Este comentário resume o capítulo "Concepções de justiça acerca de um dispositivo de inclusão social: (in)capacidades e registros normativos segundo beneficiários do Programa Bolsa Família", escrito por Sayonara Leal, onde ela analisa entrevistas com 23 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família sobre suas percepções de pobreza, justiça e o programa.
Descrição original:
Título original
Comentário crítico Concepções de justiça acerca de um dispositivo de inclusão social LEAL
Este comentário resume o capítulo "Concepções de justiça acerca de um dispositivo de inclusão social: (in)capacidades e registros normativos segundo beneficiários do Programa Bolsa Família", escrito por Sayonara Leal, onde ela analisa entrevistas com 23 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família sobre suas percepções de pobreza, justiça e o programa.
Este comentário resume o capítulo "Concepções de justiça acerca de um dispositivo de inclusão social: (in)capacidades e registros normativos segundo beneficiários do Programa Bolsa Família", escrito por Sayonara Leal, onde ela analisa entrevistas com 23 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família sobre suas percepções de pobreza, justiça e o programa.
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGSOL Disciplina: Tópicos Avançados em Sociologia Política Professor: Dra. Sayonara de Amorim Gonçalves Leal Estudante: Bruno Camargos Matrícula: 220004650
Comentário: LEAL, Sayonara. Concepções de justiça acerca de um dispositivo
de inclusão social: (in)capacidades e registros normativos segundo beneficiários do Programa Bolsa Família. In: CANTU, Rodrigo, et. al. Sociologia, crítica e pragmatismo: diálogos entre França e Brasil. Campinas: Pontes Editores, 2019, pp. 225-263. Sayonara Leal é uma socióloga brasileira e professora do Programa de Pós- Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (PPGSOL/UnB). Em 2019, publicou no livro “Sociologia, crítica e pragmatismo” o capítulo “Concepções de justiça acerca de um dispositivo de inclusão social: (in)capacidades e registros normativos segundo beneficiários do Programa Bolsa Família”, no qual ela parte dos limites do paradigma (re)distributivo para o estudo dos programas de inclusão social direcionados às populações de baixa renda no Brasil e propõe um estudo sobre o trabalho normativo dos usuários do Programa Bolsa Família - PBF diante deste dispositivo de inclusão social. Ao considerar a coexistência de uma pluralidade de concepções de justiça entre os atores sociais que integram este dispositivo, a autora questiona o que os usuários deste programa consideram justo e injusto em suas críticas sobre a forma como são reconhecidos pela política social, especificamente em relação à satisfação de suas necessidades de subsistência. Para isso, entrevistou 23 famílias usuárias do PBF em Samambaia, no Distrito Federal. Os dados foram analisados a partir da triangulação entre percepção, ação e reflexão dos sujeitos entrevistados, com foco nas experiências morais com relação à pobreza e nos seus engajamentos normativos às condicionalidades do programa. Na primeira parte do texto, discute-se a relação entre pobreza, capacidades críticas e justiça social, apontando-se para a capacidade do PBF de promover capability em contextos sociais de déficits de liberdade e autonomia; enquanto na segunda, a discussão recai sobre a relação entre ação e regras capazes de gerar uma gramática moral a partir do conhecimento que o ator social possui acerca dos parâmetros normativos e institucionais do dispositivo supracitado. Leal parte da hipótese de que as capacidades de agir e criticar dos atores sociais ordinários em situações incomuns dependem de três regimes de capacidade que favorecem a justiça cognitiva: i) “competências sociocognitivas inerentes” àqueles de uma “mesma comunidade linguística e institucional” (CHOMSKY apud LEAL, 2019, p. 229); ii) “competência moral e hermenêutica adquiridas” (BOLTANSKI e HABERMAS, apud idem); e iii) acesso a liberdades substanciais (acesso a bens, serviços e direitos básicos), como proposto por Amartya Sen. Para a autora, a pobreza é um obstáculo para a capability enquanto liberdades e capacidade moral e hermenêutica. Diante disso, argumenta que a inclusão social deve ser pensada em diálogo com a igualdade social sob o risco de manter o status quo por meio de uma assistência social fundada no interesse de mitigar manifestações extremas de diferenciação social e evitar rupturas sociais radicais, como aponta a concepção simmeliana sobre a pobreza e o assistencialismo. Nesta mesma linha, Sen aponta para a necessidade de eliminar as restrições de liberdades políticas, direitos fundamentais e de liberdades substanciais, como a fome e o analfabetismo, para o combate à pobreza. Disso decorre que o tratamento da pobreza para além do paradigma de distribuição de renda é mais promissor, uma vez que as desigualdades sociais promovem, também, desigualdades de capability. Por isso, os dispositivos de inclusão social devem ser capazes de promover autonomia e liberdade, exigência que o PBF cumpre ao articular acesso à renda com prestação de serviços sociais, como saúde e educação (obrigatoriedade de vacinação e de frequência escolar das crianças). No entanto, aponta Leal, enquanto dispositivo que ambiciona a inclusão social, o PBF é alvo de polêmicas levantadas tanto pela condicionalidade do programa quanto pela sua ênfase no pobre. Para discutir os regimes de provação que o dispositivo enfrenta, a autora investiga a percepção dos usuários do PBF sobre a pobreza e a avaliação destes em relação ao cumprimento das finalidades e às condicionalidades do programa. Sobre a primeira questão, os dados mostram que os entrevistados não se consideram pobres ou vítimas de arranjos sociais injustos, pois, para eles, a pobreza significa miséria (extrema-pobreza) e, por isso, antes de qualquer coisa, eles se sentem amparados pela justiça divina por desfrutarem de saúde e disposição para o trabalho. Sobre a segunda, a autora mostra que os entrevistados reconhecem que o PBF ajuda com as despesas de primeira necessidade, mas é insuficiente para erradicar a pobreza. Além disso, todos consideram justas as condicionalidades do PBF, que são vistas como estímulo para que os pais se atentem para a saúde e a educação das crianças e adolescentes; todos repudiam o recebimento e o uso indevido do benefício, como fraudes e o gasto do recurso com bebidas alcoólicas e roupas caras; e é preponderante a percepção do PBF como direito social, embora alguns destaquem que se sentem ajudados, pois não se sentem contemplados pelos direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado democrático de direito e porquê têm dificuldade de distinguir “ajuda” e “direito” - competência que exige capital cultural. Diante disso, a autora conclui que apesar dos entrevistados levantarem críticas radicais ao uso indevido do benefício - um risco moral testemunhado por eles -, não há uma significativa “contradição hermenêutica” entre o princípio de justiça que orienta o PBF e a fala dos beneficiários, pois não foi constatado “uma total discordância sobre a concepção do justo em termos do que o programa oferece e as suas condicionalidades de acesso” (p. 255), o que demonstra coerência entre a realidade social dos entrevistados e as normas do dispositivo, ainda que estas os submetam a condicionalidades. Por fim, Leal aponta que o âmbito da pobreza, como categoria heterogênea e marcada por níveis distintos de desvantagens, privações e incapacidades, também pode ser um espaço epistêmico de formulação de princípios de justiça “a partir do recurso da experiência com a despossessão de bens e requisitos considerados necessários para uma vida boa” (p. 256). Assim, ela constata que as operações críticas acerca do justo e o injusto entre os entrevistados “fabricam uma espécie de ‘conhecimento robusto’ ancorado em representações e experiências existenciais inscritas no quadro social de pobreza” (p. 258).
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