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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

FACULDADE DE LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA MODERNA
DOCENTE: MARIA DE FÁTIMA DO NASCIMENTO

OS SIMBOLISMOS APRESENTADOS NA OBRA “UBIRAJARA” DE JOSÉ DE


ALENCAR

BELÉM
2023
Ayla Rabelo Martins
Mariana Laice Trindade de Sousa Xerfan

1. INTRODUÇÃO

José de Alencar foi um escritor e político brasileiro nascido em 1829 e falecido em


1877. Ele foi uma das figuras mais proeminentes do movimento literário do
Romantismo no Brasil. Além de suas obras literárias, Alencar também teve uma
carreira política ativa, atuando como deputado e ministro do Império. O autor deixou
um legado significativo na literatura brasileira, sendo reconhecido por suas obras
que exploraram a temática indígena, como "Ubirajara", assim como outros
romances regionalistas e históricos. Sua escrita era marcada por uma linguagem
poética e uma abordagem emotiva e apaixonada dos temas, características do
Romantismo. A morte de José de Alencar ocorreu em 1877, aos 48 anos de idade,
deixando um importante legado literário para a literatura brasileira. Suas obras
continuam a ser estudadas e apreciadas até os dias de hoje, influenciando gerações
de escritores e leitores.

O presente artigo busca apresentar uma reflexão sobre os aspectos simbólicos dos
espaços representados em “Ubirajara” e a importância de seus significados para a
construção de sentidos.

“A terceira fase, a infância de nossa literatura,


começada com a independência política, ainda não
terminou; espera escritores que lhe deem os últimos
traços e formem o verdadeiro gosto nacional,
fazendo calar as pretensões, hoje tão acesas, de
nos recolonizarem pela alma e pelo coração, já que
não o podem pelo braço” (BOSI. 2006. pag. 109)

Na terceira fase do indianismo, nomeada por Bosi como “a infância da literatura


brasileira”, Alencar busca evidenciar um ideal puramente brasileiro, retomando o
começo da nação. Embora a trilogia composta por “Iracema”, “O Guaraní” e
“Ubirajara”, segundo Bosi (2006), representam diferentes fases do indianismo, não
há uma ordem cronológica em suas publicações, haja vista, que a produção literária
da época era fortemente influenciada pelo contexto político.

Naquele momento, fomentando pensamento sobre diferenciação do contexto


português de dominação sobre o Brasil, “Ubirajara” é publicado para incorporar uma
narrativa de “Brasil primitivo”, sem a presença do colonizador português,
diferenciando-se das demais obras da trilogia Alencariana onde há interação entre
indígenas e personagens portugueses.

“No tempo da nossa independência, proclamada em 1822,


formou-se uma teoria nacionalista que parecia incomodada
por este dado evidente e procurou minimizá-lo, acentuando
o que havia de original, de diferente, a ponto de rejeitar o
parentesco, como se quisesse descobrir um estado ideal de
começo absoluto. Trata-se de atitude compreensível como
afirmação política, exprimindo a ânsia por vezes patética de
identidade por parte de uma nação recente, que desconfiava
do próprio ser e aspirava ao reconhecimento dos outros.
Com o passar do tempo foi ficando cada vez mais visível
que a nossa é uma literatura modificada pelas condições do
Novo Mundo, mas fazendo parte orgânica do conjunto das
literaturas ocidentais.” (CANDIDO, 2007, p. 11).

Com base nisso, surge um novo complexo cultural, no qual acarretava um


fenômeno de diferenciação, com objetivo de alcançar a identidade, autenticidade e
pretensões de alteridade literária brasileira. Portanto, pós-independência, a literatura
brasileira assume um caráter vitalmente político, pois o capital simbólico atribuído ao
fazer literário constrói um valor de nação.

Portanto, o maior capital simbólico de todos, e o mais importante, em “Ubirajara” se


consolida na contribuição que política que a obra possui para o momento histórico
em que nasce, fomentando o ideal do originário brasileiro. Para além disso, a obra é
composta por diversos elementos que constroem sentido e simbolismos que
reforçam a beleza e a pureza do Brasil retratado.
2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE AMBIENTAÇÃO E ESPAÇO

Neste primeiro momento é válido diferenciar, em nível teórico, os conceitos de


ambientação e espaço. Segundo o ensaísta e crítico literário Osman Lins, a
ambientação é o conjunto de processos destinados a expor a noção de determinado
ambiente dentro da narrativa, enquanto o espaço compõem-se pela experiência de
mundo do leitor juntamente com os recursos expressivos do autor para situar onde
se passa a obra.

Em outras palavras, ambientação é a atmosfera, o clima, as características e o tom


geral do ambiente descrito na obra e inclui elementos como a descrição da
natureza, das condições climáticas, dos sons, dos cheiros, das cores e das
sensações que permeiam o espaço descrito, enquanto o espaço é local físico ou
geográfico onde a história se passa (um país, uma cidade, uma casa, um ambiente
natural, etc.), sendo o cenário em que os personagens interagem permitindo ao
leitor visualizar e compreender o ambiente em que a história se passa.

Além disso, Osman também diferencia três tipos de ambientação: franca, reflexa e
dissimulada. A primeira é a descrição pura e simples feita pelo narrador, a segunda
é aquela que pode ser percebida conforme a descrição dos acontecimentos ocorre e
a terceira, é percebida através das ações dos personagens. Nesse sentido, pode-se
inferir que a obra Ubirajara tem sua ambientação predominantemente reflexa, visto
que o autor dificilmente interrompe a narrativa para formar “blocos” descritivos sobre
o espaço. A narrativa é marcada pela linguagem poética, tipicamente alencariana,
atrelada à descrição com riqueza de detalhes do espaço, incluindo vestimentas,
instrumentos, sentimentos e outros.

3. O ESPAÇO E OS RECURSOS EXPRESSIVOS ALENCARIANOS

Alencar retrata em toda a obra um Brasil primitivo, virgem e inexplorado, numa


região interior e selvagem de um país edênico, onde se localizam as tribos
Tocantins, Araguaia e Tapuia. Selvagem, hostil ou acolhedora, ela representa o
espaço ainda inalcançado pelo homem branco, por se tratar de um romance
pré-cabralino.

A história de Ubirajara, o senhor da lança, é narrada no período pré-colonial, ainda


pouco comentado na historiografia da formação do país, na região do Rio Tocantins,
em meio às mata e rios da Mata Atlântica. Além de apresentar um retrato da fauna,
flora e das paisagens do Brasil da época, a história retrata a realidade indígena
brasileira antes da colonização de forma a desempenhar um papel fundamental na
construção da narrativa e na representação do contexto histórico e cultural no Brasil,
evidenciando a relação estabelecida entre os personagens e o espaço que os cerca.

Segundo Bosi, Alencar utiliza os elementos da natureza em todas as suas obras


para dar vida aos personagens para atingir um objetivo: construir um ideal de
originalidade brasileira e retomar a origens da nação, nesse caso, representadas
pela figura do índio.

“Para dar forma ao herói, Alencar não via meio mais eficaz
do que amalgamá-lo à vida da natureza. É a conaturalidade
que o encanta: desde as linhas do perfil até os gestos que
definem um caráter, tudo emerge do mesmo fundo incônscio
e selvagem, que é a própria matriz dos valores românticos..”
(BOSI. 2006)

Nesse sentido, a ambientação da trama apresenta paisagens, a vastidão das


florestas, animais, rios e as aldeias indígenas como elementos essenciais e cheios
de significados.

“O bramido rolou pela amplidão da mata e foi morrer longe


nas cavernas da montanha. Respondeu o ronco da sucuri na
madre do rio e o urro do tigre escondido na furna; mas outro
grito de guerra não acudiu ao desafio do caçador.” (pag 4 )

Esses elementos naturais, além de refletir a grandiosidade e a beleza do território


brasileiro da forma que são expostos na história, evidenciam através da linguagem
usada pelo autor, a vontade de conferir um caráter místico e intocável ao espaço,
sempre evidenciando o caráter puro da terra não “descoberta”. Infere-se então,
baseando-se nos posicionamentos do próprio autor, que há uma tentativa de
demonstrar como as terras brasileiras eram mais belas quando não tinham sido
tocadas pelo homem branco.

“Pela faixa cor de ouro, tecida das penas do tucano, Jaguarê


conheceu que era uma filha da valente nação dos tocantins,
senhora do grande rio, cujas margens ele pisava.” (pag 4)

Neste trecho, por exemplo, é possível perceber um belo simbolismo. No momento


em que Jaguarê avista Araci às margens do rio que separava os dois, é possível
interpretar o rio como um divisor de territórios. Para além disso, o rio representa
simbolicamente e espacialmente o conflito entre as tribos, mostrando explicitamente
como o espaço interage com a narrativa. Portanto, ele desempenha um papel
fundamental na narrativa, não apenas como cenário físico, mas como um elemento
simbólico que reflete as emoções, os conflitos e as transformações dos
personagens ao longo da trama.

Ademais, o espaço simbólico na obra revela o conflito interno vivido pelo


protagonista, Ubirajara. Ele é um jovem guerreiro indígena que se vê dividido entre
a tradição de seu povo e o amor proibido por Araci, uma jovem da tribo inimiga.
Esse conflito é representado por meio da fronteira geográfica entre as tribos, como
já citado, que simboliza as barreiras impostas pelos costumes. A jornada de
Ubirajara pelo espaço físico reflete sua jornada emocional e espiritual, em busca de
uma reconciliação interna, a busca por identidade e a superação das diferenças
culturais.

Ao mesmo tempo, a presença dessas paisagens também revela a conexão


profunda que os personagens indígenas têm com a natureza, sendo parte integrante
de sua identidade cultural.

“Não, filha do sol; Jaguarê não deixou a taba de seus pais


onde Jandira lhe guarda o seio de esposa, para ser escravo
da virgem. Ele vem combater e ganhar um nome de guerra
que encha de orgulho a sua nação.” (pag 5)

Em paralelo a isso Alencar evidencia a todo momento a idoneidade do povo


indígena. Mesmo com a retratação dos indígenas como pessoas “selvagens” que
guerreavam entre si, há também a forte presença de princípios éticos, como
demonstrado no trecho supracitado, em que Jaguarê expõe para Araci sua
preferência em ser orgulho da sua nação, numa clara demonstração de lealdade a
seu povo.

Além disso, o espaço físico na obra também funciona como uma representação do
espaço social. As aldeias indígenas são retratadas como comunidades coletivas,
onde a vida é regida por princípios e rituais próprios.

“No fundo da ocara, preside o conselho dos anciões, que


decide da paz ou da guerra e governa a valente nação.”
(pag. 09 )

O trecho reflete a organização social, os papéis de liderança e a estrutura


hierárquica refletidos no modo como as aldeias são concebidas e habitadas pelos
personagens. A relação dos indígenas com seu espaço é de profundo respeito e
harmonia, em contraste com a presença invasora dos colonizadores europeus,
presentes nas obras anteriores (O Guarani e Iracema) que trazem consigo uma
mentalidade individualista e exploratória.

Além destes mecanismos que o autor usa para salientar a conexão dos
personagens com a natureza, a importância do papel do rio Tocantins naquele
espaço, entre outros, Alencar também utiliza elementos da flora e da fauna
brasileira para identificar a personagem Jandira. É perceptível o quão forte é a
relação desta personagem com as flores e com os animais. A todo momento em
que esta é citada em seguida as flores são apresentadas como característica da sua
personalidade com o objetivo evidenciar sua essência delicada e doce e os animais,
por sua vez, a representam como alguém forte e decidida, exatamente como a
personagem aparenta ser ao decorrer do livro ao tomar decisões e
posicionamentos.

“A mais bela e a mais nobre de todas as virgens araguaias,


aquela que se ergue como a palmeira no meio da campina
coberta de flores, é Jandira, a filha de Majé, que tem no seio
os doces favos da abelha.” (pag. 20)

Bosi afirma que há esta característica marcante na escrita de Alencar em relação às


personagens femininas, evidenciando a idealização exacerbada da mulher, sendo
esta uma figura bela, delicada e amável.
"Esses traços ideológicos, insistentes nos painéis coloniais e
nativos, como As Minas de Prata, O Guarani e Ubirajara,
afinam-se na prosa lírica de Iracema, obra-prima onde se
decantam os dons de um Alencar paisagista e pintor de
“perfis de mulher” firmes e claros na sua admirável
delicadez". (BOSI, 2006)

Em seu canto Jandira ressalta mais uma vez a sua relação com as flores e a
natureza, porém, neste ela aprofunda mais essa relação incluindo elementos da
fauna brasileira e fazendo essa comparação com flores e animais:

“Quando já estava muito longe, sentou à sombra de um


manacá coberto de flores e cantou

- Eu fui Jandira, a linda abelha, que fabricava os favos de


cera para enchê-los de mel saboroso.

Agora arrancaram-me as minhas asas com que eu voava


pela campina colhendo o pó das flores e secou a doçura de
meu sorriso. O canto que saía de meu seio era como o da
patativa ao pôr-do-sol, quando se recolhe em seu ninho de
paina macia.

Agora eu queria ter no coração uma serpente para morder


aquela que roubou-me o amor de meu guerreiro.

Guardei a minha formosura para orgulho do esposo, e inveja


dos outros guerreiros.

Agora eu trocaria a flor do meu rosto por um aspecto terrível


que infundisse pavor.

Meus seios mais lindos que os botões do cardo, por um


peito feroz, e as mãos ligeiras que tecem os fios do algodão
pelas garras do jaguar.

Eu fui Jandira, o manacá viçoso que se vestia de flores azuis


e brancas.

Agora sou como a juçara que perdeu a folha, e só tem


espinhos para ferir aqueles que se chegam.” (pag. 21)

Tendo em vista estes elementos expostos, é possível afirmar que o autor utiliza dos
elementos da natureza e da fauna para reforçar as características e a construção
dos seus personagens, fazendo o leitor perceber a importância destes detalhes
presentes na obra para o desenvolvimento do enredo e utilizando disto também
para exaltar as riquezas naturais presentes em seu país como forma de demonstrar
o início de uma época literária marcada pelo nacionalismo e pela independência de
seus colonizadores.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço na obra "Ubirajara" de José de Alencar desempenha um papel essencial


na construção da trama e dos personagens além de possuir diversos simbolismos
que contribuem para a criação de sentidos na obra, na tentativa de reforçar ideais
políticos e enfatizar a importância de conceber uma cultura propriamente brasileira.
Ao retratar as paisagens naturais, as aldeias indígenas e os espaços, Alencar cria
diversos simbolismos carregados de mensagens, proporcionando ao leitor uma
imersão profunda na cultura e nos conflitos dos personagens, revelando as múltiplas
dimensões presentes no cenário brasileiro. Através dessa abordagem, a obra nos
convida a refletir sobre a importância do espaço na formação das identidades
individuais e coletivas, bem como sobre as relações entre os seres humanos e o
ambiente que os cerca.
REFERÊNCIAS

ALENCAR, José de. Ubirajara. Domínio Público Digital. 1991. In


http://objdigital.bn.br/

DIMAS, Antônio. Espaço e romance. São Paulo: Editora Ática, 1987. p. 19-26.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo. Editora


Cultrix. 50ª edição. 2015.

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