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Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Ciências Sociais - ICS


Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGSOL
Disciplina: Tópicos Avançados em Sociologia Política
Professor: Dra. Sayonara de Amorim Gonçalves Leal
Estudante: Bruno Camargos Matrícula: 220004650

Resenha: BOLTANSKI, L. The Power of Institutions. In: On Critique: A


Sociology of Emancipation. John Wiley & Sons, 2013, pp. 50-82.
Luc Boltanski (Paris, 1940) é um sociólogo francês, professor de sociologia na École
des Hautes Études en Sciences Sociales. Em 2009, foi publicada uma coletânea de palestras
ministradas por Luc Boltanski, em 2008, no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Para
esse fichamento, nos interessa o terceiro capítulo, intitulado “The power of institutions”, em
que Boltanski parte de que a atividade social não é e não pode ser constantemente crítica e se
volta à sociologia das instituições para discutir a origem da crítica, uma vez que esta é
intimamente ligada à questão das instituições em que ela surge.
Segundo Boltanski, a noção de instituição é um dos conceitos fundadores e
recorrentes da sociologia, porém raramente é definido ou especificado conceitualmente,
embora seja polissêmico. Na sociologia crítica, o conceito possui quase sempre uma
conotação negativa, indicando um instrumento de dominação. Na sociologia pragmática, ele é
ignorado ou, igualmente, conotado negativamente: trata-se de uma referência pouco frequente
que aparece para chamar a atenção para as limitações impostas aos atores - no entanto, a
instituição não significa um empecilho à capacidade crítica e à autonomia dos atores.
Para Boltanski, a principal contribuição do pragmatismo à sociologia consiste em
apontar a incerteza que ameaça os arranjos sociais, apesar das instituições, e a fragilidade da
realidade. Contudo, o pragmatismo não avança neste caminho por depositar muita confiança
na capacidade dos atores de reduzir esta incerteza ao considerar que as pessoas têm como
principal impulso a preservação dos vínculos sociais locais em boas condições graças ao
“senso comum” - isto é, “um conjunto de verdades autoevidentes geralmente compartilhadas,
que serve de base para acordos” (p. 54, tradução livre) - que habita cada ator individualmente.
A ideia de senso comum compreende que a concordância surge por si mesma por meio da
interação, por inúmeros motivos, o que minimiza a possibilidade de uma “incerteza radical” e
o “mal-estar” que ela produz.
Boltanski afirma que a ilusão de um senso comum representa um obstáculo para a
sociologia da crítica, pois enfatiza a descrição e a explicação baseadas na aparência
fenomenológica de um acordo, subestimando a incerteza e o mal-estar que assombram a vida
social e se evidenciam em situações de disputa. Contra isso, Boltanski & Thevenot
construíram uma estrutura analítica pluralista que possibilita o acordo e a disputa, a
aquiescência e a crítica e, sobretudo, as mudanças observadas entre estas duas dimensões,
colocando a questão da consistência do mundo social a partir de uma posição original em que
prevalece a “incerteza radical”. Isso permite que se leve a sério o constante mal-estar sobre o
que é e o que é válido, latente em situações onde a ordem se mantém e evidente em situações
de crítica, captando a relação entre ordem e crítica: Por um lado, “a crítica só é significativa
em relação à ordem que ela coloca em crise” (p. 57). Por outro lado, “os sistemas que
asseguram a preservação da ordem só se tornam significativos quando se percebe que eles se
baseiam na constante ameaça representada pela possibilidade de crítica” (p. 57).
Para Boltanski, para discutir essa relação é necessário distinguir “realidade” e
“mundo”. Enquanto a realidade é o que tende a coincidir com a ordem e não permite
compreender os desafios a esta ordem, o mundo é, nos termos de Wittgenstein, “tudo aquilo
que acontece” (p. 57), é a contingência, o pano de fundo que não pode ser absorvido pela
realidade. A realidade, nesse sentido, é orientada para a permanência e preservação da ordem
contra a imprevisibilidade do mundo que, em permanente mudança social ou não, exerce
poder sobre a realidade. O mundo, contudo, não é transcendente, mas, na verdade, a própria
imanência à qual todos estão submetidos, produzindo experiências nem sempre expressas no
discurso ou deliberadas na ação (individual ou coletiva).
Nesse sentido, explica Boltanski, os arranjos que constituem e organizam a realidade
são frágeis porque a crítica pode extrair, do mundo, contradições de sua lógica. Somado a
isso, há dificuldade de conceber um acordo espontâneo entre os seres humanos, a partir de
chaves como o “senso comum”, pelo simples fato de que estes possuem um corpo situado
histórico e espacialmente, sociologicamente (ocupando posições sociais e possuindo
interesses, e psicanaliticamente (possuindo desejos, impulsos, aversões e experiências de seu
próprio corpo). Dessa forma, cada indivíduo possui singularmente um ponto de vista sobre o
mundo, não sendo compartilhados e capazes de convergir ao acordo sem contradições.
Segundo Boltanski, a estrutura do quadro de análise que busca reorientar a crítica e o
acordo em torno da incerteza radical se baseia em dois contrastes: i) momentos práticos e
momentos metapragmáticos (de reflexividade); e ii) sistemas de confirmação e sistemas
críticos, presentes nos momentos metapragmáticos.
Boltanski baseia-se em Bourdieu para caracterizar as modalidades de ação prática.
Segundo ele, as pessoas envolvidas na realização de uma tarefa confiam em um “acordo
tácito” para “não criar mal-estar sobre o que está ocorrendo e para não se preocupar com a
questão do acordo” (p. 62, tradução livre). Embora não seja sustentada por planos ou
procedimentos pré-definidos, a ação prática é orientada por pontos de referência externos -
sistemas e objetos, materiais ou simbólicos - e internos - habitus, configurações não-
temporais relativas à vida psíquica (inconsciente), normatividades/subjetividades. Os
momentos práticos são caracterizados pela tolerância de diferenças de comportamento entre
os atores, pela baixa reflexividade acerca das contradições dos próprios atores e das
contradições entre a realidade e o mundo e pelo uso altamente demonstrativo da linguagem -
isto é, a linguagem é utilizada como identidade do objeto a que se refere. Esses elementos
permitem a preservação da aparência de um acordo e, também, limitam o desenvolvimento da
crítica.
Segundo Boltanski, embora o registro prático seja predominante, ele não é o único
quadro de ação em comum, pois os “pontos de referência necessários para preservar um
quadro mínimo de ação” (p. 66, tradução livre) não são criados espontaneamente a partir da
interação e da repetição, nem baseados no hábito, uma vez que eles possuem uma dimensão
normativa e uma força deôntica (dever fazer/dever ser). Além disso, embora o registro prático
permita “a manutenção de desacordos tácitos que não se estendem a disputas” (p. 67, tradução
livre), há um limite de tolerância que, quando ultrapassado, coloca os pontos de vista
divergentes em disputa. Por isso, devemos considerar, também, os registros metapragmáticos.
Boltanski explica que os momentos metapragmáticos são marcados pelo aumento do
nível de reflexividade: “a atenção dos participantes [da interação] passa da tarefa a ser
realizada para a questão de como é apropriado caracterizar o que está acontecendo” (p. 67,
tradução livre). A operação de caracterização baseia-se na questão da qualificação, no embate
entre “o que está sendo feito e o que deveria ser feito para que o que está sendo feito seja feito
na própria verdade” (p. 68, tradução livre), ou seja, na relação entre o estado de coisas e uma
forma simbólica com características dispostas logicamente e carregadas de valores. Portanto,
no registro metapragmático, a incerteza, inerente à vida social, se volta para a questão da
qualificação operada por meio da metalinguagem, um instrumento linguístico para discutir um
objeto linguístico: “o problema não diz respeito apenas à designação do objeto em suas
propriedades descritivas e funcionais (...). Antes de tudo, trata-se do valor a ser atribuído ao
objeto em questão com as consequências deonéticas que isto pressupõe” (p. 71, tradução
livre). Por exemplo, quando um participante de um seminário levanta a questão, durante a
interação: “você chama isso de seminário?”. A questão pressupõe uma referência semântica
que estabiliza, define e associa regras ao que é, de fato, um seminário.
Conforme Boltanski, nem sempre, no entanto, o momento metapragmático coloca o
objeto linguístico em sistema de crítica. O sistema de confirmação (<o que você chama de>
seminário é <de fato, um seminário>) também utiliza a metalinguagem e a reflexividade, mas
para confirmar que o estado de coisas, em determinado contexto, remete à sua forma
simbólica, verdadeira em todos os mundos possíveis, por meio da fórmula de uma tautologia.
Essa operação é essencial no estabelecimento da realidade social. Um exemplo de registro de
confirmação é o discurso epidítico ou discurso de celebração, realizado em público, que busca
revelar “o ser do que é” e o seu “valor”. Os regimes metapragmáticos, tanto o crítico quanto o
de confirmação, têm em comum o fato de serem públicos: devem ser realizados com outros,
diante de testemunhas engajadas, pelo menos memorizando a situação ocorrida.
Segundo Boltanski, a questão do que é, levantada pelos atores que atuam no mundo
social, busca saber o que é em absoluto, para todos, por isso não pode ser indivíduos:
“nenhum indivíduo possui a autoridade necessária para dizer (...) a todos os outros, o que é”,
pois todo indivíduo possui um corpo situado em espaços e tempos externos e internos. Por
isso, em situações de disputa, na interação, o que todo indivíduo pode fazer é apenas dar a sua
opinião, o seu ponto de vista. A única solução para solucionar o desacordo é delegar a
autoridade de dizer o que é o quê para um ser sem corpo: a instituição. As instituições
possuem a tarefa de fixar as propriedades e o valor das coisas, armazená-las em definições
dispostas para qualificar situações de incerteza, estados de coisas ambíguos e contraditórios.
Além disso, as instituições são capazes de inscrever seres inexistentes (“pátria”, “mercado”)
na realidade. Em suma, as instituições são responsáveis por “fixar referência”, materiais ou
simbólicas, a pessoas ou organizações, assim como definir suas propriedades.
Para Boltanski, embora seja correto considerar como violência simbólica o caráter
arbitrário das instituições, denunciado pela sua lógica de marcação e demarcação para criar a
realidade por meio de sentenças declarativas e instrumentos de policiamento, é possível
encontrar um papel de “segurança semântica” nestas operações. Por um lado, as operações
institucionais permitem a identificação dos seres abstratos (“democracia”, “pátria”, “povo”)
em contextos diferentes, assim como permitem a estabilidade destes no tempo e espaço. Por
outro lado, permitem transformar seres concretos em seres abstratos estáveis (seres humanos
em “sujeitos do neoliberalismo”, por exemplo). Isso permite apontar o papel
predominantemente semântico das instituições e distingui-las analiticamente das
administrações - que possuem papel de policiamento - e das organizações - que possuem
papel de coordenação. Estas são, na verdade, equipamentos das instituições, corporificados e
sensíveis à crítica. Mas, cabe ressaltar, que as instituições são ligadas umbilicalmente às
administrações, pois seu papel semântico é coercitivo, deôntico, e seu descumprimento
implica em sanções.
Por fim, Boltanski afirma que as instituições não são derivações de um processo de
interação, repetição e hábito, pois estes processos são incapazes de explicar “a forma como as
instituições apoiam a qualificação dos seres” (p. 80, tradução livre) na medida em que não são
suficientes para determinar a propriedade dos objetos e, sobretudo, para atribuir um valor e
sustentar o caráter deôntico, especificamente normativo, da norma.

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