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Destacamos o autor Rocha Pita que apresenta o Brasil em seus livros como um lugar
abundante e enaltecido: “Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem
madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios mais
dourados...” (BARRETO, 2011, p. 25). Devido a sua imersão nesse Brasil idealizado de
intelectuais que remontam ao período colonial, Policarpo constrói sua visão de mundo
nacionalista, enaltecendo exageradamente a natureza brasileira, seguindo essa visão de terra
paradisíaca, narrada a partir de uma linguagem complicada, cheia de superlativos de ideias
grandiosas.
É justamente por meio do discurso que a obra de Lima Barreto rejeita e critica os
ideais literários e históricos do século XIX, que remontam ao período colonial. A própria
utilização do adjetivo gongórico para introduzir o autor Rocha Pita é uma demonstração
dessa posição. O adjetivo, que em sua concepção significava “rebuscado; que se apresenta
apurada e requintadamente”1, era utilizado de forma pejorativa para se referir a autores
barrocos, com estilo enviesado, rebuscado demais na linguagem. Nessa duplicidade de
leitura, reside uma desaprovação a esse estilo.
Buscava nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que
escrevem contos e romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo, um doutor,
não podia escrever da mesma forma que eles. A sua sabedoria superior e o seu
título "acadêmico" não podia usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da
mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio-lhe então a ideia do clássico
(Ibid., p. 162)
Dessa forma, Lima Barreto faz uma crítica a esse discurso exageradamente rebuscado,
nacionalista e ufanista. De acordo com Santiago (1981, p. 540) essa atitude “chamaria a
atenção para o fato concreto de que todo discurso sobre o Brasil foi irremediavelmente
idealista, comprometido que estava com um discurso religioso e paralelo e que, finalmente,
foi o dominador.” No livro, isso se dá na relação de Policarpo com os livros, que é
“totalmente desapegada de um exame ou reflexão sobre os fatos concretos sobre a
sociedade brasileira (...) É produto de uma biblioteca radical e simplória, organizada em
torno de um espírito que presidia a sua reunião- o patriotismo” (Ibid., p. 531).
1
Disponível em: <https://www.dicio.com.br/gongorico/>
partes do romance e que levarão ao seu triste fim. Na segunda parte da obra, ambientada no
meio rural, essa visão idealizada da natureza brasileira pregada pelos literatos é confrontada
e colocada em prova por meio de um jogo entre a cultura, a língua e a realidade, num
processo no qual as rebuscadas metáforas começam a ser desmistificadas.
Entretanto, confrontando com essa visão bendita da natureza, seja por meio das
saúvas destruindo tudo, ou a miséria e concentração de latifúndio da política interiorana,
Lima Barreto lança um olhar agudo aos problemas da terra, retirando as camadas glamorosas
dos recursos retóricos referentes à natureza. A salvação do Brasil por meio de uma “forte
base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros
destinos” (BARRETO, 2011, p. 88) se mostra pura ilusão.
O próprio nome Sítio do Sossego é uma ironia dessa visão idealizada e idílica da
natureza, pois no lugar de encontrar tranquilidade, Policarpo encontrará ali mais uma
derrota e será expulso como um “cidadão relapso e contraventor” (SANTIAGO, 1981, p. 536).
À vista disso, ao mesmo tempo que a escrita de Lima Barreto subscreve os ideais
nacionalistas e o discurso histórico (como a narrativa da História da América Portuguesa, de
Rocha Pita), ele desmetaforiza e rejeita esses ideais ilusórios, assumindo um caráter de
desvelamento da realidade, mostrando que ela não ocorre como está nos livros, num
discurso que beira quase a um caráter evangelizador que apresenta a suposta terra
prometida.
Por meio das seguidas decepções e do triste fim de Policarpo, é possível observar o
desmoronamento desse tipo de discurso e ideais nacionalistas e se torna possível enxergar o
que Lima Barreto realmente crê importar: a perversidade da jovem República brasileira, por
meio um questionamento do discurso vigente e da própria noção de pátria, com um viés
crítico e pessimista. Segundo Santiago (Ibid., p. 537) esse desvelamento do discurso, que
levará a sua dissidência baseado “que estava em uma noção ilusória, fruto de gabinete de
leitura, não traz e não pode trazer frutos reais, acabando por dar como resultado uma vida
sem rastros e sem sentido.” Pode-se dizer que assim, ao seguir esses princípios nacionalistas
e imaginários, não havia outro fim possível ao protagonista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 5 ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.
SANTIAGO, Silviano. Uma ferroada no pé: uma dupla leitura de Triste fim de Policarpo
Quaresma. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.