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Motricidade Ocular Extrínseca

Conteudista: Prof. Esp. Franklin Kerber 


Revisão Textual: Vanessa Dias                                                                                    
  

Material Teórico

Material Complementar

Referências
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Material Teórico

 Objetivo da unidade

Apresentar as funções motoras dos olhos que permitem o fenômeno da


visão binocular. 

Introdução
Os seres humanos e alguns animais possuem visão binocular. Isso signi ca que somos
capazes de usar ambos os olhos simultaneamente para experimentar um nível bastante
re nado de visão, que, quando bem desenvolvido, provê percepção de profundidade (visão
“tridimensional”).
Figura 1 – Por termos um par de olhos, nós, humanos,
possuímos inúmeras vantagens sensoriais ao
experimentarmos uma visão binocular simples
Fonte: Getty Images

Várias são as vantagens de se ter visão binocular simples, que é a experiência de, a partir das
imagens sicamente produzidas por cada um dos olhos e projetadas em cada uma de suas
retinas, perceber uma única cena visual.

Binocularidade é um termo amplo que se refere ao uso dos dois olhos ao mesmo tempo, em
diferentes níveis. Uma visão binocular normal resulta na apreensão da visão de cada um dos
olhos, que são convertidas, ao nível do córtex visual, no fenômeno sensorial de visão
tridimensional confortável. Este é, como veremos, o mais elevado grau da visão binocular.
O fenômeno da visão binocular única é tão natural para os seres humanos que, em geral,
passa desapercebido. A maior surpresa ocorre se, por uma razão qualquer, esse indivíduo
passa a enxergar duplo. 

A visão binocular única de duas imagens distintas da retina, apesar de parecer trivial, é um
fenômeno notável que requer uma explicação. São os mecanismos por trás dessa experiência
singular que veremos a seguir.

Músculos Oculares Extrínsecos e suas


Inervações
A percepção visual simples depende, em primeira instância, da observação do objeto de
atenção (ou da cena visual) por ambos os olhos, de forma que as imagens produzidas pelo
sistema óptico ocular sejam muito semelhantes, virtualmente iguais. Para tanto, é necessária,
entre outras coisas, uma coordenação bastante re nada do posicionamento de ambos os
olhos na direção do objeto de atenção.

Compreender o fenômeno da visão binocular depende, portanto, de uma compreensão dos


movimentos oculares, e os processos pelos quais eles acontecem.

Os olhos humanos são dotados de seis pares de músculos que se inserem em sua superfície
mais anterior e, a partir de suas ações, realizam movimentos de rotação do globo ocular em
uma série de posições.

Para cada olho, quatro desses músculos são chamados:

1 Reto Superior Direito e Esquerdo (RS: RSD e RSE);

2 Reto Inferior Direito e Esquerdo (RI: RID e RIE);

Reto Lateral Direito e Esquerdo (RL: RLD e RLE);


3
4 Reto Medial Direito e Esquerdo (RM: RMD e RME).

E dois são chamados oblíquos:

5 Oblíquo Superior Direito e Esquerdo (OS: OSD e OSE) – também chamado Grande
Oblíquo;

6 Oblíquo Inferior Direito e Esquerdo (OI: OID e OIE) – também chamado Pequeno
Oblíquo.

Figura 2 - Vista lateral dos músculos extrínsecos oculares


do olho esquerdo: reto superior (1) reto inferior (2), reto
lateral (3), reto medial (4), oblíquo superior (5) e oblíquo
inferior (6)
Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons
Em cada olho, os quatro músculos retos têm origem em um Anel Tendinoso Comum, também
chamado Anel de Zinn, ou Tendão Comum de Zinn. 

O oblíquo superior se origina na asa inferior do esfenoide ipsilateral. O oblíquo inferior se


origina na superfície orbital do maxilar ipsilateral, lateral ao sulco lacrimal.

Cada obliquo superior se estende, desde sua origem, na direção medial superior de sua órbita,
até trespassar a tróclea, estrutura que funciona como polia, presente na parte nasal superior
da órbita, para então sofrer uma in exão. 

As inserções desses músculos se dão na superfície do globo ocular, em uma porção mais
posterior da esclera, mas ainda no hemisfério anterior do olho, nas posições que lhes dão
nomes.

Informação adicional – Glossário: Ipsilateral: que se encontra do mesmo lado; homolateral.


Figura 3 – Músculos extraoculares e inervações
Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons

Quatro dos seis pares de músculos extrínsecos oculares são inervados pelo III par de nervos
cranianos (oculomotor), cada músculo, pelo nervo ipsilateral:

1 Retos superiores direito e esquerdo;

2 Retos inferiores direito e esquerdo;

3 Retos mediais direito e esquerdo;

4 Oblíquos inferiores direito e esquerdo.


O IV par de nervos cranianos (troclear) inerva um par de músculos cada músculo pelo nervo
ipsilateral:

5 Oblíquos superiores direito e esquerdo.

O VI par de nervos cranianos (abducente) inerva um par de músculos cada músculo pelo nervo
ipsilateral:

6 Retos laterais direito e esquerdo.

Figura 4 – Vista frontal dos músculos extrínsecos oculares


do olho direito
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
Os nervos cranianos que inervam alguns desses músculos
podem ser vistos: três ramos do oculomotor (3), um ramo
do nervo troclear (4) e um ramo do nervo abducente (6). A
inervação do músculo obliquo inferior pelo nervo
oculomotor não está evidente. Vê-se ainda o nervo óptico
direito (II par, 3) atravessando o anel de Zinn. O nervo
óptico não tem função motora, mas aferente. 

Duções Oculares
Graças a essa musculatura extrínseca, cada olho humano é capaz de executar movimentos de
rotação em torno de seu centro de gravidade (aproximadamente o centro geométrico do globo
ocular) em uma variedade de direções.

Com a intenção de descrever tais movimentos, diversos autores desenvolveram sistemas de


coordenadas geométricas. Fick, Helmholtz, Harmes e Hess desenvolveram sistemas de
coordenadas cartesianas, enquanto Listing escolheu um sistema de coordenadas polares.
Veremos o modelo de Fick.

Fick utilizou um referencial cartesiano tridimensional com eixos (x, y, e z), que têm sua
origem no centro de gravidade do olho. O eixo x é um eixo transverso, atravessando o globo
ocular da direita para a esquerda. O eixo y é o eixo anteroposterior, que atravessa a pupila e vai
do polo anterior ao polo posterior do globo ocular. O eixo z é um eixo vertical, trespassando os
ápices do polo superior e inferior do globo ocular. 
Figura 5 – Eixos de rotação segundo o referencial de Fick
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Figura 6 - Em torno do eixo x acontecem rotações verticais


Fonte: Elaborada pelo conteudista
Figura 7 - Em torno do eixo y acontecem rotações
torcionais
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Figura 8 - Em torno do eixo z acontecem rotações


horizontais
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Baseados nesses eixos, seis movimentos rotacionais são possíveis.


Os movimentos levam em conta a posição primária do olhar, como mostrado na gura a
seguir.

Figura 9 – Posição primária do olhar em olho direito.


Destaque para os eixos de Fick e para os músculos
extraoculares
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Supradução

Elevação, supradução ou sursundução – rotação para cima.

Ação primária do músculo reto superior (na imagem, em vermelho).

Ação secundária do músculo oblíquo inferior (na imagem, em roxo).


Figura 10 – Supradução do olho direito e ações
musculares. Rotação em torno do eixo x
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Infradução

Depressão, infradução ou deorsundução – rotação para baixo.

Ação primária do músculo reto inferior (na imagem, em vermelho).

Ação secundária do músculo oblíquo superior (na imagem, em roxo).


Figura 11 – Infradução do olho direito e ações musculares.
Rotação em torno do eixo x
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Abdução

Abdução – rotação para o lado temporal (lateral).

Ação primária do músculo reto lateral (na imagem, em vermelho).

Ação terciária dos músculos oblíquo superior e oblíquo inferior (na imagem, em
amarelo).

Figura 12 – Abdução do olho direito e ações musculares.


Rotação em torno do eixo z
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Adução
Adução – rotação para o lado nasal (medial).

Ação primária do músculo reto medial (na imagem, em vermelho).

Ação terciária dos músculos reto superior e reto inferior (na imagem, em amarelo).

Figura 13 – Adução do olho direito e ações musculares.


Rotação em torno do eixo z
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Inciclodução

Inciclodução, intorção ou inciclotorção – giro da porção mais superior da córnea no sentido


medial (na direção do nariz, do ponto de vista do observador: horário para o olho direito, anti-
horário para o olho esquerdo):

Ação primária do músculo oblíquo superior (na imagem, em vermelho).

Ação secundária do músculo reto superior (na imagem, em roxo).


Figura 14 – Inciclodução do olho direito e ações
musculares. Rotação em torno do eixo y
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Exciclodução

Exciclodução, extorção ou exciclotorção – giro da porção superior da córnea no sentido lateral


(para fora, do ponto de vista do observador: anti-horário para o olho direito, horário para o
olho esquerdo).

Ação primária do músculo oblíquo inferior.

Ação secundária do músculo reto inferior.


Figura 15 – Exciclodução do olho direito e ações
musculares. Rotação em torno do eixo y
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Tabela 1 – Síntese

Músculo Ação primária Ação Ação terciária


secundária
Reto lateral Abdução    
Reto medial Adução    
Reto Superior Supradução Inciclodução Adução
Reto inferior Infradução Exciclodução Adução
Oblíquo Inciclodução Infradução Abdução
superior
Oblíquo inferior Exciclodução Supradução Abdução

Posições Diagnósticas do Olhar


Os olhos se alojam na porção anterossuperior do crânio, em cavidades simétricas de forma
piramidal – as órbitas. A base dessa forma piramidal é anterior, enquanto o ápice é posterior.

As paredes laterais de cada uma das órbitas formam um ângulo de 90° entre si. As paredes
mediais de cada uma das órbitas são paralelas. O ângulo entre a parede medial e a parede
medial de uma mesma órbita é de 45°.

Cada olho, quando em posição de repouso (sem in uência da inervação dos músculos
extrínsecos oculares), alinha seu eixo anteroposterior à bissetriz do ângulo das paredes
medial e lateral de sua órbita. Dessa forma, o ângulo entre parede medial da órbita e eixo
anteroposterior do olho nela alojado, bem como o eixo entre a parede lateral dessa mesma
órbita e o eixo anteroposterior desse mesmo olho, é de 45°. 

Em posição de respouso, portanto, os eixos anteroposteriores de cada olho formam também


um ângulo de 45°. Os olhos assumem essa posição em sono profundo, coma ou anestesia
geral.

Figura 16 - Ilustração do corte transversal, mostrando os


olhos em posição de repouso, alojados nas órbitas
Fonte: Elaborado pelo conteudista

Posição de repouso: ângulos entre as paredes medial e


lateral da órbita (45°) e entre eixo anteroposterior do olho e
a parede lateral de sua órbita (22,5°).
Sob inervação, os olhos se alinham, de forma que seus eixos anteroposteriores quem
paralelos. O tônus da musculatura extrínseca provê esse reposicionamento dos eixos
anteroposteriores sem necessidade de estímulo visual. Tônus muscular é um permanente
estado de tensão e ligeira contração, oferecida por um músculo estriado, mesmo que este não
receba estímulo de contração. 

Nessa posição, os olhos estão em posição primária de olhar. Essa também é a posição
assumida pelos olhos ao observar uma cena visual à distância.

Para assumir a posição primária de olhar, partindo da posição de repouso, cada olho faz uma
rotação de 22,5° em torno de seu eixo vertical (eixo z de Fick).
Figura 17 – Posição primária de olhar. Ângulos entre eixo
anteroposterior do olho e a mediatriz da órbita são 22,5°,
para cada olho
Fonte: Elaborada pelo conteudista

Os eixos oculares anteroposteriores estão paralelos ao plano sagital, em posição primária do


olhar. A posição primária de olhar é também a primeira posição diagnóstica do olhar. Isso
signi ca que essa posição é usada para avaliação do alinhamento dos eixos visuais, neste
caso, ao observar um ponto remoto.

Figura 18 – Posição primária do olhar


Fonte: Getty Images
A partir da posição primária, os olhos são capazes de mover-se simultaneamente, mantendo o
paralelismo dos eixos visuais em outras oito posições:

sursunversão, ou supraversão: ambos os olhos para cima;

deorsunversão ou infraversão: ambos os olhos para baixo;

dextroversão: ambos os olhos para a direita;

levoversão: ambos os olhos para a esquerda;

dextrosupraversão: ambos os olhos para cima e para a direita;

dextroinfraversão: ambos os olhos para baixo e para a direita;

levosupraversão: ambos os olhos para cima e para a esquerda;

devoinfraversão: ambos os olhos para baixo e para a esquerda.


Figura 19
Fonte: Elaborado pelo conteudista

Lei de Hering e Lei de Sherington


As ações musculares conjugadas que permitem os movimentos binoculares de versões
oculares são regidas por uma lei formulada por Karl Ewald Konstantin Hering (1834-1918),
renomado siologista alemão.
Figura 20 – Edward Hering
Fonte: Wikimedia Commons

Segundo a Lei de Equivalência Invervacional de Hering, os músculos extrínsecos oculares


possuem conexões, sendo inervados igualmente, de tal forma que, para que os dois olhos se
voltem para uma mesma direção, os músculos responsáveis pelo movimento de dução de cada
olho funcionam como uma parelha.

Para se olhar para a direita, por exemplo, o olho direito precisa fazer uma abdução, enquanto o
olho esquerdo precisa fazer uma adução. Dessa forma, o músculo responsável pela abdução do
olho direito (reto lateral do olho direito) e o responsável pela adução do olho esquerdo (reto
medial do olho esquerdo) recebem o mesmo estímulo.

A Lei de Hering está, ainda, subordinada à Lei de Reciprocidade Inervacional Sherrington, ou


Segunda Lei de Sherrington, que rege as ações agonistas e antagonistas dos músculos
esqueléticos.

 A Segunda Lei de Sherrington enuncia: “A quantidade de estímulo que chega ao músculo para
contração é igual e simultânea à que chega ao seu antagonista para relaxamento.”

Isso signi ca que, se para olhar para a direita com ambos os olhos, reto lateral direito e reto
medial esquerdo (a parelha muscular, agonista) precisam se contrair, então seus
antagonistas, reto medial direito e reto lateral esquerdo, respectivamente, precisam relaxar. 

Este relaxamento dos músculos antagonistas garante, segundo Sherrington, a suavidade do


movimento.
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Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

Vídeos
Leis invervacionais de Hering e Sherrington:

SLIDEPLAYER

Leis Inervacionais de Sherrington e Hering - ppt


video online carregar
Revisão conceitual (Von Noorden, p.64) . Toda contração de um músculo leva a
um movimento. . Músculo agonista: é aquele responsável pelo movimento.
LEIA MAIS SLIDEPLAYER 
Leitura
Oculomotricidade e seus fundamentos, de Harley E. A. Bicas 

SCIELO

VEJA EM SCIELO 

Nervo Oculomotor: Anatomia, Fisiologia e Clínica 

BVSALUD
VEJA EM BVSALUD 
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Referências

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