1) O documento apresenta uma resenha sobre o capítulo "The power of institutions" do livro de Luc Boltanski que discute a relação entre instituições e crítica social.
2) Boltanski critica a visão do pragmatismo de que há um "senso comum" que leva ao acordo social espontâneo e minimiza a incerteza.
3) Ele propõe distinguir "realidade" e "mundo", sendo a realidade orientada para a ordem e o mundo representando a contingência e mudança social.
1) O documento apresenta uma resenha sobre o capítulo "The power of institutions" do livro de Luc Boltanski que discute a relação entre instituições e crítica social.
2) Boltanski critica a visão do pragmatismo de que há um "senso comum" que leva ao acordo social espontâneo e minimiza a incerteza.
3) Ele propõe distinguir "realidade" e "mundo", sendo a realidade orientada para a ordem e o mundo representando a contingência e mudança social.
1) O documento apresenta uma resenha sobre o capítulo "The power of institutions" do livro de Luc Boltanski que discute a relação entre instituições e crítica social.
2) Boltanski critica a visão do pragmatismo de que há um "senso comum" que leva ao acordo social espontâneo e minimiza a incerteza.
3) Ele propõe distinguir "realidade" e "mundo", sendo a realidade orientada para a ordem e o mundo representando a contingência e mudança social.
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGSOL Disciplina: Tópicos Avançados em Sociologia Política Professor: Dra. Sayonara de Amorim Gonçalves Leal Estudante: Bruno Camargos Matrícula: 220004650
Resenha: BOLTANSKI, L. The Power of Institutions. In: On Critique: A
Sociology of Emancipation. John Wiley & Sons, 2013, pp. 50-82. Luc Boltanski (Paris, 1940) é um sociólogo francês, professor de sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Em 2009, foi publicada uma coletânea de palestras ministradas por Luc Boltanski, em 2008, no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Para esse fichamento, nos interessa o terceiro capítulo, intitulado “The power of institutions”, em que Boltanski parte de que a atividade social não é e não pode ser constantemente crítica e se volta à sociologia das instituições para discutir a origem da crítica, uma vez que esta é intimamente ligada à questão das instituições em que ela surge. Segundo Boltanski, a noção de instituição é um dos conceitos fundadores e recorrentes da sociologia, porém raramente é definido ou especificado conceitualmente, embora seja polissêmico. Na sociologia crítica, o conceito possui quase sempre uma conotação negativa, indicando um instrumento de dominação. Na sociologia pragmática, ele é ignorado ou, igualmente, conotado negativamente: trata-se de uma referência pouco frequente que aparece para chamar a atenção para as limitações impostas aos atores - no entanto, a instituição não significa um empecilho à capacidade crítica e à autonomia dos atores. Para Boltanski, a principal contribuição do pragmatismo à sociologia consiste em apontar a incerteza que ameaça os arranjos sociais, apesar das instituições, e a fragilidade da realidade. Contudo, o pragmatismo não avança neste caminho por depositar muita confiança na capacidade dos atores de reduzir esta incerteza ao considerar que as pessoas têm como principal impulso a preservação dos vínculos sociais locais em boas condições graças ao “senso comum” - isto é, “um conjunto de verdades autoevidentes geralmente compartilhadas, que serve de base para acordos” (p. 54, tradução livre) - que habita cada ator individualmente. A ideia de senso comum compreende que a concordância surge por si mesma por meio da interação, por inúmeros motivos, o que minimiza a possibilidade de uma “incerteza radical” e o “mal-estar” que ela produz. Boltanski afirma que a ilusão de um senso comum representa um obstáculo para a sociologia da crítica, pois enfatiza a descrição e a explicação baseadas na aparência fenomenológica de um acordo, subestimando a incerteza e o mal-estar que assombram a vida social e se evidenciam em situações de disputa. Contra isso, Boltanski & Thevenot construíram uma estrutura analítica pluralista que possibilita o acordo e a disputa, a aquiescência e a crítica e, sobretudo, as mudanças observadas entre estas duas dimensões, colocando a questão da consistência do mundo social a partir de uma posição original em que prevalece a “incerteza radical”. Isso permite que se leve a sério o constante mal-estar sobre o que é e o que é válido, latente em situações onde a ordem se mantém e evidente em situações de crítica, captando a relação entre ordem e crítica: Por um lado, “a crítica só é significativa em relação à ordem que ela coloca em crise” (p. 57). Por outro lado, “os sistemas que asseguram a preservação da ordem só se tornam significativos quando se percebe que eles se baseiam na constante ameaça representada pela possibilidade de crítica” (p. 57). Para Boltanski, para discutir essa relação é necessário distinguir “realidade” e “mundo”. Enquanto a realidade é o que tende a coincidir com a ordem e não permite compreender os desafios a esta ordem, o mundo é, nos termos de Wittgenstein, “tudo aquilo que acontece” (p. 57), é a contingência, o pano de fundo que não pode ser absorvido pela realidade. A realidade, nesse sentido, é orientada para a permanência e preservação da ordem contra a imprevisibilidade do mundo que, em permanente mudança social ou não, exerce poder sobre a realidade. O mundo, contudo, não é transcendente, mas, na verdade, a própria imanência à qual todos estão submetidos, produzindo experiências nem sempre expressas no discurso ou deliberadas na ação (individual ou coletiva). Nesse sentido, explica Boltanski, os arranjos que constituem e organizam a realidade são frágeis porque a crítica pode extrair, do mundo, contradições de sua lógica. Somado a isso, há dificuldade de conceber um acordo espontâneo entre os seres humanos, a partir de chaves como o “senso comum”, pelo simples fato de que estes possuem um corpo situado histórico e espacialmente, sociologicamente (ocupando posições sociais e possuindo interesses, e psicanaliticamente (possuindo desejos, impulsos, aversões e experiências de seu próprio corpo). Dessa forma, cada indivíduo possui singularmente um ponto de vista sobre o mundo, não sendo compartilhados e capazes de convergir ao acordo sem contradições. Segundo Boltanski, a estrutura do quadro de análise que busca reorientar a crítica e o acordo em torno da incerteza radical se baseia em dois contrastes: i) momentos práticos e momentos metapragmáticos (de reflexividade); e ii) sistemas de confirmação e sistemas críticos, presentes nos momentos metapragmáticos. Boltanski baseia-se em Bourdieu para caracterizar as modalidades de ação prática. Segundo ele, as pessoas envolvidas na realização de uma tarefa confiam em um “acordo tácito” para “não criar mal-estar sobre o que está ocorrendo e para não se preocupar com a questão do acordo” (p. 62, tradução livre). Embora não seja sustentada por planos ou procedimentos pré-definidos, a ação prática é orientada por pontos de referência externos - sistemas e objetos, materiais ou simbólicos - e internos - habitus, configurações não- temporais relativas à vida psíquica (inconsciente), normatividades/subjetividades. Os momentos práticos são caracterizados pela tolerância de diferenças de comportamento entre os atores, pela baixa reflexividade acerca das contradições dos próprios atores e das contradições entre a realidade e o mundo e pelo uso altamente demonstrativo da linguagem - isto é, a linguagem é utilizada como identidade do objeto a que se refere. Esses elementos permitem a preservação da aparência de um acordo e, também, limitam o desenvolvimento da crítica. Segundo Boltanski, embora o registro prático seja predominante, ele não é o único quadro de ação em comum, pois os “pontos de referência necessários para preservar um quadro mínimo de ação” (p. 66, tradução livre) não são criados espontaneamente a partir da interação e da repetição, nem baseados no hábito, uma vez que eles possuem uma dimensão normativa e uma força deôntica (dever fazer/dever ser). Além disso, embora o registro prático permita “a manutenção de desacordos tácitos que não se estendem a disputas” (p. 67, tradução livre), há um limite de tolerância que, quando ultrapassado, coloca os pontos de vista divergentes em disputa. Por isso, devemos considerar, também, os registros metapragmáticos. Boltanski explica que os momentos metapragmáticos são marcados pelo aumento do nível de reflexividade: “a atenção dos participantes [da interação] passa da tarefa a ser realizada para a questão de como é apropriado caracterizar o que está acontecendo” (p. 67, tradução livre). A operação de caracterização baseia-se na questão da qualificação, no embate entre “o que está sendo feito e o que deveria ser feito para que o que está sendo feito seja feito na própria verdade” (p. 68, tradução livre), ou seja, na relação entre o estado de coisas e uma forma simbólica com características dispostas logicamente e carregadas de valores. Portanto, no registro metapragmático, a incerteza, inerente à vida social, se volta para a questão da qualificação operada por meio da metalinguagem, um instrumento linguístico para discutir um objeto linguístico: “o problema não diz respeito apenas à designação do objeto em suas propriedades descritivas e funcionais (...). Antes de tudo, trata-se do valor a ser atribuído ao objeto em questão com as consequências deonéticas que isto pressupõe” (p. 71, tradução livre). Por exemplo, quando um participante de um seminário levanta a questão, durante a interação: “você chama isso de seminário?”. A questão pressupõe uma referência semântica que estabiliza, define e associa regras ao que é, de fato, um seminário. Conforme Boltanski, nem sempre, no entanto, o momento metapragmático coloca o objeto linguístico em sistema de crítica. O sistema de confirmação (<o que você chama de> seminário é <de fato, um seminário>) também utiliza a metalinguagem e a reflexividade, mas para confirmar que o estado de coisas, em determinado contexto, remete à sua forma simbólica, verdadeira em todos os mundos possíveis, por meio da fórmula de uma tautologia. Essa operação é essencial no estabelecimento da realidade social. Um exemplo de registro de confirmação é o discurso epidítico ou discurso de celebração, realizado em público, que busca revelar “o ser do que é” e o seu “valor”. Os regimes metapragmáticos, tanto o crítico quanto o de confirmação, têm em comum o fato de serem públicos: devem ser realizados com outros, diante de testemunhas engajadas, pelo menos memorizando a situação ocorrida. Segundo Boltanski, a questão do que é, levantada pelos atores que atuam no mundo social, busca saber o que é em absoluto, para todos, por isso não pode ser indivíduos: “nenhum indivíduo possui a autoridade necessária para dizer (...) a todos os outros, o que é”, pois todo indivíduo possui um corpo situado em espaços e tempos externos e internos. Por isso, em situações de disputa, na interação, o que todo indivíduo pode fazer é apenas dar a sua opinião, o seu ponto de vista. A única solução para solucionar o desacordo é delegar a autoridade de dizer o que é o quê para um ser sem corpo: a instituição. As instituições possuem a tarefa de fixar as propriedades e o valor das coisas, armazená-las em definições dispostas para qualificar situações de incerteza, estados de coisas ambíguos e contraditórios. Além disso, as instituições são capazes de inscrever seres inexistentes (“pátria”, “mercado”) na realidade. Em suma, as instituições são responsáveis por “fixar referência”, materiais ou simbólicas, a pessoas ou organizações, assim como definir suas propriedades. Para Boltanski, embora seja correto considerar como violência simbólica o caráter arbitrário das instituições, denunciado pela sua lógica de marcação e demarcação para criar a realidade por meio de sentenças declarativas e instrumentos de policiamento, é possível encontrar um papel de “segurança semântica” nestas operações. Por um lado, as operações institucionais permitem a identificação dos seres abstratos (“democracia”, “pátria”, “povo”) em contextos diferentes, assim como permitem a estabilidade destes no tempo e espaço. Por outro lado, permitem transformar seres concretos em seres abstratos estáveis (seres humanos em “sujeitos do neoliberalismo”, por exemplo). Isso permite apontar o papel predominantemente semântico das instituições e distingui-las analiticamente das administrações - que possuem papel de policiamento - e das organizações - que possuem papel de coordenação. Estas são, na verdade, equipamentos das instituições, corporificados e sensíveis à crítica. Mas, cabe ressaltar, que as instituições são ligadas umbilicalmente às administrações, pois seu papel semântico é coercitivo, deôntico, e seu descumprimento implica em sanções. Por fim, Boltanski afirma que as instituições não são derivações de um processo de interação, repetição e hábito, pois estes processos são incapazes de explicar “a forma como as instituições apoiam a qualificação dos seres” (p. 80, tradução livre) na medida em que não são suficientes para determinar a propriedade dos objetos e, sobretudo, para atribuir um valor e sustentar o caráter deôntico, especificamente normativo, da norma.