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questões eleitorais II
O TRIUNFO DO BOLSONARISMO
Como os eleitores criaram o maior partido de extrema direita da história do país
JAIRO NICOLAU
Até o início do horário eleitoral, a visão dominante sobre as eleições de 2018 era a de que repetiria os padrões dos pleitos
anteriores. Nem PT nem PSDB acreditavam no fenômeno Bolsonaro LAERTE_2018
N
o sábado, véspera do primeiro turno das eleições, fui a uma festa de
família em Nova Friburgo, minha cidade natal. Durante o dia, no
inevitável passeio pela avenida principal da cidade, deu para
perceber os sinais de campanha presidencial, o que não tinha ocorrido em
nenhum momento no Rio de Janeiro: dezenas de cabos eleitorais
balançando bandeiras, muita gente vestindo a camisa amarela com a foto
de Bolsonaro estampada.
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Já faz alguns anos que não ligo a tevê para acompanhar a apuração.
Prefiro baixar o programa do TSE e abrir o site de um grande jornal,
navegando conforme as minhas escolhas. Esse ano, porém, como os
resultados demoravam a aparecer, resolvi seguir as previsões feitas pelas
pesquisas de boca de urna. À medida que os resultados eram divulgados
nos jornais televisivos e outros eram compartilhados via WhatsApp por
amigos que estudam eleições, mais estupefato eu ficava.
D
epois da perplexidade com os resultados de boca de urna do
primeiro turno divulgados pela televisão, voltei ao computador
para analisar os dados oficiais da apuração. Ao abrir os resultados
de deputado federal do Rio de Janeiro me dei conta que o sucesso de
Bolsonaro tinha transbordado para os cargos proporcionais.
Quem é esse Hélio Lopes que chegou em primeiro entre os candidatos a
deputado federal, elegendo-se com 345 mil votos, à frente de Marcelo
Freixo? Encontro na internet a foto de Lopes. Lembro que recebi um
santinho dele. Dias depois, me atualizo. Chamado por Bolsonaro de
“Hélio Negão”, ele é subtenente do Exército e tentou ser vereador em
Nova Iguaçu em 2016, quando recebeu 480 votos. Nas estatísticas não
será considerado como um político que tenta um cargo pela primeira vez.
Q
uando teria começado a ruína dos partidos e de parte da tradicional
elite política do país? Não são poucos os analistas que atribuem a
origem de tudo às manifestações que varreram o país em 2013. O
forte conteúdo antipolítica dos protestos teria ajudado a minar a
confiança da população no sistema representativo.
Além de pedir aos manifestantes que não usassem camisas com símbolos
partidários e promover a queima da bandeira dos partidos, os protestos
lançaram alguns bordões que expressam uma visão realmente negativa
da política. “Partidos não” e “Não me representa” eram palavras de
ordem reiteradas inúmeras vezes quando as pessoas se aproximavam da
Câmara Municipal ou da Assembleia Legislativa.
A
té o começo do horário eleitoral, a visão dominante dos cientistas
políticos sobre as eleições de 2018 era a de que repetiria os padrões
dos pleitos anteriores. Eles acreditavam que: a disputa pela
Presidência se daria novamente entre PT e PSDB; a renovação
parlamentar seria baixa; e o trio PSDB/PT/MDB continuaria dominando
a política brasileira.
F
ui mais cético que meus colegas de ofício sobre a possibilidade de
que a eleição de 2018 repetisse o padrão das eleições anteriores.
Minha desconfiança se devia a duas razões. A primeira, mais
genérica, pode ser resumida no sentimento de que, depois de três anos de
crise política, dificilmente as estruturas do sistema partidário não sairiam
abaladas. Lembro-me de uma conversa com a cientista política Maria
Hermínia Tavares de Almeida, que também compartilhava do meu
ceticismo, em que ela fez a pergunta definitiva: “Depois de tudo que
aconteceu nesses anos, as eleições não vão mudar nada?”
B
olsonaro saiu do nicho. Esse é o fenômeno mais impressionante da
campanha presidencial de 2018 e será o tema incontornável dos
estudos sobre o comportamento político no Brasil nos próximos
anos.
A campanha também foi invadida por uma onda de fake news. Assisti a
dezenas de vídeos, quase todos pró-Bolsonaro, com montagens toscas,
adulterações de fatos e estatísticas inventadas. A Justiça Eleitoral não se
preparou para lidar com o fenômeno. Diferentemente do que tinha feito
em outras eleições, quando controlava os desvios e agressões da
propaganda de rádio e televisão, nesse ano o silêncio foi a sua tônica.
Mas nem tudo foi fake news. Depoimentos e trechos de eventos foram
difundidos com eficácia pela campanha do PSL. Ouvi pastores e
lideranças empresariais pedirem voto para o Bolsonaro. Vi compararem
algumas propostas do candidato com as do PT. Acabo de assistir a um
vídeo em que um bispo finaliza a sua homilia repetindo, e sendo
efusivamente aplaudido pelos fiéis, o principal bordão da campanha
bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.”
E
mbora essa seja uma análise ainda inicial, minha sugestão é que o
pleito desse ano é um exemplo do que os cientistas políticos
chamam de “eleição crítica”: uma disputa que desestrutura o padrão
de competição partidária vigente.
A onda bolsonarista foi tão forte que, nos dias que se seguiram ao
primeiro turno, os prognósticos sobre o resultado do segundo turno
podiam ser resumidos em duas perguntas: Qual será a diferença a favor
do candidato do PSL? Será que ele superará o desempenho de Lula em
2002? (Nesse ano, o candidato do PT recebeu 61,3% dos votos válidos, a
maior votação já obtida por um candidato a presidente.) As pesquisas
publicadas na primeira semana após o segundo turno reforçaram a ideia
de vitória por grande margem. Na pesquisa do Datafolha, o deputado do
PSL vencia com 58% dos votos válidos; na pesquisa Ibope vencia com
59%.
E
screvo as linhas finais desse texto poucos minutos após a
confirmação de que Bolsonaro é o novo presidente do Brasil. Escuto
E
muitos gritos, panelas batidas e fogos para celebrar a vitória. O volume se
assemelha ao das manifestações contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
Numa eleição de tantas novidades cabe registrar mais essa. Pelo menos
no Rio de Janeiro, nunca tinha visto uma vitória eleitoral ser tão
celebrada.