas especificidades e respeitem sua história, garantindo sua
representatividade.
11

uma identidade de gênero diferente do sexo biológico (masculino ou feminino)”,


havendo apenas essas duas identidades de gênero. (GIMENES, ALFERES, p. 40,
2020)
Lins, Machado e Escoura (2016, p. 76) definem travestis e transexuais como
pessoas cuja identidade de gênero difere daquela esperada para seu corpo (sujeito
nascido com genital masculino e que tem comportamentos, sonhos e autoimagem
femininas; ou nascido com genital feminino e que têm comportamentos, sonhos e
autoimagens masculinas). Os autores também explicam que a “[...] identidade de
gênero é a maneira pela qual uma pessoa entende sua personalidade e a apresenta
para o mundo: como feminina, masculina ou uma combinação dessas possibilidades”,
ou seja, é a forma como esse indivíduo se vê e como ele se mostra para a sociedade:
seu modo de pensar, sentir, sonhar ou agir. (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016,
p.126-127)
Uma pessoa que possui uma identidade de gênero, corporal ou sexual diferente
das esperadas pela sociedade, geralmente, é considerada “fora da norma” por não se
encaixar no padrão heteronormativo, que é aquele que culturalmente se espera
quando essa pessoa nasce (uma pessoa que nasceu com o sexo biológico masculino
deverá portar-se apenas de forma masculina e relacionar-se afetivamente somente
com uma pessoa do gênero oposto). Por isso, muitas vezes confundem-se os termos
identidade de gênero (que é relacionada a como essa pessoa se sente em relação ao
seu corpo e a si mesma inserida em um contexto social) e orientação sexual (como
essa pessoa se relaciona erótica ou afetivamente com outras pessoas).

As pessoas trans se deparam com dificuldades de reconhecimento de suas


identidades de gênero frente ao senso comum que considera somente fatores
biológicos e não o resultado de diversos vetores que ultrapassam a forma
física humana. Inicialmente, é importante trazer presente a distinção entre
transexuais, travestis, homossexuais e lésbicas: as pessoas trans possuem
uma aversão psicológica, em caráter continuado ao próprio sexo, justificando,
sob o ponto de vista médico, a possibilidade de realização de tratamento de
redesignação sexual, objetivando assegurar a sua integridade psíquica e
física (evitando, inclusive, atentados a sua própria vida). (COSTA; BOTTON,
2020, p. 66-67).

A intolerância da sociedade às diferentes possibilidades de ser homem ou


mulher acaba causando graves problemas sociais, como o preconceito. Quando uma
pessoa sofre discriminação3 por sua identidade de gênero e/ou sua orientação sexual,

3 As pessoas trans sofrem um tipo específico de discriminação: a transfobia, que engloba a violência
física, psíquica e moral, preconceito, intolerância e aversão às pessoas trans.
12

ela não sofre apenas o ato manifestado de ódio ou repulsa (aquele que se vê ou
escuta, como agressão física ou verbal), o que já causa sérios impactos em sua vida.
O preconceito acaba trazendo consigo, também, a violência, a falta de oportunidade,
a rejeição e até mesmo a exclusão do convívio social, marginalizando essa pessoa e
a deixando em uma situação precária e de risco.
Essa intolerância tem uma origem cultural e estrutural: o concebimento do
modelo de família “normal” sendo aquele constituído apenas o de um casal
heterossexual e seus filhos. Louro (2014, p. 137-138) nos explica que essa forma de
organização social imposta como natural gerou um processo de naturalização do
conceito de família e do padrão heterossexual, o que significa “representar como não
natural, como anormal ou desviante todos os outros arranjos familiares e todas as
outras formas de exercer a sexualidade”. Esse padrão nos traz consequências que
podem ser vistas explícita ou implicitamente, sendo na forma como a sociedade age
em relação ao que se espera das pessoas (seu modo de ser, viver e se relacionar) ou
nas políticas públicas propostas por governos que consideram como única forma
concebível de família tradicional a considerada “normal”, apoiando movimentos
conservadores e religiosos.

[...] Ao conceber a identidade heterossexual como normal e natural, nega-se


que toda e qualquer identidade (sexual, étnica, de classe ou de gênero) seja
uma construção social, que toda identidade esteja sempre em processo,
portanto nunca acabada, pronta ou fixa, pretende-se que as identidades
sejam - em algum momento mágico - congeladas. (LOURO, 2014, p. 143-
144).

Ao idealizar determinada identidade como sendo a única possível, geram-se


normas e regras restritivas, ignorando todas as outras identidades existentes. Isso faz
com que as pessoas sintam-se obrigadas a se encaixar em estereótipos sociais, sob
o risco de serem consideradas “fora da norma”, gerando então a intolerância, o
preconceito e a desigualdade social, simplesmente pelo fato de serem quem são.

4.2 A Situação de pessoas transexuais e travestis no Brasil

Existem muitos indicadores negativos em nosso país quando falamos em


pessoas trans e travestis. Ferreira (2018, p. 37) ressalta que “[...] o Brasil é conhecido
como um dos países em que há o maior número de assassinatos por orientação
sexual ou identidade de gênero no mundo todo.” Segundo a Associação Nacional de
13

Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2020 o Brasil bateu o recorde de assassinatos


contra travestis e mulheres trans (175 casos), bem acima do segundo colocado,
Estados Unidos (44 casos).
Segundo o Boletim nº 01/2021 da ANTRA, nos quatro primeiros meses de 2021,
o Brasil já chegou à marca de 56 assassinatos, sendo vários os casos que
apresentaram sinais de crueldade e uso excessivo de força, além de espancamentos
indicativos de prováveis de crimes de ódio. Além dos casos de assassinatos, também
foram registrados cinco casos de suicídio, 17 tentativas de assassinatos e 18
violações de direitos humanos contra pessoas trans, neste mesmo período. Trabalhos
como os de Souza et al. (2021) demonstram, inclusive, que as violências contra as
pessoas trans persistem de diversas formas, até mesmo após suas mortes.
A ANTRA ressalta que, mesmo com a alta taxa de assassinatos e violência
contra pessoas trans, nenhuma atitude foi tomada e nenhuma política pública
implementada, por parte do governo federal e dos estados, para reduzir esse índice,
seguindo o Brasil com o título de país que mais assassina pessoas trans no mundo
todo pelo 12º ano consecutivo, segundo dados da Organização não Governamental
(ONG) Transgender Europe.
João Ker, em matéria da Revista Híbrida, fala sobre o caso de transfeminicídio
de vítima mais jovem que ocorreu no Brasil:

A expectativa de vida de uma pessoa transexual ou travesti no Brasil é de 35


anos. Ao que tudo indica, essa média, 40 anos mais curta que a do restante
dos brasileiros, pode diminuir ainda mais. Em 3 de janeiro, quebramos um
dos recordes mais tristes no assassinato dessa população: aos 13 anos, a
cearense Keron Ravach se tornou a vítima mais jovem do transfeminicídio no
País. (KER, 2021).

Para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


(UFMG), há uma explicação para que a expectativa de vida de pessoas trans seja em
torno de 35 anos (menos da metade da média nacional, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)): além da população trans enfrentar
grandes dificuldades no acesso e atendimento aos serviços de saúde, “[...] essas
pessoas têm como um dos principais fatores de adoecimento a transfobia, que de
forma estrutural e histórica [...]”, impede que cheguem à velhice. (UFMG, 2020)
Um Estado que não promove políticas públicas visando o bem-estar social, o
acesso à saúde e o direito a garantias fundamentais de pessoas trans e travestis não
apenas invisibiliza essa população, mas também a deixa de proteger. Além disso, não
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promover campanhas instrutivas, inclusivas ou de apoio, também aumenta o


preconceito à pessoas LGBT, “[...] que, pelo gênero ou pela sexualidade, é tratada
marginalmente e acaba experimentando diferentes processos de subalternização e
precarização da vida.” (FERREIRA, 2018, p.38)
Isso faz com que pessoas LGBT fiquem “[...] à mercê de diversas opressões e
violências tratadas como ‘opinião pessoal’ [...]”, como nos casos em que pessoas ou
grupos sociais e bancadas políticas religiosas se opõem a adoção por casais
homossexuais, casamentos ou são contra a cirurgia de redesignação sexual, “[...]
tendo assim uma gama de seus direitos violados em diversas dimensões e escalas,
além daqueles direitos que já não são historicamente garantidos por lei.” (FERREIRA,
2018, p. 41)
Rodrigues (2014) demonstra que a discriminação e exclusão de pessoas trans
afetam toda sua trajetória escolar, prejudicando seu processo de escolarização e seu
direito fundamental à educação. São desigualdades e discriminações geradas a partir
das diferenças e do não reconhecimento (ou reconhecimento equivocado) de grupos
sociais. Essa é marginalização de pessoas trans e travestis, onde o direito
constitucional não está ao alcance delas e não atua como realmente deveria.
Isso não se limita apenas ao preconceito e violência às pessoas LGBT, pois
“[...] as violações dos direitos dessas pessoas são de toda a ordem e estão presentes
também no cerceamento de liberdades e de expressões, e em negação de direitos
civis, políticos, culturais, econômicos e sociais.” (FERREIRA, 2018, p.41)
Connel (2015) explica que a mudança de gênero vai muito além da simples
cirurgia de redesignação sexual:

Não há nada bonito na mudança de gênero; são medidas drásticas com


resultados severos. Embora a atenção da mídia e a dos estudiosos tenham
enfocado obsessivamente a cirurgia, esta é a única parte do tratamento
médico, o qual é apenas uma parte da transição. Uma enorme quantidade de
outras tarefas é necessária. Isso inclui levantar fundos; ter apoio pessoal,
cuidados pós-operatórios, documentação legal; encontrar moradia; lidar com
crises de relacionamentos, lidar com locais de trabalho ou arranjar trabalho;
lidar com mudanças corporais; obter reconhecimento social; lidar com a
hostilidade. (CONNEL, p. 217, 2015).

Diante deste panorama, “a luta de movimentos sociais que demandam


reconhecimento e de sujeitos que se sentem invisibilizados é fundamental para a
construção de uma sociedade mais justa e democrática.” Portanto, a superação da
violência, da discriminação e das desigualdades enfrentadas pela população de
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travestis e transexuais é parte intrínseca da própria estruturação da democracia


brasileira. (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p.13)
Lutar por esses direitos significa não apenas garanti-los, mas também efetivá-
los, fazendo com que as pessoas trans e travestis ocupem4 os papéis na sociedade
da mesma forma que qualquer outra pessoa, sem qualquer tipo de distinção ou
discriminação. Trata-se não de conceder privilégios a uma classe específica, mas
garantir que ela seja reconhecida e valorizada e não mais violentada, sendo esse um
grande passo para amenizar a dívida social com uma das populações que mais sofre
hoje no Brasil.

4.3 Legislação e políticas públicas para a população LGBT

O pilar fundamental de toda a legislação de um país é a Constituição Federal.


No Brasil, ela serve como base para a criação de novas leis e dá requisitos mínimos
que devem ser respeitados, bem como impõe os limites do poder do Estado, ou seja,
até onde ele pode ou não interferir na vida dos cidadãos. É a Constituição que nos
traz os direitos, valores e garantias fundamentais e regulamenta os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário. Em seu artigo 1º, temos que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).

Para Hack (2011, p. 63) “A dignidade da pessoa humana é um dos valores mais
importantes que qualquer Estado deve observar”, pois isso implica ao Estado a
adoção de políticas sociais, leis contra discriminação e contra qualquer condição
degradante que alguém possa sofrer. É através desse dispositivo que se encontra a
imposição do Estado de buscar e manter uma vida digna para todos.

4 Segundo o Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo, apenas 58% da população
trans pesquisada estava realizando alguma atividade remunerada (seja ela formal ou informal), sendo
uma das principais barreiras na hora de conseguir um emprego o preconceito e a discriminação. Em
contrapartida, existem projetos como o EDUCATRANSFORMA, uma iniciativa voltada para a
capacitação gratuita de pessoas trans para atuarem no mercado de tecnologia, gestão e inovação,
contando com o apoio de organizações parceiras e pessoas voluntárias para, além de auxiliar na
formação de profissionais tecnicamente qualificados, apoiar as pessoas transgênero em todo seu
processo de inclusão social.
16

Já em seus objetivos fundamentais, a Constituição Federal tem, em seu inciso


IV, o ânimo de promover o bem de todas as pessoas, não admitindo qualquer tipo de
preconceito5, seja ele de origem, raça, sexo, cor ou idade, bem como quaisquer outras
formas de discriminação. Isso nos dá a ideia de igualdade (todos são iguais perante o
Estado) e de promoção do bem comum da população de forma geral.

[...] Aliás, comumente se questiona se o Estado possui algum outro objetivo


que não esse. Não há sentido na existência de um Estado que não existe
para o bem de seus membros, uma vez que a própria noção de Estado
pressupõe a reunião de esforços para que se possam alcançar resultados
que cada indivíduo sozinho não conseguiria. (HACK, 2011 p. 67).

Ferreira (2018, p. 49), evidencia que “[...] O exercício ao respeito das


diversidades é um desafio às sociedades que buscam avanços no processo de
reconhecimento dos direitos, embasadas no respeito à dignidade humana.”

[...] A emergência de novas identidades no tocante ao aspecto sexual


identitário é causada por um processo histórico de reivindicações por
reconhecimento de diferentes grupos, sendo que estas ocorrem por
enfrentamentos não somente culturais, mas também jurídicos. A sexualidade
humana é parte essencial e integrante da personalidade das pessoas e de
sua identidade. Assim, teoricamente, qualquer pessoa possui o direito de
exercê-la livremente, sendo garantida tal liberdade, com base no texto da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. (COSTA; BOTTON, 2020, p.
65).

Mesmo com a visível mudança em torno dos direitos para pessoas LGBT, com
base na dignidade da pessoa humana e no respeito à identidade e livre expressão do
indivíduo, e

Embora o Brasil possua, desde 1988, uma Constituição Federal, portadora


de normas voltadas para o respeito à diversidade humana, comprometendo
o Estado a se movimentar nesse sentido, o que se entra, na maioria das
vezes, são ações estatais e civis que se opões veementemente a isso, como
no caso do reconhecimento de pessoas trans que, cotidianamente, sofrem
violações de direitos por parte de órgãos do Estado e também da sociedade,
assim como tem ocorrido com homossexuais, lésbicas, travestis, pansexuais,
e qualquer outra denominação envolvendo identidades sexuais que não
sejam a heteronormativa. (COSTA; BOTTON, 2020, p. 60-61).

Como é possível identificar, são os direitos humanos que devem nortear a


cidadania e é através deles que o Estado irá garantir os direitos fundamentais para as
pessoas trans, proporcionando o devido reconhecimento público e gerando mudanças

5 Em 13 de junho de 2019, o Plenário do STF entendeu que houve uma omissão inconstitucional do
Congresso Nacional por não editar uma lei que criminalize atos de homofobia e transfobia, os
equiparando aos dispositivos da Lei n° 7.716 (lei que define os crimes resultantes de preconceito de
raça ou de cor), considerando estas condutas também como atos de discriminação e preconceito.
17

da visão externa dessa população. Atualmente são poucas e esparsas as leis 6 que
promovem essas garantias, existindo sim pessoas que pensam nos direitos para o
público trans e travesti, mas não de uma forma globalizada.

Atualmente a maneira como o Estado brasileiro reconhece as manifestações


das identidades trans e, por conseguinte, garante o acesso aos direitos
identitários básicos não se dá através de normas legislativas, salvo exceções,
mas através de decisões jurídicas do Poder Judiciário. Nela se requer a
proteção de direitos, invocando, para isso, o embasamento principiológico da
Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 3º, inciso IV, prevê a
proibição de qualquer tipo de discriminação, entre elas, a discriminação por
sexo. (COSTA; BOTTON, 2020, p. 74-75).

O Estado, enquanto mediador da vida social e responsável pela segurança e


promoção da dignidade humana, deve garantir, sempre que for necessário, tratamento
jurídico especial para assegurar a igualdade social. É visível a necessidade da
garantia dos direitos fundamentais7 e da adequação do Direito à realidade social das
pessoas trans.
A criação de uma Lei de Identidade de Gênero Unificada, inspirada em leis e
decisões judiciais já existentes, seria uma alternativa para uniformizar e garantir os
direitos de pessoas trans e travestis no país inteiro, visto que cada estado possui uma
maneira própria para lidar com casos como o da retificação de prenome, nome social
e outras demandas de pessoas LGBT.

4.4 O Direito de personalidade e o nome social

O direito de personalidade é um dos direitos que englobam a esfera jurídica


referente à proteção da pessoa humana. Vieira (2019, p. 54) aponta que “[...] as
garantias conferidas pelo direito da personalidade atingem os bens mais valiosos da

6 Um dos exemplos de leis que defendem os interesses da população trans é a Lei nº 6.503 de 2020,
que estabelece normas gerais para realização de concurso público pela administração direta,
autárquica e fundacional do Distrito Federal, visando assegurar o respeito ao nome social. Leis
semelhantes são encontradas em todo o Estado justamente por não possuirmos uma lei unificada que
verse sobre essa temática.
7 Ainda hoje, é possível vermos propostas inconstitucionais e de teor preconceituoso, como o Projeto

de Lei 504, de 2020 (PL 504), que busca proibir a publicidade (por meio de qualquer veículo de
comunicação e mídia) de materiais que contenham ou façam alusão a preferências sexuais e
movimentos de diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo, com a justificativa
da defesa da família e dos bons costumes, alegando que esse tipo de divulgação traria desconforto
emocional a inúmeras famílias, não sendo adequada a crianças. Esse tipo de proposta associa pessoas
LGBT a algo impróprio, inadequado ou não correto, indo em total desacordo com os princípios e
fundamentos previstos na Constituição Federal Brasileira.
18

vida, como a intimidade, integridade física, a honra, a liberdade, direito à identidade


pessoal, dentre muitos outros.”
Ele está presente em nosso ordenamento jurídico em nível Constitucional, em
diversos incisos do artigo 5° da Constituição Federal, também encontrando-se
presente no Código Civil, em seu artigo 12. Mesmo que alguns autores divirjam sobre
a delimitação e alcance do direito de personalidade com pontos de vista distintos e
sobre sua amplitude, Scheibe (2008, p. 121) destaca que “[...] os direitos de
personalidade pressupõem o sujeito de direitos como pessoa”, e que, “[...] a
personalidade, dessa forma, diz respeito aos atributos inatos e indispensáveis ao ser
humano que, por conta disso, necessitam de proteção privilegiada”, pensamento que
está em consonância com a grande maioria de autores de tratam sobre esse assunto.
Já para autores como Kretschmann e Wendt (2018, p. 51), não se deve
confundir direitos fundamentais com os direitos de personalidade, pois “ainda que os
direitos de personalidade estejam elencados no rol dos direitos fundamentais, estes
não se restringem aos direitos de personalidade.” O que os autores buscam explicar
é que “alguns direitos fundamentais são direitos de personalidade, mas os direitos
fundamentais vão além dos direitos de personalidade.”

Outros direitos de personalidade são os direitos à vida, à intimidade, à


integridade física e psíquica, à honra e ao nome. Todos têm como
características serem gerais (pertencem a todas as pessoas,
independentemente de cor, religião, ideologia, sexo), extrapatrimoniais (não
são passíveis de valoração econômica, não possuem um ‘preço’),
indisponíveis (o titular não perde o direito pelo não uso, que não se confunde
com a prescrição do direito de ação, que é regulada distintamente) e
inexpropriáveis (ninguém poderá retirar do titular). (KRETSCHMANN,
WENDT, p. 51, 2018).

Quanto aos seus aspectos, classificações e definições, Gagliano e Filho (2017)


também compreendem que os direitos da personalidade possuem certas
características, sendo eles absolutos, gerais, extrapatrimoniais, indisponíveis (nem
por vontade própria do indivíduo o direito poderá mudar de titular), imprescritíveis
(inexiste um prazo para seu exercício e não se extingue pelo não uso), impenhoráveis
e vitalícios (acompanham desde a primeira manifestação de vida até seu
passamento), sendo que alguns se projetam até após a morte. Também definem que
os direitos da personalidade são classificados na tricotomia corpo/mente/espírito, de
acordo com a proteção à vida e integridade física; integridade psíquica e criações
19

intelectuais e integridade moral, conceituando-se como aqueles que têm por objeto os
atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções.
Temos a presença do direito da personalidade no Código Civil Brasileiro em
seu artigo 12, onde dispõe que, com exceção dos casos previstos em lei, os direitos
da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária, e, de acordo com Cunha (2014), o Código Civil Brasileiro
não aborda sobre os direitos da personalidade com uma amplitude adequada,
deixando muitas decisões serem resolvidas com base na doutrina e jurisprudência.
Cunha (2014) também evidencia que a defesa do ser humano deve sempre ser
o alvo principal do Direito e que, sendo o direito da personalidade inerente a todos,
toda vez que o indivíduo se encontrar em um impasse legal e necessitar do amparo
do Estado, poderá invocá-lo.
Seguindo a mesma linha de raciocínio dos outros autores, Scheibe (2008, p.
129) observa que “[...] a evolução e a construção da teoria dos direitos da
personalidade se confundem com a evolução dos direitos humanos e fundamentais,
assim como da dignidade da pessoa humana.” Vemos que há uma forte convergência
de todos estes autores nas questões da aplicação do direito da personalidade como
forma inerente de proteção ao ser humano e como base fundamental para as
garantias individuais, o respeito à vida, à honra, e a diversas outras áreas sociais,
mostrando grande valor e importância em nosso ordenamento jurídico.
Assim, cada pessoa busca sua individualidade e seu espaço dentro da
sociedade, no intuito de ser reconhecida dentro do seu círculo social das mais
variadas formas: seja através de sua aparência, modo de vida, nome, apelidos, seu
trabalho e obras intelectuais, dentre outros. Acontece que, a particularidade de cada
indivíduo também está presente juridicamente, pois o Estado irá reconhecer essa
pessoa através de seu nome em seu registro civil e assentamentos, documentos como
o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e o Registro Geral (RG), nível de escolaridade,
títulos como graduações, sendo justamente esse um importante âmbito onde direito
da personalidade irá atuar.

O nome civil é a primeira identificação dos sujeitos como ‘pessoa’ - não


apenas como pessoa jurídica, mas também do ponto de vista social, já que
se relaciona com a ideia de individualidade, exercendo importância na
subjetividade e na autoidentificação dos sujeitos. O registro civil, que institui
não somente o nome de uma pessoa como também o seu sexo em termos
jurídicos, é um instrumento de organização social que legitima nossa
identidade; sem o registro civil, não somos reconhecidos pelo Estado, e o
20

acesso à justiça e aos direitos sociais tende a ser negado ou, ao menos,
dificultado. (FERREIRA, 2018, p. 81).

Costa e Botton (2020, p. 66) realçam a importância do nome social e da


identidade de gênero, afirmando que “[...] ao contrário do que as ciências naturais
tentam impor sobre os indivíduos, o corpo não é um produto finalizado, pronto e dado
pela natureza biológica.” Para eles,

O direito à livre manifestação da característica sexual identitária constitui-se


como um direito fundamental, geralmente presentes nos Estados
Democráticos de Direito, pois a negação de tal preceito seria uma restrição
ao direito à personalidade e à intimidade da vida privada de cada indivíduo.
(COSTA; BOTTON, 2020, p. 66).
A determinação jurídica do sexo, como expressão de identidade sexual
constante nos documentos do Registro Civil, evidência a predominância
jurídico-cultural do sexo biológico sobre psíquico, já que tal depende da
declaração dos pais em relação ao sexo morfológico da criança. Geralmente,
os indivíduos apresentam o sexo psicológico como reflexo do sexo biológico
e havendo sincronismo entre ambos, a identidade de gênero dessa pessoa
será condizente com o seu gênero. Tal situação não ocorre com a realidade
das pessoas trans, as quais apresentam repúdio às suas características
sexuais morfológicas, ocasionando grande sofrimento em razão da
discordância entre sua aparência e seu estado psíquico. (COSTA; BOTTON,
2020, p. 68).

Ferreira (2018, p. 83) explica que o artigo 5º da Constituição Federal (que


estabelece que todas as pessoas são iguais perante a lei) inclui também as “pessoas
que não se enquadram no estabelecido como natural em termos de identidade de
gênero, tendo, portanto, consideradas suas identidades como dissidentes8.” Para ele,
essa premissa constitucional foi o principal aporte para que as pessoas trans e
travestis pudessem ingressar com o processo de retificação civil.

[...] Alguns lugares do Brasil, como o Rio Grande do Sul, estabeleceram,


diante desse cenário, um dispositivo alternativo à retificação do registro civil,
como é o caso da Carteira de Nome Social, documento instituído com o
Decreto n. 48.118/12, que dispõe sobre o tratamento nominal, inclusão e uso
do nome social de travestis e transexuais nos registros estaduais relativos a
serviços públicos prestados no âmbito do Poder Executivo Estadual do Rio
Grande do Sul. (FERREIRA, 2018, p. 79).

Já em relação a forma como as pessoas trans recorriam para efetuarem a


alteração do prenome, esta podia variar de acordo com o estado onde ela ingressava
com o pedido de retificação.

8 No dia 18 de junho de 2018, a Organização Mundial da Saúdo (OMS) deixou de considerar a


transexualidade como um transtorno mental do CID (Classificação Internacional de Doenças). Com
essa mudança, ela foi alterada para o capítulo que trata sobre “condições relacionadas à saúde sexual”,
sendo classificada como “incongruência de gênero”. Essa classificação ocorreu 28 anos após a decisão
de remover a homossexualidade da lista de doenças e transtornos.
21

No Brasil, o processo de retificação do registro civil para pessoas transexuais


e travestis - a troca do nome e da identificação do sexo no Registro Geral -
não é homogêneo e nem tem uma base legislativa, possuindo diferenças de
acordo com cada uma das regiões brasileiras e também com cada processo
já deferido que compõe a jurisprudência sobre esse tema, apesar de algumas
instituições (de ensino e de saúde, por exemplo) já terem adotado
internamente normativas que reconhecem o nome social no âmbito dessas
instituições. (FERREIRA, 2018, p. 80).

Por não possuir uma lei nacional que trate sobre a retificação do nome e sexo,
as pessoas trans que acionavam o Poder Judiciário não tinham uma certeza do que
poderia acontecer, pois cada estado tratava esse assunto de maneira distinta, o que
implicava em decisões bastante diferentes. Ferreira (2018, p. 80-81) afirma que, por
falta dessa lei nacional, nem os movimentos sociais poderiam afirmar com absoluta
certeza o que seria requisitado em cada processo.
Para Costa e Botton (2020, p.75), "a falta do devido reconhecimento às pessoas
trans repercute em violações de seus direitos identitários." O decreto n° 8.727, de 28
de abril de 2016 (que versa sobre o uso do nome social por transexuais e travestis no
âmbito da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional) é uma das
formas de devido reconhecimento à autonomia corporal das pessoas trans.
Esse decreto promove uma tentativa de respeito à diversidade sexual e
demonstra o devido reconhecimento por parte do Estado, através do Poder Executivo,
às identidades das pessoas transexuais. Outra forma de assegurar o exercício
identitário dos interesses dos direitos inerentes às pessoas trans implica na
adequação de sua documentação do registo público de acordo com a sua identidade
de gênero.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275 (ADI 4275), garantiu a alteração
do sexo e prenome no registro civil para pessoas transgêneros no Brasil,
independentemente da cirurgia de redesignação sexual, de laudo psiquiátrico ou de
processo judicial. Ela utilizou três premissas básicas, sendo elas: o direito à igualdade
sem discriminações (que abrange a identidade ou expressão de gênero); que a
identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana,
cabendo ao Estado apenas o papel de reconhecê-la e nunca de constituí-la, e que a
pessoa não deve provar o que é, não devendo o Estado condicionar a expressão da
identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Para
Costa e Botton (2020, p. 80) essa decisão é um marco histórico no reconhecimento
da liberdade e da autonomia das identidades sexuais, em especial a de pessoas trans.
22

Foram utilizados como base constitucional diversos dispositivos, dentre eles a


Constituição Federal, em seus artigos 1° e 5° (onde encontramos o direito à dignidade,
à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem) e o Pacto de São José da Costa
Rica (1978), em seus artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica)
7.1 (direito à liberdade pessoal), 11.2 (o direito à honra e à dignidade) e 18 (direito ao
nome).
A ADI 4275 deixa explícita em seu texto que a orientação sexual, a identidade
de gênero e a expressão de gênero estão protegidas pelo Pacto de São José da Costa
Rica (também conhecido por Convenção Americana sobre Direitos Humanos). A
Convenção veda qualquer tipo de normas, decisões ou práticas do direito interno
(tanto por parte do Estado como por particulares) que diminuam ou restrinjam, de
alguma forma, os direitos dessas pessoas, bem como práticas ou atos discriminatórios
que sejam baseados nas questões de orientação sexual, identidade de gênero ou
expressão de gênero de qualquer pessoa.
É com base no artigo 58 da Lei 6.015/73 (que versa sobre as possibilidades de
alteração do prenome) e na ADI 4275 que

A população trans (formada por mulheres e homens transexuais e também


por travestis) recorre, assim, à retificação de registro civil no intuito de
conquistar o reconhecimento legal das suas identidades de gênero, tendo por
perspectiva que ela tem direito à liberdade de determinar e atribuir um gênero.
(FERREIRA, 2018, p. 83).

Entretanto, antes da previsão da ADI 4275 a retificação ocorria,

[...] através de processo judicial (e cada juiz/a tem tratado essa demanda do
seu jeito), e apesar de termos no Brasil uma proposta de lei baseada na
autodeterminação de gênero (quer dizer, na ideia de que a pessoa não
precisa de um parecer técnico para determinar quem ela é, tampouco precisa
ser tratada como doente), essa proposta não tem sido movimentada já que o
argumento comum é de que isso levaria a uma banalização da troca de nome
e que pessoas cisgênero buscariam essa possibilidade para fugir de
compromissos jurídicos atrelados ao nome que tinham, ou então para
ascender a benefícios sociais (como, por exemplo, o fato de que pessoas do
’sexo jurídico feminino’ no Brasil podem se aposentar mais cedo).
(FERREIRA, 2018, p. 140).

Para Lins, Machado e Escoura (2016, p. 78) “[...] chamar uma pessoa
visivelmente feminina pelo nome masculino, dado quando ela nasceu, demonstra que
a sociedade não aceita sua identidade e é mais uma forma simbólica de violentá-la.”
Para os autores, no que diz respeito à legislação brasileira, as pessoas trans não
possuem garantias jurídicas que assegurem certos direitos fundamentais.
23

4.5 Transexuais em instituições militares no Brasil

Neste capítulo serão abordados alguns casos de transexuais em órgãos


militares no Brasil. Inicialmente, casos veiculados na mídia e, posteriormente,
entrevistas realizadas com pessoas transexuais.

4.5.1 Pesquisa documental na internet

Segundo matéria de Tomaz (2019), veiculada no portal de notícias G1SP, a


Polícia Militar de São Paulo (PMSP) teve seu primeiro caso de policial transexual há
três anos. Emanoel Henrique Lunardi Ferreira ingressou na corporação em 2015 como
a soldado Emanoely. Em 2018, a PMSP atendeu ao seu pedido e o reconheceu como
um policial do gênero masculino, passando a ser chamado de soldado Henrique.
Foi no ano de 2017 que ele solicitou ser tratado pelo gênero masculino e
requereu à PMSP a alteração de seu nome. Um psicólogo militar ouviu Henrique e
concordou com a alteração dos registros, mas essa alteração levou quase um ano até
ser autorizada pelo comando da Polícia Militar.
Conforme relato da capitã Cláudia Lança, já havia casos de homossexuais na
PMSP, mas em 188 anos esse foi o primeiro caso de transexual na corporação. A
capitã, chefe de comunicação social da PM, relata que, com isso, a PMSP deseja
mostrar que está aberta a acolher e a receber pessoas com identidades de gênero
diferentes e com orientações sexuais diversas.
O soldado Henrique relatou ter receio antes de procurar a PM para solicitar a
alteração dos seus dados do gênero feminino para o gênero masculino, pois tinha
medo de levar a questão de ser trans para a PMSP e acabar sendo expulso da
corporação. Em seu requerimento à PMSP, baseou-se em uma lei estadual que
determina que transexuais e travestis sejam tratados em repartições públicas pelo
nome social e reconhecidos pelo gênero com o qual se identificam.
Henrique relata também que não tinha ideia do quão importante seu caso ia
acabar se tornando. Quando levou a questão para a instituição, ele não queria ser o
primeiro, queria que fosse algo natural.
24

Segundo informações publicadas por Teixeira (2016) no Diário de Pernambuco,


o soldado Marcelo Viana dos Santos foi o primeiro homem trans da Polícia Militar de
Pernambuco (PMPE). Quando Marcelo ingressou na corporação, em 2010,
identificou-se como mulher. Apesar de estar em processo de transição amadurecido,
temia não ser aceito nos quadros da PMPE. Naquela época, o edital do concurso
previa eliminação de candidatos transexuais com base nas patologias constantes no
CID 10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde),
publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Naquele mesmo ano, o edital da PMPE voltou a repetir a exclusão de pessoas
trans da seleção. Após uma audiência promovida pelo promotor Maxwell Vignolli, o
governo estadual de Pernambuco garantiu a retirada da informação do documento,
pois havia uma sinalização da OMS de que o termo “transexualismo” seria retirado do
rol de “transtornos de identidade sexual”.
A denúncia foi feita por representantes do Centro de Combate à Homofobia de
Pernambuco. Em nome de um grupo de pessoas trans, o advogado Daniel Viana
também pediu à Justiça o adiamento do concurso e nova abertura de inscrições, mas
a ação foi negada. O advogado alegou que muitas pessoas trans se sentiram
prejudicadas pelas informações do edital e não se inscreveram no certame.
Na PMPE, Marcelo relata ter garantido o direito de usar o banheiro masculino
e ser tratado com dignidade. Essa conquista aconteceu mediante um processo
sofrido, do qual Marcelo não gosta de falar. Para ele, ser policial militar sempre foi um
sonho, alimentado por um tio que costumava lhe entregar o quepe de policial
rodoviário federal durante sua infância.
Para Marcelo, sua passagem pela PMPE tem um sentido único: a necessidade
de pessoas trans ocuparem vagas de trabalho de importância primordial no combate
à transfobia, como na Justiça e polícias. Relata que a sociedade está acostumada a
marginalizar as pessoas trans, ofertando trabalhos secundários e que o que mais se
vê são pessoas trans sendo violadas e com medo de serem tratadas mal quando
procuram a polícia. Ele afirma que, se as pessoas trans ocuparem esses espaços, o
tratamento com elas também será diferente.
Mesmo após o caso de Marcelo, o edital de 2018 da PMPE não garantiu a
possibilidade da utilização do nome social e áreas de uso comum expressamente.
25

Entretanto, manteve expresso, na parte das condições excludentes da segunda fase


do certame, o seguinte parágrafo:

7.10 Será considerado INAPTO no Exame Médico, e consequentemente


eliminado do concurso, além do descrito nos itens 7.11 a 7.14, o candidato
que incidir em quaisquer das causas de incapacidade de saúde especificadas
abaixo:
[...]
o) TRANSTORNOS MENTAIS
-Quadro psicótico de qualquer etiologia e forma;
-Transtornos de personalidade;
-Desvio e transtorno sexual no que se refere às patologias constantes do CID
10, exceto transexualismo9;
[...]. (PERNAMBUCO, 2018, p. 17-21).

Isso indica que não há uma preocupação da instituição com a população trans,
pois, mesmo após o caso de Marcelo, não houve uma atualização e adequação dos
editais da PMPE com a nova realidade em que estamos inseridos.

4.5.2 Entrevistas realizadas

Foram realizadas entrevistas com militares trans, as quais não serão


identificadas suas localidades e nomes a fim de preservar suas imagens.
A primeira entrevistada é a militar A, mulher trans e Cabo dos bombeiros da
região norte do país. Ao questioná-la sobre como se sentia antes da transição, ela
afirma que era como se sentisse uma grande mentira, até mesmo sem motivo para
continuar vivendo como um personagem. Para ela, ser militar era um sonho de
criança.
Por ter ingressado nos bombeiros através de concurso público, no ano de 2006
e antes de sua transição de gênero, ela procurou por outras pessoas trans que já
estavam na carreira militar, em busca de orientações sobre o procedimento para o
reconhecimento de seus direitos dentro da corporação. Alega que foi somente após
sua transição de gênero que começou a sentir o preconceito por ser LGBT. No início,
a corporação lidou com a situação de sua transição de gênero dentro da legalidade,
até sair um parecer da Procuradoria Geral do Estado a seu favor, onde a corporação
acatou tal decisão.

9
É importante salientar que os termos “transexualismo” e “homossexualismo” são incorretos e não
devem ser utilizados, pois o sufixo “ismo” remete a uma condição patológica.
26

A militar A ressalta um total despreparo da corporação para lidar com situações


como a dela. Em relação a si e a corporação, se sente totalmente deslocada, excluída
e sentiu insegurança e medo de ser desligada ou reformada por conta de sua
identidade de gênero. O órgão onde ela está servindo não possui nenhuma política
pública ou iniciativa para pessoas LGBT. Porém, até o momento, ela não necessitou
acionar a justiça para garantir algum direito seu.
A segunda entrevistada é a militar B, mulher trans e Sargento da polícia militar
da região sul do país. Ao questioná-la sobre como se sentia antes da transição, ela
afirma que era algo complexo e um sentimento confuso, pois quando era criança não
tinha acesso à informação e não sabia o que era transição de gênero, identidade de
gênero e orientação sexual. Ela se sentia em um corpo errado, mas não sabia definir
exatamente o que era aquilo.
Ela possui muitos familiares da área militar (policiais militares e rodoviários) na
região sul do país, sempre havendo um incentivo para que ingressasse na carreira
militar. No início, acabou ingressando, mas com um sentimento negativo, para que
não desse certo. Com o tempo, acabou desenvolvendo gosto pela atividade policial e
viu a importância desse trabalho e dessa função.
Quando informou seu comandante direto sobre sua transição de gênero, ele
ficou sem saber como lidar com a situação. Ela efetuou comunicações e
requerimentos internos informando que iria efetuar a transição de gênero, citando a
legislação em vigor, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e todos os
argumentos possíveis. O que percebeu foi uma situação de total despreparo, pois não
existia um protocolo, não existiam casos anteriores e a corporação não sabia o que
fazer.
Antes de efetuar sua transição de gênero, não existia nenhum tipo de política
pública relacionada às pessoas LGBT. A única política pública que ocorreu foi
justamente quando efetuou sua transição, onde seu comandante regional trouxe uma
doutora com formação nas áreas de gênero e orientação sexual e outras questões
relacionadas. Essa doutora deu uma palestra para toda a tropa onde ela trabalha,
explicando o que é orientação sexual e identidade de gênero, trazendo, inclusive, uma
mãe de uma menina trans que deu seu depoimento, sendo essa uma iniciativa que
considerou ter sido muito importante. Na época da palestra ela estava afastada
efetuando a transição de gênero e essa palestra/instrução para seus colegas foi
27

justamente para ajudar a entender melhor o que era toda essa situação e poder
recebê-la melhor.
Alega não ter sofrido preconceito e que, quando seus colegas souberam de sua
história, recebeu muitas mensagens de apoio, considerando isso algo que a
surpreendeu positivamente. Quando precisou efetuar a retificação de seus
documentos a nível de corporação, encontrou muitas dificuldades, sendo algo que
demorou muito e teve muitos entraves, mas não sabe dizer se isso foi por preconceito
(a nível de Estado) ou se foi simplesmente por não saberem como lidar com uma
situação nova.
Quando efetuou sua retificação de nome e gênero e alterou todos os
documentos civis, levou esses documentos para a corporação e solicitou a alteração
de seus dados cadastrais como servidor público. Como efetuou vários requerimentos
e a situação não modificava, algumas pessoas a informavam que não poderia alterar
a raiz do sistema, ou ainda que necessitavam analisar as questões previdenciárias,
chegando ao ponto em que teve que ingressar com uma ação judicial exigindo seus
direitos. Em 2020, o juiz que estava julgando sua causa determinou que a Polícia
Militar alterasse todos os seus documentos.
Atualmente, se sente em paz, feliz e realizada, pois antes de realizar sua
transição de gênero, não tinha metas nem sonhos, pois sua cabeça estava sempre
girando em torno disso. Em relação a si e à instituição, entende que esse é um
processo, um caminho que ainda está se construindo. A cada dia que passa percebe
que as pessoas estão se acostumando, que esta é uma situação normal e que ela é
uma pessoa igual a qualquer outra. Ela considera que tudo ocorreu além de suas
expectativas e do que imaginava, pois esperava um cenário bem pior. Afirma estar
satisfeita com a forma como a sua vida está sendo conduzida, tanto pessoalmente
quanto profissionalmente.
Para ela, a falta de informação ainda é grande e as pessoas possuem muitas
dúvidas nas temáticas de gênero e sexualidade. A nível de instituição, considera que
há muita coisa ainda para se desenvolver, principalmente nos concursos públicos e
editais que ainda não contemplam as situações de identidade de gênero, nome social
e utilização de espaços de uso comum, além da própria forma como essas pessoas
são tratadas no dia a dia. Pontua que o mais importante seria a previsão nos editais
28

para que a pessoa possa concorrer com o gênero ao qual se identifica, mas com
regras definidas com relação a parte do Teste de Aptidão Física10 (TAF).
Quando sua história saiu na mídia, muitas pessoas começaram a procurá-la e
ela acabou criando perfis em rede sociais para tentar ajudar essas pessoas que
enviavam perguntas, geralmente sobre como ela fez para ingressar na carreira militar,
quais dificuldades teve, se era preciso alterar o nome, dentre outras orientações, tudo
baseado no conhecimento jurídico que desenvolveu para poder ajudar a si mesma.
Seu maior medo na época em que efetuou a transição de gênero não era o
desligamento, mas sim a reforma compulsória, pois dentro do Exército e da Marinha,
conhecia pessoas que foram reformadas compulsoriamente. Alega que não queria ser
reformada como se tivesse uma doença ou algo que a incapacitasse e que, durante
todo esse processo da transição, ocorreram mudanças como a situação da
Organização Mundial de Saúde e, posteriormente, do Conselho Federal de Medicina
que retirou o transtorno de identidade de gênero da modalidade dos transtornos
mentais, passando a ser incongruência, trazendo uma garantia no sentido de que essa
reforma seria mais difícil de ser realizada, pois antes havia o pretexto de que era uma
doença mental.
Houve também uma terceira entrevista, esta realizada com um homem trans
da região sul do país, o qual trabalha na área da segurança privada e possui grande
interesse em participar de concursos públicos da segurança pública, em especial, da
polícia militar, dos bombeiros e da guarda municipal. Inicialmente, ele questionou-me
se era possível identificá-lo ou não como um homem trans. Logo após, abordou sobre
o termo “passabilidade”, que é quando uma pessoa não é identificada como trans
pelas outras pessoas nos locais públicos ou privados que frequenta. Ele pontua que,
possuir o registro civil de acordo com sua identidade de gênero e a passabilidade, nos
locais onde frequenta, faz com que as pessoas não o identifiquem como um homem
trans. Caso a pessoa transexual ou travesti não possua essa passabilidade, acabará

10
Recentemente, o Comitê Olímpico Internacional (COI) passou a utilizar determinadas regras para a
participação de atletas trans nas Olimpíadas. Para que possam concorrer nas disputas como atletas
profissionais, as pessoas trans precisam atender a certos requisitos, como apresentar determinados
níveis hormonais (obtidos através de exames clínicos) e contagem de tempo mínima que essa pessoa
iniciou com a transição de gênero. Mesmo que muitas pessoas sejam contra a participação de pessoas
trans em competições, é importante lembrar que em 1941, no Brasil, havia o Decreto-Lei nº 3.199, que
impedia mulheres de participar de esportes considerados “graves e violentos” como o futebol, esporte
mais popular do país. Somente em 1979 este Decreto-Lei foi revogado e as mulheres garantiram o
direito de praticar esta e outras modalidades.
29

se tornando mais vulnerável a sofrer agressões e preconceitos por ser mais facilmente
identificada.
Além da passabilidade, também influenciam as situações de preconceito contra
a classe social da pessoa, etnia, gênero, entre outros, sendo estas agregadas à
transfobia, ou seja, uma mulher trans e negra sofrerá mais preconceito que um homem
trans branco pelo fato de se identificar como mulher e ser negra.
Por ter alterado seu registro civil, ele teve de comparecer na Junta de Serviço
Militar do Exército Brasileiro, pois a Lei n° 4.375 (Lei do Serviço Militar) obriga que
todo brasileiro do sexo masculino, entre 18 e 45 anos, aliste-se nas forças armadas.
Informou que foi bem recebido pela Junta Militar, sendo tratado com respeito e
dignidade, não sofrendo nenhum tipo de preconceito ou constrangimento. No
momento da inspeção de saúde, ele comunicou que era um homem trans e foi
examinado em uma sala separada.
Ele afirma que a passabilidade faz com que se sinta mais seguro em ambientes
onde há maiores chances de sofrer preconceito por ser transexual. Acredita que,
mesmo que seja previsto no edital o respeito à identidade de gênero, devem ser
efetuados treinamentos e instruções para que se garanta o efetivo respeito dos
participantes transexuais e travestis. Outro ponto abordado foi sobre a situação da
exposição da vida pessoal de pessoas trans que ocupam cargos de grande
importância ou que sejam pioneiras em determinadas instituições ou cargos públicos.
Obviamente, todas as pessoas trans que passaram por essa situação e tiveram sua
história divulgada na mídia servem como grande exemplo de superação e conquista,
mas essa exposição também pode acarretar riscos à integridade física e psicológica
dessas pessoas, por conta do preconceito e transfobia presentes em nossa
sociedade.
Mesmo que pessoas trans com alta passabilidade ocupem cargos públicos,
muitas podem não comentar sobre sua situação justamente por não se sentirem
seguras em nossa sociedade ou até mesmo em seu local de trabalho, seja por medo
de perderem seus empregos, pelo preconceito, pelos altos índices de violência e taxas
de crimes contra à vida de pessoas trans ou pela expectativa de vida da população
transexual e travesti ser de aproximadamente 35 anos.
30

4.6 Breve histórico do Corpo de Bombeiros no Estado do Rio Grande do Sul

Segundo dados e informações obtidas no website do CBMRS (2018), o Corpo


de Bombeiros teve sua origem no Brasil em 02 de julho de 1856, sendo Dom Pedro II
quem instituiu o Corpo de Bombeiros através do Decreto Imperial nº 1775. No Estado
do Rio Grande do Sul, foi em 1º de março de 1895 que o Corpo de Bombeiros teve
sua origem, denominado nesta época de Companhia de Bombeiros de Porto Alegre e
recebendo outras denominações ao longo dos anos.
Em 27 de julho de 1935, a Companhia de Bombeiros de Porto Alegre foi
incorporada à Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, através do Decreto n°
5.985. Nesse mesmo ano, por meio do Decreto nº 6.033, de 1º de agosto, foi aprovada
a organização do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Em 01 de julho de 2016 foi encaminhado pelo então Governador do Rio Grande
do Sul o projeto de lei que oficializava a separação do Corpo de Bombeiros Militar da
Brigada Militar. Em 2017, após a nomeação e posse do 1º Comandante Geral do
Corpo de Bombeiros Militar, foi iniciado o prazo de 90 dias para total desvinculação
dos Bombeiros da Brigada Militar e, em 11 de janeiro de 2018, com o fim do prazo de
transição, o CBMRS torna-se um órgão integrante da Segurança Pública Estadual e
uma instituição totalmente independente.
Após a desvinculação total da Brigada Militar, foi identificado que o CBMRS não
realizou nenhum edital ao público externo para ingresso na carreira de soldado ou
oficial na corporação, apenas concursos oriundos da Brigada Militar, os quais já
estavam em andamento antes da desvinculação. Em contato com a Divisão de
Recursos Humanos (DRH) do CBMRS, esta informou que outros editais de
responsabilidade do CBMRS, como de Guarda-Vidas Civil Temporário (GVCT), ainda
não preveem a possibilidade da utilização do nome social no momento da inscrição.
A Seção de Recrutamento e Seleção do CBMRS informou que, até o momento,
não houve nenhum caso de inscrição de pessoa transexual ou travesti em seus
concursos, bem como não há nenhum caso de pessoa que já esteja na corporação e
tenha entrado em contato com o intuito de efetuar/comunicar a transição de gênero
ou ser identificada de acordo com sua identidade de gênero.
No dia 28 de junho de 2021, dia internacional do orgulho LGBT, o CBMRS
postou a imagem abaixo (Figura 1) em seu website oficial, declarando apoio à
31

comunidade LGBT, com a seguinte legenda: “Todas as vidas importam. O CBMRS se


alia as comemorações pelo dia internacional do orgulho LGBTQIA+. Respeito e
tratamento igualitário a todos, sempre.”

Figura 1 – Brasão de armas do CBMRS sobre as cores do movimento LGBT

Fonte: Página oficial do CBMRS na Internet11.

11
Ilustração extraída do website do CBMRS. Disponível em: <https://www.bombeiros.rs.gov.br/dia-
internacional-do-orgulho-lgbtqia>. Acesso em: 28 jun. 2021.
32

5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Tendo conhecimento de que a população trans possui demandas específicas e


que estas ainda não são atendidas nos editais do CBMRS, a seguir, serão
apresentadas algumas propostas de intervenção e projetos ao CBMRS que visam
garantir os direitos abordados nesse trabalho, bem como as possíveis formas de
serem alcançados ou executados.

5.1 Adequação dos editais do CBMRS a fim de possibilitar a utilização nome


social e áreas de uso comum conforme a identidade de gênero

Como visto anteriormente, as pessoas trans e travestis sofrem muito além do


simples preconceito pelo gênero ou sexualidade, impactando fortemente suas vidas
ao ponto de serem marginalizadas e invisibilizadas pelo Estado e, consequentemente,
pela sociedade. Proporcionar às pessoas trans e travestis a possibilidade de utilizar o
nome social e os espaços de uso comum de acordo com sua identidade de gênero
significa não apenas respeitar seus direitos de personalidade e dignidade, mas
também oportunizar e possibilitar que elas cresçam profissionalmente e tenham mais
oportunidades no mercado de trabalho.
Essa é também uma importante ferramenta para incentivar pessoas trans e
travestis a participarem do processo seletivo, se tornando uma verdadeira política
pública de ação transformadora.

[...] A respeito das políticas públicas de ação transformadora, pode-se incluir


a possibilidade de transexuais e travestis utilizarem seu nome social para a
realização da prova do ENEM, elemento que por si só aumenta a cada ano o
número de pessoas trans que prestam o exame, apesar de que
corriqueiramente são relatados casos de falta de tratamento pelos
examinadores nos locais de prova. (COSTA; BOTTON, 2020, p. 82-83).

Esse direito já está garantido nos últimos editais do Corpo de Bombeiros do


Estado do Espírito Santo (CBMES). Segundo Pinho (2018), em matéria do website da
Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), um homem trans, que estava
interessado em participar do certame, entrou em contato com o Núcleo de Defesa dos
Direitos Humanos (NUDEDH), com o apoio do Instituto Brasileiro de
Transmasculinidade do Espírito Santo (IBRAT-ES) e da DPES.
33

A DPES, então, entrou em contato com o CBMES com o intuito de promover a


garantia do respeito a dignidade da pessoa humana e defender a participação de
pessoas trans e travestis no processo seletivo com respeito à identidade de gênero
autodeclarada.
Após reunião entre o CBMES, IBRAT-ES e DPES, o CBMES concordou em
realizar as alterações necessárias nos editais de 2018, os quais já estavam em
andamento, adequando o processo seletivo com base na ADI nº 4275 e à Opinião
Consultiva nº 24/2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foram incluídos
nos editais dos concursos para ingresso na carreira de Soldado Combatente Bombeiro
Militar (QPCBM) e de Oficial Combatente Bombeiro Militar (QOCBM) os seguintes
parágrafos:

2.3.2.5 Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, que ainda não


procederam à retificação de seus nomes e gênero, o direito à identificação
por meio do seu nome social e direito à escolha de tratamento nominal, de
acordo com a sua identidade de gênero. Entende-se por nome social aquele
pelo qual travestis e transexuais se reconhecem, bem como são identificadas
por sua comunidade e em seu meio social.
2.3.2.6 Para garantia do respeito ao nome social, o(a) candidato(a) deverá
informar o seu nome social através de requerimento via e-mail
candidato@institutoaocp.org.br, até a data de 27/07/2018. No mesmo ato,
o(a) candidato deverá declarar, por meio de formulário próprio previamente
disponibilizado na forma do Anexo VIII deste Edital, estar ciente de que o
Exame de Aptidão Física será realizado de acordo com sua identidade de
gênero e de que a declaração falsa, visando benefícios no processo seletivo,
importará na sua exclusão do certame e na sua eventual responsabilização
cível e criminal. O formulário deverá ser enviado digitalizado,
comprometendo-se o(a) candidato(a) a apresentar o original na fase de
entrega de documentação preliminar (conforme item 4 deste edital).
2.2.3.7 A anotação do nome social de travestis e transexuais constará por
escrito nos editais do concurso, entre parênteses, antes do respectivo nome
civil. As pessoas transexuais e travestis, candidatas a este concurso, deverão
apresentar como identificação oficial, no dia de aplicação das provas, um dos
documentos previstos neste Edital, conforme normativa dos subitens 3.5.10
à 3.5.12
2.3.2.8 Se, no curso do processo seletivo, sobrevier a retificação do nome
e/ou do gênero de candidatos(as) travestis e transexuais, serão procedidas
as alterações devidas, prosseguindo-se o certame normalmente de acordo
com a documentação oficial do candidato. (ESPÍRITO SANTO, 2018, p. 8).

A presença desses parágrafos no edital é uma grande conquista para as


pessoas trans e travestis, pois traz expressamente a garantia da possibilidade de um
direito fundamental para essa população.
A Polícia Militar do Estado do Pará (PMPA) também conta com dispositivos
expressos em seu último edital, assegurando os direitos das pessoas trans ao uso do
nome social:
34

8.4 Ficam assegurados às pessoas transexuais, transgêneros, e travestis os


direitos a identificação por meio do seu nome social e à escolha de tratamento
nominal. Entende-se por nome social aquele pelo qual travestis e transexuais
se reconhecem, bem como são identificadas por sua comunidade e em seu
meio social. O(a) candidato(a) poderá informar o seu nome social quando do
preenchimento do formulário eletrônico de inscrição.
8.4.1 A anotação do nome social de travestis, transgêneros e transexuais
constará por escrito nos editais do concurso, entre parênteses, antes do
respectivo nome civil. As pessoas transexuais, transgêneros e travestis,
candidatas a este concurso, deverão apresentar como identificação oficial no
dia de aplicação das provas um dos documentos previstos no item 9.4.
8.4.2 O candidato deverá, ainda, preencher e enviar o formulário preenchido
com o pedido de atendimento especial, conforme subitem 8.1.
8.4.3 Não serão aceitas outras formas de solicitação de nome social além do
procedimento citado no subitem 8.4.
8.4.4 O IADES reserva-se o direito de exigir, a qualquer tempo, documentos
que atestem a condição que motiva a solicitação do atendimento declarado.
(PARÁ, 2020b, p. 3)

Já editais de órgãos não militares, como o da Polícia Civil do Estado do Pará


(PCPA), também dispõem de artigos semelhantes, porém fundamentados no Decreto
8.727/2016, a fim de garantir a utilização do nome social na participação da população
trans:

7.1.4 Em conformidade com o Decreto 8.727/2016, ficam assegurados às


pessoas transexuais e travestis, o direito à identificação por meio do seu
nome social e direito à escolha de tratamento nominal. Entende-se por nome
social aquele pelo qual travestis, transgêneros e transexuais se reconhecem,
bem como são identificados por sua comunidade e em seu meio social. O(a)
candidato(a) poderá informar o seu nome social através de requerimento via
e-mail candidato@institutoaocp.org.br, até a data de 05/02/2021. O(a)
candidato(a) deverá enviar, juntamente à solicitação, cópia de documento
oficial de identificação e cópia do registro do nome social.
7.1.4.1 A anotação do nome social de travestis, transgêneros e transexuais
constará por escrito nos editais do concurso, entre parênteses, antes do
respectivo nome civil. As pessoas transexuais, transgêneros e travestis,
candidatas a este concurso, deverão apresentar como identificação oficial, no
dia de aplicação das provas, um dos documentos previstos neste edital,
conforme normativa dos subitens 10.5.1 à 10.5.3. (PARÁ, 2020a, p. 8-9).

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul (PCRS) deu um grande passo em prol da
visibilidade trans, incluindo em seu edital de 2017, na parte de conteúdo programático
da prova objetiva, itens como o tratamento nominal, inclusão e uso do nome social de
travestis e transexuais nos registros estaduais relativos a serviços públicos prestados
no âmbito do Poder Executivo Estadual e a Carteira de Nome Social para Travestis e
Transexuais no Estado do Rio Grande do Sul (Decreto n° 48.118, de 27 de junho de
2011 e Decreto n° 49.122, de 17 de maio de 2012), além dos seguintes parágrafos:

5.7.O candidato transgênero que desejar requerer ser tratado pelo nome
social durante a realização das provas e de qualquer outra fase presencial,
35

deverá enviar cópia simples do CPF e do documento de identidade,


juntamente com declaração digitada e assinada pelo candidato, autenticada
em cartório, em que conste o nome social. Os documentos devem ser
enviados para a Fundatec, via sedex, sito Rua Professor Cristiano Fischer, nº
2012, Partenon, Porto Alegre/RS, Cep: 91410-000.
5.7.1. As publicações referentes aos candidatos transgêneros serão
realizadas de acordo com o nome e o gênero constantes no registro civil. (RIO
GRANDE DO SUL, 2017, p. 7).

Portanto, já há, no Brasil, diversas experiências de corporações de segurança


pública que adotaram diretrizes voltadas a pessoas travestis e transexuais,
demonstrando a plena viabilidade do respeito à identidade de gênero e garantia do
direito de autodeterminação da pessoa nos certames. Nesse contexto, a proposta ao
CBMRS é a inclusão de parágrafos, em um próximo edital de ingresso na carreira
militar, que permitam a possibilidade da utilização do nome social pela população
trans, bem como dos espaços de uso comum e aplicação do teste de aptidão física
conforme a identidade de gênero da pessoa (da mesma forma que é previsto em
editais de órgãos militares de outros estados, como no Espírito Santo e Pará).

5.2 Propostas secundárias de projeto ao CBMRS

Juntamente à proposta anterior, surgem também outras ações que


complementam a ideia principal do projeto, sempre com o intuito de garantir a real
efetivação de seus propósitos e metas, as quais serão abordadas a seguir.

5.2.1 Criação de um núcleo de apoio interno

Como ideia complementar, surge a possibilidade da criação de um núcleo de


apoio interno para os profissionais do CBMRS.
Ferreira (2018) destaca em sua obra que é muito difícil que organismos
governamentais possuam qualificação e educação continuada para os temas de
gênero e sexualidade, e que a falta dessa qualificação dificulta que os integrantes
desses órgãos públicos pensem transversalmente sobre a diversidade sexual e de
gênero em sua totalidade, criando um certo “muro invisível” entre as pessoas que têm
violados os seus direitos humanos e aquelas que desconhecem sua realidade.
A proposta de criação do núcleo de apoio interno é voltada a formação dos
profissionais do CBMRS sobre os temas de gênero e sexualidade, de forma a preparar
36

os servidores para o acolhimento de pessoas LGBT, bem como a ampliação de


horizontes sobre esse tema, modificando a forma de pensar e agir com pessoas
LGBT.
Outro ponto positivo do núcleo de apoio interno seria propiciar o
desenvolvimento de projetos, ações, debates, palestras e cursos de aperfeiçoamento
em relações pessoais, a fim de promover o respeito e a valorização de todos os
sujeitos no que diz respeito às questões de gênero e diversidade sexual, inclusive
para os próprios militares LGBT e mulheres que venham a sofrer algum tipo de
preconceito ou discriminação no âmbito militar.
É de extrema importância a participação destes servidores em formações
específicas sobre as temáticas de gênero e sexualidade, pois muitas pessoas
desconhecem conceitos como o de transexual/transgênero, LGBT, orientação sexual
e identidade de gênero, bem como os índices de mortalidade, expectativa de vida ou
de agressões a essa população.
Garcia (2015, p.14) aponta que, segundo a Organização das Nações Unidas
(ONU) “uma a cada três mulheres no mundo já sofreu algum tipo de maus-tratos ou
abuso.” Daí a importância da promoção à saúde e segurança da mulher 12 e a
necessidade de promover políticas públicas que englobem as populações que sofrem
violência ou que são marginalizadas.

Antes da Lei Maria da Penha, nos anos 1980, o Brasil havia sido pioneiro em
outra política pública ligada à violência contra mulheres: a criação de
delegacias especializadas. Em 1985, na cidade de São Paulo, foi inaugurada
a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (órgão da Polícia Civil) do mundo, com
o intuito de ser um espaço de atendimento interdisciplinar às diversas
situações de violência às quais as mulheres podem ser submetidas. Nas
últimas décadas delegacias especializadas no atendimento a mulheres em
situação de violência foram criadas nas demais unidades federativas do país.
Em cada estado, essas delegacias têm suas próprias regras de
funcionamento e atribuições, mas, em geral, costumam atender com maior
frequência denúncias de violência doméstica ou familiar e sexual.
Muito embora ainda sofram críticas por não conseguirem corresponder, na
prática, aos objetivos estabelecidos em sua criação, as delegacias
especializadas são importantes conquistas no que diz respeito aos direitos
das mulheres, e seu modelo inspirou a criação de políticas semelhantes em
outros países, como Peru e Equador.
Embora existam delegacias específicas, menos de 10% dos municípios
brasileiros contam com espaços policiais especializados no atendimento a
mulheres em situação de violência. (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p.
47-48).

12 Um bom exemplo de política pública em defesa e proteção da mulher é o Disque 180 (Central de
Atendimento à Mulher). Ele funciona diariamente, 24 horas por dia, recebendo e registrando denúncias
de violência contra a mulher (como estupro e agressão física), podendo ser realizado o contato
diretamente pela própria vítima ou também por testemunhas que presenciaram a agressão.
37

A violência de gênero não é relacionada apenas às mulheres, englobando


também a população LGBT, pois no momento em que a orientação sexual e
identidade de gênero dessa população “[...] põem em xeque os estereótipos de gênero
tradicionais e a heteronormatividade, essas pessoas são colocadas em situação de
vulnerabilidade e desvantagem em relação a direitos.” (LINS; MACHADO; ESCOURA,
2016, p. 56)

Assim como o movimento de mulheres, o movimento LGBT visa garantir que


mesmo pessoas tão diferentes da norma possam ser reconhecidas como
iguais perante a lei e tenham acesso aos direitos estabelecidos em nossa
Constituição. Reivindica uma sociedade mais justa, igualitária e com coragem
para enfrentar os processos históricos que nos levaram a discriminar e rejeitar
uma grande parcela da população apenas por ser diferente do que é
esperado. (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 72).

A necessidade da compreensão desses termos e conceitos, frequentemente


confundidos nessa temática, irá auxiliar tanto nos relacionamentos com o público
externo (nos atendimentos em ocorrências) quanto no público interno (colegas LGBT
e mulheres). São demandas sociais que exigem uma compreensão qualificada (na
abordagem policial13, casos de violência, retificação do nome etc.) e que são ainda
inexistentes no âmbito do militarismo. Para Gimenes e Alferes (2020, p.39), o
atendimento nas unidades policiais e demais órgãos da Administração Pública deve
ser oferecido sempre respeitando todas as diferenças, com dignidade e sem qualquer
distinção discriminatória referente à raça, cor, etnia, religião, orientação sexual etc.
Isso seria fundamental para garantir o respeito e a dignidade das pessoas
transexuais e travestis, reduzindo as chances desses direitos serem violados caso
não fossem efetuados treinamentos e orientações aos profissionais responsáveis
pelas etapas de recrutamento e seleção sobre a temática de gênero e sexualidade.

5.2.2 Canal de atendimento ao público externo

A proposta da criação do programa de acolhimento ao público externo também


surgiu com a ideia principal da utilização do nome social e respeito à identidade de
gênero. Atualmente, não há nenhum meio de contato do público externo com o

13A RENOSP LGBTI+ disponibilizou em seu website um manual de atendimento e abordagem da


população LGBTI por agentes de segurança pública, disponível para download em:
<https://www.renosplgbti.org.br/downloads>.
38

CBMRS para sanar dúvidas sobre questões de gênero e sexualidade no tocante a


carreira militar. Houve relatos dos militares LGBT entrevistados afirmando que foram
procurados por essas pessoas através de suas redes sociais e questionados sobre a
possibilidade de se inscrever em um concurso público militar, mesmo sendo uma
pessoa LGBT, ou se os órgãos militares aceitariam pessoas LGBT.
Esse canal de atendimento seria de extrema importância para orientar pessoas
que possuem dúvidas ou questionamentos, sendo ideal que o atendimento seja feito
de forma anônima, ou seja, a pessoa que está entrando em contato não precisaria se
identificar caso não quisesse, via e-mail ou telefone. Dúvidas gerais relacionadas a
questões de gênero e sexualidade poderiam ser sanadas e a existência desse canal
promoveria uma melhor relação do público externo com o CBMRS, fazendo com que
pessoas LGBT se sintam mais seguras ao ingressar na carreira militar.
Tanto o núcleo de apoio interno quanto o canal de atendimento ao público
externo são peças-chave fundamentais para a promoção do bem-estar social e do
respeito à igualdade de gênero, funcionando como uma verdadeira ferramenta de
inclusão e respeito à dignidade da pessoa humana.
Outras propostas e iniciativas seriam a criação de guias/cartilhas14 de
orientações básicas e um menu de perguntas frequentes, que podem ser
disponibilizados virtualmente no próprio website da corporação.

5.3 Apresentação das propostas ao CBMRS

Foram apresentadas as propostas acima à Divisão de Recursos Humanos do


CBMRS, em reunião realizada no dia 30 de junho de 2021. Referente a proposta de
alteração do edital a fim de respeitar a identidade de gênero da pessoa participante,
a Seção de Recrutamento e Seleção da DRH a recepciona de forma acolhedora,
ampla e isonômica, afirmando que deve ser respeitada a igualdade de todos perante
a lei.
Quanto a proposta de criação do núcleo de apoio ao público interno, conforme
decisão do Comando do CBMRS, a DRH também recepciona amplamente,

14 A ANTRA disponibilizou em seu website um guia informativo sobre alistamento militar para travestis,
mulheres e homens trans, cujo nome e sexo foram retificados em seu registro civil. Ao retificar o gênero
civil para “masculino”, passa a ser obrigatório o alistamento militar para a pessoa travesti ou transexual
que se encontrar nessa situação. É possível encontrar esse guia e outras cartilhas no website da
ANTRA, disponível em: <https://antrabrasil.org/cartilhas/>.
39

entendendo essa demanda como necessária, visando o cumprimento do que


preconiza a Carta Magna no que tange a dignidade da pessoa humana.
Já em relação a proposta do canal de atendimento ao público externo,
conforme decisão do Comando do CBMRS, a DRH retornou que é uma divisão que
visa sempre preconizar a legalidade, isonomia e dignidade humana, basilares no
nosso ordenamento jurídico.
A Major Biane da Silva Rodrigues, Oficial chefe da DRH há mais de 2 anos,
prontamente recepcionou as propostas, entendendo como necessárias tais
intervenções, planejamentos e adequação do CBMRS a fim de recepcionar estes(as)
candidatos(as) e futuros(as) militares estaduais com respeito, dignidade e igualdade.
40

6 CRONOGRAMA

Quadro 1 – Cronograma mensal de acompanhamento de etapas

Agosto/2021 Setembro/2021 Outubro/2021 Novembro/2021 Dezembro/2021

Inclusão da opção X
de uso do nome
social e áreas de
uso comum nos
editais

Definição de uma X
comissão que irá
atuar no núcleo
de apoio interno

Definição dos X X X
integrantes que
atuarão no núcleo
de apoio interno

Início das X
atividades do
núcleo de apoio
interno

Início das X
atividades do
canal de
atendimento ao
público externo

Disponibilização X
da cartilha e
perguntas
frequentes no site
Fonte: Autoria própria (2021).
41

7 RECURSOS

Quadro 2 – Custo estimado para a execução das propostas


Item Valor (em R$)
Adequação do edital 0,00
Criação do núcleo de apoio interno 0,00
(espaço físico)
Criação do núcleo de apoio interno 0,00
(pessoal)
Canal de atendimento: custo mensal de 70,00 (caso haja contratação de uma
linha telefônica fixa para recebimento de nova linha)
chamadas
Canal de atendimento: custo mensal de 10,00 (custo mensal)
e-mail organizacional para recebimento
de mensagens e e-mails
Inclusão de cartilha informativa e 0,00
perguntas frequentes no site do CBMRS
Total 80,00 (custo mensal)
Fonte: Autoria própria (2021).
42

8 RESULTADOS ESPERADOS

O que se espera alcançar com esse projeto de intervenção é proporcionar às


pessoas trans a possibilidade de terem seus direitos fundamentais respeitados, bem
como garantir um processo digno ao participar do certame, permitindo que se sintam
seguras e acolhidas neste espaço público desde o momento da inscrição. Acredito
que todos temos a ganhar com esta iniciativa, sejam os colaboradores internos, com
a possibilidade de se aperfeiçoarem profissionalmente e em suas relações
interpessoais, além de garantir um novo espaço de acolhimento na instituição, como
as pessoas trans tendo novas oportunidades de crescer profissionalmente em um
local que as acolham e as respeitem em sua totalidade.
A iniciativa do CBMRS, em prever a possibilidade da utilização do nome social
e das áreas de uso comum com base na identidade de gênero, serviria também como
exemplo para que outros órgãos se preocupem em respeitar esses direitos desde o
ingresso dessas pessoas através dos concursos públicos. São diversas as ações
mobilizadoras que podem ser adotadas em nosso cotidiano a fim de construir uma
sociedade mais justa, digna e inclusiva para todos e esse é apenas o primeiro passo.
Também é importante lembrar que não se esgotam aqui outras demandas da
população trans atinentes à área militar que venham a surgir, como questões
previdenciárias, exames de saúde e laboratoriais com base no sexo biológico,
instituições que tenham quantidades de vagas reservadas específicas para
determinado “sexo” ou que tenham como requisitos apenas o “sexo masculino” para
seu ingresso.
43

REFERÊNCIAS

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https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/01/29/emprego-para-pessoas-trans-o-
lento-avanco-no-mercado-de-trabalho. Acesso em: 30 maio 2021.

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1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em:
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Concurso público para o preenchimento de 500 (quinhentas) vagas para o cargo de
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