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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A CONSTRUÇÃO DA GOVERNABILIDADE NO ESTADO


DO BRASIL: PERFIL SOCIAL, DINÂMICAS POLÍTICAS
E REDES GOVERNATIVAS DO GOVERNO-GERAL
(1642-1682)

Hugo André Flores Fernandes Araújo

2018
A CONSTRUÇÃO DA GOVERNABILIDADE NO ESTADO
DO BRASIL: PERFIL SOCIAL, DINÂMICAS POLÍTICAS
E REDES GOVERNATIVAS DO GOVERNO-GERAL
(1642-1682)

Hugo André Flores Fernandes Araújo

Tese de doutoramento apresentada ao Curso de Doutorado


do Programa de Pós-graduação em História Social do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em
História Social.
Linha de pesquisa: Sociedade e Política
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio.

Rio de Janeiro
Outubro de 2018

2
HUGO ANDRÉ FLORES FERNANDES ARAÚJO

A construção da governabilidade no Estado do Brasil: perfil social,


dinâmicas políticas e redes governativas do governo-geral (1642-1682)

Tese de doutoramento apresentada ao Curso de


Doutorado do Programa de Pós-graduação em
História Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de doutor em História
Social.

Apresentada em Outubro de 2018

BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio- Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
____________________________________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso
Universidade Federal do Rio de Janeiro
____________________________________________________________
Profª. Drª Mônica da Silva Ribeiro
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
____________________________________________________________
Profª. Drª. Maria Fernanda Baptista Bicalho
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________________
Prof. Dr.Fabiano Vilaça
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

3
CIP - Catalogação na Publicação

Araújo, Hugo André Flores Fernandes


A659c A construção da governabilidade no Estado do
Brasil: perfil social, dinâmicas políticas e redes
governativas do governo-geral (1642-1682) / Hugo
André Flores Fernandes Araújo. -- Rio de Janeiro,
2018.
349 f.

Orientador: Antônio Carlos Jucá de Sampaio.


Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós
Graduação em História Social, 2018.

1. Governo-geral do Estado do Brasil. 2.


Comunicação política. 3. Redes governativas. 4.
Perfil social. 5. Provimento de ofícios. I. Sampaio,
Antônio Carlos Jucá de, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com


os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

4
À memória de Francisco Cosentino.
Professor dedicado, mestre exigente e amigo saudoso.
Sem sua ajuda e apoio este trabalho não existiria.

5
RESUMO

Uma nova fase na governação das conquistas da monarquia pluricontinental


portuguesa se iniciou a partir da ascensão da dinastia dos Bragança. No Estado do Brasil
esse processo ganhou forma no reordenamento territorial das jurisdições, operado
através da emissão e alteração de regimentos do governo-geral e dos governadores das
capitanias de Pernambuco e Rio de Janeiro. Para compreender as a governação
analisamos especificamente as dinâmicas internas da ação política empreendida pelos
governadores-gerais do Estado do Brasil: comunicação política interna e provimento das
serventias de ofícios militares e de governo. Atentamos também para a importância de
recuperar o perfil social e as trajetórias dos governadores-gerais como elemento para
análise da atuação política e formação de redes sociais. Realizamos ainda um exercício
de reconstrução de uma rede governativa a partir do cruzamento de dados da
comunicação política do governo-geral e dos provimentos de serventias de ofícios, a fim
de identificar os membros e as formas de intervenção destas redes na governação do
Estado do Brasil.

Palavra – chave: governo-geral, comunicação política, redes governativas,


provimento de ofícios, trajetórias sociais

6
ABSTRACT

A new phase in the governance of the territories of the portuguese


pluricontinental monarchy began with the ascension of the Bragança dynasty. In the
State of Brazil this process has taken shape in the territorial reorganization of the
jurisdictions, operated through the issuance and modification of the regiments of the
general government and the governors of the captaincies of Pernambuco and Rio de
Janeiro. In order to understand the governance, we specifically analyze the internal
dynamics of the political action undertaken by the general-governors of the State of
Brazil: internal political communication and appointment of the military officers and
government officials. We also stress the importance of recovering the social profile and
the trajectories of the general-governors as an element for the analysis of political action
and the formation of social networks. We also carried out an exercise in the
reconstruction of a government network based on the cross-referencing of the data of
political communication of the general government and the appointment of officers, in
order to identify the members and the forms of intervention of theses networks in the
governance of the State of Brazil.

Keywords: general-government, political communication, government


networks, appointment of officers; social trajectories.

7
AGRADECIMENTOS

O encerramento dessa etapa da jornada foi possível a diversas pessoas que


contribuíram das mais variadas formas para a viabilidade e concretização deste meu
sonho. Primeiramente agradeço aos meus pais, Elvira e Marcelo, que com todo carinho,
paciência e compreensão me incentivaram a prosseguir durante esta etapa. Sou grato a
eles por tudo, sempre. Também agradeço à minha grande família: avós, tios, tias e
primos e primas que ajudaram a tornar essa experiência mais leve por proporcionarem
momentos felizes e tranqüilos em nossos encontros ao longo de todos esses anos.
Agradeço ao programa de fomento da CAPES pelos quatro anos de bolsa que
permitiram o desenvolvimento desse trabalho.
Sou grato ao programa de Pós-graduação em História Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro que acolheu o projeto de pesquisa e possibilitou a execução
do trabalho e a divulgação de seus resultados parciais com auxílio financeiro para
apresentação em eventos. Mais especificamente agradeço aos professores do programa
que possibilitaram o aprofundamento de diversas reflexões caras a esse trabalho, em
especial ao professor João Fragoso pela excelente disciplina ministrada no primeiro
semestre de 2014.
A Antônio Carlos Jucá de Sampaio sou imensamente grato por todo auxílio, pela
orientação atenciosa e precisa e pelos questionamentos instigantes. Todo seu apoio ao
trabalho foi fundamental, desde nosso primeiro contato ainda na qualificação de
mestrado. A disciplina ministrada no segundo semestre de 2014 foi essencial para o
amadurecimento metodológico da reflexão que desenvolvemos neste trabalho.
Agradeço a ele tanto a confiança no projeto, como a liberdade e o respeito com que me
tratou durante todo esse tempo.
O trabalho também se beneficiou muito dos espaços de diálogo promovido pelos
grupos de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos e Impérios Ibéricos no Antigo Regime
onde pude discutir o projeto e resultados parciais da pesquisa, em especial agradeço aos
professores Roberto Guedes, Carla Maria Carvalho Almeida, Tiago Gil, João Fragoso,
Marcello Loureiro, Fabiano Vilaça e Mônica da Silva Ribeiro pelas sugestões e
questionamentos apresentados em diversas ocasiões e eventos. Destaco a gentileza e
atenção do professor Fabiano Vilaça que aceitou participar do exame de qualificação,
contribuindo sobremaneira para o aprofundamento e aprimoramento do trabalho, além

8
de sua disponibilidade para digitalizar e compartilhar uma importante documentação
portuguesa.
Agradeço também as amigas de longa data, deste os tempos da UFV, Beatriz
Carvalho e Daniela Paiva pela colaboração na organização e condução de simpósios
temáticos e minicursos durante esse período. Sou igualmente grato aos colegas que fiz
no PPGHIS, com quem pude trocar idéias, experiências e informações importantes:
Murillo Dias Winter, Felipe Damasceno, Thiago Groh e Lucas Carvalho Pereira.
Devo agradecer também aos funcionários da Biblioteca Nacional e do Arquivo
Histórico Municipal de Salvador que prontamente me receberam e atenderam com toda
a diligência durante o período de pesquisa.
Durante todo o percurso desse trabalho pude contar com a companhia e o amor
incondicional de Quelen Ingrid Lopes, a quem sou imensamente grato por toda a
paciência, zelo, dedicação e ajuda. Seu amor é o meu norte e seus braços são o meu
porto seguro. Tive a sorte de poder contar com a sua experiência de pesquisadora
habilidosa e suas opiniões precisas foram fundamentais para ajudar a sanar problemas
práticos desse trabalho. Juntos desde Juiz de Fora até Jundiaí, e para onde mais o futuro
nos levar.
Esse trabalho possuí uma dívida de gratidão imensa com Francisco Cosentino e
que infelizmente jamais poderá ser saldada. Toda a interlocução e apoio que recebi do
professor Francisdo desde o início da minha trajetória de pesquisa em 2008, estão
impressos nas páginas desse trabalho, em reflexões que foram construídas em diálogo
direto com a sua obra. Francisco sempre disponibilizou fontes, bibliografia, sugestões e
o seu tempo para ler e ajudar a construir esse trabalho. Os revezes da vida não
permitiram que ele visse a conclusão desse trabalho que ele ajudou a construir. A nós
restam as saudades de um amigo precioso e de um mestre insubistituível.

9
Sumário
Lista de Gráficos ........................................................................................................................................... 12
Lista de Tabelas ............................................................................................................................................ 13
Lista de Mapas .............................................................................................................................................. 15
Lista de Grafos .............................................................................................................................................. 16
Abreviaturas .................................................................................................................................................. 17
Introdução ......................................................................................................................................................... 18
Capítulo 1 - Os braços do Rei na América: origens familiares, trajetória de serviços e acrescentamento social
dos governadores-gerais do Estado do Brasil (Século XVII) ............................................................................. 26
1- A historiografia sobre o perfil dos governadores-gerais .......................................................................... 26
2- Origens familiares e estratégias matrimoniais: ........................................................................................ 33
3- Nobilitação e distinção social: ................................................................................................................. 38
4 - Os serviços no Reino: .............................................................................................................................. 43
5- Os serviços no Ultramar .......................................................................................................................... 50
6- Perpetuação da memória: ........................................................................................................................ 55
7 - Considerações finais: ............................................................................................................................... 63
Capítulo 2 – Reordenando os poderes, definindo as jurisdições: o aprimoramento da governabilidade no
Estado do Brasil na segunda metade do século XVII .................................................................................... 65
1. Regimentos: poderes e jurisdições do governo-geral .............................................................................. 68
1.1. Comparando os regimentos ........................................................................................................... 73
1.2. O desenvolvimento das instruções: definição e detalhamento ....................................................... 75
1.3. Contextos e experiências: transformações nos regimentos ............................................................ 78
2. A organização territorial dos poderes e das jurisdições: o governo-geral do Estado do Brasil na
segunda metade do século XVII ................................................................................................................... 83
2.1. “os governos de províncias largas são de grande inconveniente”: a organização territorial
das jurisdições ...................................................................................................................................... 85
2.2. O provimento de ofícios e a definição das jurisdições entre o governo-geral e as capitanias
de Pernambuco e Rio de Janeiro ........................................................................................................... 94
3. Considerações finais .............................................................................................................................. 109
Capítulo 3 - A comunicação política no Estado do Brasil: circuitos, interlocutores e temas da
correspondência do governo-geral (1642-1682) ........................................................................................... 115
1. Considerações sobre o corpus documental.............................................................................................. 116
1.1. Aspectos gerais dos dados: participação dos governos e médias anuais ..................................... 120
2. Os circuitos de comunicação: caminhos e destinatários ........................................................................ 124
2.1. Intervalos de tempo na comunicação política: ............................................................................. 133
2.2. A comunicação política com as capitanias: ................................................................................. 136
2.2.1. A capitania da Bahia e suas anexas: ......................................................................................... 138
2.2.2. Pernambuco e as capitanias do Norte: ...................................................................................... 143
2.2.3. Rio de Janeiro e as capitanias do Sul: ....................................................................................... 151

10
2.3 – Ofícios e ocupações dos destinatários ....................................................................................... 158
3. Questões de governo: os assuntos e o cotidiano da governação nas correspondências ......................... 163
3.1. Topologias específicas da Governação: ..................................................................................... 164
3.2. Tipologias específicas de Fazenda: ............................................................................................. 166
3.3. Tipologias específicas de Milícia: ............................................................................................... 170
3.4. Tipologias específicas de Justiça: ............................................................................................... 172
3.5. Tipologias especificas de Outros: ............................................................................................... 175
4. Considerações finais ............................................................................................................................... 177
Capítulo 4 – O governo-geral e as dinâmicas do provimento das serventias dos ofícios militares e de
governo (1642-1682) ....................................................................................................................................... 180
1. O provimento das serventias: aspectos gerais ....................................................................................... 184
1.1. Aspectos quantitativos dos dados: ............................................................................................... 189
2. Os tipos de ofícios providos: ................................................................................................................... 194
2.1. Tropa paga: .................................................................................................................................. 195
2.2. Ordenança: ................................................................................................................................... 204
2.3 – Auxiliares: ................................................................................................................................. 214
2.4. Oficiais de governo:..................................................................................................................... 217
2.5. Indígenas ..................................................................................................................................... 226
2.6. Pretos e pardos:............................................................................................................................ 231
2.7. Fortificação: ................................................................................................................................. 239
2.8. Artilharia: .................................................................................................................................... 251
2.9. Expedição: ................................................................................................................................... 258
3. O provimento de ofícios e a governação: interesses, estratégias e políticas. .......................................... 276
4. Considerações finais: .............................................................................................................................. 284
Capítulo 5 – A rede governativa do Conde de Óbidos: comunicação política, provimento de ofícios e
negócios no Estado do Brasil (1663-1667)..................................................................................................... 287
1. Aspectos quantitativos do governo do Conde de Óbidos: ..................................................................... 290
2. Rio de Janeiro ........................................................................................................................................ 293
3. São Vicente ........................................................................................................................................... 300
4. Pernambuco ........................................................................................................................................... 302
5. Bahia ..................................................................................................................................................... 313
6. Conclusão .............................................................................................................................................. 323
Conclusão ........................................................................................................................................................ 327
Fontes e obras de referência: ......................................................................................................................... 330
Bibliografia: .................................................................................................................................................... 335

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Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Quantidade de Cartas por Ano (1642-1682) .............................................. 123


Gráfico 2 - Quantidade de cartas enviadas por mês (1642-1682) ................................ 128
Gráfico 3- Quantidade de Cartas por Capitania (1642-1682)....................................... 137
Gráfico 4 - Tipologias gerais dos assuntos (1642-1682) .............................................. 163
Gráfico 5 - Tipologias específicas: Governação........................................................... 164
Gráfico 6 - Tipologias específicas: Fazenda................................................................. 166
Gráfico 7 - Tipologias específicas: Milícia .................................................................. 170
Gráfico 8 - Tipologias específicas: Justiça ................................................................... 172
Gráfico 9 - Tipologias específicas: Outros ................................................................... 175
Gráfico 10 - Tipos documentais dos provimentos (1642-1682) ................................... 189
Gráfico 11- Quantidade de provimentos por ano (1642-1682) .................................... 192
Gráfico 12 - Quantidade dos tipos de ofício providos (1642-1682) ............................. 195
Gráfico 13 - Relação anual de cartas e provimentos militares do Conde de Óbidos
(1663-1667) .................................................................................................................. 290

12
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Ofícios e distinções honoríficas dos familiares dos governadores-gerais e de
suas esposas .................................................................................................................... 35
Tabela 2 - Características dos títulos nobiliárquicos dos governadores-gerais .............. 40
Tabela 3 - Serviços, patentes e ofícios exercidos no Reino............................................ 47
Tabela 4 - Serviços exercidos no Ultramar .................................................................... 52
Tabela 5 - Regimentos-modelo e governadores-gerais que os receberam (séculos XVI e
XVII) .............................................................................................................................. 72
Tabela 6 - Hierarquia e divisão dos governos militares na América Portuguesa (1654) 87
Tabela 7 - Tempo de provimento para os ofícios de Justiça, Fazenda e Ordenanças
(1663-1679) .................................................................................................................... 99
Tabela 8 - Relação entre cartas enviadas e meses de governo ..................................... 121
Tabela 9 - Capitanias que foram destinatárias em todos os meses ............................... 131
Tabela 10 - Tempo aproximado de viagens na costa do Estado do Brasil ................... 135
Tabela 11 - Tipos de cargos dos destinatários e quantidade de cartas enviadas (1642-
1682) ............................................................................................................................. 159
Tabela 12 - Relação entre provimentos e meses de governo ........................................ 190
Tabela 13 - Quantidade de provimentos por capitania (1642-1682) ............................ 193
Tabela 14 - Número de patentes de Tropa paga por capitania 1642-1682 .................. 197
Tabela 15 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes na Tropa Paga 198
Tabela 16 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Tropa paga ............. 200
Tabela 17 - Soldos dos oficiais da Tropa paga ............................................................ 202
Tabela 18- Número de patentes de Ordenança por capitania 1642-1682 .................... 208
Tabela 19 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes na Ordenança . 209
Tabela 20 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Ordenança .............. 210
Tabela 21 - Número de patente de auxiliares por capitania. ........................................ 216
Tabela 22 - Número de patentes de governo por capitania. ......................................... 219
Tabela 23 - Relação entre tipos de patentes de governo e capitanias. .......................... 221
Tabela 24 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes nos ofícios de
Governo ........................................................................................................................ 222
Tabela 25 - Comparação dos soldos dos oficiais de governo ....................................... 225
Tabela 26 - Número de patentes de Indígenas por capitania ........................................ 228
Tabela 27 - Número de patentes de Pretos e pardos por capitania ............................... 235

13
Tabela 28 - Relação das patentes e tipos de tropas....................................................... 237
Tabela 29 - Número de patentes de Fortificação por capitania .................................... 242
Tabela 30 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Fortificação 242
Tabela 31 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Fortificação ............ 244
Tabela 32 - Soldos dos oficiais de Fortificação ........................................................... 249
Tabela 33 - Fortificações com diretos a “proes e percalços” ....................................... 250
Tabela 34 - Número de patentes de Artilharia por capitania ....................................... 253
Tabela 35 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Artilharia ... 255
Tabela 36 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Artilharia ................ 256
Tabela 37 - Soldos dos oficiais de Artilharia ............................................................... 257
Tabela 38 - Expedições ofensivas contra indígenas ..................................................... 262
Tabela 39 - Expedições ofensivas contra Mocambos ................................................... 265
Tabela 40 - Expedições não ofensivas .......................................................................... 268
Tabela 41 - Expedições navais ..................................................................................... 272
Tabela 42 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Expedições
Navais ........................................................................................................................... 274
Tabela 43 - Tempo médio de serviço nas principais patentes de Expedições Navais .. 274
Tabela 44 - Soldos dos oficiais de Expedições Navais................................................. 275
Tabela 45 - Distribuição dos soldados dos terços de Salvador (1654) ......................... 278
Tabela 46 - Quantidade de provimentos por localidade do Recôncavo (1642-1682) .. 282
Tabela 47 - Dispersão geográfica da correspondência e dos provimentos militares
(1663-1667) .................................................................................................................. 291

14
Lista de Mapas
Mapa 1 - Divisão dos soldados dos terço em 1654 ................................................................... 279

15
Lista de Grafos
Grafo 1 - A rede governativa do Conde de Óbidos no Estado do Brasil (1663-1667)............. 325

16
Abreviaturas

AN-RJ (Arquivo Nacional / Rio de Janeiro)


AHU (Arquivo Histórico Ultramarino)
APEB-SC. (Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção Colonial)
BNRJ-SM (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – Seção de Manuscritos)
DH-AMS (Documentos Históricos do Arquivo Municipal de Salvador)
DHBN (Documentos Históricos da Biblioteca Nacional)
IAN/TT (Instituto dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo)
MACC (RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda Gomes da. (eds.) Os
Manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil)
RGCSP (Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo)
RIAHGP (Revista do Instituto Archeologico e Geographico de Pernambuco)

17
Introdução

Este trabalho se propõe a analisar alguns aspectos das dinâmicas de governação


no Estado do Brasil durante o século XVII, especificamente os temas associados à
gestão política interna a partir das ações dos governadores-gerais que ocuparam o posto
entre 1642 e 1682. Os marcos cronológicos foram definidos da seguinte maneira:
iniciamos o estudo a partir da nomeação do primeiro governador-geral do Estado do
Brasil por D. João IV, dando início a uma nova fase de governação na América
portuguesa, na qual observamos as práticas e transformações ocorridas na organização
política do Estado do Brasil até o final do governo de Roque das Costa Barreto (1678-
1682), governador-geral que recebeu o último modelo de regimento, sendo que este foi
um instrumento normativo de grande vigor, tendo sido utilizado pelos governadores e
vice-reis do Brasil até o início do século XIX. Buscamos recuperar as dinâmicas de
governo que foram estabelecidas com as mais diversas capitanias do Estado do Brasil, a
fim de identificar e caracterizar a natureza dessas relações e a forma de organização
política da hierarquia da governação.
Antes, contudo, é preciso indicar que as reflexões que apresentaremos foram
gestadas por cerca de dez anos. Certamente que o maior amadurecimento das questões e
o trabalho empírico foi produto da pesquisa efetuada nos últimos quatro anos, entretanto
algumas perguntas e inquietações já nos acompanhavam de tempos anteriores. Se
tivermos que definir um ponto de partida para este trabalho o mais apropriado seria
considerar o momento de ingresso no grupo de estudos Impérios Ibéricos de Antigo
Regime (UFV)1 e o desenvolvimento de atividades como bolsista da FAPEMIG2,
realizando atividades sob coordenação e orientação do estimado e saudoso professor
Francisco Cosentino.
Nesse momento inicial da caminhada acadêmica tomei contato com as fontes, a
temática e a bibliografia, mas a experiência mais marcante e fundamental foi tomar
contato com o debate historiográfico que estava em pleno desenvolvimento desde o
inicio dos anos 2000. Durante esse período tive a oportunidade de colaborar com o

1
“Impérios Ibéricos no Antigo Regime: política, sociedade e cultura (Núcleo de Estudo e Pesquisa)”.
Grupo de pesquisa certificado pelo CNPq.
2
“Governação e carreiras no Estado do Brasil na segunda metade do século XVII: os governadores
gerais”. Edital Universal FAPEMIG (APQ-01162-08), 2008-2010.
voluntariamente com projeto internacional “A Monarquia e seus Idiomas” 3
que se
dedicou a investigar os fenômenos que permeavam a comunicação política ultramarina
no Império Português. Os resultados desse esforço coletivo estão corporificados hoje
em um livro recentemente editado4, e que por sua originalidade e fôlego deve ditar
tendências e influenciar novas pesquisas, seja pelas questões e caminhos apontados, seja
pelo imenso potencial analítico e explicativo que o trabalho revelou. A experiência de
trabalho em um projeto dessa magnitude, bem como o contato com as fontes do
Arquivo Histórico Ultramarino trouxeram um grande aprendizado, que consolidou e
aprofundou o interesse pelos temas relacionados especificamente às dimensões da
governação na monarquia pluricontinental portuguesa, e isto influiu diretamente nas
questões que investigamos nos Capítulo 3 e Capítulo 4.
Durante o mestrado tive a oportunidade de investigar outras indagações que
haviam surgido durante esse período, me concentrando principalmente na atuação do
governo-geral durante a fase final da guerra contra os holandeses no Estado do Brasil.
Busquei indicar como a atuação dos governadores-gerais foi decisiva em diversos
momentos do conflito e como isso foi minimizado diante da narrativa dos luso-
brasileiros de Pernambuco que reivindicavam para si os louros pela empreitada bem
sucedida. Através de um exame do cotidiano da governação pude perceber como o
governo-geral atuava de modo direto e indireto para apoiar e favorecer o esforço da
insurreição que levou a derradeira capitulação dos holandeses5. Ao fim da pesquisa
estava convencido que para compreender com mais profundidades os mecanismos da
governação deveria ampliar o recorte temporal analisando e lançando mão de métodos
quantitativos, a fim de transcender as questões particulares de cada governo, fortemente
influenciadas pelo contexto dinâmico do século XVII, buscando encontrar
denominadores comuns que auxiliassem a compreender o núcleo de práticas que
definiam as atividades dos governadores-gerais. Foi com essa inquietação inicial que a
presente pesquisa começou a tomar forma.

3
“A Monarquia e seus Idiomas: corte, governos ultramarinos, negociantes, régulos e escravos no mundo
português (sécs. XVI-XIX)”. CAPES/GRICES/FCT. Atuei como bolsista do projeto entre 2008 e 2009. O
projeto desenvolvido no Brasil pelo Grupo de Pesquisa Antigo Regime nos Trópicos (ART-UFRJ) e em
Portugal pelo Instituto de Ciências Sociais. (ICS-UL).
4
FRAGOSO, João & MONTEIRO, Nuno (Orgs). Um reino e suas repúblicas no Atlântico:
Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2017.
5
ARAÚJO, Hugo André F. F. A governação em tempo de guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a
gestão da defesa (1642-1654). Dissertação (Mestrado em História Social). Juiz de Fora: UFJF, 2014
19
Nesse sentido, as disciplinas cursadas no primeiro ano do Doutorado foram
essenciais para a definição e desenvolvimento da metodologia de análise empregada na
6
maior parte do trabalho. As disciplinas ministradas pelos professores João Fragoso e
Antônio Carlos Jucá de Sampaio7 foram fundamentais para a estruturação da
metodologia de trabalho quantitativa, uma vez que buscamos incorporar métodos e
questões próprios da história social e da microanálise para compreender fenômenos
marcadamente políticos. Em outro sentido, ambas as disciplinas forneceram reflexões e
instrumental analítico fundamental para o exame das escolhas que os governadores-
gerais efetuavam tanto na tomada de decisões no governo, quanto na construção de
alianças e redes durante suas trajetórias de serviços.
Por tudo isso, ao longo de nossa formação acadêmica, tomamos contato com as
discussões e os debates da historiografia sobre a história política da América
Portuguesa, nas quais nos deparamos com algumas posições e percepções sobre a
organização da administração que ao nosso ver são incompatíveis com grande parte da
análise que apresentamos neste trabalho. Algumas explicações foram exaustivamente
utilizadas e se tornaram lugar comum, não sendo submetidas ao crivo da verificação
empírica, tal como a percepção da administração colonial como ineficiente, inerte e
corrupta8. Em contraposição poderíamos questionar: como (e se seria possível) avaliar a
eficiência da gestão política de sociedades de Antigo Regime sem efetivamente realizar
um estudo das dinâmicas de governo? Ainda poderíamos indagar: sobre o que seria (e
se existiria) eficiência administrativa durante esse período histórico? Além disso, seria
necessário matizar se a nossa compreensão contemporânea acerca das práticas de
corrupção seriam as mesmas que àquelas sociedades utilizavam. E por fim, seria muito
produtivo para a discussão transcender o binômio organização/desorganização quando
tratamos da governação no Estado do Brasil, uma vez que a idéia traz consigo uma
comparação implícita e inapropriada. Deste modo quando se define a administração na
América portuguesa como confusa e ineficiente estamos incorrendo em dois erros

6
Leituras sobre Nobreza e elites rurais nas sociedades de Antigo Regime: Europa e suas conquistas
americanas (séculos XV e XVIII). Disciplina ofertada no PPGHIS/UFRJ no primeiro semestre de 2014.
7
Questões de escalas: o macro e o micro na análise histórica. Disciplina ofertada no PPGHIS/UFRJ no
segundo semestre de 2014.
8
O questionamento aqui proposto é endereçado a uma percepção sugerida por Russel-Wood e a outros
trabalhos que fazem a mesma leitura das práticas políticas da América portuguesa sem diretamente
realizar reflexões profundas e que tenham a capacidade de transcender os episódios pitorescos e
compreender de modo mais detido o cotidiano e a organização da governação: Cf. RUSSELL-WOOD, A.
J. R. “The Portuguese Atlantic, 1415-1808.” In: GREENE, Jack P.; MORGAN, Philip D. (Eds.) Atlantic
History: A critical Appraisal. New York: Oxford University Press, 2009.
20
graves: 1) comparar o sistema político e o seu funcionamento com outros sistemas tidos
como eficientes, uma transposição de escala que invisibiliza as características
particulares que definam o estilo da governação 9; 2) ignorar a cultura política e a
sociedade que produziu a configuração desse sistema de governo, uma vez que este era
profundamente enraizado na ordem estamental corporativa, organizado em um modelo
polissinodal de decisão e sua operacionalização era marcadamente jurisdicional10.
Podemos agregar a essa crítica a relutância de alguns historiadores em
reconhecer o caráter partilhado do poder e a multiplicidade de formas de poder nestas
sociedades, o que promove um contínuo esforço de tentar negar o caráter negociado de
várias relações de poder, esforço improdutivo e vicioso tal qual Sísifo empurrando sua
rocha montanha acima11.
Como o encadeamento dos questionamentos deixa entrever, discordamos
frontalmente dessas percepções, sobretudo por sua origem ensaística e seu grande
potencial teleológico, afinal o senso comum (por vezes trajando vestes acadêmicas) não
se furtou de voltar ao descobrimento do Brasil e a colonização portuguesa como
explicação e origens de todos os problemas contemporâneos associados a política e a
corrupção na esfera pública brasileira12. Antes (e ao invés) de construir modelos
explicativos que não abarcam contradições, devemos nos questionar sobre a forma e a
dinâmica da governação na América portuguesa. Hoje já conhecemos um pouco mais

9
Para um exemplo deste tipo de elaboração comparativa, e absolutamente incoerente, veja-se a tentativa
(confusa) de mapear os debates historiográficos acerca da organização e funcionamento dos impérios
ultramarinos. Cf. ARRUDA, José Jobson de Andrade. “Imperios coloniales del Atlántico Sur e iberismo”.
Revista de Estudios Brasileños. Vol. 2, n° 2, primeiro semestre de 2015. p. 11-20.
10
Neste ponto, a reflexão apresentada por Francisco Cosentino continua sendo uma das melhores
elaborações acerca das características corporativas, polissinodais e jurisdicionais que davam forma a
monarquia pluricontinental portuguesa. Cf. COSENTINO, Francisco Carlos. “Monarquia pluricontinental,
o governo sinodal e os governadores gerais do Estado do Brasil”. In: GUEDES, Roberto. (Org.) Dinâmica
Imperial do Antigo Regime Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2011.
11
A rejeição ao caráter negociado do poder nessas sociedades é claramente manifestada por Puntoni em
seu último livro. Para o autor seria inviável sequer aventar a hipótese da construção de consenso e do
estabelecimento de práticas de negociação, pois em última medida as populações indígenas e africanas
que se encontravam no Estado do Brasil seriam apenas alvo de exploração e subjugação. Para sustentar
sua percepção o autor convenientemente ignora os resultados e avanços que parte da historiografia têm
apresentado acerca das dinâmicas de incorporação e construção de alianças, ignorando também a
capacidade de agência e de desenvolvimento de estratégias desses atores sociais. Cf. PUNTONI, Pedro. O
estado do Brasil. Poder e política na Bahia colonial. 1548-1700. p. 23-24.
12
A crítica aqui é endereçada não apenas ao clássico de Raimundo Faoro, mas principalmente a produção
posterior que aplicou indistintamente as proposições do autor, sem se valer de exames empíricos
profundos, a fim de corroborar percepções esquemáticas que destoam diametralmente da compreensão
que diversos trabalhos têm construído ao longo da última década, sobretudo através do resgate e da
compreensão das práticas políticas no contexto em que estavam inseridas. Cf. FAORO, Raymundo. Os
Donos do Poder. Vol. I. 10ª ed. São Paulo: Globo, 1996.
21
sobre as elites locais e os grupos reinóis que dominaram politicamente os diversos
espaços da governação13, mas o mesmo não verifica acerca de nossa compreensão sobre
o cotidiano da governação, esta percepção ainda é muito insuficiente e carece de
diversos trabalhos de sólida empiria.
Feitas essas considerações, passaremos a apresentação da estrutura do trabalho.
Optamos por organizar o trabalho em cinco capítulos que dialogam entre si em níveis
diferentes. Buscamos destacar estas conexões e diálogos em diversos momentos do
texto a fim de ressaltar que a divisão temática dos capítulos é meramente um artifício
analítico, uma vez que no cotidiano da governação diversas dessas questões se
sobrepunham de modo complementar e dinâmico.
No primeiro capítulo apresentamos os governadores-gerais que foram objeto de
nossa análise. A fim de caracterizar o grupo indicamos a importância social e política
destes vassalos em diversos níveis: desde suas origens sociais até as estratégias
matrimoniais. Da mesma forma buscamos caracterizar e ressaltar a importância das
trajetórias imperiais de serviço, destacando diversos pontos em comum entre esses
fidalgos, e da mesma forma buscamos ressaltar as especificidades para demonstrar as
variações de percurso existentes. Para conduzir a análise partimos de uma análise sobre
os principais trabalhos que trataram das trajetórias dos governadores-gerais nas duas
últimas décadas. Deste modo, a fim de destacar a importância e a pertinência desse tema
em uma pesquisa que também explore as atividades de governo, destacamos como as
trajetórias de serviços nos permitem compreender com mais proximidade não apenas as
ações adotadas à frente do governo, mas também nos possibilitam encontrar vínculos e
relações que poderiam ser operados como redes sociais nos vários espaços em que estes
fidalgos atuavam.
O segundo capítulo é uma das pedras fundamentais do trabalho. Nele
exploraremos um processo que denominamos de ordenamento territorial das
jurisdições, processo este que visava definir os espaços de atuação entre os governos
das capitanias e o governo-geral, ressaltando como as várias hierarquias sobrepostas de
governo operavam. Para desenvolver essa percepção verticalizamos a análise dos
regimentos que os governadores-gerais receberam durante este período, a fim de
destacar como o progressivo detalhamento das instruções de governo estava associado

13
Referimo-nos aqui ao conjunto de trabalhos que surgiram nas duas últimas décadas, não só aqueles que
tratam do perfil dos governadores-gerais e capitães-mores, mas também aqueles que analisam as elites
camarárias, os oficiais de justiça e fazenda, os comerciantes, as elites eclesiásticas e etc.
22
às alterações textuais motivadas a partir de discussões que ocorriam nos conselhos
superiores da monarquia. A partir da reconstrução desse processo foi possível perceber
um lento processo de concessão de poderes territoriais aos governos das Capitanias de
Pernambuco e Rio de Janeiro, o que paulatinamente transformou (ou reconheceu) essas
capitanias como pólos regionais de poder e de governo das capitanias anexas e
subordinadas que as circundavam. Destacamos especificamente as alterações e as
mudanças que ocorreram nas instruções relativas ao provimento de serventias, uma vez
que este campo de atuação do governo-geral era um dos principais focos de tensão e
conflitos de jurisdição. Para dimensionar melhor a importância desta prática no quadro
da governação exploramos a dinâmica de provimentos de serventias militares e de
governo no capítulo 4, como indicaremos adiante.
O cerne do trabalho empírico que realizamos está concentrado no capítulo 3, no
qual analisamos a dinâmica interna da comunicação política do governo-geral com as
diversas capitanias da América portuguesa e os mais variados tipos de oficiais que nelas
atuavam. Este capítulo apresenta o percurso metodológico realizado a fim de levantar
questões e sugerir um roteiro inicial para outros trabalhos que busquem investigar
questões semelhantes. Deste modo, buscamos refletir sobre as possibilidades e os
limites que uma análise quantitativa da governação nos oferece. A percepção da relação
entre tendências, interlocutores, localidades e assuntos reforçam a validade dessa opção
analítica e apontam um campo de análise promissor e pouco visitado: a dinâmica interna
da troca de correspondências. O fio condutor do capítulo foi motivado por um
questionamento feito por John Elliott14 e endereçado à parte dos estudos da Atlantic
History, que na visão do autor se preocupavam excessivamente em demonstrar as
conexões que uniam os territórios dispersos do Atlântico, sem contudo atentar para
como os fatores internos dessas áreas concorriam para o estabelecimento e a
conformação desses vínculos. Desta forma, nos propusemos a identificar e caracterizar a
dinâmica de comunicação política do governo-geral no interior do Estado do Brasil,
observando como se estruturavam as relações de poder, a formação de políticas e a
circulação de informações. De modo complementar, essa opção analítica visa
estabelecer um diálogo e sugerir novas questões para os estudos que se dedicavam ao
exame da comunicação política ultramarina, como aqueles apresentados no livro Um

Cf. GREENE, Jack P.; MORGAN, Philip D. “Introduction: The presente state of Atlantic History.” In:
14

GREENE, Jack P.; MORGAN, Philip D. (Eds.) Atlantic History: A critical appraisal. New York: Oxford
University Press, 2009. p. 6-7
23
reino e suas repúblicas no Atlântico. Além disso, através da análise dessa dinâmica de
comunicação política foi possível identificar parte da rede governativa que analisamos
no Capítulo 5.
Em nosso quarto capítulo exploramos detidamente as dinâmicas de provimento
de serventia dos ofícios militares e de governo. Organizamos a análise quantitativa em
uma estrutura semelhante aquela que efetuamos no Capítulo 3, porém verticalizamos a
especificação e as particularidades dos tipos de ofícios providos. Essa opção difere, por
exemplo, de outros estudos que analisam os provimentos como parte integrante do fluxo
de comunicação política, enquadrando e classificando esses tipos documentais como
“mercês” ou “administração de ofícios”. Nesta pesquisa optamos por desmembrar esses
dados e explorarmos em suas especificidades. Assim, destacamos a multiplicidade de
ofícios bem como as funções atribuídas a cada tipo a fim de recuperar a dimensão de
intervenção do governo-geral em níveis distintos da hierarquia de ofícios, bem como no
provimento de oficiais dos mais variados estatutos sociais e jurídicos. As dinâmicas
observadas nesse capítulo também forneceram dados que complementaram a análise da
rede governativa do conde de Óbidos, apresentada no Capítulo 5. De modo
complementar, analisamos a distribuição geográfica dos diversos tipos de tropas
militares pelo recôncavo de Salvador, buscando apontar a relação entre as funções de
cada tropa e as regiões e localidades aonde foram alocadas, o que nos permitiu
visualizar espacialmente a aplicação de políticas de defesa das localidades importantes,
assim como a organização de ações ofensivas contra indígenas e mocambos.
Por fim, o capítulo 5 apresenta os resultados que obtivemos a partir do
cruzamento dos dados das dinâmicas de comunicação política e provimento de ofícios.
Conseguimos identificar e caracterizar a organização e o funcionamento da rede
governativa acionada a partir do Conde de Óbidos. Buscamos ressaltar os tipos de
relações e níveis de proximidade que agregavam os membros da rede a D. Vasco
Mascarenhas, destacando como esta estrutura informal de pessoas habilitava o vice-rei a
intervir e moldar dinâmicas políticas com grande efetividade, sobretudo no que tocava a
troca de favores e defesa de interesses particulares. Outra opção analítica importante foi
a escolha de analisar os nós dessa rede em uma perspectiva regional, observando as
estratégias de projeção de poder em cada capitania, bem como a gestão de recursos
materiais e humanos na organização e defesa de interesses. Com este capítulo também
buscamos propor uma forma possível de organizar e analisar os dados coletados a fim

24
de perceber e reconstruir esse tipo de relação interpessoal. Destacamos a importância de
transcender a análise quantitativa e perseguir os vestígios de relações sociais que
indicam a proximidade dos interlocutores e a natureza das alianças estabelecidas.
Através dessa análise pudemos indicar o potencial das redes para agregar e defender
interesses, bem como a efetividade de seu alcance na luta política e na oposição a
grupos rivais.
Deste modo, o presente trabalho busca apresentar um roteiro inicial de pesquisa
que auxilie na construção de estudos sobre as diversas dinâmicas que perpassam a
governação. Além dessa pretensão de ordem metodológica, buscamos também levantar
questionamentos acerca das práticas que definiam a governação, a fim de ampliar o
escopo das discussões sobre a política e a sociedade na América portuguesa. Neste
sentido, sabemos que o governo-geral nos possibilitou o acesso a um ponto de vista
privilegiado, principalmente pelo volume documental produzido pelos governadores-
gerais. Sendo assim, esperamos que o trabalho permita a construção de diálogos com
outros estudos que se debrucem sobre outros elementos da estrutura administrativa do
Estado do Brasil.

25
Capítulo 1 - Os braços do Rei na América: origens familiares, trajetória de
serviços e acrescentamento social dos governadores-gerais do Estado do Brasil
(Século XVII)

Não há como entender as práticas da governação sem antes conhecer os atores


sociais que as encabeçavam. Neste capítulo apresentaremos as trajetórias sociais e a
carreira de serviços dos fidalgos e nobres que o compõem o governo do Estado do
Brasil. Deste modo, exploraremos as características que compõe o perfil deste grupo,
tais como as suas origens familiares e as alianças matrimoniais, da mesma forma
analisaremos os diversos tipos de serviços, tantos no Reino como no Ultramar. Por fim
indicaremos algumas formas estratégias de perpetuação da memória e acrescentamento
social das casas nobiliárquicas.

1- A historiografia sobre o perfil dos governadores-gerais

Começaremos identificando a percepção historiográfica acerca do perfil dos


governadores-gerais do Estado do Brasil, bem como o desenvolvimento destas questões
nas duas últimas décadas. O núcleo principal desses estudos foi desenvolvido por Nuno
Gonçalo Monteiro, Mafalda Soares da Cunha e Francisco Carlos Cosentino. Embora
compartilhem de matrizes teóricas e percepções semelhantes sobre a natureza da
monarquia portuguesa, os autores possuem interesses de pesquisas diversos dentro dessa
temática. Enquanto Nuno Monteiro e Mafalda da Cunha versaram sobre uma larga
escala, investigando “a evolução da hierarquia nobiliárquica portuguesa durante a
Dinastia de Bragança (1640-1832)”15, Francisco Cosentino se concentrou sobre as
trajetórias sociais e as origens familiares dos governadores-gerais do Estado do Brasil
durante o século XVII 16.

15
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. “Governadores e capitães-mores do império
atlântico português nos séculos XVII-XVIII” In: MONTEIRO, Nuno G; CUNHA, Mafalda Soares da;
CARDIM, Pedro. (orgs.) Optima pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo regime. Lisboa: ICS, 2005. p.
191.
16
Cf: COSENTINO, Francisco Carlos C. “Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil,
1640-1702”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ano 173, n. 456, 2012;
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Carreira e trajetória social na monarquia e no império ultramarino
português. Governadores gerais do Estado do Brasil (1640-1702)”. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 33, n° 66. 2013.
Os resultados apresentados pelos autores portugueses ressaltam a importância
fundamental da análise das trajetórias dos governantes das conquistas ultramarinas, uma
vez que através destas é possível perceber como funcionavam os mecanismos de
remuneração honorífica e distinção social, elementos estruturantes da Monarquia
Portuguesa. Na avaliação de Nuno Monteiro sobre o perfil dos governantes
ultramarinos, o autor concluiu que
A análise dos critérios de recrutamento para os principais ofícios da
monarquia nunca pode ignorar as características da hierarquização
nobiliárquica, e em particular, essa distinção essencial. (...) a escolha dos
nomeados e a respectiva remuneração de serviços era balizada e limitada por
critérios bem definidos, os quais raramente foram ultrapassados. 17

Para o autor português, as mudanças ocorridas entre os séculos XVII e XVIII


reforçam a percepção de que ocorreu “um claro processo de aristocratização ou
elitização dos critérios de recrutamento para o vice-reinado e governos das capitanias
brasileiras, (...) visível quer nas principais capitanias, quer na esmagadora maioria das
capitanias subordinadas”18. Nuno Monteiro ainda indica que o fenômeno da
“aristocratização” do espaço ultramarino pode ser observado pelo fato de que “mais da
metade das 130 casas titulares que existiram em algum momento entre 1640-1810 teve
um de seus senhores nesses ofícios ao longo dos séculos XVII e XVIII”19.
Em consonância com a indicação de Nuno Monteiro sobre a “aristocratização”
dos postos de governo, que foi observada em vários níveis da hierarquia da governação
20
(Governo-geral e capitanias) , Mafalda da Cunha identificou que a própria distinção
entre os tipos de governo apontava para uma “hierarquia política dos territórios”, na
qual o governo- geral ocupava a posição cimeira, tendo como perfil de providos os
membros oriundos da principal fidalguia que orbitava em torno da corte bragantina. No
caso dos governos das capitanias principais (Rio de Janeiro e Pernambuco) a autora
destaca que estes possuíam uma “prevalência de fidalgos, embora sua origem seja
comparativamente menos aristocrática do que para a Bahia, ou até mesmo para outros

17
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre
os vive-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII” In: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos: A
dinâmica Imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
p. 251-252
18
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “A circulação das elites no império dos Bragança (1640-1808): algumas
notas ”In: Tempo. vol. 14. n.o. 27. Dezembro de 2009. p. 72.
19
Ibidem. p. 73.
20
No Capítulo 2 apresentamos com maior profundidade as distinções entre os tipos de capitania e as
transformações que ocorreram na organização política destas durante a segunda metade do século XVII.
27
governos do Atlântico” 21
; e por fim as capitanias menores (ou anexas) apresentam um
diminuto número de fidalgos e nobres.
Seguindo esta linha Nuno Monteiro demonstrou o aumento dos “descendentes
de titulares da primeira nobreza de corte e de fidalguia inequívoca passam de 20% dos
nomeados no século XVII para 45% no século XVIII; nas capitanias principais, passa
de 57% para 82%” o que implicava obviamente em uma redução de oficiais “brasílicos”
ocupando esses postos, uma vez que para a América Lusa como um todo “a
porcentagem dos naturais desce de 22% no século XVII pra apenas 10% no século
seguinte, quando os naturais da terra representavam apenas 3% dos nomeados nas
capitanias principais (antes alcançavam 27%), desaparecendo nos governos da Bahia e
do Rio” 22.
Se considerarmos por um momento o quadro geral das nobrezas européias esses
dados ganham um sentido mais evidente. Hamish M. Scott e Christopher Storrs
apresentaram uma síntese sobre as dinâmicas e o comportamento das nobrezas
européias dos séculos XVII e XVIII, indicando que a disciplina familiar desempenhou
um papel fundamental na sobrevivência de vários dos grupos aristocráticos, pois esta
ligava os indivíduos às obrigações de sua Casa nobiliárquica, definindo assim o papel
destes em prol da perpetuação e do acrescentamento familiar. Nesse sentido os autores
endossaram as conclusões propostas por alguns estudos23 e finalizaram apontando como
ocorreu um progressivo estreitamento da base nobiliárquica européia e uma crescente
24
restrição aos títulos nobiliárquicos durante o século XVII e XVIII . É curioso notar
que neste sentido o caso português foi uma exceção, pois para Nuno Monteiro e
Mafalda Soares da Cunha, o processo observado ao longo dos séculos XVII e XVIII
indica que “a base da pirâmide nobiliárquica foi-se alargando cada vez mais, enquanto o
topo, pelo menos até meados de Setecentos, se cristalizou progressivamente, com a
constituição de uma „primeira nobreza de corte‟ claramente circunscrita e

21
CUNHA, Mafalda Soares da. “Governo e governantes do Império português do Atlântico (Século
XVII)”. In: FERLINI, Vera Lúcia Amaral; BICALHO, Maria Fernanda. (Orgs.) Modos de governar:
Idéias e práticas políticas no Império Português. Séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005. p. 83.
22
MONTEIRO, Nuno G. Op. cit. 2009. p. 72-73.
23
No caso em questão o capítulo destes autores apresenta uma coletânea de estudos sobre as nobrezas
européias na idade moderna, e para sugerir essa conclusão apresentam sínteses de estudos sobre as
nobrezas inglesa, holandesa, francesa, espanhola, portuguesa e italiana que compõem a coletânea.
24
Cf: SCOTT, Hamish M.; STORSS, Christopher. “The Consolidation of Noble Power in Europe,
c.1600-1800”. In: SCOTT, Hamish M. (Ed.) The European Nobilities in the Seventeenth and Eighteenth
Centuries. Volume I : Western and Southern Europe. 2nd. Editon. Palgrave Macmillan, 2006.
28
homogâmica”25. Portanto, esses dados nos fornecem os contornos mais gerais sobre o
grupo que estudaremos.
A verticalização dessa análise foi feita por Francisco Cosentino que se dedicou a
estudar as trajetórias dos governadores-gerais do Estado do Brasil, analisando a relação
entre a distinção social proveniente da origem familiar destes fidalgos e as suas
trajetórias de serviços. O autor partiu das origens familiares, analisando o status social
dos pais e avós, tanto paternos quanto maternos, dos governadores-gerais bem como os
respectivos familiares das esposas dos governadores-gerais que se casaram. A partir
desta análise Cosentino reforça, em consonância com os estudos de Nuno Monteiro e
Mafalda Soares da Cunha, que os governadores-gerais eram parte de uma fidalguia
inequívoca, verificada ao longo de várias gerações. Porém, o estudo de Cosentino
aprofunda outras características não contempladas pelos autores portugueses, tais como
um elevado número de ascendentes destes fidalgos que possuíam as principais
distinções honoríficas da nobiliarquia lusitana (comendas de ordens militares, tenças,
26
senhorios, títulos, alcaidarias) ; o autor também nota que estes familiares ocuparam
posições fundamentais no seio da Coroa27, atuando nos principais espaços de decisão
política do reino: Conselho de Estado, Conselho de Guerra e Casa Real. Cosentino
também destacou a existência de vínculos familiares diretos e indiretos entre os
28
governadores-gerais , o que reforça um importante componente da análise Maria de
Fátima Gouvêa sobre a organização e funcionamento das redes governativas no império
ultramarino português29.
Francisco Cosentino também ressalta como a experiência nos ofícios militares
pelo ultramar se constituiu em uma via de acesso aos principais espaços de alta política
da monarquia, destacadamente os Conselhos de Estado e de Guerra. Neste sentido os
apontamentos do autor reforçam a estreita relação entre o contexto político do século

25
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. “Governadores e capitães-mores do império
atlântico português nos séculos XVII-XVIII” In: MONTEIRO, Nuno G; CUNHA, Mafalda Soares da;
CARDIM, Pedro. (orgs.) Optima pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo regime. Lisboa: ICS, 2005, p.
195.
26
COSENTINO, Francisco Carlos C. Op. cit. 2012. p. 27-30.
27
O estudo clássico de Norbert Elias já apontava para o protagonismo político da corte e a importância
deste espaço para o desenvolvimento de relações sociais fundamentais no jogo político. Cf: ELIAS,
Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Trad.
Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001. Em especial os capítulos 4 e 5. Para o caso
português Pedro Cardim indicou a importância e a hierarquia dos serviços no seio da Casa Real, parte
fundamental da Corte dos Bragança. Cf: CARDIM, Pedro. “A Casa Real e os órgãos centrais de governo
no Portugal da segunda metade de Seiscentos.” Tempo. Rio de Janeiro, n.° 13, julho de 2002. p. 13-57.
28
COSENTINO, Francisco Carlos C. Op. cit. 2013. p 193-194.
29
Cf: GOUVÊA, Maria de Fátima. Op. cit. 2010. p. 179.
29
XVII, marcado por guerras pelo ultramar e no reino, e o fortalecimento da noção de
“Casa”, conceito entendido como um “conjunto coerente de bens simbólicos e
materiais, a cuja reprodução alargada estavam obrigados todos os que nela nasciam ou
dela dependiam” 30. A convergência das práticas de obrigação com a casa nobiliárquica
e a cultura de serviços à monarquia formam o que Nuno Monteiro denominou de ethos
da aristocracia de corte 31.
Podemos ainda mencionar brevemente os diversos trabalhos resultantes de
pesquisa de mestrado e doutorado que surgiram nas duas últimas décadas e que se
dedicaram a analisar o governo-geral. Faremos, portanto, um apanhado da produção
acadêmica brasileira, concedendo destaque aos trabalhos que se dedicaram em algum
momento a relacionar as trajetórias dos governadores-gerais com a sua prática
governativa, especificamente aqueles que se dedicaram ao século XVII.
Adotando uma ordem cronológica, iniciaremos pelo estudo de Marília Nogueira
dos Santos sobre o governo de Antônio Luís Gonsalves da Câmara Coutinho, no qual a
autora relaciona a trajetória ultramarina do governador-geral e a experiência adquirida
nestes espaços, através da análise das correspondências emitidas por este durante seu
governo32.
Na sequência deste trabalho alguns outros se dedicaram a analisar dinâmicas do
governo-geral, porém sem realizar um estudo acerca das trajetórias dos governadores-
gerais. Isto obviamente não inviabiliza estes trabalhos, mas em alguns momentos
restringe a percepção e limita o alcance de algumas hipóteses apresentadas33.
O trabalho de Ricardo George Souza Santana relaciona a trajetória do Conde de
Óbidos e de Lourenço de Brito Correa a fim de compreender as dinâmicas sociais e

30
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Casa, casamento e nomes: fragmentos sobre relações familiares e
indivíduos.” In: História da Vida Privada em Portugal: Idade Moderna. Circulo de Leitores, 2011. p.
137.
31
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “O ethos da Aristocracia portuguesa sob a dinastia de Bragança.
Algumas notas sobre casa e serviço ao rei”. In: Elites e Poder: Entre o antigo regime e o liberalismo. 2ª.
Edição Revista. Lisboa: ICS, 2007. p. 83-104.
32
SANTOS, Marília Nogueira dos. Escrevendo cartas, governando o Império: A correspondência de
Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral do Brasil (1691-1693). Dissertação
(Mestrado em História). Niterói: UFF, 2007.
33
JÚNIOR, Wilmar da Silva Vianna. Modos de governar, modos de governo: O governo-geral do estado
do Brasil entre a conservação da conquista e a manutenção do negócio (1642-1682). Tese (Doutorado em
História). Rio de Janeiro: UERJ, 2011; ARAÚJO, Érica Lôpo. De golpe a golpe: política e administração
nas entre Bahia e Portugal (1641-1667). Dissertação (Mestrado em História). Niterói: UFF, 2011;
AMARAL, Camila Teixeira. “As duas espadas do poder”: As relações de tensão e conflito entre o poder
secular e o poder eclesiástico na Bahia. (1640-1750). Dissertação (Mestrado em História). Salvador:
UFBA, 2012; CARVALHO, Guilherme Amorim de. A arte de bem governar para bem morrer: Discurso
e lógicas corporativas na América portuguesa (século XVII). Dissertação (Mestrado em História).
Brasília, UnB. 2012.
30
políticas que perpassavam um conflito que alegadamente poderia ter ocasionado a
deposição do vice-rei e efetivamente acarretou a prisão de Lourenço de Brito Correa e
outros oficiais que serviam na Bahia34.
Na dissertação de Caroline Garcia Mendes encontramos um trabalho com
questões semelhantes ao de Marília dos Santos, uma vez que autora se dedica a analisar
a escrita de cartas durante o governo de Francisco Barreto. A autora ressalta a
importância do estudo da trajetória deste governador para compreender mais
precisamente a sua inserção social e por consequência como isso interferia e moldava
suas dinâmicas de governo e comunicação35.
Neste ponto, faremos referência a nossa pesquisa de mestrado, na qual
estudamos os governos de Antônio Teles da Silva, Antonio Teles de Menezes e do
Conde de Castelo Melhor a fim de compreender o papel governo-geral na condução do
esforço de guerra contra os holandeses. Ressaltamos como o estudo da trajetória destes
governadores se mostrou fundamental para perceber estratégias tanto as estratégias de
ascensão social empreendidas por estes fidalgos em suas carreiras, bem como nos
auxiliou a compreender as diferentes atitudes no governo como fruto das experiências
anteriores nas carreiras ultramarinas36.
Renato de Souza Alves explorou em sua dissertação a relação entre a trajetória
do Conde de Óbidos e suas ações de governo no Estado do Brasil. O autor trouxe novas
contribuições sobre a inserção social e política de D. Vasco Mascarenhas na corte
portuguesa, demonstrando a importância das alianças estratégicas e dos vínculos que
aproximavam o “conde parente” do monarca37.

34
SANTANA, Ricardo George Souza. Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso.
Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de Óbidos. (Bahia 1663-1667).
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012.
35
MENDES, Caroline Garcia. A circulação e a escrita de cartas do governador geral do Estado do
Brasil Francisco Barreto (1657-1663). Dissertação (Mestrado em História). Campinas: Unicamp, 2013.
Devemos fazer menção ao trabalho de José Gerardo Barbosa, que defendeu uma dissertação sobre
Francisco Barreto em 2001 na Universidade de Lisboa, e publicada como livro em 2004: PEREIRA, José
Gerardo Barbosa. A restauração de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora,
2004.
36
ARAÚJO, Hugo André F. F. A governação em tempo de guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a
gestão da defesa (1642-1654). Dissertação (Mestrado em História Social). Juiz de Fora: UFJF, 2014
37
Renato Alves ajudou a esclarecer a questão da mercê que conferia o título de “conde parente” a D.
Vasco Mascarenhas, assim como o tratamento de “amado sobrinho” utilizado pelo monarca nas cartas
destinadas ao Conde de Óbidos. O autor demonstrou como esses sinais de distinções eram simbólicos não
guardavam uma relação direta com o parentesco familiar. ALVES, Renato de Souza. Carreira e
Governação no Império Português do Século XVII: o governo do 1º Conde de Óbidos e 2º vice rei do
Estado do Brasil (1663-1667). Dissertação (Mestrado em História Social). Juiz de Fora: UFJF, 2014.
Michelle Samuel da Silva que também estudo o governo do Conde de Óbidos, faz uma breve explanação
sobre a trajetória do vice-rei, valendo-se exclusivamente da indicações bibliográficas sobre a carreira de
31
O estudo de Ana Paula Moreira Magalhães aprofunda a compreensão das
dinâmicas que perpassavam a gestão da guerra dos bárbaros, especificamente durante o
governo de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça. A autora recupera o perfil
social e a trajetória dos governadores que atuaram no Estado do Brasil na segunda
metade do século XVII e localiza o visconde de Barbacena neste quadro de oficiais,
reconstruindo suas origens familiares, seus serviços anteriores, o acrescentamento
obtido durante a carreira e os fatores que concorreram para sua nomeação para o Estado
do Brasil38.
A tese de Érica Lôpo de Araújo é um dos trabalhos mais recentes que se dedica a
aprofundar na investigação entre os paralelos da carreira de serviços do Conde de
Óbidos e suas práticas de governo tanto no Estado da Índia como no Estado do Brasil. A
autora mapeia as origens familiares e os diversos tipos de vínculos que inseriam D.
Vasco Mascarenhas em redes sociais nos vários espaços em que atuou39.
É importante destacar também que estudos que se dedicam a outras partes da
América portuguesa têm utilizado essa interface analítica, tanto nas pesquisas que se
concentraram no perfil de capitães-mores de capitanias40, quanto nos estudos dos
governadores-gerais da Amazônia portuguesa. Neste último caso devemos destacar os
trabalhos de Fabiano Vilaça dos Santos que analisou as trajetórias dos governadores-
gerais e capitães-mores do Estado do Grão-Pará e Maranhão41. Em estudos recentes o
autor tem destacado como a análise das trajetórias e do perfil desses oficiais auxilia na

D. Vasco Mascarenhas. SILVA, Michelle Samuel da. A serviço da coroa: política e administração do
vice-rei D. Vasco Mascarenhas na América Portuguesa (1663-1667). Dissertação (Mestrado em História)
Rio de Janeiro: Unirio, 2016.
38
MAGALHÃES, Ana Paula Moreira. Para a conquista dos bárbaros: rede de poder e governação de
Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça (1671-1675). Dissertação (Mestrado em História). Santo
Antônio de Jesus, UNEB, 2015
39
ARAÚJO, Érica Lôpo. Práticas políticas e governação no Império Português: O caso de D. Vasco de
Mascarenhas (1626-1678) Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2016.
40
Para um perfil dos capitães-mores de Sergipe del Rei: SIQUEIRA, Luís. Homens de mando e guerra:
capitães mores em Sergipe del Rey (1648-1743). Dissertação (Mestrado em História). Salvador, UFBA,
2016. Leonardo Paiva de Oliveira esta estudando em sua pesquisa de mestrado o perfil dos capitães-
mores do Ceará e do Rio Grande: OLIVEIRA, Leonardo Paiva de. “Aqueles que almeja governar: perfil e
trajetória dos opositores ao posto de capitão-mor no Ceará e Rio Grande (1666-1759)”. Revista Semina.
Vol. 15. n.° 1, 2016.
41
No livro resultante de sua pesquisa de doutoramento, Fabiano Vilaça analisou as trajetórias e a atuação
política dos governadores-gerais e bispos do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Cf. SANTOS, Fabiano
Vilaça dos. O governo das conquistas do Norte: Trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e
Maranhão (1751-1780). São Paulo: Annablume, 2011.
32
compreensão das transformações políticas que ocorreram na organização dos territórios
do Estado do Maranhão e do Grão-Pará42.
Esse breve apanhado acerca dos estudos sobre as trajetórias dos oficiais de
governo nos indica como a relevância desse viés analítico ganhou espaço nas pesquisas.
A pertinência e o potencial analítico das trajetórias atualmente são incontestes, de modo
que é possível perceber como essas questões ganharam espaço em outros estudos sobre
oficiais na América portuguesa43.

2- Origens familiares e estratégias matrimoniais:

Os nove governadores-gerais que analisaremos ao longo de todo este trabalho


exerceram o governo no Estado do Brasil entre 1642 e 1682. O perfil geral destes
governadores já foi contemplado em grande medida pelos estudos de Francisco
Cosentino que apontou as principais características sociais destes oficiais de governo
entre 1640 e 1702. Portanto, retomaremos alguns argumentos de Cosentino e
aprofundaremos outros pertinentes nesse momento.
Desde já importa recordar que a fidalguia era uma condição social transmitida
pela via hereditária, “para se dar a entender, que de seus pays tem herdado Algo, ou
alguma cousa, de que se pode prezar, como nobreza de sangue, ou rendas, & fazenda
considerável, porque Algo também significa cousa de valor” 44. Portanto, era entendida
como uma distinção social e honorífica de grande importância para uma sociedade
corporativa de Antigo Regime45. Nesse sentido, a análise da qualificação social dos pais
e avós, dos governadores-gerais e de suas esposas confirma o modo e as estratégias

SANTOS, Fabiano Vilaça. “Da Paraíba ao Estado do Maranhão”: Trajetórias de governo na América
42

Portuguesa (Séculos XVII e XVIII). Revista de História (USP). n.° 161, dez. 2009; SANTOS, Fabiano
Vilaça. “Os capitães-mores do Pará (1707-1737): trajetórias, governo e dinâmica administrativa no
Estado do Maranhão”. Topoi. vol.16, n° 31, jul-dez, 2015; SANTOS, Fabiano Vilaça. “Redes de poder e
governação das conquistas: as estratégias de promoção social de Alexandre de Souza Freire (c. 1670-
1740).” Tempo. Vol. 22, n.39, jan/abr. 2016.
43
Para citar alguns exemplos que se propõe a fazer o perfil e as trajetórias dos oficiais: MOREIRA, Luiz
Guilherme Scaldaferri. Os ofícios superiores e inferiores da tropa paga (ou de 1ª. linha) na capitania do
Rio de Janeiro, 1640-1652: Lógica social, circulação e a governança da terra. Tese (Doutorado em
História). Niterói, UFF, 2015; MELLO, Isabele de Matos Pereira de. Magistrados a serviço do Rei: A
administração da Justiça e os ouvidores gerais na comarca do Rio de Janeiro (1710-1790). Tese
(Doutorado em História). Niterói, UFF, 2013.
44
BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. IV.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.107. (CD-ROM)
45
O direito português assegurava a transmissão de nobreza e fidalguia tanto pela via paterna quanto pela
via materna, ao menos desde as Ordenações Manuelinas (1513). Cf. MONTEIRO, Nuno G. “Casa,
casamento e nomes: fragmentos sobre relações familiares e indivíduos.” In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo.
(Coord). História da Vida Privada em Portugal: Idade Moderna. Circulo de Leitores, 2011. p. 136.
33
elaboradas para a transmissão destas qualidades sociais. Além disso, o acrescentamento
social obtido com o matrimônio aparece como uma importante estratégia das casas
nobiliárquicas.
Na Tabela 1 utilizamos os dados apresentados por Cosentino sobre os familiares
dos governadores-gerais e de suas esposas46. A presença de pais e avôs em espaços de
grande importância como o Conselho de Estado e em ofícios na Casa Real por si só já
revela linhagens de elevada qualificação social no cenário reinol. Aliada a isso, a posse
de títulos e alcaidarias reforça a posição cimeira desses grupos familiares. De acordo
com Pedro Cardim a centralidade dos serviços na Casa Real se deve à “posição
favorável para obter um ofício numa das outras casas ligadas à realeza e, também nos
demais órgãos palatinos” 47, o que se verifica, por exemplo, no fato de algumas famílias
controlarem o mesmo ofício da Casa Real por mais de dois séculos. Além disso, a
presença no Conselho de Estado reforçava a importância e a influência de poder
deliberar sobre as principais matérias políticas do Reino, função que “competia aos mais
nobres e poderosos o governo da república. Era entre os mais dignos que se
encontravam os dotes naturais e de educação, entre os quais repousava a virtude e a
honra, atributos necessários para o exercício das atividades relativas ao governo” 48.

46
Antônio Teles da Silva morreu sem se casar. Em nossa amostragem é o único governador geral que não
se casou. Talvez essa opção esteja associada ao seu ingresso na Ordem de Malta, uma vez que a ordem
possuía um “carácter militar e eclesiástico” com a exigência professar e tomar “votos de obediência,
castidade e pobreza”. VERSOS, Inês; OLIVAL, Fernanda. “Modelos de Nobreza: A ordem de Malta e as
três Ordens Militares portuguesas. Uma perspectiva comparada (séc. XVII-XVII.)”. In: RODRIGUEZ,
Manuel Rivero. (Coord). Nobleza Hispana, Nobleza Cristiana: La orden de San Juan. Vol. 2 Ediciones
Polifemo, 2009. p. 1132. De acordo com Nuno Gonçalo Monteiro, esta foi “a única ordem militar que em
Portugal impunha uma efectiva observância do celibato e da vocação militar dos seus membros,
recrutados quase todos entre os filhos não sucessores de casas com fidalguia selecta.” MONTEIRO, Nuno
G. Op. cit. 2011.p. 138.
47
CARDIM, Pedro. “A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de
Seiscentos.” Tempo. Rio de Janeiro, n.° 13, julho de 2002. p. 47.
48
COSENTINO, Francisco Carlos C. Governadores Gerais do Estado do Brasil Séculos (XVI-XVII):
Ofício, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig. 2009. p.
114.
34
Tabela 1 - Ofícios e distinções honoríficas dos familiares dos governadores-gerais e de suas
esposas
Conselho de Estado Casa Real alcaidarias Titulo
Governador
Governador Esposa Governador Esposa Governador Esposa Governador Esposa
Antonio Teles da
X X X
Silva
Antonio Teles de
X X
Menezes
Conde de Castelo
X X X X X X
Melhor
Conde de
X X X X X
Atouguia
Francisco Barreto
X X X X
de Meneses
Conde de Óbidos X X X X X
Alexandre de
X X X X X
Sousa Freire
Afonso Furtado
de Castro do Rio X X X
Mendonça
Roque da Costa
Barreto
Total 3 2 5 6 6 5 1 5
Fonte: COSENTINO, Francisco Carlos C. “Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil,
49
1640-1702”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ano 173, n. 456, 2012, p. 30.

Como a maioria destes oficiais eram secundogênitos50, isto é, não eram os


sucessores preferenciais de suas Casas, lhes restava como opção de acrescentamento a
via matrimonial e a carreira ultramarina, alternativa possível para aqueles que não
optassem pela carreira eclesiásticas e pelo celibato, uma vez que “servir a Coroa nas
tarefas militares e administrativas ultramarinas era um direito e um dever do „vassalo‟
nobre, morgado ou filho segundo”51. Vale ressaltar que os constrangimentos jurídicos
da cultura política lusitana impunham restrições à transmissão e divisibilidade dos bens
das casas titulares, em especial para os bens concedidos pela coroa e pelas ordens
militares. Deste modo, como a maior parte dos bens das casas titulares estava sujeita “a
regras estritas de indivisibilidade, primogenitura, e masculinidade (eram bens que se
transmitiam por sucessão e não por herança)” 52.

49
Adaptamos nessa tabela os dados apresentados por Francisco Cosentino referentes apenas aos
governadores que estudamos. Os dados utilizados por Cosentino para identificar as características do
grupo familiar dos governadores-gerais e de suas esposas foram coletados majoritariamente nos
genealogistas D. Antonio Caetano de Sousa e Felgueiras Gayo.
50
Em nossa amostragem aqueles que eram primogênitos e sucederam suas casas foram: D. Jerônimo de
Ataíde (6º. Conde de Atouguia), Afonso Furtado do Castro do Rio Mendonça (1º. Visconde de
Barbacena), Alexandre de Sousa Freire e Roque da Costa Barreto.
51
RAU, Virgínia. “Fortunas Ultramarinas e nobreza portuguesa no século XVII” In: GARCIA, José
Manuel. (Org.) Estudos sobre história econômica e social do Antigo Regime. Lisboa, Editorial Presença,
1984. p. 29.
52
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O crepúsculo dos grandes: A casa e o patrimônio da aristocracia
em Portugal (1750-1832). Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998. p. 58.
35
Sendo assim, esta disciplina familiar impunha funções pré-determinadas a todos
os membros de uma “Casa”. Tanto o casamento como o celibato eram faces diferentes
da mesma moeda, estratégias que visavam engrandecer e perpetuar o patrimônio das
“Casas”.
Nesse sentido, os matrimônios não eram apenas uma política de gestão e
proteção do patrimônio das Casas, uma vez que se constituíam também como um
caminho efetivo para o acrescentamento de fidalgos e nobres. O exemplo do casamento
do 2º. Conde de Castelo Melhor é bem representativo sobre essa alternativa. Rui
Mendes Vasconcelos (1º. Conde de Castelo Melhor) era tio-avô de D. João Rodrigues
de Vasconcelos e Souza, que recebeu a sucessão do título de 2º. Conde de Castelo
Melhor ao se casar com a neta de Rui Mendes, D. Mariana de Lencastre53. Neste caso o
1º. Conde de Castelo Melhor não possuía sucessor varão para o seu título, obtendo a
mercê de transmissão do título e o condicionamento desta ao casamento com sua neta,
que inicialmente se casaria com Francisco de Vasconcelos e Souza, irmão mais velho de
D. João Rodrigues, que faleceu antes do matrimônio54. Portanto, esse exemplo ilustra a
forma como eram definidos os destinos dos membros de uma “Casa” em razão do
“estado” que se escolhia para os sucessores, para as filhas e para os
filhos segundos era encarado como uma função da casa onde tinham
nascido. Aqueles que se destinavam ao matrimónio, principiando
pelos presuntivos sucessores, obedeciam à lógica da política de
alianças da casa formulada a partir de critérios vários55

Outros casos interessantes relacionados à política matrimonial referem-se aos


casamentos do Conde de Óbidos. A obtenção do título de D. Vasco Mascarenhas foi
condicionada ao casamento com uma fidalga espanhola. De acordo com Érica Araújo o
fato dos irmãos mais velhos de D. Vasco ingressarem na carreia eclesiástica lhe abriu as
portas para herdar o patrimônio familiar, fator de suma importância na construção de
sua própria casa nobiliárquica56. A partir do casamento com D. Jerônima de la Cueva57

53
Deste modo para suceder o título D. João Rodrigues teria que satisfazer duas condições: “a primeira,
estabelecida por seu tio e transmissor do título Rui Mendes de Vasconcelos, era o casamento com sua
neta D. Mariana de Lencastre; a segunda condição, determinada pelo rei Felipe IV, consistia no envio de
uma companhia de trezentos homens para Pernambuco, tendo que arcar com as despesas relativas aos
soldos destes por seis meses.” ARAÚJO, Hugo André F. F. Op. cit. 2014. p. 37.
54
08/10/1638. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Felipe III. Livro 33, fl. 233v-236v. 23/08/1639.
IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Felipe III. Livro 35, fl.114-116. SOUSA, D. Antonio Caetano.
História genealógica da casa real portuguesa. Livro IX, Lisboa: Academia Portuguesa de
História/QuidNovi/Publico, 2007. p. 125.
55
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. 2011. p. 137.
56
ARAÚJO, Érica Lôpo. Op. cit. 2016. p. 30.
36
recebeu a mercê do título por concessão de D. Felipe III de Portugal ( IV da Espanha),
além das mercês de renovação das comendas e alcaidarias que possuía58. Ao analisar o
fenômeno dos matrimônios mistos entre nobres portugueses e espanhóis, no contexto da
União Ibérica, Mafalda Soares da Cunha apontou como a política de construção de uma
59
fidelidade política em Portugal foi aplicada em um grupo restrito e em um momento
tardio, no qual o sentimento de insatisfação com as políticas castelhanas já havia
cruzado um ponto sem retorno60. Após o falecimento de sua primeira esposa, D. Vasco
Mascarenhas se casou novamente, desta vez com sua sobrinha D. Joana de Vilhena,
filha de D. João de Mascarenhas, 3º. Conde de Santa Cruz e irmão mais velho do Conde
de Óbidos61. Neste caso a lógica que perpassava o casamento endogâmico era a
preservação dos bens familiares. Outros governadores-gerais também se casaram com
familiares: o segundo casamento de Antonio Teles de Menezes foi com sua prima62 e o
63
Conde de Atouguia se casou a primeira vez com sua co-irmã , Afonso Furtado de
Castro do Rio de Mendonça se casou com sua “parente”64. Isso se enquadra na prática
descrita por Nuno Gonçalo Monteiro relativa ao comportamento de nupcialidade dos
“Grandes” portugueses, concluindo que os “titulares portugueses praticavam uma

57
A posição social da esposa ajuda a entender a opção matrimonial. De acordo com D. Antonio Caetano
de Sousa sua primeira esposa, D. Jerônima de la Cueva e Mendoça era “Dama da Rainha Dona Isabel de
Borbon, irmã do Cardeal de la Cueva e filha de D. Luiz de la Cueva e Benavides, Senhor de Bedmar e de
Dona Elvira de Mendoça, filha de D. João de Mendoça, General das Galés de Hespanha, de quem
nasceu”. SOUSA, D. Antonio Caetano de. Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de
Portugal.... Lisboa, Na regia Oficina Sylviana e da Academia Real. 1755. p. 428-429.
58
ALVES, Renato de Souza. Op. cit. 2014. p. 32. CUNHA, Mafalda Soares da. “Títulos portugueses y
matrimonios mixtos en la Monarquía Católica.” In: CASALILLA, Bartolomé Yun (org.). Las Redes del
Imperio: Élites sociales en la articulación de la Monarquía Hispánica, 1492-1714. Madrid: Marcial Pons
Historia. Universidad Pablo Olavide, 2009. p. 226.
59
A principio a idéia era que “las uniones de casas ampliaban a otros reinos las bases territoriales de las
noblezas abrían canlaes de comunicación y circulación de ideas y noticias, engendrando así prácticas
políticas y relaciones sociales entre los reinos. Sería asi uma de las posibles vias para mitigar la
pluralidade, reducir las reinvindicaciones em torno a los privilégios y particularismos de cada uma de las
partes y forjar referentes compartidos.” CUNHA, Mafalda Soares da. Op. cit. 2009. p. 212-213.
60
Ibidem. p. 230-231. Como observou Érica Lôpo de Araújo, o fato de estas uniões mobilizarem os filhos
segundos e, portanto, não sucessores das casas, impossibilitava a fusão de casas nobiliárquicas entre os
dois reinos, o que certamente era um atrativo e uma segurança para as Casas envolvidas. Cf. ARAÚJO,
Érica Lôpo. Op. cit. 2016. p. 32.
61
ALVES, Renato de Souza. Op. cit. 2014. p. 49.
62
“casou 2ª vez com sua prima D. Helena de Castro filha de Álvaro da Silva”. GAYO, Felgueiras (1750-
1831). Nobiliário de famílias de Portugal. Agostinho de Azevedo Meirelles, Domingos de Araújo
Affonso (Eds.). Tomo XXVII, Braga: Pax, 1941. p. 28-29
63
“Casou duas vezes: a primeira, em 1658, com D. Maria de castro, sua coirmã, que morreu em 1661,
filha dos 2os. Condes de Penaguião; (...) a segunda, com D. Leonor de Meneses, já viúva do 1º. Conde de
Serém.” ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir). Armorial lusitano: genealogia e heráldica;
colaboração de Antonio Machado de Faria. 3.ed. Lisboa: Enciclopédia, 1987. p. 335.
64
“Casou com D. Maria de Távora sua parente, filha de João Furtado de Mendonça, Governador de
Angola e do Algarve, Comendador da Ordem de Cristo, e sua mulher D. Madalena de Távora”
GAIO, Felgueiras, Op. cit. Tomo XX,1940. p. 46.
37
homogamia social (e aliás, também uma endogamia familiar) excepcionalmente
apertada” 65.
Deste modo, as origens sociais e as alianças matrimoniais legavam aos
governadores-gerais um prestígio social e honorífico capaz de se converter em
influência e intermediação de acrescentamentos. Conforme apontado por Francisco
Cosentino “essa proximidade das famílias com os monarcas – no Conselho de Estado ou
nos ofícios da Casa Real – permitia acesso privilegiado e condições bem favoráveis de
requerer mercês para as suas Casas” 66.

3- Nobilitação e distinção social:

Para completar essa delimitação inicial do grupo que estamos analisando


devemos ainda compreender as marcas de distinção social e honorífica que estes
governadores-gerais possuíam. Devemos entender também as clivagens existentes entre
a nobreza e a fidalguia portuguesa.
Origem fidalga já foi descrita e exemplificada, nos debruçaremos agora sobre as
especificidades daqueles governadores-gerais que obtiveram títulos nobiliárquicos. Se
quisermos reforçar esse dado, basta observar que todos os governadores-gerais de nossa
amostragem foram comendadores de ordens militares. De acordo com Fernanda Olival,
as comendas eram o tipo de mercê mais procurada nas Ordens militares, sobretudo pela
“própria cultura genealógica [que] difundiu e contribuiu para enraizar estas marcas de
reconhecimento, potenciando os efeitos honoríficos decorrentes da posse das comendas”
67
, ainda que estas não representassem valores econômicos significativos, e por vezes
fossem condicionadas a confirmação e à novas solicitações68.
De acordo com Nuno Monteiro e Mafalda Soares, Portugal era “um reino de
nobreza numerosa, e em parte por isso, fortemente polarizada, diversificada e
65
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. Op. cit. 1998. p. 76.
66
COSENTINO, Francisco Carlos C. Op. cit. 2012. p. 31.
67
OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal
(1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001. p. 46.
68
De acordo com Fernanda Olival após a restauração dos Bragança “muitas vezes a mercê de comenda
feita com o hábito correspondia não a uma realidade financeira e honorífica totalmente imediata, mas a
um compromisso. Assim, com freqüência, os diplomas referiam uma comenda de determinado lote, mas
de cujo montante o agraciado apenas começava a receber uma parcela (muitas vezes equivalente a 50%)
em tença ou pensão, conforme se fixava no documento que atribuía a mercê. Na segunda metade do
século XVII, o centro político usou e abusou destas situações, certamente com o objetivo de rentabilizar a
sua arca de mercês, num tempo de penúria. (...) Uma coisa era a promessa, a outra a mercê efetiva, como
se vincava de modo muito explicito na linguagem de época. Geralmente, para concretizar o resto da
benesse, era necessário tornar a requerer, o que podia implicar a apresentação de mais serviços, o que
favorecia o Estado.” Ibidem. p. 46-47.
38
hierarquizada” 69
o que implica na existência de uma hierarquia explícita entre os
nobres, associadas a sua titulação. Entre esta elite titular havia uma distinção das Casas
com grandeza e aquelas que não dispunham desse status, particularidades de uma
sociedade corporativa que distinguia até mesmo entre os seus membros mais distintos70.
Para Nuno Monteiro a “delimitação do estatuto dos grandes em Portugal é difícil de
datar (...) mas foi, sem dúvida tardia”, sobretudo porque a “origem do instituto é
espanhola e o período da monarquia dual deve ter seguramente contribuído para a sua
difusão” 71. Deste modo os “grandes de Portugal são os Duques, Marquezes, & Condes,
que como os Grandes de Castella, com outras muitas preminencias se cobrem diante
72
Del-Rey” , o que significa que a dignidade associada ao estatuto de grandeza
implicava em destaque em cerimônias e rituais simbólicos, bem como na proximidade
presencial da figura régia nestas ocasiões 73.
Na Tabela 2 indicamos os títulos conferidos ou prometidos aos governadores-
gerais, bem como a natureza do título e as formas de sua transmissão.

69
MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CUNHA, Mafalda Soares da. Op. cit. 2005, p. 194-195.
70
Se observarmos os tratados de época veremos que estes já expressam a necessidade da naturalização da
diferença: “He necessário para a conservaçam de toda a Republica que aja nella grandes, & que aja
piquenos: pareça muito bem nos grandes conservarem-se em aquella estimação, & com aquella nobreza,
que herdaram de seus passados, tranferindo-a a seus filhos com a mesma limpeza que lhe deixaram seus
avós”. SAMPAYO, António Villasboas e. Nobiliarquia Portuguesa, tratado da nobreza hereditária e
política. Lisboa 1676, p.8-9.
71
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. “Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia”. In:
HESPANHA, António Manuel. (coord.) História de Portugal. Vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p.
300. Como aponta o autor, antes da união ibérica “os titulares constituíam um grupo ainda mais pequeno
e, possivelmente, a categoria nobiliárquica superior seria configurada pela posse de senhorios com
jurisdição, que davam assento pelo braço da nobreza em cortes.” Loc. cit.
72
BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. IV.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.121. (CD-ROM)
73
António Villasboas e Sampayo destaca que “Todos os Titulos neste Reyno se cobrem diante del Rey &
tem assento na Capella. (...) Distinguemse, em q os Grandes da primeira classe (que sam os descendentes
dos primeiros, que se cubirão) os manda cubrir elRey antes q falem, & lhes responda. Os da segunda
classe os manda cubrir depois de aver falado, & ouvem a elRey cubertos. Os da terceira classe, nam
falam, nem ouvem a elRey cubertos, mas depois de falarem, & lhes responder elRey, ao arrimarse á
parede os manda cobrir.” SAMPAYO, António Villasboas e. Op. cit. p.113.
39
Tabela 2 – Características dos títulos nobiliárquicos dos governadores-gerais
Promessa / Hierarquia
Título Data Observação
Efetivo nobiliárquica
Efetivado em seu Irmão
1° Conde de Vilar Promessa
- Grandeza Fernão Teles da Silva74 em
Maior (1642)
29/08/1652
1° Conde de Vila
05/08/1647 Efetivado Grandeza Não transmitiu ao filho75
pouca de Aguiar
2° Conde de Renovado em mais duas
23/08/1639 Efetivado Grandeza
Castelo Melhor vidas76
6º Conde de
07/06/1645 Efetivado Grandeza Transmitiu ao filho
Atouguia
1° Conde de Rio Promessa Efetivado em sua filha e em
05/03/1689 Grandeza
Grande (1678) seu genro77
1° Conde de Concessão de “juro” aos
22/12/1636 Efetivado Grandeza
Óbidos sucessores78
1º. Visconde de Renovado em mais uma
19/12/1671 Efetivado Sem grandeza
Barbacena vida79
Fonte: IAN/TT. Chancelarias Régias; GAYO, Felgueiras. Nobiliário de famílias de Portugal;
SOUSA, D. Antonio Caetano de. Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Portugal

Um dado bastante esclarecedor sobre a qualidade social dos governadores-gerais


que vieram ao Estado do Brasil nesse período é o fato de que 4 destes foram fundadores
de Casas nobiliárquicas, isto é, foram os receptores das mercês e das políticas da Coroa

74
Como não era casado e nem possuía filhos, António Teles da Silva, indicou seu irmão como herdeiro
em seu testamento: “Deixo a meu irmão o Senhor Fernam Telles como universal herdeiro meus servissos,
e pesso a Sua Magestade que a merece que me tinha feito de Conde de Villar Maior, com o mais que de
sua grandeza espero a faça a meu irmão o Senhor Fernam Telles”. RAU, Virgínia. Op. cit. 1984, p. 45.
Antonio Teles da Silva faleceu no naufrágio da embarcação Nossa Senhora da Conceição, a mercê foi
transmitida a Fernão Teles da Silva. Cf: GAYO, Felgueiras. Op. cit. Tomo XXVII, p. 20; SOUSA, D.
Antônio Caetano de. História Genealógica da Casa Real Portugueza. Tomo. VII, Lisboa, Na regia
Oficina Sylviana e da Academia Real. 1740. p. 221.
75
Aires Teles de Menezes era filho bastardo Antonio Teles de Menezes, foi legitimado por determinação
régia e teve a promessa de sucessão no título condicionada ao término do período de governo do seu pai
no Estado da Índia, contudo não recebeu o título em decorrência do falecimento de Antonio Teles de
Menezes durante a viagem de ida ao oriente português. Cf. GAYO, Felgueiras Op. cit. Tomo XXVII, p.
28-29
76
Alvará de renovação do título de Conde e bens da coroa por mais duas vidas. 18/02/1643. IAN/TT.
Chancelarias Régias: D. João IV. Livro 14. fl. 90.
77
Francisco Barreto obteve a mercê do título de Conde do Rio Grande para transmitir para um filho ou
filha mais velha (por alvará em 14 de Junho de 1678), sendo que esta ficou mantida sob sigilo na
chancelaria e foi concedida a sua filha e seu genro: “lhe fiz [mercê] do título de Conde para seu filho mais
velho se o tiver, e tendo filha que seja herdeira de sua Casa, lhe faço a mesma mercê para a pessoa com
quem ela casar contanto que o casamento será a minha vontade, e esta mercê não terá efeito no filho ou
filha senão em casando, e até esse tempo estará em segredo e não se cumprirá se se descobrir por sua
parte...” 05/03/1689. IAN/TT. Registro Geral de Mercês: D. Pedro II. Livro 1. fl. 380.
78
“me pras e hei por bem de lha fazer, de mais de outras que pelos mesmos respeitos lhe fez do dito título
de Conde da vila de Óbidos de juro para ele e seus sucessores na forma da lei mental, com todas as
honras prerrogativas preeminências, privilégios, graças, isenções, liberdades franquezas que há, detém e
de que usam e sempre usaram os Condes destes meus Reinos”. Grifo nosso. 14/04/1663. IAN/TT.
Chancelarias Régias: D. Afonso VI. Livro 25. fl. 221.
79
“Tenho feito mercê em sua vida e em outra vida mais para lhes suceder nela o dito seu filho mais velho
lhe faço outrossim mercê de uma vida mais nos bens da coroa e ordens que tiver”. 08/01/1672. IAN/TT.
Chancelarias Régias: D. Afonso VI. Livro 41, fl.163v.
40
de criação de títulos. As exceções se referem a títulos existentes e confirmados pela
nova dinastia, com destaque para o caso do Conde de Atouguia que recebeu um título
que já estava em sua família por quase dois séculos80.
Como indicamos anteriormente, alguns destes governadores-gerais haviam
recebido o título de nobreza a partir do casamento (Conde de Castelo Melhor e Conde
de Óbidos) ou da sucessão familiar (Conde de Atouguia). Entretanto, haviam outras
possibilidades de obtenção, em decorrência dos serviços prestados: Antonio Teles da
Silva teve a promessa do título condicionada ao término de seu governo no Estado do
Brasil81; o conde de Vila Pouca de Aguiar recebeu o título antes de embarcar para o
82
Estado do Brasil ; Afonso Furtado de Mendonça recebeu o título de Visconde de
Barbacena tanto como recompensa por sua atuação na guerra da restauração, como pela
sua nomeação para o governo do Estado do Brasil 83.
Essas são as características que marcaram esse período no cenário nobiliárquico
português. Nuno Gonçalo Monteiro e João Paulo Salvado indicaram que entre 1641 e
1700 a coroa criou 26 novos títulos, o que em grande parte está associado à dinâmica da
guerra contra a Espanha, tanto pela necessidade de criar vínculos com a base social que
apoiava a nova dinastia, quanto pela fração da nobreza titular portuguesa permaneceu na
corte espanhola84. Deste modo se verifica que
Em el período de la Guerra (1640-1668) la política de concesión de
títulos seguió critérios diferentes de aquéllos que antes se habían
adoptado. Em este período fueron bastante numerosos los nuevos
títulos destinados a hijos segundos y menos freqüentes las elevaciones
a la grandeza de señores de tierra com jurisdicción. Pero la diferencia
más relevante reside em la nueva importância que de forma
indiscutible adquirieron los servicios militares. Si sumamos los
desempeñados em el Império y los que tuvieron lugar em la Península,

80
De acordo com Antonio Caetano de Sousa o título de Conde de Atouguia havia sido criado em
17/12/1448 por D. Afonso VI, sendo o primeiro titular Álvaro Gonçalves de Ataíde. Cf. SOUSA, D.
Antonio Caetano de. Op. cit. 1755, p. 299.
81
RAU, Virgínia. “Fortunas Ultramarinas e a nobreza portuguesa no século XVII” In: GARCIA, José
Manuel. (Org.) Estudos sobre história econômica e social do Antigo Regime. Editorial Presença,1985.
p.30.
82
05/08/1647. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. João IV. Livro 18. fl. 268v.
83
16/07/1670. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Afonso VI. Livro 41. fl. 12-12v; 06/04/1672 IAN/TT.
Chancelarias Régias: D. Afonso VI . Livro 41. fl. 190-190v.
84
Isso explica em parte a extinção de 31 títulos no mesmo período. Ao final do intervalo 1641-1700 a
coroa portuguesa contava com 51 Casas titulares. Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SALVADO, João
Paulo. “La administración de los patrimônios de las grandes casas aristocráticas en el Portugal del antiguo
Régimen.” In: RECIO, Raúl Molina (Dir). Familia y Economía em los territórios de la Monarquía
Hispánica.( SS XVI-XVIII). Badajoz : Editorial Mandalay, 2014. p. 256. – Agradeço a Nuno Monteiro
por gentilmente ceder uma cópia digital deste artigo.
41
constatamos que casi tres cuartos de los nuevos títulos se concedieron
em remuneración de servicios militares.85

A concessão do título conferia o domínio jurisdicional sobre a terra, assim como


várias distinções sociais e direitos nas “encenações de poder”86, e ainda era
acompanhado de uma renda: o assentamento. Conforme indica Antonio Villasboas e
Sampayo aqueles que recebiam títulos nobiliárquicos perdiam as mercês de “moradia”87
e “em lugar della se lhe faz mercê de assentamento, que he outra espécie de ordenado,
que se assenta pelos Titulos, & dignidades das pessoas, & este se lhe dá onde quer que
estiverem, ainda que seja fora da Corte”88. Como podemos ver isso implicava em uma
quantia significativa: o conde de Vila Pouca de Aguiar recebeu a mercê de
assentamento de 102.874 réis anuais89. Contudo, reforçando mais uma vez a
hierarquização existente dentro da própria nobreza titular, o Conde de Óbidos que era
detentor da mercê de Conde Parente, recebia anualmente 270.000 réis de assentamento
90
. Essa diferença significativa é explicada por Sampayo: “porque conforme a mayoria
do Titulo se dá o assentamento, & às vezes entre Titulos iguaes he desigual o
assentamento, porque aquelles, que tem a prerrogativa de parentes delRey, o tem
mayor91”. Conforme Renato de Souza Alves indicou, o parentesco entre o Conde de
Óbidos e a Casa de Bragança era antigo, remetendo à figura de D. Dinis, filho do
Fernando II (3º. Duque de Bragança), que deu origem a casa dos Mascarenhas 92. A
diferença hierarquia entre os titulados se torna mais evidente se observamos o valor do

85
Grifos nossos. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Nobleza y Élites en el Portugal Moderno en el contexto
de la Península Ibérica (siglos XVII y XVIII).” In: MESA, Enrique Soria; CARO, Juan Jesús Bravo;
BARRADO, José Miguel Delgado (Coords). Las elites en la época moderna: la monarquia española.
Universidad de Córdoba, 2009. p. 148.
86
Utilizamos aqui no sentido empregado por Mafalda Soares da Cunha, quando se refere a ritualística
envolvida em cerimônias públicas. Cf. CUNHA, Mafalda Soares da. A casa de Bragança (1560-1640):
Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa: Editorial Estampa, 2000. p. 149-200.
87
As moradias aqui referidas eram valores recebidos pelos fidalgos listados como moradores da Casa
Real. Cf. BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico...
Vol. V. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.573-574. (CD-ROM)
88
SAMPAYO, António Villasboas e. Op. cit. p. 163
89
19/08/1647. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. João IV. Livro 18, fl. 275v.
90
18/10/1646. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. João IV. Livro 19. f.231v. Na mercê estava indicado
que este era o valor que todos os detentores da mercê de Conde Parente receberiam, portanto é possível
inferir que o valor que Marqueses e Duques receberiam de assentamento fosse ainda mais elevado.
91
SAMPAYO, António Villasboas e. Op. cit. p. 163. Segundo João Carlos de Castelo Branco e Torres
poucas foram as Casas que gozaram do título de Parente em conjunto com os títulos nobiliárquicos:
Duques de Cadaval, Lafões, Terceira; Marqueses de Abrantes, Angeja, Lavradio, Valença; Condes de
Évora Monte, Tentugal, Moita, Vimiozo, Óbidos. Cf. TORRES, João Carlos Feo Cardoso de Castello
Branco e. Resenha das Familias Titulares do Reino de Portugal: acompanhada das noticias biographicas
de alguns individuos das mesmas famílias. Lisboa: Na imprensa Nacional, 1838. p. XI.
92
ALVES, Renato de Souza. Op. cit. 2014. p. 42.
42
“mantimento” concedido ao Visconde de Barbacena, título que não possuía grandeza,
recebendo anualmente apenas 50.000 réis93.
Deste modo, indicamos como os governadores-gerais faziam parte da “primeira
nobreza do Reino” 94
, uma elite social, política e econômica que servia o monarca em
toda a extensão de seu império. No tópico seguinte exploraremos uma dimensão
particular da atuação dessas elites: os serviços ao Rei.

4 - Os serviços no Reino:

Uma vez que fizemos uma caracterização social do grupo que analisamos,
indicaremos agora alguns fatores contextuais que moldaram as práticas de serviço da
nobreza portuguesa. Para tanto, consideraremos especificamente o período posterior a
aclamação de D. João IV, visto que a maioria dos serviços analisados foram prestados
nesse período e em decorrência da mudança dinástica.
Não abordaremos aqui os pormenores e as raízes do descontentamento dos
portugueses com a União das Coroas, tema com bibliografia vasta e discussão muito
extensa para este espaço95. Indicaremos apenas que a insatisfação com o governo dos
Habsburgos estava relacionada fatores como a elevada carga fiscal, a constante
mobilização de soldados portugueses para atuar nas guerras encabeçadas pela
monarquia espanhola, e ainda a exclusão de grande parte da elite lusa do cenário
cortesão madrilenho, e por consequência, dos principais ofícios e mercês.
Ao analisar o contexto iniciado com a ascensão da Dinastia de Bragança ao
trono português, Rafael Valladares indicou que o principal fator agregador da base

93
06/04/1672. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Afonso VI. Livro 41. f. 190-190v. Segundo indica
Antonio Caetano de Sousa, o título de Visconde de Barbacena não possuía status grandeza. Cf. SOUSA,
D. Antonio Caetano de. Op. cit. 1755. p. 712.
94
Nuno Monteiro e João Paulo Salvado resumem as principais características que davam forma a esse
grupo “la aristocracia de la dinastía de Braganza, a la que aquí nos referimos, estaba constituida por
aquello que, desde fines del siglo XVII, los propios contemporáneos designaban como la “la primera
nobleza del reino” toda ella residente en la corte (Lisboa), constituida por algunas decenas de Casas de
señores, comendadores, detentores de cargos palatinos, en cuya cima se encontraba media centena de
Casas de los Grandes del reino. Era la Grandeza que monopolizaba en las representaciones comunes la
imagen de la nobleza.” MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SALVADO, João Paulo. Op. cit. p.244-245.
95
Destacamos alguns textos que sintetizam bem este período em uma perspectiva política do acirramento
das tensões: ELLIOTT, John H. “The Spanish Monarchy and the Kingdom of Portugal 1580-1640”. In:
GREENGRASS, Mark. (Ed.) Conquest and Coalesce: The shaping of the State in Early Modern Europe.
London: Edward Arnold. 1991; SCHAUB, Jean-Frédéric. Le Portugal au temps du comte-duc d‟Olivares
(1621-1640): Le conflit de juridictions comme exercice de la politique. Nouvelle édition [online].
Madrid : Casa de Velázquez, 2001 Acessado em: 15 Dezembro de 2017. Disponivel em:
http://books.openedition.org/cvz/2579.; VALLADARES, Rafael La conquista de Lisboa: Violencia
militar y comunidad política en Portugal, 1578-1583. Madrid: Marcial Pons Historia, 2008.
43
social que apoiou a rebelião portuguesa estava relacionado às políticas castelhanas de
exclusão dos principais ofícios políticos de grande parte da fidalguia e da nobreza
lusitana. Deste modo, a insatisfação do grupo diante deste cenário se deu a partir da
percepção de que “a coroa não iria recuar na sua política de reformas, a „fidalguia‟
96
portuguesa apercebeu-se de que só tinha duas opções: adaptar-se ou revoltar-se” .
Abordando de modo mais específico os fidalgos que participaram do Golpe palaciano
de 1° de Dezembro de 1640, Mafalda Soares da Cunha ressaltou traços marcantes do
perfil dos envolvidos na aclamação, indicando as motivações e as intenções políticas
por traz do grupo:
nenhum destes fidalgos fez parte das estruturas superiores da
governação do reino de Portugal e do seu Império no período filipino.
Não pertenciam aos conselhos ou tribunais superiores do reino e os
cargos maiores palatinos que alguns envergavam não tiveram tradução
em efetivo serviço na corte régia de Felipe IV, mas sim na casa real de
Lisboa97.

Deste modo, uma parte fundamental do ethos da nobreza portuguesa estava


associada ao serviço da Monarquia. A centralidade dos serviços para manutenção,
sobrevivência e perpetuação das casas foi exaustivamente demonstrada nos trabalhos
que analisaram o comportamento da elite titular lusitana98.
Para analisar os serviços dos governadores-gerais optamos por dividi-los em
dois tipos fundamentais. Os serviços prestados no Reino e aqueles exercidos no
ultramar. Dentre os serviços prestados no reino concedemos destaque à atuação nos
Conselhos Governativos, na Casa Real e no Governo das Armas (Tabela 3). Além
disso, por tratar-se de um período de guerra todos esses governadores-gerais tiveram
alguma patente (em geral de Mestre de Campo) e atuaram na guerra contra a Espanha99.

96 VALLADARES, Rafael. A Independência de Portugal: Guerra e restauração 1640- 1680. Tradução de


Pedro Cardim. Lisboa: Espera dos Livros, 2006. p. 44.
97
CUNHA, Mafalda Soares da.“Os insatisfeitos das honras. Os aclamadores de 1640”. In: SOUZA, Laura
de Mello e; FURTADO, Júnia Ferreira; BICALHO, Maria Fernanda (Orgs). O governo dos povos. São
Paulo: Alameda, 2009. p. 497-498.
98
Novamente devemos mencionar os trabalhos de Nuno Gonçalo Monteiro, que seguramente é o
principal autor a tratar do comportamento da aristocracia portuguesa. Para o autor o ideal de servir o Rei
estava tão introjetado no comportamento e nas estratégias da elite portuguesa que “servir a monarquia,
produzir serviços, era, de facto, uma necessidade evidente e confessada, que a esmagadora maioria
procurou concretizar. (...) Evidentemente, os serviços prestados nunca deixavam de ser minuciosamente
descritos, contabilizando-se os anos, meses e dias, quando, depois, se pedia a sua remuneração e se
esperava pelo correspondente despacho”. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “O ethos da Aristocracia
portuguesa sob a dinastia de Bragança. Algumas notas sobre casa e serviço ao rei”. In: Elites e Poder:
Entre o antigo regime e o liberalismo. 2ª. Edição Revista. Lisboa: ICS, 2007. p. 94-95.
99
Fernando Dores Costa tem investigado como a atuação dos Governadores de Armas e Mestres de
campo das províncias do Reino transcenderam as questões de gestão da guerra. O autor tem se dedicado a
44
Como indicaremos ao longo desse capítulo a experiência no comando militar estava
sempre presente nas carreiras dos governadores-gerais e se misturava com a própria
esfera da governação.
O ofício de governador das armas surgiu diante das necessidades da guerra da
restauração, tendo por base as províncias do Reino, nas quais estes eram cuidavam da
governação militar, com jurisdições alargadas pelo contexto da guerra, mas ainda assim
com espaço jurisdicional delimitado100. Este ofício era o mais elevado dentro da
hierarquia militar da província, submetido apenas às ordens do Conselho de Guerra. O
conde de Castelo Melhor esteve à frente do Governo das armas da província de Entre
Douro e Minho (1643-1644) e do Alentejo (1645-1646); o Conde de Atouguia governou
a província de Trás-os-Montes (1649-1652) e também esteve no Alentejo após ter
governado o Estado do Brasil (1659-1662); o Conde de Óbidos governou por duas
vezes as armas do Algarve (1641; 1646) e também passou ao Alentejo (1643), por fim,
Afonso Furtado de Mendonça governou por um longo período na Província da Beira
(1663-1668), mas especificamente no partido de Penamacor101. Províncias como o
Alentejo102, o Minho 103 e o Algarve104 eram teatros de guerra de importância estratégica

analisar como a ampliação de poderes e competências dessas patentes produziu mudanças nos equilíbrios
de poderes locais no interior de Portugal. Cf. COSTA, Fernando Dores. “Governadores das armas,
Mestres de Campo e Capitães-mores no Alentejo durante a guerra da Restauração: Inovações na
administração centros periféricos de poder”. In: FARRICA, Fátima; VILAR, Hermínia Vasconcelos;
CUNHA, Mafalda Soares da. (Coords). Centros periféricos de Poder Na Europa do Sul. (Séculos XII-
XVIII). Edições Colibri, CIDEDUS/UE.Lisboa, 2013.
100
De acordo com António Manuel Hespanha estes oficiais eram “encarregues da administração militar
da comarca, nomeadamente quanto a recrutamento, supervisão das obrigações dos vizinhos quanto a
armas e cavalos e avaliação das qualidades dos oficiais das ordenanças, eleitos pelas câmaras. São
dotados da jurisdição necessária para se fazerem obedecer no exercício das suas funções militares, mas
estão proibidos, tanto de se intrometerem na competência das justiças civis como nas causas sobre
décimas militares”. HESPANHA, António Manuel. “A administração militar”. In: BARATA, Manuel T.;
TEIXEIRA, Nuno S. (Dir) Nova História Militar de Portugal. Vol. 2. Lisboa: Circulo de Leitores, 2004
p.175.
101
De acordo com Jorge Penim de Freitas a província da Beira foi divida em dois partidos em 1647. Cada
partido, tanto o setentrional (Riba Coa ou Almeida) quanto o partido meridional (Penamacor ou Castelo
Branco) eram comandados por um Governador de Armas. Disponível em:
https://guerradarestauracao.wordpress.com/2009/05/10/governadores-das-armas-portugal-provincia-da-
beira/. Acessado em: 14/11/2017.
102
“O Alentejo era um dos principais teatros de guerra, na pesrspectica de uma invasão pro terra. (...) No
século XVII, será o grande cenário da Guerra da Aclamação, o que fixará uma memória estratégica muito
influente até o fim deste período.” HESPANHA, António Manuel. “O espaço militar”. In: BARATA,
Manuel T.; TEIXEIRA, Nuno S. (Dir) Nova História Militar de Portugal. Vol. 2. Lisboa: Circulo de
Leitores, 2004. p. 30.
103
“O Minho era também um importante teatro de guerra. Não tanto por constituir uma via de acesso a
lugares politicamente nevrálgicos do país, que lhe ficavam longínquos. Mas pela sua própria riqueza. Em
tempos de guerra, so seus campos férteis podiam proporcionar boas presas de mantimentos,
nomeadamente de gado e cavalos. Enquanto que sua abundante população, como fonte importante de
recrutamento, constituía um objectivo estratégico de ocupação.” Loc. cit.
45
tanto pela posição defensiva quanto pelos recursos disponíveis no território, ao passo
que províncias como a Beira e Trás-os-Montes105 eram espaços secundários e de menor
importância no quadro de prioridades defensivas.
Percebemos que a experiência no Governo das armas moldou de certa forma a
visão e a compreensão da governação, ao menos no âmbito das jurisdições militares, de
alguns governadores-gerais. Como vemos a comparação e a evocação dos exemplos dos
governos das armas foram utilizados por alguns governadores-gerais como estratégia
argumentativa ou justificativa no exercício de políticas. O Conde de Óbidos teve vários
embates com Jerônimo de Mendonça Furtado, governador de Pernambuco, sobre as
jurisdições e as prerrogativas de provimento das serventias, e em um das cartas que
remeteu ao Recife fundamentou a sua ação citando um exemplo da sua experiência no
governo das armas: “pois sabe Vossa Mercê que sendo esse posto que ocupa [é] tão
inferior aos dos Governadores das Armas das Províncias de Portugal, [e] não pode ter
mais preeminências que eles: e eles nomeiam três sujeitos para El-Rei meu Senhor
106
eleger qual lhe parece” . Uma situação semelhante aconteceu no governo de Afonso
Furtado de Mendonça, quando escreveu a João da Silva de Souza, governador do Rio de
Janeiro, na qual recomendava que se observasse uma prática de respeito a hierarquia
semelhante àquela existente no governo das armas de uma província:
Vossa Senhoria sabe muito bem, que de qualquer coisa que se oferecia
nas fronteiras nenhum posto inferior dava imediatamente conta a Sua
Alteza senão ao seu Governador das armas: e ele é que a dava a Sua
Alteza E assim o pede a boa razão por todas as considerações. Isto
mesmo é justo se pratique também desta banda107.

104
O Algarve era uma região estratégica para a defesa costeira, de modo que “como teatro de guerra,
dificilmente poderia ter um significado mais do que local, pela sua posição excêntrica em relação aos
centros políticos e econômicos do país”, mas por servir de “abrigo das frotas da Índia e da América,
quando retornavam, umas a Sevilha, outras á barra de Lisboa, chave da capital do Reina, era objecto de
especial atenção”. Ibidem. p. 32-33.
105
Durante a idade média a Beira foi um ponto estratégico para defesa de invasões terrestres, contudo
“na guerra da Aclamação, é já o teatro menos activo, muito do que as fáceis planícies do Sul ou os ricos e
populosos campos da raia minhota.” Ibidem. p. 30. Já no caso de Trás-os-Montes este “era um teatro de
guerra longínquo e pouco eficaz, a não ser como via de entrada para um ataque a Entre Douro e Minho.
Era pobre e isolada, no Inverno inóspita e de caminhos difíceis nos seus extremos”. Ibidem. p.31.
106
09/09/1664. DHBN, Vol. IX, p.189-191. No Capítulo 5 exploramos com mais detalhes os conflitos
entre o Conde de Óbidos e Jerônimo de Mendonça Furtado e no Capítulo 2 analisamos as transformações
ocorridas nas jurisdições e prerrogativas dos governadores de Capitania e como isso acarretava conflitos
de jurisdição com os governadores-gerais.
107
20/02/1672. DHBN, Vol. VI, p. 223-225.
46
Tabela 3 - Serviços, patentes e ofícios exercidos no Reino

Outras patentes
Governador de
Conselho de

Conselho de

Alcaidaria
Casa Real

militares
Guerra
Estado

Armas
Governador

Antonio Teles da Silva X X X


Antonio Teles de Menezes
X X X
1° Conde de Vila pouca de Aguiar
D. João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa
X X X X
2° Conde de Castelo Melhor
D. Jerônimo de Ataíde
X X X X
6º Conde de Atouguia
Francisco Barreto de Meneses X X X
D. Vasco Mascarenhas
X X X X X X
1° Conde de Óbidos
Alexandre de Sousa Freire X X X
Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça
X X X X
1º. Visconde de Barbacena
Roque da Costa Barreto X X X
Total 5 9 2 4 4 9
Fonte: IAN/TT. Chancelarias Régias; COSENTINO, Francisco Carlos C. “Fidalgos portugueses no
governo geral do Estado do Brasil, 1640-1702”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Ano 173, n. 456, 2012, p. 36; COSENTINO, Francisco Carlos C. “Governadores gerais do Estado do
Brasil pós Restauração: guerra e carreira militar”. Varia história. Vol. 28, n° 48, jul/dez, 2012. p.752-753;
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Carreira e trajetória social na monarquia e no império ultramarino
português. Governadores gerais do Estado do Brasil (1640-1702)”. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 33, n° 66. 2013.

Cabe ressaltar que não incluímos nessa tabela os serviços prestados em outros
teatros de guerra europeus, o que se deve em parte a escassez de informações sobre o
início de algumas trajetórias, e por outro lado o fato desse tipo de experiência não ser
frequente entre a fidalguia portuguesa nesse período. A única referência que
encontramos em nossa amostragem foi a atuação de D. Vasco Mascarenhas em Flandres
em 1619, sendo este o provável início da carreira militar deste fidalgo, o que lhe
propiciou participar das mobilizações espanholas contra os países baixos no conflito que
ficou conhecido como guerra dos trinta anos (1618-1648) 108.
A presença dos governadores-gerais nos conselhos superiores é um forte
indicativo do reconhecimento da monarquia acerca das experiências de governo e da

108
ALVES, Renato de Souza. Op. cit. 2014. p. 29. Flandres foi um dos principais territórios disputados
nas guerras européias do século XVII. Para mais detalhes sobre a Guerra dos 30 anos: Cf. GEOFFREY,
Parker (Org). La guerra de los Treinta años. Trad. Juan Faci. Barcelo: Editorial Crítica, 1988; ISRAEL,
Jonathan I. Empires and Entrepots: The Dutch, the Spanish Monarchy and the Jews, 1585-1731. The
Hambledon Press, 1990.
47
capacidade de gestão desses oficiais. Em sua tese de doutorado Marcello Loureiro
destacou a centralidade do governo por conselhos na governação da Monarquia
portuguesa e de suas conquistas, uma faceta de seu caráter polissinodal de organização.
De acordo com o autor “as decisões tomas em Conselho respeitavam melhor as
autonomias, estatutos e interesses das partes envolvidas” isto porque “os Conselhos
eram espaços onde pactos eram discutidos, negociados e firmados” 109
. Na prática os
Conselhos superiores transcendiam as funções de aconselhar o monarca e formular
pareceres, pois permitiam a inserção e a participação da nobreza no governo da
monarquia.
O Conselho de Estado era tido como “o principal órgão governativo do Reino,
ao qual cabia conhecer e opinar sobre todos os assuntos de natureza política” 110
, ou
seja, os membros desse tribunal deliberam sobre a política interna e externa do reino,
bem como detinham uma jurisdição superior que lhes conferia a prerrogativa de
111
deliberar sobre consultas feitas por outros conselhos . No caso do Conselho de
Guerra, tanto a sua jurisdição e como a sua função eram mais circunscritas e
delimitadas, sendo que “cabiam-lhe muitas das tarefas executivas, de inspecção e de
vigilância dos variados aspectos da organização da guerra e também as funções de
justiça militar suprema” 112.
O assento nos conselhos superiores figura, portanto, como uma parte importante
da trajetória dos governadores-gerais. Se retomarmos os dados coletados por Francisco

109
LOUREIRO, Marcello José Gomes. Iustitiam Dare: A Gestão da Monarquia Pluricontinental.
Conselhos superiores, pactos, articulações e o governo da monarquia pluricontinental portuguesa. (1640-
1668). Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro, PPGHIS/UFRJ; Paris, EHESS, 2014. p. 183.
110
GAMA, Maria Luísa Marques da. O Conselho de Estado no Portugal Restaurado: Teorização,
orgânica e exercício do Poder político na Corte Brigantina. Dissertação (Mestrado em História) Lisboa,
Universidade de Lisboa, 2011. p. 104. Se recorrermos a tratadística da época, como o célebre D.
Francisco Manuel de Mello, veremos que a atuação do conselho de Estado englobava uma gama muito
variada de fazeres da política, indicando como esse domínio era significativamente alargado durante o
Antigo Regime: “As matérias pertencentes ao Concelho de Estado são o governo por mayor da
Monarchia, Conquistas, de Reynos, & Estados: cazamentos de Principes; & expediçoens, & respostas de
Embaxadas: Guerras, que se hão de começar, ou acabar: soccorros dados, ou negados a vizinhos.
Ereção de novas praças: pedir, ou aceytar pazes, & tregoas: Eleyçoens dos Vice-Reys (...) Nomeação de
Generaes; supplicas de Capelos; Proposição de Mitras; concessão de Titulos; suposto, que se despachão
pelo Concelho de Camera: Exame de Alvitres”. MELO, D. Francisco Manuel. Aula política cúria militar.
Lisboa Occidental, Na Officina de Mathias Pereyra da Sylva & Joam Antunes Pedrozo. Anno 1720. p.
44-45.
111
De acordo com Marcello Loureiro a atuação do Conselho de Estado reafirmava o caráter polissinodal
da monarquia, pois ao apreciar as deliberações de outros conselhos “optava por remeter o assunto
novamente para o Conselho de origem (Guerra ou Ultramarino, por exemplo) ou então para outro
Conselho ou Tribunal, ainda não envolvido (como Fazenda ou Desembargo).” LOUREIRO, Marcello
José Gomes. Op. cit. 2014. p. 151.
112
COSTA, Fernando Dores. “O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação da sua
autoridade.” Análise social. Vol. XLIV, n° 191, 2009. p. 385.
48
Cosentino sobre os governadores-gerais entre 1640-1702 veremos como a participação
nos conselhos era um componente fundamental dessas carreiras. Dos 15 governadores
analisados por Cosentino 11 tiveram assento no Conselho de Estado e 11 no Conselho
de Guerra, sendo que 8 tiveram presença em ambos conselhos113.
O serviço na Casa Real também propiciava oportunidades de exercer poder,
influência e intermediação. Como apontamos vários dos governadores-gerais tiveram
entre os seus ascendentes e de suas esposas oficiais da Casa Real. Contudo, em nossa
amostragem apenas dois governadores figuram como detentores de ofícios na Casa
Real: Alexandre de Souza Freire e D. Vasco Mascarenhas.
Alexandre de Souza Freire foi Vedor de D. Maria Francisca de Sabóia114, um
dos ofícios maiores da casa da Rainha115. O Conde de Óbidos também atuou em ofícios
maiores da Casa Real, sendo Gentil Homem da Câmara116 de D. Afonso VI e Estribeiro-
mor117 da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia. Cabe recordar o que Pedro Cardim
indicou sobre o prestígio e a influência dos oficiais ligados à Câmara do Rei, pois este
„frequentemente practicão com os Príncipes, [eram] cofres de suas
payxoens, moderadores dos seus affectos (...)‟ e, como tal, gozavam
de uma ascendente muito maior do que aqueles que, pelo contrário,
mantinham um contacto mediatizado e mais distante com o monarca.
Não podemos esquecer que, nesta época, era muito importante a
possibilidade de comunicar directamente com a pessoa régia, pois tal
podia materializar-se na capacidade de influenciar o arbítrio do rei,

113
COSENTINO, Francisco C. Op. cit. 2012. p. 36.
114
De acordo com informação de D. Antonio Caetano de Sousa: “serviu em Tanger, e foy Comendador
na Ordem de Cristo: no ano de 1663 governou a Cidade de Beja; servio na Guerra de Alentejo; foi
Governador, e Capitão General de Mazagão, e do Estado do Brasil, Vedor da Casa da Rainha D. Maria
Francisca de Sabóia, e do Conselho de Guerra”. SOUSA, D. Antonio Caetano. História genealógica da
casa real portuguesa. Livro XII, Lisboa: Academia Portuguesa de História/QuidNovi/Publico, 2007. p.
298.
115
Segundo D. Raphael Bluteau “he cargo, segundo em preminências, depois do Mordomo. Seu offício
he examinar as iguarias que chegão à mesa Real, por cuja causa se chama veedor, (...) Na nossa corte he
cargo tão grande, q faz o officio de Mordomo-mor, quando este falta, & assim preside também aos Moços
da Câmera, Escudeyros, & Cavalleyros Fidalgos, ordena o ministério da mesa do Rey, manda fazer as
cõpras das iguarias pelo comprador da Casa, que tem hum ajudante, & provè todos os oficios da cozinha”
BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. VIII.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.378. (CD-ROM)
116
A definição de Bluteau sobre o termo é bem ampla, e define tanto uma distinção honorífica da
fidalguia, quanto o ofício da Casa Real: “Gentil homem vem a ser o mesmo, que Homem nobre, Homem
fidalgo; (...) Os Gentishomens, que por curiosidade vem a saber o estilo & gentilezas de Cortes estranhas.
E como he razão, que ao lado dos Reys assistão os mais cavalleiros do Reyno, justamente forão chamados
Gentishomens da Câmara del Rey os que occupão este lugar” BLUTEAU, D. Raphael. Op. cit. Vol. IV.
1712. p. 57. (CD-ROM)
117
O ofício de estribeiro-mor é descrito com importância por Bluteau, sobretudo por que “he officio, a
cuja ordem estão os cavallos, coches, & liteiras da casa Real, & a gente, que serve neste ministério.
Acompanha a El-Rey, calcalhe as esporas, ajudão a se por a cavalçalhe as esporas, ajudão a se por a
Cavallo, & apearse; quando El Rey sahe em coche, vai no Estribo direito. Preside ao Estribeiro pequeno,
ao sevadeiros, & mais ministros da Estribaria, & provê os moços dela.” BLUTEAU, D. Raphael. Op. cit.
Vol. III. 1712. p. 343. (CD-ROM)
49
assim como na possibilidade de receber recompensas mais avultadas
pelos serviços prestados.118

Portanto, o serviço na Casa Real implicava em ocupar uma posição de destaque


na sociedade cortesã portuguesa, uma vez que estes espaços eram disputados pelos
nobres, afinal desfrutavam de contato direto, e em alguns casos de modo exclusivo e
privado, da figura do monarca e de outras figuras da família Real. A percepção
desenvolvida por Norbert Elias em estudo clássico permanece muito pertinente para
analisar esses tipos de relação, afinal “o favorecimento do rei é, por conseguinte, uma
das oportunidades mais promissoras que as famílias da noblesse d‟ épée têm para
impedir o círculo vicioso do empobrecimento provocado por suas despesas de
representação” 119
, e mais especificamente no caso português, essa proximidade
significava a sobrevivência e a prosperidade de grupos familiares que sabiam manejar as
cartas do jogo cortesão.

5- Os serviços no Ultramar

Como indicamos no tópico anterior os serviços no Reino representavam um


grande potencial para obtenção de honras e acrescentamento social. Contudo, foi na
circulação pelas conquistas do império que a maioria das trajetórias e dos patrimônios
foram construídos. Isso reflete um dado maior, sobre o comportamento da aristocracia
portuguesa, uma vez que “a maior parte das grandes casas aristocráticas portuguesas
teve algum dos seus membros num governo das conquistas”120. Essa característica se
deve à organização da estrutura de serviços e às políticas da coroa que incentivaram o
engajamento de nobres e fidalgos na expansão do império, e neste cenário “os
governadores coloniais constituíam o elemento simbolicamente mais destacado. E a
política da coroa de pôr a primeira nobreza a servir nas conquistas deu os seus
frutos”121.
Em seu ensaio sobre a luta global entre os Portugueses e os Holandeses durante
o século XVII, Charles Boxer resume o desfecho desses conflitos afirmando que o saldo
foi equilibrado com “vitória para os Holandeses na Ásia, um empate na África

118
CARDIM, Pedro. Op.cit. 2002. p. 45.
119
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de
corte. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001. p. 90.
120
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. 2005. p. 233.
121
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “A circulação das elites no império dos Bragança (1640-1808): algumas
notas”. Tempo. vol. 14. n.o. 27. Dezembro de 2009. p. 72.
50
Ocidental e vitória para os Portugueses no Brasil” 122
. Os neerlandeses não foram os
únicos adversários que os portugueses enfrentaram em suas conquistas ultramarinas123,
mas certamente foram os antagonistas mais freqüentes durante o século XVII.
Com efeito, assegurar o controle sobre territórios dispersos pelo globo era uma
tarefa que exigia a mobilização constante de Armadas, tanto para reforçar defesas e
assegurar a segurança das rotas de comércio, quanto para resgatar e expulsar adversários
de outras nações européias das conquistas e feitorias ultramarinas.
A trajetória de Antônio Teles de Menezes no Estado da Índia foi exemplar nesse
sentido, pois antes de receber a nomeação para o Governo-geral do Estado do Brasil,
sua lista de serviços em ações navais no oriente chegava a quase 30 anos124. Alguns
governadores-gerais participaram das maiores mobilizações navais deste período. A
“Jornada dos Vassalos” (1625) 125
, formada com o objetivo de reconquistar a cidade de
Salvador e expulsar os holandeses do Brasil (1625). A Armada do Conde da Torre
(1639) 126, um dos maiores esforços militares desse período, que objetivava reconquistar

122
BOXER, Charles. “A luta Global com os Holandeses (1600-1663)”. In: O Império Colonial Português
(1415-1825). Trad. Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições 70. 1981. p. 120.
123
Sanjay Subrahmanyam reconstrói a trama política complexa que permeava a presença lusa no Oriente,
indicando como portugueses e outros europeus (ingleses, holandeses, etc) foram envolvidos em disputas
territoriais e alianças com os poderes asiáticos. O autor insere as disputas nesse cenário a fim de
relativizar a percepção de que o triunfo neerlandês fosse tributário exclusivamente da superioridade de
recursos humanos e materiais. A inferência dos potentados orientais foi decisiva para a retração da
presença portuguesa no oriente. Cf. SUBRAMANYAN, Sanjay. “Empire in Retreat, 1610-1665”. In: The
Portuguese Empire in Asia, 1500-1700: A Political and Economic History. 2nd Edition. West Sussex:
Wiley-Blackwell, 2012. p. 154.
124
Antonio Teles de Menezes iniciou seus serviços no Estado da Índia em 1613 e nos anos seguintes
ingressou em diversas expedições navais nos territórios orientais. Quando retornou ao reino em 1642,
acumulava cerca de 29 anos de serviços militares e de governo na porção asiática do Império português.
O reconhecimento régio desses serviços e dessa experiência veio na forma de um dos maiores títulos da
marinha portuguesa: General da Armada de Mar Oceano. Cf. ARAÚJO, Hugo André F. F. Op. cit. 2014.
p. 37-40; BOXER, Charles R. “O General do Mar, António Teles, e o seu combate naval contra os
Holandeses na barra de Goa, em 3 de Janeiro de 1638”. Boletim do Instituto Vasco da Gama. n°. 37. Goa:
Tipografia Rangel, Bastorá, 1938.
125
Essa expedição foi nomeada como “Jornada dos Vassalos” nas fontes coevas como uma forma de
demarcar a especificidade da participação portuguesa no empreendimento de restauração de Salvador,
pois como aponta Stuart Schwartz nesse “discurso político, o termo „vassalo‟ tornara-se sinônimo de
sujeito mas, no entanto, já era normalmente usado para descrever a relação específica da nobreza com a
coroa”, o que era sintomático acerca do comportamento da aristocracia lusa diante das políticas
madrilenhas na década seguinte. SCHWARTZ, Stuart. “A jornada dos vassalos: poder real, deveres
nobres e capital mercantil antes da Restauração, 1624-1640”. In: Da América portuguesa ao Brasil:
Estudos históricos. Trad. Nuno Mota. Lisboa: Difel, 2003. p. 154. António Teles da Silva e D. Vasco
Mascarenhas participaram dessa expedição assim como grande parte da elite reinol.
126
A Armada do Conde da Torre foi uma mobilização militar que envolveu forças navais e militares de
Portugal e Espanha. A esquadra contava com aproximadamente 41 embarcações transportando cerca de
6000 soldados de ambas as nacionalidades. Cf. MATOS, Gastão de Melo. Noticias do Terço da Armada
Real (1618-1707). Lisboa: Imprensa da Armada, 1932, p. 22; BOXER, Charles R. Salvador Correia de
Sá e a luta pelo Brasil e Angola: 1602-1686. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Cia.
51
os territórios ocupados pelos neerlandeses no nordeste do Estado do Brasil. Contudo,
esse empreendimento fracassou em razão de falhas de planejamento estratégico e de um
grande temporal que dividiu e debilitou as forças que tentaram reconquistar
Pernambuco. No caso do Conde de Atouguia vemos que sua experiência na Armada foi
posterior ao período de governo na América, pois recebeu a patente de general da
armada Real em 1662127.
Nesse sentido, como vemos na Tabela 4 a experiência nas armadas foi uma
parte importante das trajetórias militares ultramarinas, e possibilitava a esses fidalgos
adquirirem experiência em várias conquistas, como nos casos indicados, nos quais o
serviço nas Armadas foi acompanhado do exercício de postos na Ásia e Brasil, em
períodos anteriores ao exercício do governo.
Tabela 4- Serviços exercidos no Ultramar

Serviços no

Serviços na

Serviços na

Armadas
África
Brasil

Ásia
Governador

Antonio Teles da Silva X X X


Antonio Teles de Menezes
X X
1° Conde de Vila pouca de Aguiar
D. João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa
X X
2° Conde de Castelo Melhor
D. Jerônimo de Ataíde
X
6º Conde de Atouguia
Francisco Barreto de Meneses X X
D. Vasco Mascarenhas
X X X
1° Conde de Óbidos
Alexandre de Sousa Freire X
Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça
1º. Visconde de Barbacena
Roque da Costa Barreto
Total 4 3 1 6
Fonte: IAN/TT. Chancelarias Régias; COSENTINO, Francisco Carlos C. “Fidalgos portugueses no
governo geral do Estado do Brasil, 1640-1702”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Ano 173, n. 456, 2012, p. 36; COSENTINO, Francisco Carlos C. “Governadores gerais do Estado do
Brasil pós Restauração: guerra e carreira militar”. Varia história. Vol. 28, n° 48, jul/dez, 2012. p.752-753;
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Carreira e trajetória social na monarquia e no império ultramarino
português. Governadores gerais do Estado do Brasil (1640-1702)”. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 33, n° 66. 2013.

Editora Nacional, 1973. p. 129. Esta expedição contou com a participação do D. João Rodrigues de
Vasconcelos e Souza, D. Vasco Mascarenhas e Francisco Barreto.
127
MATOS, Gastão de Melo. Op. cit. p.64-65.
52
O exercício de postos de governo foi outro componente fundamental das
trajetórias ultramarinas de serviço. Neste ponto temos alguns exemplos interessantes
sobre a progressão entre estes tipos de ofício. Francisco Barreto ocupou o governo de
Pernambuco durante a fase final da guerra contra os holandeses, e logo em seguida foi
nomeado para o Governo-geral do Estado do Brasil em satisfação aos sucessos obtidos
na guerra. No caso de D. Vasco Mascarenhas, podemos perceber que este acumulou
uma longa experiência no Estado do Brasil, servindo na Bahia em ofícios militares por
mais de 10 anos e ocupando interinamente o governo-geral entre 1639-1640128. Após
este período na América o Conde de Óbidos exerceu alguns ofícios no reino,
majoritariamente atuando na guerra da restauração, até ser nomeado para o vice-reinado
do Estado da Índia129. Antônio Teles de Menezes também exerceu o governo do Estado
da Índia, porém em caráter interino pelo falecimento do vice-rei Pero da Silva130.
Alexandre de Souza Freire foi o único governador-geral de nossa amostragem com
experiência no norte da África, tendo governado Mazagão entre 1654 e 1658131.
Como vemos na Tabela 4, tanto Afonso Furtado de Mendonça, quanto Roque da
Costa Barreto, não dispunham de experiência ultramarina, seja nas armadas ou em
serviços nas conquistas. Isso pode estar associado principalmente ao fato da carreira de

128
Como indicamos anteriormente, D. Vasco de Mascarenhas havia participado da “Jornada dos
Vassalos”, contribuindo para a recuperação de Salvador. Uma vez que a urbe se encontrava novamente na
posse dos luso-brasileiros, D. Vasco foi nomeado como o primeiro mestre de campo do recém criado
terço, exercendo ofício pro cerca de 8 anos (1626-1634). Após esse período retornou ao reino, e alguns
anos depois retornaria ao Estado do Brasil na Armada do Conde da Torre, desta vez ocupando o ofício de
Capitão General de Artilharia (1638-1639). O Conde de Óbidos ocupou o posto de governador-geral
interinamente por poucos meses (entre Novembro de 1639 e Fevereiro de 1640), enquanto o Conde da
Torre comandava o ataque infrutífero ao Recife. Cf. ARAÚJO, Érica Lôpo. Op. cit. 2016. p. 44-63;
ALVES, Renato de Souza. Op. cit. p. 29-32.
129
O conde de Óbidos foi nomeado como vice-rei do Estado da Índia e ocupou este governo entre 1652 e
1653 (cerca de 13 meses), quando um segmento de fidalgos descontentes com as impopulares políticas
implantadas por D. Vasco Mascarenhas, depuseram o vice-rei e o enviaram para Lisboa. Cf. DISNEY,
Anthony R. A History of Portugal and the Portuguese Empire: From Beginnings to 1807. Vol. II: The
Portuguese Empire. Cambridge University Press, 2009. p. 170; ARAÚJO, Érica Lôpo. Op. cit. 2016.
p.155-165. D. Vasco Mascarenhas também recebeu uma mercê que lhe conferia o direito de nomear
alguém para servir na capitania da Fortaleza de Diu no Estado da Índia. 12/03/1663. IAN/TT.
Chancelarias Régias: D. Afonso VI. fl. 166.
130
ARAÚJO, Hugo André F. F. Op. cit. 2014.p. 39-40. Antônio Teles de Menezes também governou a
fortaleza de Diu em duas ocasiões: 1622 e 1633. 15/03/1622. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Felipe
III. Livro 3. fl. 136-136v; 26/02/1633. IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Felipe III. Livro 26. fl. 119.
131
IAN/TT. Chancelarias Régias: D. João IV. Livro 25. fl. 88v. Cf. COSENTINO, Francisco Carlos C.
Op. cit. 2013. p. 194. Nuno Monteiro e Mafalda Soares indicam que o perfil social dos governadores das
praças do norte da África era acentuadamente fidalgo, uma vez que vários destes governos foram
controlados por algumas famílias específicas durante o século XVI. No século XVII estes postos
experimentaram maior diversidade de nomeações, e serviram como “plataforma para muitas nomeações
para o vice-reinado da Índia, para o Brasil ou para postos superiores na administração política do Reino”.
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. 2005. p. 218.
53
ambos fidalgos ter sido forjada nas batalhas da guerra da restauração132. E ainda é
possível sugerir que estes governadores-gerais não gozassem do mesmo status social de
alguns de seus antecessores, que estiveram diretamente envolvidos na Aclamação de D.
João IV ou que fossem detentores de títulos nobiliárquicos com Grandeza. Afinal, como
temos demonstrado vários desses fidalgos já estavam engajados em serviços militares
durante a União Ibérica (1580-1640).
Com efeito, é possível perceber que os tipos descritos de experiência no serviço
do Rei eram fatores de relevância para o acrescentamento social destes fidalgos, e ainda
concorriam tanto para a promoção hierárquica, como para a nomeação para o governo
do Estado do Brasil. Assim, concordamos com a conclusão de Francisco Cosentino,
quando este apresenta como esses tipos de experiência militar ultramarina se tornaram
parte essencial dos critérios de recrutamento dos governadores-gerais do Estado do
Brasil durante o século XVII, pois esta

Era uma conjuntura que no reino e no ultramar exigia da fidalguia


portuguesa o exercício de funções militares e participação nas guerras.
A remuneração de serviços, nesse momento, passava não apenas pelos
serviços no ultramar, mas, principalmente, pela defesa da dinastia
bragantina restaurada. Entretanto, a experiência militar anterior não
implicou que as suas funções quando governadores gerais se
restringissem ao campo militar. A experiência nos exércitos
portugueses deu a eles vivências de comando e os habilitou ao
exercício dos cargos próprios da sua origem social, como o governo
geral do Estado do Brasil.133

É possível perceber que a experiência ultramarina de serviços ao Rei não só


revela um traço sui generis da aristocracia de corte portuguesa, mas também expressa
uma característica fundamental da monarquia pluricontinental, visto que o esforço da
Coroa em estimular que as casas nobiliárquicas servissem em postos de governo no
ultramar se converteu em um dado verificável para a maioria das Casas portuguesa,
como Nuno Monteiro apontou em vários de seus estudos. Isto reforça a percepção da
dependência material de sua elite política das rendas das conquistas, e ao mesmo tempo,

132
A carreira de ambos consistiu basicamente no serviço das armas nas fronteiras do Reino durante a
guerra da Restauração (1641-1668), atividade em que lograram ascensão hierárquica que culminou nas
respectivas nomeações para o Estado do Brasil. Afonso Furtado de Mendonça faleceu durante seu
governo do Estado do Brasil Cf. SCHWARTZ, Stuart B.; PÉCORA, Alcir. (Orgs.) As excelências do
governador: o panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. p. 27-32. Roque da Costa Barreto ao retornar ao reino recebeu comendas e
outras mercês que geravam renda, mas até onde pudemos perceber não exerceu outros ofícios militares ou
e governo até sua morte em 1696. Cf. COSENTINO, Francisco C. Op. cit. 2009, p. 189-199.
133
Grifo nosso. COSENTINO, Francisco Carlos C. Op. cit. 2013. p.195-196.
54
explicita um componente fundamental da economia da mercê, na medida em que
efetivamente promoveu a circulação de uma grande parcela da nobreza e fildaguia
portuguesa que dependiam dos serviços prestados por todo o império português para a
sobrevivência e manutenção do status de suas Casas134.

6- Perpetuação da memória:

Por fim, é importante recuperar a forma como esses serviços foram utilizados
para elaborar e perpetuar a memória sobre a atuação desses governadores-gerais.
Encontramos usos e finalidades diversos, ainda que a matéria prima da construção das
narrativas tenha em sua grande maioria uma fonte comum: a descrição de sucessos
militares ou feitos de grande valor que notabilizavam estes fidalgos e os tornavam
exemplares.
Durante a guerra da restauração houve um intenso esforço de propaganda a fim
de veicular as notícias sobre as vitórias obtidas pelos portugueses contra os castelhanos.
De acordo com Fernando Dores Costa a estratégia propagandística tinha objetivos
claros para a política interna e externa, de modo que no cenário europeu o “objetivo era
contrariar as versões que o poderoso inimigo divulgava nesses países”, ao passo que em
Portugal esta exercia um “papel de moralização que se confundiu frequentemente com o
da promoção dos chefes militares envolvidos nas operações” 135
. As “Relações” foram
um tipo textual muito difundido nesse cenário. Daniel Saraiva sintetiza os componentes
que davam forma a esse tipo de narrativa:
O estilo de redação adotado denuncia a intenção de aparentar uma
irretorquível objetividade. Geralmente anônimas, as relações carecem
com freqüência de introdução: os eventos exibem-se sem rodeios, à
semelhança da paisagem que se deixa ver pelo espectador. Os
comentários, escassos, são preteridos em benefício de uma prosa
enxuta que se quer estritamente factual. Os longos títulos descritivos,
carregados de adjetivos que enfatizam a dita veracidade da informação
veiculada, visam a transmitir a essência do conteúdo divulgado
mesmo a quem não dedica à obra mais do que um breve relance. A
falsa sensação de imediatismo a que se induz o leitor tem por
finalidade simular aos seus olhos a vivência única do testemunho, de

134
MONTEIRO, Nuno G. F. “A „Tragédia dos Távoras‟. Parentesco, redes de poder e facções políticas na
monarquia portuguesa em meados do século XVIII”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima.
(Orgs.) Na Trama das redes: Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.337.
135
COSTA, Fernando Dores. A guerra da Restauração. 1641-1668. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. p.
56. O autor ainda ressalta que nos primeiros anos da guerra da restauração a estratégia de produzir e editar
obras mais volumosas sobre os acontecimentos e batalhas foram mais freqüentes, mas tenderam a
diminuir com o prolongamento do conflito.
55
sorte que se suponha elevado à mesma condição de quem presenciou o
acontecido, o que, em outras palavras, equivale a querer transformar o
texto em uma fonte de experiências diretas136.

Alguns dos fidalgos que analisamos atuaram intensivamente nos primeiros anos
da guerra e foram personagens retratados em algumas dessas relações. Aqueles que
foram governadores de armas no Reino figuravam nessas narrativas como heróis e
exemplos de inspiração que serviam aos interesses de mobilização e de construção de
uma imagem ideal dos vassalos que lutavam em nome do rei. Nesse sentido, temos
relações sobre batalhas e incursões militares que narram as ações do Conde de Castelo
Melhor, do Conde de Óbidos, Afonso Furtado de Mendonça e Roque da Costa Barreto.
O Conde de Castelo Melhor protagoniza algumas relações do período em que foi
governador da Província de Entre Douro e Minho137, enquanto sua atuação como
governador da província do Alentejo foi tida como infrutífera, tanto pelas tentativas
fracassadas, como pela resistência ao seu comando o que aparentemente inviabilizava
que obtivesse êxitos nas operações que planejou138. O Conde de Óbidos foi mencionado
na “Successos victoriosos del exercito de Alentejo, y relacion summaria de lo que por
mar, y tierra obraron las armas portuguesas contra Castilla el año de 643” destacando
as ações em que participou, comandando o mal fadado cerco à Badajoz 139.

136
SARAIVA, Daniel M. P. “As janelas da realidade: a função política das relações de sucessos na
Guerra da Restauração de Portugal (1640-1668)”. In: LÓPEZ, Jorge García; CABARROCAS, Sònia
Boadas. (Coords). Las relaciones de sucesos en los cambios políticos y sociales de la Europa Moderna.
Univesitat Autònoma de Barcelona. Servei de Publicacions /Bellaterra, 2015. p. 327-328.
137
Relaçam verdadeira da entrepreza da Villa da Barca no Reyno de Galliza obrada pelas armas delRey
nosso Senhor governadas pello Conde de Castelmelhor Joaõ Rodrigues de Vasconcelos & Souza, na
Provincia de Entre Douro, & Minho, em tres de Março de 1644. Lisboa: na Oficcina de Domingos Lopes
Rosa, 1644. Disponível em: http://purl.pt/12519. Acessado em: 13/08/2016. ARAUJO, João Salgado de
Successos victoriosos del exercito de Alentejo, y relacion summaria de lo que por mar, y tierra obraron
las armas portuguesas contra Castilla el año de 643. - En Lisboa : por Paulo Craesbeck, 1644.
Disponível em: http://purl.pt/12518. Acessado em: 13/08/2016.
138
Cf. MATOS, Gastão de Melo. Op. cit. p.41. O conde da Ericeira descreve como os preparativos de
sítio e assédio a Badajoz foram frustrados , indicando que nem todo zelo e segredo na articulação da
operação eram suficientes, pois “não há segurança contra a malícia dos homens”, uma alusão a possível
sabotagem interna que comprometeu toda a ação planeja por Castelo Melhor. MENEZES, D. Luíz de
(Conde da Ericeira). História de Portugal Restaurado. Tomo II. Lisboa, 1759. p.110-113. Fernando
Dores Costa indica que o Conde de Castelo Melhor era “um homem com muitos inimigos e [por este
motivo] quebravam-se sucessivamente as rodas dos carros que transportavam a indispensável artilharia
para a organização de um cerca a uma praça, perdendo-se o tempo da surpresa. Fracasso mais vincado
porque sempre ficaria a suspeita que a iniciativa fora sabotada a partir de dentro do exército, pelos que
preferiam ver fracassar a iniciativa a ver consagrado um adversário”. COSTA, Fernando Dores. Op. cit.
2004, p. 61.
139
ARAUJO, João Salgado de Successos victoriosos del exercito de Alentejo, y relacion summaria de lo
que por mar, y tierra obraron las armas portuguesas contra Castilla el año de 643. - En Lisboa : por
Paulo Craesbeck, 1644. Disponível em: http://purl.pt/12518. Acessado em: 13/08/2016. Este relato
ameniza a forma como Óbidos foi retirado do comando do cerco, tido como mal calculado e ineficiente.
Cf. COSTA, Fernando Dores. Op. cit. 2004. p. 54-55.
56
Durante os anos decisivos da guerra (1657-1665) Afonso Furtado de Mendonça
esteve em algumas das principais vitórias portuguesas. Como vemos na “Relaçam da
vitoria que alcançaram as armas do muyto alto, & poderoso Rey D. Affonso VI. em 14
de Janeiro de 1659 contra as de Castella, que tinham sitiado a praça de Elvas”140,
quando este ocupava o posto de General da Artilharia e contribuiu com a vitória da
Batalha das linhas de Elvas141. Afonso Furtado também participou da Batalha do
142
Ameixal (1665) , tida como um dos confrontos decisivos da guerra143, atuou nessa
ação como Governador das Armas na Província da Beira, do partido de Penamacor/
Castelbranco. Outro envolvido nessa batalha decisiva foi Roque da Costa Barreto, que
também figura na mesma relação, com descrições de sua participação como Tenente
General.
Como vimos, esses relatos apresentam a atuação dos fidalgos como parte das
narrativas de sucessos obtidas sobre os espanhóis. Esses relatos apresentam um claro
objetivo de retratar o desempenho das armas portuguesas, e de modo indireto concede
algum protagonismo aos oficiais militares que se destacavam, esses gêneros textuais
inseriam esses fidalgos no imaginário de heróis exemplares.
As narrativas sobre as guerras contra os holandeses no estado do Brasil
apresentam algumas semelhanças com o gênero textual que acabamos de descrever.
Uma das narrativas sobre a recuperação de Salvador em 1625 apresenta uma clara
intenção política, intimamente associada com o crescente contexto de insatisfação
portuguesa diante das políticas do Conde Duque de Olivares. A relação intitulada
“Jornada dos vassalos da coroa de Portugal, pera se recuperar a cidade do Salvador,
140
BACELAR, António Barbosa. “Relaçam da vitoria que alcançaram as armas do muyto alto, &
poderoso Rey D. Affonso VI. em 14. de Janeiro de 1659. contra as de Castella, que tinham sitiado a
praça dªElvas...”. Em Lisboa: na Officina de Antonio Craesbeeck, 1659. Disponível em:
http://purl.pt/12516. Acessado em: 21/11/2016
141
De acordo com Fernando Dores Costa a “atitude da força sitiante fundava-se numa opção da pela
vitória obtida por efeito do tempo, sem usar de aproches nem de assaltos, mas atingindo a praça
continuamente com sucessivos tiros de artilharia. Opção que pode parecer absurda se considerarmos que
a província se encontra quase militarmente vazia e que nenhuma força organizada poderia ser oposta em
tempo útil a uma progressão no exército em território português”. Grifo nosso. COSTA, Fernando Dores.
Op. cit. 2004. p.86
142
“Relacion verdadera, y pontual, de la gloriosissima victoria que en la famosa batalla de Montes
Claros alcançò el exercito del Rey de Portugal, de que es capitan general Don Antonio Luis de Meneses
Marquez de Marialva... contra el exercito delRey de Castilla, de que era capitan general el Marquez de
Caracena, el dia diez y siete de Junio de 1665. con la admirable defensa de la plaça de Villa Viciosa”.
Lisboa: en la Officina de Henrique Valente de Olivera, 1665. Disponível em: http://purl.pt/12106.
Acessado em: 21/11/2016.
143
De acordo com Gabriel do Espírito Santo esta “foi uma vitória decisiva sobre as forças militares de
Espanha, num confronto que tinha tomado novas formas a partir da prova de força que se tinha iciado
com a batalha das Linhas de Elvas.” SANTO, Gabriel do Espírito. Restauração: 1640-1668. Lisboa:
QuidNovi, 2008. p. 122.
57
na Bahya de todos os Santos, tomada pollos holandezes” ressalta o engajamento de
grande parte da fidalguia portuguesa nessa expedição, bem como busca ressaltar como
diversos portugueses contribuíram financeiramente para viabilizar a expedição144.
Entretanto, os relatos da guerra contra os holandeses em Pernambuco tenderam
para um cariz um pouco menos político e acentuadamente laudativo, buscando ressaltar
a participação dos líderes da insurreição no sucesso que levou a restauração de
Pernambuco. Narrativas como a História da Guerra de Pernambuco de Diogo Lopes
Santiago, o Valeroso Lucideno de Manuel Calado, e o Castrioto Lusitano do Padre
Rafael de Jesus, são exemplos de relatos extensos sobre o cotidiano da guerra e dos
sucessos do movimento restaurador145. Alguns dos governadores-gerais que analisamos
figuram nessas descrições, embora de modo episódico e pontual, uma vez que a ênfase
pretendida pelas narrativas era justamente apresentar a restauração como sendo obtida
“a custa de sangue, vidas e fazendas” dos moradores de Pernambuco que lutaram na
guerra146. Portanto, no caso de Antonio Teles da Silva, Antônio Teles de Menezes e do
Conde de Castelo Melhor, que apesar de atuarem em momentos vitais da guerra,
tiveram suas ações minimizadas ou até mesmo desconsideradas. A exceção a essa
tendência foi verificada na participação de Francisco Barreto nestes relatos, uma vez
que era o comandante “oficial” da guerra, nomeado como Mestre de Campo General de
Pernambuco, com poderes e jurisdições extraordinárias147.

144
GUERREIRO, Pe. Bartolomeu. “Jornada dos vassalos da coroa de Portugal, pera se recuperar a
cidade do Salvador, na Bahya de todos os Santos, tomada pollos holandezes, a oito de Mayo de 1624. &
recuperada ao primeiro de Mayo de 1625.” Em Lisboa: por Mattheus Pinheiro: impressa à custa de
Francisco Alvarez livreiro. 1625. Disponível em: http://purl.pt/17352. Acessado em: 22/11/2016. O
relato menciona a participação diversos fidalgos, nesse momento importa destacar que dentre estes
Antonio Teles da Silva e D. Vasco Mascarenhas foram mencionados pontualmente.
145
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da guerra de Pernambuco. Recife: CEPE, 2004; CALADO, Fr.
Manoel. O Valeroso Lucideno e Triumpho da Liberdade. Em Lisboa: Por Paulo Craaesbeeck, Anno do
Senhor de 1648. Disponível em: https://archive.org/details/ovalerosoluciden00cala. Acessado em:
12/04/2015; JESUS, Pe. Fr. Raphael de. Castrioto Lusitano ou Histora da Guerra entre o Brazil e a
Hollanda. Durante os annos de 1624 a 1654.... París: J. P. Aillaud, 1844. Disponível em:
https://archive.org/details/castriotolusitan00rafa. Acessado em: 12/04/2015.
146
Como indicamos em nossa dissertação de mestrado, a participação do governo-geral no esforço de
restauração foi minimizada, tanto pela construção coetânea da imagem do movimento restaurador, como
pela historiografia subseqüente que não atentou para o apoio que os governadores-gerais prestaram aos
insurgentes. Poderíamos ainda recordar que a atuação dissimulada de Antonio Teles da Silva ajudaria a
construir um cenário favorável para a insurreição, bem como suas ações que visavam subornar alguns
oficiais neerlandeses para que desertassem e entregassem as fortificações que ocupavam. Cf. ARAÚJO,
Hugo André F. F. Op. cit. 2014.
147
É importante ressaltar que estas narrativas trazem à tona a resistência que o comando luso-brasileiro
ofereceu a introdução de Francisco Barreto como oficial superior do exército de Pernambuco. Diogo
Lopes Santiago comenta o episódio em que o governo-geral teve que ordenar ao movimento insurgente
que aceitasse e reconhecesse a autoridade de Francisco Barreto no comando geral da guerra, ao que o
autor relata que “Pernambuco não tomou isto a bem porque requeria a terra pessoa mais experimentada
58
Os governadores-gerais tiveram um pouco mais de espaço nas “relações”,
gênero textual semelhante ao que descrevemos anteriormente sobre a guerra da
restauração148. Esses relatos possuíam um fôlego textual mais curto e uma narrativa
descritiva, tratando de batalhas e momentos pontuais do conflito. Nestes textos as ações
de Francisco Barreto receberam um destaque mais significativo, como observamos nas
seguintes descrições: “Relacion de la Victoria que los portugueses de Pernambuco
alcançaron de los de la Compañia del Brasil em los garerapes....”149; “Relaçam diária
do sitio e tomada da forte praça do Recife ....”150; “Breve Relaçam dos ultimos sucessos
da guerra do Brasil ....”151. Os sucessos conquistados e a divulgação dos mesmos
contribuíram significativamente para a construção e consolidação do “panteão dos
restauradores” de Pernambuco152, dos quais Francisco Barreto certamente foi o que
obteve maiores recompensas honoríficas153.
Houve outros tipos de gêneros narrativos que foram feitos a pedido e com o
financiamento de alguns desses fidalgos. O Conde de Castelo Melhor fez uso de

nela e prática no estilo da guerra daquela campanha”. SANTIAGO, Diogo Lopes. Op. cit., 2004, p. 479.
As disputas pelo reconhecimento de autoridade geravam situações muito particulares na governação,
exploramos alguns casos no seguinte artigo: ARAÚJO, Hugo André F. F. “Autoridade e hierarquia: o
governo-geral e os ofícios militares na Bahia e em Pernambuco (1647-1649)”. Revista Escrita da
História. Ano II, Vol. 2, n°. 4, set/dez. 2015. p. 121-156.
148
Este é o caso de outra “relação” que trata especificamente das ações do Conde de Castelo Melhor:
“Relação dos Sucessos da Armada, que a Companhia Geral do Comércio expedio ao Estado do Brasil o
anno passado de 1649 de que foi Capitão General o Conde de Castelmelhor.” In: Annaes da Bibliotheca
Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XX. Typographia Leuzinger: Rio de Janeiro, 1899. p. 158-166.
149
“Relación de la Victoria que los portugueses de Pernambuco alcançaron de los de la Compañia del
Brasil em los garerapes a 19 de Febrero de 1649. Traducida del Aleman. Publicada en Viena de Austria.
Ano 1649”. In: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XX. Typographia Leuzinger: Rio
de Janeiro, 1899. p. 153-157.
150
“Relaçam diária do sitio e tomada da forte praça do Recife, recuperação das Capitanias de
Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Ciará & Ilha de Fernão de Noronha, por Francisco Barreto Mestre de
Campo General do Estado do Brasil & Governador de Pernambuco. Lisboa. Na Officina
Craesbeeckiana. 1654.” In: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XX. Typographia
Leuzinger: Rio de Janeiro, 1899. p. 187-212.
151
“Breve Relaçam dos últimos sucessos da guerra do Brasil, restituição da cidade Maurícia, Fortalezas
do Recife de Pernambuco, & mais praças que os Olandeses occupavão naquele Estado.” In: Annaes da
Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XX. Typographia Leuzinger: Rio de Janeiro, 1899. p.167-
186
152
Essa expressão é utilizada por Evaldo Cabral de Mello para analisar a construção da memória e os usos
políticos da mesma que as gerações posteriores, principalmente o nativismo, fizeram sobre as figuras que
se consagraram como responsáveis pela Restauração de Pernambuco. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. “No
panteão restaurador”. In: Rubro veio: O imaginário da restauração pernambucana. 3ª. Ed. Revista. São
Paulo: Alameda, 2008.
153
De acordo com Francisco Cosentino e Caroline Mendes a trajetória bem sucedida de Francisco
Barreto, fundamentada principalmente na restauração de Pernambuco, propiciou sua ascensão social, com
o silenciamento de sua origem ilegítima, obtendo inclusive nobilitação para a sua filha, a 1ª Condessa do
Rio Grande. Cf. MENDES, Caroline Garcia; COSENTINO, Francisco C. “„Ele valia um exército...‟.
Carreira, trajetória social e governação de Francisco Barreto de Meneses, governador geral do Estado do
Brasil.” LPH. Revista de História. Ano 20, n° 20. 1° semestre. 2010. p. 257-311.
59
relações e peças de teatro para construir e consolidar sua imagem perante o cenário
cortesão, o que não só o colocava em evidência, mas também engrandecia o capital
simbólico agregado a sua casa. Este é o caso da novelesca “Relação Verdadeira dos
Sucessos do Conde de Castel Melhor. Preso na cidade de Cartagena de Índias, & hoje
154
solto, por particular mercê do Céo & favor Del Rey Dom João IV nosso senhor” e
da comédia teatral “La desgracia más felice. Comedia del caso del conde de Castel
155
Melhor, en Indias” . Ambas narrativas retratam a participação do Castelo Melhor na
Armada do Conde da Torre, descrevendo como o infrutífero ataque aos holandeses em
Pernambuco foi frustrado por uma tempestade que dispersou parte da Armada, levando
Castelo Melhor e outros portugueses para Cartagena das Índias. Enquanto estava nestes
territórios da Coroa espanhola o Conde de Castelo Melhor recebeu a notícia sobre a
aclamação de D. João IV. Foi preso por rumores de que intentaria sublevar a cidade em
favor do novo rei português, e ainda foi acusado de planejar o seqüestro da frota que
transportava a prata americana156. A liberdade de D. João Rodrigues foi obtida através
da combinação do apoio régio e do dispêndio de sua própria fazenda, administrada por
sua esposa, com a utilização de mercenários holandeses. De acordo com Rafael
Valladares a ação de resgate foi bem sucedida, de modo que uma vez liberto o Conde de
Castelo Melhor foi “conduzido a Portugal por um grupo de corsários holandeses

154
ROSA, Domingos Lopes. “Relação Verdadeira dos Sucessos do Conde de Castel Melhor. Preso na
cidade de Cartagena de Índias, & hoje solto, por particular mercê do Céo & favor Del Rey Dom João IV
nosso senhor”. Na cidade de Lisboa, 1642. BNRJ. Obras Raras. 60B,3,34.
155
ALMEIDA, António de. “La desgracia más felice. Comedia del caso del conde de Castel Melhor,
en Indias”. Oferecida a la señora condesa de Castel Melhor. Em Lisboa. Com todas las licencias
necesarias. Por Pablo Craesbeeck y a su costa, y véndese em su casa. Año 1645. Disponível em:
http://www.cet-e-seiscentos.com/obras. Acessado em: 15/08/2015. José Javier Rodríguez Rodríguez
analisa especificamente essa comédia, indicando como o teor apologético da narrativa enaltecia a figura
do Conde de Castelo Melhor e ao mesmo tempo servia como um texto político em prol da Restauração,
funcionando também como um relato exemplar sobre o que se esperava de um vassalo fiel ao novo
monarca. Cf. RODRÍGUEZ, José Javier R. “De la relação a la comedia: La desgracia más felice (1645),
de António de Almeida”. Criticón [Online]. n° 116, 2012. p. 69-90.
156
De acordo com Stuart Schwartz um grande número de mercadores portugueses habitava a cidade de
Cartagena, atraídos pela riqueza do comércio de prata e do tráfico de escravos para os territórios
castelhanos na América. As notícias da ascensão de D. João IV geram pânico em algumas cidades da
América espanhola, por rumores de sublevações e de invasões portuguesas nessas cidades. Cf.
SCHWARTZ, Stuart. “Pânico nas Índias: a ameaça portuguesa ao império espanhol, 1640-1650”. In: Da
América portuguesa ao Brasil: Estudos históricos. Trad. Nuno Mota. Lisboa: Difel, 2003. Os eventos
descritos nesses relatos também foram registrados na obra do Conde da Ericeira, que intitula o
acontecimento de “Empreza Heróica do Conde de Castelo-Melhor”, descrevendo por 13 páginas o
desenrolar dos eventos até o resgate do Conde de Castelo Melhor e sua chegada na corte. Cf. MENEZES,
D. Luíz de (Conde da Ericeira). História de Portugal Restaurado. Tomo I. Lisboa, 1759. p.186-198.
60
contratados pelos Bragança para levar a cabo essa operação tão novelesca quanto
espectacular”157.
Como indicamos anteriormente, em decorrência dessas ações o Conde de
Castelo Melhor recebeu várias mercês, como a renovação do título em mais duas vidas,
uma comenda de mil cruzados, além do assento no Conselho de Guerra e o posto de
Governador das Armas da Província de entre Douro e Minho158. Este exemplo de
construção ativa de uma memória nos indica como alguns desses atores sociais
compreendiam a realidade em que estavam inseridos, se posicionando e efetuando
escolhas que maximizavam as possibilidades de alcançar novos recursos materiais e
simbólicos. Neste ponto, devemos recuperar as proposições de Fredrik Barth sobre a
forma como os indivíduos se posicionavam perante a sociedade em que estavam
inseridos. De acordo com Barth o posicionamento e as escolhas são produtos da
racionalidade parcial de cada indivíduo, pois estes dispõem de acesso fragmentado ao
conhecimento e as ações dos demais atores envolvidos no jogo social159. Deste modo
Fredrik Barth sugere que adotemos como procedimento metodológico a utilização “de
modelos de estratégia, não para substituir nossa observação e descrição das tomadas de
decisão, mas para aguçá-lo” 160
. Por consequência, ao adotar esses cuidados “o modelo
nos auxilia na identificação das vinculações de atos alternativos em contextos
complexos, e em ver possíveis construções de sentido e de valor que podem ser servidos
pelos atos que observamos, e assim facilitar a nossa busca por dados significativos” 161
.
Portanto, o que estamos argumentando é que no caso específico do Conde de Castelo
Melhor conseguimos perceber uma estratégia recorrente de assegurar que os feitos e os
sucessos de D. João Rodrigues de Vasconcelos e Souza fossem registrados e veiculados,
o que não só consolidava sua imagem no cenário cortesão e no imaginário da sociedade

157
VALLADARES, Rafael. A Independência de Portugal: Guerra e restauração 1640- 1680. Tradução de
Pedro Cardim. Lisboa: Espera dos Livros, 2006. p. 52. BNRJ. Obras Raras. 60B,3,34. fl. 10.
158
MENEZES, D. Luíz de (Conde da Ericeira). Op. cit. Tomo I, p. 199.
159
De acordo com a teoria de Barth nos “vivemos nossas vidas com uma consciência e um horizonte que
não abrangem a totalidade da sociedade, das instituições e das forças que nos atingem” sendo que estes
“vários horizontes limitados das pessoas se ligam e se sobrepõem, produzindo um mundo maior que o
agregado de suas respectivas práxis gera, mas que ninguém consegue visualizar”. BARTH, Fredrik. “A
análise da cultura nas sociedades complexas”. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas.
Rio de Janeiro: Contracapa, 2000. p. 137.
160
Tradução livre do trecho: “Thus, what I am advocating is the use of models of strategy, not to replace
our observation and description of decision-making, but to sharpen it”. BARTH, Frederik. Process and
Form in Social Life: Selected essays of Fredrik Barth. Vol. 1. London: Routlegde & Kegan Paul, 1981. p.
99.
161
Tradução livre do trecho: “The model aids us in identifying the entailments of alternative acts in
complex contexts, and in seeing possible constructions of purpose and value which may be served by the
acts which we observe, and so facilitate our search for significant data”. Ibidem. p. 99.
61
portuguesa dos seiscentos, mas também estabelecia uma narrativa de auto promoção que
se revela muito efetiva para obter acrescentamentos pessoais e para sua Casa162.
Resta ainda falar de outro caminho para inserção e perpetuação na memória
coeva, os elogios fúnebres. Diferente dos gêneros anteriormente descritos esse tipo de
narrativa tem pouca ou nenhuma função política evidente, o seu objetivo reside na
celebração e enumeração das qualidades e virtudes do fidalgo que faleceu, destacando-o
seu exemplo como cristão, vassalo e pater familias.
Sobre os panegíricos Alcir Pécora indica que eram “genericamente entendidos
como repertório de exemplos, constituído por discursos de louvores das qualidades
morais dos grandes”, via de regra construídos através de representações que se
apresentavam como verdadeiras e autorizadas, revelando “diante dos olhos do leitor,
por meio de uma composição assentada na vivacidade do que se narra, de tal modo que
se imagina testemunhado pela vista, no exato presente da leitura”163. Este é o caso do
“Panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado” escrito por Juan Lopes Sierra164, no qual o
autor exorta as qualidades e a atuação do governador-geral até o seu derradeiro
momento, ressaltando tanto os aspectos do bom governante quanto do cristão exemplar
que sabia bem morrer 165.
Outro gênero utilizado para estabelecer a memória destes fidalgos foi o sermão
fúnebre, descrito em linhas gerais por Francis Cerdan como “um sermón que predica la
miséria del hombre pecador sin Dios” ao passo que “también anuncia la esperanza de la
salvación nacida de la redención, y la grandeza del hombre salvado em la

162
Não podemos perder de vista que nesta sociedade as demonstrações públicas de poder tinham um
espaço central, de modo que “a mercê era em si mesma publicitável; devia ser exibida para garantir honra
e poder, não só ao agraciado como ao monarca”. OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado
Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001. p. 108.
163
PÉCORA, Alcir. “A história como colheita rústica de excelências.” In: SCHWARTZ, Stuart. B.;
PÉCORA, Alcir. (Orgs) As excelências do governador: o panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado, de
Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.48-49.
164
Utilizamos como referência a edição organizada por Stuart Schwartz e Alcir Pécora que contém tanto a
transcrição adaptada com estudos introdutórios, como a transcrição paleográfica do manuscrito original.
Cf. SCHWARTZ, Stuart. B.; PÉCORA, Alcir. (Orgs) As excelências do governador: o panegírico fúnebre
a D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
165
Guilherme Amorim de Carvalho analisou em sua dissertação de mestrado a relação entre a construção
da imagem elogiosa do governador-geral falecido e a percepção da sociedade corporativa de Antigo
Regime sobre o papel dos governantes. O autor destacou a forma como o panegírico valoriza as ações de
Afonso Furtado de Mendonça enquanto governador-geral dedicado e como cristão exemplar que soube
seguir a tradição da “arte de bem morrer”. Cf. CARVALHO, Guilherme Amorim de. A arte de bem
governar para bem morrer: Discurso e lógicas corporativas na América portuguesa (século XVII).
Dissertação (Mestrado em História). Brasília, UnB. 2012
62
bienaventuranza de Dios”166. Para o autor esse tipo discursivo permitia “exaltar las
virtudes del difunto presentado como modelo a los demás mortales” 167
. Deste modo,
destacamos o “Sermam fúnebre nas exéquias do Senhor Roque da Costa Barreto” 168 de
Manuel da Madre de Deus Bulhões, como exemplo deste gênero, que havia se
popularizado entre as elites ibéricas no século XVII169.
Estes exemplos nos indicam como essa sociedade mantinha relações muito
especificas com o tratamento dispensado às cerimônias fúnebres e com a memória dos
feitos do defunto, que transcendiam o interesse familiar e privado e se propagavam a
fim de alcançar um status público, tanto com funções pedagógicas e quando como
caminhos para perpetuar a memória de um indivíduo que havia engrandecido a sua Casa
através dos serviços ao Rei. Longe de esgotar esta questão, buscamos aqui ressaltar
como a leitura dessas fontes nos permite apreender outras estratégias e mecanismos que
auxiliaram na construção e consolidação da hegemonia deste grupo tanto no cenário
político, quanto nos usos da memória e do legado simbólico obtido ao longo das
trajetórias.

7 - Considerações finais:

Como temos indicando os governadores-gerais do Estado do Brasil apresentados


neste capítulo fizeram parte de um grupo central no interior da elite portuguesa. Isso
pode ser verificado em vários níveis: tanto por suas origens familiares como pelas
alianças matrimoniais que estabeleceram, passando pelas estratégias de enobrecimento
das Casas e pelas nomeações para os principais ofícios militares e administrativos do
reino e do ultramar. Isso está em consonância com o que outros estudos apontaram
sobre a atuação dinâmica das elites lusitanas, sobretudo no que toca a característica
particular do elevado grau de circulação pelas conquistas ultramarinas. Isso foi
destacado por Nuno Monteiro que indicou que “entre os trajetos de circulação imperial

166
CERDAN, Francis. “La oración fúnebre del siglo de oro: entre sermón evangélico e panegírico poético
sobre fondo de teatro”. Criticón. n° 30, 1985. p. 86.
167
Loc. cit.
168
BULHOES, Manuel da Madre de Deus. “Sermam fúnebre nas exéquias do Senhor Roque da Costa
Barreto, do Concelho de Guerra, E Governador que foy no Estado do Brasil. Pregado na Real Casa da
Misericórdia da Bahia.” Lisboa: Na Officina de Manoel Lopes Ferreyra. 1699. Disponível em:
http://purl.pt/13489. Acessado em: 22/11/2016.
169
De acordo com Cerdan o “sermão”, como gênero discursivo, ganhou destaque durante o século XVII
em razão da crescente importância conferida às cerimônias fúnebres de “pessoas importantes”, e por
consequência “a menudo nacía el deseo, tanto em el predicador com em los oyentes, de conservar la
memoria del discurso pronunciado y así se multiplicaron las impresiones, em folletos sueltos, de
sermones funerales y oraciones panegíricas”. CERDAN, Francis. Op. cit. p. 80.
63
diretamente promovida pela coroa, os governadores coloniais constituíam o elemento
simbolicamente mais destacado. E a política da coroa de pôr a primeira nobreza a servir
nas conquistas deu os seus frutos” 170. Isso significa dizer que a principal base de apoio
da nova dinastia (evocando aqui a figura corporativa da nobreza como braço do corpo
político) teve um papel fundamental na consolidação e manutenção do poder sobre as
conquistas ultramarinas.
Portanto, o perfil delineado até aqui pode ser resumido da seguinte maneira: os
governadores-gerais eram fidalgos inequívocos, que se casavam em um grupo
igualmente elevado, sobretudo pelo alto grau de endogamia; a maioria destes fidalgos
conseguiu a nobilitação, seja em vida ou para os seus descendentes; todos eles possuíam
uma larga experiência militar, tanto no reino quanto nas conquistas; a maioria destes
oficiais teve assento nos conselhos superiores e ofícios na Casa Real, espaços centrais
para o exercício de poder e obtenção de distinção social; os serviços e as estratégias de
nobilitação das Casas fizeram com que estes fidalgos se destacassem no imaginário
social como personagens ativas nos principais eventos que marcaram a história de
Portugal e de suas conquistas no século XVII.
A posição social privilegiada deste grupo assegurava aos membros que se
engajassem no serviço real oportunidades de ascensão hierárquica e acrescentamento
social e material, mas também permitiam que esses vassalos, de modo direto e indireto,
adentrassem os terrenos imateriais da memória construída por seus contemporâneos
acerca do período em que viveram. Alguns conseguiram alcançar o status de heróis,
tanto pelos feitos de bravura como pelos sucessos militares. Vários destes foram vistos
como nobres e fidalgos exemplares, que expressavam diversas das virtudes e das
qualidades que se esperavam da fina flor da nobreza portuguesa.
Deste modo, procuramos destacar a importância de compreender a inserção e a
trajetória dos indivíduos que perpassam as dinâmicas governativas que analisaremos
nos próximos capítulos. Compreender os percursos de suas trajetórias, sua inserção
familiar, suas alianças, bem como suas estratégias de ascensão e promoção social no
fornecem elementos importantes para dimensionar as ações e decisões efetuadas na
governação, isso se torna mais evidente no Capítulo 5 no qual analisamos as redes
governativas do Conde de Óbidos no interior do Estado do Brasil e como essas relações
moldaram políticas e práticas durante o governo de D. Vasco Mascarenhas.

170
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. 2009. p. 72.
64
Capítulo 2 – Reordenando os poderes, definindo as jurisdições: o aprimoramento
da governabilidade no Estado do Brasil na segunda metade do século XVII171

No presente capítulo observaremos as transformações ocorridas na organização


política do Estado do Brasil durante a segunda metade do século XVII. Partimos da
análise dos regimentos dos governadores-gerais emitidos entre 1642 e 1682, buscando
confrontar as mudanças ocorridas nas instruções destes com as discussões presentes nas
consultas do conselho ultramarino.
É importante destacar que o governo-geral do Estado do Brasil era responsável
pela gestão de uma complexa cadeia de oficiais dispersos por diversas localidades.
Neste espaço coexistiam poderes concorrentes e sobrepostos, organizados e
hierarquizados territorialmente em diversos níveis. O estudo das transformações
ocorridas na organização das bases administrativas do Estado do Brasil é um passo
fundamental para compreender de modo mais aprofundado as diversas dinâmicas que
conformavam a governação. Sendo assim, analisaremos neste capítulo o aprimoramento
das jurisdições ao longo da segunda metade do século XVII, quando as iniciativas de
organização territorial das jurisdições delimitaram as bases administrativas,
formalizando as prerrogativas políticas e distinguindo os espaços de atuação do
governo-geral e dos governos das capitanias de Pernambuco e Rio de Janeiro.
Para tanto, partimos da compreensão de que na América portuguesa coexistiam,
de modo semelhante ao que Hespanha indicou para o Reino, “distintos espaços,
organizados e hierarquizados diferentemente, correspondentes aos distintos planos da
existência colectiva” 172. Nesse sentido, entendemos que a multiplicidade de espaços era
uma componente fundamental dessa sociedade de Antigo Regime, sendo que no Reino
de Portugal havia
unidades jurisdicionais mínimas – no plano civil, a terra com
„jurisdição separada‟, no plano religioso, a freguesia. A partir daí,
cumprindo funções de hierarquia progressivamente superior (mas de
eficácia quotidiana progressivamente mais débil), encontra no plano
civil, a comarca (ou a ouvidoria, se a terra é senhorial), os distritos da

171
Uma versão preliminar deste capítulo foi publicado em: ARAÚJO, Hugo André F. F. “O
aprimoramento da governabilidade no Estado do Brasil durante a segunda metade do século XVII:
regimentos, jurisdições e poderes”. Crítica Histórica. Ano VII, n° 16. Dezembro, 2017. p. 8-40.
172
SILVA, Ana Cristina Nogueira; HESPANHA, António Manuel. “O quadro espacial.” In:
HESPANHA, António Manuel. (coord.) História de Portugal. Vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p.
35.
Relação, o Reino; no plano eclesiástico, o bispado, o arcebispado
metropolitano, a cristandade 173.

No caso da América Portuguesa, durante a segunda metade do Século XVII, o


plano jurisdicional superior estava organizado de modo hierárquico, uma vez que o
governador-geral figurava como o responsável pela gestão dos oficiais de governo das
capitanias que formavam o Estado do Brasil. No Estado do Maranhão e Grão-Pará os
governadores desfrutavam de uma jurisdição independente do Estado do Brasil desde
1626, gerindo os oficiais e os territórios sob seu controle e se comunicando diretamente
174
com a Coroa . Durante um breve período (1658-1663) as capitanias do Rio de
Janeiro, São Vicente e Espírito Santo tiveram jurisdição independente do governo-geral
sediado em Salvador, formando a divisão administrativa conhecida como Repartição
Sul175, com o centro político na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, durante a
década de 1670, as distinções entre os centros de poder no Estado do Brasil foram
formalizadas através da emissão dos regimentos dos governadores de Pernambuco e Rio
de Janeiro, medidas políticas que reconheciam a centralidade destas capitanias na gestão
dos oficiais de suas respectivas capitanias anexas e subordinadas.
Nesse sentido, compreendemos que esse processo de aprimoramento da
governabilidade foi organizado a partir do aprofundamento e delimitação das jurisdições
existentes em face àquelas novas que foram paulatinamente introduzidas. Assim, como
apontou António Manuel Hespanha entendemos que a
superioridad jurisdiccional (…) cuando existía (…), no tenía nada que
ver con un vínculo de subordinación/jerarquía que pudiera
fundamentar la idea de un territorio unificado, proyección del poder
único e indivisible de la unidad política superior. Más bien al
contrario, aquella superioridad consistía únicamente en un poder de
control o de armonización del ejercicio de los poderes inferiores 176.

173
Loc. cit.
174
Segundo Helidacy Maria Muniz Correa a “decisão política de criar o Estado do Maranhão e, por
conseguinte, a separação do Estado do Brasil, embora discutida desde 1617 e instituída em 1621, só se
efetivou a partir de 1626.” CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. “Para aumento da conquista e bom
governo dos moradores”: O papel da Câmara de São Luís na conquista, defesa e organização do território
do Maranhão (1615-1668). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2011. p. 83.
175
Como indicou Mônica da Silva Ribeiro, a divisão governativa da Repartição Sul ocorreu também em
dois momentos anteriores: 1572-1577 e 1608-1612. A autora indica que mesmo após a dissolução da
divisão administrativa em 1663 o termo “Repartição Sul” continuaria sendo válido e utilizado para outras
jurisdições, como no caso dos Ouvidores do Rio de Janeiro e da Repartição Sul. Cf. RIBEIRO, Mônica da
Silva. “O Rio de Janeiro pós- Repartição do Sul: As transformações no Império português, 1660-1730”.
In: CAETANO, Antonio Felipe Pereira (Org). Dinâmicas Sociais, Políticas e Judiciais na América Lusa:
Hierarquias, Poderes e Governo (Século XVI-XIX). Recife: Editora UFPE, 2016. p. 103-132.
176
HESPANHA, António Manuel. “El Espacio político”. La gracia del Derecho. Economía de la cultura
en la Edad Moderna. Madrid. Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p.100.
66
O processo de organização do espaço de relativa autonomia de diversos poderes
e ofícios foi uma tentativa concreta de viabilizar o exercício da governação.
Entendemos que esse processo foi fundamental para a criação e aprimoramento dos
canais de governação do Estado do Brasil, uma vez que “esta territorialización no sólo
permite la identificación entre „jurisdicción‟ y „territorio‟; llega hasta el punto de
conferir la dignidad de sujeto político al territorio” 177
. Para Hespanha o resultado da
“distinción o separación de territorios va seguida de la distinción o separación de esferas
políticas, (…) la creación de poderes autónomos” 178.
Perspectivas analíticas recentes têm sugerido que as monarquias ibéricas e as
suas autoridades na América trabalhavam, constantemente, para garantir a gestão de
espaços marcados pela fragmentação política e territorial, onde haviam entidades
políticas organizadas de um modo policêntrico. Dito de outra forma, as monarquias
ibéricas “permitiram a existência de vários centros diferentes e interligados que
interagiam não apenas com o rei, mas também entre si, e por consequência participavam
ativamente na construção política” 179
. Deste modo, as relações políticas seriam
marcadas por
negociação constante, contatos e competição entre suas diferentes sub-
unidades, assim como a contínua mudança no peso político de cada
território garantiram que, apesar da permanência, a estrutura interna
de ambas monarquias fosse altamente móvel. Mudando
constantemente, essa geometria complexa criou uma estrutura política
que era simultaneamente sólida e durável por um lado, e maleável e
cambiante pelo outro 180.

Por fim, devemos fazer a ressalva que quando nos referimos ao processo de
aprimoramento da governabilidade não estamos fazendo qualquer juízo de valor acerca
das práticas anteriores de organização política. Estamos nos referindo à progressiva
definição das jurisdições e dos poderes, sugerindo que a Coroa portuguesa reconheceu e

177
Ibidem. p. 104.
178
Ibidem. p. 105.
179
Tradução livre do trecho: “these political entities were polycentric, that is, that they allowed for the
existence of many different interlinked centers that interacted not only with the king but also among
themselves, thus actively participating in forging polity.”. CARDIM, Pedro; HERZOG, Tamar; IBÁÑEZ,
José Javier; SABATINI, Gaetano (Eds) Polycentric Monarchies: How did early modern Spain and
Portugal achieve and maintain a global hegemony? Sussex Academic Press, 2012. p. 4.
180
Tradução livre do trecho: “The constant negotiation, contacts and competition between their different
sub-units and the continuous change in the political weight of each territory, guaranteed that, despite
permanence, the internal structure of both monarchies was highly mobile. Constantly shifting, this
complex geometry created a political structure that was simultaneously both solid and durable on the one
hand, malleable and changing on the other.” Ibidem. p. 4.
67
estimulou o fortalecimento de outros centros de poder na América Portuguesa.181
Destarte, nossa percepção está diretamente relacionada com a crítica das perspectivas
que entendem esse processo como centralizador ou orientado por um “projeto colonial”.
É preciso recordar que a incapacidade de centralizar o controle efetivo dos vastos
territórios luso-americanos era derivada da existência de um direito pluralista e de uma
estrutura administrativa centrífuga. Por consequência a percepção da centralização se
esvazia, dada a constatação que esta não poderia ser efetiva “sem um quadro legal geral,
tampouco pode ser efetiva sem uma hierarquia estrita dos oficiais, por meio da qual o
poder real possa chegar à periferia” 182.
Nesse sentido, iniciaremos a análise partir de uma caracterização dos regimentos
e das transformações que estes sofreram ao longo deste período.

1. Regimentos: poderes e jurisdições do governo-geral

Os regimentos foram instrumentos centrais na organização política da


monarquia pluricontinental portuguesa, visto que a delegação de poderes era essencial
para a que a coroa viabilizasse, à distância, o governo de suas conquistas
ultramarinas183. Estes eram os instrumentos régios utilizados para delimitar os poderes e

181
Devemos explicar que neste texto utilizaremos a definição de Pedro Cardim para nos referimos a
Coroa, isto é, partimos da compreensão desta como “um agregado de órgãos e interesses pouco
articulados entre si (...) estando longe de funcionar como um pólo homogêneo de intervenção sobre a
sociedade, situação que, em parte, decorria do facto de, no seio da Coroa, existir uma série de organismos
que não faziam derivar a sua identidade jurisdicional de um acto constituinte do rei, mas sim da sua
própria auto-organização”. CARDIM, Pedro. “„Administração‟ e „Governo‟”: uma reflexão sobre o
vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. (Orgs.)
Modos de governar: Idéias e práticas políticas no Império Português (Séculos XVI a XIX). 2ª. Ed. São
Paulo: Alameda, 2007. p. 53.
182
HESPANHA, António Manuel. “A constituição do Império português. Revisão de alguns
enviesamentos correntes.” In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de
Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica Imperial Portuguesa. (Séculos XVI-XVIII).
2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 174. Em um texto recente António Manuel
Hespanha e José Subtil indicaram outras características que refletem a incapacidade de centralização por
parte da Coroa, tal como um aparelho administrativo com um número insuficiente de oficiais e os
limitados conhecimentos cartográficos e demográficos sobre seus territórios. HESPANHA, António
Manuel; SUBTIL, José Manuel. “Corporativismo e Estado de Polícia como modelos de governo das
sociedades euro-americanas do Antigo Regime”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima.
(Orgs.) O Brasil Colonial. Vol 1. (1443-1580) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 136.
183
Neste ponto é importante recuperar noções como o autogoverno das conquistas e a constante dinâmica
de negociação entre as partes, características centrais do conceito de monarquia pluricontinental, visto
que se compreende que havia a “presença de um poder central fraco demais para impor-se pela coerção,
mas forte o suficiente para negociar seus interesses com os múltiplos poderes existentes no reino e nas
conquistas”. FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. “Monarquia Pluricontinetal e repúblicas:
algumas reflexões sobre a América lusa nos séculos XVI-XVIII.” In: Tempo. vol. 14. n.o. 27, Dezembro
de 2009. p. 42.

68
as jurisdições dos diversos ofícios existentes na monarquia portuguesa. De acordo com
a definição apresentada por Dom Raphael Bluteau, “regimento” tem seu significado
associado às práticas de “Reger, Dirigir e Governar” 184
, o que estava em consonância
185
com a acepção coetânea de governo . Neste capítulo desenvolveremos uma análise
comparativa entre os regimentos dos governadores-gerais do Estado do Brasil 186.
Antes de iniciar nossa análise sobre os regimentos dos governadores-gerais é
fundamental ter em vista quais áreas de atuação eram próprias da governação. A
governação, designação coetânea para a ação executiva de governo, compreendia
187
poderes e funções nos domínios de justiça, fazenda e milícia , áreas de atuação que
188
estavam intimamente relacionadas à figura do monarca . Sendo assim, ao nomear um
governador geral como seu representante, o monarca delegava parte de sua regalia 189,
isto é, parte de seus poderes. Em um texto recente Antônio Manuel Hespanha e José
Subtil indicaram a amplitude destes direitos régios, que compreendiam a
criação de magistrados e oficiais, de guerra e de justiça; à autorização de
duelos; à cunhagem de moeda; ao lançamento de pedidos, fintas e tributos; à
exigência de serviços na paz e na guerra; ao domínio das estradas, dos portos,
do mar adjacente e das suas ilhas, bem como das salinas e das pescarias; ao

184
BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. II.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.199. (CD-ROM)
185
Conforme apontou Pedro Cardim, o conceito de “governo” neste período pode ser entendido como “a
arte de reger, a actividade de conduzir um grupo de pessoas com vontades e comportamentos
diversificados”. CARDIM, Pedro. “„Governo‟ e „Política‟ no Portugal de seiscentos: o olhar do jesuíta
António Vieira.”. Penélope: Revista de História e Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. N. o
28, 2003. p. 61. A construção de significados em torno da atividade de governo é associada “à direcção
que o rei-pastor levava a cabo sobre aqueles que estavam à sua guarda, uma actividade de tutela que tinha
por finalidade o „bem comum‟.” Ibidem. p. 62. Para uma análise mais detida sobre as mudanças nas
concepções de governo, e em específico sobre o legado medieval para a imagem metafórica do rei, ver:
SENELLART, Michel. As artes de governar: do regimen medieval ao conceito de governo. Trad. Paulo
Neves. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 69-97.
186
É necessário apontar que a comparação entre os Regimentos dos governadores-gerais do Estado do
Brasil já foi objeto de pesquisas anteriores (ver: COSENTINO, Francisco Carlos C. Governadores Gerais
do Estado do Brasil Séculos (XVI-XVII): Ofício, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo:
Annablume; Belo Horizonte: Fapemig. 2009; VIANNA JUNIOR, Wilmar da Silva. Modos de governar,
modos de governo: o governador geral do estado do Brasil entre a conservação da conquista e a
manutenção do negócio (1642 – 1682). Tese (Doutorando em História). Rio de Janeiro: UERJ, 2011).
Contudo, no presente trabalho buscamos analisar e comparar os regimentos de forma diferente destes
trabalhos, atentando as mudanças na elaboração dos textos dos capítulos que compõe os Regimentos.
Nesse sentido, nosso trabalho está mais próximo da análise desenvolvida por Francisco Cosentino, e
menos da análise de Wilmar da Silva Vianna Junior, por razões que serão desenvolvidas ao longo deste
texto.
187
SUBTIL, José. “Os Poderes do Centro”. In: HESPANHA, António Manuel. (coord.) História de
Portugal. Vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 141.
188
Tradicionalmente a figura régia era associada simbolicamente a várias imagens bem simbólicas, como
“a de „senhor da justiça e da paz‟, a de „chefe da casa‟ (de grande „ecônomo‟), „protector da religião‟ e
„cabeça da república‟. A cada uma dessas imagens atribuíam-se certas funções e prerrogativas.” Loc. cit.
189
A delegação de poderes régios era realizada durante a cerimônia do Preito & Menagem. A análise
desta cerimônia e de sua importância foi abordada por Francisco Cosentino em seu livro. Cf:
COSENTINO, Francisco. Op. cit. p. 85-101.
69
domínio das minas; à exigência de portagens e barcagens; ao domínio dos
tesouros, dos bens vagos (res nullius) ou que tivessem vagado, dos bens dos
condenados a confisco e dos infames, bem como os bens que o direito penal
considerava perdidos para a Coroa; às heranças vacantes etc.190

Deste modo, os regimentos podem ser entendidos como expressões do caráter


jurisdicional da monarquia pluricontinental, pois eram fonte de jurisdição. Logo, em
uma monarquia fortemente marcada pelo pluralismo do direito, assentado nas tradições
e nos costumes, as jurisdições serviam a tarefa fundamental de ordenar a atuação dos
vários corpos sociais, no Reino e no Ultramar, a fim de que o poder fosse dividido entre
os vários órgãos de Conselho, bem como entre as demais instâncias administrativas e os
vassalos que serviam a Coroa191. Sendo assim, é preciso explicitar nossa compreensão
da organização político-administrativa da monarquia pluricontinental, pois seguimos a
definição proposta por Francisco Cosentino acerca do regime político que movimentava
essa forma de governo, isto é, a “monarquia pluricontinental tinha por base uma ordem
institucional polissinodal, com normas e procedimentos de natureza jurisdicional e
estrutura orgânica que tinha como seu fundamento social o ordenamento corporativo da
sociedade” 192
. Portanto, acreditamos que a centralidade do direito na monarquia
pluricontinetal não apenas conferia ordenamento aos corpos sociais que participavam da
política, mas também norteava as práticas cotidianas que permeavam a governação,

190
HESPANHA, António Manuel; SUBTIL, José Manuel. Op. cit., 2014. p.134.
191
O desenvolvimento pormenorizado destes conceitos esta apresentado nos seguintes textos: Cf:
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. “Governadores e capitães-mores do império
atlântico português nos séculos XVII-XVIII” In: MONTEIRO, Nuno G; CUNHA, Mafalda Soares da;
CARDIM, Pedro. (orgs.) Optima pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo regime. Lisboa: ICS,
2005.p.191-252; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. “Monarquia Pluricontinetal e
repúblicas: algumas reflexões sobre a América lusa nos séculos XVI-XVIII.” In: Tempo. vol. 14. n.o. 27,
Dezembro de 2009. p.36-50; MONTEIRO, Nuno Gonçalo F. “A „Tragédia dos Távoras‟. Parentesco,
redes de poder e facções políticas na monarquia portuguesa em meados do século XVIII”. In:
FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs.) Na Trama das Redes: Política e negócios no
império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.317-342;
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Monarquia pluricontinental, o governo sinodal e os governadores-
gerais do Estado do Brasil” In: GUEDES, Roberto. (Org.) Dinâmica Imperial no antigo regime
português: escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados. Séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2011. p. 67-82; FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. (Orgs.) Monarquia
Pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso. Séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2012; ARAÚJO, Hugo André F. F.; ALVES, Renato de Souza. “A monarquia pluricontinental
e o conceito de 'governo' no Antigo Regime: a governação no Estado do Brasil no século XVII.” In: Anais
da VII Semana de História Política - IV Semana Nacional de História: Política e Cultura & Política e
Sociedade. Rio de Janeiro: UERJ, 2012. p. 1619-1627.
192
COSENTINO, Francisco Carlos C. Op. cit. 2011, p. 73.
70
visto a importância dos regimentos para delimitar e organizar os expedientes
políticos193.
Destarte, é possível encontrar vários tipos de regimentos, desde aqueles que
eram destinados a estabelecer os poderes dos altos conselhos da monarquia portuguesa
(Conselho de Estado, Conselho de Guerra, Conselho Ultramarino) até aqueles que eram
outorgados aos ofícios de instâncias mais específicas ou locais (regimento dos
Tabeliães, das Alfândegas, dos Capitães-mores).
Contudo, é preciso explicitar uma diferença fundamental entre os regimentos dos
governadores-gerais e os que foram atribuídos aos conselhos régios e outras
instituições, pois os primeiros são concedidos nominalmente, isto é, são concedidos aos
indivíduos transferindo temporariamente a dignidade real. Afinal, governar em nome do
194
monarca era uma das mais enobrecedoras tarefas . No caso dos demais regimentos o
que se observa é um caráter despersonalizado, pois suas instruções em geral destinavam
a especificar poderes e jurisdições de um corpo de oficiais, e este nem sempre era
homogêneo, em razão das hierarquias internas de cada instituição195.
O principal estudo sobre os regimentos dos governadores-gerais do Estado do
Brasil foi realizado por Francisco Cosentino, que identificou, através da comparação
entre os regimentos utilizados entre os séculos XVI e XVII, a existência de cinco
modelos norteadores para os regimentos. A comparação entre estes documentos
permitiu que Cosentino observasse as transformações que ocorreram com os poderes e
com o próprio ofício de governador geral ao longo desse período196. A seguir
apresentamos (na Tabela 5) quais foram os governadores que receberam regimentos-

193
Estamos nos referindo à caracterização feita por Hespanha acerca do papel central do direito, em sua
concepção pluralista, para a organização e utilização no cotidiano da vida política. HESPANHA, António
Manuel. “Depois do Leviathan.”. Almanack Braziliense. São Paulo: ESP, nº5, 2007. p. 55-57.
194
Acreditamos que esta era uma forma reforçar a mercê concedida ao fidalgo que ocupava o ofício de
governo, pois como apontou Fernanda Olival “a mercê era em si mesma publicitável; devia ser exibida
para garantir honra e poder, não só ao agraciado como ao monarca”. OLIVAL, Fernanda. As Ordens
Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar
Editora, 2001. p. 108.
195
Um exemplo disto pode ser observado no regimento do Conselho Ultramarino, onde fica explicitado
as funções e as hierarquias internas do conselho (Presidente, Secretário e Conselheiros). O capítulo 3°
deste regimento exemplifica a hierarquia do Conselho através da distribuições dos membros na mesa de
reuniões, onde o Presidente tinha assento na cabeceira da mesa, e ao seu lado direito o conselheiro de
“capa e espada mais antigo”, e do lado deste o conselheiro “mais moderno”. Do lado esquerdo se
assentaria o conselheiro Letrado e os demais membros de capa e espada, conforme suas antiguidades.
Ibidem. p. 591-592.
196
Cf: COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009. p. 203-216.
71
modelo e quantos governadores os utilizaram até a emissão de um novo modelo de
regimento 197.
É preciso fazer a ressalva de que não incluímos as juntas interinas ao total de
governadores, pois estas eram formadas para substituir os governantes em caso de morte
ou outro tipo de impedimento, logo estas não recebiam regimento, contudo, estavam
sempre submetidas às instruções destes enquanto exercessem o governo provisório.

Tabela 5- Regimentos-modelo e governadores-gerais que os receberam (séculos XVI e


XVII) 198
Tomé de Gaspar de Diogo de
Roque da
Sousa Francisco Sousa Mendonça
Regimento Modelo Costa Barreto
(1549- Giraldes (1588) (1612- Furtado
(1678-1682)
1553) 1617) (1621-1624)
Número de
Governadores que 6 199 4 200 2 201 14 202 24203
utilizaram

Centraremos nossa análise no período compreendido entre os dois últimos


regimentos, em consonância com o recorte de nossa pesquisa. Vamos analisar
especificamente quatro regimentos que foram elaborados durante esse período, os que

197
Esta proposição de Cosentino foi criticada por Vianna Junior e, a nosso ver, a crítica feita não se
fundamenta em nenhum argumento pertinente. Vianna Junior sugere que Cosentino propôs a noção de
regimentos-modelo “sem maiores explicações”, ao passo que Cosentino dedicou cinco dos treze capítulos
de seu livro para a análise e o desenvolvimento de suas considerações sobre os regimentos. VIANNA
JUNIOR, Wilmar. Op. cit. p. 26.
198
A tabela foi elaborada a partir do cruzamento dos dados de: COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009;
MIRALES, D. José de. “História Militar do Brazil: Desde o anno de mil quinhentos quarenta e nove, em
q‟ teve principio a fund.am. da Cid.e. de S. Savl.or. Bahia de todos de todos os Santos até o de 1762”.
Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXII, Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger,
1900; SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o tribunal superior da Bahia e
seus desembargadores, 1609-1751. Tradução Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Confrontamos estas informações com as contidas no site: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=4843. Acessado:
02/10/2014.
199
Tomé de Sousa (1549-1553), Duarte da Costa (1553-1558), Mem de Sá (1558-1572), Luís Brito de
Almeida (1573-1578), Lourenço da Veiga (1578-1580), Manuel Telles Barreto (1583-1587)
200
Francisco Giraldes (1588 – Recebeu o Regimento mas não exerceu o governo), Francisco de Sousa
(1591-1602), Diogo Botelho (1602-1607), Diogo de Menezes (1608-1612)
201
Gaspar de Souza (1612-1617), Luis de Souza, Conde do Prado (1617-1621)
202
Diogo de Mendonça Furtado (1621-1624), D. Francisco de Moura Roulim (1625-1627); D. Diogo Luís
de Oliveira (1627-1635), Pedro da Silva, Conde de São Lourenço (1635-1639), D. Fernando de
Mascarenhas, Conde da Torre (1639), D. Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão (1640-1641),
Antônio Teles da Silva (1642-1647), António Teles de Menezes, Conde de Vila Pouca de Aguiar (1647-
1650), D. João Rodrigues de Vasconcelos e Souza, Conde de Castelo Melhor (1650-1654), D. Jerônimo
de Ataíde, Conde de Atouguia (1654-1657), Francisco Barreto de Menezes (1657-1663), D. Vasco
Mascarenhas, Conde de Óbidos (1663-1667), Alexandre de Souza Freire (1667-1671), Afonso Furtado
de Castro do Rio e Mendonça, Visconde de Barbacena (1671-1675)
203
Este regimento foi utilizado até o início do século XIX, não listaremos os nomes de todos os
governadores que o utilizaram pelo elevado número.
72
foram passados aos governadores-gerais Diogo de Mendonça Furtado 204; Antônio Teles
205 206
da Silva ; D. Afonso Furtado de Castro do Rio e Mendonça ; Roque da Costa
207
Barreto . Por razões práticas não utilizaremos nesta comparação o regimento de D.
208
Jerônimo de Ataíde , pois este documento é uma cópia integral do mesmo que foi
passado a Antônio Teles da Silva, como é possível observar através da comparação de
seus capítulos.
Outra ressalva que precisa ser feita é que não incluiremos nesta análise os
regimentos que foram passados aos governadores-gerais que vieram ao Estado do Brasil
209
comandando armadas, como foi o caso de Antônio Teles de Menezes e do Conde de
210
Castelo Melhor . Estes regimentos diferem bastante dos que foram passados aos
governadores-gerais, pois destinavam-se definir e delimitar as práticas que deveriam ser
adotadas na condução das Armadas, porém isto não diminui seu valor para a apreensão
e compreensão da dinâmica política do momento em que foram emitidos.
Assim sendo, buscamos compreender como as instruções do regimento-modelo
de Diogo de Mendonça Furtado foram progressivamente modificadas nos regimentos
subseqüentes, destacadamente nos que foram entregues a Antonio Teles da Silva e D.
Afonso Furtado de Mendonça.

1.1. Comparando os regimentos

Os quatro regimentos que analisamos apresentam uma estrutura semelhante, em


termos de organização e composição dos capítulos, de modo que o número de capítulos

204
APEB–SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264. Agradeço a Francisco Cosentino que gentilmente cedeu essa
transcrição.
205
Encontramos duas versões deste Regimento: AHU_CU_005, Cx.1, D. 40; BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20.
(1642-1753), n°1.
206
O regimento está publicado em: MACC, Vol. I. p. 211-229. A publicação em questão é um resumo do
documento original, porém trata-se de um resumo bem elaborado e que mantém a essência das instruções
de governo.
207
O regimento está publicado em: MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op. cit. p. 745-846.
208
BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753), n° 5. – No documento se observa o seguinte título:
“Regimento que trouxe o Senhor Conde de Atouguia”. Contudo, no seu cabeçalho, onde se nomeia o
governador geral que recebeu o regimento, bem como os títulos e mercês que este detém, nota-se que este
não foi alterado para o novo governador: “Eu ElRey mando a vós Antonio Telles da Silva do meu
conselho de guerra, o que ora envio por Governador e Capitão General do Estado do Brasil, que no
governo delle guardeis o Regimento seguinte.” Esclarecer isto é essencial, pois trabalhos anteriores, como
o de Vianna Junior, não se preocuparam em apontar que um regimento é a cópia exata do outro (Cf:
VIANNA JUNIOR, Wilmar. Op. cit. p. 15), portanto, consideramos que não faz sentido trabalhar com
duas cópias, optamos por utilizar o de Antonio Teles da Silva por ser o mais antigo.
209
BNRJ-SM. 08,01,016. n°002
210
BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753), n°2
73
que compunham os documentos variou entre 60 e 61211. Faz-se necessário esclarecer as
opções de coleta e análise destes dados. Em primeiro lugar, consideramos como
capítulos do regimento todos aqueles itens que faziam referência a ordens e
procedimentos de governo. Assim sendo, nos regimentos de Antônio Teles da Silva e de
D. Afonso Furtado de Mendonça optamos por não contabilizar os capítulos através da
numeração explicita no documento, uma vez que as cópias consultadas começam por
enumerar os capítulos do regimento no cabeçalho do documento, onde o governador
212
nomeado é apresentado com seus títulos e mercês . Esta opção foi adotada apenas no
sentido de contabilizar o número real de instruções, entretanto, sempre que nos
remetermos a algum capítulo utilizaremos a numeração indicada na própria fonte.
Outra opção adotada foi estabelecer a comparação entre as duas cópias
consultadas do regimento de Antônio Teles da Silva, pois uma pequena diferença entre
essas duas “versões” produz uma distinção fundamental: a versão contida no códice da
Biblioteca Nacional apresenta um capítulo a mais. Isto, porém, não significa que haja
uma diferença de conteúdo entre as versões, pois os capítulos 15° e 16° do códice da
Biblioteca Nacional contêm o mesmo texto, entretanto, na versão presente nos Avulsos
da Bahia, estas duas instruções foram concentradas em um único capítulo, o capítulo
16°. Desta forma, optamos por seguir a versão da Biblioteca Nacional, uma vez que seu
213
capítulo 16° apresenta uma instrução específica e complementar àquela presente no
capítulo 15° 214. Além disso, nossa opção pela versão da Biblioteca Nacional se deve ao
fato da numeração dos seus capítulos se iniciarem a partir das instruções de governo,

211
Os regimentos de Diogo de Mendonça Furtado e Roque da Costa Barreto possuíam 61 capítulos e os
de Antônio Teles da Silva e Afonso Furtado de Mendonça contavam com 60. Cf. APEB-SC, Estante 1,
Cx. 146, livro 264; AHU_CU_005, Cx.1, D. 40; BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20. (1642-1753), n°1; MACC,
Vol.1, p. 211-229; MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op.cit. p. 745.
212
Em geral o cabeçalho do regimento dos governadores-gerais é composto como o exemplo a seguir:
“Eu el Rey mando a vos Antonio Telles da Silva do meu Conselho de Guerra que hora envio por
Governador e Capitão geral do Estado do Brazil que no governo delle guardeis Regimento seguinte.”
AHU_CU_005, Cx.1, D. 40.
213
Capítulo 16°: “E por que na Bahia há muita quantidade de Artilharia que se pode la escuzar como he a
que ficou do galeão Bygonha da Coroa de Castella e da Urca fretada por ella na qual se passarão a Índias
os Castelhanos e a de outra Urca também fretada que a partida do Marques de Montalvão ficava varada
em terra e assy há mais alguas peças arrebentadas fareis que huas e outras se tragão logo a este Reino a
donde são muito necessarias embarcando as nos primeiros navios que vierem e avizando me das que trás
cada hum o que vos hey por muito encarregado.” BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753), n.°1.
214
Capítulo 15°: “Tereis particular cuidado de ver e saber se a Artilharia e armas que estiverem nos
Armazéns e de novo forem estão limpas e bem tratadas e na ordem que convem e assy a pólvora e
munições e não estando as fareis preparar e as limpar e por em partes convenientes e que se tenha de tudo
particular cuidado vos poderdes ajudar dellas quando cumprir, e não havendo la officiaes me avizareis
para se enviarem e desta maneira ordenareis que se proceda em todas as Capitanias daquele estado”.
BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753), n.°1.
74
como é costumeiro nos regimentos, ao passo que a versão dos Avulsos da Bahia inicia
sua numeração a partir do cabeçalho 215.

1.2. O desenvolvimento das instruções: definição e detalhamento

Francisco Cosentino demonstrou como o alargamento dos poderes dos


governadores-gerais foi um processo gradual, indicando como cada novo regimento-
modelo aprofundava as jurisdições e as delegações advindas da regalia. Buscamos
agora observar mais detidamente como este processo também foi acompanhado por um
crescente detalhamento das instruções contidas nos capítulos.
Ao comparar as instruções dos quatro regimentos percebemos que a essência de
grande parte dos capítulos foi mantida nas compilações seguintes, sobretudo naquelas
instruções que podem ser identificadas como repetições dos regimentos anteriores.
Porém, uma observação atenta da redação destes capítulos revela mais do que repetição,
porque nos regimentos subseqüentes os capítulos apresentaram progressivos acréscimos
e a elaboração do texto das instruções tornou-se cada vez mais detalhada.
Um exemplo disto pode ser percebido justamente no primeiro capítulo do
regimento, onde costumeiramente se define que o governador geral partirá de Lisboa
para a “Bahia de Todos os Santos” para governar em nome do monarca. No regimento
de Diogo de Mendonça Furtado este capítulo indica que este não poderia se ausentar de
216
Salvador a fim de ir para Pernambuco . No regimento de Antônio Teles da Silva este
trecho sofre uma pequena modificação, o que o torna mais específico: “enquanto durar o
vosso governo não sahireis daly para nenhuma parte salvo se tiverdes expressa ordem
217
minha para fazerdes” . Os regimentos seguintes apenas reforçariam isto afirmando

215
A versão presente nos Avulsos da Bahia, fundo que faz parte do Projeto Resgate, aparentemente é uma
cópia que foi remetida a algum dos conselhos régios (provavelmente o da Fazenda) para ser objeto de
consulta. Não há indicação clara desta suposição, porém, nossa proposição se baseia em vários trechos do
regimento que se encontram sublinhados (provavelmente para destacar algo que precisasse ser revisto) e
também porque este regimento é acompanhado de dois pequenos anexos: o primeiro é uma pequena lista
com números seguidos de comentários breves, o que nos parece ser um conjunto de sugestões sobre o que
modificar e que informações precisam ser consultadas para a elaboração (como por exemplo: “41 - Saber
o estillo do provimento do governador de Pernambuco”). O segundo anexo apenas menciona a falta de
ordens sobre o Estado do Maranhão (“maranhão falta”). Por tudo isto, somos levados acreditar que a
elaboração do regimento foi submetida à consulta, contudo neste documento não encontramos nenhum
parecer e tão pouco alguma assinatura que indique quem o teria avaliado. AHU_CU_005, Cx.1, D. 40.
216
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264 – Esse capítulo pretendia restringir os governadores-gerais
que passavam a maior parte de seu período de governo na capitania de Pernambuco, como observou
Francisco Cosentino. Cf. COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009. p. 316.
217
AHU_CU_005, Cx.1, D. 40
75
que a restrição, em forma de provisão, estava “registrada nos livros da Secretaria e
Fazenda daquele Estado” 218.
Em alguns capítulos observamos que o desenvolvimento das instruções pode ter
sido motivado pelos constantes conflitos de jurisdição219. No regimento de Diogo de
Mendonça Furtado estava expresso que o governador geral deveria tomar informações
sobre todos os oficiais que ocupavam os postos de Justiça e Fazenda, e constatando que
houvessem postos vagos deveria prover a serventia de tais ofícios, isto é, nomear
alguém provisoriamente até que a nomeação régia fosse feita. Recentemente Roberta
Stumpf indicou que o controle da Coroa sobre os provimentos não ocorreu de forma
uniforme, em razão da complexidade envolvida na hierarquia, nos poderes e na
importância atribuída a cada ofício 220. Deste modo, a autora percebe que as políticas de
provimento tenderam a uma
preferência por conceder os provimentos em serventia, em detrimento da
propriedade, aos que haviam demonstrado aptidão em outros serviços, pelos
quais adquiriram experiência, estava em conformidade com as diretrizes
políticas já anunciadas, vale dizer, com a tentativa de recuperar os cargos
para o patrimônio régio, fundamentais à manutenção do sistema de
remuneração de serviços 221.

Sendo assim, o provimento das serventias deveria obedecer algumas condições:


estaria apto para o provimento aqueles que apresentassem provisões régias “para o
haverem de servir os taes officios e nesses vagantes tereis também lembrança das
pessoas que vos presentarem Provisoens ou Cartas minhas para serem providos de
222
similhantes serventias” ; se não pudesse satisfazer essa condição o governador geral
poderia prover oficiais régios ou “criados” 223 do rei “que tenhão partes para os servirem

218
Este acréscimo já aparece no regimento Afonso Furtado de Mendonça e é repetido no do Roque da
Costa Barreto. Acreditamos que esta instrução faça referência aos livros que ficavam em poder do
Secretário de Estado do Brasil, ofício este que ainda não havia sido criado na data da elaboração do
regimento de Antonio Teles da Silva.
219
Em trabalho anterior apontamos como os conflitos de jurisdição norteavam-se a partir de capítulos do
regimento dos governadores-gerais para resolver as disputas. Os casos que analisamos incidiam
justamente sobre disputas por serventias de ofícios vagos por morte. Cf: ARAÚJO, Hugo André F. F.
“Para se dar satisfação a justiça”: provimento de ofícios e conflitos de jurisdição no Estado do Brasil no
século XVII. Revista Ultramares. N° 3, Volume 1, Jan-Jul, 2013, p. 97-113.
220
STUMPF, Roberta Giannubilo. “Os Provimentos de ofícios: A questão da propriedade no Antigo
Regime Português.” Topoi. n°. 29, v. 15, Jul-Dez, 2014, p. 614.
221
STUMPF, Roberta Giannubilo. “Venalidade de Ofícios e Honras na Monarquia Portuguesa: um
balanço preliminar”. In: ALMEIDA, Suely. C.C. de; SILVA, Gian. C. de M.; SILVA, KalinaV; SOUZA,
George F. C. (Orgs). Políticas e Estratégias Administrativas no Mundo Atlântico. Recife: Editoria
Universitária UFPE. 2012, p. 165.
222
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264
223
“Moço fidalgo, pagem, ou senhora de calidade, criada no Paço de Portugal de pequena idade. Nos
livros das chancellarias estão nomeados muitos fidalgos, & fidalgas com título de criados, & criadas dos
76
224
e em falta deles outras pessoas que tenhão as mesmas partes” . O regimento de
Antônio Teles da Silva manteve a instrução sem nenhuma mudança fundamental em
relação ao regimento anterior. Foi no regimento de D. Afonso Furtado de Mendonça225
que este capítulo acrescentou os ofícios de “Guerra” aos que também poderiam ser
providos em serventia, conforme o que estava previsto no regimento dos capitães mores
226
. Este capítulo foi incorporado, com o texto praticamente idêntico, ao regimento de
Roque da Costa Barreto.
Em outro capítulo sobre o provimento das serventias fica mais evidente como ao
longo do tempo as instruções tenderam a complexificação, atingindo um alto nível de
detalhamento. O regimento de Diogo de Mendonça Furtado apresenta dois capítulos
sobre o provimento das serventias com conteúdo semelhante. A diferença entre eles
reside na determinação que indicava que qualquer provimento realizado deveria ser
relatado ao monarca de forma detalhada, especificando qual cargo havia vagado, quem
o ocupava e a razão da vacância, se o oficial possuía filhos, e por fim, quem o
governador geral havia provido. No regimento de Antonio Teles da Silva estas
instruções foram repetidas. As alterações que promoveram a complexificação destas
ordens começaram a se delinear a partir do regimento de D. Afonso Furtado de
Mendonça, no qual o capítulo que dispões sobre os provimentos apresenta diversos
acréscimos, inclusive fazendo referência aos regimentos dos governadores de
Pernambuco e Rio de Janeiro227. Essa alteração se apresentava como sintomática em
relação ao progressivo reordenamento territorial dos poderes, uma vez que a referência
aos regimentos dos governadores de capitania buscava reforçar a nova delimitação de
poderes e prazos. Assim ficava especificado que os governadores das capitanias de
Pernambuco e Rio de Janeiro poderiam prover a serventia dos ofícios de justiça e
fazenda, ao passo que os ofícios de guerra continuaram sendo da alçada do governador
geral. Os governadores de Pernambuco tinham o direito de prover a serventia por três
meses e os do Rio de Janeiro por seis meses. Após esse prazo deveriam dar posse a
quem fosse provido pelo governador geral.

Reys, & raynhas, a que se fazião mercês pelos haver servido no Paço, & criarse nelle de meninos”.
BLUTEAU, D. Raphael. Op. cit. Vol. II, p. 610.
224
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264.
225
MACC, Vol. 1, p. 212.
226
O regimento dos Capitães-mores foi elaborado pelo vice-rei Conde de Óbidos em 1663. Cf: DHBN.
Vol. 5. p. 374-80.
227
MACC, Vol. 1, p. 212.
77
Por fim, a complexidade das instruções sobre provimentos atingiu um grau mais
elevado no regimento de Roque da Costa, no qual estava especificado que os postos
mais altos do terço não poderiam ter suas serventias providas pelo governador geral.
Neste caso o capítulo ordenava uma sucessão por hierarquia: na vacância de um Mestre
de Campo, o Sargento-Mor do mesmo terço governaria até o provimento régio, o
mesmo aconteceria se vagasse o ofício de Sargento-Mor, sendo substituído pelo capitão
com maior antiguidade, e assim por diante nos demais níveis hierárquicos dos oficiais.
Inferimos que este nível de detalhamento surgiu como uma resposta à experiências
anteriores, nas quais os conflitos de jurisdição eram ocasionados quando os “costumes”
locais eram ignorados228.

1.3. Contextos e experiências: transformações nos regimentos

Fontes normativas como os regimentos por vezes são vistas como produtos
distorcidos da realidade, tidas como visões ideais e distantes do cotidiano governativo.
Nas palavras de Laura de Mello e Souza, “o mundo das colônias (...) não pode ser visto
predominantemente pela ótica da norma, da teoria ou da lei, que muitas vezes
permanecia letra morta e outras tantas se inviabilizava ante a complexidade e a
dinâmica das situações específicas” 229
. Diferente desta autora, para quem o “direito
significa antes imposição, cogência, execução, inflexibilidade, formalismo” 230
,
compreendemos o direito como principal fonte de jurisdição 231, e portanto, entendemos
que a centralidade do direito, como apontou Antônio Manuel Hespanha, seja na verdade
a
centralidade dos poderes normativos locais, formais ou informais, dos usos
das terras, das situações „enraizadas‟ (iura radicata), na atenção às
particularidades de caso; e, em resumo, na decisão das questões segundo as

228
Em nossa dissertação de mestrado encontramos um caso onde os oficiais do terço protestam contra as
atitudes do governador geral Antonio Teles de Menezes, em razão dos “problemas decorrentes do
provimento que o Conde General havia realizando no terço de João de Araujo, ao prover o ofício de
sargento mor em um dos oficiais que havia aportado na Bahia em sua armada.” ARAÚJO, Hugo André F.
F. A governação em tempo de guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a gestão da defesa (1642-
1654). Dissertação (Mestrado em História Social). Juiz de Fora: UFJF, 2014. p. 116. Inferimos que a
disputa teve origem “na atitude do governador geral que proveu o ofício vago em um membro externo a
hierarquia já existente no terço, desrespeitando os costumes estabelecidos, fato que levou os capitães do
terço a realizarem uma reclamação „formal‟, no próprio paço do governador.” Loc. cit.
229
SOUZA, Laura de Mello e. “Política e administração colonial: problemas e perspectivas”. In: O sol e a
Sombra: Politica e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 56.
230
HESPANHA, António Manuel. Op. cit. 2007. p. 57.
231
Cf: SUBTIL, José. Op. cit., 1998, p. 141. ARAÚJO, Hugo André F.F. Op. cit. 2013. p. 103-104.
78
sensibilidades jurídicas locais, por muito longe que andassem daquilo que
estava estabelecido nas leis formais do reino.232

Isso significa dizer que o pluralismo jurídico se manifestava de modo central no


cotidiano político, o que evidentemente implica na percepção de que não havia uma
primazia pelo direito régio, ou por qualquer outro, afinal “uma das características do
direito comum era a sua enorme flexibilidade, traduzida no facto de o direito local se
impor ao direito geral e de, na prática, as particularidades de cada caso – e não as regras
abstractas – decidirem da solução jurídica” 233.
Seguindo este raciocínio, entendemos que as transformações verificadas nos
regimentos eram o resultado de uma série de fatores que emergiam tanto do contexto no
qual o império português estava inserido, quanto do acúmulo de experiência
governativa. Dessa forma mudança no contexto político internacional pode ser
percebida através dos regimentos: o regimento de Antônio Teles da Silva234 datado de
1642 mencionava o Tratado de Tregoas e cessação de hostilidades, celebrado entre D.
João IV e os Estados Gerais235; já o regimento de D. Afonso Furtado de Castro do Rio
de Mendonça, elaborado em 1671, menciona as “„pazes‟ celebradas entre a coroa de
236
Portugal e as de França, Inglaterra, e os Estados da Holanda” , o que atesta as
mudanças ocorridas neste espaço de quase 30 anos.
Após a aclamação de D. João IV em 1641 a nova dinastia possuía as tarefas
hercúleas de buscar o reconhecimento da legitimidade frente às demais monarquias
européias, assim como o desafio de manter e reconquistar possessões ultramarinas na
África, na Ásia e na América; essas iniciativas por sua vez exigiam um grande esforço
diplomático, militar e econômico. Em 1671, quando o regimento de D. Afonso Furtado
é elaborado, o cenário do império português já estava bem diferente: os holandeses
foram expulsos da América portuguesa em 1654 e as negociações diplomáticas levaram
a paz assinada em um primeiro tratado em 1661, que reconhecia “a restauração

232
HESPANHA, António Manuel. Op. cit. 2007. p. 57.
233
Loc. cit.
234
Como consta no último capítulo do regimento: “60°. Entregar se vos hão com este Regimento hua
copia das tregoas feitas com os estados geraes das provincias unidas de Olanda e Zelanda e hua carta sua
para os seus capitães e mayores que assistem em Pernambuco e noutras partes desse estado a qual lhes
enviareis em chegando, lhes fareis notório como estais prestes para guardar e cumprir as tregoas e ter com
elles toda a boa correspondência” AHU, ACL, Avulsos da Bahia,CU. 005, Cx.1, D. 40
235
CASTRO, J.F. Borges de. Coleção dos tratados, covenções, contratos e atos públicos celebrados
entre a Coroa de Portugal e as mais potências desde 1640 até o presente. Tomo I, Lisboa, 1856, p. 24.
Disponível em: http://archive.org/details/collecodostrata00castgoog. Acessado em: 10/11/2014.
236
RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda Gomes da. Op.cit. p. 229.
79
portuguesa no Nordeste, em troca de vultosa indenização” 237
ao passo que apenas em
1669, com um segundo tratado, a hostilidade com os neerlandeses cessaria no ultramar
238
; a iniciativa diplomática para estreitar laços com a Inglaterra fora corporificada em
1661 no Tratado de Paz e Aliança com Carlos II da Inglaterra que além de cooperação
política previa também a união matrimonial da Infanta D. Catarina com o monarca
inglês239; em 1668 a paz era proclamada entre Portugal e Espanha, e a legitimidade da
dinastia de Bragança estava assegurada240.
Os regimentos também refletem as nuances das conjunturas vividas no Estado
do Brasil. É importante notar como algumas alterações no conteúdo das instruções
coincidem, não por acaso, com mudanças importantes ocorridas na América Portuguesa.
Um exemplo significativo disto pode ser observado nas disposições dos regimentos
sobre a relação com os indígenas. Nos documentos passados a Diogo de Mendonça e
António Teles da Silva essas instruções revelam preocupações quanto ao
estabelecimento e manutenção de um contato harmonioso com os indígenas,
concedendo destaque aos “Aymorés” 241
. Essas práticas poderiam ter em vista a
cooptação dos indígenas que constantemente eram “convocados a formar tropas de
„frecheiros‟ (hábeis com as flechas) para os diversos enfrentamentos e conflitos
existentes seja com estrangeiros – a guerra contra os holandeses – seja para enfrentar
tribos indígenas rebeldes, como a chamada Guerra dos Bárbaros” 242.
As instruções equivalentes nos regimentos de D. Afonso Furtado e Roque da
Costa possuem um acréscimo sutil, porém muito revelador: como nos regimentos
anteriores a instrução menciona que os portugueses que fizessem maus tratos aos
indígenas seriam castigados com rigor. Contudo, o esta instrução é ampliada,
estendendo a punição “ao gentio, que for rebelde, e fizer hostilidades, mandará o
243
Governador proceder contra ele na forma das Ordens que estão dadas” . Essas

237
SANTOS, Marília Nogueira dos; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. “Guerras
na Europa e reordenação político-administrativa”. In: GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO, João.
(Orgs.) O Brasil Colonial. Vol 2. (1580-1720). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 549.
238
MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669.
Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1998. p. 246-247.
239
CASTRO, J.F. Borges de. Op. cit. p. 234. Disponível em:
http://archive.org/details/collecodostrata00castgoog. Acessado em: 10/11/2014.
240
Ibidem. p. 410. Disponível em: http://archive.org/details/collecodostrata00castgoog. Acessado em:
10/11/2014.
241
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264; AHU_CU_005, Cx.1, D. 40.
242
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Apontamentos sobre a defesa do litoral, questões militares,
governo–geral do Estado do Brasil e carreira militar, séculos XVI e XVII”. Navigator: Subsídios para a
História Marítima do Brasil. v.8. n.° 15. 2012. p. 19.
243
MACC, Vol. 1. p. 216; MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op.cit. p. 774.
80
mudanças ocorreram em meio a um processo de combate a determinadas povoações
indígenas no recôncavo baiano, sobretudo contra as tribos dos tapuias, parte do conflito
comumente conhecido como “Guerra dos Bárbaros” (1650-1720). Sendo assim, as
expedições punitivas foram denominadas por Pedro Puntoni como “Guerras no
Recôncavo”, para destacar a série de conflitos que ocorreram entre 1651 e 1679, onde
“os ataques constantes dos tapuias do sertão às fazendas, plantações e povoados do
Recôncavo Baiano resultaria em uma série de expedições punitivas que moldariam a
dinâmica futura da guerra no sertão” 244.
Guida Marques também notou, em um artigo recente, como ocorreram as
alterações discursivas em relação às povoações nativas da América Portuguesa. Para
esta autora, que busca “entender como o índio gentio „vizinho daquele estado‟ se tornou
„gentio bárbaro‟, [e] inimigo da República” 245
, o protagonismo do governo-geral foi
fundamental para o desenvolvimento e para a legitimação discursiva da “guerra justa”,
pois
o envolvimento dos sucessivos governadores gerais e a participação de
soldados pagos pela Coroa e, sobretudo, a busca de legitimação a que dão
agora lugar, testemunham uma mudança profunda. O empenho em legitimar
essas expedições, durante a segunda metade do século XVII, leva ao uso e
abuso da guerra justa. Este vai de par com a mobilização oportuna da
categoria de bárbaro.246

Contudo, caberia matizar esta questão observando as diferenças regionais na


relação com os indígenas. Uma comparação entre os regimentos dos governadores de
Pernambuco (1670) e Rio de Janeiro (1679) aponta diferenças sutis entre o tratamento
dispensado aos indígenas nas capitanias do Norte e nas capitanias do Sul. Ambos os
regimentos tem instruções muito semelhantes, mas em alguns pontos é possível
observar que as distinções são indicativos das particularidades de cada território 247. Por
exemplo, o quarto item dos dois regimentos trata da motivação religiosa do povoamento

244
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão do nordeste do
Brasil, 1650-1720. São Paulo. Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2002. p. 44.
245
MARQUES, Guida. “Do índio gentio ao gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia
setecentista”. Revista de História. (São Paulo), n. 171, jul.-dez., 2014. p. 19.
246
Ibidem. p. 25-26.
247
Vale notar que o item 14 do regimento dos governadores de Pernambuco não aparece no regimento do
governador do Rio de Janeiro. O item trata da proibição em conceder armas brancas e armas de fogo ao
“gentio que estiver de guerra com meus vassalos, e aquelles que tiverem mocambos feitos, e retirados
nelles”. Este capítulo ainda menciona que aqueles que infringissem a proibição seriam julgados pelo
governador-geral, de acordo com o que estava especificado no item XXVII do regimento do António
Teles da Silva. “Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca
Nacional, Vol. XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. p. 123.
81
das capitanias, isto é, “a redução do gentio della a nossa santa fé catholica” 248
. O
mesmo capítulo ainda estabelece que os convertidos receberiam privilégios de
tratamento pois “não somente ganhão o Espiritual, mas também o temporal” 249
, de
modo que estariam resguardados pelas leis e provisões nas causas de agravos e
vexações. Até este ponto a instrução é idêntica nos regimentos, contudo o regimento do
governador do Rio de janeiro apresenta um acréscimo significativo, a ressalva que as
aldeias da jurisdição daquele governo deveriam ser administradas “de modo que vão em
augmento e não em diminuição” 250. É preciso notar também que o termo bárbaro não é
utilizado nesses documentos.
Esses são indícios de que as políticas pensadas as relações com os povos nativos
apresentam mais nuances do que um olhar geral pode indicar. A ambiguidade das
relações estabelecidas entre portugueses e indígenas fica explicita quando observamos
as práticas que ocorriam na capitania de São Vicente. Durante o século XVI alguns
segmentos da nobreza da terra de São Vicente estabeleceram união matrimonial com as
251
principais lideranças indígenas . Convém ressaltar que embora as alianças com
determinadas etnias fossem fundamentais para o estabelecimento na capitania, também
se observa que a dinâmica econômica do sistema agrário de São Vicente era sustentada
principalmente pela mão de obra obtida pela escravização dos povos nativos 252.
Evidentemente não estamos ignorando o peso da imposição da fé católica e do
combate violento às tribos que não se submetiam aos oficiais do monarca lusitano. Não
devemos perder de vista que as diferentes etnias indígenas estabeleciam os mais
variados tipos de relação com os luso-brasileiros, portanto não devemos incorrer no
equivoco de homogeneizar situações que eram em essência absolutamente heterogêneas.
Buscamos indicar que as diferenças regionais nos auxiliam a perceber a dinâmica da

248
“Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca Nacional, Vol.
XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. p.121.; “Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista
do IHGB. Tomo LXIX. Rio de Janeiro, 1906. p. 102.
249
“Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca Nacional, Vol.
XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. P.121; “Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista
do IHGB. Tomo LXIX. Rio de Janeiro, 1906. p. 102.
250
“Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista do IHGB. Tomo LXIX. Rio de
Janeiro, 1906. p. 102.
251
GODOY, Silvana Alves de. “Martin Afonso Tibiriça. A nobreza indígena e seus descendentes nos
campos de Piratininga no século XVI”. In: Recôncavo: Revista de História da UNIABEU. Vol. 4, N.° 7,
Jul/Dez de 2014. p.191-212.
252
Sobre a escravidão indígena ver as seguintes obras: METCALF, Alida C. Go-betweens and the
colonization of Brazil, 1500-1600. Austin : University of Texas Press, 2005. Chapter 6; MONTEIRO,
John Manuel. “Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI-XVII”. In: CUNHA, Manuel
Carneiro da. (Org.) História dos índios no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria
Municipal de Cultura/ Fapesp. 1992. p. 475-498.
82
realidade política no Estado do Brasil, que possuía características particulares em cada
capitania. Nesse sentido inferimos que atentar para as variações regionais é uma
importante alternativa para escapar de explicações generalizantes, proposição essa que
desenvolveremos no tópico a seguir.

2. A organização territorial dos poderes e das jurisdições: o governo-geral


do Estado do Brasil na segunda metade do século XVII

A organização política e administrativa do Estado do Brasil possuía sua sede, ou


cabeça como se referem algumas fontes coetâneas, na cidade quinhentista de Salvador.
Como centro decisório de poder e residência do governador-geral esta cidade
funcionava como ponto de convergência das relações entre as demais capitanias do
Estado do Brasil, como na metáfora corporativa empregada por Frei Vicente Salvador,
“como coração no meio do corpo, donde todas [capitanias] se soccoressem e fossem
governadas” 253
. Isso é reforçado pela percepção de que a “Cabeça deste Estado é de
donde se dividem huas capitanias para o norte e outras para. o sul” 254
. Sendo assim,
sabemos que durante o século XVII o governo-geral do Estado do Brasil era
responsável por um vasto território que englobava desde as capitanias do norte
(Pernambuco, Paraíba, Rio Grande e Siará Grande) 255 até o Rio da Prata.
A gestão de um território deste porte era uma tarefa desafiadora, que encontrava
obstáculos não só nas longas distâncias que separavam a capital do Estado do Brasil das
outras capitanias, mas também na constante negociação entre os interesses, as
jurisdições, os costumes e os privilégios das elites locais de cada capitania. Nesse
sentido, observamos que o período posterior a capitulação dos holandeses em
Pernambuco foi um momento de reordenação dos poderes e, por consequência, de
definição das jurisdições. Essas ações representavam uma nova tentativa de estabelecer
aquilo que a dinastia dos Habsburgos havia tentado sem grandes sucessos durante a
união ibérica, isto é, uma organização política para os territórios atlânticos, pautada “na
criação de governos com tutelas territoriais mais amplas e com definição de cadeias de

253
SALVADOR, Frei Vicente. Historia do Brasil. (1500-1627). Nova Ed. Revista por Capistrano de
Abreu. São Paulo: Weiszflog Irmãos. 1918. p.148.
254
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.15, D. 1743.
255
ALVEAL, Carmen. 2014. “Capitanias do Norte (Brasil)”. In: J. V. Serrão, M. Motta e S. M. Miranda
(dir), e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português. Lisboa: CEHC-IUL. (ISSN: 2183-
1408). Doi: 10.15847/cehc.edittip.2014v023. Disponível em: http://edittip.net/2014/02/04/capitanias-do-
norte/. Acessado em: 02/04/2015.
83
subordinação interna” 256
. A tarefa empreendida, inicialmente pela Coroa, foi um
processo de constante diálogo, e por consequência de interações que demandavam a
coleta de informações sobre os estilos e costumes praticados pelas partes, a fim de que a
reforma na governação não ferisse direitos e privilégios. Como veremos adiante, a partir
do governo de Francisco Barreto inicia-se uma política de coleta de informações sobre
as jurisdições das demais capitanias e sobre os estilos de provimento de ofícios em cada
uma delas.
Na década de 1660 o cenário da governação no Estado do Brasil ganhou
contornos mais complexos. O surgimento de novos desafios administrativos demandou
um esforço de reorganização da governação, sobretudo para viabilizar a arrecadação o
dote do casamento de Catarina de Bragança com o rei da Inglaterra e o donativo para a
paz de Holanda257. No plano diplomático do reino o tratado assinado em 1669 entre
Portugal e os Estados Gerais, a recuperação dos territórios do Nordeste custou a Coroa
portuguesa um montante dividido entre a receita cobrada sobre a exportação do Sal de
Setúbal (2/3) e as praças-fortes de Cochim e Cananor (1/3) 258. Além disso, as câmaras
do Estado do Brasil contribuíram com mais de um terço do valor do dote e do donativo
da paz.
A partir deste cenário é possível apreender e analisar a crescente importância
política do Estado do Brasil, que passou por uma fase de ampliação e refinamento das
jurisdições e poderes do governo-geral e dos governos de capitania, através da emissão
de vários regimentos que visam reordenar os poderes, os ofícios e as jurisdições. A fim
de perceber a complexidade deste cenário, analisaremos a relação entre o governo-geral
e as autoridades políticas das principais capitanias do Estado do Brasil: Pernambuco e
Rio de Janeiro, capitanias estas que experimentaram um significativo aumento de
importância político-administrativa na segunda metade do Século XVII.

256
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. Op. cit. , 2005. p. 202.
257
A análise das dinâmicas sociais que permearam a cobrança do dote e do donativo de paz são objetos da
tese de Letícia dos Santos Ferreira. Cf. FERREIRA, Letícia dos Santos. É pedido, não tributo: O donativo
para o casamento de Catarina de Bragança e a paz de Holanda (Portugal e Brasil c. 1660-c. 1725). Tese
(Doutorado em História). Niterói: UFF, 2014.
258
Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste. (1641-
1669). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p.247-253. Na avaliação de Evaldo Cabral de Mello o resultado
desse acordo “simboliza a opção pelo Brasil a que se vira acuado o Portugal da restauração”, em razão
das sucessivas perdas no Oriente Português. Ibidem. p. 253.
84
Neste sentido, utilizaremos em nossa analise os regimentos dos governadores-
gerais que foram emitidos entre 1642 e 1677 (Antônio Teles da Silva de 1642259, de
Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça de 1671260 e o de Roque da Costa
Barreto de 1677261), bem como os regimentos que buscaram definir os poderes dos
capitães mores e governadores de capitanias (regimento dos capitães-mores de 1663 262,
263
regimento dos governadores de Pernambuco de 1670 e regimento dos governadores
do Rio de Janeiro de 1679) 264. Buscamos relacionar estes regimentos com as discussões
realizadas no Conselho Ultramarino, a fim de identificar os interesses que permeavam o
processo de reorganização política do Estado do Brasil. Através desta abordagem da
governação poderemos compreender as dinâmicas relacionais que sustentam a
monarquia pluricontinental portuguesa, destacando o papel e a importância da
negociação entre os corpos políticos na América e no Reino.

2.1. “os governos de províncias largas são de grande inconveniente”: a


organização territorial das jurisdições

Em 31 de Março de 1654, cerca de dois meses após a capitulação das forças


neerlandesas no Recife, o Conselho Ultramarino realizava uma consulta sobre as
mudanças que deveriam ocorrer na organização do governo do Estado do Brasil. A
consulta foi iniciada da seguinte maneira: “Estão livres as capitanias do Norte, que os
Holandeses ocupavam no Estado do Brasil, parece necessário dar forma ao governo
político, e militar de todas elas” 265
. O objetivo da consulta em questão era apresentar
proposições para a organização política do território, que uma vez restaurado
necessitava de “uma forma de governo justa e fácil, para meneo 266
daquela Republica”
267
. O principal conselheiro envolvido nesta consulta é o ilustre e velho conhecido

259
AHU_CU_005, Cx.1, D. 40. Também encontramos uma cópia desse regimento na Biblioteca
Nacional: BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20. (1642-1753), n°1.
260
MACC, Vol. 1. p. 211-229. A publicação em questão é um resumo do documento original, porém
trata-se de um resumo bem elaborado e que mantém a essência das instruções de governo.
261
MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op cit. Tomo II. p. 745-846.
262
DHBN. Vol. V. p.374-380
263
“Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca Nacional, Vol.
XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. p. 121-127.
264
“Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista do IHGB. Tomo LXIX. Rio de
Janeiro, 1906. p. 99-111.
265
AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466.
266
“Meneo. Manejo. Administração. Governo.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez &
latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. 5. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu,
1712. p. 420.
267
AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466.
85
268
Salvador Correia de Sá e Benevides , tido como membro especialista em assuntos do
Estado do Brasil.
A divisão das jurisdições militares na América Portuguesa foi principal matéria
discutida na consulta, de modo que as capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro
e o Estado do Maranhão, teriam um governo militar próprio, com relativa autonomia
nas questões de defesa, pois ainda estariam subordinados ao governo-geral. É preciso
atentar que a utilização do termo “província” na consulta é uma clara referência aos
territórios com jurisdição política e militar em Portugal, como por exemplo, as
províncias reinóis do Alentejo, da Beira e de Trás-os-Montes. Por um lado, a utilização
desse termo revela a percepção dos conselheiros acerca da importância destes
territórios, e por outro sugere a concessão informal de um status superior a estas
capitanias. Inferimos isso, tendo em conta que no Reino o governo militar das
províncias era uma matéria de grande importância, pois estas eram comandadas por
oficiais de grande prestígio social e político: os governadores-das-armas269.
Em seu parecer Salvador Correia de Sá e Benevides propunha que em cada uma
dessas regiões houvesse uma autoridade militar superior, responsável pelo governo das
armas, e desaconselhava a divisão do “governo militar, entre pessoas, na mesma
província, [o que] não servirá de mais que de dar ocasião a invejas, e competências de
que nascem as divisões, e parcialidades, e retardar-se a execução das coisas” 270
. É
importante recordar que as ações de Salvador Correia visavam, desde 1646 271, instaurar

268
O estudo mais completo sobre a atuação de Salvador Correia de Sá foi feito por Charles Boxer. Cf:
BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São Paulo: Ed. Nacional,
1973. Francis A. Dutra ampliou e revisou algumas informações importantes sobre este personagem e sua
família. Cf: DUTRA, Francis A. “Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola de Charles Boxer:
cinqüenta anos depois.” In: SCHWARTZ, Stuart B.; MYRUP, Erik Lars (Orgs) O Brasil no Império
Marítimo Português. Bauru, São Paulo: Edusc, 2009. p. 13-38.
269
António Manuel Hespanha indica que em Portugal o governo militar das províncias se sobrepôs as
alcaidarias, que eram os espaços militares tradicionais. Além disso, o autor indica que a estrutura
institucional das províncias apresentava uma certa homogeneidade, sobretudo a partir da guerra da
restauração (1640-1668). Cf. HESPANHA, António Manuel. Op. cit. 1993, p. 120. No Capítulo 1
indicamos a importância dos governadores-das-armas e como grande parte dos governadores-gerais teve
experiência nesse tipo de ofício.
270
AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466.
271
Marcello Loureiro demonstra habilmente como a movimentação Salvador Correia de Sá visava a
criação de uma jurisdição independente do governo-geral compreendendo as capitanias do sul. Os
argumentos de Correia de Sá foram discutidos no conselho de Estado e no conselho ultramarino.
Contudo, como aponta o autor, Salvador Correia de Sá logrou um pequeno aumento de poder condicional,
podendo agir independente do governo-geral apenas em ocasiões de guerra. A concretização da repartição
sul só se daria anos mais tarde em 1658. LOUREIRO, Marcello José Gomes. A gestão no Labirinto:
Circulação de informações no Império Ultramarino Português, formação de interesses e a construção da
política lusa para o Prata (1640-1705). Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.
p. 91-98.
86
a divisão governativa da repartição sul. Contudo, neste período seus esforços
conseguiram apenas ampliar sua jurisdição, recebendo o ofício de governador das
capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente 272.
Sendo assim, apresentamos na Tabela 6 o resumo da proposta de organização
expressa na consulta. Organizamos as informações nesta tabela de modo a representar a
hierarquia dos governos e nesse sentido vale ressaltar como a diferença hierárquica foi
expressa em vários sentidos, desde o perfil social sugerido para os governantes até o
número de terços e soldados que deveriam guarnecer e defender as praças.

Tabela 6 - Hierarquia e divisão dos governos militares na América Portuguesa


(1654)
Capitanias e Número
Centros de Perfil dos Número Número de
territórios de
governo Governantes de Terços Companhias
subordinados Soldados
nobres titulados,
capitanias de
conselheiros e
Bahia Sergipe del Rey, 2 24 2400
governadores de
Ilhéus, Porto Seguro
armas
Rio das Caravelas,
governadores de
Rio de capitanias de 1200
armas e 1 12
Janeiro Espírito e São
conselheiros
Vicente
Do Rio São
Francisco até a mestres de campo e
Pernambuco 2 Não informa273 2400
capitania do Rio patentes superiores
Grande
mestres de campo,
Maranhão Ceará e Grão-Pará capitães de cavalos 0 3 ou 4 300 a 400
e sargentos-mores
Fonte: AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466

O argumento exposto para essa divisão foi reforçado pela idéia de dinamização
da gestão, pois “os governos de províncias largas são de grande inconveniente, porque o
excedem a possibilidade do cuidado, ou pela própria razão faltam ao bom despacho dos
negócios” 274
. A divisão sugerida estava embasada em um argumento que buscava
conciliar os interesses dos súditos e da coroa:

272
Como vemos em sua carta patente de 18/01/1647, Salvador Correia de Sá recebia o ofício de
governador “das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente” estando “sobordinado para
no tempo de paz ao governador geral do Estado do Brazil e nas ocaziões de guerra governará sem a
dependência sua”. IAN/TT. Chancelarias Régias. D. João IV, Livro 13, f. 369v.
273
Somos levados a crer que os dois terços se organizassem em 24 companhias, como acontecia no
presídio da Bahia. Contudo, se não temos informação sobre o número de companhias, a consulta nos
indica que um dos terços seria responsável pela defesa da região compreendida entre a vila de Olinda e o
Rio São Francisco e o outro pela região que se estendia de Itamaracá até o Rio Grande.
274
AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466.
87
Dividido o governo daquele Estado, os súbditos ficarão mais satisfeitos, e os
Ministros poderão dar de si melhor conta. Além de que, sempre será mais
conveniente, que Vossa Majestade aproveite a quatro vassalos, juntamente,
em um triênio, que não a um só, como se fará dividindo-se o governo nestas
seguintes quatro partes.275

Sendo assim, o primeiro ponto tratado na consulta foi o governo das capitanias
do Sul, com sua “cabeça” no Rio de Janeiro. A jurisdição dessa região era
compreendida pelo território entre o “Rio das Caravelas, Espírito Santo, e São Vicente,
com tudo o mais que hoje pertence a esta repartição, e Capitanias” 276. O perfil proposto
para os oficiais que governariam a região é hierarquicamente elevado, sendo
recomendado que o posto fosse ocupado por “governadores de armas, conselheiro ou
semelhantes pessoas” 277
. Inferimos que a produção desse nível de distinção se deva ao
fato da crescente importância da região durante a segunda metade do século XVII278. As
forças militares nesta região seriam formadas por um terço de mil e duzentos soldados,
divididos em 12 companhias, sendo que 7 companhias ficariam do Rio de Janeiro, 2 em
Santos, 1 no Espírito Santo, 1 em São Vicente e 1 em São Paulo,“para quietação
daqueles moradores, e respeito dos Ministros de Vossa Majestade” 279.
A segunda região abordada na consulta é a Bahia, tendo sob sua jurisdição
“Sergipe Del Rey, Ilhéus, Porto Seguro, com tudo o que estas Capitanias pertence” 280.
O perfil dos governantes dessa região se releva o mais elevado, o que não poderia ser
diferente, uma vez que por sua importância era expressa na sua “antiga dignidade de ser
cabeça do Brasil” 281. O governo do Estado do Brasil deveria ser provido “sempre a um

275
AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466.
276
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
277
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466. De acordo com Nuno Monteiro e Mafalda Soares entre o século
XVII e XVIII ocorreu um processo de evidente aristocratização no recrutamento dos postos de governo.
Durante o século XVII dentre os 33 governadores nomeados para o Rio de Janeiro, 50% eram fidalgos, no
século seguinte dos 12 governadores 83% faziam parte da fidalguia. CUNHA, Mafalda Soares da;
MONTEIRO, Nuno. Op. cit. 2005, p. 240 e 248-250.
278
Entendemos que a escolha de um alto oficial para esta região se deva aos interesses da Coroa na busca
de veios auríferos e outros minerais valiosos, o que estava manifesto na consulta: “se ficará desta maneira
facilitando, e assegurando o entabulamento das minas, que é o negocio de maior esperança de todo aquele
Estado, e de que tanto necessita esta Coroa” AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466. - Segundo Charles
Boxer quando Salvador Correia de Sá retornou ao Reino em 1652, o Conselho Ultramarino sugeria que
este voltasse ao Rio de Janeiro “a fim de organizar em bases adequadas as minas de São Paulo e
Paranaguá. Salvador expressou o seu desejo de receber a incumbência, mas sob a condição de ver bem
recompensados os serviços que vinha prestando à Coroa desde o ano de 1614”. BOXER, Charles R. Op.
cit, 1973, p. 316.
279
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
280
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
281
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
88
título, a um Conselheiro, a um Governador de Armas, ou a semelhantes pessoas” 282
.
Para a organização do presídio da Bahia eram previstos dois terços com dois mil e
quatrocentos infantes formados por 24 companhias divididas da seguinte maneira: 19 na
praça da Bahia, 2 no Morro de São Paulo, 2 no Recôncavo e 1 em Sergipe del Rey.
O governo de Pernambuco foi o terceiro tratado na consulta, a esta região
ficariam subordinadas os territórios “desde o Rio de São Francisco, até o Rio Grande”
283
. As características pretendidas para o governante da região foram listadas: pessoas de
“maior qualidade” com patente de mestre de campo ou superiores, apresentando a
seguinte justificativa: “se para a recuperação da Praça de Pernambuco, bastou um
mestre de campo general, parece que também será bastante para o governo dela” 284
.A
consulta também apontava como deveria ficar organizada a força militar da capitania,
no caso de Pernambuco recomendavam que houvesse dois terços com dois mil e
quatrocentos infantes, sendo que um terço seria responsável pela defesa da região
compreendida entre a vila de Olinda e o Rio São Francisco e o outro pela região que se
estende de Itamaracá até o Rio Grande.
Por fim, a região do Maranhão era compreendida pelos territórios das
“capitanias [do] Ceará, Grão Pará, com todas as mais Praças, e Portos que lhe
pertencem” 285
. O perfil pretendido para os seus governantes é o menos elevado dos
quatro territórios tratados na consulta, de modo que este posto poderia ser preenchido
por “Capitães de Cavalos, Sargentos mores, Mestres de Campo” 286
. A defesa nessa
região seria feita por 3 ou 4 companhias com cem soldados cada. Salvador Correia de
Sá julgava essa região como pouco atrativa a possíveis invasores, “por ser partes, em
que o inimigo tem pouco de que lançar mão; E que nos consta do pouco cabedal, que
delas fez, havendo as possuído” 287 .

282
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466. – Essas características são verificadas pelos estudos recentes que
se dedicaram a identificar o perfil dos governadores-gerais do Estado do Brasil. Cf: COSENTINO,
Francisco. “Governadores gerais do Estado do Brasil pós Restauração: guerra e carreira militar”. Varia
História. Vol.28, n.° 48. Belo Horizonte. Jul/Dez. 2012., p. 725-753; Cf: ARAÚJO, Hugo André F. F.
“Um império de Serviços: ofícios e trajetórias sociais dos governadores gerais do Estado do Brasil no
século XVII”. Anais da XXIX Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora: Monarquias,
Repúblicas e Ditaduras: entre liberdades e igualdades. Juiz de Fora, 2012. p. 125-140 ; Cf: CUNHA,
Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. Op. cit. 2005. p. 191-252. Apresentamos o perfil dos
governadores-gerais no Capítulo 1.
283
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
284
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
285
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
286
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
287
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466
89
Notamos que Salvador Correia de Sá teve a preocupação de ressaltar que a
divisão dos governos militares não viria a lesar a autoridade do governador-geral,
ressaltando que a jurisdição do mesmo continuaria superior as demais: “O governador
da Bahia deve continuar com a presidência da Relação, e Corte da Justiça, a donde hão
de acudir todos os negócios tocantes a ela, de todo o Estado, e na própria forma que
hoje esta com esta qualidade fica muito superior este aos mais governos” 288
.
Entendemos que a proposta de Salvador Correia de Sá visava por um lado a
dinamização da capacidade defensiva do Estado do Brasil, sem com isso alterar a
autoridade do governador-geral, que continuava tendo “a jurisdição suprema do
Governador do Estado” 289
, e por outro formalizava a crescente importância das
capitanias do Sul, das quais viria a ser governador em 1658 290. A proposta de dividir as
competências militares entre as regiões indica a busca da Coroa por meios mais
eficientes de governação, dada a constatação do problema fundamental de governar as
vastas extensões do Estado do Brasil 291.
Como vemos na própria consulta o despacho régio de 20 de Julho de 1654 foi
favorável. Em 29 de Outubro de 1654 o monarca explicitava esta decisão informando o
Conde de Atouguia que o governo “político como [o] militar [do Estado do Brasil] se
exercitassem por uma só pessoa como até agora se fez por convir assim a autoridade e

288
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466. – O Tribunal da Relação foi restituído em 12 de setembro 1652,
através da promulgação de seu novo Regimento, e em março de 1653 sua “reativação” é efetivada com o
juramento dos juízes que compunham este tribunal. Cf: SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no
Brasil colonial: o tribunal superior da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. Tradução Berilo
Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 199. Segundo Francisco Cosentino “A Relação da
Bahia passou a funcionar como um órgão judiciário superior, submetendo todos os encaminhamentos de
justiça, resguardando o direito de recurso, em alguns casos, à Casa de Suplicação, em Portugal. Era
também o tribunal de recursos às decisões dos oficiais menores da justiça: ouvidores das capitanias,
ouvidor-geral e provedor-mor dos defuntos. De acordo com o regimento da Relação, o governador-geral
presidia o tribunal, exercendo o papel de seu regedor.” COSENTINO, Francisco Carlos Cardoso.
“Governo-geral do Estado do Brasil: governação, jurisdições e conflitos (séculos XVI e XVII)” In:
FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs.) Na Trama das Redes: Política e negócios no
império português, séculos XVI - XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 418.
289
AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D. 466.
290
Salvador Correia de Sá recebeu a patente de governador das capitanias do sul (São Vicente, Rio de
Janeiro e Espírito Santo) em 17 de setembro de 1658. DHBN. Vol. XX, p. 93.O auto da seperação dos
governos foi feito em Salvador em 2 de Setembro de 1659. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 15, D.1743. A
divisão findaria com a nomeação de D. Vasco Mascarenhas como 2º. vice-rei do Estado do Brasil, como
consta em sua carta patente. BNRJ-SM. Códice 1, 2, 5
291
Como sabemos em momentos anteriores, principalmente durante a União Ibérica (1580-1640), a
divisão governativa foi utilizada, aparentemente sem muito sucesso e teve vigor por períodos curtos.
Mônica da Silva Ribeiro identifica a ocorrência desse tipo de divisão em três momentos: 1572-1577;
1608-1612; 1658-1662. Cf. RIBEIRO, Mônica da Silva. “Divisão governativa do Estado do Brasil e a
Repartição do Sul”. Anais do XII Encontro Regional de História da ANPUH-RJ. Rio de Janeiro, 2006.
p.1.
90
dignidade desse antigo Governo.” 292 Contudo, um ano após essa decisão o governador-
geral queixava-se dos resultados decorrentes e questionava a eficiência da medida
afirmando: “se o intento de Vossa Majestade é querer honrar este Governo, com se
restituir a sua antiga autoridade em nenhuma ação a tem mais perdida, que na forma em
que hoje provê os postos militares” 293
. A crítica do Conde de Atouguia incidia sobre
aquele que era um dos pontos fundamentais da prática governativa e também alvo de
controvérsias: o provimento dos postos militares. Para o governador-geral as mudanças
introduzidas promoviam a descentralização dos provimentos militares e podiam dar
margem a provimentos indevidos e por conseqüência conflitos de jurisdição. Sendo
assim o Conde de Atouguia asseverava que
As patentes se passam como provisões de serventia dos ofícios civis, e hoje
com tão pouca autoridade e jurisdição, que quando os providos nos postos
que vagam (...) esperam a confirmação deles sem preceder consulta alguma
deste Governo os trazem outros sujeitos, ficando aqueles com engano do
provimento, que tiveram e sem reformação legitima: desengano que
desanima a uns, e obriga a outros a se ausentarem do serviço de Vossa
Majestade.294

Em duas cartas, datadas de outubro de 1655, o Conde de Atouguia esclarece


melhor as razões de sua queixa. Nestas o governador-geral recorda a Coroa que após a
capitulação dos holandeses foram concedidas ao mestre de campo general Francisco
Barreto295 as prerrogativas para prover “os officios da Justiça e Fazenda destas
capitanias [de Pernambuco] e cargos da guerra e mais pessoas que me parecessem das
que se acharão na Recuperação de Pernambuco” 296
. O Conde de Atouguia enfatizou
que esta concessão havia sido feita em caráter único, em razão da ausência desta
estrutura de ofícios administrativos durante o período de ocupação neerlandesa. Além
disso, Barreto recebeu ordens para preservar a jurisdição régia da Capitania recém
restaurada, devendo desfazer “quaisquer atos de posse que Dom Miguel ou Duarte de
Albuquerque exercitem ato algum de Donatários nem cobre como tal direito ou
emolumento e se o que tiver obrado for com despachos de algum ministro, Conselho ou

292
DHBN. Vol. LXVI, p. 67.
293
DHBN, Vol. IV, p. 257.
294
DHBN, Vol. IV, p. 258.
295
A provisão datada de 29 de Abril de 1654 foi publicada por Varnhagen no apêndice de seu livro. Cf.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História das lutas com os hollandezes no Brazil: Desde 1624 até
1654. Viena d‟Austria, 1871. p. 345-346. Esta provisão foi discutida no Conselho Ultramarino antes de
chegar a sua forma final, como percebemos na consulta de 31/03/1654. AHU_ACL_CU_015, Cx.6 , D.
467.
296
Francisco Barreto cita a referida provisão de 29 de Abril de 1654 em todos os provimentos que foram
registrados neste códice. Cf. 23/03/1655. AUC, CA, Cod. 31, f. 21v.
91
Tribunal mos enviareis todos.”297 De acordo com Antonio Vasconcelos de Saldanha a
iniciativa de trazer as capitanias de Pernambuco e Itamaracá para o patrimônio régio
representava uma resposta à “inoperância total dos donatários, para, numa acção
comum, se substituírem ou, no mínimo, aliviarem a Coroa na defesa dos territórios
administrados”298. Ademais, esta ação era invocava “a precisa razão do inadimplemento
por parte dos donatários das condições originais das doações quinhentistas” 299.
As prerrogativas concedidas a Francisco Barreto após a restauração de
Pernambuco tiveram profunda influência sobre a governação nos anos seguintes, pois
buscavam responder a dois problemas fundamentais que marcaram a governação nesta
conjuntura: 1) a remuneração régia dos serviços daqueles que lutaram em Pernambuco,
“se não como elles merecem, ao menos como he possivel, e permitte o aperto em que as
guerras deste Reino tem posto as cousas em todas as partes” 300; 2) a necessidade
administrativa de suprir os postos vagos a fim de que o controle efetivo da capitania
fosse estabelecido e viabilizado pela governação. A falta de restrições na própria a
concessão deu margem a livre interpretação de Francisco Barreto, que também passou a
prover os postos militares. Outra questão apontada pelo Conde de Atouguia referia-se a
subordinação de Pernambuco ao governo-geral, recordando “com a submissão que deve
me pareceu representar a Vossa Majestade que aquele Governo [de Pernambuco] não
está separado deste” 301, portanto, todas as requisições referentes à artilharia e munições
deveriam ser dirigidas ao governador-geral uma vez que eram prerrogativas próprias de
seu ofício, previstas nos capítulos 12, 15 e 16 de seu regimento 302.
Nestas cartas o governador-geral criticava a postura da coroa, enfatizando que os
ministros do rei faltavam com a obrigação de lhe advertir a gravidade da situação, pois
não explicitavam “a diferença que há de Mestre de Campo General ao Capitão General,

297
“Carta de Sua Majestade para o Mestre de Campo General Francisco Barreto”. 04/11/1654. DHBN.
Vol. LXVI, p. 98-99 – Dom Miguel de Portugal era administrador de Duarte de Albuquerque Coelho,
antigo donatário da capitania de Pernambuco.
298
SALDANHA, Antonio Vasconcelos de. As capitanias do Brasil: Antecedentes, desenvolvimento e
extinção de um fenômeno atlântico. Lisboa: CNCDP, 2001. p. 394.
299
Ibidem. p. 395.
300
VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Op. cit. 1871. p. 345
301
DHBN, Vol. IV, p. 266.
302
O regimento utilizado pelo Conde de Atouguia é o mesmo que foi passado a Antonio Teles da Silva. O
documento em questão está na Biblioteca Nacional (BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20. (1642-1753) n°5). O
regimento é acompanhado de uma carta régia: “vos entregará o Regimento que mandei dar a Antonio
Telles da Silva quando foi governar o Estado do Brazil, encomendo-vos o vejais, e uzeis delle em tudo o
que se vos puder aplicar como se fora feito para vós.” BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20. (1642-1753) n°5A.
Nesse sentido reforçamos que é preciso explicitar esta questão a fim de não tratar os dois regimentos
como documentos diferentes, como trabalhos anteriores fizeram. Cf. VIANNA JÚNIOR, Wilmar da
Silva. Op. cit.. p. 15.
92
de quem é súbdito” 303
. O Conde de Atouguia também reforçava seu argumento
lembrando que “semelhante estilo, nunca [fora] praticado em Reino, ou Exército que o
Capitão General governasse” e que tal ação acabava por “privá-lo da maior autoridade
que tinha, que é prover os postos militares” 304. O governador-geral protestava atestando
a quebra de hierarquia e, por conseqüência, o enfraquecimento de sua autoridade, afinal
esta prática lesava as prerrogativas fundamentais do ofício superior ocupado pelo Conde
305
de Atouguia, as regalias . Ao expor a violação de seu privilégio e do prestígio
atrelado ao governo-geral, o Conde de Atouguia reforçava sua argumentação afirmando
que
é indecência tão inaudita estar no mesmo Governo provendo o Capitão
General os postos que vagam nos presídios, e o Mestre de Campo General, os
do Exercito, que não deve Vossa Majestade permitir que este Governo
padeça aquela inferioridade a que desce, nem eu firme patente em que se lhe
não dê principio306.

A reclamação do Conde de Atouguia incidia sobre um tipo de disputa que já


ocorria no período anterior ao seu governo e que continuou a ser recorrente com seus
sucessores. Conflitos de jurisdição em torno do provimento das serventias não eram
ocasiões extraordinárias, e sempre que ocorriam eram julgadas a partir das instruções
307
contidas no regimento do governo-geral . Acreditamos que a recorrência dessas
disputas motivou a reformulação destas instruções, o que basicamente consistiu em
acrescentar passagens ao texto existente, dotando-as de maior detalhamento e, por
conseguinte, tornando as instruções mais claras. Além disso, percebemos que o
processo de organização territorial das jurisdições estava intimamente ligado a definição
dos estilos de provimento de serventias, um desdobramento direto do refinamento das
instruções dos regimentos de governo. Analisaremos este processo mais detidamente a
seguir.
303
DHBN, Vol. IV, p. 265.
304
DHBN, Vol. IV, p. 265.
305
As regalias são prerrogativa própria do monarca, que representam “um sinal exterior, demonstrativo da
authoridade & Magestade Real.” BLUTEAU, D. Raphael. Op. cit. Vol. VII, 1712, p. 193. Os
governadores-gerais do Estado do Brasil recebiam do monarca parte destas regalias, pois só assim
estariam aptos ao “exercício de poderes específicos que não poderiam ser efetivados sem presença de um
oficial régio imbuído com a distinção e as prerrogativas de governar em nome do monarca”. ARAÚJO,
Hugo André F. F. Op. cit. 2013. p. 101. Sendo assim, “As Regalias essenciaes são fazer leys, investir
Magistrados, eleger Ministros dignos, & a seus tempos publicar guerra, & fazer pazes”. BLUTEAU, D.
Raphael. Op. cit. Vol. VII, 1712, p. 193.
306
DHBN, Vol. IV, p. 265.
307
Em trabalho anterior apontamos como a resolução dos conflitos de jurisdição sobre o provimento das
serventias eram resolvidos a partir de argumentações construídas com base no texto dos capítulos que
definiam o estilo dos provimentos no regimento dos governadores-gerais. Cf: ARAÚJO, Hugo André F.
F. Op. cit. 2013. p. 97-113.
93
2.2. O provimento de ofícios e a definição das jurisdições entre o governo-
geral e as capitanias de Pernambuco e Rio de Janeiro

Conforme indicamos, os regimentos foram instrumentos centrais na organização


política monarquia pluricontinental portuguesa. Entendemos estes como fontes de
jurisdição, uma vez que eram o principal meio utilizado para delimitar os poderes, as
funções e o funcionamento de diversos ofícios criados pela monarquia. Desta forma, em
uma monarquia fortemente marcada pelo pluralismo do direito, assentado nas tradições
e nos costumes, as jurisdições serviam a tarefa fundamental de ordenar a atuação dos
vários corpos sociais, no Reino e no Ultramar, a fim de que o poder fosse dividido entre
os vários órgãos de conselho, bem como entre as demais instâncias administrativas e os
vassalos que serviam a Coroa. Com efeito, partiremos da analise comparativa entre os
regimentos dos governadores-gerais, a fim de perceber identificar as mudanças
ocorridas na segunda metade do século XVII. Centrar-nos-emos na análise das
instruções emitidas sobre o provimento de ofícios. Desta forma poderemos acompanhar
de forma detida as alterações, e em alguns caso observar as discussões em torno destas.
A definição dos procedimentos para a provisão dos ofícios está presente em
algumas ordens nos regimentos dos governadores-gerais. No caso de Diogo de
Mendonça Furtado o 7° capítulo de seu regimento ordenava que o governador-geral
tomasse informações sobre todos os oficiais que ocupavam os postos de Justiça e
Fazenda, e ao constatar que houvesse postos vagos poderia prover a serventia de tais
ofícios, isto é, nomear alguém provisoriamente até que a nomeação régia fosse feita.
Sendo assim, o provimento das serventias deveria obedecer algumas condições:
estariam aptos para o provimento aqueles que apresentassem provisões régias “para o
haverem de servir os tais ofícios e nesses vagantes tereis também lembrança das pessoas
que vos apresentarem Provisões ou Cartas minhas para serem providos de semelhantes
serventias” 308
; na ausência de pessoas que satisfizessem essa condição, o governador-
geral poderia prover oficiais régios ou “criados” 309
do rei “que tenham partes para os

308
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264
309
“Moço fidalgo, pagem, ou senhora de calidade, criada no Paço de Portugal de pequena idade. Nos
livros das chancellarias estão nomeados muitos fidalgos, & fidalgas com título de criados, & criadas dos
Reys, & raynhas, a que se fazião mercês pelos haver servido no Paço, & criarse nelle de meninos”.
BLUTEAU, D. Raphael. Op. cit. Vol. II, 1712, p. 610. Como veremos no Capítulo 5 esse tipo de prática
poderia assumir outras formas no cotidiano da governação, com a inserção de criados dos governadores-
gerais.
94
servirem e em falta deles outras pessoas que tenham as mesmas partes” 310. O regimento
de Antônio Teles da Silva apresenta esta instrução no 8° capítulo sem nenhuma
mudança fundamental em relação ao regimento anterior. Foi no regimento de D. Afonso
Furtado de Mendonça 311 que a mudança textual deste capítulo acrescentou os ofícios de
“Guerra” aos que também poderiam ser providos em serventia. Por fim, este capítulo foi
incorporado, com o texto praticamente idêntico, ao regimento de Roque da Costa
Barreto.
Quando analisamos as mudanças ocorridas nas outras instruções sobre o
provimento das serventias torna-se mais evidente como ao longo do tempo as instruções
tenderam a complexificação, atingindo um maior nível de detalhamento. No regimento
de Diogo de Mendonça Furtado o 44° capítulo apresenta um conteúdo semelhante ao
descrito anteriormente no 7° capítulo. Entretanto, seu acréscimo está na especificação
de que qualquer provimento realizado deveria ser relatado ao monarca de forma
detalhada, especificando qual ofício estava vago, quem o ocupava e a razão da vacância,
se o oficial possuía filhos, e por fim, quem o governador-geral havia provido. No
regimento de Antonio Teles da Silva este capítulo se manteve inalterado.
As transformações que ocorreram após a rendição dos holandeses no Estado do
Brasil tornaram a governação um cenário significativamente mais complexo e essas
alterações tiveram que ser incorporadas aos regimentos e ao cotidiano da governação.
Na primeira parte deste texto apontamos alguns desses desdobramentos, agora daremos
seqüência indicando outros fatores. Podemos destacar dois grandes desdobramentos
desta mudança: 1) os privilégios concedidos aos “restauradores” de Pernambuco, que
sistematicamente ocuparam os postos de governo em capitanias do norte e até mesmo
na África312; 2) a criação da repartição sul, que além de visar uma maior dinamização
das ações de governo313 e garantir um controle maior sobre as buscas por metais

310
APEB-SC, Estante 1, Cx. 146, livro 264.
311
MACC, Vol. 1, p. 212.
312
Estamos nos referindo aqueles que ficaram consagrados no imaginário da restauração pernambucana:
Francisco Barreto, que governou a capitania de Pernambuco (1647-1657) e o Estado do Brasil (1657-
1663); André Vidal de Negreiros, que governou o Estado do Maranhão (1655-1656), a capitania de
Pernambuco (1657-1661 e 1667), Angola (1661-1666); João Fernandes Vieira, que governou a Paraíba
(1655-1658) e Angola (1658-1661). Sobre o governo de João Fernandes Vieira na Paraíba e em Angola:
Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre-de-campo do terço de
infantaria de Pernambuco. Lisboa: CNCDP, 2000. p. 321-356.
313
Durante esse período Salvador Correia de Sá e Benevides atuou como governador-geral da Repartição
Sul, imbuído de poderes que o permitiam, tal como o governador-geral do Estado do Brasil, prover a
serventia de ofícios. Como vemos, por exemplo, no caso do provimento do escrivão dos órfãos da vila de
São Paulo em 1661 e de meirinho do campo da vila de São Paulo em 25/02/1661. RGCSP. Vol. III, p. 30-
34.
95
preciosos, buscavam também garantir a defesa e incentivar o desenvolvimento do
povoamento daquelas extensões.
A governação no período pós-guerra experimentou mudanças sucessivas, como
apontamos acima. Contudo, a proliferação dos ofícios e a complexificação da teia
jurisdicional demandaram uma resposta da Coroa, em face à progressiva
descentralização do poder no Estado do Brasil, promovida nos anos seguintes a
capitulação dos holandeses. A resposta da Coroa ganhou iniciativa quando o Conde de
Óbidos foi nomeado como vice-rei do Estado do Brasil em 1663. Em uma carta dirigida
a Francisco de Brito Freire o governador de Pernambuco, D. Vasco Mascarenhas
comunicava que sua nomeação para o governo no Brasil tinha como finalidade “dar
nova forma ao governo deste Estado e eu o venho restituir de tudo o que a variedade dos
tempos lhe ocasionou ir perdendo” 314
. Em outra carta dirigida ao governador de
Pernambuco, Jerônimo de Mendonça Furtado315, o Conde de Óbidos explicita seu
entendimento sobre a origem destes conflitos de jurisdição:
A ambição dos Governadores que houve nessa Capitania, depois de as
guerras se acabarem, introduziu quererem mais jurisdição que a que
lhes tocava; confundindo o governo particular dessa Capitania, com o
místico que teve Francisco Barreto, de Governador de Pernambuco,
unido ao posto de Mestre de Campo General de todo o Estado. E
como ele teve ambos os exercícios, e nenhum lhe succedeu em ambos:
quizeram ter, como Governadores dessa Capitania as preeminências
de Mestre de Campo General do Brasil.316

A disputa entre os dois governadores tinha origem não apenas na prática de seus
antecessores, mas também nos poderes régios investidos pela carta patente. Jerônimo de
Mendonça Furtado defendia-se da acusação acima ressaltando que guardava a jurisdição
expressa por sua patente, até que outra ordem fosse emitida pelo monarca:
as jurisdiçõens, não posso eu deyxar de pugnar, pellos que me tocão,
que como são dadaz por sua Magestade (...) e me he prezente a pouca
estimação que elle faz, e a ruim conta em que o mundo tem a quem
facilmente larga as que lhe tocão. Nunca vossa senhoria pode
estranharme [que] procure as [jurisdições] que na minha patente foy
sua Magestade servido concederme 317.

314
05/12/1663. DHBN, Vol. IX, p. 134. Exploramos a relação entre o Conde de Óbidos e Francisco de
Brito Freire com mais detalhes no Capítulo 5.
315
“O senhor Jeronimo de Mendonça Furtado tomou posse em 5 de Março de 1664, e sérvio até o último
de Julho de 1666”. “Informação Geral da Capitania de Pernambuco (1749)”. In: Anais da Biblioteca
Nacional, Vol. XXVIII. Rio de Janeiro, 1906, p. 120.
316
26/04/1664. DHBN, Vol. IX, p. 164.
317
19/05/1664. AUC, CA, Cod. 31, fl. 120v. Furtado terminava sua carta com um tom desafiador,
explicitamente questionando a jurisdição do Vice-rei: “Vossa Senhoria que interpreta as suas ordens
como lhe parece a deve dar, que eu me acomodo com o que entendo da minha patente e asy o hey de
96
Para Evaldo Cabral de Mello a estratégia do governo-geral desenvolvida nessa
situação apresentava um argumento que deslegitimaria as pretensões dos governadores
de Pernambuco, pois “por ambição de mando, os capitães-generais do Pernambuco post
bellum teriam intencionalmente confundido o governo misto, civil e militar, que
Francisco Barreto exercera ao tempo da guerra holandesa, na sua qualidade de mestre-
de-campo general do Estado do Brasil e como governador de Pernambuco, quando, na
realidade, só possuíam este último” 318
. Portanto, a atitude do governador de
Pernambuco resultou em uma séria oposição por parte do Vice-rei, sobretudo pelo tom
da troca de correspondências, que gradualmente aumentou as tensões entre ambos. O
desgaste político promovido pelo Conde Óbidos favoreceu o cenário que levou a
deposição de Furtado em 1666 319.
Neste sentido, foi durante o governo de D. Vasco Mascarenhas que Repartição
Sul foi desfeita, promovendo uma tentativa de centralizar os provimentos e definir as
jurisdições das capitanias 320. Em 20 de Julho de 1663, cerca de um mês após sua posse
em Salvador, o Vice-rei enviou um alvará a todas as capitanias ordenando que todos os
capitães-mores e governadores remetessem as patentes e provisões dos ofícios
subordinados, assim como os alvarás de propriedade e serventias dos demais cargos e
321 322
ofícios . Certamente a emissão do regimento dos capitães-mores (01/10/1663) foi
uma ação incisiva no sentido interferir no sistema de provimentos. O regimento previa

goardar estes trez annos como vossa senhoria me dis, emquanto Sua Magestade me não mandar outra
couza”. AUC, CA, Cod. 31, fl. 120v.
318
MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-
1715. 2.a. Edição revista. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 40.
319
Evaldo Cabral de Mello explora a trama de tensões que permeava as relações entre os dois
governadores, assim como identifica o surgimento e o desenvolvimento da conspiração que levou a
deposição e a prisão do governador de Pernambuco. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos
mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. 2.a. Edição revista. São Paulo: Editora 34,
2003. p. 21-61. As justificativas apresentadas para a defesa de Jerônimo de Mendonça Furtado estão
publicadas em: “Representação de Jerônimo de Mendonça Furtado a Sua Magestade. Ano de 1666.” In:
Anais da Biblioteca Nacional, Vol. LVII. Rio de Janeiro. 1935. p. 110-142.
320
Evaldo Cabral de Mello indicou como este processo foi marcado por tensões e disputas, sobretudo “as
relações entre os governadores da capitania e os governadores-gerais [que] haviam sido sempre de
desconfiança, quando não de hostilidade declarada. Nesse sentido o autor lembra o episódio entre
Francisco Barreto e André Vidal de Negreiros que beirou ao conflito armado. MELLO, Evaldo Cabral de.
Op. cit. p. 33; 34-35.
321
Este documento está em DHBN. Vol. XXI, p.245 e também há uma cópia em AUC, CA, Cod. 31, f.
94v-96.
322
Os impactos da criação do regimento dos capitães-mores, dentro da estratégia do governo do Conde de
Óbidos foram analisados em um trabalho recente: Cf. ALVES, Renato de Souza. Carreira e Governação
no Império Português do Século XVII: o governo do 1º Conde de Óbidos e 2º vice-rei do Estado do
Brasil (1663-1667). Dissertação (Mestrado em História) Juiz de Fora: UFJF, 2014. p. 84-103
97
que a serventia dos ofícios de Justiça e Fazenda de todas as capitanias “das do Norte, ou
desta até a do Espírito Santo” 323
fossem providas pelos capitães-mores por até dois
meses, ao passo que paras as capitanias do sul (abaixo do Espírito Santo) o tempo
previsto seria de 6 meses, e em ambos os casos era necessário informar ao vice-rei sobre
cada provimento feito, “para que de nenhum modo sirvam com seu provimento mais
que naquelle ínterim preciso, que é necessário para me chegar o aviso, e ir a provisão
para evitar as nullidades que do contrario podem resultar nos negócios, e justiça das
partes; pois [os capitães-mores] não tem jurisdição alguma para prover” 324
. Este
regimento proibia os capitães-mores de executarem o provimento dos postos militares,
uma vez que a instrução do regimento indica que na vacância de alguma companhia o
posto seria ocupado pelo membro imediatamente inferior na hierarquia até que o
governador-geral realizasse o provimento da serventia 325 (Tabela 7).
Conforme Mônica da Silva Ribeiro indicou, as tentativas de centralização
empreendidas por Óbidos não foram plenamente realizadas, sobretudo porque houve,
inclusive por parte da Coroa, a manutenção da idéia de “Repartição do Sul” com seu
núcleo principal na cidade do Rio de Janeiro. Isso se devia às experiências anteriores e a
prática administrativa corrente que encontravam naquela organização uma forma de
viabilizar o funcionamento de esferas da governação, da justiça e da fazenda326.
A partir do regimento de D. Afonso Furtado de Mendonça (1671) as instruções
sobre o controle dos provimentos e a definição dos prazos e estilos das serventias
ganharam contornos mais complexos, pois o 38° capítulo repete a instrução do
regimento anterior com um acréscimo que faz referência aos novos regimentos dos
governadores de Pernambuco e Rio de Janeiro. Deste modo ao governador de

323
6º. Capítulo. DHBN. Vol. V. p. 377.
324
6º. Capítulo. DHBN. Vol. V. p. 377 – O regimento foi registrado na câmara de São Vicente em 15 de
Agosto de 1664. Cf. RGCSP. Vol.III. p.140.
325
5º. Capítulo. DHBN. Vol. V. p. 376. – Essa instrução pode ter sido motivada pelos estilos de
provimentos existentes, que em geral não consultavam o governo-geral. Como vemos em 22/02/1661,
portanto antes da emissão do regimento dos capitães-mores, Antonio Ribeiro de Moraes, capitão-mor de
São Vicente, nomeava Francisco Ribeiro de Moraes como capitão de ordenança da vila de São Paulo, por
ser “pessoa de valor, prudência e experiência”. Na provisão e no termo de juramento não constam
serviços anteriores de Francisco Ribeiro, o que pode ser um indício de que não se observasse o que estava
expresso no Regimento das Fronteiras. É provável que o capitão-mor e o capitão de ordenanças fizessem
parte da mesma família. Cf. RGCSP. Vol.III. p. 28-30.
326
Mônica da Silva Ribeiro ilustra essa percepção com o exemplo do Ouvidor-geral do Rio de Janeiro e
“sua Repartição do Sul”, que em 1669 recebeu um regimento no qual o príncipe regente explicitava que
este oficial de justiça deveria residir “na cidade do Rio de Janeiro, por ser „a principal cidade daquela
repartição e no meio dela que fica mais acomodado para as partes irem requerer sua justiça donde uma
vez em vosso Triênio visitar as capitanias da vossa repartição‟.”. RIBEIRO, Mônica da Silva. Op. cit.
2016. p.105.
98
Pernambuco era permitido prover a serventia dos ofícios de Justiça e Fazenda por três
meses 327, ao passo que para o governador do Rio de Janeiro a mesma instrução permitia
o prazo de seis meses328. Ambos os regimentos não concedem a permissão de prover os
postos de Guerra, porém, permitiam apenas “os postos milicianos das ordenanças”, de
modo que os providos em Pernambuco teriam seis meses para obter a confirmação com
o governador-geral 329 e os providos no Rio de Janeiro teriam até um ano 330 (Tabela 7).
Embora os governadores de capitania não possuíssem as prerrogativas necessárias para
prover os oficiais de guerra, estes poderiam sugerir até três pessoas, que cumprissem os
requisitos previstos do Regimento das Fronteiras331, para que o governador-geral
provesse um deles.

Tabela 7- Tempo de provimento para os ofícios de Justiça, Fazenda e Ordenanças (1663-1679)

Provimento dos Provimento dos postos


Regimento Capitanias ofícios de Justiça e milicianos
Fazenda (Ordenanças)
Capitanias do Norte 2 meses
até o Espírito Santo
Regimento dos capitães Não possuía a
Capitanias do Sul
mores (1663) prerrogativa de prover
(Abaixo do Espírito 6 meses
Santo)
Regimento dos Itamaracá, Alagoas e
governadores de Rio de São 3 meses 6 meses
Pernambuco (1670) Francisco332
Regimento do
Cabo Frio, Paraíba do
governador do Rio de 6 meses 1 ano
Sul e São Paulo333
Janeiro (1679)

327
19° Capítulo.“Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca
Nacional, Vol. XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. p. 123-124.
328
18° Capítulo. “Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista do IHGB. Tomo
LXIX. Rio de Janeiro, 1906. p. 105.
329
20º. Capítulo.“Regimento dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca
Nacional, Vol. XXVIII. Rio de Janeiro, 1906. p. 124.
330
19º. Capítulo. “Regimento fornecido ao governador do Rio de Janeiro”. Revista do IHGB. Tomo
LXIX. Rio de Janeiro, 1906. p. 105-106. – A provisão de que nomeava Dom Manuel Lobo como
governador do Rio de Janeiro foi registrada na câmara da vila de São Paulo em 13/11/1679. Cf. RGCSP.
Vol.III. p. 230-231.
331
O regimento das Fronteiras feito em 1645 definiu os requisitos e a forma como ocorreriam as
promoções hierárquicas e os provimentos, estabelecendo a observação de um tempo mínimo de serviço e
exigência da certidão de ofícios. Cf: “Regimento das Fronteiras”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro.
Op. cit. Tomo II, 1972. p. 631- 656.
332
Utilizamos aqui os dados apontados no quadro analítico feito por Francisco Cosentino sobre status das
capitanias ao longo do século XVII. COSENTINO, Francisco Carlos C. “Hierarquia e poder político no
Estado do Brasil: o governo-geral e as capitanias, 1654-1681.” Topoi. Rio de Janeiro, vol. 16, n.° 31,
jul/dez. 2015. p. 537.
333
Loc. cit.
99
É interessante observar como estas ordens foram formuladas, e nesse sentido
algumas consultas do conselho ultramarino nos permitem apreender as discussões em
torno de suas elaborações. Em 12 de Maio de 1670 os conselheiros discutiam
elaboração do regimento dos governadores da capitania de Pernambuco, onde principal
tópico da consulta foi sobre as dúvidas recorrentes em relação à forma do provimento da
serventia de ofícios militares. Os membros do Conselho recorriam às memórias
administrativas recordando os acontecimentos durante o governo de Francisco Barreto,
onde este disputava a prerrogativa de nomeação com o governador de Pernambuco,
André Vidal de Negreiros334; e reiteravam que ainda durante o governo de Alexandre de
Sousa Freire ocorriam disputas entre os dois governos. De acordo com a consulta tanto
Alexandre de Sousa Freire quanto o governador de Pernambuco, Bernardo de Miranda,
tentavam “cada um ampliar a sua jurisdição de que tem resultado muitas queixas” 335. O
motivo das disputas residia na alegação do governador-geral de que o governador de
Pernambuco não poderia prover as serventias dos ofícios de guerra e nem dos postos
milicianos, ao passo que Bernardo de Miranda protestava afirmando que Alexandre de
Souza Freire “lhe tirava a posse em que estava por si e por seus antecessores de fazer os
ditos provimentos, usurpando lhe toda a jurisdição daquele governo e querendo que saia
ele um mero executor das suas ordens” 336.
A Coroa estava ciente de que tantas disputas decorriam da falta de delimitação
jurisdicional, e dessa forma o meio para resolver o conflito seria “dar regimento aos
governadores daquela capitania para que saibam a jurisdição que lhe toca” 337
. Dois
anos depois, em 2 de Junho de 1672, os conselheiros voltam a discutir a mesma questão,
porém centrando-se em um ponto específico, o provimento “dos capitães de passagem”
338
. Novamente o problema residia na ausência de uma determinação régia, como os

334
A disputa pelas jurisdições foi tão acirrada que fez-se necessária a intervenção da Rainha regente, D.
Luísa de Gusmão, como se observa na carta régia de 15/04/1659, onde esta repreende as ações de
Francisco Barreto. Cf. COSTA, Francisco Augusto Pereira da. Anais Pernambucanos. Vol. III (1635-
1665). Recife: Arquivo Público Estadual. 1952. p. 451.
335
AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 909.
336
AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 909.
337
AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 909 - Quando Francisco Barreto esteve no governo de Pernambuco
solicitou à Coroa instruções para organizar o funcionamento dos ofícios, afirmando que não havia “em
Pernambuco regimentos pelos quais os oficiais se guiassem, porque, como os holandeses tinham ocupado
e senhoriado a cidade durante tantos anos, a não se fizera „luz alguma do que antes se usava‟.”. MACC,
Vol. 1, p. 156-157.
338
AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 954. Este termo servia para designar uma provisão temporária no
ofício, como a própria consulta indica este tipo de prática era freqüente até então, pois “vagando alguma
companhia mandavam levantar gineta a quem lhes parecia e enquanto a Companhia estava vaga, iam
nomeando os tais capitães” . AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 954. Essa prática é mencionada em outra
100
conselheiros constatavam, pois a prática de prover capitães de passagem era comum
uma vez que “o Regimento antigo da Bahia não [a] proibia, e os governadores de
Pernambuco e Rio de Janeiro por não terem regimentos faziam o mesmo a esse
exemplo” 339.
Entre Junho e Julho de 1673 a Coroa enviou algumas cartas régias que
reforçavam as instruções para o recolhimento e envio de informações sobre os oficiais
que atuavam no Estado do Brasil ressaltando a importância de se ter “noticia dos postos
de guerra, e officiais de Justiça e fazenda que vagarem na jurisdição de vosso governo,
porque causa, que soldos, ou ordenados tem, e se ficarão filho de quem o servia” 340

com a indicação de que a mesma ordem se aplicaria “aos governadores de Pernambuco


e Rio de Janeiro e provedores da fazenda das ditas capitanias para que cada hum me
faça o mesmo aviso pello que toca aos officios dos districtos de suas Jurisdições” 341
.
Em carta ao governador de Pernambuco, Fernão Coutinho de Souza, o Príncipe Regente
D. Pedro II ordenava que este não alterasse o “estillo praticado de posse em que estão os
governadores dessa capitania, porem o cumprase e deem posse dos taes cargos e officios
de sua jurisdição as pessoas providas nelles que o declarem a suas patentes provizões e
Alvarás” 342
. Ou seja, na prática o governador de Pernambuco deveria informar ao
governo-geral sempre que provesse qualquer oficial. Em outra carta ao governador-
geral, D. Pedro II explicitava que esta forma deveria ser observada a fim de evitar o
“grande prejuízo aos providos nos taes cargos, em haverem de hir a Bahia fazendo suas
viagens para o Rio e Pernambuco sendo deferentes as alturas” 343.
Como indicamos anteriormente, o regimento de Roque da Costa Barreto
apresentava as instruções sobre o provimento das serventias de modo mais detalhado,
contendo inclusive restrições ao governador-geral, como a proibição do provimento de
serventias dos postos cimeiros dos terços das tropas pagas. Esse grau de definição
poderia estar associado às tentativas de dotar as instruções regimentais de maior clareza,
fruto do acúmulo de experiências com as situações ocorridas em governos anteriores,
por outro lado também poderia representar o respeito e o reconhecimento de “estilos de

consulta, de 8 de Outubro de 1674, onde os membros do conselho ultramarino indicavam que a pratica
continuava acontecendo, mesmo após de se dar “cominação aos governadores de fazerem semelhantes
nomeações que se chama de passagem, [o] que Sua Alteza proíbe.” AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 22, D.
2608.
339
AHU_ACL_CU_015, Cx. 10, D. 954.
340
AHU_ACL_CU_Cod.245. fl.3v. A mesma carta régia está em: DHBN, Vol. LXVII, p. 231.
341
AHU_ACL_CU_Cod.245. fl.3v.
342
AHU_ACL_CU_Cod.245, fl.4
343
AHU_ACL_CU_Cod. 245, fl. 4-4v
101
provimento” por via de regimento, o que certamente era uma clara tentativa de
minimizar a margem para ocorrência de conflitos de jurisdição sobre essa questão.
Em 6 de Agosto de 1681, Roque da Costa Barreto recebeu uma ordem régia para
proibir o acúmulo dois ofícios por uma pessoa (tanto para serventias como para
propriedade). A ordem enviada ao governador-geral especificava que editais deveriam
ser afixados estabelecendo que todas as pessoas que tivessem dois ofícios teriam o
prazo de seis meses para renunciar de um deles, “sob pena do que o que assy não fizer
perderá o mayor que mandarei dar a pessoa que o dilatar sendo capas de servir
conforme as leys do Reyno” 344
. Além disso, esta ordem deveria ser encaminhada “aos
governadores de Pernambuco e Rio de Janeiro para que cada hum delles execute esta
ordem nas capitanias de sua jurisdição”345. A emissão desta ordem indica como a
questão dos provimentos continuava a tornar-se mais complexa, uma vez que nenhuma
instrução semelhante havia sido estabelecida nos regimentos anteriores.
O processo de reforma do regimento do governo-geral pode ser observado
através de iniciativas pontuais. Como dissemos anteriormente, após a capitulação dos
holandeses em Pernambuco inicia-se um lento processo de detalhamento das instruções
de governo e da definição das jurisdições. Percebemos que a partir desse período a
Coroa procurou reunir informações sobre os estilos de provimento, bem como buscou
manter um controle detalhado sobre os ofícios que estão providos. Durante o governo
de Francisco Barreto foi emitida uma provisão determinando que todas as capitanias
enviassem “a este Governo os Regimentos, que tiverem de Sua Magestade, (...) E não as
tendo em seu poder obriguem aos procuradores dos mesmos Donatários as remettam
dentro em 6 mezes seguintes ao da data deste para nelle se verem, e registrarem na
346
Secretaria do Estado” , com a sutil ressalva de que não seria reconhecida nenhuma
jurisdição ou privilégio enquanto os mesmos não fossem enviados ao governo-geral. A
mesma provisão também solicitava que se enviassem
todas e quaesquer patentes e provisões que houver em qualquer
Capitania ao tempo que esta se presentar ao Capitão-mor della se
enviem a presentar todas a este Governo, e os Capitães-mores das
ditas Capitanias não consintam que provido algum sirva constando-lhe
que as não tem remettido á Secretaria do Estado 347.

344
AHU_ACL_CU_Cod. 245. fl.69-69v
345
AHU_ACL_CU_Cod. 245. fl.69-69v
346
DHBN. Vol. V. p. 258.
347
DHBN. Vol. V. p. 259.
102
Uma carta régia remetida ao vice-rei conde de Óbidos, em 1663, solicitava o
mesmo tipo de informação, desta vez com a ordem de que o vice-rei as requeresse por
determinados oficiais régios como o “Provedor-mor de minha Fazenda, Chanceler da
Relação desse Estado e mais Ministros e Oficiais” 348
que eram incumbidos de enviar
“de tudo relações muito por menor” 349
. Esta iniciativa de reunir detalhes sobre as
atividades no Estado do Brasil não se restringiu apenas a formular uma a lista de oficiais
régios, mas também abrangiam as principais atividades econômicas e as rendas
advindas destas 350.
A tentativa de reunir os regimentos, provisões, estilos e privilégios de cada
capitania persistiriam ainda no governo de Afonso Furtado de Mendonça. Este
351
governador recebeu doze Instruções específicas , organizadas como um documento
separado de seu regimento. Estas em sua grande maioria determinavam a reunião de
informações detalhadas sobre poderes, jurisdições, rendas, além de relações de todos
que recebiam soldos da Fazenda Real. As instruções possuíam uma finalidade muito
clara, como vemos no sexto item:
E porquanto no tempo presente se têm alterado as coisas de maneira
que para o bom governo do Brasil convém reformar-se o Regimento
do governador e Capitão Geral, como dos governos e capitanias de
todo o Estado, ordenareis as pessoas a que tocar, vos enviem os
traslados e dêem noticias necessárias e todos os Regimentos e ordens
antigas e modernas que houver pertencentes ao Governo, Fazenda,
Justiça e Guerra, que farão a este caso, e os haja nos livros Antigos da
Secretaria desse Estado Livros de Minha Fazenda, e Relação e
Câmaras, ordens prol e contra dos senhores Reis meus predecessores,
ou dos governadores, ou de outras Pessoas que tivessem faculdade
para as passar 352.

Através da reunião destas informações foram elaborados os regimentos dos


governadores de Pernambuco em 1670, do governo-geral do Estado do Brasil em 1677
e dos governadores do Rio de Janeiro em 1679. Portanto, ao trilhar esse percurso de

348
DHBN. Vol. LXVI, p. 254.
349
DHBN. Vol. LXVI, p. 254. A carta régia pedia a “notícia certa dos ofícios da Justiça, Fazenda e
Guerra delas com clareza do que rende cada um, que ordenados e soldos têm e por onde se lhes paga e
juntamente que guarnições têm as praças e os sujeitos que ocupam estes ofícios e postos e se são de
serventia, propriedade ou trienais”. DHBN. Vol. LXVI, p. 254.
350
Em abril de 1663 uma carta régia solicitava informações detalhadas sobre o número de engenhos de
açúcar no Recôncavo de Salvador, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, ordenando que se enviasse o
potencial produtivo anual de cada um, o valor que pagavam a Fazenda Real e os privilégios que
usufruíam. DHBN. Vol. LXVI, p. 264-265.
351
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 22, D. 2606. As mesmas instruções também se encontram em: BNRJ-
SM. Códice 9, 2, 20. N°. 13.
352
BNRJ-SM. Códice 9, 2, 20. N°. 13.
103
reunião de informações devemos evidenciar como essa prática era uma expressão do
regime de governo polissinodal353 da monarquia pluricontinental portuguesa, pois para
a elaboração de novos regimentos e para a definição destas unidades jurisdicionais a
Coroa recorreu tanto aos seus Conselhos superiores, como a estrutura administrativa
existente no Estado do Brasil, viabilizando mesmo que de modo indireto uma margem
de participação política aos diferentes corpos políticos.
Com a compilação destes regimentos buscava-se ordenar a hierarquia de poderes
no Estado do Brasil, evidenciando a preeminência do governo-geral, como se observa
no 39° Capítulo do regimento entregue a Roque da Costa Barreto:
Hei por bem que por evitar as dúvidas que até agora houve entre o
governador Geral do Estado, e o de Pernambuco, e Rio de Janeiro,
sobre a independência, que pretendiam ter do Governador Geral,
declarar que os ditos governadores são subordinados ao Governador
Geral, e que hão-de-obedecer a todas as ordens que ele lhes mandar,
dando-lhe o cumpra-se, e executando-as assim as que lhe forem
dirigidas a eles, como aos mais Ministros de Justiça, Guerra, ou
Fazenda, e para que o tenham entendido, lhe mandei passar Cartas que
o dito Governador leva em sua companhia para lhes remeter com sua
ordem, e lhes ordenará as mandem registrar nos Livros de minha
Fazenda, e Câmaras, de que lhes enviarão certidões para me dar conta
de como assim se executou 354.

Estes esforços para definir e ordenar os poderes e as jurisdições, não foram


suficientes para impedir que os conflitos sobre o provimento das serventias
continuassem ocorrendo. Como vemos em uma consulta do conselho ultramarino de
dezembro de 1678, onde Roque da Costa Barreto reivindicava seu direito de prover as
serventias das capitanias do Rio de Janeiro e de Pernambuco após o vencimento dos
prazos previstos para os governadores destas capitanias. O governador-geral afirmava
que as mudanças introduzidas nos anos anteriores não suspendiam o exercício dos
ofícios, o que era certamente um dos principais objetivos da delegação destes poderes
aos governadores de capitania. Contudo, Roque da Costa Barreto constatava que “estava
introduzido irem os governadores de Pernambuco repetindo os provimentos de maneira

353
Neste ponto é importante recordar que na cultura política do Antigo regime português as relações dos
corpos sociais respeitavam uma “matriz ético-jurisdicional, [pois] entre o rei e cada um deles existia
como que um acordo tácito que consagrava a capacidade política dos diversos corpos do reino: tal acordo
habilitava esses corpos a particiar do governo através do dispositivo polissional; ou seja, mediante a rede
de conselhos e de tribunais, cada qual especializado em lidar com a sua respectiva área jurisdicional”.
CARDIM, Pedro. “As cortes na política do século XVII”. In: Cortes e Cultura Política no Portugal do
Antigo Regime. Lisboa: Edições Cosmos. 1998. p. 19-20.
354
MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op. cit. Tomo II. 1972, p. 804-805.
104
que raramente se chegava a mandar pedir algum à Bahia” 355. E para o caso da capitania
do Rio de Janeiro se afirmava “que nunca o governador geral do Estado provia coisa
alguma naquelas capitanias” 356.
Miguel Dantas da Cruz aponta em seu estudo sobre o Conselho Ultramarino e a
gestão militar do Estado do Brasil que as modalidades de provimento de serventias
357
estavam diretamente relacionadas com o peso político das forças locais . Uma vez
que a “tramitação burocrática envolvida [no processo de provimento] esteve sempre
submetida às câmaras municipais e aos principais governadores do Brasil, que, ao
contrário da prática observada no reino, passavam patentes de imediato” 358
. Destarte,
esse grau de autonomia concedido aos governadores-gerais também estava associado às
funções assumidas pelo Conselho Ultramarino ao longo da segunda metade do século
XVII, tornando-se a instituição responsável pela confirmação das serventias militares da
América Portuguesa, uma vez que a “imposição do encaminhamento das propostas [de
provimento] para Lisboa constituía uma medida de uniformização administrativa
impraticável” 359.
Destarte, não deve nos surpreender que os conflitos em torno dos provimentos
continuassem a ocorrer, afinal a monarquia portuguesa era composta por poderes
concorrentes, fruto de sua organização social corporativa 360. A recorrência dos conflitos
reforça a percepção da importância atribuída à escolha e o provimento de oficiais,
questão essa que progressivamente tornou-se mais complexa acompanhando o
aprimoramento das práticas da governação.
Entendemos que o processo de aprimoramento da governabilidade no Estado do
Brasil estava inserido em um cenário maior, uma vez que nos domínios ibéricos já se

355
DHBN. Vol. LXXXVIII, p.140.
356
DHBN. Vol. LXXXVIII, p.141.
357
É recorrente a menção da participação da Câmara de Salvador na escolha dos oficiais providos pelo
governo-geral. Isso aparace de diversas formas na documentação: “como tão bem me enformarão os
oficiais da Câmara desta cidade” (AHMS-PGS-Vol.II, fl.373-375.) ou “vista a consulta que a Câmara
desta Cidade me fez” (AHMS-PGS-Vol.II, fl.420-422.)
358
CRUZ, Miguel Dantas da. O Conselho Ultramarino e administração militar do Brasil (da
Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e burocracia. Tese (Doutorado em História). Lisboa,
ISCTE, 2013. p. 235). Em comparação o autor indica que “no reino, o governador de armas deveria
somente reencaminhar para o rei (por via do Conselho de Guerra) a lista de indivíduos pospostos pelas
câmaras”. Ibidem. p. 235
359
Loc. cit.
360
Cf. HESPANHA, António Manuel. “A constelação originária dos poderes”. In: As Vésperas do
Leviathan: Instituições e poder político. Portugal. Séc. XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. p. 295-
323; HESPANHA, António Manuel. “A Representação da Sociedade e do Poder”. In: HESPANHA,
Antônio Manuel. (Coord.) História da Portugal: O antigo Regime. (Volume 4 – 1620-1807). Lisboa:
Editorial Estampa, 1998. p. 118-122.
105
desenvolvia a discussão acerca da “governabilidade de unidades políticas extensas e
„complexas‟” 361. Neste ponto, é preciso considerar que “o processo de incorporação de
terras extraeuropeias envolveu a mobilização de elementos próprios da paisagem
política ibérica e com finalidade uniformizadora”362; isto é, a transposição de
instituições de governo para terras ultramarinas a fim de reforçar o reconhecimento ao
monarca e o pertencimento a comunidades políticas europeias. Assim, os problemas
inerentes ao governo eram muito semelhantes dos dois lados do Atlântico:
a distância física entre o local onde se encontravam o rei e os órgãos
centrais de governo, por um lado, e, por outro, as possessões e as
gentes a governar; a ausência física do rei da maior parte das terras
que estavam sob a sua alçada; e, finalmente, a alteridade cultural de
cada território, fosse ela jurídica, social ou cultural 363.

Neste sentido é importante retomar uma das principais contribuições de Fredrik


Barth: a percepção de que todos os indivíduos estão posicionados perante a sociedade
364
em que estão inseridos . Para o autor, que constrói sua análise a partir das ações dos
indivíduos, o posicionamento e as escolhas são produtos da racionalidade parcial de
cada indivíduo, pois estes dispõem de acesso fragmentado ao conhecimento e as ações
dos demais atores envolvidos no jogo social. Todavia, como apontou João Fragoso,
esses atores sociais desenvolviam estratégias e realizavam escolhas que melhor
atendessem seus interesses. Escolhas estas que “eram condicionadas, obviamente, pelas
obrigações, direitos e recursos a eles disponíveis” 365
, de modo que estas interações
freqüentemente produziam cenários onde as relações eram marcadas por negociações,
“conflitos e tensões, onde os agentes procuram maximizar seus interesses” 366.
Certamente os governadores-gerais possuíam uma posição de destaque nas
relações entre a América portuguesa e a monarquia, atuando como intermediários de
interesses que estavam nas duas margens do atlântico. Deste modo, as prerrogativas de
prover as serventias representavam um elemento de poder importante para a atuação dos

361
CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Münch. “A expansão da Coroa portuguesa e o estatuto político
dos territórios”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial. Vol. 2 (1580-
1720). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 79.
362
Loc. cit.
363
Ibidem. p.79-80.
364
Cf. BARTH, Fredrik. “A análise da cultura nas sociedades complexas”. In: O guru, o iniciador e
outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000. p. 107-139.
365
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. “Alternativas metodológicas para a história econômica e social: micro-
história italiana, Fredrik Barth e história econômica colonial.” In: ALMEIDA, Carla M. C.; OLIVEIRA,
Mônica Ribeiro de. Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social. Juiz
de Fora: UFJF, 2006. p. 35.
366
Loc. cit.
106
governadores-gerais, o que nos ajuda a entender porque estes sempre buscaram manter
concentrados em seu ofício os poderes de provimento367. Não obstante, vale ressaltar
que as redes governativas estudadas por Fátima Gouvêa demonstram e reforçam a
percepção da centralidade dos governadores-gerais na mediação de interesses que
perpassavam os vários territórios da monarquia pluricontinental368. Além de atentar
para as conexões ultramarinas entre os indivíduos que compunham determinadas redes
governativas, Fátima Gouvêa também destaca a preponderância da prerrogativa de
provimento das serventias, uma vez que “era de enorme relevância a delegação de
jurisdição para que esses nomeassem indivíduos para cargos subordinados (...) situação
[que] era particularmente importante no que se refere aos cargos de governador-geral e
ou vice-rei, que com grande freqüência tinham de nomear governadores interinos de
capitanias nas áreas sob sua jurisdição” 369.
A centralidade do papel de intermediário político desempenhado pelos
governadores-gerais pode ser evidenciada através de alguns exemplos. Em 1666 D.
370
Pedro de Mascarenhas foi nomeado o novo governador da capitania do Rio de
Janeiro. Este era irmão de D. Vasco de Mascarenhas, o conde de Óbidos, nobre que
naquele momento exercia o ofício de vice-rei do Estado do Brasil. A situação gerou
371
controvérsia, em especial no Conselho Ultramarino . Para a Coroa a situação estava
longe de ser ideal. Dois irmãos exercendo postos de grande importância no Estado do

367
Nesse sentido, concordamos em parte com Evaldo Cabral de Mello, quando este afirma que “Governar
significava nomear, o que constituía fonte substancial de poder”. MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. p.
33. Contudo, diferente do autor não consideramos que os provimentos revertiam-se em fonte de renda por
venda de cargos, uma vez que estudos recentes indicam que a venalidade dos cargos na monarquia
portuguesa deve ser pensada a partir em casos muito específicos, sobretudo a partir de meados do século
XVIII. Para a problematização sobre a venalidade na monarquia portuguesa: Cf. STUMPF, Roberta G.
“Formas de venalidade de ofícios na monarquia portuguesa do século XVIII”. In: STUMPF, Roberta G.;
CHATURVEDULA, Nandini. (Orgs.) Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: Provimento, controlo e
venalidade. (Século XVII e XVIII). Lisboa: CHAM, 2012.
368
Exploramos essa discussão no Capítulo 5.
369
GOUVÊA, Maria de Fátima. “Redes governativas portuguesas e centralidades régias no mundo
português, c. 1680-1730. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.) Na trama das redes:
Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010. p. 180.
370
A patente régia data de 7 de Dezembro de 1665 e sua posse na câmara do Rio de Janeiro foi registrada
em 19 de Maio de 1666. DHBN, Vol. XXII, p. 318-320.
371
A questão do provimento de D. Pedro de Mascarenhas já era vista com cautela pelo Conselho
Ultramarino, quando deliberavam sobre a sucessão do governo da capitania. O despacho de 6 de Janeiro
de 1665, que consta na consulta de 12 de Maio de 1664, indica que Dom Pedro Mascarenhas era
nomeado e que começaria a “exercitar depois que o Conde de Óbidos Vice-Rei do Brasil sair daquelle
Estado por não ser conveniente que D. Pedro haja recurso para o Conde seu Irmão”. AHU_CU_017-01,
Cx. 6, D. 984. Contudo, em setembro de 1665, D. Pedro Mascarenhas recebeu um decreto real que
permitia sua vinda para o Estado do Brasil, levantando o embargo por faltar pouco tempo para terminar o
governo de seu irmão. AHU_CU_017-01, Cx. 6, D. 986.
107
Brasil era algo que entrava em conflito com a própria natureza destes ofícios de
governo, pois estes oficiais deveriam se tutelar e comunicar a Coroa sobre a maneira
como conduziam a governação. Contudo, é preciso lembrar que o Conde de Óbidos
detinha a mercê de “conde parente” 372
, distinção que lhe conferia capital político e
influência que pode ter sido utilizada para acelerar o provimento de seu irmão. Em todo
caso, observamos que em uma das primeiras cartas remetidas ao governador do Rio de
Janeiro, o vice-rei buscou explicitamente influenciar a governação na capitania
fluminense, recomendando a seu irmão que não convinha admitir no serviço a pessoa de
Raphael do Rego Barbosa373.
Em outros casos observamos que os governadores-gerais atuavam de modo mais
direto na inserção de familiares em postos subordinados enquanto exerciam o governo
no Estado do Brasil. Este é o emblemático caso do governador Afonso Furtado de
Castro do Rio de Mendonça, que proveu seu filho João Furtado de Mendonça como
374
mestre de campo na Bahia . O mestre de campo que foi aposentado e deu lugar ao
filho do governador manifestou sua insatisfação ao Conselho Ultramarino, o que lhe
375
assegurou a recondução ao ofício que ocupava . Certamente a inserção neste ofício

372
De acordo com Renato de Souza Alves “o tratamento de Parente tinha por objetivo distinguir os
Condes que, de alguma forma, eram “mais chegados à Coroa no parentesco” dando-os preeminências, ou
seja, sobrepujando aqueles que eram somente Condes. Além disso, a partir de 1657, por decreto régio,
passaram os Condes Parentes a ter novamente “mayor assentamento”, privilégio que havia sido extinto
por D. João III.” ALVES, Renato de Souza. Carreira e Governação no Império Português do século
XVII: o governo do 1º. Conde de Óbidos e 2º. vice-rei do Estado do Brasil. (1663-1667). Dissertação
(Mestrado em História) Juiz de Fora: UFJF, 2014. p.40-41.
373
A justificativa apresentada para esta recomendação era acompanhada de uma cópia da sentença
emitida pelo Tribunal da Relação, indicando que o parecer do tribunal “o inhabilita bastantemente de
qualquer Governador lhe pôr os olhos” DHBN, Vol. VI, p. 72-73. Estes exemplos serão explorados com
maior profundidade no Capítulo 5.
374
A patente indica que João Furtado de Mendonça substituiria o mestre de campo Álvaro de Azevedo
(IAN/TT. Chancelarias Régias. D. Afonso VI, Livro 41, f. 67-67v). O parecer do Conselho Ultramarino
indica que Álvaro de Azevedo tinha “muitos anos, impossibilidades e achaques, que excluem (...) de
poder continuar no exercício do posto de Mestre de Campo”. AHU_CU_005, Cx. 2, D. 173. Cf.
SCHWARTZ, Stuart B.; PÉCORA, Alcir. (Orgs.) As excelências do governador: o panegírico fúnebre a
D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 298.
375
O registro do Alvará de aposentadoria do mestre de campo foi registrado na Bahia quatro dias após o
governador-geral tomar posse. Cf. DHBN, Vol. XXIV, p. 150-151. Para conseguir a recondução Álvaro
de Azevedo argumentou que servia a Coroa por mais de 55 anos, de modo que a remoção do ofício,
“tirado delle sem culpa e sem procederem as informações”, prejudicava sua honra como servidor da
monarquia. O parecer do Conselho Ultramarino é favorável ao suplicante, indicando “que a supposta
informação, que o Governador do Brazil Affonso Furtado de Mendonça deu a V.A. dos impedimentos de
Álvaro de Azevedo, provido no terço velho da guarnição da Bahia, não ser com toda a noticia que
convinha, e com a assistência que este Mestre de Campo faz de presente nesta Corte a vista de V.A.
(aonde veio requerer sua justiça) se mostra estar capaz de exercitar seu posto.” AHU_CU_005-02, Cx. 21,
D. 2462. A relação entre o governo-geral e os oficiais militares ocasionava atritos sempre que um oficial
externo a hierarquia do terço era provido, analisamos um caso semelhante no seguinte artigo: Cf.
ARAÚJO, Hugo André F. F. “Autoridade e hierarquia: o governo-geral e os ofícios militares na Bahia e
em Pernambuco”. Revista Escrita da História. Ano II, vol. 2, n.° 4, set./dez. 2015, p. 121-156.
108
propiciou a João Furtado uma abertura para novas oportunidades em sua trajetória de
serviços, o que alguns anos depois converter-se-ia em sua nomeação como governador
do Rio de Janeiro 376.

3. Considerações finais

Os regimentos conferiam aos governadores-gerais os mais variados poderes e


funções, como a “defesa da capital e do restante do território, fiscalizando as condições
dos armamentos nas capitanias e engenhos e o controle dos valores arrecadados pelo
fisco” 377
. Além destas funções os governadores-gerais também possuíam outras
prerrogativas que iam desde a concessão de pequenas mercês e de armar cavaleiros, até
o “cuidado com os indígenas, a sua catequese” promovendo “feiras onde pudessem
vender seus produtos” 378, jamais permitindo que obtivessem acesso a armas de fogo.
Esta vasta gama de competências foi paulatinamente desenvolvida ao longo dos
séculos XVI e XVII. Entendemos que a compreensão da governação e do papel dos
governadores-gerais só seja possível tendo em vista essa constante reordenação de
poderes e jurisdições. Estudos que não contemplaram essa dimensão arriscaram
afirmações pouco seguras, inferindo que “nunca houve um regimento que definisse o
ofício em sí” 379
, ou ainda, realizaram sugestões vagas, inferindo que os “regimentos
representavam verdadeiramente projetos, que deviam ser postos em prática na
colonização do território americano, mas que nunca ignoraram a dinâmica da realidade
americana” 380.
Sobre essa questão, cabe aqui questionar as percepções que entendem a emissão
de regimentos do governo-geral e a própria atividade governativa como expressões de
um projeto centralizador da Coroa. Para Pedro Puntoni, um dos principais expoentes

376
Na consulta do Conselho Ultramarino onde se avaliaram os candidatos para o governo do Rio de
Janeiro os conselheiros recomendaram a nomeação de Vitorio Zagallo Pretto, oficial militar com muitos
anos de experiência, inclusive nas guerras do Brasil. Porém, contrariando o parecer do conselho o
monarca nomeou João Furtado de Mendonça que apresentava uma longa folha de serviços militares,
destacando uma trajetória de serviços no reino e no ultramar, ressaltando os anos que serviu como mestre
de campo na Bahia e o sua participação como procurar nas cortes no ano de 1679. AHU_CU_017-01, Cx.
8, D. 1525-1526. Nesse sentido, inferimos que a longa trajetória de serviços e a experiência anterior no
Estado do Brasil concorreram a favor de sua nomeação para o governo da capitania do Rio de Janeiro, o
que está em consonância com o perfil de governantes de capitania que tratamos anteriormente neste
capítulo.
377
COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009. p. 272.
378
Loc. cit.
379
PUNTONI, Pedro. O Estado do Brasil: Poder e política na Bahia colonial (1548-1700). São Paulo:
Alameda, 2013. p. 51.
380
Grifo nosso.VIANNA JUNIOR, Wilmar. Op. cit. p. 18.
109
dessa visão, a ação régia na América-lusa visava “a constituição de um sistema político
centralizado (o governo-geral), definindo a priori uma jurisdição territorial (o Estado do
Brasil) e, ao mesmo tempo, um projeto de colonização particular (demarcado pelo
regimento do governador)” 381
. Discordamos da percepção do autor, pois entendemos
que esta visão produz uma generalização centralizadora, o que se mostra insuficiente
diante das principais discussões sobre a organização política do império português,
sobretudo em relação aos vigorosos avanços ocorridos nas duas últimas décas de debate
sobre política e administração no império português. Assim, se concordarmos com esta
visão, teremos que aceitar a proposição do autor sobre a atuação do governo-geral na
gestão da Guerra dos Bárbaros (1650-1720), na qual este afirma que o processo não
passou de uma tentativa do governo-geral de “intervir no empreendimento colonial”, de
modo intransigente, “desprezando acintosamente as jurisdições dos governadores [de
capitania]” 382
. Como veremos adiante esse processo não pode ser definido de modo
generalizante, visto que a ênfase na condução das expedições e a defesa dos interesses
que permeavam essas ações variaram muito entre os governos, sem contar que os
esforços dos grupos de interesses dessas capitanias experimentaram momentos muito
distintos, com períodos de maior ou menor mobilização, o que evidentemente passava
pela disposição de apoio material e humano e dependia da capacidade de negociação
383
das partes envolvidas . Além disso, não é possível concordar com a afirmação do
autor acerca da jurisdição territorial do Estado do Brasil, visto que este a considera
como definida a priori. Como temos indicado, as reconfigurações dos espaços
jurisdicionais foram dinâmicamente definidas e redefindas pelos contextos e pelos
conflitos de interesses em processos complexos que se desenrolavam continuamente.
A insistência em honrar tradições analíticas por vezes também ofuscou a
compreensão da arquitetura política existente, bem como das próprias práticas da
governação no Estado do Brasil. Acreditamos que esse é o caso da crítica de Laura de
Mello e Souza, endereçada a António Manuel Hespanha. A autora busca sustentar que a
escravidão e todas as suas implicações teriam uma primazia incontornável para a análise
da organização e das relações políticas do Estado do Brasil. Afinal, “leis, relações de
produção, hierarquia social, conflitualidade, exercício do poder, tudo teve, no Brasil,

381
PUNTONI, Pedro. Op. cit. p. 50.
382
PUNTONI, Pedro. Op. cit. p. 80.
383
Essas discussões são desenvolvidas nos Capítulos 3 e 4.
110
que se medir com o escravismo” 384
. Podemos concordar que a escravidão moldou de
modo indelével a sociedade que surgiu no Estado do Brasil, mas não podemos apressar
a conclusão que esta tenha tido a mesma enfase na esfera da governação 385. O assunto
figurava de modo muito insipiente na pauta do governo, sobretudo porque pertencia à
dimensão microscópica e doméstica, ganhando espaço nas discussões de governo
apenas quando se tornava problema ou interesse “público” 386
. Por tudo isso,
entendemos que a ação da Coroa e do governo-geral versasse muito mais enfáticamente
na organização e viabilização do governo, por meio de criação de canais de
comunicação e da reprodução de poder, construindo alianças e negociando o
estabelecimento e o reconhecimento das autoridades locais e reinóis.
Nesse sentido, concordamos com Francisco Cosentino que entende a compilação
dos vários regimentos como parte de um processo empreendido pelos oficiais da coroa
visando “ordenar um corpo de instruções que fosse utilizado por muitos governadores,
durante um tempo mais longo, [estes] se esmeraram em construir fórmulas claras e
precisas, num esforço de ordenação metódica” 387.
O aperfeiçoamento dos regimentos e da própria governação pode ser verificado a
luz do contexto do Estado do Brasil e da monarquia portuguesa durante o século XVII.
Durante o reinado de D. João IV (1641-1656) a monarquia enfrentava dois grandes
desafios: por um lado, o empreendimento de um intenso esforço diplomático para obter
o reconhecimento da nova dinastia no cenário europeu; por outro, uma conjuntura de
guerra defensiva nas fronteiras do reino, contra a monarquia espanhola, e no ultramar
contra as nações estrangeiras que ameaçavam o domínio de suas conquistas. No reinado
de D. Afonso VI (1656-1668) observamos um momento diferente, onde a monarquia

384
SOUZA, Laura de Mello e. “Política e administração colonial: problemas e perspectivas”. In: O sol e a
Sombra: Politica e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 56-57.
385
Nesse ponto, a melhor resposta a essa crítica continua sendo a argumentação do próprio Hespanha: “o
sistema corporativo construíra toda uma moldura de autonomia jurídica e governativa da „casa‟, da qual
os escravos faziam parte, juntamente com outros membros da família. Para a sociedade corporativa, os
escravos eram um elemento da casa, da família, e não, a bem dizer, um elemento da polis, da respublica,
do Estado, o qual Jean Bodin define como “uma respublica de famílias”. Ou seja, do ponto de vista da
mundivivência corporativa, o escravo, ou mesmo uma multidão de escavos, não constituía um elemento
dissonante da comunidade, que obrigasse a reconfigurar o seu desenho, a sua teoria, o seu direito.”
HESPANHA, António Manuel. “Depois do Leviathan.”. Almanack Braziliense. São Paulo: ESP, nº5,
2007. p. 65.
386
Estamos nos referindo tanto a escravidão indígena quanto a africana, visto que em episódios
específicos o assunto ganhava proporções que necessitavam do arbítrio do governo geral, tal como nas
discussões sobre a guerra justa contra os indígenas ou na forma de repressão a mocambos e quilombos e
reapresamento de escravos fugidos.
387
COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009. p. 254.
111
conquistou uma relativa estabilidade político-militar no cenário europeu e no ultramar,
sobretudo em razão das alianças e dos tratados de paz, em especial aqueles celebrados
com a Holanda, Inglaterra, França e Espanha. Os desafios nesta nova fase da dinastia
bragantina eram de outra natureza. A fidalguia lusitana estava divida pelos os embates
de corte, ocasionados principalmente pela ascensão do 3º. Conde de Castelo Melhor ao
cargo de Escrivão da Puridade. Sua atuação como “privado do rei” desestabilizou o
equilíbrio polissinodal de acesso as mercês régias e as nomeações para os principais
ofícios da monarquia, o que promoveu uma cisão entre as facções cortesãs, e em última
medida levaram ao afastamento de D. Afonso VI do trono e ao exílio de Castelo Melhor
388
. A consolidação da dinastia de Bragança se efetuaria apenas no reinado de D. Pedro
II (1668-1706). Nuno Gonçalo Monteiro elencou as características que trouxeram maior
estabilidade para a dinastia durante este período: a conjuntura de paz, sobretudo com a
Espanha (1668); a atenuação da disputa faccional da nobreza lusitana e a conseqüente
cristalização da elite aristocrática bragantina389. Percebemos que as principais mudanças
ocorridas nos regimentos e nas jurisdições ocorreram a partir do reinado de D. Pedro II,
onde as tarefas de governo demandavam uma resposta mais efetiva das políticas da
coroa e do governo-geral. Deste modo, os desafios administrativos, como a arrecadação
dos donativos da paz da Holanda e do casamento da infanta Catarina de Bragança com o
rei da Inglaterra390, exigiam uma estrutura administrativa mais organizada e definida.
Neste sentido, o refinamento das jurisdições e a delimitação dos poderes territoriais
foram alternativas possíveis para a condução e aperfeiçoamento da governação neste
período. Um resultado importante deste período foi o estabelecimento de regimentos
391 392
específicos para o governo das capitanias de Pernambuco e Rio de Janeiro , que

388
CARDIM, Pedro. “O processo político (1621-1807)”. In: HESPANHA, António Manuel. (coord.)
História de Portugal. Vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 408-410. Sobre o valimento do 3º.
Conde de Castelo Melhor ver: DANTAS, Vinícius Orlando de Carvalho. O conde de Castelo Melhor:
Valimento e razões de Estado no Portugal seiscentista (1640-1667). Dissertação (Mestrado em História).
Niterói: UFF, 2009.
389
Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “A consolidação da dinastia de Bragança e o apogeu do Portugal
barroco: centros d epoder e trajetórias sociais (1668-1750)”. In: TENGARINHA, José (Org). História de
Portugal. Bauru: EDUSC/ São Paulo: UNESP/ Portugal: Instituto Camões, 2000. p. 131-132.
390
Cf. FERREIRA, Letícia dos Santos. É pedido, não tributo: O donativo para o casamento de Catarina
de Bragança e a paz de Holanda (Portugal e Brasil c. 1660-c. 1725). Tese (Doutorado em História).
Niterói: UFF, 2014.
391
Com a capitulação holandesa em 1654 a “nobreza da terra” de Pernambuco se viu fortalecida
politicamente diante da monarquia, reivindicando e obtendo alguns privilégios e maior autonomia
administrativa em relação ao governo-geral. Por consequência, a governação no pós-guerra foi marcada
em diversos momentos pela tensão e pela disputa de poder entre os governadores-gerais e os
governadores da capitania. A reivindicação pelos mesmos privilégios dos restauradores de Pernambuco
gerou diversos conflitos de jurisdição, fragilizando o equilíbrio de poder existente entre a capitania e o
112
também podem ser compreendidos como respostas administrativas às demandas locais e
a crescente importância política e econômica dessas regiões.
A argumentação que desenvolvemos ao longo do capítulo busca reforçar a
percepção de que a governação experimentou na segunda metade o século XVII um
progressivo aprimoramento, sobretudo a partir da definição territorial das jurisdições.
Isso dialoga com o quadro geral esboçado Mafalda Soares da Cunha e Nuno Monteiro
para a monarquia pluricontinental portuguesa, no qual se verifica que as ações da
Coroa revelam que a “tendência foi no sentido de uma crescente diferenciação das
diversas esferas institucionais (militares, judiciais, tributárias, eclesiásticas, mercantis e
locias) e não na direcção da sua tendencial confusão”393. Nosso argumento defende que
uma compreensão alargada sobre os poderes dos governadores-gerais, e por
conseqüência, uma compreensão mais acurada sobre a própria governação, só é possível
a luz dos vários instrumentos régios que ordenaram e transmitiram os poderes do oficio.
Atentamos que a análise dos regimentos ganha maior dimensão ao serem lidos em
conjunto com as “instruções” 394
, que ocasionalmente os acompanhavam. E ainda
destacamos como as questões conjunturais, manifestas em várias consultas dos
conselhos régios395, tiveram uma influência fundamental nas transformações ocorridas
nos regimentos e na própria governação.

governo-geral. Como tentativa de sanar o problema a coroa emitiu em 1670 o regimento que delimitava a
jurisdição e os poderes dos governadores de Pernambuco. Sobre os conflitos que marcaram parte desse
período: Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit., 2003.
392
No caso da capitania fluminense é preciso destacar que a revolta da cachaça (1660-1661) foi um marco
fundamental nos rumos políticos da capitania, uma vez que teve como consequência o encerramento do
domínio político que a família Correia de Sá exercia na capitania desde sua fundação. Cf. CAETANO,
Antonio Felipe Pereira Caetano. Entre a sombra e o sol: A revolta da cachaça, a freguesia de São
Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense. (Rio de Janeiro, 1640-1667). Dissertação (Mestrado
em História). Niterói: UFF, 2003. p. 205-212. Nesse sentido o regimento de 1679 consolida o
reconhecimento de importância da capitania no cenário imperial e sua importância estratégica em relação
a região do Prata e no fomento da exploração aurífera. Cf. BOXER, Charles. Op. cit. 1973.
393
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno G. “Governadores e capitães-mores do império
atlântico português nos séculos XVII-XVIII” In: MONTEIRO, Nuno G; CUNHA, Mafalda Soares da;
CARDIM, Pedro. (orgs.) Optima pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo regime. Lisboa: ICS, 2005, p.
194.
394
Alguns governadores-gerais receberam instruções de governo complementares ao regimento.
Identificamos que Afonso Furtado de Mendonça (BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753) n° 13. De 4 de
Março de 1671) e Roque da Costa Barreto (BNRJ-SM. Códice 9,2,20. (1642-1753) n° 14. De 24 de
Novembro de 1677).
395
A percepção de que as matérias de alta política e de gestão da monarquia pluricontinental ocorriam nos
conselhos régios tem cada vez mais se confirmado, sobretudo em trabalhos recentes e de fôlego como os
de Marcello Loureiro. Cf. LOUREIRO, Marcello José Gomes. “A pedra fundamental deste edifício”: o
governo por conselhos na monarquia portuguesa do pós-Restauração. 7 mares: Revista dos pós-
graduandos em História Moderna da UFF. N.° 5, Dez. 2014. p. 43-57.
113
Por fim, buscamos sugerir que as mudanças ocorridas na elaboração de alguns
capítulos dos regimentos devem ser observadas a luz de uma realidade dinâmica.
Entendemos que os regimentos não podem ser compreendidos como mero conjunto de
396
ordens do monarca, que visava orientar a empresa colonial . Propomos que os
regimentos também sejam compreendidos como resultado de conjunturas históricas e,
portanto, fruto de experiências anteriores que foram transpostas, compiladas ou
incorporadas em forma de capítulos cada vez mais específicos. Através dos regimentos
conseguimos observar parte do processo de aprimoramento da governabilidade no
Estado do Brasil, destacadamente pela progressiva concessão e delimitação de
jurisdições para as demais capitanias, como nos casos de Pernambuco e do Rio de
Janeiro que foram reconhecidos como centros políticos importantes.

396
Cf: PUNTONI, Pedro. Op. cit. p. 16.
114
Capítulo 3 - A comunicação política no Estado do Brasil: circuitos, interlocutores e
temas da correspondência do governo-geral (1642-1682)

A comunicação política foi uma pedra angular da governação na América lusa.


A governação de uma vastidão territorial como o Estado do Brasil só era possível graças
à circulação de informações, notícias e ordens entre as várias capitanias. Na última
década diversas pesquisas de fôlego têm buscando compreender as particularidades da
dinâmica ultramarina da comunicação política na monarquia portuguesa, o que resultou
nos últimos anos na publicação de obras coletivas que apresentam os resultados desse
esforço de pesquisa397. Os principais enfoques do debate promovido por estas pesquisas
foram a dimensão oceânica da troca de correspondências, o estabelecimento e o reforço
de vínculos políticos e econômicos entre a Coroa e as conquistas, assim como a
circulação e a conexão de pessoas entre as conquistas dispersas pelo ultramar lusitano
398
. Contudo, uma parcela fundamental da comunicação política ainda não foi
devidamente contemplada pelas pesquisas: a dinâmica interna da comunicação política
399
no Estado do Brasil . O tema não é inédito, mas é recente e ainda conta com poucos
trabalhos, destacamos o trabalho de Arthur Curvelo que se dedica a analisar a
correspondência entre os governadores de Pernambuco e as câmaras subordinadas a sua

397
Estamos nos referimos aos projetos internacionais: “A comunicação política na monarquia
pluricontinental (1580-1808)” coordenado por Nuno Gonçalo Monteiro; e “A monarquia e seus idiomas:
corte, governos ultramarino, negociantes, régulos e escravos no mundo português. (séc. XVI-XIX)”
coordenado por João Fragoso. Dentre os vários capítulos e artigos de livros publicados nesse período,
destacamos a coletânea: FRAGOSO, João; MONTEIRO, João. (Orgs). Um Reino e suas repúblicas no
Atlântico: Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
398
As câmaras municipais receberam grande destaque nestas análises. Um artigo recente busca matizar a
participação de várias câmaras do Brasil na comunicação política, entre 1640 e 1807, utilizando a base de
dados COMPOL que é constituída pela documentação do Arquivo Histórico Ultramarino. O estudo em
questão aponta dados interessantes para análise da organização e a inserção dos poderes locais no quadro
da monarquia portuguesa. Contudo, o estudo peca ao enfaticamente criticar as características que
conferiam a autonomia funcional das localidades, ou autogoverno, uma vez que a pesquisa não recorre a
fontes que poderiam esclarecer estas dinâmicas, tal como livros de atas, acórdãos, receita e despesa, entre
outros tipos documentais. Cf. RAMINELLI, Ronald J. “Monarquia e câmaras coloniais. Sobre a
comunicação política, 1640-1807.” Prohistoria. Año XVII, núm. 21, ene-jun. 2014
399
A inspiração por trás desta escolha de pesquisa é proveniente da crítica de John Elliott endereçada a
uma parte dos estudos da chamada Atlantic History: “much of the work thus far published with an
explicitly Atlantic focus has tended to focus upon the connections that tied the many areas of the Atlantic
together (...) without much concern about specifying how those connections and transnational relations
affected the internal histories of the areas that they connected”. GREENE, Jack P.; MORGAN, Philip D.
“Introduction: The presente state of Atlantic History.” In: GREENE, Jack P.; MORGAN, Philip D. (Eds.)
Atlantic History: A critical appraisal. New York: Oxford University Press, 2009. p. 6-7
jurisdição400; e o trabalho de Denise Soares Moura que analisa a comunicação entre as
diferentes câmaras da capitania de São Paulo durante o século XVIII401.
Nesse sentido, nosso objetivo é caracterizar a correspondência do governo-geral
no Estado do Brasil a fim de compreender este nível da comunicação política,
observando interlocutores, circuitos de comunicação e temas discutidos. Deste modo,
entendemos que o próprio ato da comunicação era uma forma de exercício da política,
“no sentido em que a comunicação política era em si ao mesmo tempo o terreno de
conflito e compromisso, de possibilidades e dificuldades” 402
. Não iremos analisar as
particularidades da escrita das cartas, tema este de grande importância e que já recebeu
estudos anteriores403. Propomo-nos por outro lado, a analisar o volume de
correspondências emitidas pelos governadores-gerais para compreender as
particularidades das conjunturas que marcaram a governação no Estado do Brasil
seiscentista. Buscamos indicar quais eram as dificuldades e os obstáculos que
desafiavam a gestão do vasto território do Estado do Brasil, observando diferentes
momentos como o período de ocupação neerlandesa no nordeste, e o período posterior
quando os desafios de organização dos poderes e das jurisdições se tornaram centrais na
pauta do governo-geral.
Por fim, a análise da correspondência política dos governadores-gerais nos
permitirá realizar uma reflexão sobre a atividade governativa em si, pois buscaremos
perceber como o governo-geral organizava e manifestava suas ações políticas, atentando
também para os tipos de relações estabelecidas entre os vários interlocutores que
participavam da governação.

1. Considerações sobre o corpus documental

400
CURVELO, Arthur. “Governabilidade e Redes Concelhias: Notas sobre a comunicação política
estabelecida entre os governadores de Pernambuco e as Câmaras das Capitanias do Norte (1654-1746).”
IV Encontro Internacional de Jovens Investigadores em História Moderna. Porto, 2015. p. 1-15.
401
MOURA, Denise Aparecida Soares de. “Redes associativas e de comunicação entre as câmaras de
uma capitania, São Paulo (Século XVIII).” História Revista. Goiania. Vol. 21, n.° 1, jan./abr. 2016. p. 48-
69.
402
Tradução adaptada do trecho: “communication was politics, and not in the vaguely postmodern sense
that everything is communication, but in the very real sense that political communication was itself the
terrain of both conflict and compromise, possibilities and difficulties”. VIVO, Filippo de. Communication
in Venice: Rethinking Early Modern Politics. Oxford University Press, 2007. p. 16.
403
Dentre os vários estudos sobre escrita de cartas destacamos o dossiê organizado por um especialista
neste tema: BOUZA, Fernando (Coord.) Cultura epistolar em la alta Edad Moderna: Usos de la carta y
de la correspondencia entre el manuscrito y el impreso. Cuadernos de Historia Moderna. Anejo IV, 2005.
116
Iniciaremos identificando as diversas coleções e fundos que compõe a massa
documental de nossa análise. A principal base documental para analisar dinâmica
interna da comunicação política são as cartas publicadas nos Documentos Históricos da
404
Biblioteca Nacional . Esse corpus documental é bem diversificado, apresentado
cartas, provisões, alvarás, regimentos, sesmarias, cartas régias e outros instrumentos de
governo. A documentação publicada na coleção é em sua grande maioria proveniente
dos livros de registro de cartas, onde eram anotadas as missivas emitidas pelos
405
governadores-gerais . Não conseguimos precisar com que rigor as correspondências
eram registradas nestes livros, o que nos impossibilita identificar o grau de
representatividade desses dados em relação a totalidade de cartas escritas pelos
governadores-gerais para outros oficiais na América portuguesa. Contudo, vale ressaltar
que em um mesmo códice eram registradas as correspondências de vários governadores,
como se observa nos volumes originais e em suas cópias. Isso nos sugere que não
haveria livros volumes específicos para cada governo. Em contra partida parece que em
determinando momento o registro das correspondências passou a ser organização por
região de destino406.
Além da coleção apresentada acima utilizamos outras séries documentais
menores, que preenchem algumas lacunas temporais e espaciais. Este é o caso da
documentação manuscrita registrada nas Provisões de Governo e Senado, que
utilizamos de modo complementar para analisar especificamente a correspondência do
governo-geral dirigida à câmara de Salvador407. Ainda sobre a câmara de Salvador
coletamos dados publicados na série publicada de Atas da Câmara408, mas cabe

404
Utilizamos os seguintes volumes da coleção: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vols. III,
IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XXXIII, LXXXVI.
405
Consultando o catálogo on-line da Biblioteca Nacional (http://catcrd.bn.br/) e o Catálogo da
Exposição de História do Brasil identificamos que o material publicado na coleção dos Documentos
Históricos que consultamos foram obtidos em sua maioria através dos livros de registro de cartas
originais do século XVII e alguns através de cópias do século XVIII.
406
Este é o caso do códice 08,01,003 da coleção de manuscritos da Biblioteca Nacional. Cf. BN-
SM.08,01,003. Intitulado “Livro de Registro das cartas que o excelentíssimo senhor conde de Óbidos
Viso Rei, e Capitão General de Mar e Terra de Pernambuco e todas as mais do Norte”, que foi publicado
nos volumes 9 e 10 dos DHBN. O códice em questão contém cartas para Bahia, Pernambuco, Paraíba,
Ilhéus, Itamaracá, Porto Seguro, Sergipe del Rei, Ceará, Rio Grande, Grão-Pará e Estado do Maranhão.
Ressaltamos essa particularidade, pois outros códices de períodos anteriores apresentavam os
destinatários de maneira mista.
407
Essa documentação faz parte do acervo do Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS)
Utilizamos dados dos seguintes códices: Provisões de Governo e Senado (PGS) Vol. 1 (1642-1648); Vol
2. (1648-1657); Vol. 3, (1649-1656). Aparentemente este era o códice destinado ao registro da
correspondência entre os governadores-gerais e a câmara de Salvador.
408
No levantamento de dados nos volumes II, III e IV desta série encontramos o registro de cartas apenas
no Volume III das Atas da Câmara (1649-1659). O que reforça a percepção de que esse tipo de
117
ressaltar que o volume de cartas dos governadores-gerais nesses volumes é muito
pequeno.
Utilizamos também a documentação publicada na Revista do Instituto
Archeologico e Geographico de Pernambuco409, que contém parte da correspondência
entre o governo-geral, os moradores de Pernambuco e as autoridades neerlandesas no
Recife. Por fim, incorporamos a massa documental os dados publicados na série
Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo410, que contém especificamente a
correspondência enviada pelos governadores-gerais para a câmara paulistana.
Cabe esclarecer desde já algumas opções que refletem diretamente no resultado
dessa pesquisa. Nossa análise se concentra apenas nas correspondências emitidas pelos
governadores-gerais. Essa opção é também uma imposição da própria massa
documental, afinal ao longo da pesquisa encontramos um número muito baixo de cartas
destinadas aos governadores-gerais, o que inviabiliza a reconstrução e a análise sobre a
troca de correspondências entre as várias partes da América Portuguesa. Em função
disso, optamos por delimitar e verticalizar nossa análise a partir do governo-geral,
utilizando esses oficiais régios como pontos de observação para as práticas da
governação exercidas ao longo do tempo. Conseguimos atenuar essa limitação
metodológica reconstruindo o contexto da comunicação através das informações
contidas nas próprias correspondências. Em alguns casos é possível identificar a
resposta a cartas anteriores, como na missiva enviada pelo Conde de Vila Pouca de
411
Aguiar ao governador das capitanias do Sul, Salvador Correia de Sá e Benavides .

documentação era registrado em um códice específico, como acreditamos ser o caso das Provisões de
Governo e Senado.
409
Vale ressaltar que a documentação em questão corresponde ao período de governo de Antônio Teles
da Silva (1642-1647). Essas cartas fazem parte da documentação luso-brasileira pertencente ao fundo da
Velha Companhia das Índias Ocidentais (Oude West Indische Compagnie - OWIC), custodiada pelo
Arquivo Nacional de Haia (Nationaal Archief). Parte desta documentação foi publicada na Revista do
Instituto Archeologico e Geographico de Pernambuco. Cf. RIAHGP. n.o 34, Dezembro de 1887. Recife:
Typographia Universal, 1887; RIAHGP. n.o 35, Abril de 1888. Recife: Typographia Universal, 1888.
410
Tal como as Provisões de Governo e Senado representam uma fonte privilegiada para a comunicação
entre o governo-geral e a câmara soteropolitana, o Registro Geral agrega igualmente a correspondência
dos governadores-gerais destinadas à câmara paulista. Cf. Registro Geral da Câmara Municipal de São
Paulo. (1637-1660). Vol.II. São Paulo: Typographia Piratininga, 1917; Registro Geral da Câmara
Municipal de São Paulo. (1661-1709). Vol.III. São Paulo: Typographia Piratininga, 1917.
411
As capitanias do sul só foram separadas da jurisdição do governo-geral em 1658, contudo, na patente
que Salvador Correa de Sá recebeu em 1647 se observa que sua nomeação apresentava algumas
especificidades condicionais, isto é, durante situações de guerra conduziria o governo das capitanias de
modo independente, sem se reportar ao governo-geral. Como se observa na patente: “Ei por bem de o
nomear por governador das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente subordinado para
no tempo da paz ao governador-geral do Estado do Brasil e nas ocasiões de guerra governará sem a
dependência sua...”. Carta patente de governador do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente.
(18/01/1647). IAN/TT. Chancelarias Régias: D. João IV., Livro 13, f. 369v.
118
Em uma carta de meados de Junho de 1648412 o governador-geral discutia os
preparativos da jornada de restauração de Angola com Salvador Correia de Sá, e
iniciava sua carta mencionando as datas das correspondências recebidas, a fim de
identificar sobre o que discorria e acerca do que se referia sua resposta: “Recebi as
cartas que V. Sa. me escreveu em 30 de Janeiro e 24 de Março; e de ambas vejo o
quanto V. Sa. me diz que trabalhava por antecipar sua jornada, e aprestos que fazia de
413
mantimentos e nomeação de oficiais...” . Em várias ocasiões, como no exemplo
citado acima, conseguimos compreender qual era o assunto que norteava a troca de
cartas, e em casos onde a correspondência era mais freqüente podemos não só
identificar os temas e os assuntos desenvolvidos, mas também apreender melhor as
nuances que permeavam esses diálogos, e em alguma medida, caracterizar as relações
estabelecidas entre os interlocutores414.
Inicialmente é preciso ressaltar que a série das correspondências não é completa,
pois há uma grande lacuna que abrange tanto os anos iniciais (1642-1647)415 como os
finais (1679-1682) de nosso recorte temporal, assim como há variações bem
discrepantes em relação as médias de cartas (1660)416. Não incluímos dados para o
intervalo de tempo compreendido entre 26/11/1675 e 15/03/1678, período no qual
vigorou o governo interino após a morte de Afonso Furtado de Mendonça no exercício
do posto417. Vale ressaltar que a irregularidade e as lacunas da série de correspondências

412
A carta em questão não apresenta data precisa, portanto sugerimos sua datação através da comparação
com outras cartas destinadas ao rio de janeiro no mesmo período.
413
DHBN, Vol. IV, p. 434.
414
As cartas do Conde de Óbidos destinadas a Diogo Carneiro de Fontoura, provedor da Fazenda Real do
Rio de Janeiro, indicam o grau de proximidade dos interlocutores, uma vez que o vice-rei sempre se
referia a seu interlocutor como “Compadre e Amigo”. Exploramos essa relação com maior profundidade
no Capítulo 5. DHBN, Vol. VI, p.37- 38, 42;
415
A comunicação durante o período da guerra contra os holandeses (1642-1654) representa 410 cartas,
ou 20,10 % do total da correspondência analisada. Em outros trabalhos analisamos como a organização da
insurreição foi feita através da troca de correspondências e pela circulação de agentes nos territórios
ocupados pelos neerlandeses. Cf. ARAÚJO, Hugo André Flores Fernandes. Governação em tempo de
guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a gestão da defesa (1642-1654). Dissertação (Mestrado em
História). Juiz de Fora: UFJF, 2014a. Cap. 3.; Cf. ARAÚJO, Hugo André Flores Fernandes. “Amigos
fingidos e inimigos encobertos: O governo geral e a insurreição pernambucana (1642-1645)”.
Prohistoria. Año XVII, núm. 21, ene-jun. 2014. p. 27-53. Cabe destacar o importante trabalho de Pablo
Magalhães que analisa minuciosamente a atuação dos clérigos católicos em prol do movimento de
insurreição. Cf. MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. Equus Rusus: A Igreja Católica e as Guerras
Neerlandesas na Bahia. (1624-1654). Vol.1. Tese (Doutorado em História). Salvador: UFBA, 2010.
416
Ressaltamos essa discrepância no Gráfico 1, no qual evidenciamos que a quantidade de 9 cartas para
1660 é bem inferior. Isso fica explícito na comparação com os anos anteriores, 1658 (39 cartas) e 1659
(50 cartas) e posteriores 1661(47 cartas) e 1662 (57 cartas).
417
A junta de governo provisório era formada por Álvaro de Azevedo, Mestre de Campo do terço de
Salvador; Agostinho de Azevedo Monteiro, Chanceler da Relação; e Antonio Guedes Brito, Juiz
Ordinário.
119
também estão relacionadas às condições de conservação nos arquivos, isto é, não
sabemos ao certo quanto dessa documentação sobreviveu ao tempo e aos reveses dos
arquivos.
Destarte, uma parte dos fundos arquivísticos sobreviventes se encontra em um
estado muito precário de conservação, o que infelizmente é um problema comum para
quem trabalha com a documentação seiscentista alocada nos arquivos brasileiros. Nesse
sentido, o cruzamento da documentação manuscrita com fontes publicadas se tornou um
caminho incontornável a fim de garantir um universo de análise razoável para execução
desta pesquisa. Cabe esclarecer outra opção feita durante a coleta dos dados. Optamos
por contabilizar cartas que não tivessem grandes trechos corroídos ou dilacerados pela
ação do tempo, uma vez que nossa análise não será apenas quantitativa. Ou seja,
registramos no banco de dados todas aquelas cartas que permitissem identificar com
clareza o assunto tratado, assim como os destinatários, o que será essencial para uma
análise mais detida como faremos adiante.

1.1. Aspectos gerais dos dados: participação dos governos e médias


anuais

Sendo assim, contabilizamos um total de 2039 cartas para o período analisado


(1642-1682), como indicamos a seguir na Tabela 8, no qual relacionamos a quantidade
de cartas emitidas por cada governador-geral. Relacionamos esses dados com o tempo
de duração dos governos, o que nos permite observar a média de cartas emitidas por
mês de cada governador. Acreditamos que analisar a dinâmica interna da comunicação
política, observando a média mensal de cartas, seja uma opção mais efetiva do que a
média anual, pois assim podemos identicar os níveis de intensidade da emissão de cartas
uma vez que o tempo de comunicação era significativamente menor do que na
comunição ultramarina.

120
Tabela 8 - Relação entre cartas enviadas e meses de governo418

Período de Total de Meses de Média de Cartas


Governador
Governo cartas governo por meses
(30/08/1642-
Antonio Teles da Silva 33 63 0,52
26/12/1647)
Conde de Vila Pouca de (26/12/1647-
35 26 1,34
Aguiar 10/03/1650)
Conde de Castelo (10/03/1650-
342 35 9,77
Melhor 06/01/1654)
(06/01/1654-
Conde de Atouguia 294 41 7,17
18/06/1657)
(18/06/1657-
Francisco Barreto 282 72 3,91
26/06/1663)
(26/06/1663-
Conde de Óbidos 278 47 5,91
14/06/1667)
Alexandre de Sousa (14/06/1667-
251 46 5,45
Freire 08/05/1671)
Afonso Furtado de (08/05/1671-
440 52 8,46
Mendonça 26/11/1675)
(15/03/1678-
Roque da Costa Barreto 84 50 1,68
23/05/1682)
Total - 2039 432 4,91
Fonte: Banco de dados de correspondências 419. MIRALES, D. José de. “História Militar do Brasil”.
Anais da Biblioteca Nacional, Vol XXII, 1900; VILHENA, Luiz dos Santos. “Recompilação de Noticias
soteropolitanas e brasílicas.” Livro II. Imprensa Official do Estado, 1921.

De posse desses dados podemos fazer algumas considerações sobre a


intensidade da comunicação política nos diferentes períodos de governo. Podemos, por
exemplo, destacar a correspondência do Conde de Castelo Melhor, que apresenta a
maior média de 9,77 cartas por mês. Isso se deve a dois fatores: 1) o elevado número de
correspondências emitidas, pois foi o segundo governador-geral em termos de emissão
com 342 cartas; 2) um período curto de tempo no Estado do Brasil, sendo o segundo
governador-geral nestes termos, com apenas 35 meses na posse do ofício420.
Em um sentido inverso, a comunicação política no governo de Francisco Barreto
apresenta uma das menores médias (3,91 cartas por mês), o que está associado ao
período de duração do seu governo ter sido o mais longo dentre os analisados (72

418
O total de meses contabilizado nesta tabela foi arredondado, de modo a apenas considerar os meses
completos de governo e, portanto, desconsiderando os “dias avulsos”. A média de cartas enviadas foi feita
calculando a divisão do total de cartas pelo total de meses de governo. A média de 4,91 cartas por mês foi
feita considerando o total de cartas de todos os governos dividido pela somatória dos meses de todos os
períodos de governo.
419
A partir deste ponto, sempre que fizermos menção ao Banco de dados de correspondências estaremos
nos referimos aos dados coletados nas seguintes coleções: DHBN, Vols. III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X,
XI, XXXIII, LXXXVI; AHMS, PGS, Vols. I,II, III; RGCSP, Vols. II, III; Atas da Câmara Vol. III;
RIAHGP, n.° 34 e 35.
420
Vale ressaltar que embora o período de permanência no ofício seja um dos menores em nossa
amostragem, o período de tempo se aproxima aquele indicado nos regimentos e cartas patentes.
121
meses), e no que toca a emissão de missivas, foi o quarto governador com 282 cartas421.
Obviamente acreditamos que o total de cartas escritas por Francisco Barreto tenha sido
superior ao número que encontramos, mas a comparação com as médias de outros
governadores que permaneceram menos tempo no ofício e apresentaram números mais
elevados nos sugerem que a tendência encontrada seja plausível. Basta recordar, como
dissemos anteriormente, que em um mesmo códice eram registradas cartas de dois ou
mais governadores, o que reforça a percepção sobre a tendência encontrada. Se
observarmos as médias do governo de seu antecessor, o Conde de Atouguia, e de seus
dois sucessores imediatos, o Conde de Óbidos e Alexandre de Souza Freire
perceberemos que a tendência existente entre governos de duração semelhante é
apróximada. Para exemplificar o caso em questão observamos que a média de cartas
durante o governo do Conde de Atouguia foi de 7,71 cartas por mês para 41 meses de
governo, para o Conde de Óbidos, cujo governo durou 47 meses, esse número chegou a
5,91 cartas por mês, e Alexandre de Souza Freire teve a média de 5,45 cartas por mês
em relação aos 46 meses de seu governo. Destarte, para compreender melhor as
diferenças entre as emissões do governos devemos atentar para as variáveis
conjunturais, isto é, os assuntos discutidos e a urgência dos mesmos ditam em grande
medida os ritmos de comunição política. Isso ficará mais perceptível mais adiante
quando indicarmos a composição dos assuntos tratamos nas correspondências.
O Gráfico 1 nos permite visualizar a emissão anual de cartas. Além evidenciar
as lacunas da série de correspondências, conforme afirmamos anteriormente, este
gráfico nos permite identificar os principais anos em termos de emissão de cartas. Os
anos de 1671, 1664, 1650 e 1656 apresentam respectivamente os maiores volumes de
cartas, estes podem ser percebidos como retratos das conjunturas da governação.
Inicialmente, podemos relacionar essa correlação aos governos com maiores emissões,
como indicamos na Tabela 8.

421
É necessário dizer que observamos esses dados como tendências e não os consideramos como
referenciais absolutos. Por essa razão, nos limitamos a tecer considerações sobre os dados levantados sem
produzir extrapolações.
122
Gráfico 1 - Quantidade de Cartas por Ano (1642-1682)

N° de Cartas

145
137

112
103 106
99
95 93
85 87
80 83

65 68
62
57 56
50 50 52
47 44
39 40
33 35

21
13 11 14
10 9 9
3 5 6 6 3 6

Fonte: Banco de dados de correspondências.

123
O ano de 1671, por exemplo, apresenta uma grande ênfase na circulação de
instruções específicas sobre os assuntos da “guerra dos bárbaros” e da exploração
422
mineral nas capitanias do sul . Durante o ano de 1664 se verifica uma intensa
discussão sobre as matérias de Fazenda, com particular destaque para assuntos
referentes à cobrança do dote de casamento da Rainha da Inglaterra e da paz com a
Holanda, além disso, houve um intenso embate sobre a delimitação das jurisdições com
as capitanias do norte423. Em 1650 as preocupações que figuravam na pauta do governo
estavam diretamente relacionadas ao conflito com os holandeses nas capitanias do norte,
de modo que assuntos como a produção de farinha para o sustento de Salvador, tributos
sobre os gêneros comerciados pela Companhia Geral de Comércio e o envio de tropas
figuravam entre os principais assuntos424. Alguns anos após a capitulação dos
holandeses, mais precisamente em 1656, a composição da pauta de comunicação
política do governo-geral aparece diversificada com médias semelhantes de envios para
a maioria das capitanias425, de modo que também se observa a atuação mediadora do
Conde de Atouguia na contenção de alterações e convulsões populares, tanto no caso do
conflito dos Pires e Camargo em São Vicente, quanto nos conflitos ocorridos em
Sergipe del Rey.
Destarte, o olhar sobre essa escala alargada nos permite vislumbrar alguns traços
dos diferentes retratos conjunturais que marcaram a governação do Estado do Brasil na
segunda metade do século XVII. A seguir prosseguiremos com a verticalização da
análise, identificando de modo mais aproximado os itinerários de comunicação e os
destinatários, procedimento que permitirá uma melhor compreensão sobre os modos de
comunicação e suas significações no quadro da governação na América Portuguesa.

2. Os circuitos de comunicação: caminhos e destinatários

422
Neste ano, sob o governo de Afonso Furtado de Castro, a capitania de Pernambuco foi o principal
destino das correspondências com 49 cartas.
423
Novamente a Capitania de Pernambuco figura como principal destinatária com 53 cartas, um reflexo
das disputas do vice-rei Conde de Óbidos com o governador de Pernambuco em matérias de jurisdição e
sobre a questão das reformas dos terços de Pernambuco e na organização política da capitania.
424
Neste período as capitanias de Ilhéus e do Rio de Janeiro foram os principais destinos das cartas,
ambas receberam 27 missivas. Na comunicação com Ilhéus o Conde de Castelo Melhor priorizava os
assuntos sobre a produção de farinha para o abastecimento de Salvador e o sustento da infantaria, ao
passo que para o Rio de Janeiro as cartas tratavam principalmente de assuntos relativos a Companhia
Geral de Comércio.
425
Neste ano participação em ordem decrescente foi a seguinte: Ilhéus - 24 cartas; Rio de Janeiro – 20;
Bahia – 18; Espírito Santo – 16; São Vicente – 14; Sergipe del Rey – 12; Porto Seguro - 2.
124
A gestão de territórios descontínuos foi um dos principais desafios dos
governadores-gerais do Estado do Brasil. A circulação de ordens e de informações
através das correspondências constituía-se então no “principal instrumento de
comunicação e exercício de governo nesse momento” 426
. A preocupação em superar as
distâncias e os fatores que poderiam interferir na dinâmica de comunicação foi expressa
em várias cartas e até mesmo nos regimentos, afinal “os cazos do mar são vários, e se
não podem prevenir como convém” 427.
Os fatores climáticos e as correntes marítimas regiam a navegação na costa
brasileira, percepção essa que foi registrada nos manuais de navegação do século XVII
428
. Tal como as viagens entre o reino e a América lusa, que observavam “um calendário
marítimo preciso, uma „janela‟ sazonal delimitada” 429, a navegação na costa do Estado
do Brasil também possuía períodos determinados que favoreciam as jornadas pelos
percursos navais. Para Alencastro o período compreendido entre Setembro e Março
possuía condições favoráveis para as viagens em direção ao sul da costa brasileira, ao
passo que a navegação para o norte da costa era tida como ideal entre Março e Agosto.
Russell-Wood entende que o período favorável para navegação ao Sul era regido pela
monção de nordeste, entre Outubro e Abril; proporcionalmente a navegação no sentido
norte seria mais favorável sob o regime dos ventos da monção sudeste, entre Abril e
Outubro 430.

426
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Comunicação entre governadores, capitanias e câmaras: a
governação do Brasil, 1654-1681”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História da ANPUH. Natal,
RN. 2013. p. 7.
427
Capítulo 20. “Regimento que trouxe o senhor Conde de Castelo Melhor sobre a armada da companhia
Geral de Comercio”. (11/10/1649) BNRJ-SM, Códice 9, 2, 20. (1642-1753). N°. 2.
428
Cf. Arte prática de navegar e Regimento de pilotos. Por Luis Serrão Pimentel, Cosmógrafo Mor, e
Engenheiro Mor que foi dos Reinos, & Senhorios de Portugal & Tenente General da Artilheria com
exercício em qualquer das Provincias do Reino. Lisboa. Na impressão de Antonio Craesbeeck de Mello
Impressor de S. Alteza. Anno 1681. p. 210-211; Regimento de pilotos e roteiro da navegação e
conquistas do Brasil, Angola, S. Thomé, Cabo Verde, Maranhão, Ilhas, & Indias Occidentais. Pello
Dezembargador Antonio de Mariz Carneiro Fidalgo da Casa de Sua Magestade, & seu Cosmographo mor
destes Reynos de Portugal. Por Manuel da Silva, anno de 1655. Segunda parte. f. 1v-2. Disponível em:
http://purl.pt/14183 Acessado em: 15/07/2015.
429
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 57 – De acordo com Luiz Felipe de Alencastro o período ideal para partir
de “Lisboa [era] entre os dias 15 e 25 de outubro para lançar âncora em Recife cerca de dois meses mais
tarde. Na volta carecia levantar velas em Pernambuco, ou na Bahia, até o fim de abril para chegar a
Lisboa no mês de julho. (...) Fora desses prazos, o tempo de cada uma das etapas da viagem dobrava – no
mínimo –, com o aumento exponencial do risco da tripulação, exposta às tempestades sazonais, à sede e
às doenças na calmarias ao largo da zona equatorial africana.” Loc. cit.
430
RUSSELL-WOOD, Anthony John R. “Portos do Brasil Colonial”. In: Histórias do Atlântico
Português. Ângela Domingues, Denise A. Soares de Moura. (Orgs.) 1a ed. São Paulo: Editora Unesp,
2014. p.128-129.
125
Nesse sentido, indicamos no Gráfico 2 as quantidades de cartas enviadas por
mês para três regiões do Estado do Brasil: Bahia e capitanias anexas431, Capitanias do
Norte432 e Capitanias do Sul 433
. Optamos por agrupar a correspondência por regiões
uma vez que a posição geográfica das capitanias estava intimamente relacionada com os
regimes de navegação e por consequência com os fluxos de comunicação434. Isso nos
permite perceber, por exemplo, que a comunicação na região do recôncavo de Salvador
e capitanias próximas da Bahia se mantém sem grandes variações ao longo de todos os
meses, em função de sua proximidade com o centro emissor e as facilidades de
navegação e até mesmo de envio terrestre das correspondências.
No caso das Capitanias do Norte os meses que apresentam maior número de
correspondências são os meses de Julho e Setembro, que podem ser enquadradas nas
janelas sazonais indicadas por Russell-Wood e Alencastro, e os meses com menor
número de cartas são Março e Agosto. É importante recordar que nos regimentos de
Diogo Mendonça Furtado e Antônio Teles da Silva havia uma instrução específica
sobre a viabilização da comunicação terrestre com Pernambuco durante os períodos em
que a navegação não era favorável:
Por a costa da Bahia e Pernambuco ser trabalhosa de navegação contra
monções e por o mesmo respeito padecerem os moradores [e]
trabalhos em seus negócios e pelo conseguinte nos que se oferecerem
de meu serviço não se podendo enviar aos outros com a brevidade que
convém mandei que de uma parte a outra se fizessem por terra até dez
casas de Índios com uma pessoa a cinco e seis léguas uns dos outros
nas jornadas e passagens que bem parecerem porque assim segundo
sou informado não só se poderá caminhar com facilidade e ter os
avisos necessários e se evitarem grandes delitos não deixando passar
quem não levar licença do governador ou capitão, mas se impedirá aos

431
Por “capitanias anexas” consideramos Ilhéus, Porto Seguro e Sergipe del Rey, em razão da
subordinação jurisdicional, além da proximidade de Salvador e do Recôncavo e da possibilidade de
comunicação terrestre e marítima. A denominação capitanias anexas é oriunda da própria documentação,
como se vê na relação de receita e despesa sobre a “capitania da Bahia e suas anexas que são Ilheús, Porto
Seguro e Sergipe del Rey”. AHU_CU_005-02, Cx.9, D. 1034.
432
Capitanias do Norte: Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Ceará. Atente-se que até 1656 a
capitania do Ceará estava subordinada a jurisdição do Estado do Maranhão, a partir desta data é
incorporada ao Estado do Brasil. A dificuldade da navegação entre o Ceará e o Estado do Maranhão
parece ter sido o principal motivador da mudança jurisdicional da capitania, conforme indicado por
Raimundo Girão. Cf. GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 4ª. Edição, revisada e atualizada.
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1984. p.103-104.
433
Capitanias do Sul: Rio de Janeiro, São Vicente, Espírito Santo, Itanhaém e Cabo Frio.
434
Utilizamos o conceito no sentido proposto por Mafalda Soares e Fátima Farrica: “o conceito „fluxo de
comunicação‟ que aqui se utiliza implica somente a inclusão da documentação produzida com o intuito de
fazer circular informação entre instituições e território.” CUNHA, Mafalda Soares da; FARRICA, Fátima.
“Comunicação política em terras de jurisdição senhorial: os casos de Faro e de Vila Viçosa (1641-1715)”.
Revista Portuguesa de História. Nº 44. 2013. p. 305.
126
inimigos desembarcarem em terra e fazendo aguardar como
costumam...435

“Regimento do governador e capitão-geral do Estado do Brasil, Antônio Teles da Silva.”


435

AHU_ACL_CU_005,Cx.1, D. 40.
127
Gráfico 2 - Quantidade de cartas enviadas por mês (1642-1682)

Bahia e capitanias anexas Capitanias do Norte Capitanias do Sul

97 99
91
86 85

75 77 76
74 72 73 74 72
66
62
55 56
53
50
46 47 46
42 42 44 43
40
36 35
32
29 29 27 25

13 12

Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Fonte: Banco de dados de correspondências.

128
Durante o período de guerra a comunicação com territórios próximos à zona de
controle dos neerlandeses era uma tarefa significativamente mais difícil. A
superioridade naval dos holandeses obrigava que a maior parte das correspondências
seguisse o itinerário pelos sertões. Para se comunicar com o mestre de campo general
Francisco Barreto, o Conde de Castelo Melhor teve que recorrer a vários intermediários.
Como fica explícito em duas cartas de 1650, que foram enviadas para a Torre de Garcia
D‟Avilla, que deveria remetê-las para Belchior Alves, na capitania de Sergipe Del Rey.
A partir dali as cartas seguiriam se “encaminhando de lugar a lugar até se entregarem na
Varge (sic) ao Mestre de Campo General por ser este o meio mais pronto para lhe
436
chegarem com a maior antecipação e segurança que sua grande importância pede” .
Em outra carta obtemos mais detalhes sobre os intermediários e o percurso da
correspondência: Belchior Alves encaminharia as cartas para o capitão-mor de Sergipe
Del Rey, este por sua vez enviaria para a Vila do Rio São Francisco, seguindo para
Lagoa (Alagoas), depois Porto Calvo e Serinhaém 437 e por fim até o seu destinatário.
No caso da comunicação com as Capitanias do Sul também apresenta maior
intensidade durante a janela sazonal indica pelos referidos autores, com picos na
emissão nos meses de Outubro e Abril.
Não estão inclusas no Gráfico 2 duas cartas endereçadas ao Estado do
Maranhão. A comunicação com esta divisão administrativa de alta hierarquia na
América Portuguesa não era inexistente, mas certamente era pouco comum em razão da
distância e das dificuldades de navegação438. Durante o governo de Antônio Teles da
Silva sabemos que houve contato e auxílio aos luso-brasileiros que derrotaram os
holandeses, sobretudo com envio de munições 439. Outros indícios de comunicação com
os territórios do Estado do Maranhão são as referidas duas cartas enviadas durante o

436
12/09/1650. DHBN, Vol III, p. 78.
437
A carta indica que este passaria a ser o percurso regular das correspondências, “a todos se escreveu
carta particular para se observar esta ordem daqui em diante”. Cf. 14/09/1650. DHBN, Vol III, p. 78-79.
438
Nos manuais de navegação do século XVII a descrição do percurso até o Estado do Maranhão indica
uma série de precauções que os mestres de navio deveriam tomar, desde avisos sobre corais e formações
rochosas da costa nordeste, rios navegáveis e suas profundidades até localidades que poderiam ter índios
tapuias. O ponto de partida dessas viagens era descrito a partir do Rio Grande, indicando a passagem pelo
Ceará. Cf.“Roteiro do Rio Grande até o Maranhão”. Arte prática de navegar e Regimento de pilotos. Por
Luis Serrão Pimentel, Cosmógrafo Mor, e Engenheiro Mor que foi dos Reinos, & Senhorios de Portugal
& Tenente General da Artilheria com exercício em qualquer das Provincias do Reino. Lisboa. Na
impressão de Antonio Craesbeeck de Mello Impressor de S. Alteza. Anno 1681 p. 237-241. Disponível
em: https://archive.org/details/artepraticadenav00pime Acessado em: 28/03/2017.
439
Cf. ARAÚJO, Hugo A. F.F. Governação em tempo de guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a
gestão da defesa (1642-1654). Dissertação (Mestrado em História). Juiz de Fora, UFJF, 2014. p. 83-84.
129
governo do Conde de Óbidos440. Sabemos que essas cartas seguiram de Salvador para a
Capitania do Ceará e de lá deveriam ser remetidas para os seus destinatários441.
Podemos observar esses dados por um prisma diferente se nos concentrarmos
apenas nas capitanias foram destinatárias durante todos os meses do ano. Na Tabela 9
apresentamos esses dados em ordem decrescente, o que nos permite uma redução da
escala de observação sobre os fluxos de comunicação com as principais capitanias que
figuraram no rol de destinatários do governo-geral. Esses dados nos sugerem que a
comunicação com as Capitanias do Sul era recorrente e diversificada, com cartas para
todas as capitanias que compunham essa região, fato esse que pode ser associado à
importância conquistada por esses territórios durante a ocupação holandesa, e que foi
mantida e ampliada no decorrer da segunda metade do século XVII. Exploraremos as
particularidades dessa conjuntura mais adiante. No que se refere às Capitanias do Norte,
Pernambuco foi a única destinatária que figurou com emissões em todos os meses, o
que pode estar associado por um lado ao esforço dos governadores de Pernambuco em
preservar a jurisdição sobre suas capitanias anexas442, e por outro ao vazio populacional
e a diminuição da participação econômica dessas capitanias.
A respeito das diferenças entre o potencial econômico/produtivo das capitanias e
possível perceber essa questão através da organização da contribuição do dote de
casamento da infanta D. Catarina e da paz de Holanda. De acordo com Letícia dos
Santos Ferreira, em um primeiro momento a coroa sugeriu que os valores da
contribuição fossem pagos pelas Capitanias da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro443.

440
Ambas as cartas datam de 24/04/1665, sendo que uma é destinada a D. Fradique da Câmara,
Governador-geral do Estado do Maranhão (DHBN, Vol. IX, p.221-222), e a outra a Paulo Martins Garro,
Capitão-mor do Grão-Pará (DHBN, Vol. IX, p.227-228).
441
Em uma carta, também datada de 24/04/1665, destinada a João de Melo de Gusmão, Capitão-mor da
Fortaleza do Ceará, o conde de Óbidos ordenava que se remetesse “a carta inclusa para o Capitão- mor do
Grão-Pará, a qual é de importância” ressaltando que fosse feita com brevidade “de maneira que se lhe dê
em mão própria.” (DHBN, Vol. IX, p.228-229)
442
Tema que abordamos no Capitulo 2. Ao analisar a comunicação política dos governadores da
Capitania de Pernambuco Arthur Curvelo indica que entre 1661 e 1690 houve um total de 1284 emissões
(o autor inclui em sua contagem alvarás, regimentos, bandos, provisões e cartas), das quais 313
destinavam-se às câmaras de Pernambuco e de suas capitanias anexas. CURVELO, Arthur Almeida Santo
de Carvalho. O senador da Câmara de Alagoas do Sul: Governança e Poder Local no Sul de
Pernambuco (1654-1751). Dissertação (Mestrado em História). Recife: UFPE, 2014. p. 138. Os dados
apresentados por Curvelo nos permitem inferir que as relações de poder no interior da capitania
apresentavam maior protagonismo dos governadores de Pernambuco, sobretudo nas relações com as
localidades, muitas das quais não chegam a figurar na pauta da comunicação política do governo-geral, o
que reforça a percepção sobre a manutenção da área de atuação dos governadores de Pernambuco.
443
Letícia Ferreira indica que a proposta original era de que a Bahia contribuísse com 55.000 cruzados,
Pernambuco com 47.000 e Rio de Janeiro com 36.000. FERREIRA, Letícia dos Santos. É pedido, não
tributo: O donativo para o casamento de Catarina de Bragança e a paz de Holanda. (Portugal e Brasil c.
1660-c.1725). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2014. p. 89.
130
Todavia, a leitura de Francisco Barreto sobre o cenário do Estado do Brasil e a
capacidade de contribuição das capitanias levou a uma nova distribuição sobre a forma
da participação no pagamento, de modo que além de Bahia, Rio de Janeiro e
Pernambuco, foram incluídas também as capitanias de São Vicente, Itamaracá, Paraíba,
Espírito Santo, Porto Seguro, Ilhéus e Rio Grande444.

Tabela 9 - Capitanias que foram destinatárias em todos os meses


Capitania Jan Fev Abr Mar Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez SD445 Total
Bahia 56 34 36 46 37 44 50 48 51 59 53 28 3 545
Pernambuco 41 18 9 31 19 22 46 11 49 14 22 34 1 317
Rio de
25 16 33 41 24 16 20 28 18 30 19 11 6 287
Janeiro
Ilhéus 21 30 22 16 26 20 9 27 7 15 20 8 - 221
São Vicente 7 7 24 14 14 6 12 3 16 46 22 18 3 192
Sergipe del
9 10 15 9 10 10 11 9 11 17 14 10 1 136
Rey
Espírito
10 6 9 16 17 10 7 19 11 19 2 6 - 132
Santo
Fonte: Banco de dados de correspondências

Nesse sentido consideramos que é preciso matizar as percepções existentes sobre


as dinâmicas internas do Estado do Brasil. Russell-Wood afirma enfaticamente que o “a
perspectiva de estabelecimento de vínculos entre portos na costa nordeste do Brasil e os
da costa sudeste era praticamente inexistente. O potencial de desenvolvimento de
contatos regulares, ao longo do ano e de mão dupla entre portos na costa sudeste era
446
reduzido” . Essa afirmação perde fôlego em face aos dados apresentados, pois estes
nos sugerem que o dinamismo e a freqüência dos contatos são evidentes, e tendem a
aumentar ao longo do século.
Isso nos leva a questionar a segunda parte da afirmação do autor, quando este
concluí que “o comércio e as comunicações, a passagem de pessoas ou o transporte de
material bélico entre portos na costa nordeste e sudeste do Brasil eram arriscados e
infrequentes” 447
. Os riscos eram reais e inerentes a atividade, sem dúvida, e durante o
período da guerra contra os holandeses eram significativamente maiores. Certamente as
ações de corso e apresamento representaram um grande constrangimento à comunicação
pela via náutica. Charles Boxer indica que entre 1647-1648 o número de navios

444
Nesta nova divisão a Bahia pagaria 80.000 cruzados, Rio de Janeiro 26.000, Pernambuco 25.000, São
Vicente 4.000, Paraíba 3000, Itamaracá 2000, e as capitanias do Espírito Santo, Porto Seguro, Ilhéus e
Rio Grande contribuiriam quando as demais capitanias não conseguissem atingir os valores pretendidos.
Ibidem. p.89.
445
Sem data (SD). Cartas em que não foi possível precisar uma data de emissão.
446
RUSSELL-WOOD, Anthony John R. Op. cit. p. 129.
447
Loc. cit.
131
apresados pelas ações neerlandesas chegou à impressionante quantidade de 220
448
embarcações . Além da captura de embarcações, com cargas e prisioneiros, os
holandeses também interceptaram cartas449 e investiram sobre o recôncavo da Bahia,
saqueando e queimando engenhos 450. Estima-se que em dezembro de 1648 as incursões
451
da armada de De With, que contava com cerca de 2000 soldados , conseguiu assolar
as freguesias do recôncavo queimando “vinte e dois engenhos de açúcar, roubando
quanto achou no distrito deles” 452. Com efeito, a alternativa buscada pelo governo-geral
para minimizar a efetividade dessas ações foi o envio de instruções que visavam indicar
uma forma segura de navegação até o porto da Bahia. Em algumas cartas encontramos
as medidas tomadas para evitar o encontro com as embarcações neerlandesas. Em uma
carta para o Alferes Domingo Pinto, que servia na Torre de Garcia D‟Ávila 453, o Conde
de Vila Pouca de Aguiar ordenava que as embarcações que saíssem dali
ao sol posto, e se venha com toda a vigilância sempre encostado a
terra meter entre os fortes de São Diogo454 e Santa Maria455, donde
achará as lanchas e venha com advertência de estar o Inimigo nesta
Bahia e naus suas no meio dela, (...) e dobre a ponta de Santo Antonio
de maneira que ainda que ache vento escasso se possa meter entre os
fortes e não possa perigar se amanhecer no mar para o que convém
que não saia sem tempo tão feito que julgue ele certeza na viagem 456.

448
BOXER, Charles. The Dutch in Brazil (1624-1654). Oxford: Clarendon Press, 1957. p. 280-289.
449
Este é o caso de parte da documentação pertencente ao fundo da Velha Companhia das Índias
Ocidentais e teve algumas cartas traduzidas e publicadas na Revista do Instituto Archeologico e
Geographico de Pernambuco, como indicamos anteriormente.Cf. RIAHGP. n.o 34; RIAHGP. n.o 35.
Essas cartas foram enviadas para os Estados Gerais e publicadas como instrumento de propaganda nas
disputas diplomáticas sobre o nordeste, causando um embaraço ao implicar D. João IV e Antônio Teles
da Silva nos planos e no suporte a insurreição dos moradores de Pernambuco. Cf. ARAÚJO, Hugo A.
F.F. Governação em tempo de guerra: Governo geral do Estado do Brasil e a gestão da defesa (1642-
1654). Dissertação (Mestrado em História). Juiz de Fora, UFJF, 2014. p. 94.
450
Essas ações são mencionadas pelo Conde de Castelo Melhor ao pedir donativo voluntário aos oficiais
da câmara do Rio de Janeiro em 20 de Março de 1650. DHBN, Vol IV, p.467- 468.
451
MELLO, Evaldo Cabral de (Org). O Brasil holandês. (1630-1654). Seleção, introdução e notas de
Evaldo Cabral de Mello. São Paulo: Penguin Classics, 2010. p. 446 - 447.
452
SANTIAGO, Diogo Lopes. Op. cit. p. 529. – Wanderley Pinho cita as ações de Van dem Brand e Van
Goch, mencionando o saque e a destruição de 23 engenhos entre o final de 1648 e fevereiro de 1649. Cf.
PINHO, José Wanderley de Araújo. História de um engenho do Recôncavo: Matoim, Novo Caboto,
Freguesia. (1552-1944). 2ª. Edição, ilustrada e acrescida de um Apêndice. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1982. p. 122. Evaldo Cabral de Mello estima que os neerlandeses apreenderam 1500 caixas de
açúcar durante essas ações. MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste,
1630-1654. 3ª edição. São Paulo: Editora 34, 2007. p. 68.
453
Casa forte situada no litoral norte da Bahia, atualmente no município de Mata de São João.
454
“Protegido pelo Morro de Santo Antônio, do lado direito da praia do Porto da Barra, junto à Santa
Casa de Misericórdia.” Disponível em: http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=79.
Acessado em: 28/08/2015.
455
“Localizado à entrada da barra do porto de Salvador, no litoral do Estado da Bahia”. Disponível em:
http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=74. Acessado em: 28/08/2015.
456
13 de Dezembro de 1648. DHBN, Vol. III, p. 26.
132
A opção por navegar durante a noite, sempre se mantendo próximo à costa, a fim
de buscar a proteção dos fortes foi uma das formas encontradas para escapar ou
minimizar as ações de apresamento. As instruções para navegação segura foram
enviadas principalmente para Ilhéus 457, mas também encontramos o envio dessas para a
458
capitania do Rio de Janeiro . A circulação deste tipo de informação foi importante
ferramenta de governo, sobretudo se levarmos em consideração que as ações holandesas
também buscaram se adaptar, utilizando desertores e embarcações luso-brasileiras para
459
realizar saques e apresamentos . Esses dados indicam a dimensão dos riscos
envolvidos na navegação durante esse período. Contudo, como indicamos, os dados
sobre a freqüência da circulação de pessoas, mercadorias e materiais bélicos não pode
ser desprezada e nem minimizada. Afinal, o caso descrito acima exemplifica que a
capacidade de adaptação foi essencial para a superação das dificuldades impostas pela
conjuntura de guerra.

2.1. Intervalos de tempo na comunicação política:

Ao pensar as dinâmicas internas de comunicação política e seu papel na


governação é fundamental considerar o intervalo de tempo entre a emissão e a recepção
das correspondências. Um meio de verificar essa questão é estimar a duração das
viagens entre diferentes pontos da América Portuguesa. Todavia convém esclarecer que
a documentação não fornece muitos dados sobre essa questão, e obviamente uma série
de fatores poderia influir na duração destas viagens460. Desde as já citadas condições de

457
Em 1652 esse tema foi recorrente, indicando que as ações de corso vinham causando grandes
prejuízos. Neste ano encontramos cartas para Antônio de Couros Carneiro, capitão mor de Ilhéus, para
Gaspar de Souza Uchoa, tenente de Mestre de Campo na fortaleza de Morro de São Paulo e também para
Antônio da Silveira, mestre de Navio. Cf. 12/04/1652. DHBN, Vol. III, p.161-162; 12/04/1652. DHBN,
Vol. III, p.162-163; 04/05/1652. DHBN, Vol. III, p. 164-165; 07/05/1652. DHBN, Vol. III, p.166;
07/05/1652. DHBN, Vol. III, p. 166-167.
458
Antônio Teles de Menezes enviou para Salvador Correia de Sá e Benavides as mesmas instruções,
recomendando as medidas para a navegação segura e a busca de informações em Ilhéus sobre a atividade
do inimigo naquelas águas. 31/03/1648. DHBN, Vol. IV, p. 432-434.
459
Duas cartas mencionam que os holandeses utilizavam o navio de João de Souza Borges para ações de
corso (22/01/1652. DHBN,Vol. III, p. 144-145). Outras duas cartas mencionam que o capitão Dom Pedro
de Bíveros teria desertado e se unido aos holandeses, se valendo de ser muito conhecido no recôncavo
para saquear freguesias e capturar pequenas embarcações. As cartas são enviadas a fim de que a notícia
fosse divulgada por todo o recôncavo e inibisse a efetividade dessas incursões. (07/03/1652. DHBN, Vol.
III, p. 152-154).
460
Conforme indicou José Roberto do Amaral Lapa, os fatores que ocasionavam o aumento da duração
das viagens podiam ser ocasionados “pelo tempo perdido na luta com os ventos contrários, pelas
calmarias, tempestades, doenças a bordo, piratas, acidentes do mar, falta de água, de alimento, etc.”
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1968. p. 141.
133
navegação, até a quantidade de embarcações (bem como o estado de conservação das
mesmas), e ainda a habilidade dos pilotos e mestres de navios. Portanto, o esforço de
encontrar dados sobre a duração das viagens não pretende encontrar medidas
definitivas, o que buscamos é levantar informações para iniciar algumas reflexões sobre
esses intervalos e o impacto da distância nas estratégias de governo.
De acordo com Caroline Garcia Mendes as correspondências emitidas pelos
governadores-gerais por vezes, dependiam de vários intermediários para conduzir as
cartas ao destino final, o que geralmente aumentava o espaço de tempo entre o envio e a
recepção das missivas. Nesse sentido a autora indica que
Muitas vezes o governador geral não dispunha de meios para enviar
cartas diferentes a destinos também díspares, assim, recorria aos
governadores e demais vassalos que recebiam uma carta –
normalmente o destinatário mais próximo geograficamente, ou de
maior hierarquia – para que a enviassem a outro local 461.

Percebemos que o governo-geral também tentou atenuar os problemas das


distâncias instituindo medidas que assegurassem o despacho freqüente dos maços de
cartas. Em 1663 o vice-rei Conde de Óbidos passou uma portaria determinando que
nenhuma embarcação poderia partir do porto de Salvador sem despacho do Provedor da
Alfândega, regra válida tanto aquelas que fariam jornadas ultramarinas como as de
navegação costeira na América lusa462. Esta medida não visava apenas o controle do
fluxo das embarcações e a fiscalização de suas cargas, mas também a continuidade no
envio das correspondências. Isso é indicado com clareza pelo Conde de Óbidos nas
cartas enviadas ao provedor da Alfândega de Salvador463 e ao o capitão do Forte Real da
praia de São Felipe. Para este último o vice-rei justificava sua ordem indicando que
são poucos os Mestres das embarcações da costa que vêm pedir
licença, na forma que sempre foi estilo, de que resulta faltar-se á
ordem, e ficar na Secretaria as cartas, e despachos que
ordinariamente se mandam para as Capitanias, a que fazem sua
viagem, o que é tanto contra o serviço Del-Rei meu Senhor e
expediente dos negócios das mesmas Capitanias464.

461
MENDES, Caroline Garcia. Op. cit. p. 85.
462
A portaria previa como punição para as embarcações que rumasse para o reino e para o ultramar a
execução “do fiador do Mestre, pela pena que é costume e se declarará na fiança”, já para embarcações da
costa do Estado do Brasil a punição previa a prisão “na cadeia donde não será solto sem nova ordem
minha”. 28/07/1663.DHBN. Vol. VII, p. 112-113.
463
Em sua carta ao provedor da Alfândega o vice-rei explicita que sua ordem tem por objetivo evitar
“relaxar o estilo de virem buscar á Secretaria do Estado os despachos que sempre foi uso, e receber as
cartas, e ordens do Governo, que se mandam para todas as Capitanias do Estado a que dificilmente se
remetem, se se perde a ocasião de as enviar nos barcos que para elas partem.” DHBN. Vol. VII, p. 134.
464
Grifo nosso. DHBN. Vol.VII, p.126-127
134
Tabela 10- Tempo aproximado de viagens na costa do Estado do Brasil

Rota Tempo aproximado


Salvador Rio de Janeiro 1 mês 465
Rio de Janeiro Salvador 1 mês 466
Salvador Vila de Vitória - ES 2 meses 467
Salvador Recife 10 a 12 dias 468
Cabo de Santo Agostinho Salvador 9 dias 469

Por tudo isso, organizamos os dados sobre a duração das viagens entre
determinados pontos do Estado do Brasil na Tabela 10, a fim de ter uma idéia
aproximada do tempo que as correspondências levavam de uma localidade a outra,
sobretudo por que grande parte dessas missivas foram transportadas por embarcações
470
. Como indicamos anteriormente, nosso objetivo aqui não é estabelecer uma medida
precisa sobre o tempo das viagens, sobretudo pelas variáveis que afetavam essa
equação. O que buscamos indicar é uma medida aproximada do tempo que informação
poderia levar para circular entre as diferentes regiões do Estado do Brasil. Também

465
Essa estimativa foi feita utilizando os dados da viagem de Salvador Correia de Sá e Benavides de
1645. De acordo com os relatos sabemos que Correia de Sá partiu do reino no natal de 1644, chegando a
Salvador em meados de fevereiro. O governador-geral Antônio Teles da Silva menciona a passagem dele
pela Bahia no dia 23/02/1645 (AHU_ACL_CU_017-01, Cx.3, D. 374). De acordo com Charles Boxer no
princípio de Abril Salvador Correia de Sá já se encontrava na capitania do Rio de Janeiro. Cf. BOXER,
Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1686). São Paulo: Companhia Editora
Nacional. 1973, p. 201-202.
466
Este tempo de viagem é estimado no Regimento da Armada da Companhia Geral de Comércio
(“Capítulo 11” e “Capítulo 12”. (11/10/1649). BNRJ-SM, Códice 9, 2, 20. (1642-1753). N°. 2.) e no
Regimento passado a Salvador Correia de Sá como General das Frotas. Cf. MENDONÇA, Marcos
Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro: IHGB/Conselho
Federal de Cultura, 1972. p. 616
467
Destacamos que o período de tempo encontrado reflete o percurso realizado durante a janela sazonal
desfavorável à navegação no sentido sul. Chegamos a essa estimativa por duas cartas: em 13/03/1650 o
Conde de Castelo Melhor escreve para a câmara da Vila de Vitória sobre o envio de comissários da
Companhia Geral do Comércio (DHBN, Vol. III, p. 32.); em 16/05/1650 a câmara de Vitória escreve ao
Rei protestando sobre as condições de comércio impostas pelos comissários da Companhia.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.11, D. 1364
468
De acordo com os relatos da viagem de Salvador Correia de Sá em 1645, após chegar à Bahia em
23/07/1645, partindo logo no início de Agosto em direção ao Recife, chegando ao seu destino em
12/08/1645. Cf. MELLO, José António Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre-de-campo do terço
de infantaria de Pernambuco. CNCDP: Lisboa, 2000. p. 167; SANTIAGO, Diogo Lopes. História da
guerra de Pernambuco. Recife: CEPE, 2004. p. 283.
469
Em 27/02/1650, o conde de Castelo Melhor informava que havia feito escala no Cabo de Santo
Agostinho, enviando mantimentos da Companhia Geral de Comércio para o mestre de campo general
Francisco Barreto. AHU_ACL_CU_015, Cx. 5, D. 393. Segundo D. José de Mirales, o conde Castelo
Melhor chegou a cidade da Bahia no dia 07/03/1650, tomando posse do governo no dia 10. Cf.
MIRALES, D. José de. “História Militar do Brazil”. In: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de
Janeiro. Vol. XXII. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1900. p. 146.
470
Caroline Mendes também percebe esse tipo de prática: “As embarcações, dessa forma, eram a maneira
mais comum de enviar as missivas para as capitanias do sul”. MENDES, Caroline Garcia. Op. cit. p. 85.
135
atentamos para o fato de que a comunicação com territórios mais distantes de Salvador
utilizava uma combinação entre os mensageiros terrestres e os transportes náuticos 471.

2.2. A comunicação política com as capitanias:

Feitas as considerações sobre os itinerários e o intervalo de tempo entre as


localidades no Estado do Brasil passaremos agora a análise dos fluxos de comunicação
política com as capitanias. Esta primeira aproximação ainda trata os dados de modo
global, mas em contrapartida isso nos permite identificar e avaliar as diferentes
participações das capitanias na correspondência dos governadores-gerais. No Gráfico 3
listamos em ordem crescente a quantidade de correspondências por capitania. Cabe
indicar que a comunicação com outras partes da América do Sul foi existente, e até onde
percebemos foi alocada em outros fundos documentais, mas certamente esta foi menos
freqüente, principalmente durante a conjuntura de guerra contra a coroa de Castela 472.
Antes de passar para a analise da participação das capitanias na comunicação
política, é preciso explicitar as razões da organização e disposição dos dados deste
ponto em diante. Optamos por trabalhar com as mesmas divisões regionais adotadas e
indicadas no Gráfico 2 isto é, analisaremos os fluxos de comunicação com as capitanias
de modo agregado, ressaltando o modo como a sua disposição regional interferia na
dinâmica da comunicação. Essa opção foi feita a fim de tentar trabalhar com os
diferentes ritmos de correspondência com as capitanias. Tal escolha não implicará,
contudo, na minimização das particularidades de cada capitania. Por esta razão, optamos
por dispor e analisar os dados de forma agregada e por regiões em função de nossa
percepção sobre os fatores comuns que agregavam essas capitanias.

471
Nos Documentos Históricos encontramos com freqüência grupos de correspondências enviadas que
nos informam sobre parte do itinerário e a forma como se transportava a mensagem: “Cartas que levou o
Mestre Miguel Martins na lancha que foi para o Rio de Janeiro em o último de Junho, para dali se
remeterem a São Vicente.” DHBN, Vol. III, p. 73-74.
472
Sabemos que apesar da guerra contra os espanhóis houve tentativas de restabelecer relações comerciais
com o Rio da Prata, como a iniciativa malsucedida de António Teles da Silva em 1643. ARAÚJO, Hugo
André F. F. Op. cit. 2014. p. 73. Outros trabalhos abordaram as nuances da relação entre o Estado do
Brasil e o Rio da Prata após a ascensão da dinastia dos Bragança. Cf. CEBALLOS, Rodrigo. “Os vecinos
lusitanos na restauração portuguesa: um estudo das redes sociais na Buenos Aires seiscentista”. In: Métis:
história & cultura. v. 13, n°. 25. Jan./Jul. 2014. p. 31-57.
136
Gráfico 3- Quantidade de Cartas por Capitania (1642-1682)

Não informado 42
Estado do Maranhão 1
Grão-Pará 1
Ceará 5
Cabo Frio 5
Itanhanhém 7
Rio Grande 24
Porto Seguro 27
Itamaracá 29
N° de Cartas
Paraíba 68
Espírito Santo 132
Sergipe del Rey 136
São Vicente 192
Ilhéus 221
Rio de Janeiro 287
Pernambuco 317
Bahia 545

0 100 200 300 400 500 600

Fonte: Banco de dados de correspondências.

137
2.2.1. A capitania da Bahia e suas anexas:

A comunicação política na capitania da Bahia figurava como a mais volumosa.


Isso se deve não só a sua centralidade político-econômica da capitania do Estado do
Brasil, mas também às nossas escolhas de pesquisa e a disponibilidade de fundos
documentais473. Para além da centralidade de Salvador, tida como “cabeça” do Estado
do Brasil, da sua capitalidade474, isto é o reconhecimento régio e a institucionalização
da cidade475, a urbe soteropolitana também gozava de uma posição geográfica que
privilegiava tanto as suas relações atlânticas quanto o contato a norte e a sul da costa
brasileira, e ainda o fato da cidade e de seu recôncavo concentrarem grande parte da
população do Estado do Brasil476. Nesse sentido parece natural que a correspondência
no interior da capitania corresponda a pouco mais de um quarto (26,72%) do total de
cartas analisadas. O grande volume de correspondências para a Câmara de Salvador
chama a atenção, uma vez que esta foi a principal interlocutora do governo-geral na
capitania neste período, recebendo 320 cartas. Esse destaque fica mais evidente se
considerarmos que a comunicação com a câmara de Salvador foi ligeiramente maior que
aquela estabelecida com toda a capitania de Pernambuco (317 cartas). A cidade de
Salvador era o principal destino das missivas, mas é importante destacar a comunicação
com outras localidades no interior da capitania como as terras da Torre de Garcia
d‟Avila477, as aldeias indígenas de Jaguaripe, Maragogipe e Espírito Santo478, e outras

473
No caso em questão nos referimos aos fundos que guardam documentação especificamente referente a
capitania da Bahia, como as Atas da Câmara (Atas da Câmara Vol. III) e as Provisões de Governo e
Senado (AHMS, PGS, Vols. II, III).
474
Guida Marques analisa as representações sobre a cidade Salvador observando o desenvolvimento de
sua capitalidade, através da análise do processo de construção da distinção política da Capitania tanto no
cenário imperial quanto na própria América portuguesa. Cf. MARQUES, Guida. “„Por ser cabeça do
Estado do Brasil‟. As representações da cidade da Bahia no século XVII.” In: SOUZA, Evergton Sales;
MARQUES, Guida; SILVA, Hugo R. (Orgs.) Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica.
Salvador, EDUFBA/ Lisboa, CHAM, 2016. p. 17-46.
475
Como indicamos no Capítulo 2. Salvador além de sede do governo geral era também do primeiro
Bispado do Brasil e do Tribunal da Relação.
476
Apesar da escassez dos dados demográficos, e de todos os problemas inerentes a sua confiabilidade e
representatividade, algumas estimativas reunidas por Thiago Krause indicam que Salvador teria por volta
de “15.000 mil habitantes em 1610, 50.000 em 1681 e 80.000 em 1706”, o que significa dizer que, por
comparação com a cidade do Rio de Janeiro que teria “de „três a quatro mil‟ almas em 1672, [o que
representava] menos de um terço da população de Salvador em 1675-81, enquanto São Paulo não
chegaria a 2.000 habitantes em 1687”. Ao passo que as cidades de Olinda e Recife contabilizavam
“respectivamente, com 860 e 2450 fogos em 1701, não alcançado, somadas, 80% da população
soteropolitana de 1706”. KRAUSE, Thiago Nascimento. A Formação de uma Nobreza Ultramarina:
Coroa e elites locais na Bahia seiscentista. Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2015. p.
11; 14.
477
19/10/1654. DHBN, Vol. III, p. 228; 29/12/1654.DHBN, Vol. III, p. 251; 22/04/1656.DHBN, Vol. III,
p. 329.
138
eram mais gerais endereçadas às “freguesias do Recôncavo” 479
ou aos capitães e
coronéis do Recôncavo480. A troca de correspondências com o Provedor-mor da
Fazenda representa apenas 13 cartas ou 2,38 %, o que como veremos é um volume bem
inferior em relação às demais capitanias. Parte da explicação sobre essa diferença se
deve a especificidade do segmento de fontes trabalhadas aqui. Se as cartas destinadas
aos provedores-mores aparecem em um número tão diminuto o mesmo não se pode
dizer em relação aos alvarás e provisões481, que aparentemente eram os instrumentos
institucionais privilegiados para expressar as relações de poder entre esses oficiais.
Como afirmamos anteriormente, esses tipos documentais não são objetos de nossa
análise quantitativa no presente trabalho.
Se considerarmos de modo agregado os dados da Bahia e de suas capitanias
anexas chegaremos a soma de 929 cartas, ou seja, 45,56% do total da correspondência
do governo-geral no período. Como vimos acima o protagonismo da Bahia é
responsável por esse número elevado. Contudo, é preciso voltar o olhar para os dados
das capitanias anexas a fim de compreender melhor a sua representatividade no quadro
geral do Estado do Brasil.
Deste modo, a região formada pelas capitanias anexas da Bahia compreendia os
territórios de Ilhéus, Sergipe del Rey e Porto Seguro que juntas receberam 384 cartas do
governo-geral, ou seja, a região representava 18,84% de todas as emissões do Estado do
Brasil. As capitanias que compõe essa região apresentam pesos diferentes, o que reflete
não só a dimensão dos vínculos estabelecidos com o centro de poder soteropolitano,
como também os diferentes níveis de importância desses territórios naquele momento.
Neste sentido a capitania de Ilhéus aparece em destaque entre as demais dessa
região com 221 cartas. Os principais interlocutores na capitania eram os oficiais
militares482 (88 cartas) e as câmaras das “vilas de baixo” (74 cartas), o capitão-mor da

478
Respectivamente: 01/10/1654. DHBN, Vol. III, p. 217-218; 01/10/1654. DHBN, Vol. III, p. 218;
29/12/1654. DHBN, Vol. III, p. 252; 06/03/1673. DHBN, Vol. VIII p.355-356.
479
10/11/1648. AHMS, PGS, Vol.2, f.354-354v; 10/11/1648. AHMS, PGS, Vol. II, f. 354v-355;
13/12/1650. AHMS, PGS, Vol. III, f.16-17.
480
23/11/1672. DHBN, Vol. VIII, p.322-323; 11/01/1673.DHBN, Vol. VIII, p. 336-337; 02/06/1673.
DHBN, Vol. VIII, p.367-368;
481
Em alguns volumes da coleção dos documentos históricos (Vol. XVIII, XIX, XX, XXI, XXXII,
XXIII) encontramos diversas provisões e alvarás e outros documentos que expressam essas relações.
Como no caso do registro de um portaria feita pelo governador-geral Alexandre de Souza Freire, que
recebe 3 réplicas do Provedor-mor antes da decisão chegar a sua forma final e ser registrada. Cf. DHBN,
Vol. XXIII, p.114-117.
482
Referimos-nos a todos os oficiais militares com patentes, com destaque para Antônio de Couros
Carneiro detentor da patente “Governador da gente de guerra e superintendente, das fabricas, e
mantimentos da capitania dos Ilhéus” que recebeu 17 cartas. Da mesma forma o governador e o capitão-
139
capitania recebeu apenas 34 cartas durante esse período. O intenso fluxo de
correspondências com a capitania se deve principalmente a sua “vocação” de
abastecedora, em razão da especialização de suas vilas nas atividades produtivas
voltadas ao mercado interno483. Sobre essa questão Marcelo Henrique Dias indica que
essa importância remonta o governo de Diogo Luis de Oliveira (1627-1635), quando o
“conchavo das farinhas” 484
inseriu a capitania de Ilhéus na dinâmica ligada ao sustento
do presídio de Salvador 485.
Em um segundo grau de importância temos a capitania de Sergipe del Rei com
136 cartas, das quais 60 foram destinadas ao capitão-mor e 27 a câmara da capitania.
Entre o rol de assuntos freqüentes tratados com os oficiais da capitania estava a
definição dos limites jurisdicionais da capitania, uma vez que durante o período de
guerra a capitania fazia fronteira com os territórios ocupados pelos neerlandeses 486; os
conflitos de jurisdição entre os oficiais no interior da capitania; e discussões relativas ao
envio de gado para a Bahia. Nesse sentido, tal como no caso de Ilhéus, a capitania
participava como um componente importante para a subsistência do Recôncavo 487.

mor da Fortaleza do Morro de São Paulo, também com 17 cartas. Vale ressaltar que ao longo de todo o
período analisado Antônio de Couros Carneiro, tanto como “Governador da gente de guerra” como
Capitão-mor da Capitania, foi um dos principais interlocutores do governo do Conde Castelo Melhor,
uma vez que recebeu neste período 31 das 36 cartas que compõe o seu total de cartas recebidas.
483
A tese de Francisco Carlos Teixeira ainda é o trabalho fundamental para a compreensão da economia
de subsistência formada no entorno do sistema açucareiro. Analisando especificamente o caso de
Salvador o autor indica como a atuação dos oficiais régios restringindo a diversificação de atividades na
capitania de Ilhéus fez com que a concentração de produtores de farinha das “vilas de baixo” se
comprometessem com o abastecimento do recôncavo. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A
morfologia da escassez: crises de subsistência e política econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de
Janeiro, 1680-1790). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 1990. p.170. O destaque a produção de
farinha de mandioca é feito em razão de que este foi o principal alimento consumido nas armadas e no
recôncavo da Bahia. Ademais, a expressiva recorrência do tema na comunicação com a capitania de
Ilhéus se explica pela especificidade do sistema agrário ilheense e pela constante preocupação do
governo-geral em suprir a ausência de alimentos..
484
De acordo com Pedro Puntoni o conchavo das farinhas feito pela “Câmara de Salvador estabeleceu um
contrato com as três vilas da capitania de Ilhéus, ao sul do Recôncavo. Este contrato estabelecia que os
lavradores de Boipeba, Cairú e Camamú trabalhariam para o fornecimento de farinha, principalmente
para as tropas mobilizadas por conta das guerras holandesas e das guerras contra os bárbaros – obrigação
que era sua.” PUNTONI, Pedro. “O conchavo da farinha: espacialização do sistema econômico e o
governo geral na Bahia no século XVII”. In: O Estado do Brasil: Poder e política na Bahia colonial
(1548-1700). São Paulo: Alameda, 2013. p. 159.
485
De acordo com o autor o conchavo, “que originalmente tinha um caráter passageiro, tornou-se
indispensável e a Coroa o manteve por mais de cinqüenta anos, contra toda sorte de reclamações da parte
dos camaristas das vilas de baixo” DIAS, Marcelo Henrique. “A capitania de São Jorge dos Ilhéus:
economia e administração”. In: DIAS, Marcelo Henrique; CARRARA, Ângelo Alves (Orgs). Um lugar
na História: a capitania e comarca de Ilhéus antes do cacau. Ilhéus: Editora UESC, 2007. p. 71.
486
Essas discussões sobre a jurisdição também estavam intimamente relacionadas a definição de quais
localidades contribuiriam com os lançamentos de gado para sustento de Salvador. DHBN, Vol. III, p.
128-131; 139-140.
487
Em uma carta endereçada a João de Munhós, Capitão-mor da capitania, o governador-geral Afonso
Furtado de Mendonça pede o envio de mantimentos em razão dos preparativos de uma expedição punitiva
140
Desde o final do século XVI a capitania concentrou sua principal atividade econômica
na criação de gado, atividade essa que era fundamental tanto para o desenvolvimento da
economia açucareira quanto para a subsistência de Salvador e suas freguesias no
recôncavo488. Aparentemente a pecuária na região apresentava um potencial tão
evidente que atraiu inclusive investimentos do Conde de Castelo Melhor, que adquiriu
currais na região dos distritos do Rio Real489. Outra cultura desenvolvida na capitania
foi a produção de tabaco, que obteve na década de 1670 a permissão para ser
transportado para a Bahia sem pagar a imposição490.
Por fim, a capitania de Porto Seguro respondia por apenas 27 cartas em todo o
período, sendo que destas 13 foram destinadas aos capitães-mores e 5 a câmara da
capitania. Há que se ressaltar que esta série de cartas apresenta uma lacuna temporal
bem evidente, de modo que os poucos documentos encontrados se concentram em
intervalos específicos: na década de 1650 (10 cartas entre 1650 e 1656); na década de
1670 (16 cartas entre 1670 e 1678) e uma carta em 1681. Nesse sentido é muito difícil
estabelecer reflexões profundas diante dessa fragmentação. Tendo em vista essas
limitações, vamos nos ater a ressaltar o que esses momentos nos informam sobre a
participação da capitania na comunicação política com o governo-geral. Na década de
1650 as discussões giraram em torno da exploração do pau-brasil e outras madeiras, e
491
da aplicação da justiça na capitania . Na década de 1670 os assuntos abordados
orbitavam desde pedidos para os auxílios ás expedições da “guerra dos bárbaros”, tanto

organizada pelas tropas de paulistas contratadas pelo governo-geral. Na carta o governador-geral era
enfático na sua justificativa ao pedido de mantimentos: “Na terra não há mantimento algum para o povo,
e o Presídio padece a mesma falta e dá-me grande cuidado a gente da Conquista, cujo sustento é tão
preciso enquanto aqui se detém, e muito mais o que hão de levar para jornada. A seca esteriliza o
Recôncavo. As Vilas de Boipeba não podem acudir a tudo e por esta razão me quero valer dessa
Capitania.” 09/02/1673. DHBN,Vol.VIII, p. 343-344.
488
Sobre o papel da capitania para o desenvolvimento da pecuária Cf. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá
de. “Fluxos e refluxos mercantis: centros, periferias e diversidade regional”. In: FRAGOSO, João;
GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs) O Brasil colonial. Vol. II (1580-1720. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014. p.399-400; SCHWARTZ, Stuart.“Brasil colonial: plantaciones y periferias, 1580-1750”.
In:BETHELL, Leslie (Ed.) Historia de América Latina. Vol 3 (America Latina Colonial: Economia)
Barcelona: Editorial Crítica, 1990. p.224-226.
489
Essas informações aparecem no inventário do Conde de Castelo Melhor, com a indicação de que
comprou os referidos currais de Jerônimo Serrão de Paiva. Estes currais foram avaliados em 4.500
cruzados, segundo o próprio Jerônimo Serrão de Paiva em uma demanda que moveu contra a Condessa de
Castelo Melhor em 1659, um ano após a morte do Conde. IAN/TT. Feitos Findos. Inventários post-
mortem, letra J, mç. 347, no 9. f. 62. No inventário não é citada a localização dos currais, a indicação mais
precisa sobre a localização é referenciada em uma portaria de 1668. DHBN, Vol. VII, p. 355.
490
“Carta que se escreveu ao Capitão-mor do Rio de São Francisco sobre os moradores poderem navegar
os tabacos para onde tiverem mais conveniência”. 17/02/1672. DHBN,Vol.X, p. 36-37.
491
São casos sobre a busca de soldados fugitivos, punição a roubos e a preservação da jurisdição
territorial dos donatários de ilhéus.
141
em forma de mantimentos como na mobilização de índios aldeados; até questões de
ordem mais prática sobre a gestão da ordem entre os moradores da capitania492.
É importante ter em vista as diferenças e as particularidades de cada uma dessas
capitanias, como buscamos indicar. E é igualmente importante perceber as
características que essas capitanias compartilhavam, sobretudo pela relação de
subordinação exercida pela capitania da Bahia. Certamente neste momento a influência
do governo-geral sobre essas regiões visava principalmente suprir as demandas de
alimentos, animais e matérias-primas necessárias tanto em Salvador como para o
comércio atlântico. É preciso ressaltar como em alguns momentos essas ações de
governo acabavam por servir aos interesses da câmara soteropolitana nessas regiões, e
isso se verificam especialmente no caso da capitania de Ilhéus: desde a proibição da
venda de farinha para terceiros493, a proibição do cultivo de tabaco494 e até mesmo a
proibição da produção de aguardente495.

492
É curioso notar como por vezes os governadores-gerais tinham de intervir em conflitos estritamente
locais, como no caso onde índios Carijós teriam lançado “uma flecha com um escrito, para que despejasse
em casa de D. Maria de Miranda, mulher que havia sido de um Capitão-mor que foi dessa Capitania, e
que se temia poder se ocasionar deste excesso alguma perturbação nessa Vila”. DHBN, Vol.VIII, p.380-
381. O acaso em questão demandou outras intervenções do governador-geral que advertiu o capitão-mor
da capitania Sebastião de Moura informando que a responsabilidade pela manutenção da paz na capitania
era responsabilidade do capitão-mor e que fora informado “que poderiam deste excesso resultar outros
maiores insinuando que favorecia Vossa Mercê os cúmplices nele”. DHBN, Vol.VIII, p.382.
493
Na missiva enviada a câmara da vila de Camamú o Conde de Castelo Melhor indicava que sua ação
visava“dar remédio aos descaminhos que as lanchas fazem a todas as farinhas dessas vilas, e mandar a
esta praça as de que tanto necessita, envio a estar com assistência nessa do Camamú o Tenente de General
da Artilharia Pedro Gomes, que esta carta ha de dar a VMs, e mostrar-lhe o regimento, que para este
efeito leva. De sua disposição, e do zelo com que espero que VMs. o ajudem confio, que cesse o prejuízo
das embarcações, que desviam as farinhas, e que esta praça fique abundantemente provida”. 27/06/1651.
DHBN, Vol. III, p.115.
494
Em carta destinada as câmaras das vilas de baixo o Conde de Atouguia o asseverava sobre o motivo de
sua decisão: “Por ver o pouco zelo com que esses moradores acodem a obrigação das farinhas, que
devem, não só atrasadas, mas ainda as ordinárias da ração desta infantaria, ser causa da necessidade que
continuamente estão padecendo os Armazéns, e este povo, o muito Tabaco, que nessas vilas se planta
como a experiência tem mostrado, do grande número de barcos, que dele vieram carregados, e ora tenho
noticias que é maior a aplicação com que todos tratam nessas vilas de o plantar, esquecendo-se totalmente
das mandiocas, me resolvi a mandar a essa vila, e á de Boipeba o Sargento-maior Baltazar dos Reis
Barrenho, que esta carta há de dar a VMs. com o Regimento que lhes mostrará, e com o Bando que leva
para se extinguir o Tabaco, para que na execução de um, e outro se previna o remédio, antes que se
chegue a maior ruína da fome que se teme, de que é bom exemplo Pernambuco donde tudo perece por
falta de mantimentos, ocasionado do mesmo dano do Tabaco.” 15/02/1656. DHBN, Vol.III, p. 312-313.
495
“Vi as razões que Vossas Mercês ultimamente me dão nesta sua carta pedindo-me se proíbam as
oficinas de aguardente nas vilas do Cairú, Boipeba e Camamú e façam vir os alambiques a esta praça para
se registarem e venderem. E ainda que se me representando algumas dificuldades as venço, por
condecender com o zelo que Vossas Mercês mostram de se aumentar a renda que destas bebidas há de
resultar a esse tribunal”. 16/05/1661. DHBN, Vol.LXXXVI, p.147-148.
142
2.2.2 – Pernambuco e as capitanias do Norte:

A capitania de Pernambuco recebeu individualmente o segundo maior volume


de cartas do governo-geral (317) ao longo do período, o que representa 15,55% de toda
a correspondência do governo-geral. Deste total é importante destacar que a maioria se
destinava aos governadores da capitania que receberam 186 cartas 496, isto é, 58,67% do
total da capitania. Em segundo lugar estavam os provedores da fazenda real com 35
missivas. Contudo é preciso enfatizar que as correspondências se concentram,
sobretudo, no período posterior a capitulação dos holandeses, mais especificamente a
partir de 1657 quando Francisco Barreto foi promovido a governador-geral do Estado
do Brasil e a partir de então estabeleceu um contato mais frequente com a capitania.
Durante a guerra a correspondência com maior destaque é aquela trocada com as
497
autoridades neerlandesas em Pernambuco que totaliza 13 cartas . A correspondência
com as câmaras da capitania revela a predominância pelo contanto com o principal
conselho municipal, a câmara da vila de Olinda498. A comunicação com a capitania
reflete o contexto de tensões que marcaram a segunda metade do século XVII, na
síntese feita por Evaldo Cabral de Mello encontramos as linhas gerais desse quadro:
o sistema açucareiro devastado, com o Rio Grande, A Paraíba, a
capitania de Itamaracá e o norte de Pernambuco a serem repovoados;
os preços do açúcar em queda pronunciada, de que só parcialmente se
recuperaria no primeiro decênio de Setecentos; o círculo vicioso da
fiscalidade escorchante e de falta de recursos para a reconstrução do
sistema açucareiro destruído pela guerra; a violência e a criminalidade
endêmicas, fomentadas por um exército numero em tempo de paz,
pelo crescimento assustador dos quilombos, pelas querelas entre
antigos senhores de engenho, outrora despejados pelos holandeses de
suas propriedades, e os novos senhores que haviam adquirido; a
tensão decorrente ora dos conflitos entre o governador e a Câmara de

496
Este total abrange também a correspondência enviada para Francisco Barreto durante a guerra, quando
fora detentor da patente de Mestre de Campo General do Brasil, exercendo o governo nas áreas de
controle conquistadas pela insurreição.
497
Sendo que destas uma é destinada ao governador do Brasil Holandês, o Conde de Nassau, e o restante
ao Alto Conselho no Recife. Cf. RIAHGP, n.° 34 e 35. De acordo com Filomena Marques o “Alto e
Secreto Conselho” governava os territórios conquistados em conjunto com o governador Maurício de
Nassau, e após a saída do último em 1644, passava a governar com plenos poderes. Cf. MARQUES,
Filomena Cristina da Silva. “A administração do Conselho Político no Brasil holandês entre os anos de
1630 a 1644”. Anais do VI Encontro Internacional de História Colonial. Salvador: EDUNEB, 2017.
p.663.
498
Apenas as câmaras das vilas de Olinda e Penedo receberam cartas, sendo que Penedo recebeu apenas
uma. Arthur Curvelo encontra correspondências dos governadores de Pernambuco paras as câmaras das
vilas de Olinda, Igarassu, Serinhaém, Porto Calvo, Alagoas do Sul e Penedo. CURVELO, Arthur.
“Ordens, bandos e fintas para fazer „a cruel guerra‟: Os governadores de Pernambuco, a câmara das
alagoas e as „entradas‟ nos Palmares na segunda metade do século XVII”. Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambuco. n° 67. Recife, 2014. p. 200.
143
Olinda ou entre eles e o governador-geral da Bahia, ora das
rivalidades entre reinóis e mazombos, as quais não se restringiam á
açucarocracia e ao comércio recifense mas dividiam também a
burocracia régia e o clero499.

De modo agregado Pernambuco e as capitanias do Norte (Paraíba, Itamaracá,


Rio Grande e Ceará) receberam 443 cartas, o que representa 21,72% do total de
correspondências analisadas. Se considerarmos apenas as capitanias do Norte
(excluindo Pernambuco) teremos a quantidade de 126 cartas ou 6,17% referentes ao
total da comunicação do governo-geral. Como afirmamos anteriormente, a inserção
dessas capitanias na pauta da comunicação política só se inicia no período post bellum,
sendo que as primeiras cartas (com a exceção de Pernambuco) datam de 1659. A análise
das relações dos governadores-gerais com esses territórios revela uma trama de tensões
e disputas das mais diversas naturezas. As iniciativas da coroa no pós-guerra
modificaram o status das capitanias donatárias, que sofreram o processo de
incorporação ao patrimônio régio, no caso em questão nos referimos a Pernambuco e
Itamaracá500. Já no caso das relações com as capitanias da Paraíba e Rio Grande, ambas
do patrimônio régio, é possível observar de modo mais aproximado como o processo de
organização territorial das jurisdições possuía contornos complexos e operava em vários
níveis501, como sugeriu Francisco Cosentino502.

499
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: O imaginário da restauração pernambucana. 3ª. Ed. Revista.
São Paulo: Alameda, 2008. p. 151.
500
Na avaliação de Antônio Saldanha as ações da coroa lusa para incorporação das capitanias ao
patrimônio régio se deviam em grande medida aos problemas de “inoperância total dos donatários para,
numa acção comum, se substituírem ou, no mínimo, aliviarem a Coroa na defesa dos territórios
administrados”. Isso resultou em uma postura incisiva da Coroa, que a partir da reconquistas “das
Capitanias de Pernambuco e Itamaracá, não houve demora em reclamá-las para o régio patrimônio,
invocada a precisa razão do inadimplemento por parte dos donatários das condições originais das doações
quinhentistas.” SALDANHA, António Vasconcelos de. As capitanias do Brasil: Antecedentes,
desenvolvimento e extinção de um fenômeno atlântico. Lisboa: Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 394-395.
501
Como indicamos no Capítulo 2. A fim de minimizar os conflitos a coroa incorporou as delimitações
jurisdicionais nas cartas patentes dos governadores de Pernambuco. A partir do governo de Jerônimo de
Mendonça Furtado (1664-1666) estes documentos passaram a apresentar a especificação da hierarquia
subordinada de capitanias anexas e de oficiais da seguinte maneira: “a todos os oficiais maiores e
menores da guerra justiça e fazenda dita Capitania de Pernambuco e das mais a anexas exceto a da
Paraíba e Rio Grande por estarem sujeitas ao governo do Brasil mando também que em tudo cumpram
suas ordens e mandados como devem e são obrigado e lhe obedeçam como o seu governador” (Grifo
nosso) IAN/TT. Chancelarias Régias: D. Afonso VI. Livro 27, fl. 399-399v.
502
Francisco Cosentino indicou que a sobreposição e a hierarquia das jurisdições de governo no interior
do Estado do Brasil, características marcantes do pluralismo jurídico de Antigo Regime, moldaram a
organização político-administrativa das capitanias na América portuguesa, de modo que “as [capitanias]
anexas eram submetidas às [capitanias] principais no militar, correndo os provimentos de ofício, quando
da ausência da iniciativa régia, mesmo os de capitão-mor, por conta do governo-geral do Estado do
144
Neste ponto é preciso ressaltar que optamos por analisar as capitanias da Paraíba
e Rio Grande como integrantes da região das capitanias do Norte, apesar de sua
subordinação direta a jurisdição do governo-geral na Bahia. Além das razões mais
evidentes da proximidade destas capitanias com o centro regional de governo a partir de
Pernambuco, entendemos que estas capitanias comungavam uma série de características
econômicas, sociais além de um contexto histórico comum. Isso é evidenciado, por
exemplo, nos constantes embates entre os governos da Bahia e de Pernambuco, que
ocasionaram mudanças no quadro jurisdicional de subordinação dessas capitanias503.
Vale ressaltar que neste período encontramos ambos governos se comunicando com
estas capitanias, e por consequência disputando a legitimidade do exercício de poder
nesses territórios. A sobreposição jurisdicional existente nestas capitanias adicionava
contornos muito mais complexos ao quadro político das capitanias do Norte 504. Isto
pode ser exemplificado na carta de Francisco Brito Freire, governador de Pernambuco,
dirigida ao capitão-mor da Paraíba. Na missiva em questão o governador se manifestava
indicando que era detentor de prerrogativas para exercer poder sobre a capitania da
Paraíba e de outras, indicando ao capitão-mor que quando “for necessário lhe farei
presente a ordem que trago de Sua Majestade para estarem a deste governo, estas
capitanias, que não sendo assim como havia de deixar por este, os lugares que
ocupava”505. A afirmação de Brito Freire é feita em razão da apresentação de um
documento remetido pelo capitão-mor indicando as ordens de subordinação da capitania
à jurisdição do governo-geral. Com evidente contrariedade o governador de
Pernambuco indicava que respeitaria a determinação, mas não sem antes ressaltar o

Brasil”. COSENTINO, Francisco C. “Hierarquia política e poder no Estado do Brasil: o governo-geral e


as capitanias, 1654-1681”. Topoi. Rio de Janeiro, v. 16, n. 31. jul./dez. 2015. p.539.
503
Estamos nos referindo a processos com ritmos diferentes, a capitania do Rio Grande passaram ao
status de anexa apenas em 1701, sendo que desde 1690 já dispunha de um regimento para o seu capitão-
mor. Cf. FONSECA, Marcos Arthur Viana da Fonseca. “O regimento, as leis e o estilo: a jurisdição dos
capitães-mores do Rio Grande entre Bahia e Pernambuco (1690-1715)”. Anais do VI EIHC: Mundos
coloniais comparados: poder, fronteiras e identidades. Salvador: EDUNEB, 2016. No caso da capitania da
Paraíba o processo de subordinação a Pernambuco só foi efetivado em 1755. Cf. MENEZES, Mozart
Vergetti de. Colonialismo em ação: Fiscalismo, Economia e Sociedade na Capitania da Paraíba (1647 –
1755). Tese (Doutorado em História). São Paulo: USP, 2005.
504
Isto é percebido em vários níveis. Leonardo Paiva cita como exemplo o fato de que durante a segunda
metade do século XVII as capitanias do Rio Grande e Ceará constavam como anexas de Pernambuco na
jurisdição militar, ao mesmo tempo em que a jurisdição fazendária do Rio Grande era autônoma a partir
de sua Provedoria da Fazenda que englobava a capitania do Ceará; e no tocante à jurisdição da Justiça,
ambas as capitanias estavam ligadas à Ouvidoria da Paraíba. Cf. OLIVEIRA, Leonardo Paiva. “ „Pela
qualidade de sua pessoa e merecimento, não desmerece o governo de qualquer capitania-mor‟: o processo
de seleção de capitães-mores para o governo do Rio Grande e Ceará (1666-1759)”. Anais do VI EIHC:
Mundos coloniais comparados: poder, fronteiras e identidades. Salvador: EDUNEB, 2016. p.1013.
505
“Escreveu ao Capitão Mor da Paraíba sobre várias matérias em que deu a entender tinha ordem de Sua
Majestade para estar sujeita aquela capitania a essa.” 16/04/1661. AUC, CA, Cod. 31, f. 51v.
145
descontentamento ironizando a disputa: “esta cerimônia impertinente de querer cada um
estender mais do que é justo os limites do seu governo, achasse só em aqueles sujeitos
que não atendem tanto ao cuidado de satisfazer sua obrigação como as aparências vãs de
avantajar sua autoridade” 506.
Passando a uma análise mais detida sobre a participação individual das
capitanias, observamos que a capitania da Paraíba figura em destaque, uma vez que
recebeu 68 cartas entre 1659-1675507. Conforme indicamos anteriormente, o contexto da
capitania ao fim da guerra não era favorável e não diferia muito de suas vizinhas
regionais. Na avaliação de João Fernandes Vieira, capitão-mor que tomou posse do
governo em 1655, a capitania estava “completamente devastada pela guerra, pelo
incêndio e pela seca dos últimos anos”, e esta avaliação ainda persistia em 1657 quando
Antônio Dias Cardoso, seu sucessor, afirmou algo semelhante508. Seguindo a tendência
geral observada nas outras capitanias já citadas, os principais interlocutores eram os
capitães-mores da capitania (43 cartas), a câmara (13 cartas), e os provedores da
fazenda (8 cartas). Em linhas gerais os temas da comunicação orbitavam entre as
diversas ordens rotineiras de governo, a organização das forças militares na capitania e
o controle sobre o provimentos de ofícios; além disso outro tema recorrente nas
matérias de fazenda foram as instruções relativas a cobrança e o envio dos valores do
dote de casamento da Rainha da Inglaterra e paz da Holanda509.
O volume de correspondências da capitania de Itamaracá foi significativamente
inferior, com 29 cartas entre 1662 e 1674510. A explicação para essa participação vai
além do problema já muito referido da fragmentação da série de correspondências.
Além de considerar os problemas comuns às capitanias do norte neste período, como a

506
“Escreveu ao Capitão Mor da Paraíba sobre várias matérias em que deu a entender tinha ordem de Sua
Majestade para estar sujeita aquela capitania a essa.” 16/04/1661. AUC, CA, Cod. 31, f. 51v. - Nosso
levantamento sobre a comunicação política dos governadores de Pernambuco não foi exaustiva e tão
pouco quantitativa, uma vez que tal tarefa transcenderia os objetivos desse trabalho. Contudo, uma análise
preliminar indica que a comunicação e o envio de ordens a essas capitanias ocorria com certa freqüência
por parte de ambos governos, o que certamente contribuía para os diversos conflitos e disputas pelo
exercício de poder nestas capitanias.
507
Obviamente não temos cartas para a capitania durante o período de ocupação holandesa. No pós-
guerra encontramos cartas para a capitania apenas a partir de 1659 e com períodos de hiato nos anos de
1660, 1662-1663, e após 1675.
508
MOURA FILHA, Maria Berthilde de Barros Lima e. De Filipéia à Paraíba: uma cidade na estratégia
de colonização do Brasil (Séculos XVI-XVIII). Tese (Doutorado em História da Arte). Porto:
Universidade do Porto, 2004. p. 262.
509
De 13 cartas sobre matérias de fazenda, 8 tratavam de assuntos relativos ao “Dote e Paz”.
510
As primeiras cartas para a capitania são do ano de 1662. E evidentemente a série está muito
fragmentada com hiatos nos anos de 1663, 1665-1666, 1673, e pós 1674.
146
situação econômica e social nas primeiras décadas do pós-guerra511, é preciso atentar
para o processo de subordinação da capitania à Pernambuco 512. Neste ponto importa
recordar que Itamaracá, tal qual Pernambuco, passou pelo processo de incorporação ao
patrimônio régio513, além de ser objeto de disputa entre os governos da Bahia e de
Pernambuco514, como se observa nas correspondências. No tocante aos destinatários na
capitania, os principais interlocutores seguem a tendência observada até aqui: com
destaque para os capitães-mores (16 cartas), seguidos pela câmara de Natal (7 cartas) e
pelo provedor da Fazenda (2 cartas). Os assuntos tratados na correspondência eram em
grande medida referentes à gestão dos ofícios e despachos do cotidiano da governação;
nas questões de Fazenda as discussões sobre a cobrança do “Dote e Paz” também se
destacavam515; por fim, quanto aos assuntos referentes às questões de Justiça, a maioria
das cartas retratava as disputas jurisdicionais entre os governos da Bahia e
Pernambuco516.

511
Além disso, em termos de extensão, a capitania de Itamaracá era uma das menores dentre as que
formavam a região das capitanias do norte.
512
No caso da capitania de Itamaracá a sobreposição de jurisdições especificas também originava
conflitos entre os governos. Luciana Velez indica como no bojo de um conflito sobre a autonomia do
Capitão-mor de Itamaracá a coroa teve que intervir indicando que “Itamaracá continuava sujeita a
Pernambuco no relativo à defesa, permanecendo a justiça e a fazenda na dependência da Relação e do
Provedor-mor do Brasil”, uma vez que a capitania estava sendo assimilada ao patrimônio régio. VELEZ,
Luciana de Carvalho Barbalho. Donatários e administração colonial: A capitania de Itamaracá e a casa
de cascais. (1692-1763). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2016. p. 82.
513
O caso de Itamaracá traz uma questão interessante sobre a diferenciação entre os status de capitania
donatária e capitania régia. Conforme indicam Pedro Cardim e Susana Münch Miranda “Na sequência da
rendição holandesa (1654), a recomposição política que teve lugar começou por determinar a
incorporação dessa capitania ao patrimônio régio. Contudo, depois de uma longa batalha judicial acionada
pelos donatários (os marqueses de Cascais) nos tribunais da corte, os moradores foram confrontados com
a restituição do poder jurisdicional desses últimos, por decorrência da sentença que lhes fora favorável.
Em 1692, após mais de uma trintena de anos de domínio da Coroa, os vereadores obstaram que o
procurador do donatário tomasse posse da capitania, alegando em sua defesa que a libertação de
Itamaracá do jugo holandês se devera inteiramente ao esforço dos seus moradores. E, nessa perspectiva,
regressar à jurisdição do donatário equivalia a serem relegados a uma situação de „menoridade política‟.”
CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Münch. “A expansão da coroa portuguesa e o estatuto político dos
territórios”. In: FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.) O Brasil Colonial. Volume 2
(1580-1720). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2014. p.59-60.
514
As disputas ocorriam desde o governo de Francisco Barreto, e escalaram em nível de tensão durante o
governo do Conde de Óbidos. Após inúmeras disputas, que resultaram na destituição do governador de
Pernambuco Jerônimo Furtado de Mendonça. Por fim, o vice-rei concedeu a jurisdição de Itamaracá a
André Vidal de Negreiros, nomeado como governador interino de Pernambuco. Cf. “Carta ao Governador
sobre a jurisdição de Itamaracá.”18/04/1663. AUC, CA, Cod. 31, f. 90; “Escreveu ao Governador do
Estado em resposta sobre jurisdição” 19/05/1664. AUC, CA, Cod. 31, f. 120-120v; “Carta para o Capitão-
mor da Capitania de Itamaracá.” 26/02/1667. DHBN, Vol.IX,p. 270; “Carta para os Oficiais da Câmara
de Itamaracá.” 26/02/1667. DHBN, Vol.IX v.IX, 270-271.
515
Dentre as 6 cartas que versam sobre assuntos de Fazenda, 4 são relativas a cobrança e envio dos
valores do “Dote e Paz”.
516
Os assuntos de Justiça representam 7 cartas, das quais 5 são sobre as disputas de jurisdições entre a
Bahia e Pernambuco sobre o domínio da capitania.
147
Os dados coletados para a capitania do Rio Grande são referentes a 24 cartas no
período de 1659-1682517. Os capitães-mores também figuram como os principais
destinatários com 13 cartas, seguidos pela câmara de Natal com 9 missivas. Grande
parte da correspondência enviada para a capitania era referente a assuntos do cotidiano
da governação, tais como envio de noticias, controle sobre os provimentos de ofícios,
instruções de posse de governo. Outros temas tratados em destaque na comunicação
com a capitania são instruções de Milícia, com discussões sobre a organização da defesa
e do sustento do presídio, além do pedido de envio de tropas indígenas para auxiliar nas
guerras contra palmares518. Alguns estudos têm indicado que os capitães-mores do Rio
Grande tentaram ao longo da segunda metade do século XVII estreitar os vínculos de
subordinação política com os governadores de Pernambuco. A hipótese de Carmen
Alveal é de que a alegação dos capitães-mores sobre a necessidade de tomarem posse
através do governo de Pernambuco, não se resumia às inconveniências da longa
distância entre Natal e Salvador. A autora encontra evidências de que havia uma busca
por vínculos políticos estratégicos, pois “ao não quererem sujeitar-se ao governo-geral,
estariam ao mesmo tempo estabelecendo laços com Pernambuco, lealdade revertida em
uma submissão, que acabou por contribuir com uma ideia de superioridade por parte da
519
antiga capitania de Duarte Coelho, reforçando sua jurisdição sobre aquela área” . As
discussões que encontramos nas correspondências nos permitem perceber a perspectiva
do governo-geral nessa questão, uma vez que esses oficias empreendiam um esforço
consciente de buscar manter o poder conferido por seu regimento, em especial suas
prerrogativas de provimento de serventias520.

517
Esta série também apresenta grandes lacunas nos seguintes períodos: 1660-1663, 1666-1667, 1669,
1675-1677, 1679-1680.
518
“Carta para o Capitão-mor do Rio Grande Antônio Vás Gondim para mandar os índios para a conquista
dos Palmares.”18/09/1674. DHBN, Vol. X, p.116.
519
ALVEAL, Carmen. “Os desafios da governança e as relações de poder na capitania do Rio Grande na
segunda metade do século XVII”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. ANPUH. Natal, 2013.
p.5. Lívia Barbosa destaca alguns casos onde indivíduos providos no governo da capitania do Rio Grande
estavam alicerçados por interesses de famílias locais de grande influência, e que visavam reordenar os
vínculos de poder para a capitania de Pernambuco. BARBOSA, Lívia Brenda Silva. “Entre a distância e a
fidelidade: relações entre os capitães-mores do Rio Grande e os governadores de Pernambuco (segunda
metade do século XVII)”. Historien. Petrolina. Ano. 5. N° 10. Jan/Jul. 2014. p.122.
520
Como vemos na carta enviada por Roque da Costa Barreto ao capitão-mor do Rio Grande, Francisco
Pereira Guimarães: “Havendo me dado conta todos os Governadores e Capitães-mores das Capitanias do
Estado do que a cada um tocara na sua jurisdição, só Vossa Mercê o não há feito; e não é pouco para
estranhar este descuido, e muito mais os provimentos que sou informado esta fazendo das companhias da
ordenança, e ofícios que vagam, desde que entrou a servir esse posto sem dar conta a este Governo, nem
algum dos providos recorrer a pedir-me Patente ou Provisão”. 26/08/1678. DHBN, Vol.X, p.189.
148
A capitania do Ceará apresenta um dos menores volumes de cartas, com apenas
5 cartas entre 1662 e 1665. Nesse sentido os dados que dispomos não são suficientes
para sugerir mais do que impressões, sobretudo por se concentrarem em um curto
espaço de tempo. Deve-se ressaltar que nesse momento o nível de institucionalização da
capitania era muito baixo, uma vez que a criação da vila na capitania só ocorreu em
1699, quando a coroa determinou a criação da câmara521. Além disso, esta era capitania
mais distante de Salvador ao norte, fazendo fronteira com os territórios do Estado do
Maranhão. Portanto, é preciso ter a percepção de que esse segmento fragmentado retrata
o período no qual presença na capitania ainda era insipiente, e como observamos em
alguns casos as capitanias próximas como Rio Grande ou mesmo Pernambuco
desempenham um papel mais ativo na comunicação e na própria governação da
capitania. Os destinatários que encontramos foram o Capitão-mor da Fortaleza do Ceará
(3 cartas); o Padre Jacobo Cocleo, jesuíta francês (1 carta)522; uma carta enviada aos
militares da capitania. Os assuntos abordados nas cartas são referentes a concessão de
liberdade a alguns índios que foram presos523; sobre a pretensão governador do Estado
do Maranhão ter jurisdição sobre o Ceará524; e ordens para que os oficiais militares da
capitania acatassem e reconhecessem a autoridade do capitão-mor Diogo Coelho de
Albuquerque. Quanto a este último caso, Josetalmo Ferreira nos indica que esse conflito
foi originado pelo ajudante Gonçalo de Azevedo, enviado do governador de
Pernambuco, Francisco de Brito Freire. Para o autor a ingerência de Brito Freire visava
assegurar influência e controle na capitania, ações estas que em última medida lograram

521
De acordo com Raimundo Girão a decisão régia da coroa “foi deliberadamente „para se atalharem
parte das insolências dos capitães-mores governadores e se administrar melhor a justiça‟ que El-rei
expediu a Ordem de 13 de fevereiro de 1699, resolvendo que „se crie em vila o Ceará e tenha oficiais de
Câmaras e juiz ordinário, na forma que mandei praticar com muitas terras do sertão da Bahia‟.” GIRÃO,
Raimundo. Pequena História do Ceará. 4ª. Ed. revista e atualizada. Fortaleza: Edições Universidade
Federal do Ceará, 1984. p.104.
522
Este padre jesuíta foi responsável pela produção de um mapa importante entre o final do século XVII e
inicio do século XVIII, “Mapa da maior parte da costa e sertão do Brazil”. Cf. COSTA, Antônio
Giberto. “Do „Roteiro de todos os sinais da costa‟ até a „Carta geral‟: Os mapas de síntese para o território
da América portuguesa e do Brasil Império”. Revista Brasileira de Cartografia. N. 67/4. Jul/Agosto. Rio
de Janeiro. 2015. p.888-903. Este jesuíta também atuou na mobilização de tropas indígenas para a guerra
dos bárbaros. Cf. SANTOS, Ane Luíse Silva Mecenas. “‟Trato da perpétua tormenta‟: A Conversão nos
sertões de dentro e os escritos de Luige Vicenzo Mamiani della Rovere sobre os Kiriri (1666-1699).”
Tese (Doutorado em História). São Leopoldo, Unisinos, 2017. p.81.
523
DHBN,Vol.IX, p.140-141; 151-152; 152-153.
524
Vale lembrar que desde 1656 a capitania do Ceará foi transferida para a tutela do Estado do Brasil,
contudo na carta em questão, é indicado que a pretensão do governador do Estado do Maranhão se
assentaria na justificativa de ter a mesma jurisdição que os religiosos do maranhão possuíam no Ceará.
DHBN, Vol.IX, p. 228-229. Este exemplo reforça a nossa percepção de que tanto o pluralismo
jurisdicional quanto a sobreposição de poderes criava espaços de disputa entre as instâncias superiores da
governação na América portuguesa, como temos indicado em vários casos.
149
sucesso com a destituição do capitão-mor e a nomeação de um indicado do governo de
Pernambuco 525.
Com efeito, no período analisado fica evidente que os desafios da governação no
post bellum eram significativamente maiores nas áreas que foram mais afetadas pela
guerra. O processo de reordenamento territorial das jurisdições foi operado de modo
diverso em cada uma dessas capitanias. As disputas entre os governos da Bahia e de
Pernambuco pelo exercício do poder nessas regiões foram temas constantes na
correspondência do governo-geral. Além disso, é possível perceber que esses processos
estavam inseridos em densas tramas de interesses, as quais mobilizavam agentes da
coroa na América portuguesa e elites locais que buscavam se inserir em um quadro
político administrativo mais favorável aos seus anseios. Conforme o que foi apontado
por Carmen Alveal em um estudo recente, as ações de vários indivíduos ligados a
restauração de Pernambuco contribuíram para o fortalecimento dos “grupos oriundos de
lá que expandiram seus interesses de diversas formas que lhe foram possíveis, atuando
em postos de governança, postos militares, adquirindo terras ou mesmo contratos” 526
.
Para autora “anexar as capitanias era um projeto em construção, mas bem calculado no
sentido de se perceber os melhores momentos para que se pudesse efetuar” 527
. Essa
percepção também pode ser reforçada a luz dos dados das trajetórias dos oficiais de
governo dessas capitanias528. Por tudo isso, inferimos que as disputas aqui relacionadas

525
Cf. FERREIRA, Josetalmo Virgínio. Conflitos jurisdicionais no sertão do Ceará (1650-1750)
Dissertação (Mestrado em História) Recife: UFPE, 2013. p.60-63. Na carta em questão Francisco Barreto
indicava a gravidade dos problemas decorrentes da insubordinação dos soldados: “fui informado, que o
Ajudante, e soldados que estão de guarnição na fortaleza do Ceará desobedecem ao seu Capitão-mor
Diogo Coelho de Albuquerque, e querendo o Ajudante que as suas ordens prefiram as do Capitão-mor
para (haverem de ser estas as observadas, coisa tanto contra as regras da disciplina militar de cujo uso se
podem originar graves desserviços de Sua Magestade, e convém se evitem, e que o mesmo Capitão-mor
seja respeitado, e obedecido, dos oficiais e soldados que tem de baixo de sua jurisdição, sem contradição
alguma”. 17/04/1662. DHBN,Vol.V, p.348-350.
526
ALVEAL, Carmen “A anexação da capitania do Rio Grande em 1701: Estratégia da Coroa ou
interesse de grupo da Capitania de Pernambuco?”. In: CAETANO, Antonio Felipe Pereira. (Org)
Dinâmicas Sociais, Políticas e Judiciais na América Lusa: Hierarquias, poderes e governo (Século XVI-
XIX). Recife: Editora UFPE, 2016. p. 157. A autora destaca como figuras de protagonismo no projeto de
restauração de Pernambuco, tais como João Fernandes Vieira, Francisco Berenguer de Andrada e
Agostinho Cesar de Andrada interferiram nas dinâmicas políticas das capitanias do norte convertendo
estas áreas “em zonas de influência dessa açucarocracia que se permitia expandir de todas as formas
possíveis, fosse por postos de governos, terras ou mesmo arrematação de contratos”. Ibidem. p. 154.
527
Ibidem. p. 157.
528
Analisando as trajetórias de serviço dos capitães-mores do Rio Grande e do Ceará, Leonardo Paiva
sugere que uma parcela considerável desses oficiais possuíam listas de serviços prestados nas capitanias
geograficamente próximas das quais exerceram o governo, o que indicaria uma certa regionalização na
circulação desses indivíduos, isto é, em dado momento a seleção da Coroa deu preferência à indivíduos
habituados com a região. Como indica o autor esse tipo de critério se alterou ao longo do século XVIII.
OLIVEIRA, Leonardo Paiva de. “Capitães-mores em circulação: trajetórias dos governantes do Rio
150
revelam mais do que a sintomática conjuntura de tensões das capitanias do Norte, estes
casos nos ajudam a perceber e a dimensionar a centralidade de determinadas práticas da
governação, como o provimento de ofícios e a hierarquia de subordinação dos oficiais e
dos territórios.

2.2.3 – Rio de Janeiro e as capitanias do Sul:

As emissões para a capitania do Rio de Janeiro colocaram a capitania na terceira


posição entre os destinatários do governo-geral. Novamente os governadores da
capitania eram os interlocutores privilegiados529 (168 cartas ou 58,53%), seguidos pelos
530
provedores da Fazenda (30 cartas ou 10,45%) . Quanto à participação da câmara da
capitania do Rio de Janeiro encontramos 24 cartas531, e a mesma quantidade para os
ouvidores-gerais da repartição sul532. O fluxo de comunicação política com a capitania
fluminense nos permite vislumbrar a percepção do governo-geral sobre o seu papel
estratégico desta na gestão das capitanias do sul: mais de um terço das cartas enviadas
ao Rio de Janeiro, sobre assuntos referentes à governação desses territórios, tratava do

Grande e do Ceará (1666-1750)”. Anais do XXIX Simpósio Nacional de História da ANPUH. Brasilia,
UNB, 2017. p.8.
529
Consideramos neste total as cartas enviadas ao Governador da Repartição Sul (16 cartas entre 1659 e
1662). Há também uma carta destinada ao “governador eleito pelo povo do Rio de Janeiro”, Agostinho
Barbalho Bezerra (datada de 1661), durante a série de eventos que ficou conhecida como Revolta da
Cachaça. Cf. CAETANO, Antônio Felipe. Entre a sombra e o sol. A revolta da cachaça, a freguesia de
São Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense. (Rio de Janeiro, 1640-1667). Dissertação
(Mestrado em História). Niterói: UFF, 2003. p. 174; Cf. CASTRO, João Henrique Ferreira de. “Castigar
sempre foi razão de Estado”? Os debates a e política de punição às revoltas ocorridas no Brasil (1660-
1732). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2016.
530
Cabe ressaltar que o Arquivo Nacional no Rio de Janeiro possuí em seu acervo alguns códices com
registros originais da provedoria da Fazenda da capitania, e que portanto, contém uma parte da
comunicação entre esses oficiais e o governo-geral que não foi contemplada no presente trabalho. Para o
período que analisamos encontramos em um levantamento preliminar os seguintes códices: Cf. ANRJ,
Cód. 61, Vol. 1 (1644-1651); Vol. 2 (1648-1657); Vol. 3 (1657-1662), Vol. 4, (1659-1670), Vol. 5 (1664-
1675), Vol. 6 (1681-1689), Vol. 7 (1675-1685).
531
Como indicou João Fragoso apenas uma ínfima parte documentação da câmara municipal do Rio de
Janeiro sobreviveu ao tempo. Cf. FRAGOSO, João. “Apontamentos para uma metodologia em História
Social a partir de assentos paroquiais (Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII)”. In: FRAGOSO, João;
GUEDES, Roberto; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Arquivos paroquiais e história social na
América Lusa, século XVII e XVIII: métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus
documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. p. 21. Durante esta pesquisa não tivemos acesso a essa
documentação, que provavelmente não foi publicada e impressa como as fontes que utilizamos para
Salvador e São Paulo.
532
De acordo com Isabele Mello os ouvidores-gerais da repartição sul tinham que residir
obrigatoriamente na cidade do Rio de Janeiro, e experimentaram na segunda metade do século XVII uma
ampliação de poderes e jurisdições que permitiam inclusive o julgamento na própria capitania do Rio de
Janeiro. MELLO, Isabele Pereira de. Poder, administração e justiça: os ouvidores gerais no Rio de
Janeiro (1624-1696). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura/ Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, 2010. p. 89.
151
envio e da circulação de noticias e informações533. Nas questões de Fazenda os
principais temas tratados eram a fiscalidade e as cobranças do “Dote e Paz” 534
. Os
temas relacionados a gestão da Justiça também figuravam na pauta da comunicação
política da capitania com uma participação expressiva, concentrado ordens para os
oficiais da justiça acerca de resolução de conflitos, ordens de prisão e delimitação de
jurisdições535. Nesse sentido é possível encaminhar algumas considerações sobre a
percepção do aumento de importância da capitania fluminense, tanto na pauta da
governação da América lusa, quanto em seus vínculos transatlânticos. Conforme indica
Antônio Carlos Jucá de Sampaio, durante o período de ocupação holandesa no nordeste
a capitania fluminense alcançou o patamar de terceira maior região açucareira, atrás de
Pernambuco e Bahia. O patamar de destaque galgado pela capitania pode ser atribuído
ao seu sistema agrário próspero, uma vez que a produção de alimentos em fartura
permitia a colaboração com o excedente para o abastecimento das capitanias do Norte
536
, sobretudo fornecendo para a Bahia que sofria com a constante escassez de alimentos
537
.
Se consideramos de modo agregado a participação do Rio de Janeiro e das
capitanias do Sul (São Vicente, Espírito Santo, Cabo Frio, Itanhaém) obteremos um
total de 623 cartas, o que corresponde a 30,55% da comunicação do governo-geral no
período analisado. Inicialmente esse dado já aponta para uma projeção ascendente das

533
Os assuntos referentes à governação representam 155 cartas, das quais 65 são especificamente sobre o
envio e a circulação de noticiais entre o Rio de Janeiro e as capitanias do Sul.
534
Dentre as 49 cartas que tratam dos assuntos de Fazenda, 12 abordam especificamente questões
relacionadas a arrematação dos dízimos, cobrança de direitos do açúcar e subsídio dos vinhos, ao passo
que a correspondência sobre a cobrança e envio dos valores do “Dote e Paz” esta concentrada em 11
cartas no período de 1662-1666, que são os anos de maior discussão sobre o tema. Se consideramos os
dados gerais da comunicação do Estado do Brasil, veremos que o tema representou 73 cartas que entre
1662-1680, sendo que a maior concentração se da justamente no período de 1662-1666 que somam 53
destas cartas.
535
De 41 cartas sobre temas ligados a administração da Justiça, 23 são referentes ao envio de instruções
específicas para os oficias da Justiça na capitania fluminense, como ordens sobre a resolução de conflitos
e instruções sobre como proceder em determinados casos. A definição das jurisdições também representa
uma parcela importante dessa pauta de comunicação, totalizando 13 cartas que abordam questões como: a
delimitação da jurisdição de oficias, a definição do espaço de jurisdicional das capitanias do sul e
conflitos de jurisdição.
536
Essa questão também foi sinalizada por Luís Felipe de Alencastro: Cf. “Apêndice 2 – O abastecimento
das capitanias do Norte pelas capitanias do Sul durante a guerra holandesa.” In: ALENCASTRO, Luís
Felipe de. Op. cit. p. 361-363.
537
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c.1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 65. Evaldo
Cabral de Mello também indica como a emigração de alguns senhores de engenho oriundos de
Pernambuco favoreceu o desenvolvimento produtivo da capitania, uma vez que estes foram atraídos por
vantagens existentes no Rio de Janeiro, tais como o preço das terras e as facilidades de escoamento da
produção, além da região ter sido poupada “dos prejuízos que a guerra naval trouxera ao açúcar
brasileiro”. MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. 2007. p. 332.
152
capitanias do Sul no cenário do Estado do Brasil. Mesmo se excluirmos o Rio de
Janeiro da contagem, veremos ainda que as 336 missivas representam 16,48% do total
analisado. A percepção desse protagonismo regional se torna mais evidente quando
comparamos o seu fluxo de comunicação com as outras regiões abordadas. Neste ponto
veremos que as capitanias do Sul apresentam uma participação aproximada das
capitanias anexas da Bahia (384 cartas), ao passo que a região representa quase o triplo
da comunicação com as capitanias do Norte, que excluindo Pernambuco contabiliza
apenas 126 cartas.
A capitania de São Vicente também se projeta em destaque regional. As 192
cartas destinadas a capitania são referentes 9,42% do total de correspondências do
governo-geral. Os interlocutores na capitania seguem a mesma tendência observada,
com destaque aos capitães-mores (67 cartas), seguidos pelas câmaras da capitania538 (60
cartas), provedores da Fazenda Real (22 cartas) e ouvidores da capitania (8 cartas).
Dentre a variedade de temas tratados nas cartas ganham destaques aquelas instruções
voltadas para a resolução dos conflitos internos na capitania, destacadamente a querela
entre os bandos dos Pires e dos Camargo, e a arregimentação de tropas e bandeiras
paulistas para ações contra os tapuias na Bahia539. Outros temas também figuram na
pauta de comunicação com destaque. Nas matérias de Fazenda, a negociação dos
valores e do envio do “Dote e Paz” e os pedidos de mantimentos aparecem em
destaque540. Nos assuntos relativos a Justiça, as ordens de prisão e a definição das

538
Neste ponto é interessante destacar a comunicação se deu com várias câmaras: Vila de São Paulo (35),
Vila de São Vicente (11); Vila de Santos (7); Vilas de São Vicente, Santos e São Paulo (2); Vila de São
Sebastião (2); Guaratinguetá (1); Vila de Nossa Senhora da Conceição de Paraíba (1); Vila de Santa Ana
das Cruzes (1). Essas 7 vilas fazem parte dos 18 núcleos populacionais existentes na capitania durante o
século XVII. Cf. BUENO, Beatriz Piccoloto Siqueira. “Dilatação dos confins: caminhos, vilas e cidades
na formação da Capitania de São Paulo (1532-1822)”. Anais do Museu Paulista. Vol. 17, n° 2. São Paulo.
Jul/Dez, 2009. p. 254-255.
539
Luiz Pedro Dario Filho sugere que os conflitos entre as famílias Pires e Camargos, originados tanto
por disputas pelo controle do governo local quanto pela escassez de mão de obra escrava indígena,
resultaram na intervenção dos poderes centrais do Estado do Brasil, o que abriu um caminho para
inserção das elites da capitania participarem nas dinâmicas de guerra no nordeste e na busca de terras
minerais nas capitanias do Sul. A coesão e conciliação que construiu a paz entre as famílias foi um
processo mediado entre as elites paulistas e o governo-geral durante a década de 1650. Luiz Pedro destaca
que as articulações entre Joseph Ortiz Camargo e o Conde de Atouguia foram centrais para a pacificação
e projeção das elites paulistas no cenário do Estado do Brasil. Cf. DARIO FILHO, Luiz Pedro. Lealdade
em construção: a (re)inserção de São Paulo nas malhas administrativas do império português (1641-
1698). Dissertação (Mestrado em História). Niterói, UFF, 2016. Cap. 2.
540
Das 55 cartas que tratam de temas relativos a Fazenda, 15 são referentes a discussões sobre o “Dote e
Paz”, ao passo que os pedidos de mantimentos representam 11 cartas.
153
jurisdições foram os principais assuntos541. É preciso chamar a atenção para a atuação
das elites desta capitania, que se articularam aos diversos contextos que surgiram na
segunda metade do século XVII, participando tanto de incursões de guerra contra os
indígenas e quilombos no nordeste542, quanto na busca por riquezas minerais nas
capitanias do Sul543, e ainda atuando no abastecimento da Bahia em momentos de crise.
A capitania do Espírito Santo também teve uma participação expressiva na
correspondência do governo-geral, com 132 cartas (6,47% do total analisado). Mais da
metade das cartas destinadas a capitania eram remetidas ao capitão-mor (72 cartas)544,
seguido pela câmara (31 cartas) e pelo provedor da fazenda (10 cartas). Em função do
predomínio dos referidos destinatários os temas abordados na comunicação com a
capitania orbitavam entre os despachos rotineiros da governação cotidiana e instruções
específicas aos capitães-mores. Em um segundo patamar estavam as correspondências
trocadas sobre os assuntos de Fazenda545, onde se observam discussões sobre a cobrança
e envio do Dote e Paz; ordens e determinações referentes a soldos e ordenados, assim
como instruções específicas ao Provedor da Fazenda Real sobre a gestão dos negócios.
A comunicação com a capitania também permite a apreensão das particularidades que
permeavam as relações de governo com uma capitania donataria. Como veremos as
tensões decorrentes das disputas pelo exercício de poder envolviam vários pólos como a
câmara municipal, o governo-geral, os donatários e os membros do Conselho
Ultramarino. Isso é exemplificado no caso do provimento da vacância do ofício de

541
Os assuntos de Justiça totalizam 18 cartas, das quais 6 são ordens de prisão expedidas pelo
governador-geral e outras 6 são referentes a diversos conflitos de jurisdições que envolveram desde
oficiais e moradores das vilas, até os representantes do donatário da capitania
542
Na avaliação apresentada por John Monteiro em seu principal trabalho “a principal função das
expedições residia na reprodução física da força de trabalho e não, conforme se coloca na historiografia
convencional, no abastecimento dos engenhos do litoral, embora alguns cativos tenham realmente sido
entregues aos senhores de engenho” de modo que “os paulistas não exerceram o papel de intermediários
no comércio de cativos, sendo antes tanto fornecedores como consumidores da mão-de-obra que este
sistema integrado produzia.” MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas
origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 98.
543
Carla Almeida e Mônica Oliveira sintetizaram esse processo em um texto recente, indicando o modo
como os paulistas se posicionaram durante o período das descobertas minerais. Cf. ALMEIDA, Carla M.
C. de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. “Conquista do cento-sul: fundação da Colônia de Sacramento e
„achamento‟ das Minas”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs) O Brasil colonial.
Vol. II (1580-1720. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 267-334.
544
Incluimos nessa contagem uma carta ao sargento-mor Feliciano Salgado que governou interinamente
a capitania 12/09/1650. DHBN, Vol.III, p.81.
545
Dentre as 32 cartas que tratam de assuntos de Fazenda, 10 são referentes ao “Dote e Paz”, 7 sobre
soldos e ordenados e 6 são instruções especificas as provedoria da fazenda.
154
Capitão-mor da capitania no ano de 1648546. De acordo com Estilaque dos Santos o
conflito foi estabelecido quando o donatário e o governador-geral nomearam indivíduos
diferentes para o posto de Capitão-mor, uma vez que a câmara de Vitória contestou o
individuo provido pelo governo-geral547. Esse conflito trouxe à tona as discussões sobre
a aquisição da Capitania por parte da Coroa548, além de evidenciar as tentativas da
câmara de manter o grau de autonomia conquistado durante a União Ibérica, que lhe
conferia a grande margem para interferir nas escolhas dos capitães-mores da
capitania549.
A comunicação política com a capitania de Itanhaém pode ser definida como
episódica550, o que pode ser atribuído a fatores como o seu tamanho reduzido e sua
contiguidade com a capitania de São Vicente551. Das 7 cartas encontradas para a
capitania, 5 foram destinadas a câmara da Vila de Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaém, 1 para o capitão-mor e 1 para um capitão de infantaria. A comunicação com a
capitania não indica uma grande interferência do governo-geral, o que pode estar
associado tanto ao seu status donatarial quanto ao papel exercido pelas autoridades de

546
A câmara de Vitória não aceitou bem a nomeação que o Conde de Vila Pouca de Aguiar fez na pessoa
de João Ferrão de Castello Branco, oficial externo a lógica de interesses das elites locais e dos donatários.
O governo comunicou sua decisão para a câmara em 18/03/1648. DHBN, Vol. III, p.24-25.
547
SANTOS, Estilaque Ferreira dos. História da Câmara Municipal de Vitória: os atos e as atas. Volume
I (A trajetória de uma das primeiras câmaras do Brasil). Vitória, Câmara Municipal de Vitória, 2014.
p.91.
548
Estilaque dos Santos faz referência a contestação promovida pela câmara e pelos donatários à
nomeação feita pelo governo geral. Além disso, indica como o parecer formulado pelos membros de
Conselho Ultramarino, sugerindo a aquisição da capitania, visava evitar as ingerências dos donatários e
garantir maior controle sobre a administração da capitania. Ibidem. p. 92. De acordo com Antonio
Vasconcelos de Saldanha uma das alternativas de “incorporação das capitanias no patrimônio real foi o do
simples negócio jurídico, formalizado entre a Coroa e os donatários, segundo modalidades que variaram
conforme os tempos e as vontades.” SALDANHA, Antonio Vasconcelos de. Op. cit. p. 136. Embora a
discussão tenha sido promovida a reversão da capitania para o patrimônio régio só ocorreu no início do
século XVIII.
549
Estilaque dos Santos indica como a forte oposição promovida pela câmara fez com que o governo
geral reconhecesse o grau de influência da câmara na escolha dos capitães-mores durante a união ibérica.
Cf. SANTOS, Estilaque Ferreira dos. Op. cit. p. 83.
550
Encontramos cartas para os seguintes anos: 1655 (1); 1657(2); 1665 (1); 1669 (1); 1673 (1); 1678 (1).
551
Conforme Maria Beatriz Nizza, no inicio do século XVII a disputa entre os donatários de São Vicente
e Itanhaém levou a definição da jurisdição das capitanias, de modo que “ficaram pertencendo ao conde de
Monsanto as vilas de São Vicente, São Paulo e Santa Ana de Mogi. Perante essa situação, a condessa de
Vimieiro resolveu que a vila de Nossa Senhora de Itanhaém ficasse como a cabeça das suas terras.
Segundo fr. Gaspar da Madre de Deus, depois disso chamaram Capitania de São Vicente a tudo o que
pertencia ao conde de Monsanto e Capitania de Itanhaém às terras pertencentes à Casa de Vimieiro, e
depois à do conde da Ilha do Príncipe por dote de casamento. D. Mariana de Faro e Sousa, irmã do conde
de Vimieiro”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “São Vicente, capitania donatarial (1532-1709)”. In:
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (Org) História de São Paulo Colonial. São Paulo: Editora UNESP, 2009
p.17.
155
São Vicente552. De modo que os assuntos que encontrados em sua maioria são
referentes a questões cotidianas, como instruções para posse de governo. Contudo, é
preciso observar que assuntos como a cobrança do Dote e Paz553 e a disputa de
jurisdições com a Capitania de São Vicente554 também aparecem nessa amostragem.
Novamente, a limitação dos dados não nos possibilita um maior aprofundamento da
análise, uma vez que Itanhaém faz parte do grupo de capitanias que recebeu menos de
10 cartas do governo-geral ao longo de todo período, tal como Cabo Frio e Ceará.
Por fim, trataremos da comunicação com a capitania de Cabo Frio. Como
afirmamos anteriormente, o total de cartas recebidas é um dos menores encontrados
neste período (5 cartas), portanto classificamos a relação do governo-geral com a
capitania como sendo episódica555. Toda a correspondência analisada foi destinada para
o capitão-mor da capitania, de modo que os temas abordados na correspondência eram
relativos a suspensão do capitão-mor556, resolução de conflitos e principalmente a
definição das jurisdições entre a capitania do Rio de Janeiro e a forma da subordinação
ao governo-geral557. Este último tema se mostrou mais frequente na amostragem, e por
consequência, nos permite compreender como ocorreram algumas das transformações
no processo de delimitação territorial das jurisdições. Se observarmos por um momento
outras fontes sobre a jurisdição da capitania, como as cartas patentes de seus capitães-
mores, perceberemos mais claramente as sucessivas mudanças jurisdicionais ocorridas
durante a segunda metade do século XVII. Para exemplificar, sabemos que em 1657 o
capitão-mor de Cabo Frio estava diretamente subordinado ao Governador do Rio de
Janeiro e a definição de sua hierarquia jurisdicional não era muito específica,
abrangendo os “Oficiais da Câmara Capitães e mais pessoas dos distritos do Cabo Frio”

552
Do ponto de vista do governo-geral a aparente indefinição dos espaços de jurisdição entre estas
capitanias poderia ser entendida como uma estratégia de buscar de maior autonomia por parte da câmara
da Itanhaém. A resposta do Conde de Óbidos a uma solicitação dos camarários nos sugere essa
percepção: “menos é admissível o que Vossas Mercês propõem, acerca de servir o Juiz mais velho de
Ouvidor, porque se seguiria a esse exemplo que em cada Vila haveria um. Na Capitania de São Vicente o
há provido por mim, e se essa Vila é daquela jurisdição é escusado o requerimento: se de outra Capitania
e essa está sem Ouvidor, com aviso do Capitão-mor dela o mandarei”. 08/04/1665. DHBN, Vol.VI, p. 47.
553
“Carta para os Oficiais da Câmara da Vila de Nossa Senhora da Conceição”. 08/04/1665. DHBN,
Vol.VI, p. 47.
554
“Para a Câmara da Vila e Capitania de Conceição”. 13/11/1669. DHBN, Vol.VI, p.125-126.
555
Encontramos cartas para os seguintes anos: 1659 (1), 1669 (2), 1670 (1), 1673 (1).
556
11/04/1659. DHBN, Vol. V, p. 105.
557
Como é possível presumir, parte das discussões sobre essas jurisdições são destinadas ao governador
do Rio de Janeiro. Em uma carta enviada ao governador Pedro de Mello, o vice-rei conde de Óbidos
indica que a prerrogativa de provimento dos capitães-mores de Cabo Frio pertencia ao governo-geral e
indicava que a delimitação territorial da capitania “começa no Rio da Paraíba, donde acaba a do Espírito
Santo, e acaba donde principia essa do Rio de Janeiro.” 07/04/1664.DHBN,Vol.VI, p.27-30.
156
558
. Ao passo que em 1663 a carta patente passava a indicar que o capitão-mor tomaria
posse na “Câmara da Cidade da Ascenção cabeça da dita Capitania” e a extensão de sua
jurisdição estava expressa de modo mais detalhado, indicando a subordinação dos
“Oficiais da Câmara Capitão, e Câmara da Paraíba do Sul, Capitães e mais Oficiais de
Guerra Fazenda e Justiça da dita Capitania e moradores dos Campos dos Goitacazes, e
559
mais distritos que nela se compreendem” . Essas mudanças denotavam um relativo
aumento de autonomia jurisdicional da capitania, o que estava associado a fatores como:
o desenvolvimento do processo de reordenamento territorial das jurisdições no Estado
do Brasil; o aumento da importância econômica das capitanias do Sul neste período; e
os interesses das elites fluminenses na região560.
As capitanias do Sul conquistaram na segunda metade do século XVII um
importante espaço no quadro da governação do Estado do Brasil, o que se intensificou
progressivamente a partir das descobertas minerais no último quartel do século. É
importante insistir como a conjuntura da guerra contra os holandeses abriu espaço para
o crescimento dessa região: seja na atuação direta de abastecimento da Bahia, ou nas
expedições militares contra tribos indígenas e quilombos, e ainda nas situações de
guerra na costa nordeste e na reconquista de Angola. Devemos recordar também que foi
a partir da mobilização de moradores dessas capitanias que se deu a expansão das
fronteiras do Sul do Estado do Brasil, como nos casos da fundação da vila de Paranaguá
(1649) e da Colônia de Sacramento (1680). Nesse sentido, o processo reordenamento

558
26/08/1657. DHBN, Vol. XIX, p.263-265
559
20/10/1663. DHBN vol. XXI, p. 201-202 – Neste ponto vale notar que os distritos de Paraíba do Sul
também experimentaram um progressivo aumento de poder. Em 1658 estavam subordinados ao governo
do Rio de Janeiro (18/10/1658. DHBN,vol. XIX, 419-421), e em 1663 figuravam como territórios da
jurisdição de Cabo Frio (07/11/1663. DHBN, Vol. XXI, 222-224) e finalmente em 1674 serão
convertidos em capitania e doados a João Correia de Sá e ao 2º.Visconde de Asseca, Salvador Correia de
Sá e Benevides Velasco, neto de Salvador Correia de Sá e Benavides, restaurador de Angola. 23/11/1674
DHBN, Vol. LXXIX,p. 209-231; Cf. BOXER, Charles R. Op. cit. 1973, p.390-391; DUTRA, Francis A.
“Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola de Charles Boxer: cinquenta anos depois”. In:
SCHWARTZ, Stuart; MYRUP, Erik Lars (Orgs). O Brasil no Império Marítimo Português. Bauru:
EDUSC, 2009. p.36-38. Como indicamos no Capítulo 4, em 1668 o governo-geral reinvindicava a
jurisdição sobre os provimentos da capitania de Cabo Frio, por ser uma jurisdição independente do Rio de
Janeiro.
560
Em um trabalho recente Luiz Guilherme Scaldafferi Moreira indicou como os interesses econômicos e
estratégicos da nobreza da terra do Rio de Janeiro estão associados ao desenvolvimento da capitania
durante o século XVII. Para o autor a relevância regional da capitania era presente “mesmo antes da
fundação da cidade, [pois] forneceu capitais (materiais e simbólicos) para a formação da primeira elite
fluminense na virada do século XVI para o XVII. Aquelas lutas [contra os índios] acabaram,
gradualmente, por consolidar a Conquista e instalar momentos fundacionais como, por exemplo, o que
ocorrera com a instalação da urbe de Cabo Frio (1615).” MOREIRA, Luiz Guilherme S. “Cabo Frio e a
montagem da primeira elite fluminense (Séculos XVI e XVII).” In: RIBEIRO, Flávia Maria Franchini;
MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. (Orgs.) Cabo frio: 400 anos de história, 1615-2015. Brasília:
IBRAM, 2017. p. 47.
157
territorial das jurisdições nessas capitanias não foi isento de tensões, mas foi
significativamente menos conflituoso se comparado com o processo ocorrido nas
capitanias do Norte. O quadro geral das relações entre os governadores-gerais e os
governadores do Rio de Janeiro aponta para uma maior freqüência de situações de
cooperação e conciliação de interesses do que situações de conflitos e disputas, o que é
inverso ao verificado nas relações do governo-geral com os governadores de
Pernambuco, como indicamos anteriormente.

2.3 – Ofícios e ocupações dos destinatários

Na Tabela 11 listamos quais eram as ocupações e ofícios dos destinatários das


correspondências do governo-geral. Com efeito, os principais destinatários eram os
oficiais de governo, isto é, governadores de capitania (354 cartas 561), capitães-mores
(334 cartas562) e câmaras municipais (600), que juntos representam 1308 cartas, isto é,
64,15%563 do total de receptores das correspondências. A predominância destes
interlocutores não deve nos surpreender, afinal os governadores-gerais eram
responsáveis pela gestão de vários níveis da hierarquia política do Estado do Brasil,
com competências definidas no regimento que não só permitiam sua atuação em
564
algumas questões de nível local , como também exigiam a constante comunicação
com essas autoridades. Este ponto evidencia traços fundamentais da monarquia
pluricontinental portuguesa: a comunicação permanente e a negociação com as elites da
periferia imperial, conforme o que foi proposto por Nuno Monteiro e Mafalda Soares da
Cunha565. Certamente essa hierarquia dos níveis de governo refletia também a geografia

561
Sendo que 186 são para o governador de Pernambuco e 168 para o governador do Rio de Janeiro.
562
De modo que 15 destes eram Capitães-mores de vilas e 319 eram Capitães-mores de capitanias.
563
Das 20 cartas restantes são destinadas ao Supremo Conselho (12); Conde de Nassau (1); Câmara e
Capitão-mor da Capitania de Porto Seguro (1); Capitão-mor e Ouvidor da Capitania de São Vicente (2);
Capitão-mor e Ouvidor da Capitania do Rio Grande (1); Governador de Angola (1); Governador Geral do
Estado do Maranhão (1); Capitão-mor da Capitania do Grão-Pará (1). Cabe destacar que os capitães-
mores poderiam tanto exercer o governo local em vilas ou capitanias, além de possuírem funções
militares no comando de tropas de ordenanças e fortalezas. De acordo com Francisco Cosentino os
capitães-mores faziam parte da complexa cadeia hierárquica de governo, subordinados ao governador-
geral, mas ainda assim com “um cargo hierarquicamente cimeiro na sua capitania e detinham poderes de
governo que os sujeitavam ao pleito & menagem, por isso, na sua grande maioria, eram providos pelo
monarca. Entretanto, na sua ausência, podiam os governadores gerais emitir carta patente para esse ofício
até que a nomeação régia acontecesse” COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2015, p. 5.
564
Exploramos essa questão no Capítulo 2, e em um artigo recentemente publicado: Cf. ARAÚJO, Hugo
André F. F. “O aprimoramento da governabilidade no Estado do Brasil durante a segunda metade do
século XVII: regimentos, jurisdições e poderes”. Crítica histórica. Ano VII, n° 16, Dez. 2017. p. 8-40.
565
Vale a pena enfatizar que a comunicação do governo-geral com os interlocutores no Estado do Brasil
podem ser entendidos nos moldes do que Cunha e Monteiro sugeriram como “integração das periferias” e
158
política do império luso e do próprio Estado do Brasil, o resultado de um processo que
foi gestado ainda durante a união ibérica através da “criação de governos com tutelas
territoriais mais amplas e com definição de cadeias de subordinação interna” 566.

Tabela 11 - Tipos de cargos dos destinatários e quantidade de cartas enviadas (1642-1682)

Tipos de cargos dos destinatários Quantidade de cartas %


Governo 1308 64,15%
Oficiais Militares 340 16,67%
Oficiais de Fazenda 161 7,90%
Oficiais de Justiça 94 4,61%
Autoridades Eclesiásticas 49 2,40%
Oficiais navais e mestres de navio 8 0,39%
Moradores 7 0,34%
Engenheiros 5 0,25%
Não informado 67 3,29%
Total 2039 100%
Fonte: Banco de dados de correspondências.

Não obstante, vale recordar que as cartas patentes dos governadores-gerais


indicavam quais eram os oficiais que estariam hierarquicamente subordinados ao
detentor da patente. A fórmula apresentada e repetida nas cartas patentes variava pouco,
de modo geral o texto é apresentado da seguinte maneira: “Notifico assim a todos os
capitães e governadores das capitanias do dito estado e aos mestres de campo,
sargentos-mores, capitães de infantaria, soldados, e gente de guerra, oficiais da justiça
e minha fazenda que nele estão servindo e ao diante assistirem, lhes mando que hajam”,
neste ponto se nomeava o receptor da patente com seus títulos nobiliárquicos e mercês,
“por meu governador e capitão geral do dito estado na forma que dito é e lhes
obedeçam, cumpram e sempre guardem inteiramente seus mandados e ordens como são
obrigados” 567. Neste ponto é importante ressaltar que a correlação entre a hierarquia de
ofícios expressa nas cartas patentes e os principais destinatários da correspondência do

“equiligio dos poderedos no império”, pois entendemos que as relações com esses oficiais de governo
(capitães-mores e câmaras) eram definidas pelo fato de “mutuamente se tutelarem e mantem vínculos de
comunicação com o centro”, residindo neste ponto o equilíbrio assimétrico dessas relações. CUNHA,
Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Governadores e capitães mores do império atlântico
português nos séculos XVII e XVIII”. In: CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo;
CARDIM, Pedro. (Orgs) Optima Pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005.
P.194.
566
Ibidem. p. 202.
567
Grifos nossos. Essa fórmula está presente em todas as cartas patentes dos governadores-gerais.
159
governo não é uma simples coincidência. É preciso atentar que as cartas patentes dos
governadores-gerais não mencionam entre os ofícios subordinados aqueles que
pertenciam às câmaras municipais. Isso pode ser explicado em parte pelo fato dessas
cartas patentes relacionarem apenas os oficiais condicionados ao provimento régio. Por
outro lado, compreendemos que esta poderia ser uma forma da Coroa de assegurar o
reconhecimento da relativa autonomia dos poderes locais que, apesar de subordinados
hierarquicamente, dispunham de liberdade para se opor às decisões dos governadores-
gerais e para se comunicar diretamente com a Coroa 568.
O destaque da interlocução com os Oficiais Militares (que receberam 16,67 %
das correspondências) é um dado representativo não apenas pela conjuntura de guerra,
mas também pelo protagonismo do governo-geral na gestão da defesa do Estado do
Brasil, uma vez que esse oficial detinha o nível mais elevado da jurisdição militar na
América Portuguesa569. Em tempo, é preciso recordar que no arranjo jurisdicional de
poderes do Estado do Brasil os governadores-gerais eram acompanhados pelo Ouvidor-
geral nas funções Justiça, e a partir de 1652 pelo Tribunal da Relação; e nas matérias de
Fazenda pelo Provedor-mor570. Por consequência, esta arquitetura política que acabava
por refletir no fluxo de comunicação com esses oficiais. No caso dos Oficiais da
Fazenda, que representaram 7,90% das cartas, isto pode ser um reflexo das
competências limitados do governo-geral sobre as matérias de fazenda, que se
571
concentravam na gestão dos oficiais de fazenda . No que se refere aos Oficiais de
Justiça o volume remetido representou 4,61% das missivas, sendo este outro dado que

568
A ordem que previa esta liberdade estava no capítulo 59 do regimento de António Teles da Silva: “não
impedireis de escreverem-me as Câmaras e nem os mais ministros e mais oficiais e ainda sejam queixas
porque a meu serviço convém haver nisto a liberdade necessária e as informações que se vos pedirem
virão com a clareza que puder ser.” AHU_ACL_CU_005, Cx.1, D. 40.
569
Este foi um dos objetos centrais em nossa pesquisa de mestrado. Cf. ARAÚJO, Hugo André Flores
Fernandes. Op. cit., 2014.
570
Na visão do Conselho Ultramarino “O cargo de Provedor mor da fazenda do Estado do Brasil foi
sempre de muita consideração, assim por sua preeminência, como por ter a seu cargo toda a
administração da fazenda real, e haver de contrariar, e por duvidas quando é necessário as ordens que os
governadores passarem, contra a forma do Regimento” 23/07/1665. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas,
Cod. 16, fl. 166v-167.
571
Tal como Francisco Cosentino indicou as competências dos governadores-gerais insidiam sobre o
campo da oeconomia, tal como a imagem corporativa de administração da casa, portanto “quanto às
questões fiscais, suas funções eram limitadas e não estavam diretamente vinculadas à arrecadação”.
COSENTINO, Francisco Carlos C. Governadores Gerais do Estado do Brasil Séculos (XVI-XVII):
Ofício, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig. 2009, p.
293.
160
reforça a percepção sobre estes oficiais desfrutarem de uma relativa autonomia
jurisdicional acerca de seus espaços de atuação 572.
Outro dado interessante é referente a comunicação do governo-geral com as
autoridades eclesiásticas. Podemos compreender que o pouco volume de
correspondência (49 cartas ou 2,40%) com as autoridades eclesiásticas se deve ao
respeito da hierarquia da Igreja573. Afinal os clérigos estavam submetidos
574
hierarquicamente às ordens do Bispo ou de seus imediatos superiores no momento .
Neste ponto vale recordar que a conjuntura de guerra contra a Espanha teve reflexos
inclusive na organização do governo espiritual do Estado do Brasil, o que resultou em
um longo período de vacância da sé episcopal (1649-1672), “devido à recusa de Roma
de sagrar os bispos apresentados pelos monarcas bragantinos, após a Restauração
Portuguesa, em 1640, a Bahia – o Brasil, na verdade – esteve sem prelado por mais de
575
vinte anos” . Apesar de diminuta a comunicação com as autoridades eclesiásticas era
existente, o que denotava a participação governo-geral não só nos assuntos religiosos,
mas também nos assuntos que envolviam os clérigos, como era costumeiro durante o
Antigo Regime período em que “a Igreja obtinha protecção das autoridades temporais,
que, além de reconhecerem a sua autonomia político-institucional (...), tutelam o
exercício do seu múnus pastoral e profético, a auxiliam a manter a disciplina eclesiástica
e asseguram a punição temporal dos crimes religiosos” 576.

572
Recentemente alguns autores tem se dedicado a analisar o desenvolvimento e as particularidades das
áreas de atuação e das carreiras dos oficiais de justiça na América portuguesa e no império português.
Para citar dois exemplos: CUNHA, Mafalda Soares; NUNES, Antônio Castro. “Territorialização e poder
na América portuguesa. A criação de comarcas, séculos XVI-XVIII”. Tempo. (Online). Vol. 22, n° 39.
Niterói. Jan/Abr, 2016. p.1-30; CAMARINHAS, Nuno. “Justice administration in early modern Portugal:
Kingdom and empire in a bureaucratic continuum”. Portuguese Journal of Social Science. Vol. 12, n° 2.
Intellect Limited, 2013. p. 179-193.
573
Durante o Antigo Regime a Igreja dispunha de “autonomia de governo e de regulamentação
(autonomia jurisdicional). Ela dispõe, em primeiro lugar, de um direito próprio – o direito canônico,
vigente inclusivamente, na esfera temporal, por força das ordenações do Reino. Dispunha depois, de
autonomia dogmática, de governo e disciplinar, podendo impor penas canônicas e temporais nas matérias
espirituais (com o sentido alargado que o conceito tem numa sociedade de Antigo Regime e eclesiásticas
(no âmbito universal, diocesano, paroquial e monástico, bem como no âmbito das confrarias e associações
religiosas)”. HESPANHA, António Manuel. “A Igreja”. In: HESPANHA, António Manuel. (coord.)
História de Portugal. Vol. 4. (O Antigo Regime: 1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 257.
574
Isto é destacado no capítulo 43 do regimento de António Teles da Silva, onde o monarca ordena que o
governador-geral tenha “toda a boa correspondência com Bispo daquele estado, vos encomendo e mando
vos não intrometais na jurisdição eclesiástica”. AHU_ACL_CU_005, Cx.1, D. 40.
575
FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales. “Uma metrópole no ultramar português. A Igreja de São
Salvador da Bahia de Todos os Santos”. In: SOUZA, Evergton Sales; MARQUES, Guida; SILVA, Hugo
R. (Orgs.) Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador, EDUFBA/ Lisboa, CHAM,
2016. p.136.
576
HESPANHA, António Manuel. Op. cit. 1998. p. 258. Em alguns casos a intervenção do governo-geral
era necessária a fim de preservar a imagem da própria Igreja, como a ordem de prisão de um padre que
161
Por fim, os grupos que receberam os menores volumes de cartas são os Oficiais
navais e mestres de navio (8), Moradores (7) e Engenheiros (5). A correspondência
com os Oficiais navais e mestres de navio abrange tanto indivíduos de atuação local,
como o capataz dos saveiros577, até indivíduos de projeção imperial, como o General e o
Almirante da Armada da Companhia Geral de Comércio578, e por essa razão os tipos de
assuntos variavam caso a caso em função das especificidades do interlocutor. O grupo
de cartas endereçadas aos Moradores são cartas que se referem de um modo geral ao
povo de uma capitania ou vila, como no caso da carta endereçada aos moradores de
Pernambuco no contexto da insurreição e a carta que concedia permissão aos moradores
do Espírito Santo sobre o comércio de Pau Brasil com a companhia geral de comércio
579
. No caso da correspondência com os Engenheiros os assuntos abordados são sempre
referentes a instruções técnicas, como a questão do reparo de fortificações, a produção
de mapas e as instruções sobre a prospecção em busca de jazidas minerais580.
Por tudo isso, inferimos que a comunicação constante com esses vários poderes
e jurisdições no interior do Estado do Brasil, sobretudo com os oficiais de governo,
581
refletia um modo de governo sinodal da monarquia pluricontinental portuguesa. A
miríade de interlocutores do governo-geral indica a importância e a centralidade deste
oficial régio para as dinâmicas de governação. A consulta e a mediação entre esses
vários oficiais de diferentes níveis hierárquicos, e a constante circulação de informações
foram os principais fatores que viabilizaram o cotidiano da governação. Esta nossa
compreensão é reforçada pelas várias situações em que os governadores-gerais
realizavam consultas, concediam espaço de agencia e negociavam termos e políticas

vivia abertamente com uma mulher pública (29/03/1666.DHBN, Vol.VI, p.72-73) e a recomendação para
que se retirasse da vila de São Paulo um padre que causava discórdia entre os moradores
(20/01/1659.DHBN, Vol. V, 102-103)
577
06/05/1664. DHBN, Vol.VII, p.143. Este oficial era ao que tudo indica encarregado da pesca em
determinadas localidades do recôncavo, e na carta em questão recebia uma ordem para fornecer peixe de
sustento a uma companhia de infantaria.
578
Rodrigo Munis da Silva, Almirante da Armada da Companhia Geral (04/11/1662. DHBN, Vol. V,
p.174-175) Manuel Freire de Andrada, General da Armada da Companhia Geral (11/06/1661. DHBN,
Vol. V, p.134-135).
579
29/07/1645. RIAHGP, n.34, p.129-130; 14/10/1662.DHBN,Vol.VII, p. 98.
580
Respectivamente: 23/06/1650. DHBN, Vol. V, p.23; 02/01/1674. DHBN, Vol. X, p.98-99; 03/07/1675.
DHBN, Vol. XI, p.26-28.
581
Esta noção está problematizada em conjunto com o conceito de monarquia pluricontinental no
seguinte artigo: COSENTINO, Francisco Carlos. “Monarquia pluricontinental, o governo sinodal e os
governadores gerais do Estado do Brasil”. In: GUEDES, Roberto. (Org.) Dinâmica Imperial do Antigo
Regime Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011.
p. 67-82.
162
com religiosos, oficiais militares, camarários, capitães-mores e governadores de
capitania.

3. Questões de governo: os assuntos e o cotidiano da governação nas


correspondências

Para analisar quantitativamente os temas abordados na comunicação política do


governo-geral apresentamos no Gráfico 4 as tipologias gerais de assuntos, bem como a
representatividade destas no fluxo de comunicação no Estado do Brasil. Organizamos
os assuntos de acordo com os principais poderes e competências que eram delegados ao
governo-geral. Buscamos utilizar classificações que se aproximassem do vocabulário
político coevo, neste sentido trabalhamos com as seguintes tipologias gerais:
Governação, Fazenda, Milícia, Justiça, Outros.

Gráfico 4 - Tipologias gerais dos assuntos (1642-1682)

4,36%
9,61%

9,22% Governação
Fazenda
Justiça
52,62% Milícia
Outros

24,18%

Fonte: Banco de dados de correspondências.

A fim de compreender melhor a agência dos governadores-gerais elaboramos


também tipologias específicas para cada tipologia geral, para conseguir tratar de modo
um pouco mais aprofundado essa análise quantitativa da governação.

163
3.1. Topologias específicas da Governação:

Gráfico 5 - Tipologias específicas: Governação

9,88%

12,86%
Instruções específicas

Envio de notícias
55,17%
Instruções para
governador de capitania /
22,09%
Capitão-mor
Provimento de Serventia

Fonte: Banco de dados de correspondências.

As correspondências classificadas como Governação englobam instruções e


ordens encaminhadas aos oficiais de governo. O destaque do volume de
correspondências associadas a esta tipologia (52,62% ou 1073 cartas) reforça a
percepção de que as funções dos governadores-gerais estavam concentradas na
supervisão dos oficiais e na constante troca de informações. Esta constatação está em
consonância com o que apresentamos sobre os principais destinatários (Tabela 11) e
com os poderes concedidos pelos regimentos. Uma observação mais aproximada das
tipologias específicas (Gráfico 5) revela que mais da metade ações de governação se
concentravam em Instruções específicas (592 cartas), de modo que estas apresentavam
uma gama muito diversa de ordens e instruções relativas a gestão cotidiana em sua
faceta mais plural, isto é, eram respostas as demandas e a problemas administrativos que
surgiam nas capitanias e nas localidades. Em uma segunda ordem de importância, a
tipologia, Envio de notícias (237 cartas) representa o papel do governo-geral na difusão,
circulação e solicitação de informações e notícias, tanto de dimensão local quanto
imperial, uma vez que o conhecimento sobre as situações e os contextos era a base
fundamental da tomada de decisões e da formulação de políticas. As Instruções para
governador de capitania/ Capitão-mor (138 cartas) agregam um conjunto de ordens
relativas às rotinas da governação de capitanias, ou seja, instruções e ordens sobre posse
164
e entrega do governo, a gestão dos oficiais subordinados, e a transmissão de ordens
oriundas da coroa. Por fim, a tipologia Provimento de Serventias (106 cartas) se refere
não aos provimentos em si, uma vez que eles são um tipo documental especifico e suas
particularidades serão analisadas no Capítulo 4, mas as discussões referentes às
informações e práticas que orbitam o provimento das serventias, como os pedidos de
indicações e informações acerca de candidatos aos postos vagos, assim como
solicitações sobre os estilos de provimento.
Portanto, o que estamos indicando nessa tipologia é apenas uma parte específica
do conjunto de atividades da governação, aqui entendida em sua faceta político-
administrativa mais circunscrita, uma vez que em sua concepção alargada poderíamos
englobar praticamente todas as atividades dos governadores-gerais. Neste ponto vale
recordar o que Pedro Cardim indica sobre a polissemia do conceito de governo durante
o século XVII:
A despeito da ambivalência do conceito de „governo‟, é certo que, no
período que estamos a considerar, já existia a actividade governativa,
entendida como a acção da Coroa no sentido de gerir alguns aspectos
do funcionamento do reino. Não há dúvida de que essa actividade já
marcava presença, mas não é menos certo de que tal actuação
governativa se encontrava ainda desprovida de uma identidade
jurídica própria. No vocabulário coetâneo, o termo „governo‟
começou por evocar, fundamentalmente, as funções militares e
diplomáticas da Coroa, ao mesmo tempo que remetia para a gestão de
um património em função de um mandado directo emanado da pessoa
régia. Quanto aos assuntos ligados ao governo das relações externas,
também eles estavam incluídos no ius belli e no âmbito do comando
582
militar, o mesmo sucedendo com a alta política .

Esses dados nos permitem vislumbrar como o cotidiano das ações de governo
concentrava na maior parte de seu tempo para as ações voltadas para a gestão,
supervisão e comunicação dos oficiais subordinados. Neste sentido, esta fração da
comunicação política está relacionada à percepção coetânea do termo governação,
entendida como “a arte de reger, a actividade de conduzir um grupo de pessoas com
vontades e com comportamentos diversificados” de modo que “falava-se em „governar‟,
em „governação‟ e em „governança‟, e todos estes vocábulos designavam a activadade
de manutenção da ordem, sublinhando que tal deveria ser feito através de uma ação

582
Grifos nossos. CARDIM, Pedro.“ „Administração‟ e „governo‟: uma reflexão sobre o vocabulário do
Antigo Regime”. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. (Orgs.) Modos de
Governar: Idéias e práticas políticas no Império Português séculos XVI-XIX. Alameda: São Paulo, 2005.
p. 52-53.
165
dissuasora, mediante certas interdições e através dos bons exemplos e dos bons
comportamentos” 583
. Deste modo, essa tipologia expressa uma parcela fundamental da
atividade governativa que envolvia a negociação e a pactuação política, visto que o
acesso a informações e o envio de ordens não pode ser compreendido de modo
unilateral. O jogo de interesses entre os oficiais subordinados, câmaras e demais
interlocutores do governo-geral era um componente fundamental da governação, uma
vez que neste espaço relacional se estabeleciam vínculos e acordos que viabilizavam a
capacidade de atuação dos governadores-gerais ao mesmo tempo em que assegurava a
inserção e a agencia do poderes locais no fazer político do Estado do Brasil584.

3.2. Tipologias específicas de Fazenda:

Gráfico 6 - Tipologias específicas: Fazenda


Produção de farinha
4,67%
3,85%
18,86% Produção e exploração
10,55%
Soldos

Comércio
6,90%
Dote e paz

6,29% Fiscalidade

27,38% Instruções a provedoria da


Fazenda
6,69%
Moedas

14,81% Pedidos de mantimentos

Fonte: Banco de dados de correspondências.

583
CARDIM, Pedro. “„Governo‟ e „Política‟ no Portugal de seiscentos: o olhar do jesuíta António
Vieira.”. Penélope: Revista de História e Ciências Sociais. n.o. 28. 2003, p.61-62.
584
João Fragoso sugere uma percepção semelhante ao analisar a relação ultramarina entre os súditos e a
Coroa, indicando que “o centro não interferia de forma regular e sistemática no modo de produção da
riqueza social das conquistas. Aquelas comunicações políticas sugerem que cabia às populações locais
decidir como produzir a sua vida material. Cabia ao rei, sim, garantir o bem comum da comunidade, ou
seja, garantir o respeito àquelas decisões tomadas no âmbito das comunidades e de suas famílias”, sendo
que esse papel de supervisão ou tutela era exercido pelos governadores-gerais como principais
representantes régios na América-lusa. FRAGOSO, João. “Poderes e mercês nas conquistas americanas
de Portugal (séculos XVII e XVIII): apontamentos sobre as relações centro e periferia na monarquia
pluricontinental lusa”. In: FRAGOSO, João & MONTEIRO, Nuno (Orgs). Um reino e suas repúblicas no
Atlântico: Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 60.
166
O volume de correspondências tipificadas como Fazenda agrega temas relativos
ao comércio, a fiscalidade, produção de alimentos e mercadorias, bem como discussões
sobre os valores e os pagamentos de soldos. Também incluímos nessa categoria
instruções remetidas aos provedores da fazenda, e ainda os pedidos de envio de
mantimentos para sanar os problemas de abastecimento na Bahia. A representatividade
destes assuntos (24,18% ou 493 cartas585) atesta que estas eram questões centrais para o
governo-geral, sobretudo quando levamos em consideração as dificuldades conjunturais
586
de abastecimento de gêneros, a retração no comércio e os elevados custos de defesa .
A tipologia geral Fazenda apresenta uma gama de tipologias específicas
significativamente maior em relação às demais tipologias (Gráfico 6) , o que se deve
não apenas às nossas escolhas de pesquisa, mas também a recorrência de determinados
temas. Destarte, o tema da Fiscalidade (135 cartas) figura em destaque, não só por ser
uma questão central para o funcionamento da administração imperial, mas também por
ser permeado de interesses reinóis e luso-brasileiros e expressar em grande medida as
mudanças conjunturais da economia do Estado do Brasil. Cabe explicar que optamos
por enquadrar as cartas que tratavam do donativo do Dote de casamento da Rainha da
Inglaterra e Paz da Holanda (Dote e Paz com 73 cartas) em uma tipologia separada, uma
vez que sua natureza é especifica e envolvia em si dinâmicas de negociação, cobrança e
pagamento bem distintas587. Outra matéria de particular importância era a Produção de

585
É importante observar que na perspectiva imperial de comunicação política esses tipos de assuntos
foram estatisticamente menos freqüentes, em função da percepção coeva dessas matérias como sendo de
ordem doméstica, conforme apontou Antônio Carlos Jucá. Cf. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de.
“Economia, moeda e comércio: uma análise preliminar de banco de dados”. In: FRAGOSO, João &
MONTEIRO, Nuno (Orgs.) Um reino e suas repúblicas no Atlântico: Comunicações políticas entre
Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 270.
De modo complementar, podemos compreender que em uma perspectiva um pouco mais circunscrita,
como o Estado do Brasil, a dimensão e a freqüência desses assuntos demandavam uma urgência maior e
que na maioria dos casos não poderia aguardar os ritmos lentos da comunicação atlântica, o que se reflete
nas prerrogativas concedidas ao governo-geral.
586
Não dispomos de dados sobre as receitas e as despesas da Fazenda Real para todo o período analisado.
Contudo, um vislumbre dos anos iniciais da década de 1640 nos permite compreender o peso da defesa
nas contas da Fazenda Real do Estado do Brasil. Em 1642 as despesas totais com a defesa eram de
30:456$000, o que correspondia a 70,37% das despesas daquele ano, ao passo que em 1643 estas
chegavam a 51:849$130, isto é, 75,43% do total de despesas do ano. AHU_CU_005-02, Cx.8, D. 977;
AHU_CU_005-02, Cx.9, D. 1034. Cf. ARAÚJO, Hugo André Flores Fernandes. Op. cit. 2014, p. 69; 80.
587
A distinção fundamental é que os tributos regulares (inseridos por nós na tipologia Fiscalidade)
visavam as “demandas constantes, ligadas à defesa, obras e manutenção da burocracia que aos poucos foi
se formando” ao passo que os donativos, como o Dote e Paz, “tinham um caráter provisórios e um objeto
bem-definido”. ALMEIDA, Carla; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; COSTA, André. “Fiscalidade e
comunicação política no império”. In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, João. (Orgs). Um Reino e suas
repúblicas no Atlântico: Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e
XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 211.
167
Farinha 588 que ocupava um espaço relevante nesta pauta de comunicação (93 cartas), o
conjunto agrega cartas que tratavam de instruções e cobranças relativas ao cultivo,
produção e envio de farinha para abastecimento tanto de Salvador e suas freguesias,
como das Armadas que tinham escala obrigatória em seu porto. Também relacionado à
questão do abastecimento da capital do Estado do Brasil temos algumas cartas que
tratam de Pedidos de Mantimentos589 (23 cartas), que também se relacionam ao apresto
das armadas e a organização de entradas e expedições punitivas no sertão. Na tipologia
Produção e Exploração (34 cartas), agregamos toda a correspondência que trata de
restrições e incentivos a produção de determinados gêneros (açúcar, gengibre, vinho de
mel, aguardente, tabaco), assim como permissões e proibições de atividades
extrativismo vegetal (Pau-brasil e outras madeiras) e mineral (ouro, prata e salitre). Em
Comércio (33 cartas), organizamos as correspondências que tratam de negociações e
acordos relativos ao comércio, tais como os preços de gêneros, as proibições de venda
de determinados produtos, os estancos da Companhia Geral de Comércio, e ainda
licenças e proibições de atividades mercantis com estrangeiros. Na tipologia Soldos (31
cartas), organizamos as discussões em torno de soldos, ordenados e pagamentos de
oficiais, encontramos cartas que tratam de valores praticados, pedidos de aumento e
advertências sobre pagamentos indevidos. Em Moedas (19 cartas) dispomos as
correspondências que tratam dos temas de circulação monetária, proibição de
determinados tipos de moeda, discussões sobre os valores e sobre a cunhagem 590. Por
fim, a tipologia Instruções a provedoria da Fazenda (52 cartas) agrega toda a
comunicação endereçada aos provedores da fazenda das capitanias, tratando de assuntos
como pagamentos de obras e empréstimos de valores, pedidos de informações sobre as

588
A importância da farinha de mandioca como alimento das populações do Brasil colonial foi ressaltada
por Manoela Pedroza em um texto recente: PEDROZA, Manoela. “A roça, a farinha e a venda: produção
de alimentos, mercado interno e pequenos produtores no Brasil colonial.” In: FRAGOSO, João;
GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs) O Brasil colonial. Vol. III (1720-1821). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014.
589
Encontramos cartas com pedidos de gêneros alimentícios diversos como feijão, milho, peixe e sal. Em
alguns casos, principalmente em situações de urgência, os pedidos endereçados as capitanias eram menos
específicos, indicando que aceitariam o envio de “todo o gênero de mantimentos que naquela terra se
produzem”. 20/11/1654. DHBN, Vol.IV, p.33-35.
590
Antônio Carlos Jucá indica que essa temática também não deve muito espaço na dinâmica imperial de
comunicação política. De acordo com o autor isso se deve em parte a conjuntura, uma vez que a escassez
de numerário “na segunda metade do século XVII é evidente em toda a América portuguesa e mesmo em
Portugal. Em grande parte, essa escassez devia-se ao fim da União Ibérica (e, portanto, do acesso fácil à
prata da América espanhola) e à carência de uma produção significativa no interior do império luso. A
causa principal dessa carência de metais precisos residia, contudo, no déficit comercial de Portugal com o
resto da Europa e com o Oriente, déficit este que precisava ser coberto com os mesmos.” SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá de. Op. cit. 2017. p. 273
168
rendas reais e sobre o quadro de oficiais inscritos nas folhas (ordinária e eclesiástica) e
ainda discussões sobre valores e arrematações dos dízimos.
Esses temas nos permitem acessar uma faceta importante da atividade
governativa, relacionado especificamente a manutenção do bem comum e a conservação
dos territórios. A interação entre o governo-geral e os pólos de poder que viabilizavam
por exemplo, o sustento de Salvador ou o pagamento de tributos e donativos, revela
como a negociação se convertia numa ferramenta fundamental de governo, tanto no
Estado do Brasil quanto no império marítimo português 591.
Por tudo isso cabe destacar a centralidade dessa tipologia assuntos no quadro de
atividades do governo-geral, pois, se excluirmos as já referidas atividades de
Governação, que eram significativamente numerosas e rotineiras, poderemos identificar
que a correspondência sobre os assuntos de Fazenda apresentam um peso maior e
diferenciado em relação as demais tipologias (Milícia, Justiça e Outros somadas), pois
estes eram assuntos e atividades que demandavam urgência e em última medida o
cuidado dispensado a eles estava diretamente associado ao funcionamento e a
viabilização das demais áreas de atuação do governo.
Como já apontamos em outros trabalhos592, esse campo da atividade governativa
permitia grande espaço de negociação entre as partes. O lançamento de tributos e
subisídios eram entendidos pelas elites locais como uma forma de reforçar sua posição
no quadro imperial, através da oportunidade de prestar serviços ao Rei na forma de
contribuições que por vezes foram voluntárias593. Nesse ponto é importante observar
como o caráter conservador da Coroa permitiu a negociação de privilégios e distinções
aos poderes locais a fim de assegurar a viabilidade da governação e da defesa territorial.

591
João Fragoso enfatiza a importância da interação entre os agentes da Coroa e os poderes locais,
ressaltando que no interior da monarquia pluricontinental o reforço desses vínculos entre o rei e seus
vassalos traduzia-se em um pacto que conferia aos súditos que residiam na América-lusa à capacidade de
ingerência na governação do império ultramarino. Cf. FRAGOSO, João. Op. cit. 2017, p. 73.
592
Em nossa dissertação destacamos como a câmara de Salvador aproveitou a “imposição do açúcar” para
negociar novos privilégios para os seus oficiais. Cf. ARAÚJO, Hugo A. F. F. Op. cit. 2014. p. 112-113.
593
Além dos exemplos que apresentamos, destacamos aqueles apontados por João Fragoso em seu texto,
no qual destaca principalmente as ações da elite fluminense e baiana na primeira metade do século XVII,
sobretudo durante a guerra contra os holandeses, de modo que a contribuição com os tributos se convertia
em uma oportunidade de serviço para os poderes locais, ao mesmo tempo em que permitia a negociação
das formas de contribuição de modos que atendessem aos interesses dos dois pólos dessa relação. Cf.
FRAGOSO, João. Op. cit. 2017. p.71-73.
169
3.3. Tipologias específicas de Milícia:

Gráfico 7 - Tipologias específicas: Milícia

2,04%

26,02%
36,73%
Envio de Tropas
Sustento das tropas
Instruções de defesa
Envio de Navios

35,20%

Fonte: Banco de dados de correspondências.

A gestão da defesa é também é outra área de agencia privilegiada do governo-


geral, e as correspondências que abordaram esses assuntos foram classificadas como
Milícia, em referência ao termo coetâneo que designava esse tipo de competência. Essa
tipologia é composta por cartas com instruções de reforço defensivo, ordens de envio de
tropas militares, discussões sobre sustento da infantaria, assim como notícias sobre o
envio de navios para defesa e comboio, e ainda diversas instruções específicas
transmitidas aos oficiais militares. Esses assuntos representam 9,61% (196 cartas) do
total de correspondências do governo-geral. Nesse sentido optamos por organizar as
tipologias específicas de modo a agregar os principais tipos de assuntos recorrentes. É
importante ressaltar que o modo como esses assuntos se enquadram dentro das
prioridades do governo-geral variou significativamente ao longo do período analisado.
Durante o período de guerra contra os holandeses (1642-1654) praticamente não
encontramos menções a mobilizações ofensivas594, dado que a maioria esmagadora das

594
O mar dominava o Brasil, como constatou Charles Boxer em sua obra clássica, de modo que os
recursos disponíveis não favoreciam um desfecho ofensivo, e “estava claro que, se esta situação se
prolongasse por muito tempo todas as vitórias conquistas pelos insurrectos no litoral perderiam o valor,
em ultima análise. O Brasil não possuía nenhuma indústria própria de armas, e os insurgentes não podiam
fiar-se indefinidamente nas armas capturadas. (...) O problema não era novo, mas nunca fora tão agudo
em 1630-40 como se apresentava em 1646-8. A crise foi alcançada neste último ano, e os portugueses
deviam fazer algo drástico, ou então sucumbiriam à supremacia do poder marítimo holandês”. Tradução
nossa. Cf. BOXER, Charles. Op. cit. 1957. p. 203.
170
ordens destinava-se aos preparativos de defesa e sustento da infantaria595. Essa postura
se altera a partir da década de 1650, quando se inicia um período marcado por
constantes mobilizações ofensivas contra populações indígenas e quilombolas596.
Destarte, as tipologias específicas das atividades de Milícia (Gráfico 7) se
concentram em três ramos principais. Em primeiro, a tipologia Envio de Tropas (72
cartas) que nos permite identificar as dinâmicas específicas de cada conjuntura. Por
exemplo, no período de guerra contra os holandeses temos 24 cartas referentes ao envio
de tropas, ações tomadas para o reforço defensivo contras ações neerlandesas. No
período post bellum as 48 cartas restantes dessa tipologia faziam referencia, em sua
grande maioria, à mobilização de expedições contra os indígenas, encontramos também
correspondências sobre o envio de tropas para reforço de guarnições e ainda indicações
pontuais contra as atividades de corsários. As correspondências sobre o Sustento das
tropas (69 cartas) apresentavam as discussões sobre a viabilização do sustento das
tropas, tanto dos terços do presídio de Salvador, como das expedições organizadas para
a “Guerra dos Bárbaros”. Em geral essa correspondência é marcada por pedidos e
negociações sobre os encargos do sustento da infantaria, com pedidos de envio de
farinhas e mantimentos com a finalidade específica de manter as tropas mobilizadas. A
terceira das tipologias agrega os assuntos referentes às Instruções de defesa (51 cartas),
e nesta questão também conseguir perceber as variações conjunturais, uma vez que 25
das 51 cartas tratavam de ordens que circularam durante o período da guerra, com
informações sobre reforços defensivos e instruções para prevenir e inibir as atividades
neerlandesas. O restante dessas cartas representavam as medidas para reforço de
guarnições e fortalezas, assim como instruções sobre envio de materiais bélicos para
reforçar pontos estratégicos, e ainda indicações sobre alocação de índios administrados
e tribos aliadas para inibir ações do dito “gentio bárbaro” em pontos estratégicos. Por
fim, a tipologia Envio de Navios (4 cartas) designa as correspondências que tratavam de

595
Certamente que os dados para o período de 1642-1647 podem indicar uma dinâmica um pouco
diferente, uma vez que a organização da insurreição, seguida do apoio velado aos insurretos ocupou um
espaço importante no governo de Antônio Teles da Silva. Exploramos estas questões em um trabalho
anterior: Cf. ARAÚJO, Hugo André Flores Fernandes. Op. cit. 2014b.
596
Trabalhos recentes analisaram as dinâmicas que permeavam esses esforços de guerra. Sobre a
chamada “guerra dos bárbaros”: MAGALHÃES, Ana Paula Moreira. Para a conquista dos bárbaros:
rede de poder e governação de Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça (1671-1675). Dissertação
(Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, UNEB, 2015; MARQUES, Guida. “Do índio gentio ao
gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia seiscentista”. Revista de História (São Paulo). n.
171. Jul/Dez. 2014, p.15-48. Sobre as ações contra Palmares: MENDES, Laura Peraza. O serviço de
armas nas guerras contra Palmares: expedições, soldados e mercês (Pernambuco, segunda metade do
século XVII). Dissertação (Mestrado em História). Campinas, UNICAMP, 2013.
171
ações onde houve envio de embarcações para situações defensivas e ofensivas. Vale
observar que esses assuntos figuram em uma quantidade expressivamente menor, o que
se deve aos seguintes fatores: 1) as cartas referem-se duas situações: comboio dos
navios da Companhia Geral do Comércio e auxílio na jornada de reconquista de
Angola; 2) representavam as limitações do governo-geral em mobilizar esforços navais,
tanto pelos custos elevados quanto pela escassez dos recursos necessários; 3) como
observamos durante o período analisado, esse tipo de mobilização era encabeçada
principalmente pelos conselhos régios, que dispunham dos recursos e dos meios para
organização dessas ações, ainda que os encargos do apresto e municiamento das
armadas recaíssem por vezes sobre os moradores do Estado do Brasil.
Portanto, a observação sobre as tipologias especificas nos ajuda a compreender
de modo mais detido a organização e as dinâmicas da gestão da defesa, uma vez que
estas variaram ao longo do tempo em razão dos constantes desafios conjunturais e da
escassez de recursos materiais e humanos.

3.4. Tipologias específicas de Justiça:

Gráfico 8 - Tipologias específicas: Justiça

5,32%

22,34%
37,77%
Jurisdições
Instruções específicas
Ordem de prisão
Ordem de devassa

34,57%

Fonte: Banco de dados de correspondências.

A correspondência que tratava dos assuntos Justiça era composta por ordens
para a execução de devassas e para prisões; discussões sobre a delimitação jurisdicional
de ofícios e de territórios; e ainda instruções específicas encaminhadas aos oficiais
172
responsáveis pela justiça. No quadro geral da comunicação política esses assuntos
representaram 9,22% (188 cartas) em relação ao total. Se desagregarmos essa tipologia
geral em assuntos específicos perceberemos um predomínio de discussões referências as
Jurisdições (71 cartas), nas quais encontramos ordens e pedidos de informação, sobre as
jurisdições de ofícios e de capitanias, seja para identificar os espaços existentes e
respeitá-los, seja para resolver os conflitos decorrentes da sobreposição ou indefinição
de prerrogativas e direitos de exercício de poder. Em uma segunda ordem de
importância temos as Instruções específicas (65 cartas) que em sua maioria eram
enviadas aos oficiais de justiça, esse conjunto de cartas era muito plural e diverso em
razão da miríade de situações e atividades a cargo dos oficiais de justiça597. As Ordens
de Prisão (42 cartas) expedidas pelo governo-geral em sua grande maioria se destinam a
punição de soldados por deserção e de indivíduos acusados de assassinato, mas também
encontramos mandatos contra acusados de falsificação de moeda, furto e não
cumprimento de ordens598 e ainda há o caso da ordem de prisão da “gente indesejável”
do recôncavo para servirem de tripulação em uma nau da Índia599. As Ordens de
Devassa aparecem em menor número (10 cartas) e em geral são respostas a situações de
crimes e irregularidade evidente, e de acordo com Stuart Schwartz durante o século
XVII a prática não era feita com maior freqüência em função dos elevados custos600.

597
Para citar alguns exemplos, encontramos desde cartas que indicavam os procedimentos de
interrogatório de um prisioneiro português acusado de auxiliar os holandeses (26/08/1649. DHBN,
Vol.IV, p.453-455); instruções sobre os procedimentos para acalmar as alterações e a melhor forma de
prender “o cabeça” de um motim em Sergipe Del Rey (23/12/1656. DHBN, Vol.III, p.371.); e até mesmo
instruções sobre como proceder com indivíduos do círculo pessoal de Afonso VI que foram presos e
enviados ao Estado do Brasil para um exílio político (08/08/1662. DHBN, Vol.VII,p.92-93).
598
Respectivamente: 05/12/1663. DHBN, Vol.IX, p.131; 20/07/1668. DHBN, Vol.IX, p.299; 23/01/1671.
DHBN, Vol.IX,p. 403-404;
599
Encontramos duas cartas, uma para Ilhéus e outra capitães do Recôncavo da Bahia, com a seguinte
instrução: “Há-se mister [de] gente para a nau da Índia, tanto que Vossa Mercê receber esta, que
guardará com todo o segredo, lance os olhos nos vadios, e criminosos que nesse seu distrito houver, e em
29 deste (dia destinado para em todas as partes se fazer esta diligencia) os prenda, e os remeta a bom
recado, com a memória dos nomes, e causas, por que cada um deles merece ser preso; porque igualmente
me move a mandar a Vossa Mercê esta ordem a necessidade que a nau tem, e desejo que em mim há de
ver o Recôncavo livre de semelhante gente.” Grifos nossos. 23/11/1672, DHBN,Vol.VIII,p. 322-323. Cf.
23/11/1672, DHBN, Vol.VIII, p. 323-324.
600
Schwartz indica que os custos envolvidos na ação podiam varia entre 6.300 réis por dia em 1612 até
10.340 réis por dia em 1709. SCHWARTZ, Stuart B. Burocria e sociedade no Brasil colonial: O
Tribunal Superior da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
p.212-213. Ao que tudo indica as práticas judiciais com natureza similiar a devessa que eram mais
freqüentes eram as correições (realizadas pelos ouvidores) e as residências. Cf. MELLO, Isabele Pereira
de. Op. cit. 2010. p. 34. Vale recordar ainda que no Regimento da Relação do Estado do Brasil é
assegurado ao governador-geral a prerrogativa de ordenar aos desembargadores a realização de devassas.
Cf.“Regimento da Relação do Estado do Brasil” In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da
formação administrativa do Brasil. Tomo II. IHGB. Conselho Federal de Cultura. 1972. p. 662.
173
Deste modo, as correspondências analisadas corroboram a percepção sobre os
poderes e prerrogativas de Justiça pertencentes ao governo-geral, uma vez que lhe
conferiam meios pelos quais deveria operar para conservar a ordem. Isto é, cabia ao
governador-geral “como representante do rei, agir como árbitro, mantendo a harmonia e
evitando a intromissão de funções e competências entre os diversos órgãos e poderes”
601
. A análise da correspondência indica de modo contumaz a abrangência das funções
atreladas a Justiça que pertenciam a alçada do governo-geral. Ademais,
a atuação dos governadores estava envolta em complexidade, pois deveriam fazer
respeitar as jurisdições, inclusive a sua e a do rei, que ele representava, deveriam
admoestar e, até mesmo, destituir, em alguns casos, servidores, também
governadores e desembargadores, além da responsabilidade pelo preenchimento de
diversos cargos da administração de natureza média e subalterna. 602

603
A partir do restabelecimento do Tribunal da Relação em 1653 os assuntos de
justiça deveriam convergir para a instituição, fato este que pode ter influenciado o
volume desta temática na amostra de correspondências analisadas. É preciso atentar que
embora o estudo das práticas de justiça na América Portuguesa esteja “a pleno vapor”
na historiografia brasileira atual, ainda faltam estudos em chaves de interpretação
renovadas sobre o papel do Tribunal da Relação durante a segunda metade do século
XVII.

601
COSENTINO, Francisco Carlos C. “Governo-Geral do Estado do Brasil: governação, jurisdições e
conflitos (séculos XVI e XVII)”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs.) Na Trama
das Redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira: Rio de
Janeiro, 2010. p. 412.
602
Loc. cit.
603
Os governadores-gerais tinham assento no tribunal como “regidores”. O regimento da Relação do
Estado do Brasil determina funções e prerrogativas que os governadores-gerais dispunham ao atuar no
tribunal, tal como o provimento das serventias dos ofícios de justiça e fazenda e o poder de ordenar a
tomada de residência de oficiais quer serviam por triênios, entre outras funções. Cf.“Regimento da
Relação do Estado do Brasil” In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa
do Brasil. Tomo II. IHGB. Conselho Federal de Cultura. 1972. p. 659-670.
174
3.5. Tipologias especificas de Outros:

Gráfico 9 - Tipologias específicas: Outros

14,61%

5,61%

Assuntos particulares
Assuntos religiosos
Obras

79,78%

Fonte: Banco de dados de correspondências.

Na tipologia geral Outros inserimos o conjunto de cartas que destoam


significativamente das demais tipologias apresentadas, uma vez que a maioria dos
assuntos abordados não eram, a rigor, diretamente relacionados ou do interesse do
governo-geral, com a clara exceção da tipologia específica Obras. A tipologia geral
representa 4,36% (89 cartas) do total da comunicação política do governo-geral. Dentre
as suas tipologias especificas aquela que figura com maior destaque é a que
denominamos de Assuntos particulares (71 cartas), que consiste em um conjunto de
cartas sobre interesses particulares dos governadores-gerais e seus interlocutores, ou
seja, as questões tratadas nessas cartas escapam das esferas de atuação direta da
governação. Por outro lado, algumas dessas cartas nos permitem identificar o
estabelecimento e o reforço de relações sociais entre os governadores-gerais e os
oficiais subordinados. Nestas cartas encontramos, por exemplo, pedidos de
favorecimento a criados ou parentes dos governadores-gerais604; assuntos sobre
negócios e atividades mercantis que envolviam governadores-gerais ou de pessoas a

604
Como exemplo temos a ocasião em que Francisco Barreto pediu a Salvador Correia de Sá o
favorecimento de Antonio Siqueira, sobrinho do Bispo de Angola, em algum posto vago na capitania em
razão da obrigação que o governador-geral tinha com o tio do referido. 09/04/1659. DHBN, Vol.V, p.106.
175
eles relacionadas605; e ainda correspondências de cunho particulares/pessoal 606
. Este
ponto específico é explorado com mais detalhes no Capítulo 5. A tipologia Obras (13
cartas) agrega a correspondência que trata da realização de reparos e construções em
diversas localidades, com destaque para as atividades realizadas na Bahia onde o
principal interlocutor do governo-geral foi a Câmara de Salvador (7 cartas), mas
também encontramos instruções para as capitanias de São Vicente e Sergipe del Rei607.
Por fim a tipologia Assuntos religiosos (5 cartas) concentrava cartas que em sua maioria
tratavam do favorecimento e do envio de religiosos as capitanias 608 e da realização de
um pedido de esmolas para construção de um convento609.
De fato este conjunto de assuntos ocupava pouco espaço no cotidiano da
governação. Contudo, é relevante tê-los em conta, uma vez que nos indicam os detalhes
menos aparentes das atividades dos governadores-gerais, indicando como estes
ocasionalmente tratavam de matérias não relacionadas à governação do Estado do
Brasil. Vale ressaltar mais uma vez que a particularidade das cartas de cunho pessoal
registradas nos mesmos códices em que ordens e despachos de governo. Como sabemos
alguns governadores tinham consigo livros próprios em que registravam sua
correspondência pessoal. Estes tipos de documento ajudam a compreender as diferenças
que caracterizavam esse modelo político, pois este apresentava uma infinidade de

605
Um exemplo interessante é a recomendação feita pelo Conde de Óbidos ao provedor-mor do Rio de
Janeiro, pedindo que suas as propinas remetidas para sua esposa no Reino fossem preferencialmente
enviadas em ouro, uma vez que no Rio de Janeiro era costumeiro o pagamento destas com açúcar.
15/05/1665. DHBN, Vol.VI, p. 51-52. Em um capítulo recente Antônio Carlos Jucá indicou que o uso
commodities como o açúcar como “moedas substitutas” era uma prática comum, atentado para o fato de
que não eram unidades de conta em si, mas formas alternativas de pagamento. O autor também indica que
a elite fluminense manifestavam uma clara preferência pelas moedas metálicas, o que estava associado a
posição social que ocupavam e as possibilidades de interação com negócios que demandavam o
numerário metálico, no caso em questão a preferência manifestada pelo governador-geral parece estar
associada diretamente ao fato dos valores serem remetidos para o Reino onde seus procuradores e sua
esposa os administrariam. Cf. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Op. cit. 2017, p. 275; 281.
606
Em geral são cartas enviadas quando o governador assume o governo e estabelece contato com algum
conhecido ou quer estreitar alguma relação de proximidade. Da mesma forma encontramos cartas
enviadas a oficiais que acabaram de tomar posse de seus ofícios, nesses casos correspondências tem a
função de formalizar as boas vindas, empregando uma retórica discursiva cortesã na qual o governador
oferecia seus serviços ao interlocutor. Também temos cartas onde há troca de notícias de cunho pessoal,
sobre a saúde e acontecimentos de interesse dos interlocutores.
607
Temos uma carta para a Vila de São Paulo sobre a reedificação da Igreja matriz (03/12/1660. DHBN,
Vol.III, p.418-419) e uma para Sergipe del Rei referente aos reparos na cadeia da capitania (29/06/1673.
DHBN, Vol.VIII, p.372) e duas para localidades não especificadas referentes a materiais para obras no
palácio do governo. (20/02/1651. DHBN, Vol. III, p. 93; 22/05/1651. DHBN, Vol. III, p. 109)
608
Essas cartas se concentram na década de 50, sendo que duas delas tratavam especificamente do envio
de religiosos para Pernambuco. (21/06/1652. DHBN, Vol.III, p.12-13; 20/03/1655. DHBN, Vol.III,
p.264.)
609
Trata-se de um pedido de esmola endereçado às freguesias do Recôncavo referente à construção do
convento das carmelitas descalças. 11/08/1654, DHBN, Vol.III, p. 208-209.
176
características explicitamente rejeitada pelos modelos administrativos da nossa
contemporaneidade. Em outras palavras, as fronteiras entre os espaços privados e os
espaços públicos eram significativamente mais difíceis de precisar, e práticas
administrativas condenáveis nos dias de hoje, como a influência no provimento de
ofícios, a nomeação de parentes e amigos, e o uso de recursos “públicos” para fins
“privados” (com o perdão do anacronismo) eram tolerados. Isso não significa dizer que
a coroa ficasse passiva ao tomar ciência dessas práticas, mas o alcance das medidas
adotadas nesses casos muitas vezes não ia além das advertências e recomendações, em
última medida podiam acarretar a anulação das práticas que fossem consideradas
“escandalosas” e que atentassem contra “o bem comum” e o “serviço de Sua
Majestade”.
Em suma, entendemos que as tipologias nos indicam como o governo-geral
distribuía seu tempo no processo decisório, o que não significa, por exemplo, que as
questões relativas à Governação fossem mais importantes do que as questões de
Fazenda ou Milícia. O que estas tipologias nos revelam é a freqüência com que os
assuntos figuravam na pauta da comunicação política. Certamente havia uma demanda
maior pela troca de informações e pela gestão de ofícios, o que entendemos como sendo
despachos cotidianos e, portanto, fundamentais ao funcionamento contínuo do governo.
Por outro lado, isto não diminui a atenção e o cuidado dispensado aos assuntos como a
resolução de conflitos de jurisdição, a organização da produção e do abastecimento do
recôncavo da Bahia ou a gestão da defesa litorânea. Afinal estes temas eram muito caros
a manutenção dos equilíbrios locais, visto que as negociações constantes eram um meio
eficiente para a Coroa e seus agentes alcançarem a conservação dos territórios e na
mesma medida os poderes locais buscavam agir nestas oportunidades para assegurar
interesses, privilégios e em última medida a manutenção do “bem comum”. Estes temas
figuravam na comunicação política com uma apresentação textual que refletia um senso
de urgência que não se observa nas demais tipologias. Portanto, o que buscamos aqui
foi distinguir e compreender os assuntos abordados na comunicação política a luz do
contexto dinâmico do Estado do Brasil.

4. Considerações finais

A comunicação política foi o instrumento que possibilitou o funcionamento da


governação no Estado do Brasil. A circulação de ordens e informações se dava por

177
circuitos que superavam as longas distâncias do mar e da terra, conectando entre largos
intervalos de tempo os pólos de poder na América lusa. Neste cenário o governo-geral
se constituía não só como o principal representante do poder régio na América lusa, mas
também como o grande mediador de interesses entre o Estado do Brasil e a monarquia
portuguesa. Evidentemente a escolha do governo-geral como ponto de observação
favoreceu uma compreensão mais larga das relações formadas pela circulação das
ordens e das informações, sobretudo pela sobrevivência de um volume documental
significativo sobre estas ações.
Os dados apresentados ao longo texto, ainda que fragmentados e com várias
limitações, nos revelam uma dinâmica governativa alicerçada na constante interação
entre os diversos poderes existentes no Estado do Brasil. Buscamos indicar quais eram
as dificuldades que a conjuntura de guerra impunha ao governo-geral, e por
conseqüência, como isto afetava o desenvolvimento da comunicação política e da
própria governação. Neste sentido, a análise das correspondências descortina a natureza
610
das relações de governo, indicando um regime político que preservava o espaço
jurisdicional das capitanias e dos ofícios, assim como buscava conservar os estilos e
costumes que davam vida às práticas políticas da América portuguesa seiscentista.
Assim, é preciso evidenciar que correspondência dos governadores-gerais não se
constituía apenas de ordens, instruções e requisições, pois não raras foram as vezes que
encontramos cartas que solicitavam informações, que agradeciam a cooperação e ainda
aquelas que consultavam as jurisdições inferiores e as inseriam no processo decisório, o
que indica que a governação era significativamente mais complexa do que a
historiografia tradicional supunha 611.

610
A ciência política define regime político como sendo “o conjunto de instituições que regulam a luta
pelo poder o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições”, o que significa
dizer que n caso em questão o governo-geral era o responsável por tutelar as “normas e procedimentos
que garantem a repetição constante de determinados comportamentos e tornam assim possível o
desenvolvimento regular e ordenado da luta pelo poder, do exercício destes e das atividades sociais a ele
vinculadas”. LEVI, Lucio. “Regime político”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. (orgs.) Dicionário de Política. 1ª. Ed. Brasília: Editora Unb, 1998, p. 1081.
Estou seguindo aqui a proposição de Francisco Cosentino, que utilizou esta conceituação para pensar a
organização política do Estado do Brasil inserido na monarquia pluricontinental. Cf. COSENTINO,
Francisco. Op.cit. 2011.
611
Referimos-nos aos trabalhos clássicos como o de Caio Prado Junior. O autor partia do pressuposto de
que o a administração colonial era marcada “por toda sorte de incongruências” e desconsiderava as
características políticas e sociais do Antigo Regime lusitano, percebendo o passado colonial como
“caótico por natureza”. Estas opções analíticas denotam o viés confirmatório utilizado para justificar a
percepção do “sentido da colonização” nas terras luso-americanas. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação
do Brasil Contemporâneo: Colônia. 6ª. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961. p. 299.
178
Estamos argumentando que a comunicação política no interior do Estado do
Brasil foi não apenas um instrumento de governo de grande importância, mas também
percebemos que seu potencial dinâmico mobilizou inúmeros intermediários a fim de
integrar pontos distantes do território, superando as dificuldades e as distâncias por
meios terrestres e marítimos. Percebemos que uma grande diversidade de oficiais régios
estava inserida nos circuitos de comunicação interna, onde o governo-geral figurou
como pólo de convergência e de difusão das informações e ordens.
Inferimos que a conjuntura de guerra moldou enfaticamente a comunicação
política em vários aspectos, tanto nas temáticas discutidas, quanto nos caminhos
percorridos a fim de evitar o confronto com os holandeses, e ainda, nas preocupações
explicitas com o reforço defensivo e constantes solicitações por material bélico e
provisões. Nesse sentido o fluxo interno das correspondências nos indica que a
predominância dos assuntos alterava-se de acordo com a região de destino, o que é uma
forma de perceber as especificidades de cada capitania em face ao esforço coletivo nos
tempos de guerra.
Por fim, ressaltamos o potencial analítico da comunicação política no interior do
Estado do Brasil como importante instrumento para compreensão das práticas de
governo, assim como dos arranjos e relações de poder que se estendiam do governo-
geral, passando pela administração das capitanias e atingindo os poderes locais nas
vilas. A negociação e a mediação de interesses foram ferramentas fundamentais para o
estabelecimento de vínculos políticos e a manutenção de equilíbrios com os pólos locais
de poder. Através dos dados obtidos nesta análise pudemos mapear diversos
componentes da rede governativa do Conde de Óbidos (Capítulo 5) o que nos permite
ressaltar o potencial analítico desta abordagem. Por ora buscamos definir um panorama
geral da dinâmica interna das correspondências do governo-geral, a fim de que este
sirva como ponto de partida para análises mais sensíveis às questões conjunturais,
buscando mesclar opções quantitativas e qualitativas a fim de compreender os contornos
complexos da governação no Estado do Brasil durante o século XVII.

179
Capítulo 4 – O governo-geral e as dinâmicas do provimento das serventias dos
ofícios militares e de governo (1642-1682)

O provimento de ofícios na monarquia portuguesa é uma das temáticas que


ganhou espaço e atenção no debate historiográfico recente. Alguns desses estudos têm
destacado a necessidade de analisar as especificidades dessas práticas a fim de construir
uma compreensão mais delineada dos mecanismos de recrutamento e provimento dos
ofícios. Estes estudos também têm apontado como vários ofícios possuíam grande
importância e impacto nas sociedades da América portuguesa 612.
Como sabemos a prerrogativa de provimento de ofícios foi um instrumento
central de governo. A matéria era vista como tão fundamental que por vezes foi
identificada como sinônimo da própria arte de governar. Evaldo Cabral de Mello inferiu
que
Governar significava nomear, o que constituía fonte substancial de
poder e também de renda, pois freqüentemente os cargos eram, por
baixo do pano, literalmente comprados pelos interessados não
legalmente à Coroa, como na França, mas ilegalmente aos
governadores. Por trás de linhas jurisdicionais propositadamente
indefinidas ou mal definidas, exercia-se a pressão incessante de
clientelas vorazes de amigos, protegidos, fâmulos ou meros
recomendados em busca de colocação no Brasil 613.

A afirmação de Evaldo Cabral de Mello suscita algumas considerações. Em


primeiro lugar, a percepção da centralidade dos provimentos na governação aparece
com o devido peso que tinha na esfera da gestão do Estado do Brasil. Contudo, uma
série de pesquisas recentes tem indicado que a venalidade de ofícios, além de um tópico
controverso, carece de dados e de uma pesquisa exaustiva para corroborar afirmações
tão contundentes614, como sugere o historiador pernambucano. Nesse sentido, caberia

612
Além da bibliografia já citada sobre provimento de ofícios, destacamos que recentemente surgiram
análises mais especificas sobre os ofícios militares, que tem ressaltado a importância desses postos para a
lógica de serviço imperial e para o reconhecimento e acrescentamento social. Cf. MOREIRA, Luiz
Guilherme Scaldaferri. Os ofícios superiores e inferiores da tropa paga (ou de 1ª. linha) na capitania do
Rio de Janeiro, 1640-1652: Lógica social, circulação e a governança da terra. Tese (Doutorado em
História). Niterói, UFF, 2015; CRUZ, Miguel Dantas da. “A nomeação de militares na América
portuguesa: Tendências de um império negociado”. Varia Historia. Belo Horizonte. Vol. 31, n. 57.
set/dez. 2015.
613
MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-
1715. 2.a. Edição revista. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 33.
614
Em especial os trabalhos já citados de Roberta Stumpf. Cf. STUMPF, Roberta Giannubilo.
“Venalidade de Ofícios e Honras na Monarquia Portuguesa: um balanço preliminar”. In: ALMEIDA,
Suely. C.C. de; SILVA, Gian. C. de M.; SILVA, Kalina V; SOUZA, George F. C. (Orgs). Políticas e
Estratégias Administrativas no Mundo Atlântico. Recife: Editoria Universitária UFPE. 2012; Cf.
questionar se o autor considera as redes e os interesses identificados como algo exógeno
a essa sociedade? Afinal, estamos nos referindo a uma sociedade de Antigo Regime,
organizada segunda uma lógica coorporativa, movimentada por redes sociais dos mais
diversos tipos, na qual a divisão entre o público e o privado era bem menos evidente.
Se observarmos o caso português veremos que a questão dos provimentos
possuía contornos igualmente complexos, inclusive nas esferas inferiores da hierarquia.
Ao analisar as práticas de provimento de serventias em terras senhoriais Mafalda Soares
da Cunha indicou que essa prerrogativa “era uma área importante de exercício do poder
dos donatários nas suas terras” 615
que estava sob os constrangimentos impostos pelo
quadro legal do reino, sendo necessário que
os providos cumprissem certo número de requisitos políticos, sociais e
de mérito para o desempenho dos ofícios. Entre eles impunha-se a
naturalidade (...). Mas limitavam-se também, arbitrariedades na
selecção dos providos por parte das entidades responsáveis com o
objectivo expresso de garantir qualidade no exercício dos cargos. Por
isso estava estabelecido que os ofícios não deviam ser vendidos e que
o oficial provido devia servir por is e não ceder o cargo a qualquer
serventuário616.

As formas de remuneração e as estratégias de uso dos serviços e dos méritos


revelam outra faceta fundamental da economia das mercês na monarquia corporativa: a
centralidade de negociação com o centro. Em um estudo recente, Javier Barrientos
Grandón demonstrou como a prática de patromonialização de serviços e méritos
permeava tanto as discussões entre os juristas, quanto as estratégias familiares que
visavam a obtenção de mercês e privilégios617. O uso de um conjunto de serviços
passados buscando a remuneração e a projeção de serviços futuros, além da perpetuação

STUMPF, Roberta. “Formas de venalidade de Ofícios na Monarquia Portuguesa do Século XVIII”. In:
STUMPF, Roberta; CHATURVEDULA, Nandini (Orgs.) Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas:
provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). CHAM, Lisboa. 2012;
615
CUNHA, Mafalda Soares da. “O provimento de ofícios menores nas terras senhoriais. A casa de
Bragança nos séculos XVI-XVIII”. In: STUMPF, Roberta; CHATURVEDULA, Nandini (Orgs.) Cargos
e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). CHAM,
Lisboa. 2012. p. 18.
616
Ibidem. p. 21.
617
O autor analisa especificamente como essa prática de patrimonialização dos serviços e méritos foi
desenvolvida por famílias castelhanas em torno dos ofícios de justiça: “Tal processo de
patromonialización de los méritos y servicios desempeño un papel muy relevante en la configuración de
los oficios de justicia em la monarquía. Su consideración como bienes, que no se perdían por la muerte de
quien los había adquirido o realizado, y su conseguiente transmisíon hereditária, contribuyó a la
formación de uma cierta memória familiar de servicios al príncipe, favorecida por la seguridad de que
ellos no perecerían y siempre iban a ser merecedores de um premio.” GRANDÓN, Javier Barrientos.
“Méritos y servicios”: su patrimonialización en uma cultura jurisdiccional. (s. XVI-XVII). Revista de
Estudios Histórico-Jurídicos. XL. Valparaíso, Chile. Agosto, 2018. p. 590-591
181
familiar no serviço régio, eram componentes fundamentais da economia da mercê que
moldaram os arranjos locais de poder na América-lusa.
No que toca as especificidades dos provimentos militares, Fernando Dores Costa
indicou que a principal característica destes ofícios era o fato de não se vincularem a
transmissão hereditária, o que permitia estes “regressarem periodicamente a um acto
„livre‟ de nomeação de um novo detentor” 618. O autor também ressalta a predominância
da primeira nobreza nos postos mais elevados da hierarquia militar, característica essa
que o autor associa ao fato do exercito português ser
periférico no sistema europeu e mesmo nos espaços extra-europeus
[onde] funciona como sistema de circulação intercontinental de alguns
indivíduos de origem européia, mas sem que haja a formação de
exércitos para além das guarnições de praças. Por outro lado, esta
persistente hegemonia dos fidalgos poderia não ter uma grande
importância militar já que a eficácia disciplinar residiria sobretudo na
acção dos segundos comandantes. A autoridade social era o papel dos
primeiros, comunicando idealmente a máxima honra à pertença às
fileiras. Isto deveria chamar- „naturalmente‟ – os homens nobres Às
fileiras, algo que parecia estava longe de ser verificar619.

Ao analisar os provimentos militares feitos pelos governadores-gerais do Estado


do Brasil, Miguel Dantas da Cruz indicou como o governo-geral possuía um grau de
autonomia maior do que os governadores-de-armas das províncias do Reino, isto é, na
América-lusa estes oficiais dispunham de uma larga margem para intervir no processo
de escolha dos providos. Além de possuírem a prerrogativa de prover as serventias dos
ofícios vagos, os governadores-gerais também poderiam consultar câmaras municipais e
outros oficiais antes de indicar nomes para Coroa, ao passo que os governadores-das-
armas deveriam apenas encaminhar as listas formuladas pelas câmaras para o Conselho
de Guerra620. O autor atribuiu essa maior margem de autonomia dos governadores-
gerais em razão das distâncias que separavam o Estado do Brasil e o Reino, uma vez
que
a imposição do encaminhamento das propostas para Lisboa constituía
uma medida de uniformização administrativa impraticável. Neste
quadro, o Conselho Ultramarino assumiu, ao longo de todo o período
estudado [séculos XVII e XVIII], uma função essencialmente

618
COSTA, Fernando Dores. “Observações para o estudo das nomeações dos postos militares” In:
STUMPF, Roberta; CHATURVEDULA, Nandini (Orgs.) Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas:
provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). CHAM, Lisboa. 2012. p. 51
619
Ibidem. p.53.
620
CRUZ, Miguel Dantas da. O Conselho Ultramarino e a administração militar do Brasil (da
Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e burocracia. Tese (Doutorado em História) ISCTE –
Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa,
Universidade de Évora. 2013. p. 235.
182
relacionada apenas com a confirmação e averiguação da legitimidade
das patentes passadas na América621.

Vale ressaltar que os provimentos de postos militares também eram alvo de


disputas entre os conselhos da Coroa, fato este que evidencia a posição central dos
provimentos na pauta política da monarquia. Vale recordar que a importância dos postos
militares se deve a forma como “as estruturas militares ajudavam a reiterar às lógicas
estamentais da sociedade portuguesa transplantada” de modo que, por vezes “o topo da
hierarquia militar acabava mesmo por exercer funções governativas” 622
. Nesse sentido,
as disputas entre o Conselho Ultramarino e o Conselho de Guerra são exemplos da
importância atribuída a essa prerrogativa. Conforme indica Miguel Dantas da Cruz, as
disputas pela prerrogativa de provimento de determinados ofícios foram intensamente
debatidas entre os conselhos régios o que resultou em uma delimitação bem especifica.
O Conselho de Guerra possuía jurisdição para prover os postos militares no Reino, e
tencionava ser o responsável por prover os mesmos nas conquistas ultramarinas. Em
réplica, o Conselho Ultramarino justificava seu domínio sobre essa capacidade,
indicando que todos os ofícios exercidos nas conquistas eram da jurisdição própria do
Conselho Ultramarino, como estava expresso seu regimento. Ao cabo do embate, o
Conselho Ultramarino assegurou o controle sobre todos os ofícios exercidos no
ultramar, incluso sobre os patentes militares de hierarquia elevada (como as de mestre
de campo e sargento-mor) 623.
Como indicamos no Capítulo 2 as prerrogativas de provimentos concedidas ao
governo-geral foram refinadas ao longo do século XVII se tornando cada vez mais
claras e específicas. Considerando que os provimentos de serventia de ofícios eram um
dos componentes da economia da mercê, devemos ter em vista as considerações
apontadas por Fernanda Olival sobre as transformações ocorridas a longo prazo na
organização desta esfera administrativa. De acordo com a autora
Ao longo do Antigo Regime, os esforços de organização da economia
da mercê tenderam a incidir, globalmente, em 3 pontos essenciais: em
primeiro lugar, no estabelecimento de normas sobre serviços, papéis e
procedimentos em sentido amplo; em segundo lugar, na integração das
práticas de liberalidade no âmbito de alguns conselhos e secretarias
criadas pelo sistema político; por fim, no intuito de um sistema de
621
Loc. cit.
622
CRUZ, Miguel Dantas da. Op. cit. 2015. p. 677-678 – Um caso exemplar sobre oficiais militares
exercendo funções de governo é a nomeação de Francisco Barreto. Este foi provido pelo Rei como Mestre
de Campo General do Estado do Brasil, responsável, portanto, pela gestão da guerra em Pernambuco e
por consequência governador da Capitania entre 1648-1657.
623
Ibidem. p. 247.
183
registro das concessões feitas, de modo a evitar que pelos mesmos
serviços se duplicassem as recompensas. Como é notório, estas
preocupações de enquadramento denunciam o quanto a mercê era
relevante na gramática política do Estado Moderno624.

Nesse sentido, buscamos compreender as dinâmicas de governo que


perpassavam o provimento das serventias a luz deste quadro de transformações
administrativos. Portanto, no presente capítulo apresentaremos uma visão geral e
quantitativa sobre os provimentos de serventias militares realizadas pelos governadores-
gerais. Acreditamos que a análise dos provimentos nos permite apreender aspectos
fundamentais da gestão da monarquia e do funcionamento dos ofícios providos.

1. O provimento das serventias: aspectos gerais

Os conjuntos documentais que utilizamos para analisar o provimento de ofícios


fazem parte de coleções publicadas como os Documentos Históricos da Biblioteca
625 626
Nacional e o Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo , assim como a
documentação manuscrita das Provisões do Governo e Senado do Arquivo Histórico
627
Municipal de Salvador . De modo que, os manuscritos das Provisões do Governo e
Senado representam um conjunto bem diverso, no qual foram registradas “todas as
provisões que fez o governo da república, e também della que recebeu” 628
, contendo
patentes, provisões, regimentos, bandos e cartas régias. No caso da documentação
publicada nos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, sabemos que esta é
oriunda dos livros de registros de provisões reais, isto é, outra série documental é
igualmente diversa e heterogênea, apresentando tanto volumes originais como cópias
629
destes, em geral datadas do século XVIII . Por fim, os documentos publicados na
coleção do Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo, agregam as

624
OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal
(1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001. p. 110.
625
Utilizamos os seguintes volumes da coleção: DHBN, Vols. III, IV, VII, XI, XII, XIII, XVIII, XIX,
XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXXI, XXXII.
626
Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo. (1637-1660). Vol.II. São Paulo: Typographia
Piratininga, 1917
627
São cópias dos documentos originais, feitas no início do século XIX: AHMS - 125.1 - Provisões do
Governo e Senado (1642-1648). Vol. I. Estante 4 / Prateleira 01-02; AHMS - 125.2 - Provisões do
Governo e Senado (1648-1657). Vol.II. Estante 4 / Prateleira 01-02.
628
AHMS - 125.1 - Provisões do Governo e Senado (1642-1648). Vol. I. fl.2.
629
A documentação manuscrita se encontra nos seguintes códices da Biblioteca Nacional: Códice 07, 01,
029 (Publicada no DHBN, Vol. III), Códice 7,3,54 (DHBN, Vol. IV); Códice I-19,9,1 e Códice I-19,10,1
(DHBN, Vol. XVIII e Vol. XIX); é um Códice não catalogado do Arquivo Publico Mineiro (DHBN, Vol.
XXXI).
184
correspondências, provisões, alvarás, regimentos e outros dispositivos de governo
recebidos pela câmara paulista e anotados em seus livros de registro geral.
Uma vez que os provimentos das serventias de ofícios podiam englobar os
diversos tipos cargos e postos, tais como os de justiça, fazenda, militar e de governo,
optamos por delimitar nosso foco e verticalizar a análise utilizando especificamente as
provisões de serventia dos ofícios militares e de governo. Esta opção de análise busca
aprofundar uma questão levantada no segundo capítulo, no qual constatamos que as
sucessivas alterações nos regimentos ocasionaram diversos conflitos de jurisdição
envolvendo os governadores-gerais e os providos nestes tipos de ofício. Portanto, nossa
opção se deve a busca pela compreensão de modo detido da dinâmica de provimentos
de ofícios ao longo do período analisado, o que pode não só nos auxiliar a ter um
entendimento mais claro sobre a organização da governação no Estado do Brasil, mas
também identificar como essas práticas foram afetadas pela delimitação dos poderes
expressa nos regimentos.
Antes de iniciar a caracterização dessa dinâmica de governo devemos explicitar
que existiam duas modalidades de provimento: as propriedades de ofício e as serventias
de ofício. Os provimentos que se referiam à propriedade de ofício eram prerrogativas
régias, portanto, eram concedidas apenas pelos monarcas e em geral designavam a
“concessão era vitalícia e tendencialmente hereditária” 630
. No caso das serventias
de ofício, tratavam-se de concessões referentes “ao uso temporário previsto na
provisão” 631
, modalidade que poderia ser concedida pelos oficiais de governo que
detivessem essa prerrogativa, como os governadores-gerais do Estado do Brasil, e os
governadores do Rio de Janeiro e Pernambuco. Deste modo, devemos entender ambos
os tipos de provisão “como parte integrante e essencial da regalia, tendo em vista que
sua prática estava assegurada no direito, além de movimentar a economia da mercê” 632.

630
STUMPF, Roberta Giannubilo. “Os Provimentos de ofícios: A questão da propriedade no Antigo
Regime Português.” Topoi. n°. 29, v. 15, Jul-Dez, 2014. p. 614. – De acordo com as definições de
“propriedade” e “proprietário” apresentadas por Bluteau, vemos que estas poderiam se referir um
conjunto de “bens de raiz, com domínio, & poder absoluto para os vender, empenhar, & dispor delles” tal
como um ofício, “este ofício que he meu de propriedade”. E ainda na própria definição de proprietário
explicita-se que se trata de “o senhor de alguma propriedade. O a que propriamente pertence alguma
fazenda, offício e &c”. BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,
architectonico... Vol. VI. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 786-787. (CD-
ROM).
631
ARAÚJO, Hugo André F. F. “Para se dar satisfação a justiça”: provimento de ofícios e conflitos de
jurisdição no Estado do Brasil no século XVII. Revista Ultramares. N° 3. Vol. 1. Jan-Jul. 2013. p. 107.
632
Loc. cit. Francisco Cosentino demonstrou como os “regimentos e as cartas patentes dos governadores-
gerais estabeleceram as regras de funcionamento dessa forma de governo e os poderes desses oficiais
responsáveis. Nesses documentos estavam as orientações que estabeleciam a delegação dos poderes
185
Na presente análise utilizaremos apenas as provisões concedidas pelos governadores-
gerais.
A título de exemplo, Gastão de Melo Matos indica que as patentes dos oficiais
maiores do Terço (Mestre de Campo e Sargento-mor) eram passadas pela chancelaria
régia. O provimento dos demais postos era feito por nombramento, “isto é provinham de
nomeação feita pelo chefe directo: o capitão nomeava os oficiais da sua companhia,
alferes, sargento, cabos de esquadra e os empregados dela, capelão, abandeirado,
cirurgião, furriel, tambores, pífanos” 633. As considerações de Gastão de Melo são feitas
tendo em vista os estilos praticados no terço da Armada Real, entretanto o que se
observa para os terços do Estado do Brasil se assemelha muito a esse modo de proceder.
Como demonstraremos ao longo desse capítulo, a reprodução da hierarquia de mando
reforçava a percepção do protagonismo do governo-geral na gestão dos oficiais. Da
mesma forma conseguimos vislumbrar indícios da importância da prerrogativa de
nomeação mesmo entre as esferas inferiores da hierarquia. Portanto, vale recordar a
importância simbólica da prerrogativa de provimento, uma vez que
“Colocar homens” é o poder social por excelência. “Colocar” é
garantir a subsistência quotidiana (pelos meios a que dá acesso) e o
estatuto social (talvez perdurável como capital‟ transmissível aos
descendentes) de um indivíduo e produzir desta forma um
634
“obrigado”.

Neste ponto, nos resta tecer algumas considerações sobre os limites desta
documentação. De modo geral a informação sobre a naturalidade dos providos é muito
escassa. Podemos estabelecer uma comparação sobre este ponto com o trabalho de
Miguel Dantas da Cruz. O autor português lança mão de fundos documentais diversos e
um recorte temporal mais alargado, o que o permite tecer considerações sobre a
relevância ou irrelevância da naturalidade para os provimentos ao longo do tempo635. A
partir disso o autor orienta as questões de sua pesquisa e consegue perceber que os
“termos da oposição identitária adquiriam uma face inequivocamente regionalizada,
sobretudo no discurso dos súbditos ultramarinos” 636
. Em nossa pesquisa são poucos

régios – à regalia – transferidos para os governadores.” COSENTINO, Francisco. Governo geral do


Estado do Brasil e Vice Reinado da Nova Espanha: comparação de poderes e influências castelhanas no
império português. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2011, São Paulo. p. 4.
633
MATOS, Gastão de Melo. Noticias do Terço da Armada Real (1618-1707). Lisboa: Imprensa da
Armada, 1932. p.12
634
COSTA, Fernando Dores. Op. cit. p. 54.
635
Cf. CRUZ, Miguel Dantas da. Op. cit. 2015. p. 678.
636
Loc. cit.
186
casos nos quais é possível sugerir uma distinção geral entre reinóis e luso-brasileiros,
sem conseguir precisar mais do que isso. Naturalmente essa questão poderia ser sanada
com o cotejamento de fontes de outra natureza, algo que no momento excede as
possibilidades e os objetivos da presente pesquisa. No mesmo sentido, são poucos os
casos em que conseguimos identificar algumas indicações de relações de parentesco637,
e possivelmente esses casos são isolados, pois de modo geral essas informações não
figuram nos provimentos.
Feitas essas considerações, começaremos agora pela identificação dos aspectos
gerais dessa dinâmica de governo. Os principais tipos documentais utilizados pelo
governo-geral para nomear e prover estes oficiais eram patentes, provisões, alvarás,
portarias638 (Gráfico 10). É preciso ressaltar que esses tipos documentais apresentam
algumas especificidades, mas podemos dividi-los em dois tipos: os rotineiros (patentes
e provisões) que destinavam-se ao provimento das vacâncias (por morte, ausência, ou
promoção do oficial que a ocupava) e pela satisfação de serviços e demandas locais; e
os provimentos extraordinários (alvarás e portarias) que eram feitos como resposta a
situações imprevistas (mobilizações defensivas emergenciais que demandavam a
criação de companhias e organização de tropas e ainda a organização de incursões ou
comboio navais). A Patente (ou Carta patente) foi o principal instrumento utilizado
pelos governadores-gerais para prover oficiais subordinados, pois se tratava de um tipo
documental formal que respeitava os estilos e as normas previstas para os provimentos,
objetivando “a nomeação para o cargo e a transferência de poderes” 639
, funções e
jurisdição delegada inferior. As Provisões representavam “as ordens expedidas pelos
637
Este é o exemplo de Vicente Alves, o moço, que recebeu a patente de Capitão da Plataforma São
Vicente da Praia em Salvador. A justificativa de seu provimento menciona como de praxe os atributos
requeridos para o posto “pessoa de valor, pratica do exercício da artilharia”, porém com a ênfase de que o
provido era “filho de Vicente Alves, Capitão que foi da mesma Plataforma, a qual se fez a sua custa, por
cujo respeito foi já promovido, por sua morte, no mesmo cargo, que exerceu como devia a suas
obrigações” 09/02/1651. DHBN, Vol.XXXI, p.86-87. João Fragoso cita um caso semelhante para o Rio
de Janeiro. Cf. FRAGOSO, João. “A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite
senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. Topoi – Revista de História do Programa de Pós-
graduação em História Social da UFRJ. n°1. Rio de Janeiro: UFRJ-7 Letras, 2000. p. 77.
638
Não utilizaremos tipos documentais como os alvarás de reformação, uma vez que estes tinham a
finalidade de reconhecer os serviços prestados e formalizar a “reformação” dos oficiais, acrescendo
importância e status a sua patente. Segundo D. Raphael Bluteau “Os capitães reformados assistem a
pessoa do Capitão General, & são os seus Conselheyros. Em occasião de peleja estão às ordens dos
Capitães vivos. As principais cousas de que os encarregão são guardar postos com gente solta, cometter
fortificações, ser Cabos de Infantaria, &c.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino:
aulico, anatomico, architectonico...Vol. VII. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712.
p. 188 (CD-ROM).
639
MAGALHÃES, Ana Paula Moreira. Para a conquista dos bárbaros: rede de poder e governação de
Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça (1671-1675). Dissertação (Mestrado em História). Santo
Antonio de Jesus, BA: UNEB, 2015. p. 32.
187
tribunais ou conselhos em nome do rei, em que conferiam mercês, cargos, dignidades,
ofícios” 640
de modo que poderiam estar associadas as “resoluções dadas aos
requerimentos dos particulares, ou são expedidas para participar decretos e resoluções
641 642
régias” . Os provimentos feitos por Alvarás em sua grande maioria se referem a
soluções de demandas imprevistas da governação, diferente das patentes que observam
um estilo de satisfação aos serviços e as necessidades de provimento por vacância, uma
vez que por vezes se referem a criação e mobilização de companhias e tropas em face
das urgências conjunturais. A Portaria também era um instrumento de governo que
poderia ser utilizada para múltiplas finalidades de governo, dentre elas o provimento de
ofícios643, e em geral tratavam de provimentos temporários específicos e estavam
condicionadas a verificação do provedor-mor para sua efetivação.

640
MARTINHEIRA, José Sintra. Catálogo dos códices do fundo do Conselho Ultramarino relativos ao
Brasil existentes no Arquivo Histório Ultramarino. Rio de Janeiro: Real Gabinente Português de Leitura.
2000. p.17. – Na definição de Bluteau: “Provisaõ. Patente, alvará, ou título, com que alguém he provido
em algum Benefício, ou officio.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico,
anatomico, architectonico... Vol. VI. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 808.
(CD-ROM).
641
MARITNHEIRA, José Sintra. Op. cit. p. 17.
642
Segundo a definição apresentada por Morais Silva, alvará é “qualquer carta de escritura authentica,
que contivesse clarezas, obrigações, ordens, quitações” ou ainda “carta que contém expressão da vontade
do Soberano, (...) não tem vigor senão dentro de um ano, salvo quando expressamente se revoga a lei, em
que isto se determina, e assim hé necessária revogação expressa dae lei em contrário, para ter efeito.”
Diccionário da Lingua Portugueza composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, Reformado, e Accrescentado
por Antonio de Moraes Silva Natural do Rio de Janeiro. Tomo I (A-K). Lisboa: Na officina de Simão
Thaddeo Ferreira. Anno M.DCC.LXXXIX, p. 68. No conjunto dos alvarás analisados observamos que os
provimentos feitos por meio deste instrumento se destinavam-se tanto a situações extraordinárias (como
as companhias levantadas em razão dos rumores de uma armada holandesa que se dirigia ao Brasil em
1668) como para atividades e incursões pontuais (tais como expedições navais e incursões no sertão).
643
“Portaria. Decreto, & Provisão Real. Letras patentes do Príncipe. Daqui parece veyo o nome Portaria
neste sentido, como quem dissera, determinação do Príncipe, não sellada, & fechada, mas com porta
aberta, & patente.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,
architectonico... Vol. VI. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 632. (CD-ROM).
188
Gráfico 10 – Tipos documentais dos provimentos (1642-1682)

9,43%
Patente
Provisão
3,48% Alvará
0,45% Portaria

86,64%

Fonte: Banco de dados de provimentos644

A seguir apresentaremos os aspectos quantitativos de nossa análise, indicando o


quadro geral dos provimentos militares no período em que estudamos.

1.1. Aspectos quantitativos dos dados:

O nosso universo de análise engloba um total de 891 provimentos, tanto de


serventias de ofícios militares como e ofícios de governo, realizados pelos
645
governadores-gerais entre 1642 e 1682 , como indicamos na Tabela 12. Neste ponto
é preciso ressaltar que as considerações que tecemos sobre as lacunas seriais no capítulo
3 também se aplicam a essa amostragem. Somado a isso, é preciso ter em conta que os
dados analisados neste capítulo representam apenas um segmento dos provimentos
(referente aos ofícios militares e de governo).
Neste ponto é importante observar que essa amostragem segue uma tendência
semelhante aquela indicada para as correspondências no Capítulo 3. A quantidade de
provimentos referentes a década de 40 e ao final da década de 70 destoa bruscamente do
que se verifica nos governos da década de 60, que aparenta ser o período no qual os
dados são mais representativos.

644
A partir deste ponto, sempre que fizermos menção ao Banco de dados de Provimentos estaremos nos
referimos aos dados coletados nas seguintes coleções: DHBN, Vols. III, IV, VII, XI, XII, XIII, XVIII,
XIX, XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXXI, XXXII, AHMS-PGS, Vols.
I, II; RGCSP, Vol. II.
645
As datas extremas dos documentos que trabalhos são 19/12/1642 e 08/05/1682.
189
Na Tabela 12 apresentamos também a relação entre o número de provimentos
efetuados e o tempo de duração do governo de cada governador-geral, a fim de destacar
as médias de provimentos que encontramos em nossa amostragem.

Tabela 12 - Relação entre provimentos e meses de governo646

Média de
Período de Total de Meses de
Governador provimentos por
Governo provimentos governo
meses
Antonio Teles da (30/08/1642-
14 63 0,22
Silva 26/12/1647)
Conde de Vila (26/12/1647-
11 26 0,42
Pouca de Aguiar 10/03/1650)
Conde de Castelo (10/03/1650-
53 35 1,51
Melhor 06/01/1654)
(06/01/1654-
Conde de Atouguia 57 41 1,39
18/06/1657)
(18/06/1657-
Francisco Barreto 117 72 1,62
26/06/1663)
(26/06/1663-
Conde de Óbidos 131 47 2,78
14/06/1667)
Alexandre de Sousa (14/06/1667-
228 46 4,95
Freire 08/05/1671)
Afonso Furtado de (08/05/1671-
216 52 4,15
Mendonça 26/11/1675)
Roque da Costa (15/03/1678-
64 50 1,28
Barreto 23/05/1682)
Total - 891 432 2,06
Fonte: Banco de dados de provimentos; MIRALES, D. José de. “História Militar do Brasil”. Anais da
Biblioteca Nacional, Vol XXII, 1900; VILHENA, Luiz dos Santos. “Recompilação de Noticias
soteropolitanas e brasílicas.” Livro II. Imprensa Official do Estado, 1921.

Nesse sentido é interessante observar que apenas três governadores (Conde


Óbidos, Alexandre de Souza Freire e Afonso Furtado de Mendonça) excedem a média
geral de 2,06 provimentos por mês, o que se relaciona com o fato de serem os governos
que possuem um volume maior de dados sobre os provimentos. Isso pode ser associado
às mudanças introduzidas durante o governo do Conde de Óbidos, a partir do qual se
empreendeu uma política que tentava centralizar os provimentos na figura do
governador-geral, fundamentando-se nas instruções do regimento dos capitães-mores,
como indicamos no Capítulo 2.
Cabe enfatizar que os dados referentes ao período de 1642-1649 foram coletados
exclusivamente na série das Provisões do Governo e Senado, portanto eles

646
O total de meses contabilizado nesta tabela foi arredondado, de modo a apenas considerar os meses
completos de governo e, portanto, desconsiderando os “dias avulsos”, totalizando assim 432 meses. A
média de provimentos realizados foi feita calculando a divisão do total de provimentos pelo total de
meses de governo. A média geral de 2,06 provimentos por mês foi feita considerando o total de
provimentos de todos os governos dividido pela somatória dos meses de todos os períodos de governo.
190
correspondem a uma parcela muito fragmentada da documentação que os governadores-
gerais produziam, neste caso só temos acesso aos registros que a câmara de Salvador
conservou em seus livros, o que significa que não temos, por exemplo, dados referentes
às Tropas pagas para esse período, uma vez que essas patentes eram registradas em
outros livros. A grande lacuna referente a esse período também está expressa na série
dos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, que apresenta séries mais regulares
a partir da década de 1650, como destacamos anteriormente essa mesma limitação esta
presente no caso das correspondências do governo-geral analisadas no Capítulo 3.
Não conseguimos indicar qual é o grau de representatividade dos dados
analisados, embora a análise quantitativa de provimentos por ano (Gráfico 11) nos
permita identificar de modo bem evidente às irregularidades desta série. Como
indicamos, este mesmo problema foi verificado em relação às correspondências
emitidas pelos governadores-gerais, como indicamos no Capítulo 3.

191
Gráfico 11- Quantidade de provimentos por ano (1642-1682)

N° de Provimentos

100
90

52
49
44 46
36 38
32 33
30 28 27
25 24
20 20 21 21
17 17 15
10 12 10 10 10 11
8 7 6 6
2 4 1 3 2 2 2

Fonte: Banco de dados de provimentos

192
Contudo, a análise da dispersão geográfica dos provimentos nos auxilia a
identificar de modo mais detido a circunscrição da jurisdição territorial na qual os
governadores-gerais atuavam de modo mais presente na questão dos provimentos de
serventias (Tabela 13). Os dados apontam para um predomínio dos provimentos na
região das capitanias anexas à Bahia (Sergipe del Rey, Ilhéus e Porto Seguro) que
somadas representam 18,07% do total de provimentos. Importa recordar que as
capitanias da Paraíba e do Rio Grande647, embora distantes da região compreendida
pelas anexas da Bahia, estavam subordinadas ao governo-geral648. Portanto, se
consideramos de modo agregado todos os provimentos dessas capitanias e somamos
aqueles feitos na capitania da Bahia, chegamos ao expressivo total de 73,91%. Se
considerarmos que esses dados agregados nos indicam a tendência do período
analisado, estamos observando a consolidação de uma esfera de influência e controle do
governo-geral sobre as regiões que estavam previstas nos regimentos. Por outro lado,
esses dados nos apontam para a necessidade de estudar de modo mais aprofundado a
atuação dos governos do Rio de Janeiro e Pernambuco em suas esferas regionais de
influência.
Tabela 13 - Quantidade de provimentos por capitania (1642-1682)

Capitania Quantidade %
Bahia 431 48,37%
Sergipe del Rey 88 9,88%
Ilhéus 55 6,17%
Paraíba 38 4,28%
Rio Grande 31 3,19%
Espírito Santo 24 2,69%
Pernambuco 22 2,48%
São Vicente 20 2,24%
Porto Seguro 18 2,02%
Itamaracá 16 1,80%
Rio de Janeiro 14 1,57%
Cabo Frio 9 1,01%
Itanhaém 4 0,45%
Expedição 121 13,58%
Total 891 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

647
De acordo com Marcos Arthur Fonseca a jurisdição sobre os provimentos da Capitania do Rio Grande
só foi alterada no século XVIII após a transferência da subordinação da capitania do governo-geral para o
governo de Pernambuco, o que “trouxe efeitos imediatos para administração interna, pois sujeitou
algumas instituições da capitania diretamente aos governadores de Pernambuco”, o que possibilitou a
reivindicação por parte dos capitães-mores do Rio Grande das prerrogativas de provimento de serventias
militares e da concessão de sesmarias. FONSECA, Marcos Arthur Viana da. “E confirmará pelos
senhores governadores de Pernambuco: jurisdição e provimentos na capitanais do Rio Grande (1701-
1750)”. Anais do XXIX Simpósio Nacional de História. Brasília, UNB, 2017. p.5.
648
Conforme indicamos no Capítulo 3.
Ademais, é importante ressaltar como o provimento das serventias de ofícios em
diversas capitanias reforça por um lado a percepção sobre a superioridade hierárquica
do governo-geral no quadro jurisdicional do Estado do Brasil, o que na visão do Conde
de Atouguia era a “maior autoridade que [o governador-geral] tinha”, isto é, a
capacidade de “prover os ofícios militares” 649
. Por outro, fica cada vez mais evidente
que as outras circunscrições administrativas (Rio de Janeiro e suas anexas, Pernambuco
e suas anexas) conquistaram ao longo do tempo uma particular relevância, que
progressivamente consolidou as jurisdições territoriais dessas capitanias650. O
provimento de ofícios foi certamente uma das principais questões de governo discutidas
na segunda metade do século XVII, sendo alvo de reformulações e de um fluxo intenso
de discussão entre os oficiais de governo das capitanias, o governo-geral e os conselhos
da Coroa 651.

2. Os tipos de ofícios providos:

O próximo passo da presente caracterização consistente na identificação dos


principais tipos de ofícios militares providos pelo governo-geral. Tradicionalmente os
ofícios militares são divididos em três grandes tipos: Tropas pagas (também chamadas
de tropas de primeira linha), Auxiliares e Ordenanças, contudo, em nossa análise
optamos por desdobrar subdivisões existentes nesses tipos, por entender que essas
categorias gerais por vezes ignoram a pluralidade e a dinâmica das formas de
organização dos diversos tipos de tropas que encontramos. Portanto, trabalharemos com
os seguintes tipos de ofícios militares: Tropa paga, Ordenança, Auxiliares, Indígenas,
Pretos e pardos, Artilharia, Fortificação e Expedição, desenvolveremos a
caracterização de cada um desses nas páginas a seguir. No Gráfico 12 apresentamos
uma visão geral e quantitativa sobre os tipos de ofícios providos pelo governo-geral,
onde fica evidente a predominância dos ofícios das Tropas pagas e de Ordenança.

649
DHBN, Vol. IV, p. 265.
650
Isso explica em parte o baixo número de patentes encontradas para capitanias de tanta importância no
Estado do Brasil. Parte das patentes emitidas pelos governadores de Pernambuco encontra-se na coleção
Conde dos Arcos do Arquivo da Universidade de Coimbra. Durante o período da Repartição Sul,
encontramos algumas patentes providas por Salvador Correia de Sá na Capitania de São Vicente, o que
reforça a percepção sobre a delimitação dos territórios dessas jurisdições. Cf. RGCSP, Vol. III
651
Desenvolvemos essa discussão no Capítulo 2.
194
Gráfico 12 Quantidade dos tipos de ofício providos (1642-1682)

Ordenança
2,24% 1,01%
0,56% Tropa Paga
4,49%
4,71% Expedição

Governo
5,39%
44,00%
Fortificação

Indigena
13,58%
Artilharia

Pretos e pardos

Auxiliares
24,02%

Fonte: Banco de dados de provimentos

A opção de trabalhar com todas essas subdivisões das tropas militares implica no
esforço de definir e caracterizar cada uma delas, o que por si só consiste num problema
fundamental, visto que a própria percepção coeva sobre alguns desses tipos não era
rígida nem estanque. Deste modo, não pretendemos esgotar a discussão e a
caracterização desses diversos tipos, mas antes trazê-los para o centro da discussão,
buscando situar e entender as funções dessas tropas no quadro da governação. Discutir e
analisar as especificidades desses tipos de tropas nos ajuda a construir uma visão mais
acurada da própria governação. Exploraremos separadamente as principais
características de cada um desses tipos de provimento. Nosso objetivo é caracterizar e
entender as funções de cada tipo de oficio na governação do Estado do Brasil.

2.1. Tropa paga:

Os oficiais que compunham a Tropa paga eram aqueles que “recebiam, mesmo
que com atraso, soldo, fardamento, armamento, farinha, azeite, capim, cavalos e

195
assistência médica. Eles vinculavam os soldados a longos períodos de serviço”652. Esse
tipo de tropa tem por função a defesa das praças que guarnecem e o combate de
inimigos estrangeiros. De um modo geral os oficiais que compunham essa tropa
653
estavam inseridos nos terços existentes no presídio de Salvador e em outras
localidades de importância estratégica, como o já referenciado Morro de São Paulo 654,
assim como vilas e cidades centrais em outras capitanias. Tradicionalmente se
compreendem que os oficiais de infantaria, artilharia, fortificação e cavalaria fazem
parte das Tropas pagas. Em nossa analise quando nos referimos às Tropas pagas
estamos nos remetendo aqueles oficiais tidos como de infantaria e cavalaria, opção
adotada em razão de suas semelhanças hierárquicas e de organização. Por sua vez, os
oficiais de Artilharia e Fortificação serão abordados adiante e de modo individual, uma
vez que percebemos que especificidades que ganham contornos mais definidos em uma
exploração detida de suas características.
Em nossa amostragem analisamos 214 patentes a partir das quais podemos
identificar alguns traços da dinâmica de provimento das serventias militares desse
oficialato. Iniciamos essa caracterização pela distribuição territorial dos provimentos
como indicamos na Tabela 14. O evidente protagonismo da capitania da Bahia
(78,50%) pode ser atribuído a alguns fatores bem evidentes como a centralidade política
e econômica de Salvador como capital do Estado do Brasil, e a outros fatores não tão
evidentes, como os esforços de criação e manutenção dos terços para guarnecer a urbe
soteropolitana e pontos estratégicos de seu recôncavo655. Outras capitanias que

652
IZECKSOHN, Vitor. “Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-
brasileiros”. FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs) O Brasil Colonial. Vol. 3. (1720-
1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 492.
653
Os terços só foram incorporados na estrutura militar do Estado do Brasil após a retomada de Salvador
em 1626, quando foi criado o primeiro terço do Presídio da Bahia, por D. Fradique de Toledo Ozório. O
segundo terço, o “terço novo”, foi criado em 1631, em face da invasão holandesa em Pernambuco. Cf.
SCHWARTZ, Stuart.B.; PÉCORA, Alcir. (Orgs) As excelências do governador: o panegírico fúnebre a
D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.317;
MIRALES, D. José de. “História Militar do Brazil: Desde o anno de mil quinhentos quarenta e nove, em
q‟ teve principio a fund.am. da Cid.e. de S. Savl.or. Bahia de todos de todos os Santos até o de 1762”.
Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXII, Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger,
1900. p.185.
654
O Morro de São Paulo era uma guarnição importantíssima para o abastecimento de Salvador e do
Recôncavo, conforme indicamos no Capítulo 3.
655
“Os terços só foram incorporados na estrutura militar da América Portuguesa após a expulsão dos
holandeses de Salvador em 1625, quando foi criado o primeiro terço do Presídio. Em 1631, um segundo
terço foi criado, sendo denominado de “terço novo”, e criado em resposta a invasão holandesa em
Pernambuco e nas capitanias do norte. Os terços da Bahia eram peças centrais do sistema de defesa da
cidade de Salvador e de pontos vitais da economia açucareira no recôncavo. Como é possível observar na
transcrição, os soldados do terço guarneciam não só os fortes e redutos da urbe soteropolitana, mas
também eram responsáveis pela defesa de importantes regiões açucareiras, como a barra do rio Paraguaçu
196
possuíam um número significativo de oficiais de tropas pagas como Pernambuco e Rio
de Janeiro figuram de modo bem diminuto nessa amostragem, uma vez que os seus
governadores e o Conselho Ultramarino disputavam as prerrogativas de provimento das
serventias656. As demais capitanias não apresentam grandes contingentes de tropa paga,
e por consequência o número de oficias também é inferior, e nos casos de capitania
anexas, estavam sujeitas aos provimentos feitos pelos governadores responsáveis pela
sua jurisdição.

Tabela 14 - Número de patentes de Tropa paga por capitania 1642-1682

Capitania Valor Absoluto Valor %


Bahia 168 78,50%
Ilhéus 11 3,74%
Espírito Santo 9 4,21%
Pernambuco 8 3,74%
Rio de Janeiro 6 2,80%
Paraíba 6 2,80%
São Vicente 2 0,93%
Sergipe del Rey 2 0,93%
Itamaracá 2 0,93%
Total 214 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

O tempo de serviço é outra característica de destaque sobre a Tropa paga. Desde


já importa destacar que o provimento destes oficiais era feito em satisfação aos serviços
apresentados e ao tempo de exercício, mas também deve-se atentar que as justificativas
de provimento recorriam diversas vezes às qualidades sociais e ao desempenho no
exercício dos postos anteriores como pontos chave da concessão do ofício, o que
comumente era expresso nas referências ao “bom procedimento”, “aos merecimentos” e
as “partes” que concorriam no provido. Geralmente as patentes apresentam uma relação
dos serviços anteriores do provido, em alguns casos com uma contabilização do tempo
de serviço considerado para aquele provimento. Nesse sentido utilizaremos

e a plataforma de São Francisco de Sergipe do Conde, pontos essenciais para o escoamento da produção e
contato com o porto de Salvador”. ARAÚJO, Hugo André Flores Fernandes. “Um retrato da mostra dos
terços da cidade de Salvador em 1654”. Revista Cantareira (no prelo).
656
Isso pode ser percebido em trabalhos que analisaram as dinâmicas regionais dessas tropas, inclusive
utilizando fontes diferentes daquelas publicadas nos Documentos Históricos. No caso de Pernambuco os
trabalhos de Kalina Vanderlei, que utiliza a documentação da Coleção de Patentes Provinciais do
Arquivo Público Jordão Emerenciano: Cf. SILVA, Kalina Vanderlei. “Francisco de Brito Freyre e a
reforma militar de Pernambuco no século XVII”. In: POSSAMAI, Paulo (Org). Conquistar e defender:
Portugal, países baixos e brasil. Estudos de história militar na Idade Moderna. São Leopoldo, Oikos,
2012; SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: Militarização
e Marginalidade na Capitania de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Recife: FCCR, 2000. No caso do
Rio de Janeiro o já referenciado trabalho de Luiz Guilherme Scaldaferri, que utiliza patentes registradas
nos códices da Provedoria da Fazenda Real da Capitania do Rio de Janeiro do Arquivo Nacional: Cf.
MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2015.
197
precisamente as patentes que trazem os dados sobre o tempo de serviço, sendo que
apenas 130 das 214 patentes analisadas apresentam claramente esse tipo de informação.
Na Tabela 15 organizamos os dados sobre o tempo de serviço em intervalos, a fim de
indicar e perceber se há relação entre o tempo de serviço e os tipos de patente. Nos
extremos dessa amostragem encontramos o menor tempo de 4 anos para o cargo
capitão657 e o maior tempo de 48 anos para a patente de Mestre de Campo de
Pernambuco658, como veremos adiante na Tabela 16.

Tabela 15 – Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes na Tropa Paga

Tempo
Total de
de Tipo e quantidade de patentes %
patentes
Serviço
4-10 Capitão (13), Capitão da Guarda do Governador (3), Ajudante do
18 13,85%
anos número (1), Alferes de Cavalos (1)
Capitão (13), Ajudante supranumerário (5), Ajudante do número (3),
11-15 Ajudante de Sargento-mor (1), Ajudante de Tenente de Mestre de
26 20,00%
anos Campo General (1), Capitão de Cavalos (1), Capitão da Guarda do
governador (1), Tenente de Cavalos (1)
16-20 Capitão (17), Ajudante do número (5), Ajudante supranumerário (3),
29 22,31%
anos Sargento-mor (2), Ajudante (1), Capelão (1)
Capitão (11), Ajudante do número (3), Ajudante supranumerário (2),
21-25
Sargento-mor (2), Ajudante de tenente de mestre de campo general 19 14,62%
anos
(1)
Capitão (8), Ajudante do número (3), Ajudante supranumerário (2),
26-30
Ajudante de tenente de mestre de campo general (1), Sargento-mor 15 11,54%
anos
(1)
Capitão (7), Ajudante supranumerário (2), Sargento-mor (2), Tenente
31-35
de Mestre de Campo General (2), Ajudante do número (1), Ajudante 16 12,31%
anos
de tenente de mestre de campo general (1), Mestre de Campo (1)
36-40 Ajudante do Número (2), Ajudante supranumerário (1), Ajudante de
4 3,08%
anos Tenente de Mestre de Campo General (1)
Mais de Ajudante do Número (1), Ajudante Supranumerário (1), Mestre de
3 2,31%
41 anos Campo (1)
Fonte: Banco de dados de provimentos

657
São os casos do capitão Belchior de Sintra Lobo (17/04/1667, DHBN. Vol. XXII, p. 424-426) e do
capitão Cristovão Vieira Ravasco e Albuquerque (08/06/1670 DHBN, Vol. XXIII, p.447-449). Vale
ressaltar que esse tempo de serviço é inferior ao que estava expresso no Regimento das Fronteiras (6 anos
servindo como soldado e mais 3 como Alferes, ou 10 anos como soldado), fato que foi questionado pelo
Provedor-mor no caso do provimento de Cristovão Ravasco. A resposta emitida pelo governador-geral
Alexandre de Souza Freire deixava entrever que esse provimento estava considerando as qualificações
sociais do provido com um peso maior que sua experiência militar: “Sem embargo da duvida que Vossa
Mercê põe de não ter Cristovão Vieira Ravasco completado os anos que Sua Alteza manda em seu Real
nome lhe hei por suprido o curso que lhe falta por concorrerem nele as qualidades que a Vossa Mercê são
presentes e Vossa Mercê lhe mande assentar a praça.” DHBN, Vol. XXIII, p. 449. Cristovão Vieira
Ravasco e Albuquerque era o filho mais velho de Bernardo Vieira Ravasco, Secretário de Estado do
Brasil, portanto este caso nos leva a crer que a origem familiar era por vezes um fator decisivo nos
provimentos. Cf. PUNTONI, Pedro. “Bernardo Vieira Ravasco, Secretário do Estado do Brasil: poder e
elites na Bahia do século XVII”. In: O Estado do Brasil: Poder e política na Bahia colonial (1548-1700)
São Paulo: Alameda, 2013. p. 207.
658
Provido em Gaspar de Souza Uchoa (20/09/1670. DHBN, Vol. XXIV, p. 27-30). Em sua relação de
serviços consta ter passado por várias capitanias no Estado do Brasil (Pernambuco, São Vicente, Ilhéus,
Bahia)
198
Na Tabela 15 optamos por analisar a quantidade de tipos de patentes por faixa
de tempo de serviço, a fim de perceber se haveria alguma relação direta entre o tempo
de serviço e o posto ocupado. Neste ponto cabe indicar quais eram as hierarquias
existentes no interior da tropa paga a fim de compreender algumas características
particulares. A rigor, podemos distinguir os tipos de oficiais em dois tipos: oficiais
maiores e menores. Eram oficiais maiores aqueles que eram responsáveis pelos aspectos
gerais da gestão, comando e organização do terço: Mestre de Campo, Sargento-mor,
Ajudante do Número de Sargento-mor, Ajudante Supranumerário de Sargento-mor,
Capelão-mor, Cirurgião-mor, Tambor-mor, Tenente de Mestre de Campo General,
Ajudante de tenente de mestre de campo general. Os oficiais menores eram aqueles
responsáveis pela organização das companhias que compunham o terço: Capitão,
Alferes, Sargento, Tambor, que formavam a “primeira plana” das companhias. Na
hierarquia da cavalaria temos o Capitão de Cavalos, Tenente de Cavalos e Alferes de
Cavalos.
Destarte, não é surpresa que a patente mais numerosa dessa amostragem seja
justamente a de Capitão (um oficial menor) que figura com 69 registros. Neste caso os
dados apontam para uma larga margem de tempo de serviço entre os providos, pois
apresentam providos com tempos curtos como 4 anos e chegam até longos períodos
como 35 anos de serviço. Sendo que a principal concentração de patentes esta na faixa
de 16-20 anos (17 patentes), o que também está próximo ao tempo médio de serviço
desta patente (Tabela 15). Cabe destacar que o provimento dos capitães, a luz do que
indicam alguns tratados de época e o Regimento das Fronteiras, demandava uma
experiência prévia significativa, que variava de acordo com os autores entre 8 e 10 anos
de serviços como um dos requisitos mínimos 659.
No caso da patente de Ajudante do número de Sargento-mor660 (um oficial
maior) observamos dentre os 19 registros que compõe a amostragem que este ofício

659
Nas ordenanças militares de 1643 determina-se que o provimento de capitães fosse feito em Alferes
reformados e Ajudantes que tivessem 8 anos de serviço, ao passo que o Regimento das fronteiras (1645)
prevê que o provimento possa ser feito em pessoas que tenham 6 anos efetivos como soldados e mais 3
como Alferes, ou em soldados que tenham 10 anos efetivos. Cf. “Ordenanças Militares de 1643.” In:
SEPULVEDA, Christovam Ayres de Magalhães. História Organica e política do Exército Português.
Provas, Volume III. Lisboa, Impressa Nacional, 1906. p. 57.; Capítulo 14 do “Regimento das
Fronteiras.” In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Tomo
II. Rio de Janeiro: IHGB, Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 634.
660
Faz-se necessário caracterizar esse oficio a fim de compreender a sua importância hierárquica nas
tropas pagas. De acordo o Abecedário Militar este era um “cargo honrado, & de confiança: & por esta
199
tinha providos em todas as faixas de tempo de serviço. Cabe indicar que de modo
diferente dos oficiais menores, não havia o estabelecimento de um tempo mínimo para o
provimento. A principal concentração de providos desta patente foi na faixa de 16-20
anos com 5 registros. Devemos insistir que para este caso o tempo mínimo não figurava
como fator de seleção, o que se verifica inclusive no Regimento das Fronteiras, uma vez
que este não faz qualquer menção ao estilo de provimento deste ofício661 (nem de outros
ofícios maiores) e também não indica quais seriam características pretendidas e os
estilos observados para a escolha desses oficiais.

Tabela 16 – Tempo médio de serviço nas principais patentes da Tropa paga

Menor
Média de Maior tempo Total de
Patente Tempo de
tempo de serviço Patentes
serviço
Capitão 18,4 4 34 69
Ajudante do Número 23,8 10 44 19
Ajudante Supranumerário 22,5 11 41 16
Sargento-mor 25 16 33 7
Ajudante de Tenente de
27,2 13 37 5
Mestre de Campo General
Fonte: Banco de dados de provimentos

Na Tabela 16 indicamos o tempo médio de serviço apresentados nas patentes da


tropa paga. Optamos por utilizar apenas as patentes que figuravam com certo volume
que permitisse a sugestão de um tempo médio, de modo que patentes com pouca
ocorrência como a dos oficiais de cavalaria ou a de Mestre de Campo foram excluídas
dessa amostragem. A título de comparação, utilizaremos os dados de Luiz Guilherme
Scaldaferri para os postos de Capitão e Sargento-mor na capitania do Rio de Janeiro,

razão he muito necessário que represente o cargo com autoridade; porque se o Sargento-mor faltar por
indisposição, ou outros respeitos, possa exercitar o tal officio, & assim tem necessidade de saber obralo
como o mesmo Sargento-mor, porque tanto se obedecem as ordens do Ajudante, como as do mesmo
Sargento-mor”. LEMOS, João de Brito de. Abecedario militar do que o soldado deve fazer te chegar a
ser Capitão, & Sargento: ... Vol. II. Lisboa: por Pedro Craesbeeck Impressor del Rey, 1631. p. 36. Nas
ordenanças militares de 1643 indicava-se que “os ajudantes de Sargentos-mores ham de ser eleitos de
Alferes reformados práticos, e valerosos, e ham de ajudalos a todos os expedientes acodindo
promptamente a que se não dilatem as execuçoens”. “Ordenanças militares de 1643” In: SEPULVEDA,
Christovam Ayres de Magalhães. Op. cit. p. 64. Entre os dois tipos de Ajudantes de Sargento-mor, o
Ajudante do Número e o Ajudante Supranumerário, havia uma distinção hierárquica na qual o primeiro
era o superior, para em eventuais os casos em que tivesse que assumir o exercício por ausência do
Sargento-mor.
661
Neste ponto é interessante ressaltar que o Regimento das Fronteiras visa normatizar e definir estilos de
provimento apenas para os oficiais menores, indicando requisitos mínimos de tempo e qualidades que os
providos deveriam possuir. De modo que o regimento apenas explicita os requisitos descritos apenas para
as patentes de Capitão, Alferes e Sargento, e isso se deve ao fato dos oficiais menores representarem a
maior parte do oficialato das tropas pagas, uma vez que a contenção de gastos estava dentre as
preocupações do referido regimento.
200
que foram objetos de seu estudo. O autor analisa o período entre 1640 e 1652, no qual
encontra 12 patentes para o posto de Capitão com informações sobre o tempo de
serviço, encontrando assim o tempo médio de 15,3 anos, com os extremos de menor
tempo em 5 anos e maior em 40 anos662. No caso da patente de Sargento-mor,
Scaldaferri dispõe de apenas 3 patentes com dados sobre tempo de serviço, de que
resulta a média de 31 anos, sendo que o menor tempo encontrado é de 22 anos e o maior
663
de 40 anos . Cabe ressaltar que o autor trabalha exclusivamente com as patentes
régias e com um recorte temporal menor do que adotado no presente trabalho. Contudo,
mesmo se levarmos em consideração essas particularidades, perceberemos que a
diferenças entre as médias encontradas são pequenas, e podemos supor que
provavelmente seriam menores em uma comparação feita de modo mais aproximado,
levando em consideração um recorte temporal maior.
Além do tempo de serviço, outra característica fundamental das tropas pagas era
a remuneração que recebiam pelo exercício de suas funções. Na Tabela 17 indicamos
os valores mensais encontrados para algumas patentes, buscamos relacionar também o
local de exercício do ofício, e por fim projetamos o valor anual do soldo. Desde já, cabe
destacar que com poucas exceções os oficiais das tropas pagas não recebiam os soldos
integralmente, pois estavam submetidos a ordens reais que estipulavam a prática da
meia-paga 664.

662
MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2015. p. 277; 335-336.
663
Ibidem. p. 323.
664
A concessão do soldo integral (livrança) era vista como uma mercê, e portanto era tida como um
privilégio de poucos, remuneração dos serviços avaliados nos moldes da justiça distributiva. Como
vemos em uma portaria do Conde de Atouguia, havia ainda a possibilidade de concessão de livranças aos
soldados enfermos e necessitados. No mesmo documento o governador-geral adverte o escrivão da
fazenda sobre o cuidado necessário na verificação desses casos e das requisições sobre soldos atrasados,
instruindo que “se examine primeiro se o tal oficial a que se fizer a livrança está pago de meio soldo que
Sua Magestade (....) lhes manda dar por suas Reaes Ordens, porque em tal caso, não é minha tenção, que
a dita livrança tenha efeito, e suposto que no despacho se expresse que a conta dos soldos vencidos,
sempre se devem entender, não a respeito dos soldos que suas patentes declara, senão a respeito
daquele, e o que Sua Magestade lhes manda assistir”. 22/07/1654. DHBN, Vol. XVIII, p. 266.
201
Tabela 17 – Soldos dos oficiais da Tropa paga

Soldo Soldo
Patente Capitania
(Por mês) (Anual)
Bahia
Mestre de Campo 48.000 réis 576.000 réis
Pernambuco
Tenente de Mestre de Campo General Bahia 40.000 réis 480.000 réis
Cirurgião-mor Bahia 40.000 réis 480.000 réis
32.000
Capitão de Cavalos Bahia 384.000 réis
réis
Bahia
Sargento-mor 26.000 réis 312.000 réis
Paraíba
Alferes de Cavalos Bahia 20.000 réis 240.000 réis
Ajudante de Tenente de Mestre de Campo
Bahia 16.000 réis 192.000 réis
General
Tenente de Cavalos Bahia 16.000 réis 192.000 réis
Bahia
Pernambuco
Itamaracá
Capitão 16.000 réis 192.000 réis
Paraíba
Espírito Santo
Rio de Janeiro
Ilha de
Capitão 5.600 réis 67.200 réis
Itaparica/Bahia
Ajudante do número Rio de Janeiro 12.000 réis 144.000 réis
Bahia
Ilhéus
Ajudante do número 8.000 réis 96.000 réis
Espírito Santo
Itamaracá
Ajudante supranumerário Ilhéus 8.000 réis 96.000 réis
Alferes Espírito Santo 6.000 réis 72.000 réis
Capelão Ilhéus 4.800 réis 57.600 réis
Médico Bahia - 40.000 réis
Fonte: Banco de dados de provimentos

Em uma relação apresentada pela câmara salvador em 1659 temos a indicação


de quais oficiais maiores recebiam soldo inteiro, além de outras vantagens. A relação
indicava que o Mestre de campo do Terço velho, João de Araújo, recebia o soldo inteiro
e suas vantagens (2 escudos), totalizando o valor de 50.800 réis mensais, ao passo que o
Mestre de campo do Terço novo Nicolau Aranha recebia a meia paga de 24.400 réis665.
Os custos elevados do sustento e da paga dos oficiais era matéria de disputa constante, o
que por vezes se materializava em reformas gerais no terço como as reformas realizadas
pelo Conde de Castelo Melhor entre 1650 e 1653, nos terços de Salvador e do Rio de

665
20/02/1659. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.15, D.1736. João de Araújo teve a intercessão de Antonio
Teles da Silva pra conseguir o soldo integral, como vemos na carta régia remetida ao governador em
09/06/1646. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.10, D.1194. Contudo, esta diferenciação na forma do
pagamento do soldo foi questionada alguns anos depois com intensa discussão no conselho ultramarino,
levantando inclusive suspeição sobre a honestidade do mestre de campo e seus requerimentos sobre o
soldo. Cf. 03/06/1661. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.16, D.1799.
202
Janeiro666. A reforma das tropas era diferente da reforma dos oficiais. No Regimento
das Fronteiras se define que após 3 anos de serviço, os oficiais menores (Capitães,
Alferes e Sargentos) poderiam requerer reformação 667.
Podemos compreender com mais facilidade as implicações do custeio dos soldos
na governação através de um exemplo. Em uma relação apresentada ao Conselho
Ultramarino em 1642, onde se indicava as receitas e despesas da capitania da Bahia,
temos que as despesas envolvidas no sustento e manutenção da gente de guerra
montavam a vultosa soma de 30:474$000 réis, o que representava 70,42% de um total
de 43:274$000 réis orçados para as despesas para o ano de 1642 668. Dos gastos com a
gente de guerra apresentados nessa relação, 4:488.000 réis eram referentes apenas a
meia paga dos oficias, de modo que os 25:986:000 réis eram relativos ao sustento e a
ração ordinária dos soldados669. Isso reforça o que indicamos no Capítulo 3 sobre as
dinâmicas de organização e produção do sustento da tropa paga de Salvador
demandarem um espaço significativo na pauta da comunicação política do governo-
geral. Este desafio administrativo fica mais evidente se considerarmos o que as
estimativas indicam sobre os custos envolvidos no sustento dos 2455 soldados
assentados nos terços de Salvador durante ano 1642. Somente para cobrir os custos de
670
rações eram necessários mais de 80.000 réis por dia , uma vez que cada soldado

666
O Conde de Castelo Melhor tentava implementar as reformas nas companhias do terço de Salvador
desde 1650, a fim de reduzir o número de oficiais e o custo destes aos cofres da câmara. A reforma
reduziu o número de terços de 3 para 2, e fixou o número de companhias em 24, sendo 12 para cada terço.
Cf. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXII, Rio de Janeiro: Typographia
Leuzinger, 1900. p.188-193. Luiz Guilherme Scaldaferri indica que a reforma no Rio de Janeiro reduziu
o número de companhias de 10 para 6. Cf. MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2015. p.170-
171.
667
Capítulos 14, 15 e 16 do “Regimento das Fronteiras.” In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes
da Formação Administrativa do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro: IHGB, Conselho Federal de Cultura,
1972. p. 634.
668
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 8, D. 977.
669
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 8, D. 977- Se recordarmos o sentido prático da remuneração pelo soldo,
na acepção coetânea, veremos que as pessoas que o recebiam destinavam exclusivamente ao serviço
militar, outros ofício que praticavam remuneração monetária comumente chamam o pagamente de
ordenado, tal como os governadores-gerais. Na definição apresentada por Bluteau percebemos um
entendimento de que este deveria ser “suficiente, & pronto (para que a carência do necessário não
desculpe o buscar se por ilícitos meios) & distribuido por tão limpos & fiéis conductos, que os soldados
não sintão sem fruto a falta, o povo não chore sem proveito a perda como a fonte que dispendendo seus
cabedais para sustento das arvores os vê sumir pelas roturas do tanque” BLUTEAU, D. Raphael.
Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. VII. Coimbra: Collegio das
Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 703.
670
ARAÚJO, Hugo André F. F. Op. cit. 2014. p. 64.
203
recebia para o sustento uma ração equivalente a 35 réis, o que correspondia a “trinta réis
em dinheiro e um alqueire de farinha para trinta dias” 671.
Os provimentos para as tropas pagas nos indicam o potencial analítico desse
segmento de oficiais, uma vez que podemos cruzar algumas variáveis e encontrar alguns
traços sobre esses oficiais. Um trabalho que se propusesse a aprofundar o estudo sobre
os oficiais militares da Tropa paga teria nestes provimentos uma boa base documental e
um ponto de partida para questões mais complexas, como análises de redes de
sociabilidade e do desenvolvimento de trajetórias de serviços. Por fim, resta indicar que
este tipo de tropa se relaciona diretamente com outros tipos que analisaremos mais
adiante.

2.2. Ordenança:

As tropas de Ordenança eram compostas por “homens que não possuíam


instrução militar sistemática nem recebiam soldos. Seu efetivo era formado pelos
moradores locais não arrolados na milícia, que permaneciam em suas atividades
particulares e somente eram mobilizados em caso de perturbação da ordem pública” 672.
Essas tropas surgiram em Portugal durante o século XVI, em face da crescente
necessidade de mobilizar defensivamente a população uma vez que este foi um período
marcado pela intensificação de ações de piratas e ataques nações rivais673.
No Estado do Brasil não conseguimos precisar a data de introdução do sistema
de ordenanças, mas encontramos relatos que em 1585 algumas companhias de
ordenança da capitania de Pernambuco ingressaram nos esforços mobilizados para
ações contra os potiguares na Paraíba674. Algumas das referências mais antigas sobre as
ordenanças na Bahia são oriundas dos relatórios de Diogo Campos Moreno. Entre 1609
e 1612 o autor indica que a cidade de Salvador dispunha de duas companhias de
ordenança e que poderia mobilizar até 300 arcabuzeiros, sendo que no recôncavo da

671
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 8, D. 977. – Um alqueire correspondia a 36,27 litros. Cf. SCHWARTZ,
Stuart.B.; PÉCORA, Alcir. Op. cit. p. 324.
672
IZECKSOHN, Vitor. Op. cit. p.493.
673
De acordo com Christiane Mello a mobilização militar da população foi instituída a partir da Lei de
Armas de 09/12/1569, e ganhou contornos mais definidos com o Regimento das Ordenanças em
10/12/1670 e com a Provisão das Ordenanças de 15/05/1574. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de.
Forças militares no Brasil colonial: Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na Segunda Metade do Século
XVIII. Rio de Janeiro: E-papes, 2009. p.29-43. Essas ordens régias fundamentaram as bases do
recrutamento, indicando obrigações, privilégios e sanções a que estavam submetidos a parcela da
população que não gozasse dos privilégios de isenção do serviço.
674
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil (1500-1627) Nova Ed. Rev.por Capistrano de
Abreu. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1918. p.285-287.
204
capitania haviam mais 8 companhias que eram capazes de mobilizar até 800 homens675.
É provável que o número de companhias e homens mobilizados neste período pudesse
ser maior, uma vez que Diogo Campos Moreno indica que sua relação não contabilizava
“os da obrigação da Corte, estudantes, nobres e privilegiados, nem os oficiais da
Relação, Fazenda e Justiça, mas somente os que o alardo pode obrigar” 676
. Nos
regimentos dos governadores-gerais as instruções sobre a gestão dos oficiais da
677
ordenança foram inseridas a partir do regimento de Gaspar de Souza (1612) e se
tornaram regulares nos demais regimentos.
Para além das funções de defesa e controle social, as ordenanças também eram
peça central na arrecadação de tributos, fintas e contribuições, sobretudo por estarem
organizadas em freguesias. Em nosso banco de dados sobre a comunicação política no
Estado do Brasil encontramos diversas cartas endereçadas aos oficiais da ordenança
com instruções sobre procedimentos de arrecadação. Para exemplificar citaremos um
caso relacionado à cobrança do Dote e Paz. Em 1671 uma carta remetida a um Ajudante
do partido do Coronel Baltazar dos Reis Barrenho especificava a forma como as tropas
de ordenança participavam na arrecadação:
vá ao distrito de que é Coronel Baltazar dos Reis Barrenho, e dando-
lhe a carta que com esta se lhe há de entregar, corra todas as
Freguesias dele, e a cada Capitão ajudará a cobrar com efeito, tudo o
que pelo róis da Câmara (que se lhe enviado (sic) constar que está
devendo ao donativo do dote e paz, e de resto das fintas. E os obrigará
as pessoas que devem, a que entreguem logo o dinheiro ou tabacos, e
em falta as traga consigo a esta Cidade para na mesma câmara, se
averiguar qualquer dúvida que tenham, e não havendo pagarem com
efeito678.

Aos oficiais que serviam nas ordenanças eram conferidos alguns privilégios que
explicitavam distinções sociais importantes, o que “equivale a dizer que „Todo Militar
goza de nobreza pelo privilégio de foro, que lhe pertence por Direito Civil; e quando he

675
“Relação das Praças Fortes, povoações e cousas de importância que Sua Majestade tem na Costa do
Brasil fazendo principio nos baixo ou ponta de São Roque para o Sul do Estado e defensão delas, de seus
fruitos e rendimentos, feita pelo Sargento-mor desta Costa Diogo de Campos Moreno, no ano de 1609”.
In: Revista do Instituto Arqueológio, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol. LVII. Recife, 1984. p.
215. MORENO, Diogo de Campo. A Bahia no livro do Sargento-mor: Livro que dá razão do Brasil
(1612). Anotações de Hélio Viana. Salvador: Centro de Estudos Bahianos. 1968. p. 5.
676
MORENO, Diogo de Campo. Op. cit. 1968. p.5
677
“A organização e o treinamento dos moradores da Bahia e das outras capitanias do Brasil, segundo o
Regimento Geral das Ordenanças, estavam nas instruções trazidas por Gaspar de Sousa e Diogo de
Mendonça Furtado”. COSENTINO, Francisco Carlos C. Governadores Gerais do Estado do Brasil
Séculos (XVI-XVII): Ofício, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume; Belo
Horizonte: Fapemig. 2009. p. 233
678
15/06/1671. DHBN, Vol.IV, p. 157.
205
oficial de patente, escritas as palavras referidas nelas declaras, e assignadas pela Real
Mão, tem toda a graduação de nobreza‟.” 679 Essa percepção esta afinada com uma das
definições de Nobreza apresentada por Bluteau, no caso a nobreza política “ou civil, he
aquella, que alguém logra, não pela successão do sangue, mas por respeito do posto, ou
cargo nobre, que exercita”680. Além da associação com a nobreza do ofício, aqueles que
recebiam patentes de oficiais da ordenança desfrutavam de privilégios práticos, como
indicados Christiane Pagano de Mello:
Entre os privilégios para os oficiais da Ordenanças, estava
estabelecido “que os capitães-mores, e mais capitães lograssem os
privilégios de Cavaleiros Fidalgos”, ou seja: não deviam ser obrigados
a servir nos “cargos da República de menos qualidade”, nem a “darem
alojamento”, estavam isentos do encargo de “ir ás fronteiras”, e não
podiam “ ser prezos em ferro senão por crime que por ele mereção
morte civil, ou natural”681.

Na Tabela 18 indicamos a distribuição geográfica das patentes. Para este


segmento de provimentos militares encontramos 392 patentes, o que o torna o tipo mais
presente em nossa análise, como indicamos anteriormente no Gráfico 12. Neste caso a
predominância da capitania da Bahia mais uma vez ganha destaque (199 patentes). Isso
também pode ser visto como um reflexo da distribuição populacional pelo recôncavo,
uma vez que destas apenas 50 são referentes a cidade de Salvador, todo o restante
correspondia as freguesias e distritos do recôncavo e do sertão da capitania. Se
consideramos a região das capitanias anexas e subordinadas a Bahia (Sergipe del Rey,
Ilhéus, Porto Seguro, Rio Grande e Paraíba) veremos que os dados agregados
representam 91,07% do total analisado. Esse dado é outro forte indicativo da formação
de uma área de influência na qual predominavam as ações dos governadores-gerais
sobre as capitanias subordinadas a sua jurisdição. Isso corrobora o argumento que temos
apresentado ao longo dos capítulos, acerca da definição de territorial das jurisdições
entre os governos da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco.

679
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Op. cit. p. 62. No reino de Portugal “os ofícios de capitão-
mor e de sargento-mor conferiam sempre nobreza vitalícia, qualquer que fosse a dimensão da capitania
(os restantes, apenas enquanto eram exercídos), e exigiam um grande empenho a quem os desempenhava,
pela natureza das tarefas requeridas e pela duração do ofício”. MONTEIRO, Nuno. “Elites locais e
mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime.” In: Elites e poder: entre o antigo regime e o
librealismo. 3ª. Ed. Lisboa: ICS, 2012. p. 47.
680
BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. V.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 732. (CD-ROM). A nobreza hereditária é o
outro tipo apontado por Bluteau, no qual esta é definida por “uma antiga sucessão de sangue de huma
família, que teve pessoas illustres, & famosas em armas, ou letras, ou outro exercício honesto, dos
antepassados se derivou a glória aos descendentes.” Loc. cit.
681
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Op. cit. p. 62.
206
De modo complementar, podemos entender que os provimentos de Ordenança
endereçados para as capitanias do Norte (Pernambuco e suas anexas) e para as
Capitanias do Sul (Rio de Janeiro e suas anexas) como episódicos, uma vez que a
jurisdição acerca desse tipo de provimento sofreu transformações ao longo da segunda
metade do século XVII, progressivamente delimitando as prerrogativas de provimentos
dos governadores e capitães-mores dessas regiões682. Isso fica evidente se observarmos
isoladamente as capitanias: para Pernambuco observamos que 7 dos 10 provimentos
foram feitos durante o governo do Conde de Óbidos, durante o ano de 1664, isto é, na
esteira da publicação do regimento dos capitães-mores que representava uma política de
centralização desse tipo de provimento no governo-geral. Já no caso da capitania de
Itamaracá, todos os provimentos coletados foram emitidos em Julho de 1670, sendo que
o governador-geral Alexandre de Sousa Freire justificava o provimento destes vários
postos por estarem vagos. Contudo, acreditamos que se tratava de uma ação incisiva por
parte do governo-geral, como resposta a não observância das ordens sobre as
confirmações de provimento que foram estipuladas nos regimentos do governo-geral683.
As provisões episódicas também se verificam nas emissões de provimentos para as
Capitanias do Sul. No que toca as Capitanias do Rio de Janeiro 684 e de Cabo Frio, os
provimentos eram referentes às regiões de Paraíba do Sul, Campos dos Goitacás e mais
distritos dessa região. Como vemos os provimentos dessa região eram entendidos por
Alexandre de Souza Freire como parte da jurisdição dos governadores-gerais, “por
tocarem só a este Governo Geral todos os provimentos da Capitania do Cabo Frio, e

682
No regimento dos capitães-mores de 1663 estava definido que nas ocasiões de vacância das
companhias haveria promoção do oficial imediatamente inferior, não havendo portanto a concessão de
prerrogativa de provimento da serventia aos capitães-mores de capitanias, como vemos no documento:
“Achando vaga, ou vagando depois alguma Companhia, das que houver de Infantaria paga, ou da
Ordenança ou Auxiliares: a Governará o mesmo Alferes, enquanto o Capitão-mor me faz aviso, dando-
me logo notícia das pessoas de mais merecimento que ali houver para eu mandar o que convier”.Cf
.DHBN, Vol. V. p. 374-380. O regimento dos governadores de Pernambuco (1670) já expressava que a
prerrogativa de provimentos das serventias de ordenança era da alçada do governo da capitania, sem a
interferência do governo-geral, que contudo, deveria ser informado sobre o provimento. Cf. “Regimento
dos governadores da capitania de Pernambuco”. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. XXVIII. Rio de
Janeiro, 1906. p. 121-127.
683
Disputas jurisdicionais sobre provimentos marcaram a relação entre Alexandre de Sousa Freire e o
governador de Pernambuco, Bernardo de Miranda Henriques. Nesse cenário as discussões sobre a
jurisdição de Itamaracá ganharam destaque como vemos em algumas cartas endereçadas ao governo de
Pernambuco: DHBN, Vol. IX, 378-380 (15/09/1670); 380-381 (23/09/1670);381-383(20/09/1670).
684
O provimento listado como pertencente a capitania do Rio de Janeiro é referente ao Capitão da
Ordenança dos “Campos dos Guaytacazes, Paraíba [do Sul] e distritos dos mesmos Campos”, região que
na época fazia parte da capitania do Rio de Janeiro. 07/12/1655. DHBN, Vol. XXXI, p. 180-182.
207
lugares da sua jurisdição, como independente da do Rio de Janeiro” 685
, contudo essa
percepção não persistiria pois as patentes subseqüentes não trazem essa mesma fórmula.
As capitanias de Espírito Santo e São Vicente também figuram no quadro de
686
provimentos em pouca quantidade e com dispersão temporal . Para o único
provimento encontrado referente a capitania de Itanhaém vemos que este foi feito em
resposta a uma solicitação da câmara da capitania 687.

Tabela 18- Número de patentes de Ordenança por capitania 1642-1682


Capitania Valor Absoluto Valor %
Bahia 199 50,77%
Sergipe del Rey 73 18,62%
Ilhéus 34 8,67%
Rio Grande 28 7,14%
Paraíba 16 4,08%
Pernambuco 10 2,55%
Itamaracá 9 2,30%
Porto Seguro 7 1,79%
Cabo Frio 5 1,28%
Espírito Santo 5 1,28%
São Vicente 4 1,02%
Rio de Janeiro 1 0,26%
Itanhaém 1 0,26%
Total 392 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

Na Tabela 19 apresentamos a relação entre os tipos de patentes e as faixas de


tempo de serviço. Diferente das Tropas pagas, os dados sobre o tempo de serviço para
os oficiais de ordenança são significativamente mais escassos, uma vez que
conseguimos precisar o tempo de serviço de apenas 55 patentes, o que representa apenas
14,03% do total desse tipo de provimento. Referências vagas e imprecisas sobre o
tempo de serviço refletem a imensa maioria das descrições sobre esse tipo de
provimento688. Nesse sentido, vemos que o tempo de serviço e mesmo a descrição e
detalhamento destes não era costumeiro para as patentes de ordenança durante este

685
13/10/1668. DHBN, vol. XI, p. 456-458. Como indicamos no Capítulo 3 o status da capitania de Cabo
Frio e dos territórios de Paraíba do Sul se modificam durante a segunda metade do século XVII, com a
progressiva delimitação jurisdicional desses territórios.
686
Encontramos provimentos para os seguintes anos: São Vicente - 1663, 1668, 1671, 1673; Espírito
Santo- 1657, 1662, 1666, 1672.
687
“Porquanto os oficiais da Câmara da Vila da Conceição me enviaram a representar, que estava sem
Capitão da Ordenança da dita Vila, pedindo-me mandasse prover aquela Companhia....”. 13/09/1673.
DHBN, Vol. XII, p.289-290
688
Estamos nos referindo as descrições vagas como “tendo servindo a Sua Magestade de muitos anos a
esta parte” (AHMS-PGS-Vol.I, fl.52v-54v.) ou “servido nas ocasiões que tem oferecido nesta Praça”
(AHMS-PGS-Vol.I, fl.239v-242v.). E em alguns casos é impossível precisar a data em razão do pouco
nível de detalhes: “haver servido a Sua Alteza nas guerras de Pernambuco” (DHBN, Vol. XII, p.46-47.)
208
período, o que se modificaria ao longo do século XVIII quando paulatinamente se
buscar definir estilos de provimentos e regras mais definidas para o funcionamento das
ordenanças689. Ainda assim, insistimos nesta questão a fim de construir uma
caracterização mínima que nos permita ressaltar as especificidades dos diferentes tipos
de provimentos. Nos extremos dessa amostragem temos o menor tempo de serviço
declarado em 5 anos e o maior em 34 anos690. A faixa de tempo de serviço com maior
concentração de patentes é aquela dos 16 a 20 anos, que coincide com a principal
tendência encontrada para as Tropas pagas. Da mesma forma a patente com maior
predomínio em todas as faixas de tempo é a de Capitão. Esta análise sobre o tempo de
serviço nos permite perceber que as patentes mais altas da hierarquia das Ordenanças
(Sargento-mor e Coronel) apresentam uma variação entre 13 e 33 anos de serviço
(Tabela 20), o que nos permite sugerir que o processo de ascensão ao topo desta
hierarquia fosse relativamente mais fácil (ou mais rápida), do quando observamos as
médias de tempo do topo da hierarquia da Tropa paga.

Tabela 19 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes na Ordenança

Tempo de Total de
Tipo e quantidade de patentes %
Serviço patentes
5-10 anos Capitão (6), Ajudante de Sargento-mor (1) 7 12,73%
Capitão (5), Ajudante de Sargento-mor (2), Coronel (2),
11-15 anos 11 20,00%
Sargento-mor (1), Ajudante de Coronel (1)
Capitão (11), Sargento-mor (6), Ajudante (1), Ajudante de
16-20 anos Coronel (1), Ajudante de Sargento-mor (1), Capitão do Campo 23 41,82%
(1), Capitão da gente do mar (1), Coronel (1)
21-25 anos Capitão (5), Sargento-mor (2), Coronel (1) 8 14,55%
26-30 anos Capitão (2), Sargento-mor (2) 4 7,27%
mais de 31
Capitão (1), Coronel (1) 2 3,64%
anos
Fonte: Banco de dados de Provimentos

Na Tabela 20 apresentamos a média do tempo de serviço apresentado nas


patentes mais freqüentes. Em que se pese o pouco volume disponível para essa
extrapolação, um dado que nos chama a atenção é que as médias de tempo de serviço
689
De acordo com José Eudes Gomes foi ao “longo do século XVIII, especialmente durante o reinado de
D. João V, através da publicação de diversas ordens [que] a monarquia procurou combater a ocorrência
de irregularidades relativas às ordenanças, buscando controlar a formação de novas companhias, evitar a
criação indevida de postos do oficialato, eliminar companhias incompletas ou vazias, regular o processo
de eleição e definir o tempo de exercício dos postos do oficialato, especialmente o de capitão-mor”.
GOMES, José Eudes. “Fora da lei e do estilo: Fraudes e parcialidades nas eleições para as ordenanças na
América Portuguesa (1698-1807)”. In: POSSAMAI, Paulo (Org). Conquistar e defender: Portugal, Países
Baixos e Brasil. Estudos de história militar na Idade Moderna. São Leopoldo: Oikos, 2012. p.123
690
As duas patentes são de Capitães da Ordenança, sendo que a de menor tempo é referente ao
provimento de Antonio Fernandes de Simas (DHBN, Vol. XI, p. 447-448) e a maior para o capitão André
de São Marinho Castrilhon (DHBN, Vol. XI, p. 424-426)
209
são relativamente próximas entre si, o que reforça nossa percepção sobre o caráter
secundário das listas de tempo de serviço como fator de relevância para a promoção
hierárquica. Se compararmos essas médias com aquelas encontradas para as tropas
pagas veremos que estas são ligeiramente inferiores.

Tabela 20 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Ordenança

Média de Menor Tempo de Maior tempo de Total de


Patente
tempo serviço serviço Patentes
Capitão 17,3 5 34 30
Sargento-
21,2 13 30 11
mor
Coronel 21 15 33 5
Fonte: Banco de Dados de Provimentos

Tudo isso nos leva a seguinte questão: se longos períodos de serviço não
aparecem com um fator principal nestes provimentos, quais eram as outras
características que influíam na escolha dos providos? Se observarmos as principais
justificativas apresentadas para os provimentos desses oficiais encontraremos
indicativos de outras características com maior relevância: como a residência na
localidade de exercício da patente691; a posse de distinções sociais como a de
“principal” ou “nobre” 692
; o dispêndio de fazenda e auxilio na conservação e defesa da
693
localidade ; a indicação ou boa recomendação feita pela Câmara694. Em alguns casos
as justificativas explicitamente atribuem o provimento as relações familiares. Esta
aparentemente era uma das estratégias destes grupos para controlar cargos e exercer

691
“Domingos Gonçalves de Carvalho morador na mesma Freguesia e de haverdes procedido bem no que
se vos encarregou do serviço de Sua Majestade” (06/05/1648. AHMS-PGS-Vol.II, fl.332-333v);
“concorrerem estas partes na de Salvador Dias, morador daqueles campos” (01/04/1650. DHBN,Vol.
XXXI, p.53-54)
692
“concorrerem todas estas partes e qualidades na pessoa de Fernão da Cunha, uma das principais
daquela Capitania” (25/03/1650. DHBN,Vol. XXXI, p.50-51); “André Cavalo de Carvalho morador da
dita Freguesia, é dos nobres e que mais cargos tem servido nesta cidade” (19/12/1647. AHMS-PGS-Vol.I,
fl.305v-308.)
693
“assistindo ao donativo que esta cidade contribuiu de negros que deu para as fortificações, com muito
zelo, e dispêndio, por cujo respeito me consultou a Câmara para este posto”. (??/11/1650. DHBN,
Vol.XXXI, p.70-72); “se achou nas ocasiões em que nela houve, com suas armas, um filho, e escravos no
trabalho das fortificações, contribuindo tudo o que lhe tocava de Donativos, e Fintas para o sustento da
Infantaria deste Presídio, e apresto das Armadas Reais que a este Estado vieram” (22/03/1669. DHBN,
Vol. XII, p.20-22)
694
“cujo respeito me consultaram os oficiais da Câmara desta cidade para o tornar a prover nele”
(14/10/1650. DHBN, Vol.XXXI, p.62-63); “tendo eu respeito ao bem que todas estas partes concorrem
nas de Antônio Curvelo e satisfação com que me consta haver servido a Sua Majestade nas ocasiões que
se ofereceram por cujo respeito me consultarão os oficiais da Câmara desta cidade” (06/12/1657. AHMS,
PGS, Vol. 3, f.238-240)
210
poder sobre determinadas localidades, assim como garantir a permanência do ofício na
família:
Valentim de Faria Barreto me representou por sua petição, que por sua
idade e achaques, não podia continuar o posto que ocupava de Capitão
da Companhia de Infantaria da Ordenança da Freguesia de Pirajá,
pedindo-me provesse nele a seu filho Diogo Teles Barreto, Bisneto de
Egas Moniz Barreto, Fidalgo da Casa de Sua Alteza695.

O uso do prestígio familiar e dos serviços prestados por parentes também


poderia ser convertido em provimento, o que, aliás, era uma prática recorrente na
solicitação de diversos tipos de mercês696. De modo que dentro da lógica da
remuneração de serviços, ações familiares que não tivessem previamente sido
recompensadas poderiam ser convertidas para atender o solicitante:
tendo eu consideração ao bem que estas qualidades concorrem na
[pessoa] de Estevão Gomes de Escobar filho de Pantaleão Gomes de
Escobar, cidadão desta Cidade, e aos serviços que o dito seu Pai fez a
Sua Majestade no decurso de muitos anos, aos vários Donativos, e
contribuições, e outras despesas de sua fazenda, para o sustento deste
Presídio, e Armadas que a este porto vinham, e a lhe morrerem um
Tio Capitão de Infantaria, e um Irmão Alferes pago, ambos no serviço
de Sua Majestade 697.

Este é um exemplo de patrimonialização de serviços, visto que o uso e a


transmissão dos serviços anteriores se fazem como a transferência de um bem, o que se
explica pela cultura jurídica vigente, na qual “ciertos méritos y servicios, generaban un
crédito en quien los había realizado o prestado y, en conseqüência, que se hallaban entre
sus bienes y que pudiera cederlos y transmitirlos por causa de muerte” 698.
Portanto, indicamos como vários fatores concorriam nas justificativas atribuídas
à escolha e o provimento do oficialato das ordenanças. Em nossa percepção a
apresentação de listas de serviços com descrições detalhadas de ações e do tempo de
atuação aparentemente eram de uma importância secundária. Por outro lado, devemos

695
02/12/1669. DHBN, Vol. XII, p. 67-68. Além de mobilizações para transmissões entre pai e filho,
também encontramos exemplos de situações entre irmãos: “Francisco de Melo de Vasconcelos por
achaques que tem para a não exercer e convém prove-la em pessoa de valor prática da disciplina militar e
experiência de guerra tendo eu consideração ao bem que todas estas partes concorrem na de Luis de Melo
de Vasconcellos seu Irmão” 01/09/1657. AHMS, PGS, Vol. 3, f.208-211.
696
Conforme aquilo que foi indicado por Fernanda Olival, o discurso sobre o débito moral permeava a
economia da mercê, pois alguns vassalos entendiam que a exploração desse viés simbólico (os serviços de
antepassados não remunerados) eram uma via legítima para requisição de mercês. Cf. OLIVAL,
Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789).
Lisboa: Estar Editora, 2001. p. 26-27.
697
15/07/1668. DHBN, Vol. XI, p. 430-432.
698
GRANDÓN, Javier Barrientos. Op. cit. p. 600.
211
recordar que tanto as Câmaras como as Ordenanças funcionavam de modo semelhante
como vias possíveis de atuação e exercício de poder destas elites locais. Isso explica em
parte a preferência pelas pessoas detentoras de distinções sociais ou pertencentes as
famílias com forte expressão local699. Nesse sentido, os serviços oferecidos para pleitear
postos nas ordenanças eram aqueles que estavam ao alcance destas elites, isto é, a
participação nas ações de defesa e o dispêndio de recursos (fazendas e escravos) na
conservação de suas respectivas localidades. A importância desses ofícios para o
exercício do poder local por vezes gerava disputas entre os grupos das elites locais700.
Por fim é interessante notar que em alguns casos havia a possibilidade de
transição de oficiais da Ordenança para Tropa Paga. Essa opção não estava ao alcance
de muitos que ingressavam nas ordenanças, e mesmo entre aqueles que poderia pleitear
a mudança outros fatores concorriam e a opção nem sempre era atrativa as interesses. A
fim de ilustrar as possibilidades de mobilidade entre as tropas, analisaremos o exemplo
de Antonio Guedes de Brito. Em 1644 iniciou sua carreira nas ordenanças recebendo a
patente de Capitão dos Estudantes701, tendo aproximadamente 17 anos. Em fevereiro de
1667, portanto 23 anos depois, recebia a patente de Capitão de Infantaria da Tropa paga,
e em outubro do mesmo ano ascendia a Sargento-mor da Tropa Paga702. Três anos
depois em 1670 atingia o topo da hierarquia recebendo a patente de Mestre de Campo, a
esta altura com aproximadamente 43 anos de idade e 26 anos de serviços. Neste sentido
é importante observar que processos de ascensão hierárquica como esta não eram
realidade para a maioria dos oficiais. Como veremos a seguir, Antonio Guedes Brito
fazia parte do restrito grupo da elite baiana com raízes quinhentistas703. É importante
notar também que Guedes de Brito reunia diversas características de relevância para o

699
De acordo com Nuno Monteiro a monarquia buscava assegurar a predominância dessas elites
“reservando-lhes os „principais ofícios da República‟ nas diversas povoações do reino, ou seja, ofícios
honorários das câmaras e os postos superiores da ordenança”. MONTEIRO, Nuno. Op. cit. 2012. p.43.
700
José Eudes Gomes analisa como a busca pelo controle destas patentes se materializava em disputas nas
quais acusações das mais diversas naturezas eram feitas a fim de indicar irregularidades ou fraude nos
processos de provimento destes oficiais. Cf. GOMES, José Eudes. Op. cit. p.119-141.
701
11/07/1664. AHMS-PGS-Vol.I, fl.148-150v.
702
Provido pelo Conde de Óbidos em 28/02/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 400-404; Provido por Alexandre
de Souza Freire em 10/10/1667. DHBN, Vol. XXIII, p.82-85.
703
Antonio Guedes de Brito foi um dos maiores proprietários de terra do Brasil, e descendia de Diogo
Álvares (Caramurú). Seu caso apesar de extraordinário, nos auxilia a compreender como o poder político
e as relações familiares eram operados para viabilizar a inserção e a atuação em diversas esferas do poder
local. Cf. SCHWARTZ, Stuart.B.; PÉCORA, Alcir. (Orgs) Op. cit. p. 312-313. As estratégias familiares
e a atuação de Antonio Guedes de Brito foram largamente exploradas por Thiago Krause. Cf. KRAUSE,
Thiago Nascimento. A formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia
seiscentista. Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro, UFRJ, 2015.
212
provimento das ordenanças conforme indicamos anteriormente. Sua extensa lista de
serviços foi resumida seguinte maneira:
servira a Sua Alteza de 26 anos a esta parte ocupando duas vezes o
posto de Capitão de Infantaria da ordenança (...) depois o de Capitão
de Infantaria paga do mesmo terço sendo Mestre de Campo dele
Nicolau Aranha Pacheco, e ultimamente o de Sargento-maior do de
que é Mestre de Campo Álvaro de Azevedo, no qual continuou até
Sua Alteza se servir prover na propriedade a Damião de Lanções de
Andrade, por cuja causa assentou praça de soldado na companhia do
Mestre de Campo Alvaro de Azevedo em que atualmente continua.
Havendo-se no decurso de todo este tempo, e exercício dos referidos
postos, com a pontualidade, e zelo que de suas obrigações se esperava
(...) [atuou] na reedificação do forte Santa Cruz que pôs em sua
perfeição estando todo arruinado exercitando os soldados do seu terço
com esquadrões em cuja arte é perito, e oferecendo logo de sua
fazenda 600 cabeças de gado para o sustento da Infantaria:
continuando em tantos anos de guerra que houve neste Estado sempre
nesta praça pronto com sua pessoa e fazenda para tudo o que se lhe
ordenasse do serviço de Sua Alteza dispendendo por ter grande
cabedal muita parte dela em donativo, fintas, e empréstimos para os
socorros de Pernambuco sustento da Infantaria desta praça, querenas,
e fornecimentos das Armadas, mantimentos das tropas que pelos seus
currais passavam a fazer hostilidades á campanha das Capitanias do
Norte quando os Holandezes as ocuparam: e ultimamente nas várias
entradas que se tem mandado fazer ao Sertão á conquista dos Gentios
bárbaros que descem a matar, e roubar os moradores do recôncavo, e
vilas vizinhas, sempre foi dos que com mais vantagem assistiu para
aquelas despesas com dinheiros, carnes farinhas, carros, cavalos,
escravos, e criados para o comboio de tudo o que era necessário sem
paga alguma da Fazenda Real, nem da do público, mostrando em tudo
o grande zelo com que sempre serviu a Sua Alteza imitando a seu pai
Antônio de Brito Corrêa que por espaço de 40 anos me constou haver
também servido a Sua Alteza nesta praça achando-se nas ocasiões que
se ofereceram (...) por cujos respeitos, e de não ter até o presente
mercê alguma de Sua Alteza em remuneração de serviços704

É preciso ressaltar também como as Ordenanças estavam intimamente ligadas a


reprodução do poder das elites locais, que não só reforçavam seus vínculos com a coroa
por meio do serviço, mas que também utilizavam as posições conquistadas para o
desenvolvimento e defesa de seus interesses705.

704
Suprimimos da relação as datas pontuais sobre participações em batalhas, e ocasiões em que seu pai
serviu durante a União Ibérica. 31/01/1670. DHBN, Vol. XXIV, p. 99-103
705
Thiago Krause demonstra claramente como os principais Coronéis do recôncavo no século XVII
possuíam engenhos e ligações diretas e indiretas com a câmara de Salvador. Cf. KRAUSE, Thiago
Nascimento. Op. cit. 2015, p.112. Um exemplo sobre a relação entre o uso de tropas de ordenança como
instrumento de governação foi desenvolvido por José Eudes Gomes para a capitania do Ceará. Cf.
GOMES, José Eudes. “As armas e o governo da República: tropas locais e governação no ceará
setecentista”. In: GUEDES, Roberto (Org.) Dinâmica Imperial no Antigo Regime Português: Escravidão,
governos, fronteiras, poderes, legados. Séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. p.189-207.
213
2.3 – Auxiliares:

As tropas de auxiliares mobilizavam “vassalos em tempo parcial, não


assalariados e arregimentados segundo seu lugar de origem, ou seja, não se locomoviam
como os corpos regulares”, sendo que seus “oficiais inferiores também eram eleitos
entre os civis, com apenas algumas patentes superiores sendo designadas pelo vice-rei,
procedimento que se tornaria mais comum ao fim do período pombalino”706.
Esta tropa surgiu como uma necessidade direta da guerra da restauração em
1645, onde os encargos de mobilização e sustento das tropas envolvidas na guerra
contra Castela oneravam sobremaneira a população portuguesa. De modo que “apesar
de civis, as tropas auxiliares seriam treinadas e armadas de modo a ser, como segundo
escalão da força militar, um contingente preparado para auxilia a Tropa de Linha” 707
,o
que explica o nome dado a este corpo militar. Nesse sentido, esta tropa surge como um
modelo intermediário entre a Tropa Paga e a Ordenança. Outra forma de evidenciar as
particularidades da tropa dos auxiliares é através dos privilégios concedidos aos seus
oficiais. De acordo com Christiane de Mello, “além de usufruir de todos os privilégios
do estanque do tabaco, os oficiais agraciados pelo rei estavam isentos de todo e
qualquer encargo ou contribuição, inclusive alardos das Ordenanças”708. De forma mais
específica estes oficiais poderiam almejar
recompensas, como hábitos e tenças, aos que prestassem serviços
militares; proteção contra injunções tributárias: „serão isentos de
contribuírem com fintas, taxas, e outros encargos, ou tributos impostos
pela Câmara‟; e a prerrogativa de usufruírem de maior segurança
econômica: „estes não podem ser penhorados por bens do seu uso nem
presos por dívidas‟. Também desfrutavam de regalias nas questões
judiciais: „só os poderão prender imediatamente nos casos de flagrante
delito‟, e com a garantia de que qualquer um deles não seria „prezo na
enchovia e dar-se-lhe-há sempre prizão mais decente‟. Em casos
criminais, deveriam ser julgados apenas em tribunais especiais709.

No Estado do Brasil a introdução das primeiras tropas auxiliares se deu na


capitania de Pernambuco, durante o governo de Francisco de Brito Freire. Em carta ao
monarca de 15 de Junho de 1662 o governador de Pernambuco informava ser
responsável por introduzir “no Brasil a milícia auxiliar” percorrendo “todas as
povoações destas capitanias [do norte]” a fim de eleger “as pessoas de mais conhecida
706
IZECKSOHN, Vitor. Op. cit. p. 493.
707
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Op. cit. p.45-46.
708
Ibidem. p.48.
709
Ibidem. p. 62-63.
214
qualidade e do mais avantajado merecimento mais bem quistas nos povos com maior
séquito e cabedal” 710. Para a capitania da Bahia só encontramos provimentos de oficiais
das tropas auxiliares em 1667, quando Alexandre de Souza Freire criou uma companhia
de auxiliares em Salvador, o que representava uma das várias medidas defensivas
adotadas pelos rumores de ataque de uma armada holandesa. Contudo, é importante
ressaltar que o regimento dos capitães-mores (1663) emitido pelo Conde de Óbidos já
fazia menção a tropa dos auxiliares711.
As patentes de oficiais das tropas auxiliares são o tipo menos frequente de nossa
amostra, com apenas 5 patentes (Tabela 21). Nesse sentido, inferimos que durante o
período analisado a utilização dessas tropas era muito incipiente na maioria das
capitanias do Estado do Brasil. Portanto, a organização presente em Pernambuco destoa
do cenário existente nas demais capitanias712, sobretudo se observarmos que nas
capitanias do Sul sabemos que as tropas de auxiliares só foram inseridas na passagem
do século XVII para o XVIII. No ocaso do século XVII os desafios administrativos
exigiram um reordenado da estrutura existente nas capitanias do Sul, isto é, a fundação e
manutenção da colônia de Sacramento, assim como as descobertas auríferas geraram
demandas de controle social e de defesa dos territórios. De modo que a inserção dos
auxiliares nas capitanias do Sul ocorrerá neste contexto, pois encontramos referências
sobre a existência de um terço de auxiliares em São Paulo em 1698713 e dois terços de
auxiliares no Rio de Janeiro em 1703714.

710
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.18, D. 2091. – As mudanças introduzidas por Francisco de Brito Freire
foram objetos de um artigo de Kalina Vanderlei Silva, que remonta o histórico do pós-guerra na capitania
e analisa os interesses que permeavam a reforma militar: SILVA, Kalina Vanderlei. “Francisco de Brito
Freyre, e a Reforma Militar de Pernambuco no século XVII.” In: In: POSSAMAI, Paulo (Org).
Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil. Estudos de história militar na Idade Moderna.
São Leopoldo: Oikos, 2012. p. 215-223.
711
No capítulo 5 do regimento é explicitado que “Achando vaga, ou vagando depois alguma Companhia,
das que houver de Infantaria paga, ou da Ordenança ou Auxiliares: a Governará o mesmo Alferes,
enquanto o Capitão-mor me faz aviso, dando-me logo noticia das pessoas de mais merecimento que alli
houver para eu mandar o que convier.” Cf. 01/10/1663. DHBN, Vol. V. p.374-380.
712
Como Kalina Silva observou a reforma militar era um meio de organizar e consolidar o poder do
governador de Pernambuco sobre as suas capitanias anexas, uma vez que a sociedade e a administração
das capitanias do Norte ainda estavam cicatrizando as feridas deixadas pelos anos de guerra. Para tanto a
“reforma militar era imprescindível para que a administração régia pudesse consolidar na antiga capitania
hereditária. E foi o projeto e a implantação dessa reforma uma das principais ações de Brito Freyre
enquanto governador de Pernambuco, apesar dele também ter se preocupado com ações fiscais, como a
aplicação de impostos, e com medidas para consolidar sua autoridade nas capitanias anexas; nesse ponto
dando continuidade à política de Francisco Barreto de Menezes, que o precedera no governo de
Pernambuco. SILVA, Kalina Vanderlei. Op. cit. 2012. p. 216.
713
De acordo com Maria Beatriz Nizza foi durante o governo de Artur de Sá e Meneses no Rio de Janeiro
que se organizaram “dois Terços na vila de São Paulo, um de auxiliares sob o comando de Domingos da
Silva Bueno, e outro de Ordenanças, entregue a Domingos de Amores, pois confiava neles para a boa
arrecadação dos quintos do ouro, dado que eram „homens dos principais e de grande séquito”. SILVA,
215
Tabela 21 – Número de patente de auxiliares por capitania.

Capitania Valor Absoluto


Bahia 2
Paraíba 3
Total 5
Fonte: Banco de dados de provimentos

Nesse sentido, como indicamos as patentes referentes a Bahia estavam inseridas


no quadro geral de preparativos de defesa do ano de 1667, quando se suspeitava que
uma armada holandesas intentaria atacar algum ponto do Estado do Brasil 715. Os
provimentos referentes a Paraíba foram feitos na década de 70, para suprir vacâncias das
companhias criadas por Brito Freire.
Os poucos dados encontrados em nossa amostragem não nos fornecem
informações sobre o tempo de serviço desses oficiais no momento do provimento. As
referências encontradas sobre os serviços são vagas, tanto no que se refere aos tipos de
serviços prestados, quando no que toca outras características como moradia ou marcas
de distinção social. Contudo, não devemos tomar isto como tendência, uma vez que
nossos dados são insuficientes para sequer sugerir essa percepção. As informações que
conseguimos obter nos apontam que os oficiais providos tinham experiência nas tropas
pagas ou nas ordenanças, e alguns em ambas.
O serviço nas tropas auxiliares poderia ser uma via para conseguir novos
provimentos. Aparentemente esta estratégia foi empreendida por Baltazar Rodrigues
Minhoto, provido como capitão de Auxiliares da Bahia em 1667. Inferimos que seu
provimento era uma estratégia para angariar dividendos para solicitações futuras, pois
como vemos na justificativa de seu provimento este havia se oferecido “para servir com
a dita companhia na presente ocasião a sua custa sem embargo de lhe assignar o soldo
de que é estilo vencerem os Capitães Auxiliares do Reino” 716
. Antes deste provimento,

Maria Beatriz Nizza da. “São Vicente, capitania donatarial (1532-1709)”. In: SILVA, Maria Beatriz
Nizza da. (Org) História de São Paulo Colonial. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p.80-81.
714
Christiane de Mello analisou as diversas mostras de tropas para a Capitania do Rio de Janeiro relativas
ao século XVII e só encontrou referências a tropas de auxiliares a partir de 1703, no governo de D.
Alvaro da Silveira de Albuquerque no Rio de Janeiro. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Op. cit.
p.114-115.
715
Conforme indica Evaldo Cabral de Mello, se tratava de uma insinuação diplomática a fim de gerar um
cenário favorável para os Estados Gerais durante as negociações de Breda: “Como da vez anterior, esta
derradeira rodada de negociações lusoneerlandesas decorreu sobre a ameaça do uso da força e rumores
sobre o envio de armada contra o Brasil.” MELLO, Evaldo Cabral de. O negócio do Brasil: Portugal, os
Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 245.
716
30 /12/1667. DHBN, Vol. XXIII, p.123-125
216
Baltazar Rodrigues Minhoto era apenas um soldado no terço do Mestre de Campo
Nicolau Aranha Pacheco. Dois anos depois, em 1669, recebeu a patente de Capitão da
Tropa paga do Terço novo, e em sua justificativa constava que era provido por seus
serviços na “ocasião do aviso que tive de Sua Alteza da Armada Holandesa que se
entendeu passar a este navio (sic) á qual se ofereceu servir sem soldo que lhe havia e a
continuou té ficar (...) reformado” 717
. Portanto, Baltazar Rodrigues não dispunha do
tempo mínimo previsto para ser provido como Capitão, conforme a dúvida que
Provedor-mor apresentou ao governador-geral718. Contudo, outros fatores acabaram por
concorrem para seu provimento719. Antonio Velho Godim, que servida de Alferes na
companhia de auxiliares de Baltazar Rodrigues, também conseguiu ascender a tropa
paga como capitão em 1668720.

2.4. Oficiais de governo:

Neste tópico analisaremos os oficiais de governo, uma vez que estes eram
majoritariamente escolhidos entre os oficiais militares de modo que a diferença
fundamental deste ofício para os anteriores reside em sua função política, isto é, o
governo de uma capitania, vila ou povoação. Os oficiais que compõe este segmento de
nossa amostragem eram em sua maioria detentores da patente de capitão-mor, com
poderes de governo, como indicam os textos de suas cartas patentes. A formula textual
da delegação de poderes e do estabelecimento da hierarquia subordinada respeitava a
seguinte apresentação:
Hei por bem de o eleger, e nomear (com em virtude da presente
elejo,e nomeio) Capitão-mor da referida Capitania, para que o seja,
use, e exerça com todas as honras, graças, franquezas, privilégios,

717
27/03/1669. DHBN, Vol. XXIII, p. 298-300.
718
“Duvida que o Provedor-Mor da fazenda põe a dar cumprimento a esta patente. Senhor nesta casa dos
contos me apresentou o Capitão Balthazar Rodrigues Minhoto uma carta patente assignada por Vossa
Senhoria por que lhe fazia mercê de o prover com o dito posto na companhia de Infantaria que no Terço
do Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco vagou por fallecimento do proprietário dela o Capitão
Balthazar Ayres requerendo me cumprimento da dita patente. A duvida que se oferece para o não poder
fazer é o não mostrar que o dito Capitão Balthazar Rodrigues Minhoto tenha mais um serviço que o
Capitão quis do Regimento das Fronteiras que está registrado nesta provedoria-mor ordena que tenham as
pessoas providas no dito posto de Capitão” DHBN, Vol. XXIII, p. 300”
719
Na resposta do governador-geral ao provedor-mor este indicava que o serviço prestado e a posterior
reformação, equivaleriam aos anos de serviço que lhe faltavam para receber a patente: “O Capitão
Balthazar Rodrigues Minhoto é verdade que não tem o tempo que manda o Regimento das fronteiras, mas
o fiz Capitão na ocasião a (da) vinda dos Holandezes que aqui esperávamos, e Sua Alteza manda reformar
a ele, e aos mais com que parece que lhe há por suprido o tempo que não tem de serviços” DHBN, Vol.
XXIII, p. 301.
720
Patente de Alferes dos Auxiliares. 20/12/1667. DHBN, Vol. XXIII, p.138-139. Patente de Capitão da
infantaria no Terço Velho. 30/08/1668. DHBN, Vol. XXIII, p.223-224.
217
isenções e liberdades que lhe tocam, podem, e devem tocar, assim, e
da maneira, que costumava gosar seu imediato antecessor. Pelo que o
hei por metido de posse, constando primeiro haver dado juramento na
forma costumada, de que se fará assento nas costas desta. E aos
oficiais maiores, e menores deste Exército, e Presídios das praças em
que se achar o honrem, estimem, hajam, e reputem por tal Capitão-
mor. E aos oficiais da Câmara o tenham assim entendido, e os da
Ordenança, Fazenda e Justiça o conheçam por tal Capitão-mor. E as
mais pessoas de sua jurisdição mando o obedeçam, cumpram, e
guardem todas as suas ordens de palavra, ou por escrito, tão pontual,
e inteiramente como devem, e são obrigados.721

A fim de compreender melhor a atuação dos governadores-gerais no provimento


desse tipo de oficial, devemos recordar como se preconizava a nomeação desse tipo de
oficiais. A rigor os provimentos dos postos de governo “eram feitos pelo rei, de acordo
com as Ordenações do reino e como produto dos poderes advindos da regalia”, sendo
que os “governadores das capitanias foram sempre nomeados pelo rei, e os capitães-
mores, majoritariamente nomeados pelo monarca” 722
. Estes ofícios em geral eram
trienais, a fim de promover a circulação dos oficiais e a alternância de poder. No
cotidiano da governação era costumeiro que os governadores-gerais e os governadores
das capitanias principais provessem serventias “no que respeita às capitanias suas
dependentes, embora fosse uma prática que perdeu expressão com a institucionalização
das consultas do Conselho Ultramarino”723. No caso específico dos capitães-mores
observa-se que em razão de sua natureza política estes oficiais
exerciam um cargo hierarquicamente cimeiro na sua capitania e
detinham poderes de governo que o sujeitavam ao pleito & menagem,
por isso, na sua grande maioria eram providos pelo monarca.
Entretanto, na sua ausência, podiam os governadores-gerais emitir
carta patente para esse ofício até que a nomeação régia acontecesse.724

721
Grifos nossos. “Patente de Capitão-mor de Porto Seguro provido na pessoa de Diogo Ribeiro de
Sande”. 12/07/1660.DHBN, Vol. XXXI, p.261-262
722
COSENTINO, Francisco C. “Hierarquia política e poder no Estado do Brasil: o governo-geral e as
capitanias, 1654-1681”. Topoi. Rio de Janeiro, v. 16, n. 31. jul./dez. 2015, p. 534.
723
CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Governadores e capitães mores do
império atlântico português nos séculos XVII e XVIII”. In: CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO,
Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro. (Orgs) Optima Pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime.
Lisboa: ICS, 2005. p.211.
724
COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2015, p. 534-535. – Mafalda Soares e Nuno Monteiro indicam que
ao longo do século XVII a coroa buscou intervir de modo mais ativo nas escolhas dos oficiais para o
governo das capitanias, o que resultou na elevação dos critérios sociais de seleção. Contudo, no caso das
capitanias-mores “uma vez que as suas competências eram mais limitadas e a dependência funcional para
com os governadores e governadores-gerais sugeria que a boa política fosse seleccionar pessoas com
menores atributos sociais exigindo-se-lhes, porém, experiência. Já nos principais governos, a exigência de
autoridade social, como fundamento para o exercício do poder era maior e foi sendo cada vez mais
respeitada.” CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. p.211.
218
Tendo em vista que os governadores-gerais proviam as serventias de capitanias e
localidades hierarquicamente subordinadas e jurisdicionalmente inferiores podemos
analisar a participação desse tipo de ofício no quadro de provimentos que temos
desenvolvido. Os dados indicados na Tabela 22 refletem a distribuição geográfica dos
provimentos, e portanto as capitanias onde o governo-geral atuou provendo serventias
de governo. Novamente, se verifica o predomínio dos provimentos na Capitania da
Bahia e em suas anexas (Sergipe del Rey, Ilhéus e Porto Seguro) representam 43,75%
do total (21 provimentos). As capitanias do Sul também figuram de modo expressivo
nessa amostragem 37,50% (18 provimentos), o que parece indicar a capacidade de
interferência que o governo-geral manteve nesta região durante o período analisado. A
baixa participação regional das capitanias do Norte (Pernambuco, Itamaracá, Rio
Grande) com 18,75% (9 provimentos), reflete os esforços de delimitação das jurisdições
desses territórios, o que ocasionou diversos conflitos de jurisdição entre o governo-geral
e o governo de Pernambuco, como temos indicado ao longo do texto. E se observarmos
que a maioria dos provimentos dessa região eram referentes às capitanias de Itamaracá
(5 provimentos) e Rio Grande (2 provimentos) podemos entender essa dinâmica como
um produto do status diferenciado desses territórios, pois ao longo do período analisado
estes sofreram constantes alterações jurisdicionais acerca de sua subordinação725.

Tabela 22 – Número de patentes de governo por capitania.

Capitania Valor Absoluto Valor %


Porto Seguro 9 18,75%
Sergipe del Rey 7 14,58%
Rio de Janeiro 5 10,42%
Itamaracá 5 10,42%
Espírito Santo 5 10,42%
Ilhéus 4 8,33%
São Vicente 4 8,33%
Cabo Frio 3 6,25%
Pernambuco 2 4,17%
Rio Grande 2 4,17%
Bahia 1 2,08%
Itanhaém 1 2,08%
Total 48 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

725
Como indicamos no Capítulo 3, desde o governo de Jerônimo de Mendonça Furtado em Pernambuco
(1664-1666), as jurisdições das capitanias do Rio Grande e da Paraíba estava subordinadas ao governo-
geral. No caso da capitania de Itamaracá a incorporação ao patrimônio régio efetuada após a restauração
de Pernambuco criou um cenário de disputas entre o governo-geral e o governo de Pernambuco sobre por
várias décadas.
219
Contudo, faz necessário um olhar mais detido acerca dos níveis jurisdicionais
dos provimentos de governo. Identificamos três tipos de oficiais de governo em nossa
amostragem: Capitães de Povoação, Capitães-mores de Vila, e Capitães-mores de
Capitania, como indicamos na Tabela 23. Desde já, importa destacar que os Capitães de
Povoação e os Capitães-mores de Vila estavam subordinados aos Capitães-mores de
Capitania ou aos Governadores (no caso do Rio de Janeiro e Pernambuco). Portanto, as
povoações costumavam designar núcleos populacionais em um estágio inicial, ao passo
que o reconhecimento oficial do avanço econômico, populacional e político destes
núcleos transformava as povoações e freguesias de outrora em vilas. Uma vez elevadas
a categoria de vilas, estes núcleos urbanos poderiam almejar ser “mais que um embrião
oficial, a célula menor eclesiástica e administrativa, porém algo mais, que não se referia
apenas ao tamanho ou à ascensão gradual hierárquica” objetivando “alcançar a
autonomia política e administrativa” afim de “zelar por si mesma, aglomeração, e por
um território próprio correspondente que lhe seria designado, seu termo” 726. Com status
de vila era costumeiro que o núcleo tivesse um Capitão-mor assim como uma câmara, o
que refletia a relativa autonomia conquistada com essa progressão. No interior de uma
capitania poderiam existir várias núcleos com status de vila, o que implica na
hierarquização dessas localidades727. Deste modo, ter em vista as ramificações dessa
hierarquia governativa em seus níveis inferiores nos auxilia a compreender os diferentes
arranjos de poder local que eram formados no interior das capitanias728.

726
MARX, Murillo. Cidade no Brasil terra de quem? São Paulo: Nobel. Editora da Universidade de São
Paulo, 1991. p.52. Dito de outra forma, a “elevação a categoria de vila implica na concomitante
edificação de uma casa de câmara e cadeia e de um pelourinho fronteiro a ela. Símbolos da autonomia
municipal e sede da administração, os vereadores e juízes cumpriam na câmara funções legislativas,
executivas e judiciárias.” BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. “Dilatação dos confins: caminhos, cilas e
cidades na formação da Capitania de São Paulo (1532-1822)”. Anais do Museu Paulista. vol. 17, n. 2. São
Paulo. Jul/Dez, 2009. p. 253.
727
Denise Soares analisou a comunicação política da câmara de São Paulo com as câmaras de outras vilas
da capitania, a fim de compreender como estas relações concorriam para formar decisões políticas e
interferir nas dinâmicas da governação. A autora observa que o “fato de algumas câmaras serem sede de
comarca deu-lhes precedência política em uma região e a força de tutela sobre Câmaras de vilas. Na
ordem de antigo regime português, as estruturas administrativas também eram hierarquizadas, o que
também explica esta força política de algumas Câmaras”. MOURA, Denise Aparecida Soares de. “Redes
associativas e de comunicação entre as câmaras de uma capitania, São Paulo (Século XVIII).” História
Revista. Goiânia. Vol. 21, n.°1, jan./abr. 2016. p. 53.
728
No quadro jurisdicional descrito por António Manuel Hespanha “a relação hierárquica entre o
governador-geral (ou vice-rei) e os governadores locais podia ser descrita, ainda nos inícios do século
XIX, da forma seguinte: os governadores das capitanias eram autônomos no que respeitava ao governo
local („econômico‟) das suas províncias, estando sujeitos ao governador-geral apenas em matérias que
dissessem respeito à política geral à defesa de todo o Estado do Brasil.” HESPANHA, António Manuel.
“A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes”. In: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria F.; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.178. O
220
Tabela 23 – Relação entre tipos de patentes de governo e capitanias.

Capitão-mor
Capitanias Total
Povoação Vila Capitania
Porto Seguro 1 - 8 9
Sergipe del Rey - - 7 7
Rio de Janeiro 4 1 - 5
Itamaracá - - 5 5
Espírito Santo - - 5 5
Ilhéus - - 4 4
São Vicente - - 4 4
Cabo Frio - - 3 3
Pernambuco - 2 - 2
Rio Grande - - 2 2
Bahia - 1 - 1
Itanhaém - - 1 1
Total 5 4 39 48
Fonte: Banco de dados de provimentos

De acordo com Artur Curvelo, as funções dos capitães-mores de vilas iam além
das prerrogativas militares de recrutamento e treino da população. Observando
especificamente o caso da atuação dos capitães-mores das vilas de Alagoas, o autor
indica que
na prática, eles acabavam se envolvendo em outros aspectos da
administração, ora servindo de elo entre o Governador de Pernambuco
e os poderes locais, ora participando das atividades da Câmara,
especialmente nas ocasiões em que os oficiais se reuniam para
deliberar sobre as entradas que se fariam aos Palmares729.

No que toca a questão sobre o tempo de serviço apresentado dos provimentos,


dispomos de dados para 16 dos 48 provimentos (Tabela 24). Nos extremos de nossa
amostragem temos o menor tempo de 10 anos e o maior em 32 anos730, o que não destoa

autor ainda endereçou uma crítica a perspectiva analítica que utiliza a exploração metropolitana como
problema de pesquisa, destacando com certa ironia que “um dos atos mais importantes numa colônia „de
plantação‟ – a concessão de terras para agricultar – dependia dos governadores das capitanias, enquanto a
avaliação sucessiva da legalidade do uso da terra pelos sesmeiros estava a cargo de magistrados mais ou
menos dependentes das elites locais”. Ibidem. p.179.
729
CURVELO, Arthur Almeida Santo de Carvalho. O senador da Câmara de Alagoas do Sul:
Governança e Poder Local no Sul de Pernambuco (1654-1751). Dissertação (Mestrado em História).
Recife: UFPE, 2014. p.75. Se considerarmos a hierarquia subordinada presente na carta patente de
Antonio Rodrigues Delgado, Capitão-mor das “Alagoas do Norte e do Sul”, veremos que suas
prerrogativas políticas estão implícitas na gama de oficiais a ele subordinado: “Oficiais e Soldados de
guerra, e milícia que ali houver façam o mesmo, e o obedeçam, cumpram, e guardem todas suas ordens,
de palavra, e por escrito, tão pontual, e inteiramente como devem, e são obrigados; e aos Oficiais da
Câmara daquelas Vilas, e Nobreza, e Povo delas, o conheçam por tal Capitão, assim, e da maneira que o
faziam a seu imediato antecessor.” 07/08/1670. DHBN, Vol. XII, p.113-115.
730
O menor tempo (10 anos) é referente a patente de Felix Botelho de Lemos (23/11/1658. DHBN, Vol.
XIX, p. 428-430) e o maior (32 anos) é referente a patente de Antônio Rodrigues Delgado (07/08/1670.
DHBN, Vol. XII, p. 113-115).
221
muito do que observamos para outros tipos de provimentos. A faixa de serviço com
maior freqüência é de 26 a 30 anos (7 provimentos), o que significa dizer que a maior
porção dos oficiais de governo ocupavam estes postos após longas trajetórias. Se
considerarmos que os oficiais de governo eram em grande parte oriundos das tropas
pagas, e que alguns destes poderiam continuar suas carreiras em postos de governo,
veremos que esta concentração de oficiais nas maiores faixas de tempo reflete essa
possibilidade, atentando que a faixa de tempo com maior concentração tanto nas Tropas
Pagas como nas Ordenanças era de 16 a 20 anos.

Tabela 24 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes nos ofícios de


Governo

Tempo de Serviço Tipos de patentes Total de patentes %


10-15 anos Capitania (4) 4 25,00%
16-20 anos Povoação (1), Capitania (1) 2 12,50%
21-25 anos Capitania (1) 1 6,25%
26-30 anos Povoação (1), Capitania (6) 7 43,75%
mais de 31 anos Vila (1), Capitania (1) 2 12,50%
Fonte: Banco de dados de provimentos

Como observamos nos tópicos anteriores, outros fatores além do tempo de


serviço influenciavam o provimento das serventias. Sendo assim, é preciso ter em vista
que a coexistência de capitanias donatárias e capitanias régias no interior do Estado do
Brasil propiciava um quadro diversificado de justificativas para os provimentos destes
ofícios. A rigor os provimentos de capitães-mores possuíam a duração trienal, a fim de
promover uma circulação dos agentes régios que ocupavam o posto, pois ainda que o
enraizamento destes oficiais não fosse proibido, essa prática também não era estimulada
pela Coroa, sobretudo porque estes postos também promoviam a dinamização da
economia da mercê. Em alguns casos encontramos o governo-geral reconduzindo ou
renovando o provimento de oficiais de governo que já exercitavam o posto, tendo como
argumento que referido oficial serviria até a indicação do donatário ou a emissão de
uma determinação régia731. No caso de algumas capitanias anexas fatores como a
residência na capitania também possuíam relevância nas justificativas de nomeação dos

731
Este é o caso de Vicente Fernandes Pereira reconduzido ao ofício de Capitão-mor de Ilhéus por
indicação da Condessa de Castro e Castanheira, donataria da capitania de Ilhéus. 15/09/1657. DHBN,
Vol. XXXI, p. 211-212.
222
732
oficiais . Em outros casos uma boa atuação em determinados serviços poderia ser
convertida em provimento733.
A permanência indefinida no posto e mesmo reincidência de provimento no
mesmo oficial não eram práticas comuns para este tipo de ofício. O domínio familiar
sob uma capitania foi algo que poucos grupos conseguiram, pois isso demandava uma
proximidade com a Coroa que não estava acessível à maioria dos grupos 734.
Contudo, em capitanias anexas encontramos alguns casos de indivíduos que
conseguem repetir seus mandatos várias vezes ou permanecerem no governo por
períodos estendidos. Na capitania de Itamaracá temos o exemplo de Jerônimo de Veiga
Cabral, que recebeu 4 provimentos do governo-geral entre 1670-1678735. Este capitão-
mor se envolveu de modo direto na disputa pela jurisdição da capitania de Itamaracá,
apoiando a reivindicação do governo-geral736. Um caso semelhante ocorreu com o
provimento de José Varella como capitão-mor de Cabo Frio, que recebeu 3 provimentos
entre 1657 e 1663737, embora existam indícios de que já servisse neste ofício desde o

732
Na patente de Vasco da Mota como capitão-mor da Capitania de Itanhaém, vemos uma lista de 30
anos de serviços, exercidos majoritariamente na “guerra dos bárbaros” nos sertões da Bahia. Aliado a isto,
Vasco da Mota é referido como sendo um “dos principais da dita Capitania donde era morador”
06/09/1673. DHBN,Vol. XII, p. 284-286.
733
Aparentemente este é o caso de João Viegas Corte, paulista que atuou na “guerra dos bárbaros” e foi
provido como capitão-mor de Porto Seguro por seu desempenho na capitania, quando foi enviado pelo
governador-geral para “fazer descer, e procurar a amizade de uma nação de Bárbaros de que aqueles
moradores viviam atemorizados, e aldea-los no lugar que pareceu mais conveniente o fez com muito
trabalho por cuja causa se lhe deu administração deles”. 04/04/1678. DHBN,Vol. XXVI, p. 378-379.
734
Estamos nos referindo aos casos emblemáticos dos “Sás ou Correia de Sá, sobretudo no Rio de
Janeiro, e os Albuquerques com suas várias ramificações familiares nas capitanias do Nordeste.” Estes
grupos familiares se enraizaram nas primeiras décadas da colonização e “construíram importantíssimas
bases econômicas e políticas, com a inevitável estruturação de redes dependentes. Mantiveram, todavia,
ligações, ao centro político e, supomos, que essa presença, mesmo que temporária, no Reino e em órgãos
de decisão centrais terá contribuído decisivamente para a manutenção do poder político nas capitanias de
origem.” CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. p. 224.
735
Em 1670 recebia o provimento feito por Alexandre de Souza Freire em razão da vacância do posto
(DHBN, Vol. XXV, p.184-187); em 1671 recebeu a recondução ao ofício por patente de Afonso Furtado
de Castro do Rio de Mendonça (DHBN, Vol. XXV, p.191-193); em 1675 foi provido por Afonso Furtado
de Castro do Rio de Mendonça em razão da prisão de seu antecessor Agostinho César de Oliveira
(DHBN,Vol. XXV, p.452-455); e por fim em 1678 recebia outro mandato por patente de Roque da Costa
Barreto (DHBN, Vol. XXVI, 431-434).
736
Como indica Evaldo Cabral de Mello a disputa entre o governo-geral e o governo de Pernambuco se
intensificou pela atuação de Veiga Cabral, pois “encorajado por sentença da Relação, que reconhecera a
pretensão autonomista, o capitão-mor de Itamaracá, Jerônimo da Veiga Cabral, negara subordinação a
Souza Coutinho, ordenando às autoridades locais não cumprissem ordens emanadas de Olinda. O
governador [de Pernambuco] despachou tropa que trouxe Veiga Cabral preso ao Recife. Da Bahia,
Afonso Furtado replicou, enviando magistrado para o repor no cargo ou, não sendo factível, entregar à
Câmara de Conceição o governo interinamente exercido, a mando de Souza Coutinho, pelo comandante
da fortaleza local.” MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. 2003, p. 88.
737
Recebe patente de Francisco Barreto em 1657, pela vacância e com a justificativa de já haver exercido
o ofício anteriormente (28/06/1657, DHBN, Vol. XIX, p. 263-265); em Junho de1663 é reconduzido ao
ofício novamente por Francisco Barreto (20/06/1663, DHBN, Vol. XXXI, p. 299-301.); e em Outubro de
223
governo do Conde de Castelo Melhor738. Ademais, alguns dos estudos recentes que
analisaram o perfil dos capitães-mores de capitanias têm indicado que a circulação dos
oficiais e a experiência em outras capitanias eram características de relevância para a
Coroa no momento de escolha desses oficiais739, portanto a permanência estendida era
algo excepcional neste período.
Na Tabela 25 buscamos os dados referentes aos ordenados dos oficiais de
governo, e a fim de enquadrá-los no cenário da governação do Estado do Brasil
conferindo uma visão com perspectiva, optamos por inserir também os valores dos
ordenados dos governadores-gerais e dos governadores de Pernambuco e Rio de
Janeiro. Dos 48 provimentos de governo apenas 4 expressam o valor do ordenado. Isso
não significa que os demais não recebessem remuneração. Nestes casos as indicações
contidas provimentos faziam referência aos estilos e valores praticados. Algumas
patentes indicavam que o oficial receberia o “Ordenado se seu antecessor o vencia” 740 e
em outras variações da mesma fórmula, “gozando do ordenado, e todos os mais proes, e
percalços que direitamente lhe pertencerem, e gozaram seus antecessores” 741.

1663 é provido pelo Conde de Óbidos, como parte das ações de centralização dos provimentos na figura
do governador-geral (20/10/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 201-202.).
738
O vice-rei Conde de Óbidos enviou uma carta ao governador do Rio de Janeiro, Pedro de Mello, a fim
de que este concedesse a posse de Cabo Frio a José Varella, argumentando que “mandei passar a José
Varella patente de Capitão-mor, que presentou a V. Sa. seguindo os exemplos que achei das patentes que
lhe passaram de Capitão-mor da mesma Capitania o Conde de Castelmelhor, o de Atouguia e Francisco
Barreto antes, e depois de Salvador Corrêa de Sá, que foi quem mais procurou isentar as Capitanias do
Sul deste governo, com o que se verifica, que sempre os Governadores-gerais, e não os do Rio foram os
que ali proveram Capitães-mores.” 07/04/1664. DHBN, Vol.VI, p. 27-30. Além disso, na carta Patente
passada por Francisco Barreto temos uma referência vaga aos mandados anteriores: “me consta haver
servido o mesmo Cargo por patente deste Governo”. 28/06/1657
739
Leonardo Paiva de Oliveira indica que os Capitães-mores do Rio Grande e do Ceará a apresentavam
em suas candidaturas serviços em capitanias próximas (Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Rio Grande, Ceará
ou Estado do Maranhão). Cf. OLIVEIRA, Leonardo Paiva de. “Aqueles que almejam governar: perfil e
trajetórias dos opositores ao posto de Capitão-mor no Ceará e Rio Grande (1666-1759)”. Revista Semina.
V. 15, n.° 1, 2016. p.17-18. Analisando o perfil dos Capitães-mores de Sergipe del Rey, Luis Siqueira
percebe que os oficiais apresentavam experiência nas capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio Grande,
Ceará, Paraíba, Sergipe, Itamaracá, Ilhéus, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Cf. SIQUEIRA, Luís. Homens
de mando e guerra: capitães mores em Sergipe del Rey (1648-1743). Dissertação (Mestrado em História).
Salvador, UFBA, 2016. p.143.
740
Capitão-mor de Cabo Frio. 28/06/1657. DHBN, Vol. XIX, p. 263-265.
741
Capitão-mor do Espírito Santo. 13/10/1662. DHBN, Vol. XX, p. 474-475.
224
Tabela 25 - Comparação dos soldos dos oficiais de governo

Ordenado Ordenado
Oficial de governo Capitania
(Por mês) (Anual)
Governador-geral Bahia - 1:200.000 réis
Governador Pernambuco - 400.000 réis
Governador Rio de Janeiro - 400.000 réis
742
Capitão-mor São Vicente - 120.000 réis
Capitão-mor Espírito Santo - 100.000 réis
Capitão-mor Sergipe del Rey - 100.000 réis
Capitão-mor Itamaracá 8000 réis 96.000 réis
Fonte: Banco de dados de provimentos; IAN/TT. Chancelarias Régias; BNRJ, Manuscritos, Códice
1,2,5. RGCSP, Vol. II, p. 38-39.

Para 18 provimentos não há qualquer menção sobre o pagamento de ordenado,


sendo que destes 9 não receberiam por serem se tratarem de capitães-mores de vilas e
povoações. Para os demais aparentemente se tratava de uma omissão textual, visto
serem ofícios que receberiam algum valor de ordenado, como no caso dos Capitães-
mores de Sergipe del Rey e São Vicente.
Em poucos casos os provimentos eram vagos, a ponto de indicar a falta de
conhecimento sobre o estilo praticado com os oficias, no caso se receberiam ou não o
ordenado, como vemos no exemplo de Porto Seguro e Ilhéus:
use e exerça com todas as honras, graças, franquezas, preeminências,
privilégios, isenções, e liberdades que lhe tocam podem, e devem
tocar aos Capitães-mores das Capitanias deste Estado e de que usava
seu imediato antecessor, e como ele haverá o Ordenado (se o tiver)
e todos os mais proes, e precalços que direitamente lhe pertencerem.743

De acordo com Nuno Monteiro e Mafalda Soares da Cunha a diferença entre os


valores do ordenando era um dos fatores que concorriam para o estabelecimento da
hierarquia política dos territórios ultramarinos no Império Português 744. Vale ressaltar
que alguns desses valores se alteraram ao longo do tempo. Se para o governo-geral e o
governo de Pernambuco não encontramos alteração no valor do ordenado ao longo do

742
Em 1637 o donatário de São Vicente, o Conde de Monsanto, emitiu a patente de capitão-mor com
ordenado de 300 cruzados anuais (120.000 réis). RGCSP, Vol. II, p. 38-39. Em 1640 o valor continuava o
mesmo, como vemos na relação do Frei Gaspar da Madre de Deus. Cf. “Relação dos Capitães loco-
tenentes que governaram a Capitania de S. Vicente, uns noemados pelos verdadeiros donatários e outros
pelos intrusos.” Revista do Instituto Histórico e Geográphico de São Paulo. Volume V (1899-1900). São
Paulo:Typographia do Diário Oficial, 1901. p.170.
743
Capitão-mor de Porto Seguro. 04/04/1678. DHBN, Vol. XXVI, p. 378-379. Cf.Capitão-mor de Ilhéus.
28/03/1678. DHBN, Vol. XXVI, p.361-362.
744
Cf. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. p.206-207. Além disso, os
autores atentam que a percepção da monarquia acerca da importância política dos territórios e a procura
dos pretendentes aos postos de governo nem sempre coincidiam. O exemplo citado pelos autores é o caso
do Rio de Janeiro, que em um documento da década de 1650 era reputado como uma capitania de
importância política menor, ao passo que para os pretendentes ao governo “o Rio de Janeiro era preferido
e tinha mais procura que o Cabo Verde, São Tomé ou o Maranhão.” Ibidem. p.209.
225
século XVII, para o governador do Rio de Janeiro encontramos um aumento crescente:
no primeiro quartel do século XVII recebia 100.000 réis, em 1640 passou a receber
200.000 réis, em 1665 recebia 400.000 réis, se equiparando ao valor do ordenado de
Pernambuco745. O aumento do ordenado do governador do Rio de Janeiro pode ser
entendido como indício do aumento de sua importância no quadro da governação
imperial, conforme temos apontado em outros pontos deste trabalho.
Nesse sentido, buscamos apontar linhas gerais da atuação do governo-geral no
provimento das serventias de ofícios de governo, uma vez que estes postos possuíam
caráter e poderes fortemente políticos, sendo portanto, peças fundamentais nos arranjos
da governação nas capitanias e nas relações com as elites locais.

2.5. Indígenas

Os ofícios que classificamos como Indígenas são referentes aos provimentos de


oficiais para comando e gestão de tropas ou aldeias indígenas. Desde os primórdios da
ocupação na América lusa, o estabelecimento de alianças com grupos indígenas mais
receptivos a presença européia foi fundamental para assegurar a permanência e o avanço
do povoamento em razão dos vários grupos e tribos que não aceitavam a interferência
dos povoadores europeus746.
Durante a União Ibérica os regimentos do governo-geral incorporaram diversas
instruções que refletiam práticas e experiências castelhanas, dentre elas merece destaque
neste ponto a forma como as buscava definir através dos regimentos formas de
organização e cooperação com indígenas e mamelucos747. Neste ponto desde a lei de
10/09/1611 (Sobre a liberdade do gentio da terra e da guerra que se lhe pode fazer),
temos diretrizes mais claras sobre como a Coroa buscava normatizar a forma das
relações com os indígenas. Por esta lei ficava estabelecido que os governadores-gerais

745
Utilizamos nessa comparação alguns valores apontados por Mafalda Soares da Cunha e Nuno
Monteiro. Cf. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. cit. p.206. O dado sobre o
valor do ordenado do governador do Rio de Janeiro referente ao ano de 1665 está na sua carta patente de
D. Pedro Mascarenhas. Para os anos anteriores não temos a discriminação do valor do ordenado. Cf.
07/12/1665. IAN/TT. Chancelaria de D. Afonso VI, Livro 22, fl.79-79v.
746
John Monteiro indica como a formação de alianças com os indígenas foi fundamental nas primeiras
décadas da colonização de São Vicente. O autor cita o exemplo de João Ramalho um português que
intermediou alianças com os grupos tupiniquins da capitania, por viver entre eles e adotar seus costumes e
práticas. Cf. MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. 2ª. reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 1994. p.29-30.
747
Cf. COSENTINO, Francisco C. “Apontamentos sobre a defesa do litoral, questões militares, governo-
geral do Estado do Brasil e carreira militar, séculos XVI e XVII.” Navigator: Subsídios para a História
Marítima do Brasil. Vol. 8. n.° 15. Rio de Janeiro, 2012. p. 19.
226
proveriam esses ofícios em “pessoas seculares, casados, de boa vida e costumes, que
lhes parecerem mais convenientes para serem Capitães das Aldeias dos ditos
Gentios”748, explicitando que os providos habitariam com suas famílias nas aldeias para
os
governarem em sua vivenda comum, e comércio com os moradores
d‟aquelas partes, assistindo muito particularmente a seu governo, e
tratando de tudo o que convém, assim para cultivarem a terra, como
para aprenderem as artes mecânicas; e quando forem necessários para
meu serviço, os apresentarem ao Governador ou Capitão-geral749.

Essas patentes foram conferidas as sertanistas, líderes indígenas, mamelucos e


moradores de localidades que possuíam boas relações com os indígenas. Em nossa
amostragem encontramos 12 provimentos com referência explicita sobre a origem
indígena do provido750. Portanto o conjunto de indivíduos agregados a esse tipo de
provimento era bastante heterogêneo, contado com indivíduos de projeção local751 até
lideranças indígenas em aldeias752.
A mobilização e o aldeamento dos índios foram práticas centrais na estruturação
do povoamento e na defesa de diversas regiões do Estado do Brasil753. Nesse sentido, os

748
SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1603-1612).
Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1854. p. 310.
749
Ibidem. p. 311.
750
Alguns destes eram designados como “Principais” e outros como “Índio de Nação”. A denominação
Principal estava associada ao percepção que os luso-brasileiros possuíam sobre as lideranças indígenas.
Sendo assim, vale recordar o que John Monteiro indicou sobre o “papel fundamental desempenhado pelo
chefe na composição original e na proliferação de cada aldeia, pois a identidade histórica e política da
mesma associava-se de forma intrínseca ao líder da comunidade”, pois a despeito do reconhecimento
conferido pelos agentes luso-brasileiros, “o chefe permanecia igual a seus seguidores na execução das
tarefas produtivas”, ou seja, “a liderança política raramente correspondia a qualquer privilégio econômico
ou posição social diferenciada.” MONTEIRO, John Manuel. Op. cit. p. 22-23.
751
Podemos citar os exemplos de Antonio Ribeiro Baião, irmão de Estevão Ribeiro Baião Parente, que
foi uma das principais lideranças paulista nos combates ao “gentio bárbaro” no recôncavo da Bahia; e
Manuel Rodrigues Arzão, membro de uma família de sertanistas paulistanos de grande renome. Cf.
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Séculos
XVI, XVII, XVIII. São Paulo: Comissão do IV centenário da cidade de São Paulo, 1954. p. 40 (Manuel
Rodrigues Arzão); p. 48 (Antonio Ribeiro Baião) .
752
Este era o caso de João Mulato, Capitão dos Índios da Aldeia de Aracajú, descrito como “principal da
Aldeia”. (04/11/1669. DHBN, Vol. XII, p. 59-60), e de Gonçalo de Sousa, Capitão da Aldeia de Poxim,
descrito como “Índio de Nação). (08/02/1673. DHBN, Vol. XII, p.262-263).
753
Maria Regina Celestino aponta que ao “aldearem-se, índios tornavam-se súditos cristãos e buscavam
adaptar-se a um novo espaço físico e social, onde aprendiam novas regras e comportamentos que lhes
permitia novas estratégias de luta e sobrevivência no mundo colonial em formação”, e em contrapartida
os luso-brasileiros obtinham dessa relação o acesso a mão-de-obra compulsória, forças para defesas de
localidades e o incremento do abastecimento através de trocas, portanto não é possível “perder de vista o
alto grau de dependência dos portugueses em relação aos índios aliados e que, apesar de todas as
irregularidades, havia séria preocupação por parte da Coroa em coibir os abusos e defender a política de
aldeamentos.” ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios aldeados no Rio de Janeiro Colonial:
Novos súditos cristãos do Império Português. Tese (Doutorado em História). Campinas, Unicamp, 2000.
p.92; 96.
227
dados da Tabela 26 refletem a atuação do governo-geral no provimento de patentes de
indígenas em algumas capitanias. Entretanto, sabemos atentamos para as limitações
desses dados, sobretudo pela percepção de que este tipo de provimento estava
diretamente associado ao governo das capitanias e as dinâmicas construídas com as
aldeias e as localidades. Os dados apresentados nas tabelas não conseguem abarcar a
totalidade das dinâmicas de provimento existentes, mas apenas indicam de que forma o
governo-geral atuou nessa questão.

Tabela 26 – Número de patentes de Indígenas por capitania

Capitania Valor Absoluto Valor %


Bahia 14 35,00%
Paraíba 7 17,50%
São Vicente 6 15,00%
Sergipe del Rey 5 12,50%
Ilhéus 2 5,00%
Porto Seguro 2 5,00%
Itanhaém 2 5,00%
Rio Grande 1 2,50%
Cabo Frio 1 2,50%
Total 40 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

É preciso observar que a maior parte desses provimentos foram efetuados a


partir da década de 60, em um período de intensificação das mobilizações de combate
ao dito “gentio bárbaro” nas capitanias do nordeste do Estado do Brasil. Por
consequência, se observa que a participação das capitanias setentrionais é
significativamente maior, representando 77,5% destes provimentos. Os provimentos
nesses casos aparecem diretamente relacionados as dinâmicas de combate, defesa e
alianças. No caso das capitanias meridionais, o que se observa é que os provimentos
possuem um caráter mais ordenador, no sentido de buscar preservar as relações entre os
indígenas e os moradores. Isso se torna mais evidente se observamos os provimentos
encontrados para a Capitania de São Vicente. Em 1664, o vice-rei Conde de Óbidos,
provê um capitão-mor para todas as Aldeias da Capitania754 por ter recebido noticias de

754
Para o vice-rei o capitão-mor das aldeias deveria ter “por obrigação inviolável fazer doutrinar e instruir
na fé, a todos os Índios dela, e por grande atenção que em nascendo seus filhos se batisem, e vão creando
com o ensino que tenho entendido lhe falta. E aos capazes de tomar as armas, estejam sempre aparelhados
das que costumam: e sendo que eles queiram grangear sua vida lhes não impedirá acomodar-se por aquele
tempo, que se concertar com as pessoas que dele necessitarem para suas lavouras, fazendo-lhes pagar o
que for estilo, e não consentindo se lhes faça violência, antes procurará conservar em cada Aldeia os que
nela houver, e todos de maneira que se enxergue a diferença e o quanto convém perpetuar-se o referido
posto, e do que obrar terá cuidado de dar conta a este Governo para se ter entendido.” 01/09/1664.
DHBN, Vol. XXXI, p. 345-347.
228
que “os índios das aldeias da Capitania de São Vicente padecem por falta de Capitão-
mor, não só a violenta de alguns moradores que deles se servem não lhes pagando seu
estipendio, mas ainda a falta sacramentos e doutrina Cristã” 755
. Em 1671, Afonso
Furtado de Castro respondeu a solicitação da Câmara de São Paulo, provendo 4 oficiais
para o ofício de “capitão e administrador” de aldeia756, em razão do estado crítico em
que se encontravam as aldeias: “se achavam mui defraudadas, pelo excesso com que
vários moradores levavam delas os Índios para seu serviço, jornadas do Sertão,
tratando-os como escravos seus, e ocasionando não só muito detrimento ao serviço de
Sua Alteza, mas a ruína das mesmas Aldeias”757. Nesta ocasião o governador-geral
informava a Câmara da vila de São Paulo que a intenção do provimento era a
conservação e o aumento das referidas aldeias:
Serve esta somente de acompanhar as patentes que Vossas Mercês me
pediram por carta sua de 25 de Maio deste ano, para as pessoas que
me apontaram que era justo fossem Capitães, e administradores das
quatro Aldeias que nessa Vila estão á Ordem de Vossas Mercês. Creio
que por este meio se conservarão os índios e se restituirão a elas, todos
os que estiverem espalhados pelas fazendas dos moradores, para Sua
Alteza os ter assim prontos a seu Real serviço, que é o fim de elas se
perpetuarem. Mas advirtam Vossas Mercês aos mesmos Capitães que
será o procedimento que em suas obrigações tiverem de maneira, que
fique a administração que lhes concedo sendo utilidade do serviço de
S. A., e do bem público dessa Vila, em falta dele, e não comodidade, e
conveniência só dos Administradores, de quem fio obrarão tudo como
devem; porque fazendo o contrario, se lhes removerão as Aldeias de
seu poder, e se darão a outros: o que de nenhum modo creio será
nunca necessário.758

As justificativas de provimento destes ofícios não seguem estruturas “formais”,


como alguns tipos anteriormente analisados, isto é, as listas de serviço759 e o tempo de
atuação eram características que não possuíam grande relevância para o provimento das
patentes de Indígenas. De modo que não encontramos em nossa amostragem nenhuma
referência ao tempo de serviço dos oficiais providos. As referências aos serviços

755
01/09/1664. DHBN, Vol. XXXI, p. 345-347
756
As aldeias referidas eram as de Maruiri (Barueri), São Miguel, Nossa Senhora da Conceição, e Nossa
Senhora dos Pinheiro, e seus respectivos capitães e administradores eram Manuel Rodrigues de Arzão,
Antônio Ribeiro Baião, Henrique da Cunha Machado e Paschoal Rodrigues da Costa.
757
05/10/1671. DHBN, Vol. XII, p.165-167
758
07/10/1671. DHBN, Vol.VI, p. 187-188.
759
De modo geral as listas de serviços são vagas e com poucos detalhes, para alguns dos providos os
serviços militares eram descritos como “as guerras deste estado” (13/07/1668. DHBN, Vol. XI, p. 434-
435) ou a “conquista dos bárbaros” (23/09/1673. DHBN, Vol. XII, p.292-294). Outros tipos de serviços
declarados eram a atuação “nas jornadas de descobrimento de esmeraldas” (04/05/1668. DHBN Vol.. XI,
p.421-422) e o auxílio aos “Religiosos da Companhia na administração dos Índios” (05/05/1668. DHBN,
Vol. XI, p.422-423).
229
anteriores costumeiramente eram vagas760. Por outro lado, uma das principais
características ressaltadas e tida como requisito básico para o provido era a habilidade
de “ser prático na língua da terra” e ter conhecimento “dos Índios” 761
. Outra
característica fundamental era ter o reconhecimento dos indígenas e dos moradores da
localidade: “por me pedirem os Índios Principais da mesma aldeia por seu Capitão e me
oferecer uma petição firmada pelos moradores daquela parte em que também o pediam
e abonavam sua pessoa e suficiência” 762. Nestes casos a anuência do governador-geral e
o reconhecimento e confirmação dos interesses locais poderiam gerar satisfação e
disponibilidade dos indígenas para situações futuras, quando houvesse necessidade de
mobilização.
Em alguns casos o provimento aparece associado a tradição familiar no ofício:
Pedro Alves, Capitão da Aldeia de Iriritiba, foi reconhecido como filho e neto dos
capitães anteriores763; Pedro Fernandes, Capitão dos Índios da Aldeia do Espírito Santo,
recebeu o provimento por ser filho de um dos principais da aldeia764. Em outros casos
encontramos indivíduos que receberam mais de um provimento para seus ofícios, o que
aparentemente estava associado aos vínculos que estabeleciam com as comunidades
indígenas e a percepção que o governo-geral tinha sobre seu desempenho765.
Destarte, este tipo de patente nos auxilia a compreender o desenvolvimento do
fenômeno de adaptação da guerra a realidade da América portuguesa, ou como foi
denominada na época a “guerra brasílica”. Para Evaldo Cabral de Mello o resultado das
interações entre indígenas e europeus resultou em mudanças na forma de organização
das guerras e das ações ofensivas, pois esse modo aprendido com os “índios no convívio
no conflito ao longo da minha ou no sertão, a guerra volante já se havia incorporado em

760
Em dois casos encontramos referências a serviços militares anteriores: Manuel da Costa, Capitão da
Aldeia de Santo Antonio de Jaguaripe que havia servido como Ajudante de Sargento-mor da Ordenança
(03/08/1649. AHMS-PGS-Vol.II, fl.373-375) e Simão Rodrigues, Capitão dos Índios da terra da Aldeia
do Camarão, com experiência anterior na patente de Alferes (17/08/1655. DHBN,Vol.XXXI. p.171-172)
761
Provisão de Capitão da Aldeia de Santo Antônio de Jaguaripe em André Gonçalves Leitão.
05/02/1648. AHMS-PGS-Vol.II, fl.356v-358v
762
Provisão de Capitão da Aldeia dos Índios de Maragogipe em Manoel Rodrigues. 23/04/1648. AHMS-
PGS-Vol.II, fl.330-331v.
763
04/05/1668. DHBN, Vol. XI, p. 421-422.
764
10/01/1668. DHBN, Vol. XXXI, p. 434-435.
765
João Ribeiro, Capitão da Aldeia de Joacoca na Capitania da Paraíba recebeu dois provimentos
(1668,1671) Cf. 13/07/1668. DHBN, Vol. XI, p.434-435; 09/11/1671. DHBN, Vol. XII, p.181-182.
Simão Jorge de Abreu, Capitão da Aldeia de Outinga recebeu três provimentos (1664,1667,1669), em sua
patente constava que fora “Alferes reformado e morador na Capitania da Paraíba”, e por seus serviços na
capitania “resultará ficar mais pobre”, de modo que o Capitão-mor Mathias de Albuquerque Maranhão
endossava a sua recomendação ao provimento por ter “juntado” os índios na Aldeia de Outinga.
18/07/1664. DHBN, Vol. XXXI, p. 342-343. Cf 08/10/1667. DHBN, Vol. XXXI, p. 387; 03/09/1669.
DHBN, Vol. XII, p. 52-53.
230
começos do século XVII à pratica de sertanistas e soldados, a quem proporcionava os
meios de se oporem a estrangeiros”766. Outro resultado dessas interações foi a busca
empreendida por alguns desses oficiais indígenas de marcas de distinção social próprias
do Antigo Regime, como hábitos das ordens militares767.

2.6. Pretos e pardos:

O fenômeno das milícias de cor surgiu na América Portuguesa como um


desdobramento direto da guerra contra os holandeses no nordeste. Antes, contudo, é
importante destacar que havia uma grande distinção entre as tropas de pretos e pardos,
fossem forros ou livres, das tropas de escravos (tanto aquelas particulares quanto
aquelas mobilizadas para fins “públicos”. Para Hendrik Kraay é preciso atentar para as
particularidades das formas de mobilização de escravos armados, uma vez que o cerne
para qualquer consideração sobre escravos armados é a distinção entre
o armamento privado por parte dos senhores e o armamento publico
conduzido pelas autoridades ou pelo Estado. Os senhores
rotineiramente armavam escravos individuais (ou grupos deles) para
proteção ou mesmo com a intenção de perpetrar crimes, mas isso era
um pouco mais que uma extensão do serviços que os escravos já
prestavam aos senhores. Tais escravos poderiam também ser liderados
por seus senhores a serviço do Estado em funções militares ou quasi-
militares, sem que isso implicasse em uma mudança no status dos
768
escravos.

766
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: Guerra, açúcar e Nordeste, 1630-1654. 3ª. Ed.
definitiva. São Paulo: Editora 34, 2007. p. 262-263. As características da guerra brasílica também são
analisadas por Pedro Puntoni. Cf. PUNTONI, Pedro. “A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia
militar na expansão da fronteira da América Portuguesa, 1550-1700.” In: O Estado do Brasil: Poder e
política na Bahia colonial, 1548-1700. São Paulo: Alameda, 2013.
767
Ronald Raminelli indica como a estratégia de conceder distinções sociais a lideranças aliadas foi uma
política efetiva e controversa, uma vez que a promessa da distinção nem sempre se convertia na
concessão da mercê. Cf. RAMINELLI, Ronald. “Da controversa nobilitação de indios e pretos, 1630-
1730.” In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs) O Brasil Colonial. Vol. 2. (1580-
1720). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. Almir Diniz analisa casos semelhantes nos quais a
construção de alianças com lideranças indígenas na Amazônia também eram permeadas por promessas de
mercês e distinções sociais. Cf. CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. “Guerreiros Indígenas e líderes
militares na Amazônia portuguesa, séculos XVII e XVIII.” In: CARDOSO, Alírio; BASTOS, Carlos
Augusto; NOGUEIRA, Shirley Maria Silva (Orgs.) História militar da Amazonia: Guerra e sociedade
(séculos XVII-XIX). Curitiba: Editora CRV, 2015.
768
Tradução livre do trecho: “Central to any consideration of armed slaves is the distinction between
private arming on the part of masters and public arming carried out by authorities or the state. Masters
routinely armed individual slaves (orgroups of them) for protection or even in order to perpetrate crimes,
but this was little more than an extension of the service that slaves already owed masters. Such slaves
might also be led by their masters into serving the state in military or quasi-military capacities, without
implying a change in the slaves‟ status.” KRAAY, Hendrik. “Arming Slaves in Brazil from the
Seventeenth Century to the Nineteenth Century”. In: BROWN, Christopher L; MORGAN, Philip D.
(Eds) Arming Slaves: From Classical times to the Modern Age. Yale University Press, 2006. p. 146-147
231
As tropas de Pretos e Pardos conquistaram diretos, privilégios e distinção social
que as tropas de cativos jamais tiveram, ao passo que os bandos de escravos armados
por senhores continuamente eram alvos de leis, bandos e restrições769. Neste ponto vale
retomar as considerações de Stuart Schwartz sobre a distinção promovida pelo status de
liberdade entre pretos, pardos e mulatos:
As pessoas de cor livres podiam sofrer com incapacidades legais e
ultrajes, estar sujeitas a coerção legal e ilegal e ser tratadas com
desprezo, mas seu status era infinitamente melhor que o dos cativos.
Ao menos, era o que estes achavam. Só isso pode explicar porque
tantos escravos brasileiros esforçavam-se com tanto sacrifício para
conseguir juntar dinheiro para comprar sua liberdade ou a de seus
filhos. Legalmente, a liberdade era importante770.

A historiografia recente tende a concordar que o surgimento de tropas de Pretos


e Pardos, cuja condição jurídica específica era de forros e livres, ocorreu a partir da
mobilização de Henrique Dias em 1633, quando este ofereceu seus serviços ao General
Matias de Albuquerque para atuar na luta contra os holandeses, durante a Guerra de
Resistência771. A atuação de Henrique Dias nos anos iniciais do conflito foi vista de
forma positiva, resultando na concessão da patente de “governador dos crioulos, negros
e mulatos” 772
em 1639, ação que vinha reforçar o reconhecimento e a importância da
mobilização dessas tropas no conflito.
Se acompanharmos o que os relatos indicam, veremos que as tropas de Henrique
Dias não apenas conquistaram espaço e importância no conflito, como também

769
Em 1661 o governador de Pernambuco Francisco de Brito Freire passou uma proibição sobre o
armamento de escravos, por reclamação de “alguns moradores desta capitania” sobre os “Índios, negros e
mulatos cativos por trazerem armas ofensivas e andarem cometendo delitos”. A proibição restringia que
“nenhum mulato, negro nem índio que for cativo traga espingarda, faca ou espada, nem outra arma
alguma ofensiva” sobre pena de prisão, pagamento de 40 cruzados e “castigo dos mais a meu arbítrio”. A
exceção sobre a posse de armas se aplicava para “as que lhes forem necessárias para a ocupação do
trabalho a que forem dirigidos, ou indo diante de seus senhores acompanhando-os pelos caminhos”. AUC,
CA, Cod. 31, f. 58v-59.
770
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-1835.
Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia das Letras, 1988. p.214.
771
A Guerra de Resistência é o período de 1630-1637, marcado pela invasão, expansão e consolidação do
dos holandeses no nordeste da América Portuguesa. MELLO, Evaldo Cabral. Op. cit. 2007. p. 13. Para
citar alguns dos autores que concordam com o marco inicial dessas tropas: KRAAY, Hendrik. Op. cit.
2006.p.155; MATTOS, Hebe. “„Black Troops‟ and Hierarchies of Color in the Portuguese Atlantic
World: The caso of Henrique Dias and His Black Regiment.” Luso-Brazilian Review. vol. 45, n° 1. 2008;
SILVA, Luiz Geraldo. “Gênese das milícias de pardos e pretos na América portuguesa: Pernambuco e
Minas gerais, séculos XVII e XVIII”. Revista de História, São Paulo. n. 169., p. 11-114, jul./dez. 2013.
772
Hebe Matos indica que Henrique Dias já era referenciado como “governador dos negros” desde 1636,
mas somente em 1639 recebeu a patente expedida pelo governador-geral Conde da Torre. MATTOS,
Hebe. “ „Guerra Preta‟: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico.” In: FRAGOSO, João;
GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs) Na trama das redes: Política e negócios no Império Português,
séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 436.
232
cresceram progressivamente: ao se voluntariar para lutar contra os holandeses em 1633,
Henrique Dias comandava 20 negros, em Setembro do mesmo sua tropa dispunha de 35
soldados; durante o ano de 1636 teve sob seu comando entre 40 e 80 soldados; em 1638
sua companhia já dispunha de quantidade mais volumosa com 192 soldados. Ao receber
a patente de “cabo e governador dos crioulos, negros e mulatos” em 1639 comandava
138 soldados. Durante a fase do conflito conhecida como guerra da divina liberdade
(1645-1654) as fileiras de soldados sob seu comando eram significativamente maiores,
sendo que em 1648 era responsável por cerca de 300 soldados; durante a segunda
batalha de Guararapes (1649) a sua tropa era de 330 soldados, e em 1652 chegou a
comandar 400 soldados em seu terço.773.
O tráfico atlântico e suas implicações socioeconômicas foram outros fatores
evidentes que propiciaram o surgimento destas tropas, dado que a economia
monocultura do nordeste do Estado do Brasil mobilizava um grande número de cativos
africanos, e estes ao longo do tempo teceram das dinâmicas sociais na América lusa,
produzindo uma gama variada de qualidades de cor (preto, pardo, crioulo) e condições
jurídicas (forros, escravos, libertos) 774. Com efeito, Luiz Geraldo Silva entende que os
“aspectos estruturais combinados – o arranque da economia de plantation e a guerra
atlântica contra os holandeses – que produziram as condições de emergência das
milícias negras no Brasil” 775
. O autor também observar que a institucionalização das
tropas só se verificará a partir de 1657, após a monarquia atender as solicitações de
reconhecimento dos diretos da tropa feita pelo próprio Henrique Dias quando foi
solicitar mercês por seus serviços. Hendrik Kraay observa que a viagem de Henrique
Dias ao reino também era motivada pela busca de proteção ao status de seus soldados,
que sofriam tentativas de redução ao cativeiro776, de modo que

773
Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. Henrique Dias: governador dos crioulos, negros e mulatos
do Brasil. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1988. p.12-22; Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit.,
2007.p.193-195. Cf. JUNIOR, Antônio de Souza. Do recôncavo aos Guararape ou História Resumida
das Guerras Holandesas ao Norte do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1998. p.149.
774
Sigo aqui as características apontadas por Roberto Guedes em seu estudo sobre as nuances das
qualidades de cor nos registros paroquiais. Cf. GUEDES, Roberto. “Livros paroquiais de batismo,
escravidão e qualidades de cor (Santíssimo Sacramento da Sé, Rio de Janeiro, Séculos XVII-XVIII)” In:
FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Arquivos Paroquiais e
História Social na América Lusa: métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus
documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. p.127-128.
775
SILVA, Luiz Geraldo. Op. cit. 2013. p. 122.
776
Hebe Matos indica que a composição social das tropas do terço de Henrique Dias era diversa, com
negros, crioulos e mulatos, de modo que a maioria destes eram ex-escravos ou descendentes de cativos.
Cf. MATTOS, Hebe. “„Pretos‟ and „Pardos‟ between the Cross and the Sword: Racial categories in
233
A rainha ordenou que os escravos em questão fossem libertos „com a
permissão de seus proprietários‟, esperando que aqueles que fossem
ricos o fizessem voluntariamente e aqueles que fossem pobres se
contentassem com uma „compensação moderada‟. Além disso, ela
ordenou que a tropa de Dias fosse organizada em um terço no qual os
recém libertos fossem alistados 777.

Entretanto, a partir desse período ocorreu uma mudança fundamental no que


toca ao emprego da tropa de Henrique Dias, pois do “combate a inimigos externos esta
passava, então, à peleja contra inimigos internos, aspecto que constituiu base de seu
ulterior processo de institucionalização” 778
, isto é, os “Henriques” passaram a ser
mobilizados contras mocambos e quilombos, e também na “guerra dos bárbaros”.
Feitas essas considerações iniciais, passaremos aos dados coletados. No período
analisado o número de patentes encontradas foi muito pequeno em comparação aos
outros tipos analisados. Contudo, se considerarmos que nosso recorte engloba o início
da institucionalização e mobilização dessas tropas a escassez de dados se relaciona
justamente ao estágio inicial de utilização dessas forças. Desde já importa destacar que
não dispomos dos dados referentes aos provimentos para Capitania de Pernambuco e
suas anexas, regiões que neste período empregavam tropas de Pretos e pardo, além é
claro do terço de Henrique Dias. Ademais, a prerrogativa do provimento dessas tropas
na capitania de Pernambuco ficava a cargo de seu governador 779. Também não
dispomos de dados para as Capitanias do Sul, mas de acordo com a historiografia sobre
o tema, as referidas tropas seriam incorporadas nestas capitanias apenas na virada para o
século XVIII780.

Seventeenth Century Brazil.” European Review of Latin American and Caribbean Studies. Vol. 80, April
2006. p. 51.
777
Tradução livre do trecho: “The queen directed that the slaves in question be freed „‟with the permission
of their owners,‟ hoping that the rich ones would do so voluntarily and that the poor ones would be
content with „„moderate compensation.‟‟ Furthermore, she mandated that Dias‟s troop be organized into
a militia regiment (terco) into which the newly freed men would be enlisted”. KRAAY, Hendrik. Op. cit.
2006. p.155-156.
778
SILVA, Luiz Geraldo. Op. cit. 2013. p.123-124. Em 1663, Francisco de Brito Freire despacha do terço
de Henrique Dias para auxiliar o capitão-mor do Ceará contra as investidas dos “Tapuias” na região.
AUC, CA, Cod. 31, f. 75.
779
Como vemos na patente de Mestre de Campo passada por Francisco de Brito Freire a Antônio da
Costa por morte de Henrique Dias (AUC, CA, Cod. 31, f. 91-91v.) e a promoção de Sargento-mor do
mesmo terço concedida a João Luis (AUC, CA, Cod. 31, f. 91v-92.).
780
O trabalho de Michel Mendes Marta dedicasse exclusivamente ao estudo das milícias de pretos forros
no Rio de Janeiro do século XVIII e XIX. De acordo com o autor, uma das primeiras referências a
formação de tropas de pretos forros, organizadas sobre as ordenanças, foi em 1698 durante o governo de
Martim Correia Vasques. Cf. MARTA, Michel Mendes. Em busca de honras, isenções e liberdades: As
milícias de homens pretos forros na cidade do Rio de Janeiro (meados do século XVIII e início do XIX).
Dissertação (Mestrado em História). Niterói: UFF, 2013. p. 40.
234
Na Tabela 27 apontamos a quantidade de patentes por capitania. Como vemos,
em razão da pouca quantidade de provimentos, estes estão concentrados na Capitania da
Bahia (7 provimentos) e em duas de suas anexas: Sergipe del Rey (1) e Ilhéus (1). Se
observarmos estas de modo detido veremos que a maioria dos provimentos se concentra
no ano de 1668 e na capitania da Bahia (4 provimentos), período em que houve uma
intensa mobilização defensiva em razão dos rumores de um ataque holandês. Contudo, a
primeira patente de nossa amostragem é do ano de 1653, e está associada
especificamente ao contexto do inicio a “guerra dos bárbaros” no Recôncavo de
Salvador, uma vez que formava uma companhia da “gente parda, e mais mestiços
forros, e desobrigados da freguesia de Paraguassú” a fim de que “se ponha ao
cometimento do gentio que ali costuma descer, e se ache nas ocasiões que se oferecem
do inimigo” 781.

Tabela 27 – Número de patentes de Pretos e pardos por capitania

Capitania Valor Absoluto Valor %


Bahia 7 77,78%
Sergipe del Rey 1 11,11%
Ilhéus 1 11,11%
Total 9 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

Nesse sentido, podemos ponderar que ao longo dos séculos XVII e XVIII essas
tropas tenderam a adquirir especificidades de acordo com as regiões onde atuavam. Se
no século XVII as tropas de pretos e pardos que atuam na Bahia e em Pernambuco
desempenhavam funções defesa e atuavam no combate aos “inimigos internos”, no
século XVIII as milícias criadas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro tendiam assumir
funções de ordem policial782, isto é, no controle da ordem pública e auxilio na cobrança
de encargos fiscais.
As patentes analisadas não trazem dados sobre o tempo de serviço, e as
informações sobre as listas de serviços são vagas e escassas. Em nenhuma delas a
referência a remuneração por soldo. Aparentemente essas questões não possuíam o
mesmo peso para a nomeação dos oficiais das tropas de pretos e pardos, ao menos neste
período. Contudo, ressaltamos que no caso do Terço dos Henriques em Pernambuco é
possível observar que após a morte do mestre de campo Henrique Dias, o provimento

781
Patente de “Capitão da gente parda e mais mestiços” concedida a Antonio da Câmara de Bitancor.
24/07/1653. DHBN, Vol. XXXI, p.134-135.
782
Cf. SILVA, Luiz Geraldo. Op. cit. 2013. p.128; Cf. MARTA, Michel Mendes. Op. cit. 2013. p. 43.
235
do seu posto foi feito em um oficial que servia no posto de sargento-mor783, isto é, o
posto imediatamente inferior da hierarquia. Portanto, podemos afirmar que no terço dos
Henriques se praticava um estilo de promoção muito semelhante ao que observamos nos
terços de tropas pagas da Bahia784.
As informações sobre serviços e qualificações sociais são escassas ou
inexistentes nas patentes analisadas785. Com a notória exceção de Francisco de Barros,
provido como Capitão dos homens pardos de Sergipe del Rey, que foi descrito em sua
patente como “homem pardo forro, e afazendado, morador nos limites do Lagarto da
mesma Capitania” 786. Quanto aos serviços e sua experiência, as informações são vagas,
mencionando a atuação nas guerras de Pernambuco, o conhecimento dos “matos e
campos da dita Capitania” 787
e sua assistência na companhia que estava assumindo
como capitão. Outra questão interessante é o fato de seu provimento para o posto ser
uma demanda dos “mulatos forros” da referida companhia, com endosso e
recomendação tanto da câmara da Cidade de São Cristovão, quanto do Capitão-mor de
Sergipe del Rey. Aparentemente Francisco de Barros construiu e desfrutou de um status
privilegiado na circunscrição de Sergipe del Rey, com boas relações entre os seus pares
e o reconhecimento das autoridades políticas. Este caso é interessante por nos indicar a
trajetória de ascensão e de reconhecimento de um forro, contudo, somos levados a
acreditar que nesse período as oportunidades de promoção como essa não estivessem ao
alcance de todos que ingressavam nas milícias de cor.
Comumente as tropas de pretos e pardos foram associadas à organização de
tropas como as Ordenanças e os Auxiliares. Na Tabela 28 indicamos as patentes que
783
Como vemos na patente de mestre de campo passada a Antonio da Costa que foi “Sargento-mor do
dito Terço, e ao bem que tem servido a Sua Magestade nas guerras destas Capitanias desde o ano que os
moradores aclamarão sua liberdade, e 12 anos antes”. AUC, CA, Cod. 31, f. 91-91v. João Luis, que
sucedeu Antonio da Costa como Sargento-mor do terço dos Henriques servia na tropa desde 1636,
portanto possuía 27 anos de serviços na data do provimento. AUC, CA, Cod. 31, f. 91v-92.
784
Sobre os estilos de provimentos nos terços de Salvador. Cf. ARAÚJO, Hugo André F. F.“Autoridade e
hierarquia: o governo-geral e os ofícios militares na Bahia e Pernambuco (1647-1649)”. Revista Escrita
da História. Ano II. Vol. 2, n.° 4. Set/Dez. 2015. Mesmo durante o século XVIII quando as candidaturas
ao conselho ultramarino eram a principal prática de provimento das vacâncias, se observa a preferência
dos oficiais mais antigos que serviam no terço, como no caso indicado por Luiz Geraldo da Silva sobre a
eleição de Manoel Barbalho Lira como mestre de campo do terço dos Henriques em 1726. Cf. SILVA,
Luiz Geraldo. “Indivíduo e sociedade. Brás de Brito Souto e o processo de institucionalização das
milícias de afrodescendentes livres e libertos na América.” Revista Tempo. vol. 23, n.° 2; 2017. p. 186.
785
Como vemos nos exemplos: “Diogo Rodrigues soldado da mesma companhia, e á honrada informação
que se me fez de seu procedimento nas occasioes que se ofereceram do serviço de S. Magde, assim nesta
Praça, como em Pernambuco, de que apresentou papéis” (14/07/1655. DHBN, vol. XXXI, p.170-171);
“Francisco da Cunha, e a satisfação com que já serviu o mesmo posto, havendo servido antes alguns anos
de Soldado pago nesta Praça” (18/11/1670. DHBN, vol. XII, p. 124-125).
786
18/12/1674. DHBN, vol. XII, p. 342-344.
787
18/12/1674. DHBN, vol. XII, p. 342-344.
236
explicitamente indicavam essa relação. Contudo, observamos que a maioria das patentes
de nossa amostragem não explicita a relação com estes outros tipos de tropas. A relação
com as ordenanças aparece em apenas 3 patentes. Isso parece estar associado a uma
percepção coetânea sobre as especificidades destas tropas, e paradoxalmente, a sua
própria indefinição no universo de tipos de tropas mobilizadas na América Lusa. Isso
pode ser percebido por vezes na fórmula textual das patentes que identifica os
privilégios associados ao ofício, sendo que uma fórmula frequente encontrada foi a
seguinte: “seja, use, e exerça com todas as honras, graças, franquezas, preeminências,
privilégios, isenções, e liberdades, que lhe tocam, podem, e devem tocar aos mais
Capitães da gente livre deste Estado”788. Para os demais tipos de tropa freqüentemente
encontramos a definição e a associação dos tipos de privilégios neste trecho da
patente789. Se considerarmos que o período analisado coincide com o surgimento desse
tipo de tropa é muito provável que os privilégios associados ao serviço ainda estivessem
sendo definidos ou mesmo por definir, o que implicaria em uma apresentação textual
especifica e que não indicaria a associação com outros tipos de tropa.

Tabela 28 – Relação das patentes e tipos de tropas

Ano Patente Capitania Tipo de tropa


1653 Capitão da gente parda e mais mestiços Bahia Ordenança
1655 Capitão dos homens pardos Bahia Ordenança
1668 Capitão da gente preta livre Bahia Não informa
1668 Ajudante da gente preta forra Bahia Não informa
1668 Capitão da gente preta livre Bahia Não informa
1668 Alferes da gente preta forra Bahia Não informa
1669 Alferes dos homens pardos Ilhéus Não informa
1670 Capitão dos homens pardos livres Bahia Ordenança
1674 Capitão dos homens pardos Sergipe del Rey Não informa
Fonte: Banco de dados de provimentos

Os dados da Tabela 28 também apontam para outra questão: a variação de


termos para definir a condição social e jurídica. Evidentemente não é nosso objetivo
discutir longamente os significados e as variações dos termos, seja pela limitação de
informações nas fontes consultas, seja pela natureza da questão que escapa aos objetivos

788
27/09/1668. DHBN, Vol. XI, p. 454-456.
789
Como vemos no exemplo de Miguel Correia Dantas, Capitão da Ordenança em Rio de São Miguel
(Pernambuco): “seja, use, e exerça com todas as honras, graças franquezas, privilégios, isenções, e
liberdades que lhe tocam, podem, e devem tocar aos mais Capitães de Infantaria da Ordenança da
Capitania de Pernambuco” (21/03/1655. DHBN, Vol. XXXI, p. 158-159); e no caso de Fernão de Souza
de Menezes, Tenente de Cavalos de Salvador “seja, use, e exerça com todas as honras, graças, franquezas,
preeminências, privilegios, isenções, e liberdades que lhe tocam podem, e devem, tocar aos mais Tenentes
das companhias de cavalos dos exércitos de Portugal” (10/01/1668. DHBN, Vol. XXIII, p.122-123)
237
imediatos desse trabalho. Contudo, é possível tecer algumas breves considerações sobre
os possíveis significados. A profusão de termos como “preto livre”, “preto forro”,
“pardo” e “pardo livre” sugere que haviam especificidades que eram consideradas no
momento de organização e composição dessas tropas. Contudo, as patentes não nos
permitem avançar nessa questão, o que nos leva a estabelecer diálogos com a produção
historiográfica que analisou a temática e a região em questão, a fim de sugerir
alternativas de interpretação.
Ao analisar os registros paroquiais baianos referentes ao século XVII, Thiago
Krause indica que “os livres de cor eram um grupo incipiente ainda em finais do
seiscentos, seu pequeno aumento nas últimas décadas indica uma tendência de lento
crescimento ao longo do século”790. Sobre a freqüência do emprego dos termos de
qualidade de cor, Krause aponta que
“Mulato” continua a ser a classificação predominante, mas, em razão
de sua conotação negativa, tende a ser utilizado para qualificar
principalmente escravos, enquanto “pardo” é um termo utilizado com
cada vez mais frequência para se referir a forros – como talvez já
ocorresse em Portugal desde o século XVI791.

Nesse sentido, é importante ter em vista as considerações de Hebe Mattos sobre


o emprego destes termos no contexto do progressivo aumento da população livre de
origem africana, pois a utilização do termo “pardo” se tornou mais frequente e seu
emprego era “um instrumento lingüístico necessário para expressar a nova realidade,
sem impor com isso o estigma da escravidão, mas também sem perder a memória do
cativeiro e as restrições civis implícitas” 792. Para a autora os significados associados ao
termo pardo foram dinâmicos e ganharam contornos mais complexos do que a inicial
designação de cor, sobretudo porque as “classificações de preto (escravo ou ex-escravo
de origem africana), ou crioulo (escravo ou ex-escravo nascido no Brasil” por vezes
“tendiam a congelar o status social do escravo ou pessoa liberta” 793.

790
KRAUSE, Thiago Nascimento. Op. cit. 2015. p. 58.
791
Ibidem. p.60.
792
Tradução livre do trecho:“The emergence of a free population of African origin, not necessarily
mestiça, but several generations removed from the more direct experience of slavery, consolidated the
category of pardo livre as a necessary linguistic instrument to express the new reality, without imposing
on it the stigma of slavery, but also without it losing the memory of slavery and the civil restrictions that
it implied”. MATTOS, Hebe. European Review of Latin American and Caribbean Studies. Vol. 80, 2006
p. 51.
793
Tradução livre do trecho: “the term pardo started as a simple designation of colour, but expanded in
significance to include a growing population having the classifications of preto (slave or ex-slave of
African origin), or crioulo (slave or exslave born in Brazil), because these terms tended to freeze the
social status of the slave or freed person.”. Ibidem. p. 51.
238
Portanto, um olhar sobre as tropas de pretos e pardos nos auxilia a identificar
dinâmicas que transcendem a designação da condição jurídica ou social dos providos,
refletindo também o contexto de produção de status e a reivindicação de privilégios
corporativos. Certamente a questão ainda carece de muitos estudos, que lancem mão de
um maior aprofundamento empírico, ponderando as diferenças regionais e temporais na
análise da formação e organização dessas tropas.

2.7. Fortificação:

As fortificações eram peças centrais da defesa do Estado do Brasil, sobretudo


quando consideramos que durante os séculos XVI e XVII a maioria esmagadora dos
núcleos populacionais da América portuguesa se concentrava em regiões litorâneas794.
Em alguns casos, como no de Salvador, a própria fundação da cidade estava associada a
formação e construção de estruturas e edificações defensivas. Desde o regimento de
Tomé de Souza (1549) se observavam instruções sobre os cuidados em erigir e
conservar estruturas físicas de defesa795. Portanto, é preciso tecer algumas considerações
sobre o papel das fortificações, a fim de compreender a importância dos oficiais que
eram incumbidos de sua conservação. De modo geral as fortificações eram erigidas em
pontos estratégicos para a defesa de rios, portos e cidades. Como as construções
poderiam variar de tamanho e potencial defensivo, utilizamos e classificamos nossa
análise três tipos fundamentais de fortificações: Fortalezas796, Fortes797 e

794
Russel-Wood aponta como essa característica conferiu particularidades a dinâmica de povoamento da
América Portuguesa nos dois primeiro séculos de colonização, ressaltando que “Na América portuguesa,
era comum (como em Salvador, Rio de Janeiro e Vitória) os portos serem instalados a certa distância do
local do assentamento inicial – geralmente, no bojo de uma baía. Recife nasceu por causa de seu porto
protegido e porque Olinda não tinha acesso ao mar. Em contraste, Salvador, Rio de Janeiro, Santos e
Pernambuco foram multifuncionais (com administração, comércio e defesa) desde sua concepção; São
Luís e Belém haviam se estabelecido como postos avançados fortificados do império e somente de forma
gradual assumiriam funções administrativas e se tornariam entrepostos comerciais. Outros portos
surgiram como uma decorrência natural das necessidades comerciais, mas, em sua maioria, custaram a
ganhar relevância, e apenas alguns poucos atingiram o status de cidade no período colonial.” RUSSELL-
WOOD, Anthony John R. “Portos do Brasil Colonial”. In: Histórias do Atlântico Português. Ângela
Domingues, Denise A. Soares de Moura. (Orgs.) 1a ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 126-127.
795
Cf. COSENTINO, Francisco. Op. cit. 2009. p. 284-292; MOREAU, Felipe Eduardo. Arquitetura
militar em Salvador da Bahia: Séculos XVI a XVIII. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da
Arquitetura e Urbanismo). São Paulo: USP, 2011. p.81
796
A rigor esse tipo de fortificação era o maior em dimensão e em potencial defensivo, na definição de
Bluteau era descrito como: “Castelo ou cidadela mais forte, mais capaz, & de mais baluartes, que os
ordinários, para segurança das províncias, cidades, portos e etc.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario
portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. IV. Coimbra: Collegio das Artes da
Companhia de Jesus, 1712. p. 184. (CD-ROM)
797
Esse tipo de fortificação é o mais freqüente em nossa amostragem, possívelmente por seu potencial
defensivo intermediário e versátil, além de dos custos de construção e reparos desse tipo serem menores
239
Plataformas798. Adotamos essa divisão, sobretudo pela percepção da existência de uma
hierarquia implícita entre os tipos, o que denotava o grau de importância, o prestígio e a
rentabilidade de alguns desses postos, como veremos mais detidamente adiante.
Vale recordar que a preocupação com as fortificações estava expressa nos
regimentos do governo-geral. O terceiro capítulo que determinava que após tomar posse
os governadores-gerais deveriam
pessoalmente ver as Fortalezas da Cidade, armazéns, e tercenas,
ordenando que se faça inventário pelo Escrivão da minha Fazenda de
todas as cousas que a ela pertencem, e navios, artilharia que houver, o
calibre dela, para se poder enviar deste Reino a bateria necessária
conforme ao dito calibre, e plantas das ditas Fortalezas, e de tudo o
dito Governador me enviará a cópia remetida ao meu Conselho
Ultramarino para me ser presente tudo o que há naquela praça; e o
mesmo mandará fazer em todas as do seu Governo, com a distinção, e
clareza necessária.799

Antes de analisar a dispersão geográfica dos provimentos é preciso ressaltar


mais uma vez que a coroa buscar exercer o controle sobre o provimento destes postos de
modo mais efetivo. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, os estudos têm apontado
que a coroa exerceu uma tendência de maior controle dos provimentos destes ofícios,
como indicam os trabalhos de Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira800.

do que aqueles associados a fortalezas. Na definção de Bluteau: “É uma praça, cercada de fossos, reparos
& baluartes, dos quais se pode defender com pouca gente contra a força do inimigo. (...) Forte de
campanha. He um forte de 4 ou 5 ângulos, com outros tantos baluartes, que se faz na campanha, ou fora
das praças, junto dos rios, ou passagens para as guardar & defender. De ordinário não são capazes de
resistir a exercito numeroso.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico,
anatomico, architectonico... Vol. IV. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 184.
(CD-ROM)
798
As plataformas eram o tipo que apresentava o menor potencial defensivo, com construções menores e
com pouca capacidade de peças de artilharia.
799
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Tomo II. Rio de
Janeiro: IHGB, Conselho Federal de Cultura, 1972. p 747-748. – No regimento de Antonio Teles da Silva
(1642) essa ordem figurava com uma instrução menos detalhada: “Logo que vos for entregue o governo
ireis pessoalmente ver as fortalezas da Cidade e os meus Armazéns, tercenas e ordenareis que se faça
inventario pelo escrivão de minha fazenda de todas as coisas que nele estiverem, e dos navios e Artilharia
que houver de que me enviareis copia.” AHU_CU_005, Cx.1, D. 40.
800
Analisando o perfil das duas principais fortalezas do Rio de Janeiro no século XVII (Santa Cruz e São
João), Scaldaferri encontra 5 provimentos régios para a fortaleza de Santa Cruz entre 1649e 1686; e 4
para a de São João entre 1660 e 1700. Cf. MOREIRA, Luiz G. Scaldaferri. “Os capitães das fortalezas da
barra da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (C. 1650 - C. 1700)”. In: POSSAMAI, Paulo (Org).
Conquistar e defender: Portugal, países baixos e brasil. Estudos de história militar na Idade Moderna. São
Leopoldo, Oikos, 2012, p. 87-88. Em nossa amostragem encontramos apenas dois provimentos feitos pelo
governo-geral para a capitania do Rio de Janeiro, sendo que os dois são referentes à fortaleza de Santa
Cruz. O primeiro provimento, referente ao ano de 1662 (24/08/1662. DHBN, Vol. XX, p.463-465), era
feito em razão da morte de Antonio Nogueira de Silva que servia o ofício desde 1649. O segundo
provimento, feito em 1663, foi em razão da vacância do posto (10/01/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 29-31).
Ambos provimentos traziam a recomendação do governador do Rio de Janeiro, Pedro de Mello.
240
Nesse sentido, a Tabela 29 reflete a dispersão geográfica dos provimentos, isto
é, a quantidade de patentes de fortificação emitidas pelo governo-geral para cada
capitania. Desnecessário dizer que o número de provimento não reflete a quantidade
total de fortificações de capitania, mas antes indica a atuação dos governadores-gerais
no provimento dessas serventias. Por consequência, mais da metade dos provimentos
desse tipo são referentes a Capitania de Bahia (57,14%), o que aponta para a grande
capacidade de interferência e controle do governo-geral sobre essas serventias. Das 24
patentes encontradas para a Bahia, 15 eram referentes às fortificações localizadas na
cidade de Salvador e o restante àquelas espalhadas por pontos estratégicos do
recôncavo. Em outras praças com grande presença de fortificações, como no Rio de
Janeiro e em Pernambuco801, o espaço de atuação do governo-geral aparentemente era
mais reduzido, em face à atuação e o controle da coroa e dos governadores de capitania
sobre esses provimentos. Destarte, se observamos por uma perspectiva regional,
verificaremos uma presença acentuada (76,18% ou 32 patentes) de provimentos nas
capitanias subordinadas a jurisdição imediata do governador-geral (Bahia, Paraíba,
Ilhéu). Dentre as Capitanias do Norte (excluída a Paraíba por sua subordinação ao
governo-geral) Pernambuco é a única da região a figurar na amostragem com apenas 2
provimentos, reforçando nossa compreensão sobre a prerrogativa de provimento desses
postos efetivamente não pertencerem a esfera regional de influência do governo-geral.
Para as Capitanias do Sul percebemos que a atuação do governo-geral foi ligeiramente
maior do que em relação às Capitanias do Norte, contudo, uma visão geral dos
provimentos sugere que a tendência de criação de uma esfera de influência da coroa e
dos governadores de capitania paulatinamente se efetivaria ao longo desse período.

801
Bruno Miranda analisa especificamente as políticas de defesa e conservação das fortificações de
Pernambuco no período do pós-guerra. O autor analisa as transformações ocorridas na infraestrutura
defensiva da capitania, observando as modificações dos elementos existentes no período da ocupação
holandesa, a criação de novas edificações e as transformações ocorridas até o fim do século XVII. Cf.
MIRANDA, Bruno Romero Ferreira. Fortes, paliçadas e redutos enquanto estratégia da política de
defesa portuguesa. (O caso da capitania de Pernambuco – 1654-1701). Dissertação (Mestrado em
História). Recife: UFPE, 2006.
241
Tabela 29 - Número de patentes de Fortificação por capitania

Capitania Valor Absoluto Valor %


Bahia 24 57,14%
Paraíba 5 11,90%
São Vicente 4 9,52%
Ilhéus 3 7,14%
Pernambuco 2 4,76%
Espírito Santo 2 4,76%
Rio de Janeiro 2 4,76%
Total 42 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

Dispomos de dados sobre o tempo de serviço para 18 dos 42 provimentos


analisados (Tabela 30). A distribuição das patentes por faixa de tempo de serviço nos
indica que o fator “tempo” poderia ser uma variável levada em consideração no
momento do provimento, mas ao que parece não haveria um tempo mínimo de
serviço802. Portanto, é muito difícil precisar os motivos e os padrões de dispersão dos
oficiais nas faixas de tempo de serviço, sobretudo se levarmos em conta a
heterogeneidade de status existentes no conjunto dos fortes e fortalezas, e ainda se
observamos que os providos eram, em sua maioria, oriundos do serviço nas Tropas
Pagas e na Artilharia.

Tabela 30 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Fortificação

Tempo
Total de
de Tipo e quantidade de patentes %
patentes
Serviço
8-10 Capitão-mor e Governador da Fortaleza (1); Capitão de Forte (1);
3 16,67%
anos Capitão da Fortaleza
11-15 Capitão de Forte (1); Capitão-mor e Governador da Fortaleza (1);
4 22,22%
anos Capitão dos Fortes (1), Capitão de Plataforma
16-20
Capitão de Forte (2); Capitão da Fortaleza (1) 3 16,67%
anos
21-25
Capitão dos Fortes (1) 1 5,56%
anos
26-30
Capitão de Forte (2); Capitão de Plataforma (2) 4 22,22%
anos
31-35
Capitão de Forte (2); Capitão da Fortaleza (1) 3 16,67%
anos
Fonte: Banco de dados de provimentos

Portanto, é preciso ressaltar que essa visão geral dos tipos de provimento não
favorece a compreensão das particularidades envolvidas nessa dinâmica de

802
Antonio Simões Delgado foi o oficial provido apresentando 8 anos de serviços, o menor tempo em
nossa amostragem (22/09/1678. DHBN. Vol. XXVII, p. 37-39). Pedro Lopes Figueira apresenta a maior
lista de serviços dessa amostragem, totalizando 35 anos. (20/05/1681. DHBN, Vol. XXVII, p. 415-417).
242
provimentos. Se observamos os estudos que se concentraram em fortificações
específicas fica mais evidente como diversos outros fatores confluíam para o
estabelecimento de um perfil e de critérios de provimento. Luiz Guilherme Scaldaferri
ao analisar o perfil dos capitães das fortalezas de Santa Cruz e São João (Rio de Janeiro)
observou várias diferenças entre os providos das duas fortalezas, e associou essas
características tanto as particularidades referentes a localização e importância das
fortificações, quanto as relações sociais e a trajetória de serviços dos providos. O autor
percebeu que a importância atribuída aos oficiais da fortaleza de Santa Cruz se refletia
em soldos de maior valor para os que serviam nesta fortificação, assim como o
provimento de indivíduos com maior projeção social803. Portanto, os dados de
Scaldaferri nos permitem relativizar a importância atribuída às longas listas de serviços,
pois os oficiais que foram nomeados com menos tempo em suas listas teriam chances de
ascender e galgar novos patamares da hierarquia, tanto pelas relações sociais
construídas nesse percurso quanto pela distinção e prestígio alcançados durante a
trajetória; ao passo que os oficiais com longos períodos de serviço (superiores a 30
anos) não necessariamente desfrutariam das mesmas oportunidades de ascensão.
Na Tabela 31 indicamos a média do tempo de serviço apresentado nas patentes
mais frequente dessa amostragem, no caso o ofício de Capitão de Forte. Se
desconsiderarmos por um momento as variações regionais e as variações de importância
de cada fortificação, veremos que a média de 21,25 anos é ligeiramente superior a
àquela apresenta pelos Capitães das Tropas Pagas (18,4 anos). Isso pode se relacionar
ao fato da circulação de oficiais entre os dois tipos de tropa. Para citar um exemplo,
encontramos em uma consulta do Conselho Ultramarino a indicação de que o posto de
Capitão dos Fortes de São Felipe e Santiago era costumeiramente provido entre os
oficiais das tropas pagas 804.

803
Ao observar a questão do tempo de serviço Scaldaferri indica que os providos na Fortaleza de Santa
Cruz apresentam a variação entre 4 e 29 anos de serviço (com a média 15 anos), ao passo que os oficiais
providos no forte de São João apresentam contagens significativamente maiores de tempo, sendo a
variação entre 17 a 40 anos (com a média de 30,25 anos). Neste ponto o autor indica que apesar dos
maiores tempos de serviço entre os capitães do Forte de São João, os oficiais que ali serviram não
conseguiram os mesmos acrescentamentos e promoções que os oficiais que serviram na Fortaleza de
Santa Cruz. Cf. MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2010. p.80-86. As médias descritas
acima foram elaboradas por nós com base nos dados apresentados pelo autor.
804
“sempre os governadores do Estado proveram dele capitães dos dois terços” 25/08/1653.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.12, D. 1526.
243
Tabela 31 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Fortificação

Média de Menor Tempo de Maior tempo de Total de


Patente
tempo serviço serviço Patentes
Capitão de
21,25 9 32 8
forte
Fonte: Banco de dados de provimentos

Uma alternativa para interpretar esses dados pode ser tratar alguns desses
provimentos como pontos intermediários das trajetórias de serviço. Se observarmos o
exemplo de Antonio Simões Delgado essa percepção pode ficar mais evidente. Em
1678, Roque da Costa Barreto proveu Simões Delgado como Capitão da Fortaleza de
Vera Cruz de Itapema, localizada na vila de Santos805. Na lista de serviços apresentada
na carta patente eram listados 8 anos de serviços nas guerras contra a Espanha, servido
na companhia de Roque da Costa Barreto em diversas ocasiões no Reino, e por fim
acompanhando o governador-geral em sua vinda ao Estado do Brasil806. Cerca de dois
anos depois Simões Delgado foi promovido a Alferes de Cavalos em Salvador807, e logo
em seguida fora eleito Capitão da Guarda do Governador 808. Neste caso fica perceptível
que o serviço como oficial de Fortificação foi apenas uma etapa da trajetória, seguida
809
por acrescentamentos intermediados pelo por Roque das Costa Barreto . Uma
mobilidade semelhante entre esses tipos de ofícios pode ser percebida no caso de
Antônio Corrêa Pestana. Este oficial serviu inicialmente como Capitão da Guarda de
Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça810 por provimento de 09/05/1671.
Quatro meses após foi provido no posto de Capitão da Tropa paga811, e provavelmente

805
22/09/1678. DHBN, Vol. XXVII, p. 37-39
806
“haver servido a Sua Alteza oito anos, e um mês, e quatro dias, a saber sete anns, e sete meses em
praça de soldado da minha Companhia de Cavalo, sendo eu Sargento-maior da Batalha acompanhando-
me na leva de mil quinhentos, e cincoenta homens, que fui fazer ás Comarcas de Santarém, Tomar,
Leiria, e Torres Vedras para se recolherem os Terços da Armada da Guarnição da Corte, e da Praça de
Cascais: e indo eu dar forma de novo aos Terços e Auxiliares, e Companhias de Cavalos nas mesmas
Comarcas para se não esquecerem de seu exercício, me acompanhou também, havendo-se em uma, e
outras ocasião com muito zelo, e pontualidade: e o mais nesta Praça em que ocupou oposto de Alferes da
Companhia do Capitão Manuel de Barros Brigueiros em que procedeu sempre como devia a suas
obrigações” 22/09/1678 . DHBN, Vol. XXVII, p. 37-39.
807
20/12/1680. DHBN, Vol. XXVII, p. 362-365.
808
28/06/1681. DHBN, Vol. XXVII, p. 439-442.
809
Luiz Guilherme Scaldaferri indica que vários dos oficiais providos nos postos de capitão de Fortaleza
no Rio de Janeiro possuíam ligações com a família de Salvador Correia de Sá, grupo que interferiu
diretamente no governo da capitania por mais de um século. Cf. MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri.
Op. cit. 2010. p. 81-82.
810
Este oficial também apresentava uma trajetória de serviços de 9 anos nas guerras contra a Espanha. A
relação com o governador-geral é menos explicita que o exemplo anterior, mas há a referência de que o
oficial havia embarcado “na capitanea da Armada da Companhia Geral, com que passei a governar este
Estado, no posto de Ajudante do número”. 09/05/1671. DHBN, Vol. XXIV, p.163-165.
811
23/09/1671. DHBN, Vol. XXIV, p. 306-307.
244
não exerceu o ofício (e se o fez foi durante um período curtíssimo) uma vez que
02/10/1671 recebeu novo provimento, desta vez como Capitão-Mor e Governador da
Fortaleza do Morro de São Paulo812. Neste caso, diferente do exemplo anterior, a
ascensão hierárquica conduziu Antônio Corrêa Pestana de postos das Tropas Pagas para
uma fortaleza de importância estratégica para o abastecimento de Salvador e do
Recôncavo. Estes dois exemplos indicam as possibilidades de interpretação desse tipo
de provimentos em análises qualitativas de trajetórias individuais, sendo que a diferença
fundamental entre os exemplos citados reside no status e importância atribuída a cada
fortificação: enquanto que a Fortaleza de Vera Cruz de Itapema representava um soldo
anual de 40.000 réis, a Fortaleza do Morro de São Paulo, situada em um ponto vital para
o abastecimento do recôncavo baiano, pagava anualmente ao seu governador 192.000
réis.
Outra lógica que perpassa esse tipo de provimento é aquela associada a
propriedade do ofício ou a transmissão hereditária. Isto por si só já confere uma
característica peculiar a este tipo de ofício, sobretudo por essa prática não se verificar
em relação aos demais tipos tratados nesse capítulo. Contudo, como sabemos a
concessão de ofícios em propriedade era uma prerrogativa régia das mais importantes, e
que majoritariamente se associava a ofícios de Fazenda e Justiça813. No caso de ofícios
militares a ocorrência de provimentos em propriedade foi menor, mas não chegou a ser
inexistente814. Nesse sentido, identificamos práticas semelhantes àquilo que Roberta
Stumpf sugeriu como “serventia vitalícia” 815. Isso se verifica em relação ao provimento
do ofício de Capitão da Plataforma de São Vicente da Praia (Salvador), concedida aos
descendentes de Vicente Alvares. Nestas patentes a principal justificativa do

812
02/10/1671. DHBN, Vol. XXIV, p. 325-328.
813
João Fragoso indica que parte da elite fluminense teve acesso às mercês que conferiam a propriedade
de ofícios como o de “escrivão da fazenda, o almoxarife, o escrivão do almoxarife e alfândega e o juiz
dos órfãos”, ofícios que tutelavam importantes recursos referentes “à cobrança e guarda dos impostos e
aos bens dos órfãos da capitania”. FRAGOSO, João. Op. cit., 2000. p .61
814
Em que se pese as considerações de Fernando Dores Costa sobre caráter não hereditário dos postos
militares e o seu retorno periódico desses ofícios para promover a movimentação da economia da mercês.
Cf. COSTA, Fernando Dores. Op. cit. 2012. p. 51.
815
A autora identifica que a partir da segunda metade do século XVIII a Coroa adotou claramente a
postura de “combater o direito consuetudinário e as transmissões semiautomáticas dos ofícios
hereditários, trazendo à luz a polémica, nunca adormecida, de que mesmo os ofícios dados em
propriedade pertenciam ao património régio e que uma vez vagos poderiam ser novamente concedidos
pelo monarca, não necessariamente aos herdeiros, mas àqueles que apresentassem as qualidades que
naquele contexto eram tidas como mais importantes”. STUMPF, Roberta. “Formas de venalidade de
Ofícios na Monarquia Portuguesa do Século XVIII”. In: STUMPF, Roberta; CHATURVEDULA,
Nandini (Orgs.) Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos
XVII e XVIII). CHAM, Lisboa. 2012. p. 297.
245
provimento é o fato de Vicente Alves ter construído a referida Plataforma “a sua custa”,
sendo “por cujo respeito foi já promovido” como Capitão da mesma e “por sua morte,
no mesmo cargo que exerceu como devia” 816. Destarte, os serviços de Vicente Alvares
renderiam patentes ao seu filho Vicente Alvares (o moço) e a seu neto Paulo
Fontoura817. O que não significa que não houvesse nenhum tipo de tutela da Coroa
sobre esses tipos de provimento818. Neste caso pode-se verificar um claro processo de
patrimonialização de serviços no qual
la transmissión de los méritos y servicios, por actos inter vivos o
mortis causa, implicaba que se los considerara como bienes, en
concreto com una espécie de cosa incorporal, con lo que desaparecia
la dificultad de aceptar una impensable transferencia de hechos. Su
consecuencia no era outra que la de volverlos en bienes que formaban
parte del patrimônio de quien los había adquirido o realizado819.

Esse tipo de prática foi percebida por Luiz Guilherme Scaldaferri ao analisar os
fortes do Rio de Janeiro, para os quais encontrou casos em que o provimento era feito
“mais pelos serviços de seus pais, que já ocupavam o posto, do que propriamente pelos
seus feitos” de modo que estes filhos de capitães receberam “a propriedade
vitaliciamente como havia acontecido com os seus progenitores” 820.
Em outras situações é possível perceber que a busca pela obtenção da
propriedade do ofício era o objetivo maior de alguns oficiais, contudo, as estratégias
empreendidas para essa obtenção nem sempre logravam resultado. Neste ponto é
curioso analisar o exemplo de Simão Luis Rego. Ao receber a patente régia de “Capitão
do Forte Real da Conceição, São Tiago e São Felipe” 821
o referido oficial recebeu
apenas o provimento de serventia em satisfação de seus serviços, o que era a prática
mais freqüente. Contudo, o Capitão ambicionava mais por seus serviços e tentou
816
09/02/1651. DHBN, Vol. XXXI, p. 86-87.
817
DHBN, Vol. XXXI, p. 83-84; DHBN, Vol. XXXI, p. 86-87. Nos relatórios sobre as fortalezas
elaborados durante esse período é possível perceber a menção ao direito hereditário do provimento como
parte das descrições: “uma plataforma de que é capitão Vicente Alvares cujo pai a fez a sua custa, e em
satisfação daquele serviços se lhe deu sem soldo algum”; “E no forte de Vicente Alvares esta provido um
filho seu com patente do Governador em consideração de seu Pai o fazer a sua custas.”
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263.
818
Como vemos em uma carta régia na qual o monarca recomendava ao governador-geral que verificasse
os procedimentos e merecimentos “por no Forte chamado o de Vicente Alvares da Praia estar servindo
um seu filho, em razão de seu pai o haver feito, me avisareis de sua capacidade e talento para resolver o
que for mais serviço meu.” 21/09/1652. DHBN, Vol. LXVI, p. 36.
819
GRANDÓN, Javier Barrientos. Op. cit. p. 614.
820
MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2010. p. 53.
821
“Hei por bem, e me praz de lhe fazer mercê da Capitania do Forte de São Francisco digo Forte Real da
Conceição São Tiago, e São Felipe da Bahia de Todos Santos em satisfação do Morro de São Paulo,
para que a sirva enquanto eu o houver por bem, e não mandar o contrario” 11/10/1652. DHBN, Vol.
XXXII, p. 67.
246
almejar o direito a propriedade do mesmo forte, adotando como “estratégia” para
efetivar seus objetivos a prática de se declarar proprietário do ofício. Em um primeiro
momento o governador-geral não teve problema com essa postura, uma vez que em
outras duas patentes o oficial foi mencionado como proprietário do ofício822. Contudo,
quando Simão Luis Rego tentou ampliar os direitos que desfrutava no posto, requerendo
os privilégios de soldo inteiro e visita aos navios, os membros do Conselho Ultramarino
rejeitaram a solicitação, ressaltando a existência de “duvidas na Bahia em razão da dita
propriedade” 823. O exemplo nos indica não só como se ambicionava este tipo de mercê,
mas também a preocupação dos conselhos governativos em controlar esse tipo de
concessão.
Uma forma de perceber a hierarquia entre os oficiais e as fortificações é
analisando as variações entre os soldos declarados, como indicamos na Tabela 32.
Incorporamos neste quadro os dados sobre outras fortalezas da capitania da Bahia que
foram apresentados em um relatório elaborado pelo Secretário de Estado do Brasil em
1660824. Além disso, incorporamos também os valores apontados por Scaldaferri em sua
dissertação de mestrado. A partir desses dados é possível perceber a diferença de status
e de importância atribuída as várias fortificações analisadas. No caso dos oficiais que
eram nomeados como Capitão dos Fortes o valor do soldo é ligeiramente superior em
razão do comando e gestão de mais de uma fortificação825. Para os oficiais nomeados
como Capitão de Forte, isto é, tendo sob seu comando uma única fortificação, vários
fatores interferem no valor do soldo: a localização, a qualidade e a conservação da
edificação, o número de peças de artilharia disponíveis. Portanto, podemos observar que
fortificações como o Forte de São Felipe e São Tiago (entre 13 e 18 peças de
artilharia)826 e o Forte de São Pedro (4 peças de artilharia)827 eram tidos como peças

822
“Simão Luiz Rego Capitão proprietário do Forte Real desta Praça São Felippe e Santiago”.
16/03/1656. DHBN, Vol. XIX, p. 3-6; “por morte de Simão Luis Rego Capitão proprietário do Forte Real
desta Praça São Felipe e São Thiago ”06/10/1660. DHBN, Vol. XX, p. 247-248.
823
25/08/1653. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.12, D. 1526.
824
“Lista das fortalezas, fortes, baluartes, e plataformas que há nesta praça e seu distrito e da Artilharia
que nele há” 11/09/1660. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263
825
Este é o caso do Capitão dos Fortes de Santo Antonio, Santa Maria e São Diogo e do Capitão dos
Fortes de Santa Cruz e plataforma do Paraguaçu. Na avaliação de Bernardo Vieira Ravasco os Fortes de
Santo Antonio, Santa Maria e São Diogo, por se situarem na barra de Salvador e “por estarem quase
juntos e não serem de utilidade alguma a quem neles assiste” fica a cargo de um único capitão. No caso
das fortificações localizadas na barra do Rio Paraguaçú o forte e a plataforma ficavam em margens
opostas do Rio. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263
826
Nos relatórios anexados a consulta do conselho ultramarino, temos duas descrições de seu aparato de
artilharia, provavelmente elaboradas em períodos diferentes. Em uma dessas descrições, sua artilharia
figura com a seguinte relação: “Quatro meios canhões de bronze, cada um de 24 libras. Uma meia
247
centrais da defesa, seja pelo valor dos soldos de seus capitães, seja pelo número de
peças de artilharia. Outros oficiais como os Engenheiros figuravam com soldos elevador
em razão de sua importância estratégica na construção, reparo e manutenção das
fortificações828. Nesse sentido é interessante observar que oficiais como os Engenheiros
recebiam o mesmo valor de soldo que um Cirurgião-mor ou um Tenente de Mestre de
Campo General, oficiais maiores das Tropas Pagas (como indicado anteriormente na
Tabela 17). Já os Capitães de Fortes em sua maioria recebiam menos do que um
Capitão das Tropas Pagas. No caso dos Capitães de Fortaleza os valores de soldo
encontrados são menores dos que os referentes aos Capitães de Forte, contudo essas
Fortalezas conferiam o direito a cobrança de emolumentos, o que acrescia o valor final
efetivamente recebido.

colubrina de bronze de 16 libras. Um canhão pedreiro de bronze de 30 de pedra. Duas de ferro cada uma
de 15 libras. Cinco de ferro cada uma de 4 libras”. Em outra relação, aparente posterior é descrito que a
fortificação era de cantaria, com “tem sete peças de bronze, um canhão de 40 libras, quatro meios canhões
de 24 libras, uma meia colubrina de 16 libras, um canhão pedreiro de 30 libras, quatro peças pequenas de
forte, [sendo] duas de 5 libras e duas de 4 libras.” AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263
827
“O dito forte de São Pedro é regular e esta acabado com toda a perfeição tem somente quatro peças de
ferro duas de 12 libras e duas de 9 libras, é capaz de 16 libras.” AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263
828
Nesse sentido cabe recordar o que Bruno Miranda indica sobre as funções dos engenheiros no quadro
das tropas: “No ataque ou na defesa a tarefa dos engenheiros militares foi essencialmente de guiar e
dirigir o trabalho dos outros. Artilheiros serviam as baterias de assédio e as armas das fortificações (sic),
enquanto que a infantaria executava o trabalho duro nas trincheiras, fazia assaltos (ou os impedia) e
enfileiravam-se aos parapeitos das fortificações e baterias de assédio”. MIRANDA, Bruno Romero
Ferreira. Op. cit. 2006. p.45.
248
Tabela 32 - Soldos dos oficiais de Fortificação

Soldo
Soldo
Patente Capitania (Por
(Anual)
mês)
40.000 480.000
Engenheiro Bahia
réis réis
Fortes de Santo Antonio, Santa Maria e São 16.000 192.000
Capitão dos Fortes
Diogo da Barra (Salvador – Bahia) réis réis
Forte de Santa Cruz e plataforma do Paraguaçú 16.000 192.000
Capitão dos Fortes
(Bahia) réis réis
Capitão-mor e 16.000 192.000
Fortaleza do Morro de São Paulo (Ilhéus)
Governador da Fortaleza réis réis
12.000 144.000
Capitão de Fortaleza Fortaleza de Santa Cruz (Rio de Janeiro)
réis réis
Fortaleza da Vera Cruz de Itapema (São
Capitão de Fortaleza - 40.000 réis
Vicente)
Forte de São Felipe e São Tiago (Salvador 16.000 192.000
Capitão de Forte
Bahia) réis réis
14.000 168.000
Capitão de Forte Forte de São Pedro (Salvador – Bahia)
réis réis
10.000 120.000
Capitão de Forte Forte de Santo Antonio da Cajaíba (Bahia)
réis réis
10.000 120.000
Capitão de Forte Forte de São Francisco (Salvador – Bahia)
réis réis
Capitão de Forte Forte de São Felipe de Monteserrate (Salvador) - 80.000 réis
4.000
Capitão de Forte Forte de Santo Antonio do Carmo (Salvador) 48.000 réis
réis
4.000
Capitão de Forte Forte de Brum (Pernambuco) 48.000 réis
réis
Capitão de Forte Forte de São João (Rio de Janeiro) - 40.000 réis
Plataforma de São Francisco de Sergipe do 5.600
Capitão de Plataforma 67.200 réis
Conde (Bahia) réis
Capelão Fortaleza do Cabedelo (Paraíba) - 80.000 réis
Fonte: Banco de dados de provimentos; AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263; MOREIRA, Luiz
Guilherme Scaldaferri. Navegar, lutar, pedir e ... receber: O perfil e as concorrências dos capitães das
fortalezas de Santa Cruz e de São João nas consultas ao Conselho Ultramarino, na segunda metade do
XVII, no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em História). PPGHIS/UFRJ, Rio de Janeiro. 2010. p.84.

Portanto, é preciso destacar que alguns oficiais não eram remunerados


unicamente através de seus soldos. João Fragoso chamou atenção para esse fato
indicando que diversos postos, inclusive os Capitães de Fortes e Fortalezas, poderiam
receber emolumentos, “proes e percalços”, isto é, alguns desses oficiais poderiam
“ganhar emolumentos das naus que passavam de fronte à sua guarnição” 829
. Esse
privilégio era almejado, mas nem sempre alcançado. Simão Luis Rego, que pleiteou o

829
FRAGOSO, João. “Imperial (re)visions: Brazil and the portuguese seaborne empire. Conference in
Memory of Charles R. Boxer – Fidalgos da terra e o Atlântico Sul. Rio de Janeiro na primeira metade do
século XVII.” In: SCHWARTZ, Stuart; MYRUP, Erik L. (Orgs). O Brasil no império marítmo
português. Bauru: EDUSC, 2009. p.85. Cf. FRAGOSO, João. Op. cit., 2000. p. 76-77. Charles Boxer
também sugeriu essa possibilidade para fortificações de grande importância no Oriente português. Cf.
BOXER, Charles. “Soldados, Colonos e Vagabundos”. In: O Império Colonial Português (1415-1825).
Trad. Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições 70. 1981. p. 285.
249
privilégio, alegando ser proprietário do ofício de Capitão do Forte de São Felipe e
Santiago830, requerendo o direito às “visitas dos navios que entram e saem no porto da
Bahia, e porque é estilo antigo que todos os navios registrem no dito forte” 831. No caso
em questão, o Conselho Ultramarino rejeitou a solicitação de modo enfático:
em tempo algum, ouve semelhantes visitas a as que Simão Luis Rego,
quer se lhe concedam, e se vê bem com ele não mostrar documento
ou certidão com que se justifique, e diz mais que esta nova introdução
se não deve enviar a uma praça cujos moradores merecem mais favor
que vexação, em proveito de um particular e sem utilidade alguma do
serviço de Vossa Majestade832.

Dessa forma a possibilidade de cobrar emolumentos (proes e percalços)


atenuava valores inferiores de soldo ou mesmo a ausência destes como indicamos na
Tabela 33. Por outro lado, fica evidente como algumas fortificações ocupavam espaços
privilegiados e conferiam tanto valores superiores de soldos, quanto privilégios em
emolumentos. Trabalhos futuros que venham a analisar o perfil dos oficiais de
fortificações poderão verificar o vigor dessas práticas de remuneração, assim como o
nível de procura por fortificações tidas como mais rentáveis.

Tabela 33 – Fortificações com diretos a “proes e percalços”

Fortificação Capitania Soldo (Anual)


Forte de São Felipe e São Tiago Salvador – Bahia 192.000 réis
Forte de São Pedro Salvador – Bahia 168.000 réis
Fortaleza de Santa Cruz Rio de Janeiro 144.000 réis

Forte de Santo Antonio do Carmo Salvador – Bahia 48.000 réis

Fortaleza da Vera Cruz de Itapema São Vicente 40.000 réis


Forte de São João da Barra Espírito Santo Sem soldo
Plataforma de São Vicente da Praia Salvador – Bahia Sem soldo
Fonte: Banco de dados de provimentos; AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263;

830
Este forte também tinha um papel importante no fluxo de comunicação política do governo-geral, uma
vez que neste forte se despachariam as cartas: “Mando que nenhum Mestre de qualquer embarcação que
parta para Portugal, Ilhas, ou qualquer outro porto ultramarino, ou da costa deste Estado saia deste da
Bahia, sem primeiro mostrar ao Capitão do Forte Real da praia São Felipe, o despacho deste governo,
feito pelo Secretario de Estado, e rubricado de minha mão.” 03/10/1663. DHBN, Vol. VII, p. 126-127.
Sobre essa preocupação com o fluxo da correspondência, o Conde de Óbidos informou que a medida
visava evitar “os inconvenientes declarados nas mesmas ordens, e se não relaxar o estylo de virem buscar
à Secretaria do Estado os despachos que sempre foi uso, e receber as cartas, e ordens do Governo, que se
mandam para todas as Capitanias do Estado a que dificilmente se remetem, se se perde a ocasião de as
enviar nos barcos que para elas partem.”12/02/1664. DHBN, Vol. VII, p. 134.
831
25/08/1653.AHU_ACL_CU_005-02, Cx.12, D. 1526.
832
25/08/1653.AHU_ACL_CU_005-02, Cx.12, D. 1526.
250
2.8. Artilharia:

Podemos definir os oficiais de Artilharia como um tipo especializado de oficial


militar em razão das especificidades de sua função833. Seu papel na defesa das praças
era vital, sobretudo no que toca a defesa costeira contra ofensivas navais. Os cuidados
de manutenção e operação dos petrechos de artilharia exigiam desses oficiais um
conjunto de competências e conhecimentos próprios para o bom exercício das funções.
Além disso, estes oficiais se relacionam diretamente com dois outros tipos fundamentais
anteriormente descritos: Tropas Pagas e Fortificações.
A centralidade desse tipo de oficial pode ser observada inclusive nos regimentos
dos governadores-gerais. O regimento de Antonio Teles da Silva (1642) apresentava
instruções sobre a inspeção e controle das peças de artilharia, munições e pólvora, com
ordem sobre a elaboração e envio de relações anuais834. A preocupação na gestão desses
oficiais também foi alvo de especificação nos regimentos, como vemos no regimento de
Roque da Costa Barreto (1677) em sua instrução referente a inspeção das tropas:
a mesma mostra se fará aos oficiais da artilharia e artilheiros que me
servirem na Bahia e mais governo e capitanias desse Estado tomando
noticias dos que são suficientes ordenando que para o que não forem
de todo se faça nos dias que parecer exame e haja barreira aonde se
exercitem com peça de menos calibre e a despesa que se fizer de
pólvora e bala deste exercício se levará em conta às pessoas de cujo
recebimento saírem e quando naquele porto e nos mais haja navios de
meus vassalos ordenara o governador que os condestáveis e artilheiros
deles vão também ao exame e a barreira para que a competência faça a
destra a todos.835

833
A preocupação com a formação desses oficiais, sobretudo buscando sua capacitação técnica, adquiriu
maior ênfase a partir do século XVIII, sobretudo pela publicação de diversas obras que tratavam as
competências que esses oficiais deveriam adquirir. Essa temática é abordada por Ricardo Vieira Martins
em sua tese de doutorado. Cf. MARTINS, Ricardo Vieira. A restauração de Portugal à modernidade no
século XVIII. Tese (Doutorado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia) Rio de Janeiro:
UFRJ, 2013.
834
No capítulo 15 do regimento “A Artilharia armas e munições que houver naquele Estado e que se
enviarem em vossa companhia e ao diante forem fareis entregar aos Oficiais a que pertencer e que se
carreguem sobre eles em Receitas e se envie disso conhecimento em forma por vias duplicadas e assim
certidões todos os anos da pólvora que se mandar e se despender, que sirva de aviso de se prover de novo
para o que dareis nos Armazéns das Capitanias e aos Oficiais a que tocar a ordem que convier.”
AHU_ACL_CU_005.Cx.1; D.40.
835
DHBN, Vol. LXXIX. p. 254. Este capítulo aparece como uma instrução complementar ao capítulo 18
do regimento publicado por Marcos Carneiro de Mendonça. Cf. “Regimento que trouxe Roque da Costa
Barreto, Mestre de Campo General do Estado do Brasil”. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da
Formação Administrativa do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro: IHGB, Conselho Federal de Cultura, 1972.
P.772. Sobre o treino dos oficiais ser feito com peças de menor calibre, encontramos na relação de peças
de artilharia de Salvador que havia uma peça especificamente para a aprendizagem do ofício: “Uma peça
de bronze de uma libra que esta na praça [de] cavalgada que serve de adestrar aos artilheiros em
exercício” AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263.
251
É interessante observar que os regimentos buscaram criar políticas de formação
de oficiais de artilharia. No regimento de Antonio Teles da Silva se recomendava o
treinamento de “Bombardeiros”, que seriam treinados pelo Condestável em operar
peças de artilharia (“barreira de bombarda”), no manuseio da pólvora e dos pelouros836.
No regimento de Roque da Costa Barreto há uma instrução semelhante sobre a
formação de oficiais da artilharia, contudo é possível observar que o caráter da instrução
se tornou mais específico e com objetivos mais claros. De acordo com capítulo 19, o
governador-geral deveria zelar pelo alistamento de “cento e vinte aprendizes de Oficiais
de compasso, e dos mais soldados da Ordenança, que se mandarem assentar praça, o
que ordenará o Governador assim, para que sirvam de artilheiros” 837
, registrando estes
oficiais em um livro de matrícula específico a fim de assegurar que fossem pagos pelos
dias em que exercitassem nas barreiras. Ao cabo de sua formação prática estes oficiais
seriam avaliados pelos oficiais maiores da artilharia, que determinariam se estavam
aptos ao exercício concedendo-lhes “cartas de exame”, documento que lhes conferia
habilitação para o exercício assim como os privilégios próprios do ofício. O objetivo da
instrução torna-se evidente ao final do capítulo, indicando a preocupação em assegurar a
formação de oficiais aptos a atuar em fortificações ou embarcações:
sucedendo vagar alguns pagos dos da Bahia dos seus Fortes, ou
Governo, ou Capitanias do Estado, proverá o Governador destes os
que forem mais capazes, precedendo intervenção do Tenente-General
da Artilharia, e querendo alguns soldados das guarnições aplicar-se a
este exercício, sendo aprovado pelo Tenente-General, se poderão
passar a artilheiros, e entrar também nos lugares vagos, não lhe sendo
de impedimento o exercício de artilheiros para deixarem de subir aos
postos de guerra, se antes tiverem ocasião de acrescentamento, e se
entenderá que não poderão ser mais que três soldados de cada
Companhia, para o que fará o Governador avisos do que por este

836
No capítulo 20 do regimento de Antonio Teles da Silva temos uma instrução bem detalhada sobre esse
procedimento: “Para que naquele estado haja bombardeiros que sirvam quando cumprir hei por bem e vos
mando que na Cidade do Salvador ordeneis que haja barreira de bombarda onde todos os domingos e dias
santos de guardas fareis ir o Condestable com os mais bombardeiros que houver na Cidade para
ensinarem os que quiserem aprender (...) para que possam os que assim quiserem aprender tirar cada um
seu tiro e depois que forem destros em aparelhar e tirar com uma peça tiverem continuando a barreira e o
mais que convier que saibam e vos parecer que devem ser examinados os fareis examinar pelo
Condestable e mais bombardeiros que na Capitania houver e estando alguns navios no porto da mesma
Cidade em que haja bombardeiros ordenareis que sejam presentes aos exames e os que por eles se
acharem aptos e suficientes fareis escrever e assentar em um Livro que para isso terá o escrivão que serve
com o Provedor da Capitania com declaração dos seus nomes e alcunhas e se são casados ou solteiros e
dos lugares donde são naturais e moradores e o tempo em que foram examinados e depois de assentados
nos Livros lhes passareis suas cartas de exames e dos privilégios concedidos aos bombardeiros que se
fazem na Cidade de Lisboa pelo Provedor dos meus Armazéns os quais privilégios lhe serão guardados
nas partes do Brasil somente” AHU_ACL_CU_005.Cx.1; D.40.
837
“Regimento que trouxe Roque da Costa Barreto, Mestre de Campo General do Estado do Brasil”.
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. Tomo II. p. 773.
252
capítulo lhe ordeno, aos mais Governadores, e Capitães-Mores, seus
subordinados, para que assim o tenham entendido, e se evite por esta
forma a falta, que há de artilheiros, e os que houverem sem paga, e só
com os privilégios, entendam hão de ser melhorados, e estejam as
Praças providas como convém, e o que nisto se obrar, o terei por
particular Serviço meu, e de que o Governador me dará conta838.

Feitas essas considerações sobre a formação desses oficiais e sua especificidade


em relação aos demais tipos de tropas tratadas, passaremos agora a análise da dispersão
geográfica dessas patentes. Em nossa amostragem encontramos apenas 20 patentes de
oficiais de artilharia em todo período, sendo que estas estão distribuídas por apenas 3
capitanias como indicamos na Tabela 34.

Tabela 34 - Número de patentes de Artilharia por capitania

Capitania Valor Absoluto Valor %


Bahia 16 80,0%
Espírito Santo 3 15,0%
Paraíba 1 5,0%
Total 20 100%
Fonte: Banco de dados de provimentos

Evidentemente os dados da amostragem apresentam grandes lacunas, sobretudo


no que toca a participação de outras capitanias neste tipo de provimento. Não
conseguimos determinar se isso estava relacionado ou não a competência do governo-
geral no provimento dessas tropas em outras capitanias, ou ao registro documental
dessas patentes. Para ter uma idéia mais aproximada sobre a presença desses oficiais na
Capitania da Bahia recorremos aos dados da mostra realizada na Bahia em 1655: no
relatório é indicado que havia em toda a capitania 8 oficiais de artilharia e 53 artilheiros,
sendo que destes, 36 estavam alocados na praça de Salvador e os outros 17 estavam
distribuídos nas fortificações da cidade e do Recôncavo 839. Se consideramos a
informação da relação de peças de Artilharia da Praça de Salvador de 1660, veremos
que a preocupação em aumentar o número de oficiais aptos a operar a artilharia estava
também associada a capacidade defensiva da urbe, pois o inventário realizado por

838
Ibidem. p.773-774.
839
“há nesta praça a oito oficiais da artilharia e cinqüenta e três artilheiros dos quais estão na praça trinta
e seis, e dezessete repartidos pelos fortes desta cidade e seu Recôncavo”. 19/01/1655.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.13, D. 1580. A título de comparação, Luiz Guilherme Scaldaferri indica que
na relação de oficiais pagos pela Fazenda Real do Rio de Janeiro em 1640, haviam 6 oficiais de artilharia
e 9 artilheiros Anexo 2: “Informação do governador Salvador Corrêa de Sá e Benevides, relativa às
despesas militares da Praça do Rio de Janeiro em 1640, feitos pela Fazenda Real.”. MOREIRA, Luiz
Guilherme Scaldaferri. Op.cit. 2015. p. 318-319.
253
Bernardo Vieira Ravasco contabilizou que na capitania da Bahia havia 164 peças de
artilharia, divididas em 115 peças de ferro e 49 de bronze 840.
A fim de compreender melhor a dinâmica do provimento desses oficiais faz-se
necessário compreender a estrutura da sua organização hierárquica, uma vez que esta
difere dos tipos anteriormente descritos. No Estado do Brasil, durante o período
analisado, oficial no topo da hierarquia desta tropa era o Tenente de General da
Artilharia841, responsável por dar posse, juramento e comandar os oficiais de Artilharia;
no próximo nível da hierarquia temos o Capitão de Artilharia, seguido pelo Gentil-
homem da artilharia, Condestável-mor842, Condestável843, sendo que as tropas eram
compostas por Artilheiros844 e Bombardeiros845. Para Ricardo Martins, Artilheiros e
Bombardeiros eram sinônimos, isto é, designavam o mesmo tipo de soldado
especializado. Contudo, o autor atenta para distinção entre os Bombardeiros e os
Bombeiros, pois os últimos eram especializados na operação de morteiros, tipo de peça
de artilharia que disparava projéteis explosivos sendo que os
lançamentos eram feitos em locais onde não se via o alvo, com longas
trajetórias curvas que deveriam conduzir o projétil até o alvo com
precisão. Em algumas situações, as bombas deveriam explodir ainda
no ar para espalhar uma grande quantidade de fragmentos sobre o
alvo. O Bombeiro, aquele que lançava bombas, para dominar sua arte,
não poderia ignorar a trajetória dos projéteis no ar.846

840
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263. As peças de bronze eram consideradas de melhor
qualidade, sobretudo, por serem significativamente mais leves e por não oxidarem “como as de ferro,
eram mais duráveis e seguras, porém muito mais caras, um verdadeiro símbolo de poder.” MARTINS,
Ricardo Vieira. Op. cit. 2013. p. 134-135.
841
Não encontramos patente de Tenente de General da Artilharia provida pelo governo-geral nesse
período, provavelmente por se tratar de um posto de hierarquia cimeira, tal como o posto de Mestre de
Campo. Possivelmente o provimento desta patente era de domínio exclusivo da Coroa. Ademais, durante
o período analisado, na capitania da Bahia, este posto foi ocupado pelo longevo Luiz Gomes de Bulhões,
oficial que permaneceu no posto até o seu falecimento em meados da década de 90.
842
De acordo com Ricardo Viera Martins, a partir da criação da Aula no Paço, processo de ensino e
formação de novos bombardeiros, se instituiu como obrigação do condestável-mor “ser mestre de todos e
de lhes ensinar o manejo da artilharia e a fazer fogos artificiais” além de dirigir os exercícios de
treinamento nas barreiras nos dias santos. MARTINS, Ricardo Vieira. Op. cit. 2013. p. 316.
843
Na definição apresentada por Bluteau: “Condestable ou Condestável nos navios, Fortalezas, & terços,
é o que tem a sua conta a preparação da artilharia, & da ordem aos Cartuxo & balas, conforme o calibre
delas.” BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico...
Vol. III. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 443. (CD-ROM).
844
De acordo com Bluteau: “Aquelle cujo officio he assestar, apontar, & disparar Artilharia”. BLUTEAU,
D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. I. Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 578. (CD-ROM).
845
Segundo Bluteau este era “O official, que faz pontaria com a artilheria, & a dispara”. BLUTEAU, D.
Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. II. Coimbra: Collegio
das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 151. (CD-ROM).
846
MARTINS, Ricardo Vieira. Op. cit. 2013. p. 369
254
Feitas essas considerações passamos a analise da relação entre o tempo de
serviço e as patentes. Na Tabela 35 indicamos as faixas de tempo de serviço assim
como os tipos de patentes e o número de oficias de cada uma delas. Dispomos de dados
de relativos ao tempo de serviço para 13 das 20 patentes de nossa amostragem. Nesse
sentido é interessante observar que este tipo de tropa apresenta alguns dos menores
tempos de serviço dentre todas as tropas analisadas. Isso pode ser atribuído tanto pela
relevância conferida ao domínio das técnicas de artilharia, em detrimento de longas
listas de serviço, quanto pela a escassez deste tipo de oficial militar especializado.
Sendo assim, era possível que alguns oficiais lograssem uma rápida ascensão, dado que
não encontramos para este período estilos de provimento e nem disposições regimentais
como aquelas expressas no Regimento das Fronteiras. Este é o caso de Francisco
Pinheiro, o oficial com menor tempo em nossa amostragem: após servir dois anos como
Artilheiro foi promovido ao posto de Gentil Homem da Artilharia, e quando completou
dez anos de serviço já ocupava o posto de Capitão de Artilharia847. Se considerarmos
que a patente de Capitão de Artilharia era um dos postos mais elevados dessa
hierarquia, abaixo apenas do Tenente de General de Artilharia, podemos considerar que
a ascensão do referido oficial foi relativamente rápida. Cabe, portanto, observar que
nestes a relação entre o tempo de serviço e posto ocupado não apresenta uma correlação
direta, afinal, também encontramos casos de oficiais com longas listas de serviço que
não estavam ocupando os postos mais altos da hierarquia848.

Tabela 35 - Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Artilharia

Tempo
Total de
de Tipo e quantidade de patentes %
patentes
Serviço
2-10
Capitão de Artilharia (4), Gentil Homem da Artilharia (2) 6 46,15%
anos
11-15
Capitão de Artilharia (2), Condestável-mor (1) 3 23,08%
anos
16-20
Gentil-homem da Artilharia (2) 2 15,38%
anos
Mais de
Condestável-mor (1); Capitão de Artilharia (1) 2 15,38%
33 anos
Fonte: Banco de dados de provimentos

847
16/09/1673. DHBN, Vol. XXV, p. 232-234; 30/12/1681. DHBN, Vol. XXVIII, p. 22-24.
848
Sobre isso temos os exemplos de Manuel Veloso que apresentava 18 anos de serviço quando foi
provido como Gentil homem da Artilharia de Salvador (07/12/1678. DHBN, Vol. XXVII, p.79-80); e
Manuel de Faria Brandão, que foi provido como condestável-mor em razão de 33 anos de serviço
(30/08//1658. DHBN,Vol. XIX, p. 381-382).
255
É interessante observar que a maioria das patentes de nossa amostra se concentra
no período de até quinze anos de serviço, o que indica novamente que a carreira na
Artilharia poderia ser trilhada com maior rapidez. Contudo, é preciso atentar que o
número diminuto de patentes não nos permite tecer maiores considerações sobre as
relações entre tempo de serviço e a freqüência dessa progressão. Note-se, sobretudo, a
grande lacuna desta série no que toca a faixa de serviço superior a 20 anos, sendo esta
uma faixa de tempo de grande expressão em outros tipos de tropa.
A patente mais frequente da amostragem é também uma das mais elevadas desta
tropa, a de Capitão da Artilharia. Dentre as 13 patentes que apresentam dados sobre o
tempo de serviço, 7 são referentes ao provimento de Capitães de Artilharia (Tabela 36).
Atentamos para o fato dos extremos de maior e menor tempo de serviço que
apresentarem uma grande variação temporal (2 -38 anos). Contudo, a média de tempo
de serviço encontrada para esta patente é referente a 12,85 anos, e se observarmos que a
concentração dos Capitães de Artilharia se dá nas faixas de 2 a 15 anos de serviço
vemos que a média se aproxima dessa concentração, apesar da amplitude de variação
entre seus extremos. Deste modo, se compararmos esta média com as médias de tempo
de outras tropas veremos que o serviço na Artilharia apresentava uma tendência à listas
com menores tempos de serviço e, por consequência, uma progressão mais rápida na
hierarquia. Tendo em vista das diferenças hierárquicas e funcionais, não estamos
afirmando ou sugerindo que havia equivalência entre os detentores das patentes de
Capitão nas diversas tropas, mas acreditamos que podemos analisar esses dados de
modo comparativo a fim de perceber diferenças entre as relações de tempo de serviço
das diversas tropas. Tendo essas balizas em consideração, recordamos que os Capitães
das Tropas Pagas apresentavam em média 18,4 anos de serviço; os da Ordenança
tinham uma média de 17,3 anos de serviço; e os Capitães de Forte possuía a média de
21,25 anos de serviço. Novamente atentamos para os limites das comparações entre
estas séries de dados, uma vez que para os demais tipos de tropas dispomos de um
volume maior de informações.

Tabela 36 - Tempo médio de serviço nas principais patentes da Artilharia

Média de Menor Tempo de Maior tempo de Total de


Patente
tempo serviço serviço Patentes
Capitão de
12,85 2 38 7
Artilharia
Fonte: Banco de dados de provimentos

256
Na Tabela 37 apresentamos a relação dos valores de soldo recebidos por
patente, buscando comparar com os dados referentes aos serviços em Portugal.
Incorporamos também os valores apresentados por Luiz Guilherme Scaldaferri
referentes aos oficiais do Rio de Janeiro e de Cabo Frio849. Deste modo, se
compararmos os soldos dos oficiais da Artilharia com os oficiais das tropas pagas
veremos como os oficiais de artilharia recebiam valores ligeiramente inferiores. Um
capitão de Artilharia em Salvador recebia mensalmente um soldo de 12.000 réis, ao
passo que um Capitão de Infantaria na mesma praça vencia mensalmente 16.000 réis; o
soldo de um Gentil Homem da Artilharia em Salvador era equivalente ao vencimento de
um Ajudante do Número na mesma praça (8.000 réis mensais). Até onde percebemos as
fontes não explicitam os motivos da diferença entre os soldos, mas podemos supor que a
monarquia priorizasse remunerar oficiais que se envolviam em combate direto, com
maiores riscos de vida, e por consequência com maiores chances de lograr
acrescentamento.

Tabela 37 – Soldos dos oficiais de Artilharia

Soldo
Patente Localidade Soldo (Anual)
(Por mês)
Tenente-general de Artilharia Portugal 32.000 réis 384.000 réis
Capitão de Artilharia Portugal 16.000 réis 192.000 réis
Capitão de Artilharia Salvador 12.000 réis 144.000 réis
Gentil homem da Artilharia Portugal 12.000 réis 144.000 réis
Gentil homem da Artilharia Salvador 8.000 réis 96.000 réis
Condestável-mor Cabo Frio - 50.000 réis
Condestável Portugal 4.800 réis 57.600 réis
Condestável Rio de Janeiro - 40.000 réis
Artilheiro Rio de Janeiro 2.400 réis 28.800 réis

Artilheiro Portugal 2.400 réis 28.800 réis

Fonte: Bando de dados de provimentos; MOREIRA, Luiz Guilherme S. Op. cit. 2015. p.318-319;
HESPANHA, Antonio Manuel. “As finanças da guerra”. In: BARATA, Manuel T.; TEIXEIRA, Nuno S.
(Dir) Nova História Militar de Portugal. Vol. 2. Lisboa: Circulo de Leitores, 2004. p.181;

Outra característica marcante de nossa amostragem é a promoção de indivíduos


na hierarquia. Dos 20 provimentos analisados, 12 são referentes a 6 oficiais, sendo que
cada um destes recebeu 2 patentes no período analisado 850. Isto significa que

849
Optamos por manter os valores anuais apresentados por Luiz Guilherme Scaldaferri, que se baseia na
“Informação do Governador Salvador Correa de Sá e Benevides, relatativa as despesas militares da Praça
do Rio de Janeiro, em 1640, feitos pela Fazenda Real”, documento do Projeto Resgate:
AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 205.
850
1 – Francisco Pinheiro (16/09/1673. DHBN, Vol. XXV, p. 232-234; 30/12/1681. DHBN, vol. XXVIII,
p.22-24); 2 – João Batista Macedo (19/09/1658. DHBN, Vol. XIX, p.393-394;04/06/1663. DHBN, vol.
XXI, p. 92-93); 3 – Manuel da Costa (25/09/1652. DHBN, Vol. XXXI, p.116-118; 22/08/1658. DHBN,
257
conseguimos perceber a movimentação ascendente desses indivíduos na hierarquia da
tropa de Artilharia. Esse dado reforça dois pontos da argumentação que temos
apresentado: o caráter específico da formação e competência desses oficiais, e por outro
lado a indica escassez ou pouca diversidade na composição do grupo. Apesar das
limitações de nossa série de dados, podemos sugerir um padrão de comportamento no
que toca a permanência dos oficiais que serviram na Artilharia, uma vez que não
encontramos esses indivíduos transitando para outros tipos de tropas após o ingresso nas
fileiras da Artilharia. Entretanto, é possível verificar que alguns indivíduos que atuavam
na Artilharia haviam iniciado suas trajetórias servindo na tropa paga, e em um dado
momento de suas carreiras, optaram por migrar e permanecer atuando como oficiais de
Artilharia. Encontramos 5 patentes de oficiais que apresentavam serviços anteriores nas
Tropas Pagas851. Por outro lado, o predomínio de oficiais que serviram unicamente na
Artilharia é bem expressivo (15 patentes), sendo este outro dado que confere uma
especificidade a este tipo de oficial.
Por fim, é interessante observar que as justificativas de provimento são muito
sucintas, elencando apenas a capacidade dos oficiais, sem fazer menção a qualidades
sociais, relações familiares ou local de residência, características que possuíam grande
relevância em outros tipos de tropa. As justificativas de modo geral se pautam no
domínio das técnicas (“seu préstimo e inteligência na disciplina e pratica daquela
Arte”852) e na recomendação de terceiros (“Informação que se me fez de seu
procedimento”853).

2.9. Expedição:

O último tipo de patente que analisaremos se refere a uma categoria analítica que
criamos por algumas razões. A partir da percepção de que estes oficiais a rigor não se
enquadravam nos tipos anteriores, uma vez que a identificamos um conjunto de
características particulares que definia em termos gerais um grupo, no qual os oficiais

Vol. XIX, p.377-378); 4 – Manuel Faria Brandão (30/08/1658. DHBN, Vol. XIX, p. 381-382;
26/04/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 84-85); 5 –Manuel Peixoto da Mota (04/06/1662. DHBN, Vol. XX,
p.435-436; 14/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 427-428); 6 – Pedro de Castro (02/04/1682. DHBN, Vol.
XXVIII, p.66-67; 08/05/1682. DHBN, Vol. XXVIII, p. 76-77)
851
Sendo que das 5 duas patentes são para Manuel Peixoto da Mota (04/06/1662. DHBN, Vol. XX,
p.435-436; 14/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 427-428); uma para Antonio do Couto Leitão (01/09/1672.
DHBN, Vol. XXV, p.111-112); Manuel Veloso (07/12/1678. DHBN, Vol. XXVII, p. 79-80); e uma para
Manuel da Cunha Carvalho (02/01/1682. DHBN, Vol. XXVIII, p. 24-25).
852
09/05/1665. DHBN, Vol. XXII, p. 79-80
853
30/08/1658. DHBN, Vol. XIX, p. 381-382.
258
eram designados para atuar em expedições, que de modo geral eram ações de curta ou
curtíssima duração. Além disso, essas patentes não vinculavam os providos a uma
hierarquia rigidamente estabelecida, isto é, não havia previsão de uma forma de
ascensão hierárquica ou do pleito de acrescentamentos formais. Contudo, algumas
dessas experiências poderiam ser convertidas em progressão e acrescentamento em
outros tipos de tropa, visto que eram serviços reconhecidos e valorizados pela coroa. Se
tivermos que elencar uma característica principal, e de certo modo geral, devemos
ressaltar o fato dessas patentes não designarem atuações fixas em localidades, como
ocorria nos demais tipos de provimentos que analisamos. Outra característica marcante
desse tipo de serviço era a posse da patente exclusivamente durante o período de
duração da ação para qual eram mobilizados, o que poderia durar apenas alguns meses.
Destarte, esse tipo de oficial representava 13,58% (121 patentes) do total de
provimentos analisados, o que significa que este tipo de oficial ocupava um espaço que
não pode ser desprezado, uma vez que este foi o terceiro tipo mais freqüente de nossa
amostragem.
Em razão das especificidades desse tipo de provimento observamos que algumas
limitações dos dados não nos permitem elaborar os quadros analíticos da mesma forma
que fizemos para os outros tipos de patente. Isso implica, por exemplo, na
impossibilidade e elaborar sobre a distribuição destes oficiais pelas capitanias, como
fizemos para todos os outros tipos. Portanto, tende em vista que esse tipo de patente está
majoritariamente associada a mobilização e organização de expedições ofensivas, a
busca de riquezas minerais, optamos por contornar os referidos limites dos dados,
dispondo os provimentos de acordo com as Expedições a que se relacionavam. Nesse
sentido, importa desde já indicar uma subdivisão importante desta categoria de oficiais,
uma vez que tratamos de um conjunto extremamente heterogêneo de patentes, de modo
que a principal subdivisão que adotamos foi entre as Expedições Terrestre e as
Expedições Navais.
As expedições terrestres refletem três aspectos contextuais que estavam
intimamente interligados: o combate “ao gentio bárbaro” e aos “negros fugidos”; a
intensificação na busca por riquezas minerais e a criação de novos núcleos povoadores.
Para compreender melhor essas características optamos por desmembrar os dados das
Expedições terrestres em três eixos: Expedições contra indígenas e Expedições contra
mocambos e Expedições não ofensivas.

259
As Expedições contra indígenas refletem alguns processos em curso na segunda
metade do século XVII. Nesse sentido, é importante destacar que não descartamos as
narrativas que justificam as expedições, essas geralmente descreviam as ações violentas
por partes do “gentio bravo” ou “bárbaro”, que alegadamente aterrorizava as freguesias
e comunidades em zonas afastadas da cidade de Salvador854. Devemos ler esses relatos
com plena consciência do ponto de vista altamente comprometido que eles expressam.
Assim, um meio de contornar esse problema é inserir esses relatos no contexto de
expansão e interiorização das áreas de cultivo e povoamento855, observando como sua
retórica era um meio eficiente de justificar o apresamento e a escravização de
indígenas856. Vale ressaltar que durante o período analisado as primeiras referências à
necessidade mobilizações surgem em 1643857, mas só encontramos de fato patentes de

854
Neste ponto também é importante recordar que durante sua ocupação na América os neerlandeses
lançaram mão dos índios brasileiros, seja através de alianças e acordos militares, seja através de
conversão a religião reformada. Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. “Atitude dos holandeses para
com os índios e a catequese”. In: Tempo dos Flamengos: Influência da ocupação holandesa na vida ae na
cultura do norte do Brasil. 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. p.207-236. Ao término da guerra
contra os holandeses, Francisco Barreto concedeu “perdão geral a todos os índios de qualquer nação que
seja de todos os erros, e rebeldias passadas, as quais dou por esquecidas, como se nunca fossem
cometidas”, com a ressalva que a não concordância com o termo ocasionaria o “dano e derramamento de
sangue que há de resultar da cruel guerra que se lhe há de fazer a todos os índios que não aceitarem a
paz, e amizade que lhe ofereço debaixo da fé e palavra Real”. 04/05/1654. AUC, CA, Cod. 31, f. 14v.
855
As concessões de sesmaria resultantes dessas ações adicionam novos componentes a equação
permitindo verificar que outros tipos de interesses estavam envolvidos no combate a essas povoações.
Ana Stela Oliveira indica que a “Entrada contra os Gueguê de 1674” (Tabela 38), que “perseguiu e
dominou os Gueguê, desde o São Francisco até o Piauí” objetivava “a conquista do território para o
estabelecimento das fazendas de gado”, de modo que em 1697, “vinte anos após a entrada da Casa da
Torre no sertão do Piauí, havia sido constatada a existência de 129 fazendas de gado e 153 sítios às
margens dos rios e lagos, com uma sociedade de certa forma, organizada”. OLIVEIRA, Ana Stela de
Negreiros. O povoamento colonial do sudeste do Piauí: indígenas e colonizadores, conflitos e resistência.
Tese (Doutorado em História) Recife: UFPE, 2007. p.28-29.
856
Conforme aponta Guida Marques a “preocupação com a justificativa da guerra ao gentio na Bahia da
segunda metade do século XVII vem, antes de tudo, lembrar a atualidade da escravização dos índios.
Uma atualidade que não se restringia ao Estado do Maranhão, ou às bandeiras paulistas. (...) Ela significa,
antes de tudo, autorização do apresamento de escravos. Ao atribuir um caráter legal a essas entradas, ela
garantia os direitos dos conquistadores de manterem os cativos e lhes fornecia estímulos para continuar a
conquista. A legitimação da conquista enquanto guerra justa permitia a sua institucionalização, as
solicitações feitas à Coroa visando a sua participação e, sobretudo, a remuneração de serviços.”
MARQUES, Guida. “Do índio gentio ao gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia
setecentista”. Revista de História. (São Paulo), n. 171, jul.-dez., 2014 p.27-28.
857
Referimos-nos ao “Treslado do assento que se tomou com o governador que foi deste Estado Antonio
Teles da Silva, sobre a guerra que se devia dar ao Gentio” de 6 de Abril de 1643. Este documento indica
que as principais autoridades da Bahia se reuniram para deliberar sobre a pertinência e a viabilidade de se
declarar guerra aos índios, em razão de reclamações apresentadas por moradores do Recôncavo e pela
Câmara de Salvador. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.18, D. 2115. O assento se mostrou favorável a guerra
justa contra os indígenas, contudo não encontramos relatos de que isso tenha se efetivado nesse momento
ou nos anos seguintes, uma vez que o esforço de guerra contra os holandeses ocuparia um espaço central
na pauta do governo-geral a partir de 1645. Contudo, sabemos que esse assento embasou a decisão do
Conde de Atouguia sobre declarar a guerra justa e autorizar as expedições em 1654: “no governo de
Antonio Teles da Silva se resolveu mandar lhes destruir as Aldeias e a declarar por escravos os que se
prisionassem em guerra viva, até VMg.de. o haver assim por bem, na forma de um assento que se tomou
260
Expedição a partir de 1649858. O conjunto dessas expedições foi denominado de Guerra
dos Bárbaros, que compreendem uma série de movimentos ofensivos contra os
indígenas do nordeste a América Lusa, de modo que
Entre 1651 e 1656, realizam-se várias jornadas do sertão contra os
Tapuias rebelados que ameaçavam o Recôncavo baiano atacando as
freguesias de Paraguaçu, Jaguaripe e Cachoeira. Entre 1657 e 1659,
decorre a guerra do Orobó contra os mesmos Tapuias no médio
Paraguaçu. De 1669 até 1673, é a guerra do Aporá. Entre 1674 e 1679,
ocorrem as guerras no São Francisco.859

Na Tabela 38 listamos as expedições contra indígenas que figuram nos dados


coletados. Indicamos neste quadro a relação entre o governador-geral que autorizou a
expedição, uma vez que o poder de legitimar a guerra justa era uma competência
própria de seu ofício, o oficial que comandava, percebendo a recorrência de alguns
indivíduos, a região de atuação da expedição e o número de patentes emitidas pelo
governo-geral para aquela ação.

em junta que se fez com o Bispo, Teológos e mais ministros dessa praça, mas não teve aquela facção
efeito com o movimento das guerras de Pernambuco”. 14/01/1655. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.13, D.
1583.
858
Em 1649 Antonio Teles de Menezes autorizou uma jornada contra “os tapuias que todos os anos
costumam a descer do Sertão assalto de improviso aos moradores que vivem mais interiormente nos
distritos de Paraguaçú e Jaguaripe”. No bando emitido pelo governador ficava definido que a jornada
seria comandada por Gaspar Rodrigues Adorno com ordens para “prevenir todos os índios das Aldeias
sujeitas e consideradas e os moradores daquelas suas freguesias se tem oferecido a fazer a sua custa as
despesas desta jornada e para que elas se consiga tudo quanto antes ser possa”. Para engrossar as fileiras
da jornada se admitiam voluntários “de qualquer qualidade e condição” a fim de “se alistarem e poderem
ir nesta entrada e com a mesma liberdade” assegurando a “todos os homens mencionados ou foragidos
por quaisquer delitos que tendo não tendo parte que a todos lhe prometo segurança da Justiças enquanto
durar esta ocasião”. A remuneração dos participantes da Jornada seriam os próprios índios aprisionados,
que “se repartirá por todos os que forem na forma que é estilo tirando-se primeiro os quintos de Sua
Majestade e (...) declararão por cativos todos os tapuias que nela se tomassem em guerra viva”.
13/10/1649. AHMS, PGS, Vol. II, f.422v-425v
859
MARQUES, Guida. Op. cit. 2014. p. 25.
261
Tabela 38 - Expedições ofensivas contra indígenas

Governador Nome da N° de
Comandante Destino
Expedição / Ano Patentes
Antonio Teles de Jornada do Sertão Gaspar Rodrigues Jaguaripe e
1
Menezes (1649) Adorno Paraguaçú
Conde de Castelo Jornada do Sertão Gaspar Rodrigues
“Sertão” 5
Melhor (1651) Adorno
Jornada do Sertão Gaspar Rodrigues
“Sertão” 4
(1654) Adorno
Conde de Atouguia
Jornada do Sertão
Tomé Dias Lassos “Sertão” 2
(1656)
Conquista do
Domingos Barbosa Jaguaripe e
“Gentio Bárbaro” 3
Calheiros Maragogipe
(1658)
Francisco Barreto
Conquista do
“Gentio Bárbaro” Tomé Dias Lassos “Sertão” 2
(1662)
Conquista do Antonio
“Gentio Bárbaro” Gonçalves “Vilas de baixo” 2
(1667) Caldeira
Alexandre de Souza
Agostinho Pereira
Freire Conquista do
e Recôncavo e “vilas
“Gentio Bárbaro” 5
Francisco Dias de baixo”
(1669)
d´Ávila
Conquista dos Brás Rodrigues Recôncavo e vilas
8
“Bárbaros” (1671) Arzão circunvizinhas
Conquista do Estevão Ribeiro Recôncavo e “vilas
Afonso Furtado de 2
Sertão (1672) Baião Parente de baixo”
Castro do Rio de
Conquista dos Estevão Ribeiro
Mendonça - 2
“Bárbaros” (1673) Baião Parente
Entrada contra os Francisco Dias Rio de São
4
Gueguê (1674) 860 d‟Ávila Francisco
Total 40
Fonte: Bando de dados de provimentos

A partir desses dados é possível perceber como a partir do governo de Alexandre


de Souza Freire as expedições se tornam mais freqüentes, mobilizando inclusive tropas
de paulistas tidos como especialistas nesse tipo de guerra861. O governo que dedicou
maior ênfase no projeto das expedições foi o de Afonso Furtado de Mendonça. Ana
Paula Magalhães analisa detidamente as estratégias de Afonso Furtado para a
organização e condução dessas expedições, através da formação de redes de indivíduos
860
Um relato sobre essa entrada foi feito pelo francês Martin de Nantes, padre capuchinho. Cf. NANTES,
Pe. Martinho. Relação de uma missão no Rio São Francisco: Relação sucinta e sincera da missão do
padre Martinho de Nantes, pregador capuchinho, missionário apostólico no Brasil entre os índios
chamados cariris. Trad. Barbosa Lima Sobrinho. 2ª. Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.
p.49-53.
861
Os comandantes de origem paulistas são: Domingos Barbosa Calheiros (cunhado de Estevão Ribeiro
Baião Parente); Brás Rodrigues de Arzão (que havia servido com Domingos Barbosa Calheiros em 1658
e serviu com Estevão Ribeiro a partir de 1671); e Estevão Ribeiro Baião Parente. Cf. FRANCO, Francisco
de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Séculos XVI, XVII, XVIII. São
Paulo: Comissão do IV centenário da cidade de São Paulo, 1954. p.89-90 (Domingos Barbosa Calheiros);
p.38 (Brás Rodrigues Arzão); p.282-283 (Estevão Ribeiro Baião Parente).
262
das mais variadas qualidades e condições, de modo que o governador-geral intermediou
e viabilizou a concretização dos interesses de vários grupos862 assim como assegurou
recompensas e remunerações para os principais envolvidos nestas ações863. É
importante observar que estas expedições ocorreram majoritariamente nos territórios
das capitanias da Bahia, Ilhéus e Sergipe del Rey, no momento seguinte, os confrontos
da Guerra do Açú ocorreriam majoritariamente nos territórios do Rio Grande, a partir da
década de 1680, com grande influência do governo de Pernambuco na gestão das
expedições e socorro da capitania864.
Em conjunto com essas expedições contra indígenas se observa um processo
similar de combate aos mocambos, porém em uma intensidade e freqüência menor.
Como aponta Stuart Schwartz, um conjunto de características contribuiu para as práticas
de fuga e consolidação de comunidades de “negros fugidos”, no caso baiano isso era
especificamente acentuado por ser
um dos principais terminais do tráfico atlântico de escravos e uma
importante zona agrícola durante toda sua história. Sempre manteve
uma grande população escrava, que por volta do final da era colonial,
constituía um terço da população total. Porém, nas zonas das grandes
lavouras, os escravos sempre representaram mais de 60% da
população.865

O principal foco das expedições que encontramos nesse período foi o recôncavo
de Salvador866, e de modo secundário a região fronteiriça entre a capitania de Sergipe de

862
Não podemos analisar esses conflitos sem levar em conta a participação de destacadas famílias baianas
nessas expedições. Assim, é preciso indicar que Gaspar Rodrigues Adorno (que chefiou várias
expedições) era irmão de Agostinho Pereira (que atuava nas expedições de seu irmão desde 1651), e que
Francisco Dias d‟Ávila fazia parte da antiga linhagem de Garcia D‟Ávila, fundador da Casa da Torre que
veio ao Brasil na companhia de Tomé de Souza em 1549. Cf. FRANCO, Francisco de Assis Carvalho.
Op. cit. p.10 (Gaspar Rodrigues Adorno); p.289 (Agostinho Pereira); p.41-42 (Francisco Dias d‟Ávila).
863
Esta abordagem é particularmente desenvolvida no Capítulo 4 de sua dissertação de mestrado
(“Governação e a rede de poder no contexto da conquista dos bárbaros”), no qual a autora identifica e
distingue os grupos que atuaram nas expedições e a natureza das relações que estabeleciam com o
governo-geral. Cf. MAGALHÃES, Ana Paula Moreira. Op. cit. 2015. p.100-164.
864
Portanto, esse assunto escapa aos objetivos imediatos deste trabalho. Sobre a Guerra do Açú:Cf.
“Capítulo 4 – A guerra do Açú”. In: PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros: Povos indígenas e a
colonização do sertão nordeste do Brasil. (1650-1720). São Paulo: Hucitec/Edusp/Fapesp. 2002; Tyego
Franklim analisa os conflitos e as disputas de poder entre o governo-geral e o governo de Pernambuco
sobre a gestão da guerra e dos territórios do Rio Grande, que a partir de 1701 se tornou capitania anexa de
Pernambuco. Cf. SILVA, Tyego Franklim da. A ribeira da discórdia: Terras, homens e relações de poder
na territorialização do assu colonial (1680-1720) Dissertação (Mestrado em História). Natal: UFRN,
2015.
865
SCHWARTZ, Stuart. “Repensando Palmares: resistência escrava na colônia”. In: Escravos, roceiros e
rebeldes. Trad. Jussara Simões. Bauru, SP: Edusc, 2001. p. 223.
866
Stuart Schwartz indica que houve uma alta incidência de mocambos na região das “vilas de Baixo” da
capitania de Ilhéus, atribuindo esse fenômeno “a natureza fronteiriça da região e a sua situação militar
instável” o que favoreu” o êxito das fugas bem sucedidas”. Ademais “Cairú e Camamú sofriam constante
263
Rey e a Bahia867. Na Tabela 39 indicamos as expedições contra mocambos que figuram
em nossa amostragem868, apontado informações sobre os governadores-gerais
envolvidos na organização das expedições, os comandantes, as regiões de atuação e o
número de patentes emitidas. Nesse ponto fica evidente como nesse momento o
combate aos mocambos ocupava um espaço menor no quadro das Expedições, o que
pode estar associado à grande ênfase concedida às expedições contra indígenas, tidas
como um perigo maior e imediato. Neste ponto uma notável exceção é o caso do esforço
de guerra contra Palmares. Contudo, não encontramos provimentos do governo-geral
sobre as incursões contra o quilombo de Palmares, o que está associado a jurisdição do
governador de Pernambuco, em razão da localização do quilombo fazer parte do
território pertencente ao governo das capitanias do Norte869.

ameça de ataques dos hostís índios Aimores. Esse fato e a distância de possível ajuda militar vinda de
Salvador dificultavam a supressão dos mocambos”. Ibidem. p.224-225.
867
Flávio Gomes dos Santos indica que o estabelecimento de mocambos nessa região, desde o começo do
século XVII, causava preocupação às autoridades porque a presença dessas comunidades dificultava o
deslocamento entre as duas capitanias. Cf. SANTOS, Flávio Gomes dos. A hidra e os pântanos:
Quilombos e mocambos no Brasil. (Séculos XVII-XIX). Tese (Doutorado em História). Campinas:
Unicamp, 1997. p.649.
868
Portanto, nesta tabela não relacionamos todas as expedições e entradadas que foram organizadas,
apenas aquelas para as quais encontramos patentes. Não temos dados de provimento, por exemplo, para a
Entrada de 1662 que foi feita na capitania de Sergipe del Rei. Sabemos dessa expedição por uma carta
enviada ao cabo, que não é nomeado no documento. Cf. 22/01/1662. DHBN, Vol.VII, 75-76.
869
Ademais, devemos atentar que os custeios das diversas expedições contra Palmares recaiu sobre a
Fazenda Real de Pernambuco e sobre as câmaras das capitanias do Norte, com destaque para Alagoas,
Porto Calvo, Rio de São Francisco e Serinhaém. Cf. MENDES, Laura Peraza. O serviço de armas nas
guerras contra Palmares: expedições, soldados e mercês (Pernambuco, segunda metade do século XVII).
Dissertação (Mestrado em História). Campinas, Unicamp, 2013. p. 88. Um estudo mais detido sobre o
papel da comunicação política na viabilização dessas expedições foi apresentado no artigo de Artur
Curvelo. Cf. CURVELO, Arthur Almeida Santos de C. “Ordens, bandos e fintas para fazer „a cruel
guerra‟: Os governadores de Pernambuco, A câmara de Alagoas e as „entradas‟ nos Palmares na segunda
metade do século XVII”. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambuco. n° 67.
Recife, 2014. p.193-223.
264
Tabela 39- Expedições ofensivas contra Mocambos

Nome da N° de
Governador Comandante Região de atuação
Expedição / Ano Patentes
Entrada contra
Conde de Castelo Diogo de Oliveira “Rio de São Francisco até o
Mocambos 1
Melhor Serpa de Jaguaripe”
(1653)
Entrada “contra
Conde de Diogo de Oliveira Freguesia de Santo Amaro
os negros 1
Atouguia Serpa (Bahia)
fugidos” (1654)
Entrada contra
Mocambos Fernão Carrilho Matos de Jeremoabo (Bahia) 1
(Maio de 1668)
Alexandre de
Entrada contra
Souza Freire
Mocambos
Fernão Carrilho “Sertões de Sergipe” 1
(Novembro de
1668)
Entrada contra
Capitania de Sergipe del Rey
Mocambos Fernão Carrilho 2
e Distritos da Bahia
(1671)
Afonso Furtado de
“toda a Capitania de Sergipe
Castro do Rio de
Entrada contra Belchior da del Rey, e sertões desta
Mendonça
Mocambos Fonseca Saraiva Cidade desde a Torre de 1
(1674) Dias Moreia Garcia de Ávila, até o Rio de
São Francisco”

Total 7

Fonte: Bando de dados de provimentos

Podemos observar as mudanças nesse tipo de expedição a partir das justificativas


apresentadas para a concessão de patentes e formação de expedições. As primeiras
expedições dispunham de poucos recursos humanos e materiais, porém já manifestavam
a intenção das entradas: a entrada de 1653 coincide com a criação do cargo de Capitão-
mor das Entradas dos Mocambos, provido em Diogo de Oliveira Serpa, objetivando
“extinguirem mais eficazmente as povoações dos negros fugidos, e a esperança que
neles tem dessa liberdade os que se ausentam, por serem conservação dos engenhos e
fazendas deste Estado” 870
. Aos poucos essas jornadas foram ampliando a estrutura de
oficiais dispersos que tinham por função capturar os negros que fugissem dos
mocambos após as investidas das expedições principais, nesse sentido em 1654 se criou
no distrito de Santo Amaro o cargo de capitão do campo, em razão de “fazerem nele os
escravos que andam fugidos sua assistência enquanto empreende as entradas que faz aos
Mocambos para se tornarem a recolher a eles, de que resulta grande prejuízo ao serviço

870
14/05/1653. DHBN, Vol. XXXI, p.125-127. Este ofício possuía uma posição cimeira na organização
desse tipo de entrada, como vemos detinha a “jurisdição em seu exercício desde o Rio de São Francisco
até o de Jaguaripe, e todos os Capitães do Campo, Aldeias, mestiços, e mais Índios, e gente que costuma
fazer semelhantes entradas estarão ás suas ordens” DHBN, Vol. XXXI, p.125-127.
265
de Sua Majestade e desta republica” 871
. Nesse sentido, as incursões na década de 50
não possuíam recursos e volume para destruir de modo eficaz os mocambos, prezando
pela captura dos negros fugidos872. Contudo, as entradas organizadas a partida da
década de 60 almejavam a destruição dessas comunidades, pelo temor de que pudessem
crescer e se tornar um problema fora de controle. Isso fica evidente não apenas nas
patentes emitidas pelo governo-geral, como também na carta régia e no regimento da
entrada dos mocambos873. Deste modo, a menção destas ordens reais sobre as
expedições contra mocambos aparecem nas patentes das entradas de Maio de 1668 e de
Agosto de 1671874. Destarte, na Entrada de 1674 podemos verificar um detalhamento
maior na elaboração das justificativas que autorizavam a expedição, observando a sua
relação com o contexto de combate aos indígenas na região:
Sua Alteza tem encarregado por varias ordens suas a este Governo, o
cuidado que se devia por em defender os vassalos desta Capitania dos
danos que recebiam dos Mocambos dos Negros levantados, e havendo
se acabado com o feliz sucesso que hão tido as armas de Sua Alteza a
conquista das Nações Bárbaras que desciam ao Recôncavo desta
Cidade, e Vilas do Cairú, convém se aplique a Guerra que se deve
fazer aos Mocambos desta Capitania, e da de Sergipe del Rei, assim
pelos Latrocínios, e mortes que cometem, como pelo prejuízo dos
escravos que para eles fogem, com os quais se lhes aumenta o número,
e diminue a seus donos o cabedal” 875

871
02/03/1654. DHBN, Vol. XXXI, p. 139-140.
872
Flavio Gomes aponta que a incapacidade de organização uma forma de repressão sistemática e efetiva
ocasionou o uso frequente de capitães-do-mato a fim de criar uma sentimento de punição exemplar, de
modo que o emprego destes “tinha o sentido mais preventivo do que efetivamente repressivo, no caso dos
quilombolas. (...) Tentava-se, porém controlar as fugas e, portanto, o aumento de possíveis quilombos.” .
SANTOS, Flávio Gomes dos. Op.cit. p. 652.
873
No ano de 1668 duas cartas régias autorizavam as entradas contra os indígenas e os mocambos, a
primeira justificava a ação como “reparo as insolências destes bárbaros, e porque convém muito que elas
não passem adiante e se atalhem com toda a brevidade antes que cresça o dano em tanto prejuízo desse
Estado e das vidas e fazendas daqueles moradores” (20/02/1668. DHBN, Vol. LXVII, p. 19); em outra
carta a instrução era reformaçada: “E visto que não tem efeito a ida da Armada de Holanda executareis
(já que vos achais com prevenção) a ordem que vos mandei para se fazerem as entradas no sertão contra
os gentios e mocambos que no recôncavo dessa cidade fazem as hostilidades” (11/05/1668. DHBN, Vol.
LXVII, p.37). De modo mais enfático, o regimento da entradas aos mocambos, passado a Fernão
Carrilho, determinava um objetivo incisivo para a expedição: “tanto que chegar ao dito mocambo,
procurará dispor o assalto que lhe há de dar de maneira que todos os que lhe quiserem resistir fiquem
mortos e todos os que pretenderem fugir prisioneiros”. O regimento também indicava o modo como se
destruiria a estrutura da comunidade encontrada: “mandará queimar e assolar o mocambo e destruir todas
as plantas dele e marchará com toda a gente em direitura a esta praça para da Cadeia dela se restituírem as
peças a seus donos, pagos os custos da jornada, n forma que é estilo.” 21/05/1669. DHBN, Vol. IV, p.
193-194.
874
“Sua Alteza que Deus guarde se serviu ordenar-me, que mandasse fazer guerra a todos os Mocambos
deste Estado”. 21/05/1668. DHBN, Vol. XII, p. 38-40; “Sua Alteza que Deus guarde se serviu mandar a
este Governo por diversas ordens que se fizesse guerra aos Bárbaros, e aos mocambos dos negros fugidos,
e neste mesmo tempo em que tenho expedido a Conquista do Sertão convém mandar também destruir os
Mocambos que se diz haver nos sertões da Capitania de Sergipe del Rei, e Distrito desta Bahia,”
31/08/1671. DHBN, Vol.XII, p. 152-154”.
875
DHBN, Vol. XII, 338-340
266
De modo semelhante às expedições contra os indígenas, as entradas contra os
mocambos se tornaram mais freqüentes a partir do governo de Alexandre de Souza
Freire. É interessante observar o predomínio dos oficiais ligados a capitania de Sergipe
del Rey na comando dessas expedições. Tanto Diogo de Oliveira Serpa quanto Belchior
Dias Saraiva atuavam nas ordenanças da capitania876. O exemplo de maior destaque é o
de Fernão Carrilho que por sua experiência no combate aos mocambos foi designado
pelo governo de Pernambuco para conduzir expedições contra Palmares em 1676877. É
possível que a grande quantidade de mocambos na capitania estimulava o engajamento
de oficiais nesse tipo de ação, e ao se engajar no combate e repressão à essas
comunidades, esses oficiais se tornavam “especialistas” nesse tipo de expedição.
O último grupo de expedições terrestres que encontramos em nossa amostragem
se refere em sua maioria às expedições em busca de minérios. Além da busca por
riquezas minerais encontramos também expedições que buscavam a pacificação dos
índios por via da conversão878 e a fundação de vilas879. Contudo, apesar dessas
expedições não apresentarem um caráter ofensivo, a segurança dessas expedições ficava
a cargo de oficiais militares nomeados para escolta e proteção os integrantes, uma vez
que essas expedições ocorreram majoritariamente em áreas de “Sertão” 880.

876
Diogo de Oliveira Serpa havia atuado como Sargento-mor da Ordenança de Sergipe del Rey, com
experiência no combate aos índios. Cf. DHBN, Vol.III p. 107-108. Belchior Dias Saraiva foi provido
como capitão-mor das Entradas dos Mocambos por morte de Diogo de Oliveira Serpa. De acordo com
Ane Luíse S. M. Santos, Belchior Saraiva era mameluco e descendente de uma importante família que
teve protagonismo na conquista de Sergipe del Rey por suas alianças com os índios da Aldeia do Geru.
Cf. SANTOS, Ane Luíse S. M. “Os silêncios de Guerra impostos pelos primeiros contatos na Aldeia do
Geru (1683-1758)”. In: Anais do V Congresso Internacional de História. Maringá, UEM, 2011. p.2562-
2573.
877
Além da experiência nas entradas contra mocambos, Fernão Carrilho também possuía uma trajetória
nas ordenanças de Sergipe del Rey, e ainda atuou na procura de minas de prata. Foi nomeado como
capitão-mor da conquista dos Palmares em 1676 por Dom Pedro de Almeida, governador de Pernambuco.
Cf. MENDES, Laura Peraza. Op. cit. p.51-53.
878
Nesta fase inicial das entradas contra os indígenas ainda é possível verificar que haviam tentativas de
redução do “gentio bravo” via conversão, contudo essas iniciativas parecem ter perdido fôlego com
rapidez. No caso em questão o Padre Rafael Cardoso era acompanhado em sua expedição por uma tropa
de “gentio doméstico” capitaneada por João Pereira, que estava encarregado de zelar pela “conservação
dos índios que leva, reclusão dos que convier trazer presos, e consecução do intento, como em assistir e
obedecer ao mesmo Religioso” 29/01/1656. DHBN, Vol. XXXI, p. 182-183.
879
As expedições de fundação de vilas de nossa amostragem estão diretamente relacionadas ao desfecho
das guerras contra o “gentio bárbaro”, como no caso da fundação da vila de Santo Antonio da Conquista,
erigida “nas terras donde se venceu, e desbaratou a nação e Aldeia dos Cochos”. 02/10/1673. DHBN, Vol.
XXV, p. 247-249
880
Quando nos referimos ao “Sertão” estamos também fazendo referência a uma percepção coetânea
sobre as regiões não controladas e não povoados por luso-brasileiro. Como Russel-Wood indicou a
palavra possuía uma carga marcadamente etnocêntrica, visto como “a personificação de uma força
disruptiva e potencialmente perigosa. Era bárbaro, caótico, não cristão, não civilizado, e hostil aos valores
e princípios (justiça, cristandade, disciplina estabilidade, boa administração) apreciados pelos
portugueses. Era uma região esquecida por Deus e desconhecida do homem civilizado.” RUSSELL-
267
A busca por riquezas minerais esteve nos interesses da Coroa e dos moradores
do Estado do Brasil desde os primórdios do povoamento e por mais de um século essas
tentativas de prospecção e exploração não produziram resultados efetivos. Contudo,
durante a segunda metade do século XVII esses anseios ganham novo fôlego por uma
combinação de fatores, tais como os rumores da descoberta de riquezas minerais nas
capitanias do Sul; a busca por meios de contornar a conjuntura econômica desfavorável,
881
marcada pela queda dos preços do açúcar internacional ; e o novo movimento de
expansão das fronteiras e das áreas de povoamento, tanto nas capitanias do norte, após a
derrota dos holandeses, quanto nas capitanias do sul, com a fundação da Colônia de
Sacramento.
Desta forma relacionamos na Tabela 40 as expedições que tiveram concessão de
patentes a oficiais militares que acompanhavam essas expedições na qualidade de
fornecer proteção e escolta.

Tabela 40 - Expedições não ofensivas

Região de N° de
Nome da Expedição / Ano Objetivo Comandante
Atuação Patentes
Sertão da
Conversão do “Gentio Pe. Rafael
Conversão Capitania da 1
Bárbaro” (1656) Cardoso (Jesuíta)
Bahia
Distritos do Rio
Descobrimento das Minas de Manuel da Silva
Prospecção de São 1
Salitre (1672) Pacheco
Francisco
Descobrimento das Minas de Capitania de
Prospecção Fernão Dias Paes 1
Prata e Esmeralda (1672) São Vicente
Fundar a Vila de Sertão da
Estevão Ribeiro
Fundação de Vila (1673) Santo Antonio da Capitania da 1
Baião Parente
Conquista Bahia
Fundar a Vila de Sertão da
Estevão Ribeiro
Fundação de Vila (1674) Santo Antonio da Capitania da 1
Baião Parente
Conquista Bahia
Descobrimento das Minas de José Gonsalves Capitania do
Prospecção 1
Esmeraldas (1675) de Oliveira Espírito Santo
Descobrimento e
entabolamento das minas de D. Rodrigo de Capitanias do
Prospecção 3
Paranaguá e Sabarabuçú Castelo Branco Sul
(1678)

Total 9

Fonte: Bando de dados de provimentos

WOOD, A. J. R. “Fronteiras do Brasil Colonial”. In: Histórias do Atlântico português. Ângela


Domingues, Denise A. Soares de Moura. (Orgs.) 1 a ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 280.
881
Essa percepção conjuntural é discutida particularmente em: Cf. ALMEIDA, Carla M. C.; OLIVEIRA,
Mônica R. “Conquista do centro-sul: fundação da colônia de Sacramento e o „achamento das Minas‟.” In:
FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs) O Brasil Colonial. Vol. 2. (1580-1720). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p.282-287.
268
O grupo de oficiais que participava desse tipo de expedição era heterogêneo,
contando com indivíduos de larga experiência sertanista ou bandeirante 882, quanto com
capitães-mores e fidalgos nomeados pela coroa883. Esse tipo de expedição anunciava as
mudanças que começavam a ocorrer coloram em curso um processo que se
intensificaria ao longo do século XVIII, transformando a sociedade e a base econômica
do Estado do Brasil. Podemos entendê-las como o produto desta conjuntura maior de
expansão de fronteiras, que possuía motivações diversas como temos apontado.
Como temos apontado essas expedições mobilizavam indivíduos de variadas
condições sociais, inserindo-os em um universo particular de serviço militar. De modo
que a remuneração por esses serviços, quando ocorria, não se dava através de soldos e
ordenados. No caso de Expedições contra mocambos era comum que a “remuneração”
fosse o produto da própria expedição, como vemos na patente de Diogo de Oliveira
Serpa884. De modo semelhante, nas Expedições contra indígenas em que houve a
mobilização de paulistas, o custeio do deslocamento e sustento da tropa ficava a cargo
da Fazenda Real ou da câmara de Salvador885 e a principal forma de remuneração

882
No caso de Estevão Baião Parente, que já foi referido anteriormente, vemos a concessão da patente
como um produto de suas incursões contra os índios do Recôncavo, uma remuneração por seus serviços.
Fernão Dias Pais é um dos nomes mais conhecidos do bandeirantismo paulista do século XVII, por sua
larga experiência no apresamento de indígenas e na condução de expedições de prospecção. Cf.
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Op. cit. p. 276-279.
883
José Gonsalves de Oliveira possuía o hábito de cavaleiro da Ordem de Santiago e recebeu patente
regia de capitão-mor da capitania do Espírito Santo. D. Rodrigo de Castelo Branco era espanhol e
conquistou atenção da Coroa por sua experiência nas minas do peru, sobretudo em um conjuntura em que
as notícias enviadas do Estado do Brasil sobre as descobertas minerais eram desencontradas e as amostras
inconclusivas. Sua patente régia lhe conferia uma jurisdição superior para que pudesse ordenar as práticas
de prospecção na América portuguesa. Atuou em expedições de prospecção em Itabaiana, Sabarabuçú
“Curitiba, Paranaguá, Cananéia, Iguape, Jaraguá e Itu”, ao que tudo indica foi assassinado em uma
emboscada nos arredores do Sumidouro em 1682. FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Op. cit. p.75-
78 (D. Rodrigo de Castelo Branco); p.270-271 (José Gonsalves de Oliveira). Carta régia que informava a
nomeação de D. Rodrigo de Castelo Branco como administrador das minas DHBN, Vol. LXVII, p. 222-
223; Maria Verônica Campos analisa a trajetória do Administrador das Minas em suas expedições pelas
capitanias do sul até o seu fatídico assassinato. Cf. CAMPOS, Maria Verônica. Governo de Mineiros: “De
como meter as minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” (1693 a 1737). Tese (Doutorado em
História). São Paulo, USP, 2002. p. 36-41.
884
“E toda a gente que nela prisionar trará a esta Praça, e mandará entregar a ordem dos oficiais da
Câmara, que pagarão de cada escravo o que é estilo, e obrarão nisto sem dependência alguma dos
Ministros da Fazenda Real, sem embargo do estilo que té o presente se pratica, por ser isto mais
conveniente aos donos dos escravos, e aos que foram a estas entradas.” 14/05/1653. DHBN,Vol. XXXI,
p.125-127. O Capitão do campo Francisco Rebelo possuía uma indicação semelhante sobre a sua
remuneção: “será obrigado a trazer todas as presas que fizer a cadeia deste Estado, para nela se lhe pagar
na forma que é estilo.” 09/10/1671. DHBN, Vol. XII, p.176-177.
885
Por um termo de vereança da câmara de São Paulo, datado de 04/05/1671, sabemos que o governo-
geral e a câmara de Salvador remeteram 400.000 réis para custear a organização da Expedição
comandada por Estevão Ribeiro Baião Parente. Cf. Actas da Câmara da Villa de São Paulo. Século XVII.
Vol. VI (1653-1678). São Paulo: Typographia Piratininga, 1915. p. 246-247.
269
seriam os índios que conseguissem aprisionar886. Contudo, devemos levar em conta que
os serviços prestados nesses tipos de expedição também poderiam ser convertidos em
outros tipos de remuneração, como por exemplo, a doação de sesmarias887. E
naturalmente havia a possibilidade de que estes serviços se transformassem em novas
patentes888.
As expedições navais são o último e mais frequente tipo de nossa amostragem.
Em geral este tipo designava a concessão de patentes para oficiais que comandavam
embarcações ou guarnições de soldados embarcados para alguma expedição. Este tipo
de patente nos permite apreender a inserção dos governadores-gerais em dinâmicas
externas ao Estado do Brasil, tais como o envio de expedições militares para África e
Ásia, e até mesmo no auxilio e comboio de embarcações que retornavam para o
Reino889.
Esse conjunto de ações traz a tona o dinamismo recuperado pelo governo-geral
no período post-bellum. Vale recordar que durante a primeira metade do século XVII
ocorreu o movimento de “Luta global contra os holandeses”, na denominação utilizada
por Boxer, no qual os portugueses tiveram que combatera as tropas dos Países Baixos

886
“os prisioneiros, que se tomarem a essa capitania darei conta a sua majestade com os fundamentos da
mesma guerra e assentos referidos para a confirmação de seu cativeiro e se poderem servir deles como
escravos, sem o menor escrúpulo de suas consciências”. Isso fica acordo pelo governo-geral me carta
enviada a câmara da vila de São Paulo. RGCSP, Vol. II, p. 506-509. Em uma carta enviada à câmara de
São Paulo o governador-geral informava que a expedição contra as três aldeias dos Maracás resultara no
aprisionamento de “1200 almas”. 10/07/1673. DHBN, Vol.VI, p. 252.
887
Em consulta a Plataforma S.I.L.B. (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro), encontramos que
Francisco Dias d‟Ávila, recebeu 6 sesmarias em decorrência de suas ações: “uma em 1681, no rio
Caninde (PE 0353); uma em 1683, no rio São Francisco (PE 0375); uma em 1683, no rio Parnaiba (PE
0377); uma no rio Parnaiba, em 1684 (PE 0379); e mais duas em 1684, no rio Sao Francisco (PE 0380 e
PE 0381)” Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/PE%200381 Acessado em: 14/08/2017.
Esse tipo de remuneração foi destacado por Felipe Damasceno, que explora de modo detido a concessão
de sesmarias aos indivíduos que combateram o quilombo de Palmares. Cf. DAMASCENO, Felipe
Aguiar. “Direitos de propriedade em terras rebeldes: as sesmarias dos Palmares de Pernambuco, 1678-
1775”. Ler História. 70. 2017. p. 95-119. (DOI: 10.4000/lerhistoria.2716)
888
Este é o caso de Francisco Dias d‟Ávila, que é promovido a coronel da ordenança em 24/12/1675.
DHBN, Vol. XII, p. 379-380. No caso de Estevão Ribeiro Baião Parente, percebemos como a utilização
do discurso de conquistador poderia se converter em patentes honoríficas. O resultado de suas incursões
contra aldeias indígenas foi a permissão para fundar uma vila onde antes habitavam os indígenas.
Recebeu por essas ações o título de Capitão-mor da Vila de Santo Antônio da Conquista. Teria com esta
patente “jurisdição, preeminências, e faculdades que tocam aos mais Capitães-Mores das Capitanias do
Estado”. 14/11/1673. DHBN, Vol. XII, p. 298-299.
889
Em seu trabalho pioneiro, José Roberto do Amaral Lapa já apontava a centralidade do porto de
Salvador como ponto de conexão entre as várias partes do império português. A localização favorável no
atlântico e o status de cabeça do Estado do Brasil possibilitavam que a urbe soteropolitana fosse
“chamada a socorrer não somente outras capitanias brasileiras necessitadas de amparo militar, como
também a fornecer troços de soldados, aprestos de guerra, animais e víveres para as campanhas de defesa
e restauração das praças na América do Sul (Colônia do Sacramento), África Ocidental (Angola) e
Oriental (Moçambique) e na própria Ásia.” LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da
Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. p. 202.
270
em diversas partes de seu império ultramarino890. Contudo, as transformações ocorridas
na esteira desses conflitos criaram um novo cenário que intensificou o protagonismo da
cidade de Salvador como um dos principais portos do Atlântico, e por consequência,
durante a segunda metade do século XVII, a cidade portuária se tornou tanto um ponto
de partida fundamental, quanto uma escala obrigatória para as longas viagens.

890
Cf. BOXER, Charles R. “A luta global com os holandeses (1600-1663)”. In: O império Colonial
Português (1415-1825). Trad. Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições 70, 1981.
271
Tabela 41 - Expedições navais891
N° de N° de
Ano Destino / Função Comandante/ Patente
Embarcações Patentes
Ofensiva contra piratas no Afonso da Silva
1655 4 3
Recôncavo (Sargento-mor)
1657 Comboio para o Reino - 1 1
João Machado Caminha
1658 Patrulha costeira (Bahia) 4 1
(Almirante)
Ofensiva contra piratas no Dinis Sebes
1659 1 1
Recôncavo (Capitão de Mar e Guerra)
1662 Patrulha costeira (Bahia) Luiz de Mello Pinto (Capitão) 1 1
Ofensiva contra Armada
1664 - - 3
Castelhana em Angola
Transporte de fazendas para o
1665 Vitório Zagalo Preto 1 2
Reino
Manuel Figueiredo
1666 Comboio para o Reino 1 2
(Capitão de Mar e Guerra)
Comboio dos Galeões da Armada D. Antonio Mascarenhas
1667 1 1
Real (Capitão da Nau)
D. Antonio Mascarenhas
1668 Comboio das Naus da Índia 3 2
(Capitão Almirante)
Cristovão Ferrão Castelo
1670 Comboio para o Reino 1 3
Branco (Capitão-mor)
Abr/Jul-
Reforço defensivo de Angola - 4 15
1671
Ago/Set- Ofensiva a Mpungo Ndongo Manuel Nogueiro Botelho
1 3
1671 (Angola) (Capitão de Mar e Guerra)
1672 Comboio para o Estado da Índia - 1 4
André da Silva
1678 Comboio para o Reino 1 5
(Capitão de Mar e Guerra)
Mateus de Almeida
1678 Reforço defensivo de Angola 1 2
(Capitão de Mar e Guerra)
Francisco Rodrigues Lisboa
Maio-1679 Comboio para o Reino 1 1
(Capitão de Mar e Guerra)
Jun/Jul- Bernardo Ramires Esquivel
Comboio para o Reino 2 3
1679 (Capitão de Mar e Guerra)
Manuel Godinho de Sá
1680 Comboio para o Reino 1 4
(Capitão de Mar e Guerra)
Envio de tropas, mantimentos e
Antonio de Barros
1680 munições para Colônia de 1 3
(Capitão de Mar e Guerra)
Sacramento
Janeiro- Manuel de Carvalho
Comboio para o Rio de Janeiro 1 1
1681 (Capitão de Navio)
Veríssimo Carvalho da Costa
Mai/Jun-
Comboio para o Reino (Capitão-mor das Naus da 1 2
1681
Índia)
Francisco da Cunha Soares
1682 Reforço defensivo de Angola 1 2
(Capitão de Mar e Guerra)
Total 34 65
Fonte: Bando de dados de provimentos

Portanto, as expedições relacionadas na Tabela 41 relacionam-se as dinâmicas


de comércio, guerra, defesa costeira e expansão territorial. Se considerarmos por um
momento que estes dados expressam uma dinâmica importante de engajamento e
circulação ultramarina, poderemos nos aproximar da compreensão coetânea que estes
oficiais possuíam acerca do próprio império ultramarino. Afinal, o sentimento de

891
A datação indicada para as expedições na Tabela 41 reflete o período de emissão das patentes.
272
unidade existente entre as várias partes da monarquia pluricontinental era tecida através
dos vassalos que circulavam pelas conquistas, pois estes interligavam os pontos
distantes e dispersos, moldando os limites e a forma do império ultramarino
português892. Os dados também sugerem a importância da América portuguesa para a
conservação das demais conquistas ultramarinas, sobretudo na conjuntura do pós-
restauração, na qual a Coroa estava onerada com a gestão de conflitos em suas
fronteiras terrestes e em diversas de suas conquistas ultramarinas.
As expedições para Angola foram o tipo de mobilização que mais recebeu
patentes do governo-geral, sendo que para as 5 expedições relacionadas encontramos 25
provimentos do governo-geral, sendo que a expedição de Abril-Julho de 1671 concentra
15 dessas patentes893. Outro tipo de mobilização que recebeu praticamente o mesmo
volume de provimentos foram os comboios de frotas para o reino, para as quais
encontramos 24 patentes para 10 expedições. Nesse sentido, a interferência do governo-
geral nessas expedições demonstra que a projeção de poder do Estado do Brasil possuía
ramificações ultramarinas consideráveis.
No que toca as informações referentes a tempo de serviço e soldos, apenas os
oficiais de Expedições navais apresentam um volume relevante de dados. O que pode
estar associado a trajetória desses oficiais, uma vez que em sua grande maioria eram
oriundos das Tropas pagas e das Fortificações894. Para os oficiais de Expedição
terrestres essas informações são episódicas ou inexistentes. Portanto, a fim de
acrescentar mais dados ao quadro comparativo que temos construído ao longo deste
capítulo, apresentamos na Tabela 42 a dispersão dos oficiais de Expedições navais
pelas faixas de tempo de serviço.

892
Essa é uma forte expressão do caráter pluricontinental da monarquia portuguesa. Uma análise
instigante sobre esse tipo de atuação foi feita por Marília Nogueira dos Santos, ao analisar a articulação
de uma rede de indivíduos que mobilizaram recursos de vários pontos do império português para
organizar a expedição que buscava o resgate da praça de Mombaça situada na África Oriental. Cf.
SANTOS, Marília Nogueira dos. “Do Oriente ao Atlântico: a Monarquia Pluricontinental portuguesa e o
resgate de Mombaça, 1696-1698”. In: GUEDES, Roberto (Org.) Dinâmica Imperial no Antigo Regime
Português: Escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados. Séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2011.
893
Os meses são referentes ao tempo de preparo, organização e recrutamento da expedição. Sabemos que
essa expedição tratava-se especificamente de um esforço conjunto do governo-geral e do governo de
Pernambuco, como vemos na carta de Afonso Furtado ao governador de Pernambuco. 02/06/1671.
DHBN, Vol.IX, p. 416-417. Roquinaldo Ferreira destaca que o uso de soldados brasileiros se intensificou
a partir do Governo de André Vidal de Negreiros em Angola (1661-1666), de modo que nas guerras
decisivas da década de 1670 a participação de luso-brasileiros se mostrou indispensável para a
consolidação portuguesa na região. Cf. FERREIRA, Roquinaldo. “O Brasil e a arte da guerra em Angola
(sécs. XVII e XVIII)”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. n. 39, 2007. p. 7-11.
894
Dentre os oficiais que apresentam informações sobre serviços anteriores encontramos 28 com serviços
nas Tropas paga, 9 com experiência naval, 2 com patentes de Fortificação e 1 padre.
273
Tabela 42 – Relação entre tempo de serviço e quantidade de patentes de Expedições Navais

Tempo
Total de
de Tipo e quantidade de patentes %
patentes
Serviço
Sargento do número (3); Capitão (2); Alferes (1); Ajudante de
2- 5
Capitão-mor (1); Capitão de Mar e Guerra (1); Tenente de Capitão de 9 28,13%
anos
Mar e Guerra (1)
5-10 Capitão (1); Ajudante (1); Alferes (1); Sargento do Número (1),
5 15,63%
anos Tenente de Capitão de Mar e Guerra (1)
11-15
Capitão (2); Alferes (1); Capitão de Mar e Guerra (1); Sargento (1) 5 15,63%
anos
16-20
Alferes (3); Capitão (1); Capitão de Mar e Guerra (1) 5 15,63%
anos
21-25
Capitão (3); Capitão de Navio (1); Alferes (1) 5 15,63%
anos
Mais de
Capitão (3) 3 9,38%
30 anos
Fonte: Bando de dados de provimentos

A distribuição dos oficiais pelas faixas de tempo ocorre com pequenas


diferenças, o que inicialmente indica que este tipo de patente envolvia oficiais nos mais
variados estágios de suas trajetórias. Contudo, se observarmos que a faixa de serviço
que vai de 2 a 15 anos concentra 19 patentes, podemos sugerir que haveria uma
tendência ao ingresso de oficiais nesse tipo de expedição principalmente durante os anos
iniciais das carreiras, isto é, quando ainda eram relativamente jovens e sem muito
acrescentamento, e isso ganha maior dimensão se considerarmos os riscos que as
“incertezas do mar” agregavam maior periculosidade à essa atividades.

Tabela 43 - Tempo médio de serviço nas principais patentes de Expedições Navais

Média de Menor Tempo de Maior tempo de Total de


Patente
tempo serviço serviço Patentes
Capitão 18,5 2 34 12
Alferes 13,57 5 21 7
Fonte: Bando de dados de provimentos

Como indicamos anteriormente, o predomínio de oficiais com experiência ou


carreira nas Tropas pagas se torna mais evidente, sobretudo quando comparamos as
médias de tempo de serviço entre os detentores da patente de capitão. Como indicamos
na Tabela 43 a média de tempo encontrada de 18,5 anos para um capitão de Expedição
Naval é muito aproximada da média de 18,4 anos que encontramos para os capitães das

274
Tropas pagas. Além disso, a relação entre o menor e maior tempo de serviço também é
muito aproximada895.
O valor do soldo é outra evidente aproximação entre os oficiais de Expedição
Naval e os oficiais de Tropa paga. Na Tabela 44 listamos os valores de soldo que
figuram nas patentes. Como podemos observar o valor desses soldos era idêntico aquele
pago às Tropas pagas, ao menos é o que verificamos entre aquelas patentes que
permitem comparação, como a de Capitão e de Alferes. O pagamento destes soldos
ficava a cargo da Fazenda Real.

Tabela 44 – Soldos dos oficiais de Expedições Navais

Soldo
Patente Expedição/ Ano (Por
mês)
Capitão de Mar e 16.000
Comboio para o Reino (1657)
Guerra réis
Capitão de Mar e Envio de tropas, mantimentos e munições para Colônia de 16.000
Guerra Sacramento (1680) réis
Ofensiva contra Armada Castelhana em Angola (1664)
Reforço defensivo de Angola (Abr/Jul 1671) 16.000
Capitão
Comboio para o Estado da Índia (1672) réis
Reforço defensivo de Angola (1682)
6.000
Alferes Reforço defensivo de Angola (Abr/Jul 1671)
réis
Fonte: Bando de dados de provimentos

Portanto, ao longo deste tópico buscamos caracterizar as patentes relacionadas às


Expedições, ressaltando as suas particularidades e apontando a relação desses ofícios
com os demais tipos de tropa. Atentamos para a importância de considerar o caráter
dinâmico desses tipos de provimentos, assim como as possibilidades de
acrescentamento e remuneração que este tipo de serviço oferecia aos providos.
Buscamos assim contribuir para construção e percepção de um quadro de ofícios
militares com contornos mais complexos, que englobem essa miríade de formas de
organização de tropas militares, atentando para a interação e circulação dos oficiais por
esses diferentes espaços.

895
Para os capitães de Tropas paga temos 4 anos como o menor tempo de serviço e 34 como o maior, ao
passo que para as Expedições Navais encontramos 2 anos como o menor tempo de serviço e 34 como o
maior.
275
3. O provimento de ofícios e a governação: interesses, estratégias e políticas.

Tendo em vista toda a caracterização que apresentamos sobre os diversos tipos


de ofícios sob a jurisdição do governo-geral, podemos agora analisar de modo detido
como o provimento de ofícios moldava dinâmicas governativas específicas. No caso em
questão, analisaremos esses provimentos sob a ótica da organização militar da capitania
da Bahia, e por consequência como se aplicavam as medidas de governo que buscavam
assegurar a defesa, viabilizar o comércio e garantir o sustento das localidades do
recôncavo.
Em 15 de Dezembro de 1654, alguns meses após a capitulação dos holandeses
em Pernambuco, houve a elaboração de uma relação dos oficiais militares e soldados
que atuavam na Bahia. Na “lista da mostra que se passou a toda a Infantaria dos dois
Terços do Presídio e guarnição desta praça” 896
, encontramos de modo detalhado a
distribuição numérica dos soldados pelas companhias dos terços da Tropa paga de
Salvador. O documento apresenta um quadro onde constava a divisão das companhias
dos dois terços, os nomes dos capitães que comandavam essas companhias, o número de
soldados e a condição (efetivos, doentes ou de licença), bem como a localidade que
essas tropas guarneciam.
A produção de uma relação tão detalhada se deve ao contexto de tensões que
marcou o final da guerra contra os neerlandeses em Pernambuco. O ônus do sustento da
infantaria recaia sobre a população do recôncavo, que utilizava a Câmara de Salvador
como meio de ressoar seus descontentamentos e pretensões. Desde o governo de
Antonio Teles da Silva diversas fintas e imposições haviam sido acordadas para
viabilizar o sustento das tropas, e posteriormente, com a criação da Companhia Geral de
Comércio (1649), a pressão fiscal se acentuaria sobre os luso-brasileiros com a
instituição do estaco (monopólio) de quatro gêneros: vinhos, azeite, bacalhau e
farinha897. Com as esperanças do fim da guerra no horizonte, vislumbradas pela vitória

896
O documento foi produzido por Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da fazenda real e da matricula de
gente de guerra do exercito, a pedido do Conde de Atouguia. Datado de 19/01/1655.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.13, D. 1580.
897
As nuances dessa conjunturas foram exploradas a fundo por trabalhos anteriores. Wolfgang Lenk
explorou esse contexto pela ótica da fiscalidade, analisando as dinâmicas que permeavam a arrecadação e
a manutenção das tropas. Cf. LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e
administração colonial da Bahia (1624-1654) Tese (Doutorado em Economia). Campinas: Unicamp,
2009. Em um estudo recente Thiago Krause analisou as relações entre a elite Bahia, os governadores-
gerais e a Coroa, destacando as flutuações entre momentos de tensão e construção de consenso na
organização da arrecadação e aplicação das rendas que custeavam a defesa da cabeça do Estado do Brasil.
Cf. KRAUSE, Thiago Nascimento. Op. cit. 2015.
276
da segunda batalha de Guararapes (em fevereiro 1649), as elites baianas começaram a
buscar meios para reduzir o peso destes custos. Em uma carta dirigida ao monarca os
oficiais da câmara representavam sobre a forma como continuamente contribuíam para
o sustento das tropas “com liberal vontade”, e por esta razão se encontravam
sobrecarregados. Pediam em contrapartida que o monarca ordenasse uma reforma na
organização dos terços, em razão do desequilíbrio entre o número de oficiais e soldados,
ressaltando que o elevado número de oficiais era a causa de “ser maior o dispêndio das
primeiras planas do que é o da infantaria” 898
. Neste momento o presídio de Salvador
contava com 3 terços, que mobilizavam pouco menos de 2500 soldados e com uma
grande quantidade de oficiais, o que implicava que a câmara arcava com as despesas de
mais de 4000 mil rações899. Diante dessa situação, tanto o Conselho Ultramarino quanto
o governo-geral iniciaram um processo de redução dos oficiais, reorganização das
companhias900. Após a reforma se firmou um novo termo entre a câmara e o governo-
geral sobre as condições do sustento da tropa, que eram significativamente mais
favoráveis a municipalidade de Salvador901. Um movimento de articulação semelhante
ocorreu entre as elites locais fluminenses e o governador do Rio de Janeiro, o que
resultou na reforma das tropas pagas daquela capitania também no ano de 1652902.

898
09/05/1650. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod.14 , fl.229v-230v.
899
Na representação da câmara os oficiais declaravam que despediam “todos os anos 50 mil cruzados de
imposições dos vinhos 40 da vintena, barcos, casas, madeiras, gados e outros muitos pedidos, que cada
hora se lhes pedem, para o sustento da infantaria”, sendo que os elevados custos das rações eram
atribuídos a grande quantidade de oficiais. A desproporção apontada era em razão de haver “três
sargentos-mores, três tenentes generais, e um da artilharia e a quantidade de Capitães”, sendo este o cerne
da solicitação, a redução do número de oficiais, uma vez que oficiais maiores e superiores tinham direito
a mais rações. 09/05/1650. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod.14 , fl.229v-230v.
900
Desde a reclamação da câmara de 1650 até a realização da reforma em 1652 houve um volume
razoável de deliberação entre o conselho ultramarino e o governo-geral sobre a forma aplicaria a reforma:
30/05/1650. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.12, D. 1439; 24/03/1651. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas,
Cod.14 , fl.287v-288; 14/06/1652. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod.14 , fl.395v-397; MIRALES,
D. José de. “História Militar do Brazil: Desde o anno de mil quinhentos quarenta e nove, em q‟ teve
principio a fund.am. da Cid.e. de S. Savl.or. Bahia de todos de todos os Santos até o de 1762”. Annaes da
Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXII, Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1900. p.188-
194; 30/05/1650. DHBN, Vol. LXV, p.358-360; 10/05/1651. Vol. LXVI, p.12-13; 30/05/1650. p.13-15;
21/09/1652, p. 37-39.
901
Thiago Krause indica que a câmara obteve não apenas a redução de seus encargos, como o “pleno
controle sobre a arrecadação e maneio das avultadas somas anualmente despendidas para esse fim. Não
seriam, portanto, mais obrigados a aceitarem dispêndios extraordinários ordenados pelo governador; o
contingente não poderia aumentar, sendo congelado em torno de duas mil praças então existentes”.
KRAUSE, Thiago Nascimento. Op. cit. 2015. p. 216. No acordo firmado com a câmara em 1652 o Conde
de Castelo Melhor indica que os oficiais se comprometiam a “sustentar com ração ordinária de dinheiro e
farinha duas mil centro e trinta e quatro praças que havia e os oficiais maiores que ficaram em pé na
Reformação”. 13/07/1652. DHBN, Vol. III, p.177-180; Atas da Câmara, Vol. III, p. 220-223.
902
Cf. MOREIRA, Luiz Guilherme Scaldaferri. Op. cit. 2015. p.165-185.
277
Tendo em vista esse contexto, podemos analisar as informações obtidas na lista
com mais clareza. Uma síntese geral dessas informações pode ser observada na Tabela
45, no qual indicamos de modo agregado a distribuição e a condição dos soldados que
estavam servindo no ano de 1654.

Tabela 45 - Distribuição dos soldados dos terços de Salvador (1654)

No de Soldados No de Soldados
Local / Condição
(Valor %) (Valor Abs)
Salvador 87,20% 1608
Fortes da Barra e Itapagipe e Monte Serrat 1,47% 27
Morro de São Paulo (Ilhéus) 3,47% 69
Ilha de Itaparica 1,41% 26
Plataforma de São Francisco de Sergipe do Conde 0,33% 6
Plataforma de Matoim 0,22% 4
Soldados doentes 2,65% 49
Soldados de licença 2,23% 41
Total 100% 1844
Fonte: AHU_ACL_CU_005-02, Cx.13, D. 1580.

Esses dados nos indicam como a distribuição dessas forças estava voltada para a
defesa de pontos fundamentais para o escoamento da produção açucareira. A defesa
destes pontos vitais da economia do recôncavo era não só uma preocupação
fundamental do governo-geral, como um interesse dos grande produtores da região e da
Câmara de Salvador, conselho do qual vários dos senhores de engenho do Recôncavo
faziam parte903.
Para compreender melhor a forma como foram dispostas essas força, elaboramos
a representação no Mapa 1, no qual destacamos a presença das tropas do terço em
pontos essenciais ao fluxo da produtivo do Recôncavo. Como vemos nos pontos 1 e 3
do mapa indicam os principais pólos de defesa da cidade de Salvador, e que
concentravam 1655 de um total de 1844 soldados que pertenciam aos terços. Estes
dados apontam para a divisão de áreas de atuação entre os dois terços de Salvador:
enquanto o terço velho do Mestre de Campo João de Araújo concentrava suas forças em
Salvador , com alguns soldados nos fortes da Barra e de Itapagipe; o terço novo do
Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco também concentrava a maior parte de seu

903
Thiago Krause aponta que durante o século XVII, 60% dos oficiais que serviram na câmara de
Salvador e na provedoria da Misericórdia eram senhores de engenho. Cf. KRAUSE, Thiago Nascimento.
Op. cit. 2015. p. 141.
278
efetivo na urbe, mas também distribuía suas forças na Ilha de Itaparica 904, no Rio
Paraguaçu e na plataforma de São Francisco. Algumas localidades como o Morro de
São Paulo (em Ilhéus) e a plataforma de Matoim eram guarnecidas por soldados de
ambos os terços 905.

Mapa - 1- Divisão dos soldados dos terço em 1654

Os pontos 4, 5906 e 6 indicados no mapa representavam posições estratégicas


para a defesa dos rios, freguesias e povoações, sendo que essas localidades eram
responsáveis por grande parte da produção e do escoamento dos principais gêneros
cultivados no recôncavo. Como Stuart Schwartz indicou em seu estudo clássico, a

904
Encontramos duas patentes para Ilha de Itaparica, também fazendo menção ao pertencimento ao terço
novo: Patente de Capitão em João Francisco. 10/10/1655. DHBN. Vol.XVIII,p.438-440.; Patente de
Capitão em Felipe Ferreira da Camera. 07/03/1657. DHBN.Vol.XIX, p.127-128.
905
O terço velho do Mestre de Campo João de Araújo contava com um efetivo de 1027, incluindo
soldados e oficiais, já o terço novo do Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco tinha efetivo total de
992. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.13, D. 1580.
906
“A segunda maior concentração de engenhos situava-se nas ilhas denominadas Marapé por Soares de
Sousa, as quais se tornaram mais tarde as paróquias da vila de São Francisco do Conde. Esse foi o centro
da região açucareira, o „berço do massapê‟.”. SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: Engenhos e
escravos na sociedade colonial (1550-1835). Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia das Letras, 1988.
p. 82.
279
posição de ancoradouros e pequenas angras favoreciam a conexão de várias regiões
produtoras. Sendo que nessa “categoria estavam a foz do rio Matoim [6907], protegida
pela ilha da Maré, e a entrada do rio Paraguaçu [4908]. A baía de Todos os Santos, com
suas ilhas e enseadas, portos e praias, era um mar mediterrâneo que tornava possível e
lucrativo um contato íntimo entre o porto de Salvador e sua hinterlândia agrícola” 909. A
preocupação com a defesa dessas regiões era fruto das sucessivas investidas
neerlandesas que assolaram as freguesias e distritos açucareiros do recôncavo 910.
É importante destacar que a principal localidade fora do recôncavo de Salvador
com tropas dos terços era a fortaleza do Morro de São Paulo (Tabela 45). A rigor essa
911
fortificação fazia parte da jurisdição da capitania de Ilhéus , fornecendo proteção às
“vilas de baixo” (Camamú, Cairú e Boipeba), uma das linhas vitais de abastecimento da
capitania da Bahia, como indicado ao longo deste trabalho. Contudo, importa
acrescentar como o governo-geral se valeu dos oficiais militares nessa região para para
assegurar o abastecimento do recôncavo. Em 27 de Junho de 1651 Pedro Gomes, que
servia como Tenente General da Artilha, foi enviado a Ilhéus para garantir que não
houvessem descaminhos com as farinhas que proveriam o sustento do Recôncavo. As
cartas que foram destinadas as principais autoridades das vilas de Ilhéus deixavam bem
claro que o envio das farinhas seria efetivado, nem que para isso o oficial enviado
tivesse que usar de meios coercivos912. Essas ações aparentemente lograram exito
imediato, como as cartas remetidas pelo governador-geral a Pedro Gomes explicitam913.

907
“Fica patente que a maioria dos engenhos localizava-se no litoral da baía ou ao longo dos rios que nela
desembocavam. Aproximadamente metade os engenhos ficavam na zona de Pirajá, Matoim, Paripe e
Cotegipe, região situada em um raio de alguns quilômetros ao norte de salvador, e que, em meados do
século XVII, passaria a ser considerada área pertencente áquela municipalidade. (...) As desembocaduras
dos rios Pirajá e Matoim também forneciam abrigo para os navios e sustentavam intensa atividade
pesqueira.” Ibidem. p. 82.
908
“Somente às margens do Paraguaçu, o maior rio a desaguar na baía de Todos os Santos, é que
novamente se encontravam solos adequados para os canaviais. O Paraguaçu muda de direção
bruscamente logo acima de sua foz, formando a península de Iguape. (...) Na orla da península havia
fazendas e engenhos.” Ibidem. p. 83.
909
Ibidem. p. 78.
910
No Capitulo 3 mencionamos o peso dessas ações a os desafios impostos a governação diante da
atividade de corso neerlandês.
911
Como indicamos no Capítulo 3, a capitania de Ilhéus foi um dos principais destinos de
correspondências do governo-geral. Entre 1648 e 1682 os governadores enviaram 221 cartas para a
capitania, das quais 88 foram destinadas aos oficias militares da capitania. E no que toca aos provimentos
militares, dos 55 provimentos feitos para a capitania 14 eram referentes aos oficiais do Morro de São
Paulo.
912
27/06/1651. DHBN, Vol. III, p.114-115.
913
Carta para Pedro Gomes agradecendo o sucesso com o conchavo das farinhas. 01/08/1651. DHBN,
Vol. III, p.119; Carta para os Oficiais da Vila de Camamú agradecendo a cooperação com o conchavo das
farinhas. 01/08/1651. DHBN, Vol. III p.119-120.
280
Francisco Carlos Teixeira apontou em sua tese de doutorado como a “vocação
abastecedora” dessas vilas de Ilhéus foi forjada pela conjunção de interesses das elites
baianas, que fixaram um valor baixo pelos produtos adquiridos, e pelo governo-geral
que enviou oficiais militares para garantir o envio regular de mantimentos e coibir o
descaminho e a venda para terceiros, uma vez os governadores-gerais constantemete se
viam em difuldade para assegurar o abastecimento da cidade e o municiamento das
frotas914.
Podemos aprofundar as considerações sobre organização da defesa na capitania
ao observarmos os dados relativos aos os provimentos de oficiais militares. Isso nos
permitirá observar mais detidamente a importância das localidades do Recôncavo, como
indicamos na Tabela 46. Estes dados evidenciam a percepção sobre como o governo-
geral se relacionava com os mais diversos níveis de poder local. A “cabeça do Estado do
Brasil” respondia sozinha por 58,84% (253 patentes) dos provimentos do recôncavo,
com predominância dos oficiais da Tropa paga (165)915 e das Ordenanças (50). Por
outro lado, temos um volume de provimentos igualmente relevante (177 patentes)
destinados as freguesias, distritos, aldeias indígenas, e outras localidades ao redor de
Salvador, sendo que a imensa maioria desses provimentos eram de oficiais das
Ordenanças (149).

914
Como indicamos no Capítulo 3, essas vilas foram submetidas a restrições de cultivo de gêneros como
tabaco e aguardente, e a compra da farinha produzida era de exclusividade da cidade de Salvador por um
preço fixo. Cf. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e
política econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (Doutorado em
História). Niterói: UFF, 1990. p. 129-134.
915
Devemos fazer a ressalva que os provimentos não informam a localidade de serviço, como a relação de
1654 apresenta. Nesse sentido é muito provável que uma porção desses oficiais servisse efetivamente em
alguns dos pontos do Recôncavo (como em Matoim, na Ilha de Itaparica e em Sergipe do Conde) mas
diante da impossibilidade de precisar essa informação, optamos por manter Salvador como localidade de
exercício, uma vez que a maioria da Tropa paga estava alocada na cidade e em suas fortificações.
281
Tabela 46 - Quantidade de provimentos por localidade do Recôncavo (1642-1682)916

Localidade Art Aux Fort TP Ord PP Ind Total


Salvador 16 2 16 165 50 4 - 253
Freguesia de Maragogipe - - - - 1 - 3 4
Aldeia do Espírito Santo - - - - - - 4 4
Aldeia da Natuba - - - - - - 1 1
Aldeia de Jacuípe - - - - - - 1 1
Distritos da Cachoeira - - - - 9 - - 9
Freguesia de Jaguaripe - - - - 9 - 4 13
Freguesia de Passé - - - - 7 - - 7
Freguesia de Paraguaçú - - - - 7 1 - 8
Freguesia de Patatiba - - 2 - 7 - - 9
Freguesia Santo Amaro da Ipitanga - - - - 8 - - 8
Ilha de Itaparica - - - 2 3 - - 5
Freguesia de Sergipe do Conde - - 2 - 9 - - 11
Matoim - - 4 - 1 - - 5
Freguesia Nossa Senhora do Socorro - - - - 3 - - 3
Distrito Nossa Senhora do Monte - - - - 4 - - 4
Distritos de Iguape - - - - 5 - - 5
Ilha dos Frades - - - - 1 - - 1
Santo Amaro da Tacuruna - - - - 1 - - 1
Partido de Afonso Barbosa da França
Partido de Francisco Gil de Araújo - - - - 17 - - 17
Partido de Sebastião de Araújo e Lima 917
Partido de Baltazar dos Reis Barrenho918 - - - - 15 - - 15
Partido de Guilherme Barbalho Bezerra 919 - - - - 4 - - 4
Partido de Lourenço Barbosa da França920 - - - - 17 - - 17
Não informado - - - 1 6 2 - 9
Distritos do Rio Real - - - - 7 - - 7
Torre de Garcia D'Ávila - - - - 8 - 1 9
Total 16 2 24 168 199 7 14 430921
Fonte: Bando de dados de provimentos

A participação de algumas localidades reflete a situação do povoamento no


Recôncavo, assim como as funções produtivas das vilas e freguesias que
movimentavam a economia da Bahia. Deste modo, as freguesias de Maragogipe (4
patentes) e Jaguaripe (13 patentes) produziam mandioca e possuíam em seu entorno
algumas aldeias indígenas administradas; Santo Amaro de Ipitanga (8 patentes) fazia às
vezes de porto do centro da zona açucareira; os distritos de Cachoeira (9 patentes)
916
Art = Artilharia; Aux= Auxiliares; Fort= Fortificações; TP= Tropa Paga; Ord= Ordenanças; PP=
Pretos e Pardos; Ind= Indigenas
917
Freguesias de Saubara, Patatiba, Sergipe do Conde, Nossa Senhora do Monte e Nossa Senhora do
Socorro. Aqui listamos os nomes dos Coronéis desse partido entre 1668 e 1678: Francisco Gil de Araújo
(05/01/1668. DHBN, Vol. XXXI. p. 414-416); Sebastião de Araújo e Lima (08/06/1671. DHBN, Vol.
XII, p.139-141); Afonso Barbosa da França (02/06/1672, DHBN, Vol. XII, p. 222-224); Sebastião de
Araújo e Lima (17/03/1678, DHBN, Vol. XIII, p. 23-25).
918
Freguesias do Rio Vermelho, Santo Amaro, Torre, Inhambupe, Rio Real, Tapecurú, Jacobina, que se
situavam em uma região ao nordeste de Salvador, território fronteiriço com a capitania de Sergipe del
Rey.
919
Freguesias de Iguape, Cachoeira e Maragogipe
920
Freguesias de Passé, Matoim, Cotegipe, Paripe, e Pirajá
921
Não incluímos nesta amostragem uma carta patente de Capitão-mor da Vila de Santo Antônio da
Conquista. DHBN,Vol. XII, p. 298-299.
282
serviam tanto de “entrada para o sertão”, por sua posição favorável a penetração no
interior, quanto região produtora de açúcar e mandioca, e no final do século XVII
também cultiva o fumo, incrementando seu mosaico produtivo922. Outras regiões eram
especializadas na criação de gado, como os Distritos do Rio Real (7 patentes) e as terras
pertencentes a Casa da Torre (9 patentes), dos descendentes de Garcia D‟Ávila,
atividade subsidiou o processo de expansão ao rumo ao interior e a fundação de núcleos
de povoação nos arredores do Rio São Francisco, território que algumas décadas depois
integraria a jurisdição da capitania do Piauí923.
Sendo assim, é interessante observar as mudanças que ocorreram na organização
das Ordenanças, sobretudo a partir das transformações efetuadas no governo de
Alexandre de Souza Freire. Em 1668 os rumores de uma incursão naval holandesa
levaram governador-geral a promover uma intensa mobilização defensiva na capitania
924
da Bahia, uma vez que número de soldados nas tropas pagas era bem diminuto . Em
razão disso a necessidade de mobilizar as Ordenanças culminou na reorganização da
jurisdição dessas tropas na capitania. O território do recôncavo foi dividido em quatro
partidos, sendo que cada um era governado por um Coronel e um sargento-mor, que
tinham sob seu comando as freguesias e distritos que compunham a região de seu
partido925. As companhias da cidade de Salvador e seus arrabaldes eram comandadas

922
A descrição sobre as funções dessas regiões foi apresentada em: Cf. SCHWARTZ, Stuart B.;
PÉCORA, Alcir. (Orgs) Op. cit., 2002. p.19.
923
Ane Luíse Santos destaca o papel dos descendentes de Gárcia D‟Ávila nesse processo de expansão,
que envolve o combate de diversas aldeias indígenas. Cf. SANTOS, Ane Luíse Silva Mecenas. “Trato da
perpétua tormenta”: A conversão nos sertões de dentro e os escritos de Luigi Vincenzo Miamiani della
Rovere sobre os Kiriri (1666-1699). Tese (Doutorado em História). São Leopoldo: UNISINOS, 2017. p.
32-33.
924
Em uma consulta do conselho ultramarino se discutia a informação que Alexandre de Souza Freire
havia remetido sobre ter encontrado “Os terços com muito pouca gente, e a mais dela desarmada”.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.20, D.2249-2251. Não dispomos dos dados para o ano de 1668 sobre o
número de soldados do terço, mas é provável que não fosse uma cifra maior do que os 1332 soldados
registrados para 1660 ou cerca das 1200 praças do ano de 1676. Cf. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 16, D.
1818; AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 22, D. 2607.
925
Nas cartas patentes dos coronéis a divisão da jurisdição dos partidos é justificada pela organização
territorial dos núcleos de povoamento: “são dilatados os distritos das freguesias de todo o Recôncavo
desta cidade, e para na presente ocasião que pelo aviso que tive de Sua Majestade se pode justamente
esperar cada hora a armada holandesa que passa a este Estado se fazerem nesta praça todas as prevenções
necessárias, e se reconduzir mais facilmente a gente da Ordenança, convém ao serviço de Sua Majestade
se divida todo o Recôncavo em diferentes partidos cujas companhias sejam governadas por quatro
Coronéis de cujo valor, zelo e grandes experiências da guerra se fiem todos os acertos da disciplina dos
soldados, e execução das ordens, e felicidade dos sucessos e se possa acudir assim mais prontamente a
todas as partes ao mesmo tempo a tudo o que importar á defensa desta praça” 02/01/1668. DHBN, Vol.
XXXI, p. 401-403
283
outro Coronel926. Como resultado dessa mobilização o governador-geral informava a
Coroa que conseguia mobilizar 4080 soldados “entre infantaria e ordenança” dos quais
cerca de “trezentos desarmados” 927.
O que observamos, portanto, é que no período do post-bellum as elites baianas
conseguiram maior autonomia e capacidade de intervenção nas localidades da capitania.
O alto grau de mobilização observado nos preparativos de 1668 indica não só a
organização desses grupos, mas também um desejo manifesto de controlar determinados
aspectos da vida política da capitania. Certamente a população do recôncavo era não
desejava que os custos de sustento da Tropa paga se elevassem como no período da
guerra. Além disso, a força advinda dessa mobilização podia ser utilizada para
consolidar outros interesses e projetos. Não por acaso se observa que a partir desta data
se intensificaram as incursões contra os mocambos e os indígenas do Recôncavo,
obviamente que com o aval régio: “E visto que não tem efeito a ida da Armada de
Holanda executareis (já que vos achais com prevenção) a ordem que vos mandei para se
fazerem as entradas no sertão contra os gentios e mocambos que no recôncavo dessa
cidade fazem as hostilidades de que me destes conta” 928. Portanto, esse novo arranjo de
poder interessava não apenas as elites baianas que vislumbravam um novo meio para
expansão de sua influência, mas também para o governo-geral e a Coroa que
aproveitaram as vantagens advindas da mobilização da população a fim de empreender
a execução das Expedições sem grandes investimentos, e da mesma forma a arrecadação
de tributos passava a contar com uma rede de oficias capaz de maior diligência929.

4. Considerações finais:

O provimento de serventias ocupava uma posição central na esfera de governo


por ser um instrumento de intervenção muito eficaz, além de uma expressão

926
O comando destas foi concedido ao Coronel Assenso da Silva. 02/01/1668. DHBN,Vol. XXXI, p. 403-
405
927
Este elevado número de soldados se deve também a mobilização que o governo-geral esperava
conseguir de Sergipe del Rey (cerca de 600 homens da ordenança). Além disso, houve mobilização
voluntária dos estudantes, estrangeiros e dos mulatos “forros” de Salvador. O desembargador Cristovão
de Burgos chegou a formar uma companhia as suas custas. Cf. AHU_ACL_CU_005-02, Cx.20, D.2249-
2251.
928
11/05/1668. DHBN, Vol. LXVII, p. 36-37. Esta carta régia foi o resultado de uma consulta do
conselho Ultramarino de 23/04/1668, onde o parecer emitido foi exatamente o mesmo.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.20, D.2249
929
Ainda em 1668 os oficias dos quatro partidos do recôncavo apresentam uma relação detalhada dos
valores arrecadados do Dote da Rainha da Inglaterra e Paz da Holanda coletados nas freguesias. Cf. Atas
da Câmara, Vol. IV, p. 388-392.
284
significativa da economia da mercê e um dos principais termos do vocabulário político
do governo-geral. Como temos indicado ao longo do capítulo as especificidades dos
tipos de tropas estavam diretamente associadas às funções que estas assumiam no
quadro da governação. Contudo, como buscamos demonstrar essas especificidades não
restringiam as possibilidades de circulação entre os diferentes tipos de tropa.
A importância dessa dinâmica ganha maior relevância se recordarmos que os
oficiais militares eram interlocutores freqüentes do governo-geral em diversas
capitanias, atrás apenas dos Capitães-mores e das Câmaras (conforme indicado no
Capítulo 3).
Outra faceta importante que os provimentos nos permitem acessar é a
incorporação e mobilização de indivíduos das mais variadas qualidades sociais e
condições jurídicas. A mobilização de Indígenas assim como de Pretos e pardos
aparece como um traço marcante da organização militar da América lusa, que utilizou
esses indivíduos desde os primórdios da colonização, e que lentamente os incorporou à
sua estrutura de tropas, por meio da concessão de patentes e outras distinções
honoríficas.
Podemos perceber que os tipos mais tradicionais de tropa possuíam critérios de
recrutamento e progressão, ainda que estes fossem muito flexíveis e abarcassem
também critérios sociais. Além disso, também indicamos como os longos períodos de
serviço na América Portuguesa ajudaram a definir um estilo de provimento, que
primava pela promoção de oficiais diretamente inseridos nos presídios, praças e
companhias do Estado do Brasil, o reforça a percepção de que esses espaços se
constituíam como lócus para o estabelecimento de relações de sociabilidade que
favoreciam a continuação da prestação de serviços. A Artilharia aparece como o tipo de
tropa que adotava critérios mais definidos, requerendo um conhecimento específico e
prático que muitos não possuíam.
Por outro lado, nossa análise sobre o universo das tropas irregulares indica um
elevado grau de flexibilidade com os critérios de recrutamento, o que se moldava a
realidade dinâmica do Estado do Brasil e a necessidade de incorporar indivíduos e
grupos sociais no serviço do Rei. Deste modo percebemos que fatores como o local de
residência, o conhecimento de línguas indígenas, relações familiares e outras
características de relevância local figuravam como critérios nestes tipos de tropa

285
A análise dos provimentos em uma escala territorial, como a que fizemos para
Salvador e seu recôncavo, nos auxilia a compreender a estruturação de dinâmicas de
poder, bem como os processos que permeavam essas mudanças. Neste sentido,
apontamos como a gestão da defesa estava intimamente associada a interesses locais,
seja pela proteção das regiões produtoras, seja pelo o desenvolvimento de interesses
expansionistas das elites baianas. A negociação e a mediação desses provimentos se
mostrou central para a viabilização da governação, e na mesma medida permitiu a
inserção e a perpetuação de interesses locais em esferas de influência que dependiam da
chancela do governo-geral e da Coroa. Inferimos que a conjugação da dinâmica dos
provimentos com outros processos da governação nos permite identificar e compreender
ações de interferência política, bem como a negociação e a construção de alianças
políticas. Desenvolveremos essa questão mais detidamente no próximo capítulo.

286
Capítulo 5 – A rede governativa do Conde de Óbidos: comunicação política,
provimento de ofícios e negócios no Estado do Brasil (1663-1667)

Nos últimos capítulos analisamos dinâmicas especificas da governação,


relacionadas à comunicação política no interior do Estado do Brasil e ao provimento das
serventias de ofícios militares e de governo. Neste capítulo analisaremos a confluência
dessas dinâmicas, indicando as possibilidades de reconstrução dos fragmentos de
articulação interpessoal que permeavam o interior da governação do Estado do Brasil:
as redes governativas.
Para tanto, exploraremos especificamente as relações tecidas pelo Conde de
Óbidos, D. Vasco Mascarenhas, enquanto ocupou o governo do Estado do Brasil com o
honroso título de vice-rei (1663-1667). A opção de analisar as relações construídas pelo
Conde de Óbidos se deve principalmente a freqüência com que este oficial estabeleceu
relações de cunho clientelar com indivíduos no Estado do Brasil930.
Antes, contudo, é preciso recuperar alguns conceitos e noções que são
fundamentais para compreender a natureza e o funcionamento dessas práticas. O
principal conceito, muito caro à presente análise, foi proposto por Maria de Fátima
Gouvêa, ao analisar a formação e o funcionamento das redes governativas. A autora
identificou como indivíduos que estavam dispersos pelo império ultramarino português
mantinham entre si relações e vínculos das mais diversas naturezas (familiar, clientelar,
mercantil). De acordo com proposta analítica de Fátima Gouvêa devemos atentar para
um conjunto de características a fim de identificar uma rede, de modo que
o nexo fundamental a definir um conjunto relacional enquanto rede é
justamente a sua constância e recorrência no desenrolar das conexões
que a compõem, bem como a sua capacidade de influir, de intervir, de
desenvolver estratégias, de alterar o ritmo e o rumo dos
acontecimentos em razão de um dado objetivo ou interesse – ou
conjunto de objetivos e interesses.931

Nesse sentido, as redes governativas que foram organizadas entre os oficiais que
ocuparam postos centrais no império ultramarino português conformavam um tipo
930
Esse tipo de prática também esteve presente nas ações dos outros governadores-gerais que analisamos,
no entanto para estes encontramos apenas vestígios desse tipo de articulação, e ao até onde percebemos
essas relações não alcançaram a mesma dimensão da rede de oficiais mobilizada por D. Vasco
Mascarenhas.
931
GOUVÊA, Maria de Fátima. “Redes governativas portuguesas e centralidades régias no mundo
português, c. 1680-1730. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.) Na trama das redes:
Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010. p. 167-168.
específico de organização social, uma forma adaptada de rede clientelar, pois era dotada
de características particulares, na qual os interesses do “bem comum” se misturavam
com interesses individuais ou de grupo. Se recuperarmos a formulação clássica
apresentada por Antonio Manuel Hespanha e Ângela Barreto Xavier veremos que essa
formação de organização da ação social estava assentada em “relações que obedeciam a
uma lógica clientelar, como a obrigatoriedade de conceder mercês aos „mais amigos‟,
eram situações sociais quotidianas e corporizavam a natureza mesma das estruturas
sociais, sendo, portanto, vistas como a „norma‟. ”932
Portanto, é imprescindível ter em vista como essas práticas faziam parte de uma
cultura política muito diversa daquela em que estamos imersos. A organização da
sociedade nos moldes do paradigma corporativo, tributário da segunda escolástica,
conferia uma visão particular de mundo a estes indivíduos, na qual “a separação entre a
esfera do público e do privado era muito menos visível” 933. Adotar esta posição implica
em observar um cuidado metodológico de contextualização, a fim de nos desviar das
armadilhas explicativas e das conclusões apressadas (e anacrônicas), que comumente
associam todas as práticas mobilizadas por uma rede, para fins privados, como práticas
de corrupção934. Ora, se projetarmos para aquela sociedade a nossa visão
contemporânea, entendendo essas práticas como uso da “máquina pública” para
beneficio particular, estaremos ignorando os séculos de diferença (institucional, política
e social), e negligenciando o universo de nuances que moldavam as relações
interpessoais nestes espaços de poder.
Analisar o estabelecimento destas redes prescinde, portanto, da compreensão da
cultura política vigente nos séculos XVI e XVII, particularmente da forma como os
conceitos de “amizade” e “amor” definiam e cimentavam as relações sociais. Para tanto,

932
XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antônio Manuel. “As redes clientelares”. In: HESPANHA,
António Manuel. (coord.) História de Portugal. Vol. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 339.
933
HESPANHA, Antônio Manuel. “A Monarquia: a legislação e os agentes”. In: MONTEIRO, Nuno
Gonçalo. (Coord). História da Vida Privada em Portugal: A idade Moderna. Circulo de Leitores/Temas e
Debates, 2011. p.14.
934
Quando nos referimos a corrupção no Antigo Regime português devemos resgatar a forma como era
compreendida por aquela sociedade, onde era percebida como “dissolução da ordem – na bíblia, a palavra
corrupção aparece com o sentido de afastamento de Deus, da justiça, da santidade, da perfeição -, podia
ter lugar também entre privados, embora (...) a corrupção dos que tem por missão ser os guardiães da
ordem e que, portanto, teriam de ser os melhores, nomeadamente os eclesiásticos e os governadores, fosse
a mais grave para a boa ordem do mundo. E, por isso, a palavra ficou para designar sobretudo aqueles que
vendem o seu múnus de dar ordem: de fazer justiça, de governar em justiça, de administrar a justiça e
realizar o governo em igualdade e em nome do bem comum. Seja como for, há dificuldade em encontrar
uma diferença nítida entre esferas de normação, tal como entre „esferas de governação‟ e „esferas de
corrupção‟. Isto porque, na origem, é especioso falar de esferas de ordem e de esferas de justiça.” Ibidem.
p. 15.
288
os trabalhos de Pedro Cardim sobre a temática são incontornáveis. De acordo com o
autor, o uso destes conceitos no vocabulário político e social levou a formação de “laços
sociais muito formalizados, instaurando mecanismos comportamentais que
constrangiam fortemente a conduta quotidiana” 935
. Deste modo, ao empregar essa
chave analítica estamos nos referindo não apenas aos conceitos e noções que possuíam
significados próprios naquela cultura política, mas também estamos recuperando
dimensões internas dos comportamentos políticos. Isso nos ajuda a compreender a
configuração assimétrica das relações de amizade, posto que essas tenderiam a
derivar em relações do tipo clientelar que, apesar de serem informais,
apareciam, pela obrigatoriedade da reciprocidade acrescentada
(impossível elidir), como o meio mais eficaz para concretizar não só
intenções políticas individuais, como para estruturar alianças políticas
socialmente mais alargadas e com objectivos mais duráveis936.

Utilizaremos este quadro conceitual para analisar a formação e o funcionamento


da rede de oficiais estabelecida pelo Conde de Óbidos no interior do Estado do Brasil.
Cabe, portanto, delinear algumas características particulares desta forma de
organização, o que está associado aos limites de nossa análise. Optamos por analisar
especificamente as relações que foram construídas ou mobilizadas durante o período de
governo de D. Vasco Mascarenhas. Isso implica obviamente em entender o sistema que
descreveremos como fragmentado e incompleto, visto que nosso objetivo não é
identificar e analisar exaustivamente as redes que o Conde de Óbidos construiu ao longo
de toda a sua trajetória, esforço que transcenderia os objetivos do presente trabalho. O
que buscamos especificamente é compreender como o vice-rei manejava os recursos e
as pessoas ao seu redor enquanto empreendia a governação na América portuguesa.
Para tanto identificamos as relações sociais que configuravam essa rede através do
cruzamento de dados entre as correspondências e os provimentos, e num segundo
momento verticalizamos a análise sobre as pessoas identificadas a fim de compreender a
natureza da relação estabelecida, bem como as ações praticadas por meio desses
contatos.
A partir desses procedimentos identificamos um grupo heterogêneo de pessoas
que se vincularam a D. Vasco Mascarenhas: oficiais que acompanhavam o conde
durante a sua trajetória ultramarina; parentes, criados e fidalgos com experiência

935
CARDIM, Pedro. “Amor e amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII.” Lusitania sacra, 2ª.
série. n°.11. 1999. p. 22.
936
XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antônio Manuel. Op. cit. p. 340.
289
comum no cenário cortesão; além de indivíduos com projeção local e influência no
Estado do Brasil. Alguns desses indivíduos tinham relações entre si, mas via de regra, o
nó agregador dessas relações estava na figura central do vice-rei, que desfrutava de uma
posição privilegiada para mobilizar pessoas e recursos, tanto pela natureza superior que
o ofício possuía na governação, quanto por sua posição social destacada no cenário
nobiliárquico português.

1. Aspectos quantitativos do governo do Conde de Óbidos:

O governo de D. Vasco Mascarenhas durou 47 meses, média de tempo


ligeiramente superior aos três anos previstos nas cartas patentes dos governadores-
gerais937. Como vemos no Gráfico 13 os anos iniciais de seu governo foram intensos do
ponto de vista do fluxo de correspondência e provimentos. Com destaque para o ano de
1664, período em que o vice-rei empreendeu diversas políticas de reordenamento
jurisdicional, enviando missivas para a maioria das capitanias introduzindo novas
ordens e regimentos sobre a questão dos poderes dos capitães-mores, os procedimentos
para o cunho de moedas, a organização dos donativos para o casamento da Infanta D.
Catarina e a Paz de Holanda.

Gráfico 13 - Relação anual de cartas e provimentos militares do Conde de Óbidos (1663-1667)

160

140 137
120

100

80
Cartas
60
50
45
40 36 Provimentos
34 35
militares
20 24 22
15 11
0
1663 1664 1665 1666 1667

Fonte: Banco de dados de correspondências; Banco de dados de provimentos.

937
De modo preciso, o início do governo foi em 26/06/1663 a partir da tomada de posse, finalizando o
longo período do governo de Francisco Barreto (1657-1663). A entrega do governo foi em 14/06/1667,
levantando a omenagem e transmitindo a função para Alexandre de Souza Freire (1667-1671).
290
Quando observamos a dispersão geográfica dessas dinâmicas de governo
(Tabela 47), encontramos os primeiros contornos do quadro onde as redes foram
construídas. A preponderância da comunicação política com as capitanias de
Pernambuco e Rio de Janeiro não se deve apenas à importância político-econômica
destas na América portuguesa, pois a análise qualitativa, relacionando nominalmente os
interlocutores do vice-rei, nos indica que estas capitanias abrigavam a maior parte dos
componentes vinculados a rede do Conde de Óbidos.

Tabela 47 – Dispersão geográfica da correspondência e dos provimentos militares (1663-


1667)

N° de N° de %
Capitanias %
cartas Provimentos
Pernambuco 97 35,66 11 8,40
Rio de Janeiro 63 23,16 4 3,05
Paraíba 30 11,03 8 6,11
Bahia 25 9,19 51 38,93
São Vicente 17 6,25 3 2,29
Itamaracá 13 4,78 1 0,76
Espírito Santo 9 3,31 6 4,58
Sergipe del Rey 6 2,21 13 9,92
Expedição - - 7 5,34
Ceará 4 1,47 - -
Rio Grande 3 1,10 6 4,58
Porto Seguro - - 3 2,29
Ilhéus 2 0,74 17 12,98
Cabo Frio - - 1 0,76
Itanhaém 1 0,37 - -
Grão-Pará 1 0,37 - -
Estado do Maranhão 1 0,37 - -
Total 272 100% 131 100%
Fonte: Banco de dados de correspondências938; Banco de dados de provimentos

Ao analisar essas dinâmicas é importante ter em vista como a comunicação e a


circulação de informações tiveram um papel central na organização e mobilização das
redes. Essa importância foi definida por Fátima Gouvêa como fonte de poder essencial,
isto é, uma “espécie de „capital social‟ constituído e usufruído de forma diferenciada
pelos vários membros de uma rede, elemento que potencializava a ação tanto do grupo
quanto de seus indivíduos a todo instante” 939
. Desta forma a obtenção e a utilização de
informações importantes eram fundamentais para a consolidação de estratégias, como
veremos adiante. De modo complementar, a capacidade de nomear e prover pessoas
para os mais variados ofícios se convertia não só em uma importante ferramenta para

938
Não contabilizamos nesta tabela seis correspondências por não apresentarem informações que
possibilitassem a identificação geográfica, deste modo nossa opção visa explicitar a amostra real que
utilizamos na análise e na elaboração desta tabela.
939
GOUVÊA, Maria de Fátima. Op. cit. p. 167.
291
exercício de influência, mas também propiciava a formação de vínculos de
subordinação que poderiam ser acionados para interferir no cenário político
estabelecido. Esta prática foi entendida por Hespanha e Xavier como uma estratégia de
valorização social e política, que expressa bem os traços daquilo que é
apresentado, na época moderna, como reputação. Estratégia que
comanda, por um lado, a escolha dos bem a dar (estes devem ser, de
preferência, duráveis, para sustentarem temporariamente a obrigação,
e, por outro, supõe que, além de se cultivar a relação de reciprocidade,
de modo a prolongar a retribuição interminavelmente, se invista na
composição de uma dada reputação.940

Outro fator que auxilia a compreensão do governo de D. Vasco Mascarenhas é o


caráter particularmente alargado de seus poderes. Como vemos em sua carta patente,
uma vez que não recebeu um regimento próprio, suas funções nas esferas de Justiça941 e
Fazenda942 lhe conferiam uma grande margem de autonomia. Portanto, a diferenciação
conferida pelo título de vice-rei vinha acompanhada de maior autonomia para governar
em nome do rei, como se recomendava aos oficiais que vissem a carta patente:
“cumprais e façais inteiramente com aquela diligencia e cuidado que de vos espero e
943
como o fizeres se por mim em pessoa” . Em uma sociedade tão ciosa de suas
diferenças estamentais, o reforço simbólico conferido nessa delegação de poderes ao
representante do Rei na América, conferia uma autoridade superior ao vice-rei e o
distinguia dos outros governadores-gerais.

940
XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antônio Manuel. Op. cit. p. 345.
941
A delegação de grande margem de autonomia se deve a superioridade hierárquica do título de vice-rei,
inclusive respeitando o modelo diferenciado de carta patente que o 1º. Vice-rei do Estado do Brasil
Recebeu. Cf. IAN/TT. Chancelarias Régias. D. Felipe III. Livro 28. fl. 297 – 298. No caso das
competências de justiça, recebia autonomia para “em todos os casos assim crimes como cíveis até morte
natural inclusive poderá usar inteiramente e se darão a execução suas ordens e manda dos sem deles haver
mais apelação nem agravo e sem tirar nem excetuar pessoa alguma em que dito caso poder e alçada se
não entenda porque sobre todos e cada um deles usara do dito poder e alçada confiando dele que em tudo
fará o que com justiça e Razão deve fazer conforme a minhas ordenações” IAN/TT. Chancelarias Régias.
D. Afonso VI. Livro 25, fl. 124v – 126.
942
Essa questão na carta patente nos auxilia a compreender diversas medidas adotadas pelo Conde de
Óbidos, e sobretudo, a sua estreita relação com os provedores das Fazenda. Na delegação de poderes está
expresso que: “lhe dou poder que nas coisas de minha fazenda, [para que] ele ordene e faça o que houver
mais por meu serviço e mando aos ministros oficiais de minha fazenda que tudo o que por ele lhes for de
minha parte mandado acerca de minha Fazenda, gastos e despesas dela e em todas as outras que a ela
tocarem o cumprais inteiramente porque para tudo lhe dou inteiro poder e superioridade e outrossim lhe
dou poder.” IAN/TT. Chancelarias Régias. D. Afonso VI. Livro 25, fl. 124v – 126.
943
IAN/TT. Chancelarias Régias. D. Afonso VI. Livro 25, fl. 124v – 126. Em que se pesem as muitas
diferenças existentes entre os vice-reinos da América Espanhola e o governo-geral da América
Portuguesa, a patente de vice-rei conferia ao fidalgo que exercia o governo uma grande distinção
simbólica de representar a própria figura régia. Isso já foi largamente explorado pela historiografia:
CAÑEQUE, Alejandro. The king‟s living image: The Culture and Politics of Viceregal Power in Colonial
México. Routledge, 2004; RODRÍGUEZ, Manuel Rivero. La edad de oro de los virreyes: El virreinato
em la Monarquía Hispánica durante los siglos XVI e XVII. Madrid: Ediciones Akal, 2011.
292
Portanto, a partir destas dinâmicas gerais identificamos um grupo de indivíduos
que estavam vinculados ou se vincularam ao conde de Óbidos durante o período do seu
governo do Estado do Brasil. A fim de explorar de modo mais especifico o
funcionamento dessa rede de pessoas e os tipos de vínculos que foram estabelecidos
com o vice-rei, optamos por analisar os elementos separadamente, por capitania, uma
vez que isso nos permite apreender com maior clareza a dinâmica dessas relações. A
seguir exploremos os vínculos mais evidentes da rede governativa do Conde de Óbidos
nas capitanias do Rio de Janeiro, São Vicente, Pernambuco e Bahia.

2. Rio de Janeiro

Na capitania do Rio de Janeiro, D. Vasco Mascarenhas tratou de estabelecer


contato frequente com os principais oficiais que poderiam intermediar seus interesses: o
governador da capitania e o provedor da Fazenda Real. Além disso, é importante
observar que a relação com esses oficiais viabilizou a inserção de outras pessoas ligadas
de ao vice-rei nas terras fluminenses944.
Pedro de Mello, governador do Rio de Janeiro945, foi o principal interlocutor de
Óbidos no Estado do Brasil, recebendo 37 cartas durante o período em que governou o
Rio de Janeiro946. Aparentemente não havia uma relação prévia entre ambos, mas
sabemos que tanto Pedro de Mello quanto D. Pedro Mascarenhas serviram como
mestres de campo no Alentejo no mesmo período947. A relação construída no Estado do
Brasil entre o Conde de Óbidos e Pedro de Mello foi marcada por constantes trocas de
favores, como envio de “criados” e “encomendados”, além de cooperação entre as
ambas as partes em diversas situações. Outro traço marcante desta relação foi a
circulação de notícias do sobre acontecimentos do reino e das conjunturas do império

944
Em sua tese de doutorado, Érica Lôpo de Araújo, apontou algumas das relações que abordaremos
nesse tópico. Embora a autora não tivesse por objetivo reconstruir a rede de oficiais do Conde de Óbidos,
conseguiu perceber de modo preliminar como alguns indivíduos que atuavam na capitania se vincularam
ao vice-rei. Cf. ARAÚJO, Érica Lôpo. Práticas políticas e governação no Império Português: O caso de
D. Vasco de Mascarenhas (1626-1678) Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2016. p.
198-202.
945
01/07/1661. IAN/TT. Chancelaria Régias: D. Afonso VI. Livro 27, fl. 298-298v
946
Pedro de Mello foi substituído no governo do Rio de Janeiro, por D. Pedro Mascarenhas, irmão de D.
Vasco Mascarenhas. Não sabemos a data certa que tomou posse do governo, mas em maio de 1666 já
ocupava o cargo.
947
IAN/TT. Conselho de Guerra, Consultas, 1661, maço 21, “Relação dos Officiais, e Soldados da
Infantaria e Cauallaria deste Ex[érci]to que se acha effectiua, Conforme consta dos roes de Lista da ultima
m[ost]ra, que se lhes passou na maneira seguinte”. Apud. Disponível em:
https://guerradarestauracao.wordpress.com/2011/01/30/efectivos-do-exercito-da-provincia-do-alentejo-
em-setembro-de-1661-parte-1-a-infantaria/ Acessado em : 13/12/2017.
293
também tiveram presença marcante na correspondência de ambos 948. A forma pela qual
D. Vasco Mascarenhas buscou reforçar a aproximação do Pedro Mello foi se valendo da
retórica do desterro, indicando que o período no Brasil seria um martírio para ambos,
mas que a amizade atenuaria esse sentimento949. De modo geral o Vice-rei assinava
essas cartas se dizendo “Maior servidor de Vossa Senhoria”, o que servia para demarcar
a relação estabelecida. Neste ponto, se recordamos a análise de Pedro Cardim sobre a
forma como a amizade no Antigo Regime moldava as relações entre os nobres, veremos
que haviam “práticas mais ou menos ritualizadas, como era o caso da troca de
correspondência, da dedicatória de um livro a um amigo, do sofrimento em conjunto ou
do choro ao lado de um amigo”950, sendo que a partir desta natureza afetuosa se
consolidavam vínculos de lealdade e confiança, necessários para as articulações que
envolviam as tramas que permeavam a governação.
A relação de D. Vasco Mascarenhas com o Provedor da Fazenda do Rio de
Janeiro também merece destaque. Diogo Carneiro Fontoura era cavaleiro da ordem de
Cristo e havia servido na Casa Real como moço do guarda roupa e escrivão da
cozinha951. Foi nomeado por patente régia na serventia de Provedor da Fazenda do Rio
de Janeiro, exercendo por extensão a função de Administrador das Minas de Paranaguá
com jurisdição para realizar as cobranças dos quintos952. Não conseguimos precisar o
grau da relação entre o Conde de Óbidos e Diogo Carneiro Fontoura antes de ocuparem

948
Como ambos tinham muitos interesses na corte, a circulação de notícias era fundamental. Como vemos
na carta de 07/04/1664, naqual D. Vasco Mascarenhas resume as principais noticias que poderiam
interessar ao governador do Rio de Janeiro: “As [noticias] que dão os navios que agora chegaram, além
das que os da frota trouxeram, são ficarem concluídos os casamentos Del-Rei meu Senhor, e Sereníssimo
Infante em França: haverem chegado no Galeão Luis quatrocentos fidalgos daquela Corôa, a servir
publicamente a de Portugal contra Castela: ser falsa a noticia que aqui andava da Ilha da Madeira estar
tocada de peste; e certa a da morte do Conde de Soure, e Duqueza do Cadaval” DHBN, Vol.VI, p. 30-31.
949
“Nenhum encarecimento dos com que me significa seus afetos iguala a segurança que deles tenho;
nem eu fico devedor a V. Sa. no alívio de me ter no Brasil para o servir, achando-se V. Sa. nele tão
enganado; porque com eu o conhecer o não conheci quando cheguei, e ter a V.Sa. por companheiro nesta
vida de desterrados, faz ser menor o desterro.” 07/04/1664. DHBN, Vol.VI, p. 30-31.
950 CARDIM, Pedro. “Amor e amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII.” Lusitania sacra, 2ª.
série. n°.11. 1999. p. 42.
951
Recebeu a carta de Escrivão de Compras da Cozinha da Casa real em 07/09/1659. Inventário dos
Livros de Matricula dos Moradores da Casa Real. Vol. II. (1640-1744). Lisboa: Imprensa Nacional,
1917. p. 273. Sua esposa D. Catarina de Fontoura também exerceu cargos na casa da Rainha. 25/01/1663.
AHU_ACL_CU_017-01, Cx.5, D. 930. Pleiteou sem sucesso outros ofícios na casa real como Porteiro da
Câmara do paço e Tenente da Guarda.
952
09/04/1663. DHBN Vol. XXI, p. 343-345; 12/04/1663. DHBN Vol. XXI, p.345-347. A mineração na
região de Paranaguá não se mostrou nada produtiva, de acordo com as estimativas de Virgílio Noya Pinto
“a flutuação da produção mineira da região Sul, englobando Paranaguá, Curitiba, Iguape, Cananéia e São
Paulo: de 1680-97, 50 a 80 kg anuais; entre 1697-1735 a produção declinou paulatinamente,
permanecendo durante o século XVIII num nível cuja média atingiria, no máximo, 20 a 30 kg anuais”.
PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. Uma contribuição aos estudos
da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Ed. Naciona; Brasília, INL. 1979. p. 51.
294
seus ofícios no Estado do Brasil, mas é certo que se conheciam pelos ofícios que
tiveram na casa real em 1659953. Isso fica explicito em uma carta de recomendação que
o vice-rei remeteu a Pedro de Mello, governador do Rio de Janeiro, ressaltando que
estimava “a pessoa de Diogo Carneiro Fontoura assim pelo merecimento de suas partes,
como pela lembrança que a sua assistência vizinhou com minha no serviço del-Rei meu
Senhor, e as experiências de seu procedimento no Paço”954. É provável que contato no
Estado do Brasil tenha reforçado e aprofundado essas relações, uma vez que em várias
cartas o Vice-rei assinaria se declarando “Compadre e Amigo”.
No primeiro conjunto de cartas enviadas ao governador e ao Provedor da
Fazenda do Rio de Janeiro, entre Outubro e Novembro de 1663, o vice-rei fez diversas
recomendações e pedidos específicos a esses oficiais. Ao governador Pedro de Mello, o
conde de Óbidos recomendou algumas pessoas como o próprio Diogo Carneiro
Fontoura, indicando que “ele sabe fazer-se amável sem recomendações que o abonem”
955
; o desembargador Agostinho Azevedo Monteiro, mencionado como criado que foi
do Monteiro-mor956; e seu sobrinho Manuel Lopes de Leão, curiosamente retratado
como “duas vezes afilhado meu: a primeira para o batismo, a 2.a agora para a
957
conveniência” . Neste último caso D. Vasco Mascarenhas é muito direto, indicando
que desejava o favorecimento e a proteção de seu sobrinho:
Todo o bom sucesso lhe desejo: o para lh'o dispor com a felicidade o
envio á sombra de V. Sa. Vai provido nos Ofícios de Escrivão da
Fazenda Real e Cunho da Moeda. Espero saiba acertar em ambos,
para assentar melhor na minha intercessão todo o favor que V. Sa. lhe
fizer: e eu estimarei muito como se deixa inferir das circunstâncias
que me obrigam a esta recomendação.” 958

As cartas endereçadas ao Provedor da Fazenda do Rio de Janeiro são marcadas


por uma retórica cortesã, com votos de que a saúde de Diogo Carneiro Fontoura se
acomodasse ao clima do Rio de Janeiro, “ainda que a vida se não acomode á ocupação
porque é certo que a diferença dela há de fazer mui estranha a habitação do Brasil entre

953
Como indicamos anteriormente, Óbidos havia ocupado os ofícios de Gentil Homem da Câmara e
Estribeiro-mor, dois dos principais ofícios da hierarquia da Casa Real.
954
18/10/1663. DHBN, Vol.XXXIII, p. 321.
955
18/10/1663. DHBN, Vol.XXXIII, p. 321.
956
20/10/1663. DHBN, Vol.V, p. 204. Stuart Schwartz descreve a trajetória de enriquecimento desde
desembargador, atentando para os abusos de poder por ele perpetrados para aumentar sua fazenda. Cf.
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o tribunal superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751. Tradução Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 267.
957
Grifo nosso. 18/10/1663. DHBN, Vol. V, p. 205.
958
Grifo nosso. 18/10/1663. DHBN, Vol. V, p. 205.
295
as memórias da Corte, e as saudades da pousada, sem a qual nada contenta” 959
. Esses
elementos eram invocados na correspondência com a finalidade aproximar os
interlocutores, reforçando os vínculos existentes, de modo que ao final da carta D.
Vasco Mascarenhas empregava a disponibilidade de sua pessoa nos moldes da amizade
desigual aristotélica960: “se oferecer coisa que para a conveniência de Vossa Mercê
dependa de algum modo do Vice-Rei, ou desejo do Conde de Óbidos, suponha Vossa
Mercê que a sua vontade há de experimentar sempre nos efeitos qual é a que eu tenho
de o servir: porque vivo mui lembrado das assistências do País”961. É interessante notar
como D. Vasco Mascarenhas apresentava uma distinção entre a posição de poder que
ocupava (Vice-rei) e a sua figura no cenário nobiliárquico português (Conde de
Óbidos). Com isso ele colocava a disposição do interlocutor tanto a sua autoridade
superior no Estado do Brasil quanto às relações e vínculos ultramarinos que construiu
ao longo de sua trajetória. Como vemos esse tipo de oferta não feito de modo
desinteressado, ao contrário, envolvia o interlocutor em uma sutil espiral de
subordinação. Em uma missiva subseqüente o Vice-rei não hesitou em pedir a Diogo
Carneiro que cooperasse com o Capitão Manuel da Costa Munis, descrevendo-o como
“criado de que faço estimação”, informado que pretendia nomear este na serventia de
Provedor da Alfândega962.
A constante interação e a troca de favores entre o vice-rei e estes oficiais no Rio
de Janeiro produziu interferências nas dinâmicas locais e nos equilíbrios de poder
estabelecidos. Nesse sentido, a coordenação de esforços entre esses vários atores
revelam algumas formas utilizadas para construir a conciliação de interesses entre essas
partes. Exemplo disso foi o esforço para retardar o julgamento de Dom Gabriel Garces y
Gralha, capitão da tropa paga do Rio de Janeiro que havia sido preso e enviado a
Salvador963. Enquanto o capitão estava suspenso o Conde de Óbidos aproveitou a
vacância de seu posto para prover João Vieira de Morais964. Pedro de Mello recebeu o

959
15/10/1663. DHBN, Vol. V, p.202.
960
Cf. XAVIER, Ãngela Barreto; HESPANHA, Antônio Manuel. Op. cit. 1998. p. 340.
961
Grifo nosso. 15/10/1663. DHBN, Vol. V, p.202.
962
O provimento não se efetivou pelo oficio de Provedor da Alfandega estar agregado ao de Provedor da
Fazenda: “A esta hora tive noticia que andava unido ao da Fazenda: e pode V. M. segurar-se que não
podia ser pecaminosa uma vontade, cujo efeito fora aumentar a V. M. grandes jurisdições. A provisão
recolha V. M. logo ainda que o provido tenha tomado posse”. 23/11/1163. DHBN. Vol.VI, p. 3.
963
16/02/1663. AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 6. D. 976
964
26/11/1663. DHBN. Vol. XXI, p. 232-234. Tomou posse no Rio de Janeiro em 17 de Janeiro de 1664.
AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 6. D. 977. Na lista de serviços de João Vieira de Morais constava que havia
servido na Índia em 1653, ano em que Óbidos ainda estava na posse daquele governo. Cf.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2173
296
agradecimento do Vice-rei alguns meses depois, assim como a indicação de que o
processo de Dom Gabriel permanecia inerte: “Muito agradeço a V. Sa. o favor que se
serviu fazer ao Capitão João Vieira. O desembargo dos embargos, com que lhe veio
Dom Gabriel, está no seu mesmo impedimento” 965
. Possivelmente Pedro de Mello
tinha desafetos com Dom Gabriel, visto suas manifestações nos “Autos do agravo” no
qual o referido capitão intentava embargar a patente de João Vieira de Moraes 966.
Contudo, meses depois, a decisão tomada no Conselho Ultramarino ordenava a
restituição de D. Gabriel ao seu posto, o que foi visto como uma intromissão dos
conselheiros, como D. Vasco Mascarenhas fez questão de ressaltar a Pedro de Mello:
recebi a [carta] que me deu o Capitão João Vieira de Moraes, de cuja
privação, e provimento do agravo, de que V. Sa. me dá conta, me não
espanto; porque todas as ações deste governo são hoje mui odiosas ao
Conselho Ultramarino. Obedecer aos acertos de seus Ministros é o que
hoje só convém para El-Rei meu Sr. ser bem servido967.

Com o Provedor Diogo Carneiro Fontoura o vice-rei continuou tratando de


assuntos particulares, tanto intermediando a comunicação deste com o reino968, quanto o
encarregando de cuidar de interesses e negócios que estavam sob sua jurisdição. Este
ponto específico é um tema recorrente nas correspondências e merece a nossa atenção.
Após ser nomeado para governo do Estado do Brasil D. Vasco Mascarenhas obteve para
sua esposa D. Joana de Mascarenhas uma mercê de 400.000 réis anuais nas rendas do
Brasil, com o direito a “nomear para que lhe sejam pagos enquanto servir o dito cargo, e
não constar que lhe estão consignados noutra parte” 969
. Não dispomos dos detalhes ou
de relações pormenorizadas sobre como se efetivaram essas cobranças970, mas as cartas
enviadas a Diogo Carneiro e aos provedores da Fazenda de São Vicente e
Pernambuco971, sugerem que os valores eram coletados nas sobras dos rendimentos
dessas capitanias, o que explica o interesse tão explícito do Conde de Óbidos nos

965
07/04/1664. DHBN, Vol.VI, p. 24.
966
“Autos do agravo que interpusera o capitão D. Gabriel Garcez y Gralha no processo de embargos a
patente do Capitão João Vieira de Moraes”. AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 6. D. 1018.
967
20/05/1665. DHBN, Vol.VI, p. 56-57.
968
O Conde de Óbidos se comprometia a encaminhar as cartas de Diogo Carneiro para sua esposa no
reino: “A [carta] que vem para minha comadre remeterei na primeira ocasião com o cuidado e
recomendação que Vossa Mercê me faz.” 08/09/1664. DHBN, Vol.VI, p. 42.
969
13/10/1663. DHBN. Vol. XXI, p.276-278
970
Contudo, dispomos de uma relação sobre os valores remetidos anualmente de 1663 até 1669. Ainda
que se indique que os valores remetidos foram lançados integralmente nos dízimos da Bahia: “Estes mil
cruzados se lançaram na folha secular desta Capitania para por ella ser pago o dito Conde na renda dos
Dízimos desta Bahia desde 17 de Outubro de 663 em diante etc.” 17/10/1663. DHBN. Vol. XXI, p. 278
971
As referências a cobrança da propina na correspondência com esses oficiais é menos frequente, mas
ainda assim é presente, como indicaremos adiante.
297
valores dos dízimos nessas capitanias. Em carta ao provedor da Fazenda do Rio de
Janeiro, o vice-rei dava instruções sobre como pretendia que os valores da propina972
fossem remetidos ao reino, declarando a preferência pelo pagamento em ouro:
Chegou o correio dos dízimos, e não foi pouca dita da Fazenda Real
haver quem neles lançasse. Muito se deve ao cuidado com que V. M, a
trata. As propinas não são más em açúcar: mas muito melhor as
estimarei em ouro. Particular gosto me dará V. M. se nesta espécie as
remeter á Condessa, levando as ausências, em outra parte a meus
procuradores para lh'o enviarem973.

A correspondência de D. Vasco Mascarenhas com o Provedor da Fazenda do


Rio de Janeiro continuaria a incidir na questão da forma como se efetuariam as remessas
da propina. Em junho de 1665 o vice-rei recomendava os cuidados referentes ao envio:
“na primeira ocasião que se ofereça para Portugal remeta a minha propina no gênero
que lhe parecer dará mais utilidade á Condessa: e em caso que haja duas embarcações
974
divida o risco em ambas” . Em dezembro do mesmo ano D. Vasco Mascarenhas
reconhecia o cuidado e a diligência com que Diogo Carneiro vinha tratando a
questão975, e entre outros assuntos ao requisitava ao provedor o envio de barris de azeite
para carenagem das embarcações na Bahia. E aproveitando o espaço da carta,
manifestava mais uma vez seu desejo de receber os valores da propina em ouro976,
indicando que se valeria da partida de seu primo para conduzir o montante cobrado ao
reino: “Tendo Vossa Mercê cobrado o ouro da propina e oferecendo-se ocasião para
este porto que é certo a haverá com os azeites, m'o envie Vossa Mercê porque terei
melhor embarcação para o remeter na nau Pópulo em que há de ir meu primo ou na
capitanea da junta”977. Deste modo fica evidente como o Conde de Óbidos atuava no
interior da administração para viabilizar as melhores condições para os seus interesses
particulares.
A atuação do Vice-rei em algumas situações era feita por solicitação destes
oficiais, visando causar interferência em determinados processos. Aparentemente isto

972
Na definição apresentada por D. Raphael Bluteau: “Em Portugal se dão propinas aos officiaes da Casa
Real, aos Tribunaes, ao Reytor, Cancellario, Lentes, Licenciado, Bedeis &c da Universidade. BLUTEAU,
D. Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Vol. VI. Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712. p.780-781. (CD-ROM)
973
Grifo nosso. 15/05/1665. DHBN, Vol.VI, p. 51-52.
974
22/06/1665. DHBN, Vol.VI, p. 59-60.
975
“vejo o cuidado com que V. M. ficava sobre me remeter as propinas em nada que toque a minha
conveniência sei eu que V. M. perderá instante de obrigar-me.” 18/12/1665. DHBN, Vol.VI,p. 62-63.
976
Em sua última carta endereçada a Diogo Carneiro Fontoura vemos que o anseio de receber a propina
em ouro não poderia ser satisfeito em razão da escassez do metal na praça fluminense. 29/03/1666.
DHBN, Vol.VI, p. 71-72.
977
18/12/1665. DHBN, Vol.VI, p. 62-63.
298
ocorreu no caso de Manuel Cardoso Leitão978, que pretendia ocupar a serventia do
ofício de tabelião do 3º Ofício. O concorrente de Leitão, Manuel Carvalho de Soares
havia recebido o provimento da serventia pelo Governador do Rio de Janeiro979. A carta
do Conde de Óbidos sugere que Pedro de Melo havia solicitado a sua intervenção neste
processo, pois como vice-rei relatava: “Quando não fora tão justificado o requerimento
de Manuel Cardoso Leitão bastava a resolução que Vossa Senhoria havia tomado para
eu a seguir pelo maior acerto. Eu o despachei muito conforme ao que Vossa Senhora
havia disposto”980. Neste caso é muito provável que a requisição do governador do Rio
de Janeiro versasse sobre o endosso de D. Vasco Mascarenhas ao provimento que havia
realizado, ou ao menos, que o vice-rei não apresentasse parecer favorável ao pedido de
Manuel Cardoso Leitão quando escrevesse para o Conselho Ultramarino. Essas práticas
criavam dinâmicas de obstrução e exclusão de indivíduos. Observamos uma situação
semelhante na correspondência com o Provedor da Fazenda. O provedor da Fazenda
alertou o vice-rei sobre um individuo que almejava ingressar no serviço de D. Pedro
Mascarenhas981, irmão do vice-rei que viria ocupar o governo no Rio de Janeiro. A
representação surtiu efeito, uma vez que o Conde de Óbidos fez questão de advertir seu
irmão sobre os motivos que tinha para não aceitar os serviços do capitão Rafael do Rego
Barbosa:
Na outra [carta] vos adverti das muitas razões por que convinha não
admitires a vosso lado, e serviço a pessoa de Rafael do Rego Barbosa.
Agora vos recomendo o mesmo: e para que juridicamente vos constem
seus procedimentos vos envio com esta cópia da sentença, que se lhe
deu na Relação deste Estado, a qual o inabilita bastantemente de
qualquer Governador lhe pôr os olhos982.

Não sabemos muito sobre as motivações que levaram a obstrução desse oficial,
mas temos indícios de que este cultivava diversos adversários na capitania do Rio de

978
De acordo com Deoclécio Leite Macedo, após o falecimento de Gaspar de Carvalho Soares, tabelião
proprietário do ofício, “surgiu a disputa entre Manuel de Carvalho Soares e Manuel Cardoso Leitão sobre
a sucessão no ofício”, mesmo obtendo alguns votos favoráveis no Conselho Ultramarino a não conseguiu
a serventia nesse período, apenas em 1674. Cf. MACEDO, Dioclécio Leite. Tabeliães do Rio de Janeiro:
do 1º. Ao 4º. Ofício de Notas: 1656-1822. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p.108-111; Cf.
27/04/1665. AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 6. D. 1028.
979
Na “Relação dos lugares e ofícios de Justiça que havia na Capitania do Rio de Janeiro, no ano de
1664”, consta que Pedro de Mello havia provido a serventia em Manuel Carvalho de Soares, filho do
proprietário Gaspar Carvalho Soares. AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 6, D. 972.
980
07/04/1664. DHBN, Vol.VI, p. 37.
981
“Vejo quanto V. M. zela, e ama os acertos de Dom Pedro de Mascarenhas. Nem merecem os menos
afecto que esse a V. M. por todos os respeitos que V. M. me alega para a confiança de me advertir para
adverti-lo. O sujeito é aqui bem conhecido: e há culpas dele.” 29/03/1666. DHBN, Vol.VI, p. 71-72.
982
07/05/1666. DHBN, Vol.VI, 73-74.
299
Janeiro. Em 1663 o referido Rafael do Rego Barbosa enviou um pedido de licença ao
Conselho Ultramarino, solicitando permissão para passar ao reino com sua família,
alegando que havia sofrido tentativas de assassinato no Rio de Janeiro. No mesmo
pedido requisitava a autorização régia para executar a cobrança de algumas dívidas,
prometendo em troca um donativo de 2.000 cruzados, condicionados obviamente ao
recebimento da dívida983. Não conseguimos identificar qual era a natureza dos outros
motivos que Óbidos apresentou para inabilitar este oficial, sugerindo que havia sido
condenado no Tribunal da Relação, mas podemos supor que os mesmos inimigos que
tentaram o assassinar também atuaram de outras formas, o intermediando o seu
impedimento a fim de impedir o seu retorno à capitania sob a proteção de um novo
governador. Articulações como esta, voltadas à obstrução, envolviam uma cadeia de
oficiais em diversos níveis da hierarquia político-administrativa do Estado do Brasil, e
em última medida nos revelam práticas e mecanismos de atuação política interpessoal
na qual interesses particulares, por vezes, moldavam decisões da governação.

3. São Vicente

Na capitania Vicentina os interesses de Óbidos foram majoritariamente


associados à provedoria da Fazenda. Pouco tempo depois de tomar posse no Estado do
Brasil, o vice-rei proveu a serventia de Provedor da Fazenda de São Vicente em Manuel
Nunes Figueira, que servia em Salvador como Almoxarife de Armas e Mantimentos984.
Ao enviar o oficial para as terras vicentinas D. Vasco Mascarenhas tratou de assegurar a
cooperação dos oficiais das Câmaras de São Paulo e São Vicente, pedindo a estes que
“o ajudem em tudo o que se oferecer para melhor disposição de seu exercício, e tenham
entendido que toda a boa correspondência, que com ele tiver esse Senado, será motivo
985
de favor que em mim acharão mui certo” . Uma recomendação semelhante foi
enviada ao Capitão-mor Cipriano Tavares, porém esta deixava claro que as ações
praticadas com o Provedor da Fazenda seriam relatadas pelo mesmo ao Conde de
Óbidos, o que tanto visava indicar para o oficial de governo que Manuel Nunes Figueira

983
Sua permissão para ir ao reino foi concedida, mas o seu pedido de execução das dívidas foi visto como
prejudicial às outras partes, e portanto, indeferido. 22/10/1663. AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 5, D. 958.
984
17/10/1663. DHBN, Vol.XXI, p. 209. A referência sobre sua atuação como Almoxarife em Salvador
está em uma provisão de Óbidos, na qual concedeu a permissão ao seu filho, Fernão Nunes Figueira, para
atuar como procurador de seu pai, prestando contas a câmara de Salvador e a Fazenda Real da Bahia
sobre como havia despedido a farinha no sustento dos soldados. 05/11/1663. DHBN, Vol.XXI, p. 211.
985
Grifo nosso. Carta para Oficiais da Câmara da Vila de São Vicente. 11/12/1663. DHBN, Vol. VI, p. 4;
Carta para os Oficiais da Câmara da Vila de São Paulo. 11/12/1663. DHBN, Vol. VI, p. 4-5.
300
representava interesses do próprio vice-rei, quanto reforçar a dinâmica de tutela mútua
que existia entre os ofícios de governo e fazenda:
Pela honrada opinião que tenho de Manuel Nunes Figueira, e desejar
muito favorecê-lo, o envio por Provedor da Fazenda Real dessa
Capitania. Vossa Mercê lhe dê logo a posse, e o ajude em tudo, de
maneira que conheça eu nos efeitos que demais de Vossa Mercê
atender nisso ás obrigações do serviço Del-Rei meu Senhor em tudo o
que tocar ao exercício da sua ocupação, obra o que deve á
recomendação desta carta. E folgarei me dê ele conta do que lhe
resultou de levá-la; pois por se ter entendido a escrevi a Vossa Mercê
achara a mesma correspondência em todos.986

Estas cartas nos apontam como se estruturavam formas para assegurar a


introdução e a garantia dos oficiais que cuidavam dos interesses do vice-rei sem
interferências, seja pela sinalização de recompensa pela cooperação, seja pela
insinuação de uma sanção no caso da não observância da recomendação.
A relação entre Óbidos e Manuel Nunes Figueira não é explicitada com clareza
nas correspondências. Mas se reunirmos os fragmentos de informações dispersos tantos
nas correspondências quanto nas portarias e provisões conseguimos identificar os
contornos dessa relação. Sabemos que ao nomear este oficial o vice-rei tratou de
assegurar que tivesse jurisdição para efetuar o cunho das moedas em São Vicente 987 e
chegou a lhe conceder prerrogativas sobre a administração das minas de Paranaguá988,
mas revogou esses poderes ao ser informado que lesava a jurisdição de Diogo Carneiro
Fontoura, Provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, com quem D. Vasco Mascarenhas
cultivava uma relação de maior proximidade989. Em setembro de 1664 Manuel Nunes

986
Grifo nosso. 11/12/1663. DHBN, Vol. VI, p. 6.
987
É interessante observar que D. Vasco Mascarenhas buscou reforçar a concessão desta prerrogativa
invocando exemplos de governos anteriores para legitimar sua prática: “Hei per bem. e mando que sem
embargo do dito Regimento não falar expressamente com o dito Manuel Nunes Figueira seja ele quem o
guarde assim e da maneira que o deverá fazer se atualmente fosse Provedor seguindo o exemplo que ali
houve de Diogo Lopes de Faria a quem Antônio Teles da Silva sendo Governador e Capitão Geral deste
Estado mandou com a mesma Comissão do Cunho áquela Capitania sem embargo de não ser de não ser
Provedor da Fazenda Real dela, e ocupar o dito cargo outra pessoa”.14/12/1663, DHBN. Vol. XXI, p.
254-255.
988
“Registro da Provisão que se passou pelo Senhor Vice-Rei para Manuel Nunes Figueira fazer as
diligencias nela contendas sobre os quintos do ouro de São Paulo como Provedor deles em que vai
provido.”15/12/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 256-259.
989
Em 03/09/1664 o vice-rei suspendeu essas prerrogativas “Todas as provisões que V. M. levou minhas
tocantes ás Minas dessas Capitanias (que passei por não entender prejudicaram ao cargo de Provedor da
Fazenda Real do Rio de Janeiro) ficam por esta causa sem vigor algum. V. M. não use mais delas: nem
exerça ato algum de jurisdição que de algum modo toque as mesmas provisões. E esta ordem se for
necessário se registará donde tocar.” 03/09/1664. DHBN, Vol.VI, p. 44-45.
301
teve a sua serventia no ofício renovada por mais dois anos990, em resposta a solicitação
do mesmo pelo prazo de seu primeiro provimento ter expirado.
A natureza da relação deste oficial com o Conde de Óbidos se tornava mais clara
após o seu falecimento em 1666. O vice-rei comunicou o que o oficial falecido atuava
como seu procurador na capitania, tanto ao novo Capitão-mor Agostinho Figueiredo,
quanto ao sucessor do Provedor da Fazenda. Nestas cartas D. Vasco Mascarenhas
indicava que ao capitão-mor que oficial falecido era “quem tinha encarregado ai meus
particulares” 991, ao passo que para André Gois de Siqueira, nomeado como sucessor no
ofício de Provedor da Fazenda992, o vice-rei detalhou um pouco mais afirmando que o
antigo provedor atuava como seu procurador, administrando o cabedal que possuía na
capitania:
Nessas vilas está bastante cabedal meu: era nelas meu procurador
Manuel Nunes. A pessoa que agora nomeio e encomendo muito
particularmente a Vossa Mercê para que em tudo o que depender de
seu favor, e diligencia a cobrança, e seguimento de minhas ordens,
Vossa Mercê o assista com todo o cuidado. (...) A pessoa nomeada é
João Soares Consciência que nesse Patacho foi. E o hei por mui
recomendado, e encarregado a V. M. para que lhe deva todo o bom
efeito e diligencia com que lhe der expediente em todos os meus
particulares.993

Sobre este procurador, João Soares Consciência, não encontramos nenhum


detalhe que indicasse a natureza de sua relação com o vice-rei. O que chama atenção
neste caso não é só o fato de D. Vasco ter investimentos na capitania vicentina, mas que
optou por não legar a responsabilidade outrora conferida a Manuel Nunes aos oficiais
superiores da capitania. Optou por nomear alguém que fosse de sua confiança. Esta
atitude nos indica que toda a atuação do provedor falecido não fora meramente um
desdobramento da posição que ocupava, isto é, a opção de transferir a responsabilidade
pelos seus negócios para um indivíduo que não fazia parte da hierarquia administrativa
da capitania.

4. Pernambuco

As ações de D. Vasco Mascarenhas nas capitanias do Norte esbarraram em


conjunturas muito diferentes da receptividade que encontrou nas capitanias do Sul.

990
06/09/1664. DHBN, Vol. XXI, p. 438-439.
991
29/03/1666. DHBN, Vol.VI, p. 68-69.
992
30/03/1666. DHBN, Vol. XXII, p. 240-241.
993
29/03/1666. DHBN, Vol.VI, p. 70.
302
Inicialmente o vice-rei encontrou alguma relutância Francisco de Brito Freire,
governador de Pernambuco, que tentava conservar as prerrogativas de seus
antecessores, mas a persistência incisiva do Conde de Óbidos construiu uma relação de
reciprocidade que aos poucos se converteu em nomeações e troca de favores. Com a
chegada de Jerônimo de Mendonça Furtado como sucessor no governo pernambucano
as relações com a capitania sofreram alterações, visto que o novo governador
manifestava resistência em conceder espaço de atuação ao conde de Óbidos, tratando
suas requisições com uma ironia barroca muito singular.
Antes de analisar o desenvolvimento destas relações é preciso entender a
conjuntura que agravava as tensões na capitania. Transcorridos cerca dez anos desde a
retomada de Pernambuco dos neerlandeses, a reconstrução do sistema produtivo da
capitania ainda estava em um lento curso, que se via ainda mais refreado pelo peso
fiscal e pela diminuição do preço do açúcar. Somado a esse quadro ainda houve uma
epidemia de varíola que provavelmente teve um alto índice de mortalidade. Além disso,
as contribuições do donativo do casamento da infanta D. Catarina e da paz de Holanda
oneravam os moradores de Pernambuco, que encaravam o tributo como uma afronta ao
à restauração obtida “a custa de vidas, sangue e fazendas” 994
. Este cenário reunia
elementos suficientes para acirrar disputas e cultivar tensões entre os moradores e os
oficiais régios. No entanto, o processo de centralização administrativo empreendido a
partir do governo de D. Vasco Mascarenhas, através de medidas que visavam um
reordenamento territorial das jurisdições, fracionou ainda mais os grupos locais que
buscavam alcançar, a partir dessas disputas, condições de maior autonomia995. Foi neste
cenário que o Conde de Óbidos teceu algumas das redes que permearam e se
confundiram com os interesses de seu governo.
Francisco de Brito Freire fora nomeado pela rainha regente como governador de
Pernambuco e tomou posse em 1661, mas já possuía experiência anterior na capitania
tendo atuado na frota de Pedro Jaques de Magalhães, que bloqueou o Recife no começo

994
Os estudos de Evaldo Cabral de Mello ainda são referências incontornáveis para entender essa
conjuntura. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. “A querela dos engenhos”. In: Olinda restaurada: Guerra e
açúcar no Nordeste, 1630-1654. 3ª edição. São Paulo: Editora 34, 2007. p.317-373; MELLO, Evaldo
Cabral de. “O agosto do Xumbergas”In: A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco,
1666-1715. 2.a. Edição revista. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 21-61.
995
Tratamos desta questão no Capítulo 2.
303
de 1654 e auxiliou no processo de capitulação dos holandeses996. Durante seu governo
empreendeu uma grande reforma defensiva na capitania, instituindo a cavalaria e
organizando as milícias auxiliares e de ordenança997. Francisco de Brito Freire foi um
dos principais interlocutores de Óbidos em Pernambuco, recebendo 23 cartas do vice-rei
entre 1663 e 1664.
Durante os primeiros meses de seu governo, D. Vasco Mascarenhas buscou
informações sobre os ofícios existentes, estilos de provimento praticados e vacâncias
existentes, tudo isso para viabilizar o controle sobre os futuros provimentos da
capitania. O conde de Óbidos questionou diversas ações de Francisco de Brito Freire,
sobretudo aquelas relacionadas à posse de oficiais e provimento de serventias.
Paulatinamente o vice-rei tratou de introduzir pessoas nos ofícios de Pernambuco, de
modo a reafirmar e reforçar a superioridade hierárquica de seu posto de governo.
Francisco de Brito Freire tentou sem muito sucesso justificar suas atitudes, com base no
“estilo que sempre se observou” 998
, mas a tenacidade de Óbidos para assegurar sua
autoridade fazia com que reforçasse a particularidade de seus poderes, ressaltando ao
governador: “El-Rei meu Senhor foi servido dar nova forma ao governo deste Estado, e
eu o venho restituir de tudo o que a variedade dos tempos lhe ocasionou ir perdendo”. A
afirmação era uma alusão as mudanças introduzidas na capitania no post bellum, que
conferiram grande autonomia a Francisco Barreto para prover ofícios e distribuir terras
entre os restauradores da capitania999.

996
Cf. COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Vol. 3. (1635-1665). Recife: Arquivo Público
Estadual, 1952. p. 489. PRESTAGE, Edgar. D. Francisco Manuel de Mello: Esboço biographico.
Coimbra: Imprensa da Unviersidade, 1914. p. 271-272.
997
Cf. SILVA, Kalina Vanderlei. “Francisco de Brito Freyre e a reforma militar de Pernambuco no século
XVII”. In: POSSAMAI, Paulo (Org). Conquistar e defender: Portugal, países baixos e brasil. Estudos de
história militar na Idade Moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012
998
O governador de Pernambuco tentou justificar o “estilo” com base nos exemplos de autonomia que os
governadores de Pernambuco detinham durante o período da guerra contra os holandeses. 05/11/1663.
AUC, CA, Cod. 31, f. 99-100v. Em resposta a essa carta o Conde de Óbidos refutou os argumentos de
Brito Freire indicando que os “exemplos que Vossa Mercê me alega, são diversissímos do seu mesmo
intento e mal lhe podem fazer prova argumentos que o destroem, porque nem Vossa Mercê tem a
superintendência de Matias de Albuquerque, (cujas patentes por ocasião da que Vossa Mercê refere houve
El-Rei de Castela por inválidas, e o declarou sem embargo da superintendência, por subordinado ao
Senhor Diogo Luis de Oliveira), nem ocupou o posto de Mestre de Campo General como o Conde de
Banholo, Dom Luis de Rojas e Francisco Barreto, nem o de General da Armada da Companhia lhe pode
dar nesse lugar preeminência alguma das que com ele teve. E se André Vidal, a quem Vossa Mercê
sucedeu, obrou pelas influencias que Vossa Mercê sabe, teve naquele tempo a ação que Vossa Mercê
aponta é indigna de Vossa Mercê se valer de sua lembrança, assim pelo que toca ao posto, porque não foi
mais que Governador dessa única Capitania como pelo que toca a obediência, que devia a Francisco
Barreto, pois em os súditos que faltam a suas obrigações se resolvendo a negá-la, nem os mesmos Reis
têm a Coroa segura.” 05/12/1663. DHBN, Vol.IX, p. 133-137.
999
Analisamos as implicações dessa ação no Capítulo 2.
304
Uma das primeiras medidas nesse sentido foi a emissão do alvará que
determinava que todos os governadores de capitania e capitães-mores deveriam enviar
listas dos oficiais que serviam nas capitanias, indicando a condição (serventia ou
propriedade), definindo deste modo uma forma de controle através desses envios e dos
prazos de confirmação1000. Essa política foi essencial para que o Conde de Óbidos
tivesse conhecimento das vacâncias, e por consequência, identificasse brechas em que
pudesse nomear pessoas ligadas a sua pessoa.
Sendo assim, uma das primeiras pessoas enviadas à capitania foi Domingos
Antunes, provido como capitão no Terço de Antonio Dias Cardoso1001. Além deste
oficial também sabemos que o Conde de Óbidos proveu a serventia de escrivão de
escrivão da Alfândega em algum criado seu: “Vossa Mercê me pede para um criado seu
a serventia do Ofício de escrivão da Alfândega dessa Capitania: eu trouxe comigo outro
de merecimento a quem El-Rei meu Senhor fez mercê de um Alvará para Ofício de
fazenda, ou justiça: e quando recebi a carta de Vossa Mercê já o tinha provido nele” 1002.
Neste ponto é possível perceber como o vice-rei trava de estabelecer uma
relação de “reciprocidade assimétrica”, pois Francisco de Brito Freire realizou vários
pedidos ao Conde de Óbidos, e poucos destes foram efetivados, por outro lado o vice-
rei conseguiu com sucesso inserir diversas pessoas nas brechas propiciadas pelas
vacâncias. Em diversas ocasiões o governador de Pernambuco pediu intercessão a
Manuel Lopes1003, oficial a quem Brito Freire sustentava com suas próprias fazendas
pelo estado de pobreza1004. Provavelmente este foi o mesmo oficial que D. Vasco
Mascarenhas proveu, anos mais tarde, no terço do mestre de campo Nicolau Aranha1005.

1000
20/07/1663. AUC, CA, Cod. 31, f. 94v-96.
1001
09/08/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 149-151. O governador de Pernambuco explicitou melhor os
motivos desse provimento: “Com tudo certificando-me o Capitão Domingos Antunes que era favorecido
de Vossa Senhoria por criado do Senhor Francisco Barreto”. Grifo nosso. 05/11/1663. AUC, CA, Cod.
31, f. 99-100v
1002
07/09/1663. DHBN, Vol.IX, p.127. Não conseguimos identificar nominalmente quem foi provido
nesta serventia.
1003
23/08/1663. AUC, CA, Cod. 31, f.75v. Este oficial não estava servindo uma vez que o provimento de
Domingos Antunes impediu que o governador de Pernambuco o alocasse na serventia. Além disso, o
oficial teria vindo “de Lisboa por não saber se lá destes particulares, provido outro na sua companhia com
patente de Sua Majestade e como a que tinha era do Senhor Conde de Atouguia ficou sem posto e tão
pobre que lhe mando dar da minha fazenda o soldo que tinha de capitão sem outro algum remédio
enquanto espera o mais eficaz da piedade de Vossa Senhoria”. 05/11/1663. AUC, CA, Cod. 31, f. 99-
100v
1004
Nesse sentido, cabe recordar como a moral cristã influía diretamente nas práticas da “economia do
dom”, uma vez que a caridade com os necessitados não só era uma marca do bom cristão, como um meio
de demonstração de poder, pois “a caridada para com os mais poderes (misericórdia) era a obrigação mais
forte (e mais dificilmente retribuível), cujo não cumprimento podia conduzir a pecado mortal, além de se
305
Outro nível de complexidade deve ser adicionado a essa questão. A efetividade
dessas recomendações ou intercessões estava diretamente relacionada às ligações e
vínculos atrelados aos oficiais que pleiteavam algum favor. Este foi o caso de
Domingos Leitão. Quando Francisco de Brito Freire recomendou este oficial ao vice-
rei, fez questão de destacar que o mesmo “veio me muito recomendado de pessoa a que
devo respeito e amizade” 1006
. Na resposta que D. Vasco Mascarenhas deu a essa carta,
compreendemos melhor a natureza das ligações deste oficial, que fora recomendado por
ninguém menos que o valido do rei Afonso VI: “Se no Alferes Domingos Leitão não
concorreram a recomendação de uma carta do Conde de Castelmelhor meu sobrinho, e a
circunstância de ser irmão de um sujeito de que faço grande estimação: bastava o favor
que Vossa Mercê lhe faz na de que o acompanhou para lhe fazer grandes aumentos”1007.
Não conseguimos saber se a recomendação se converteu em algum provimento, mas
sabemos que esse mesmo trunfo foi usado posteriormente em uma recomendação
semelhante feita a Jerônimo de Mendonça Furtado1008.
O quadro descrito até aqui nos revela como a atuação do vice-rei construiu um
relação favorável aos seus interesses. Entretanto, essa situação se alteraria com a
chegada do sucessor de Brito Freire. A animosidade entre D. Vasco Mascarenhas e
Jerônimo de Mendonça Furtado foi uma constante na equação que representa a relação
de ambos, sobretudo pela forma aberta e declarada com que o governador de
Pernambuco resistiu aos desígnios do vice-rei. A correspondência com este governador
foi tão frequente como aquela estabelecida com seu antecessor, com 22 cartas enviadas
pelo Conde de Óbidos.
Jerônimo de Mendonça Furtado passava ao governo de Pernambuco após uma
carreira nas armas com sucesso nas campanhas do Alentejo. Sua origem familiar
também pode ter contribuído para o acrescentamento, uma vez que era filho de um dos
fidalgos que aclamou D. João IV1009. Evaldo Cabral de Mello infere que o
desentendimento poderia ser anterior “com velhas rixas, quem sabe de família, ou então

ter admitido poder ser objeto de tutela jurídica”. XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antônio
Manuel. Op. cit. p. 344.
1005
04/01/1666. DHBN. Vol. XXII, p. 205-206.
1006
13/02/1664. AUC, CA, Cod. 31, f.103-103v.
1007
04/03/1664. DHBN, Vol. IX, p. 148-149.
1008
10/05/1664. DHBN, Vol. IX, p. 169.
1009
Seu pai, Pedro de Mendonça Furtado, “Foi Alcaide Mor de Mourão, Comendador de São Thiago de
Cassem, foi hum dos 40 fidalgos que mais se distinguirão na Aclamação do Rey D. João 4º.” GAYO,
Felgueiras (1750-1831). Nobiliário de famílias de Portugal. Agostinho de Azevedo Meirelles, Domingos
de Araújo Affonso (Eds.). Vol. XX, Braga: Pax, 1940. p. 56.
306
com as lutas de facção em que a nobreza se entredevorou no reinado de D. Afonso VI,
cindindo entre partidários e adversários do valido conde de Castel Melhor” 1010
. A
suspeita de uma disputa entre facções se deve ao fato do irmão deste governador, Luis
de Mendonça Furtado, ter apoiado a ascensão de D. Pedro II a regência (1668), o que
lhe rendeu a nomeação para o governo do Estado da Índia e o título de conde do
Lavradio1011. Como sabemos o Conde de Óbidos era um dos membros destacados da
facção de D. Afonso VI, e possuía ligações particulares com duas das figuras centrais
que orbitavam ao redor no novo rei: o 3º Conde de Castelo Melhor e o 6º Conde de
Atouguia1012.
As disputas entre os governos de Pernambuco e da Bahia ocorreram no entorno
de várias questões da governação: a subordinação territorial da capitania de Itamaracá; o
provimento das serventias; a concessão de posse aos oficiais de governo. Nesse sentido,
podemos acompanhar parte destes embates através de provimentos feitos pelo vice-rei.
O Conde de Óbidos almejava obter influência em posições centrais na administração da
capitania, e para tanto nomeou pessoas de sua confiança para os ofícios de Ouvidor e
Provedor da Fazenda.
Manuel de Freitas Rei foi um destes criados de D. Vasco Mascarenhas. Durante
o governo de Brito Freire o vice-rei havia tentado inserir este individuo como escrivão
da câmara de Olinda, mas não obteve sucesso1013. Com a troca de governo, e a vacância
da Ouvidoria em razão dos procedimentos conturbados de Manuel Diniz da Silva1014,

1010
MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. 2003. p. 31.
1011
Ibidem. p.60.
1012
Cf. DANTAS, Vinícius Orlando de Carvalho. O Conde de Castelo Melhor: Valimento e razões de
Estado no Portugal seiscentista (1640-1667). Dissertação (Mestrado em História). Niterói: UFF, 2009.p.
215.
1013
Quando Óbidos teve noticia da suspensão do proprietário José Tavares, tratou de nomear seu criado
na serventia recomendando ao governador de Pernambuco que o aceitasse. 22/01/1664. DHBN, Vol. IX,
p. 142. Entretanto, alguns dias depois Francisco de Brito Freire informava o governador que a situação
que ocasionara a suspensão estava sendo averiguada e que o proprietário fora reconduzido ao exercício do
ofício. 31/01/1664. AUC, CA, Cod. 31, f.103v-104
1014
Evaldo Cabral de Mello aponta que Jerônimo de Mendonça Furtado julgou as atitudes do novo
Ouvidor como exorbitantes, e para se livrar de um individuo que abertamente tentava amotinar o povo
contra seu governo, enviou Manuel Diniz preso ao Reino. Esta atitude do governador lhe rendeu um
inimigo político que passou a atuar ativamente para o movimento que culminou com a sua deposição. Cf.
MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. 2003. p. 28-30. Óbidos reprovou a atitude do governador, indicando
que “devia Vossa Mercê dar logo conta delas a este Governo, e Relação: a quem tocava resolver o que
conviesse: e não privar ao Ouvidor do cargo, e de toda a ocasião de se poder valer dos meios que El-Rei
meu Senhor tem neste Estado, para acudir ás violências que nele se fizessem a seus vassalos, sem ser
necessária a vexação de ir buscar o remédio a Portugal”. 23/10/1664. DHBN. Vol. IX, p.196-198. Ao
vice-rei, Mendonça Furtado informava que enviou o ouvidor preso para o Reino “porque sendo vossa
senhoria presidente na Relação e eu agravado pela ofensa que este homem fez ao lugar que ocupo, e ainda
contra o respeito de minha pessoa não podia vossa senhoria ser Juiz na causa, pela desafeição com que
julga todas as minhas ações”. Grifo nosso. 27/11/1664. AUC, CA, Cod. 31, f. 125v-127.
307
tanto o vice-rei como o governador de Pernambuco tentaram prover a serventia deste
importante ofício de justiça. O Conde de Óbidos nomeou Manuel de Freitas Rei, e o
governador de Pernambuco nomeou Francisco Franco Quaresma.
Nesta altura temos uma indicação de que Manuel de Freitas já estava exercendo
algum cargo em Pernambuco por provisão do vice-rei, uma vez que na carta enviada a
este oficial, o Conde de Óbidos o aconselhava sobre as alternativas que tinha para
melhor usufruir do provimento: “o ofício é bom: mas dizem-me que paga grande pensão
a seu proprietário. (...) Vossa Mercê é letrado, veja se acha textos para que escuse
pagar-lhe” 1015. Vale ressaltar que D. Vasco Mascarenhas se antecipou, prevendo que o
governador de Pernambuco poderia dificultar esta nomeação. Ocorrendo do embargo ou
impedimento, Óbidos recomendava a Manuel de Freitas Rei que tirasse “certidão em
forma jurídica” 1016
. Alguns meses depois ocorreram os eventos que levaram o
governador de Pernambuco a realizar a prisão de Manuel Diniz da Silva, e prover
Francisco Franco Quaresma como ouvidor da capitania1017. Ao ser notificado sobre a
provisão, o Conde de Óbidos tratou de prontamente questioná-la, não reconhecendo que
o governo de Pernambuco tivesse prerrogativa para prover a serventia de um ofício tão
elevado. Considerando o provimento nulo, o vice-rei impositivamente declarou que
mandava “provido e com posse dada ao Licenciado Manuel de Freitas Rei: a quem
ordeno conheçam todos por Ouvidor dessa Capitania. Vossa Mercê o tenha assim
entendido; e faça guardar inteiramente a provisão que lhe envio” 1018.
A resistência empreendida pelo governador de Pernambuco às investidas de
Óbidos seria realizada em conjunto com as câmaras da capitania. Jerônimo de
Mendonça Furtado comunicou às câmaras da capitania a proibição de dar posse aos
oficiais que não apresentassem provisões com o seu “cumpra-se” 1019. Apesar de Óbidos
remeter ordens especificas à câmara de Olinda1020, a articulação para impedir as

1015
Grifo nosso. 11/07/1664. DHBN, Vol.IX, p. 187.
1016
11/07/1664. DHBN, Vol.IX, p. 187.
1017
30/09/1664. AUC, CA, Cod. 31, f. 121-121v.
1018
23/10/1664. DHBN, Vol.IX, p.196-198.
1019
Carta para a Câmara do Rio de São Francisco, 18/09/1664. AUC, CA, Cod. 31, f. 150-151; Carta para
a Câmara de Porto Calvo, 26/09/1664. AUC, CA, Cod. 31, f .151v-152v; Carta para Câmara de Alagoas,
25/09/1664. AUC, CA, Cod. 31, f .153v-154v.
1020
"Com esta carta a de ir o Licenciado Manuel de Freitas Rei dar juramento nesse Senado pelo cargo de
Ouvidor dessa Capitania, de que lhe envio a provisão que há de apresentar a Vossas Mercês e houve já
por metido de posse. Vossas Mercês lhe dêem logo, com efeito sem admitir a menor dúvida, e na forma
da mesma provisão o reconheçam por Ouvidor, e em tudo o que para conservação no mesmo cargo for
necessário o favor desse Senado lhe dêem Vossas Mercês, de modo, que só as minhas ordens se guardem,
tão inviolavelmente, como é justo, e Vossas Mercês devem."24/11/1664. DHBN, Vol.IX, p. 195.
308
intervenções do vice-rei na capitania geraram a recusa da câmara de empossar Manuel
de Freitas Rei, uma vez que a carta patente deste não possuía o “cumpra-se” do
governador de Pernambuco. Diante disso, o Conde de Óbidos passou uma portaria ao
Ouvidor Geral do Crime, enviando “os papéis que sobre esta matéria vieram para se
proceder como for justiça pela dita desobediência” 1021
. Neste caso fica evidente o
esforço que Jerônimo de Mendonça Furtado empreendeu para ter sua autoridade
reconhecida pelo vice-rei, assim como tentou demarcar a jurisdição que acreditava
possuir por sua carta patente1022. Contudo, a situação deste provimento ficou indefinida
por alguns meses, até que Francisco Franco Quaresma foi nomeado na serventia,
permanecendo no ofício até a deposição do governador de Pernambuco, o que permitiu
que Manuel Freitas Rei finalmente ocupasse o posto1023.
Para entender como algumas dessas relações poderiam ser construídas no
cotidiano apresentaremos o caso de João Baptista Pereira por nos fornecer um exemplo
interessante e particular. Aparentemente este oficial não possuía relação previa com o
Conde de Óbidos. Sabemos que este oficial residia em Pernambuco, aonde foi casado
com D. Francisca Acioli, matrimônio que o conectava à renomada família dos Acioli,
destacados membros da açucarocracia pernambucana1024. Além disso, João Baptista
Pereira lutou nas guerras de restauração de Pernambuco e por estes serviços pediu
satisfação a Jerônimo Furtado de Mendonça, sendo provido como capitão em uma das
companhias que estavam vagas na capitania. A reação inicial do Conde de Óbidos a
esse pedido foi de rejeição da conduta do governador de Pernambuco, criticando-o
largamente por ter provido a serventia, uma vez que o vice-rei reivindicava para si esta
prerrogativa, reforçando parte de sua política de centralização dos provimentos. Além

1021
16/12/1664. DHBN, Vol. VII, p.205-206.
1022
Se entendermos que a prerrogativa de provimento das serventias era não apenas um poder delegado,
mas também um privilégio valorizado, perceberemos como a resistência do governador de Pernambuco
encontra respaldo no interior do quadro mental de sua época. Retomando o estudo clássico de Norbert
Elias, vemos que “qualquer ameaça à posição privilegiada de uma determinada casa, assim como ao
sistema hierarquizado de privilégio como um todo, significava uma ameaça àquilo que dava valor,
importância e sentido aos indivíduos dessa sociedade, a seus próprios olhos e aos olhos das pessoas com
quem conviviam e que tinham uma opinião sobre eles. Qualquer perda de privilégio significava um
esvaziamento de sentido de suas existências.” ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a
sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
2001. p. 95.
1023
MELLO, Evaldo Cabral de. Op. cit. 2003. p.31. Embora não explicite, Evaldo Cabral de Mello retirou
essas últimas informações da “Informação Geral da Capitania de Pernambuco. 1749”. In: Annaes da
Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXVIII, Rio de Janeiro: Officinas de Artes Graphicas da
Biblioteca Nacional, 1906. p. 450.
1024
Cf. FONSECA, Antonio José V. B. da. “Nobiliarchia Pernambucana” Vol. II. In: ”Annaes da
Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XLVIII, Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1926. p.14
309
da crítica ao ato de provimento, D. Vasco Mascarenhas também levantou suspeição
sobre as qualidades do provido, questionando a relevância dos merecimentos uma vez
que nenhum dos governadores anteriores havia remunerado o oficial. O vice-rei ainda
lançou dúvidas também sobre as justificativas apresentadas por Jerônimo Furtado de
Mendonça, que informava como oficial vinha gastando parte de sua fazenda na
reconstrução da capitania:
Acrescenta mais o reparo, que ainda que João Baptista tem
despendido os cruzados que Vossa Mercê diz, são ações muito para
El-Rei meu Senhor as mandar premiar com mercês suas; e não para
Vossa Mercê as preferir ao sangue que derramaram tantos Soldados
quantos nessas guerras souberam merecer enquanto duraram, o posto
que agora vagou na paz; donde é mais justo lembrem as feridas, que as
conveniências que se escondem nas demonstrações de alguns
serviços.1025

Aparentemente o vice-rei rejeitou a proposta de nomeação do oficial,


argumentando que estava prestes a empreender uma reforma militar na capitania.
Entretanto, podemos supor que a partir deste contato o Conde de Óbidos estabeleceu
uma relação de maior proximidade com o oficial, pois alguns meses depois, João
Baptista Pereira foi encarregado de cuidar interesses particulares do vice-rei na
capitania. Como vemos em uma missiva endereçada a este oficial, o vice-rei lhe enviava
notícias sobre ter lhe provido em uma companhia na Paraíba, ressaltando que apesar da
longa distancia poderia “trocar com algum Capitão dessa praça [de Pernambuco] que
tenha conveniência de ir para aquela” 1026. Na mesma carta estabelecia este oficial como
intermediário de sua comunicação com o Estado do Maranhão, onde seu “primo” D.
Fradique da Câmara fora nomeado como governador-geral1027:

1025
09/09/1664. DHBN, Vol.IX, p.189-191.
1026
24/04/1665. DHBN, Vol.IX, p.226. Ao capitão-mor da Paraíba, João do Rego Barros informava que
havia enviada a patente diretamente a Baptista Pereira em Pernambuco, o que era pouco usual, visto que
as outras 3 patentes feitas nesta ocasião foram enviadas ao Capitão-mor. 22/04/1665. DHBN, Vol.IX,
p.222-223.
1027
Não fica clara se a referência o tratamento de primo realmente denota parentesco ou se representava
outra tipo de relação. A margem para esta dúvida está na carta remetida a D. Fradique, na qual o Conde
de Óbidos emenda um pós escrito ao final da missiva: “Primo e Senhor meu. Foi erro da pena: faço esta
declaração porque entendo que vós quereis que não mude de estilo, com que nos tratamos há tantos anos.
Folgarei que vos vá bem nesse tão limitado Governo para o vosso merecimento.” Grifo nosso:
22/04/1665. DHBN, Vol.IX, 221-222. Se considerarmos a alternativa apresentada por Pedro Salazar de
Mendoza, poderemos considerar o tratamento “primo” como uma forma de distinção particular. De
acordo com o tratadista, “desde el Rey Católico quedó establecida la diferencia del tratamiento, llamando
el Rey primos a los Grandes; y a los Títulos, parientes”. Grifo nosso. MENDOZA, Pedro Salazar. El
origen de las dignidades seglares de Castilla y León. Edición Facsímil. Estudio preliminar por Enrique
Soria Mesa. Editorial Universidad de Granda. 1998. p.19. Apesar de D. Fradique da Câmara ter sido
310
As cartas que serão com esta remeta Vossa Mercê na primeira ocasião
ao Ceará que são importantes a uma curiosidade com que quisera
deixar feito um beneficio a este Estado; e é transplantar a ele as
arvores do Cacau, que encomendo me venha do Ceará e Maranhão,
remetidas a Vossa Mercê, para que Vossa Mercê m'as envie, com o
cuidado que Vossa Mercê costuma ter em tudo1028.

Cabe destacar, como apontamos anteriormente1029, que a comunicação entre o


Estado do Brasil e o Estado do Maranhão não era favorável pela via marítima, em razão
das especificidades das correntes marítimas e dos ventos. No entanto, para viabilizar a
diligência passada a João Baptista o vice-rei previu um longo itinerário: João Baptista
remeteria as correspondências ao Capitão-mor do Ceará1030, este por sua vez ao
Capitão-mor do Grão-Pará1031, para que assim fossem remetidas para o Estado do
Maranhão1032. Em todas estas cartas, João Baptista Pereira era nomeado como o
intermediário de Óbidos em Pernambuco, a quem deveriam se remeter as mudas de
cacau.
Aos poucos os vínculos entre Óbidos e João Baptista Pereira foram se tornando
mais evidentes. Neste caso as ações de reciprocidade e troca de favores vão se
desvelando ao longo das correspondências. O vice-rei não perdia a oportunidade de
agradecer ao oficial o “animo com que Vossa Mercê aí atende ao beneficio de minhas
coisas” 1033
, indicando que a contraparte prometida por Óbidos se efetivaria em breve.
Os favores obtidos com D. Vasco Mascarenhas renderam ao oficial a serventia do
destacado oficio de Provedor da Fazenda Real de Pernambuco, e no ano seguinte a
mercê régia concedendo a propriedade do mesmo ofício1034.

nomeado pelo rei, abriu mão de embarcar para o Estado do Maranhão, como vemos na consulta do
conselho Ultramarino. 30/10/1665. AHU_ACL_CU_009, Cx. 4, D.504.
1028
24/04/1665. DHBN, Vol.IX, p. 226.
1029
No Capítulo 3 exploramos quais eram os constrangimentos que interferiam na comunicação entre as
duas sedes de governo da América- lusa.
1030
24/04/1665. DHBN, Vol.IX, p. 228-229.
1031
24/04/1665. DHBN, Vol.IX, p. 227-228.
1032
22/04/1665. DHBN, Vol.IX, p. 221-222.
1033
12/06/1665. DHBN, Vol.IX, p. 240. É possível compreender o desenvolvimento relacional do vínculo
de amizade de ambos a partir da cultura política que dava forma a visão de mundo desses homens.
Portanto, se recordamos o desenvolvimento conceitual elaborado pela segunda escolástica veremos a
centralidade conferida “a fé, a confiança, a concórdia, a proteção, a obediência, a entre-ajuda e a
reciprocidade. Todos esses atributos eram directamente dependentes da capacidade de rememoração, da
memória dos benefícios feitos pelos amigos. Sem essa capacidade de recordar, o amor não podia jamais
surgir.” Grifo nosso. CARDIM, Pedro. Op. cit. 1999. p. 26.
1034
Jerônimo de Mendonça Furtado receberá uma ordem régia para que João Baptista entre no exercício
a serventia da provedoria da fazenda até que se enviasse a patente com a propriedade do ofício. Cf.
05/05/1665. AUC, CA, Cod. 31, f.139v-140, 05/05/1665; AUC, CA, Cod. 33, f.32. Como vemos o oficial
entrou em exercício de sua serventia em 09/09/1665. FONSECA, Antonio José V. B. da. “Nobiliarchia
Pernambucana” Vol. II. In: ”Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XLVIII, Rio de
311
Com um criado na Provedoria de Pernambuco o conde de Óbidos elevou sua
influência na capitania a outro nível, podendo assim interferir em dinâmicas que
favoreciam diretamente seus interesses. Por intermediação do vice-rei, João Baptista
Pereira foi nomeado como procurador do Conde de Atouguia, a fim de que cobrasse
1035
suas propinas atrasadas em Pernambuco . O novo Provedor da Fazenda atuaria tanto
em conformidade com os interesses de D. Vasco Mascarenhas, que empregaria seu
próprio navio para remeter as propinas do vice-rei, cobradas em açúcar, para as Ilhas da
Madeira1036. Com estas instruções o Conde de Óbidos encarregava João Baptista de
remeter os valores sob a tutela do sobrinho do vice-rei, D. Francisco de Mascarenhas
que deveria conduzir a embarcação e retornar a Pernambuco com “efeitos” de interesse
do Provedor da Fazenda1037.
Não conseguimos saber ao certo se a propina cobrada em Pernambuco1038 era a
mesma que D. Vasco Mascarenhas cobrava no Rio de Janeiro, porque a correspondência
não faz menção explicita a Condessa, como percebemos nas cartas remetidas aos
oficiais da capitania fluminense. O interesse no aumento do valor dos dízimos da
capitania pode ser um indício disto de que se tratasse da mesma propina, mas não
conseguimos avançar muito além desta suspeita1039. Em todo caso é interessante
perceber como esta aliança propiciou possibilidade ganhos para ambos, além é claro do
aumento no valor arrecadado pela Fazenda Real.
Este exemplo nos revela como as relações poderiam ser construídas à margem
da governação, no cotidiano, através de interações que propiciavam a convergência de

Janeiro: Biblioteca Nacional, 1926. p.14. Sua patente com propriedade é datada do ano seguinte:
17/03/1666. DHBN, Vol. XXII, p. 250.
1035
Por provisão régia o Conde de Atouguia obteve o direito de cobrar propinas atrasadas na Bahia
(800.000 réis) e Pernambuco (400.000 réis), referentes a valores do período em que governou o Estado do
Brasil. 23/01/1665. DHBN, Vol. XXII, 89-91. O vice-rei nomeou João Baptista Pereira como procurador
do Conde de Atouguia no mandado que enviou a Pernambuco para se dar cumprimento a provisão régia
referida. 01/06/1665. DHBN, Vol. XXII, p. 91-93.
1036
04/04/1666. DHBN, Vol.IX, p. 253-254.
1037
04/04/1666. DHBN, Vol.IX, p. 253. Como indicou ao Provedor da Fazenda: “Esta carregação que
peço a Vossa Mercê mande neste seu navio por minha conta ha de ser dado o que a propina importar, e se
a embarcação há de voltar logo em carta particular faço aviso a meu Sobrinho, venha na mesma o valor
de todos os efeitos que lá estão mas remete-los á ordem de Vossa Mercê.” 04/04/1666. DHBN, Vol.IX, p.
254.
1038
Além disso outras propinas também foram cobradas, como a dos oficiais do conselho ultramarino. Por
carta régia de 11/10/1664 vemos que os membros do conselho ultramarino haviam obtido o direito de
propinas no Estado do Brasil, pagas anualmente nas rendas de Pernambuco (123.140 réis), Rio de Janeiro
(123.140 réis) e Bahia (260.480 réis). AUC, CA, Cod. 31, f.185-186v.
1039
O vice-rei aprovou por alvará a forma adotada pelo Provedor da Fazenda para fazer aumentar o valor
do arrendamento dos dízimos e miunças da capitania. Julgando o valor ofertado pelos dízimos como
inferior, João Baptista Pereira dividiu o arrendamento por freguesias e por várias pessoas, o que
aparentemente surtiu efeito. 20/04/1666. DHBN, Vol. XXII, p.254-257.
312
interesses e a troca de favores. Deste modo, indivíduos que aparentemente não faziam
parte do círculo de relações do Conde de Óbidos, poderiam obter acesso a essa rede,
desde que dispusessem de recursos e da capacidade de se articular politicamente para
exercer a sua influência. Esse tipo de relação nos revela uma faceta interessante dessas
práticas, como o emprego de estratégias eficientes para ganhos pessoais mútuos.

5. Bahia

A composição político-institucional da urbe soteropolitana reunia na cidade uma


miríade de oficiais régios e autoridades eclesiásticas hierarquicamente superiores no
quadro do Estado do Brasil. Além de sede do governo-geral, a cidade também abrigava
nesse período o Superior Tribunal da Relação, a Provedoria da Fazenda e ainda era sede
episcopal do Estado do Brasil. Deste modo, ao redor do vice-rei orbitavam diversos
oficias maiores e menores responsáveis pela gestão de diversos aspectos da governação
da América portuguesa.
Essa configuração particular criava um cenário propício à intervenção de D.
Vasco Mascarenhas, que como temos demonstrado não se furtava de inserir criados,
parentes e indivíduos a ele subordinados em espaços de poder, obtendo dessa forma a
gratidão do provido e a influência sobre aquele determinado ofício1040. Antes cruzar o
atlântico o Conde de Óbidos solicitou ao monarca ajuda de custo para a viagem, tal
como o Marquês de Montalvão havia feito ao ser nomeado como 1º vice-rei do Estado
do Brasil havia. Tendo a solicitação atendida, recebeu a vultosa soma de 8.000
cruzados1041. Além disso, apresentou outro requerimento para que se pagassem as
praças que havia adiantado as 90 pessoas que o acompanhariam em sua viagem, sendo
cerca de 70 destas deveriam ser soldados e oficiais que cuidariam da defesa da
embarcação1042. Sabemos que D. Vasco Mascarenhas trouxe em sua companhia diversos
criados, parentes e oficiais de confiança que já estavam servindo sob suas ordens.

1040
Conforme apontado por Xavier e Hespanha esse tipo de prática constituía uma das bases das redes
clientelares, pois dialogava com os anseios e expectativas individuais. Nesse sentido, como “uma das
principais motivações subjacentes ao comportamento dos indivíduos era a sua preponderância política,
económica e simbólica, a qual se baseava na posse ou usufruto de determinados recursos, era natural o
estabelecimento de redes de interdependência que possibilitassem o acesso àqueles, principalmente se
este acesso fosse institucionalmente mais dificultado.” XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antônio
Manuel. Op. cit. p. 340-341.
1041
13/02/1663. AHU_ACL_CU_005, Cx. 17. D. 1916.
1042
31/03/1663. AHU_ACL_CU_005, Cx. 17. D. 1927.
313
Consideramos que estes componentes foram uma parte importante da rede estruturada
pelo vice-rei no Estado do Brasil.
Os capitães da guarda do governador eram oficiais que, por definição, estavam
na presença do vice-rei em grande parte do tempo. Como vemos João Henrique foi
nomeado no posto de Capitão da guarda um dia após o Conde de Óbidos tomar posse
em Salvador. A lista de serviços de João Henrique chama atenção pela singularidade de
alguns de seus serviços, pois além da experiência militar na guerra da restauração –
traço comum de vários oficiais desse tipo – possuía também larga experiência a serviço
das embaixadas portuguesas na França e na Santa Sé1043. A familiaridade com a
condução de negócios sigilosos, tão caros a diplomacia, pode ter motivado o Conde de
Óbidos a acolher esse oficial em seu serviço. Inferimos isto por D. Vasco Mascarenhas
ter lhe encarregado de transportar ao reino uma missiva que foi destinada apenas aos
1044
olhos do monarca ou de seu valido, o Conde de Castelo Melhor . O oficial que
ocupava a posição de capitão da guarda do governador não só era depositário da
confiança do conde de Óbidos, mas também atuava como porta voz do governador em
situações específicas1045. A proximidade com o vice-rei também poderia se reverter em
proteção e auxílio, pois como vemos D. Vasco Mascarenhas tratou obter uma “mercê
ordinária” a fim de remediar a perda de fazendas que o referido oficial havia sofrido na
ocasião em que foi ao reino entregar a correspondência remetida pelo Conde Óbidos1046.
Se observarmos atentamente os provimentos de serventias feitas pelo Conde de
Óbidos veremos que várias pessoas que cruzaram o atlântico em sua companhia foram
inseridas em postos de poder na capitania da Bahia. No caso de Manuel de Figueiredo
Mascarenhas e vários oficiais que serviram sob suas ordens temos alguns exemplos

1043
Em sua carta patente a lista de serviços é resumida da seguinte maneira: “nas campanhas do Alentejo
de seiscentos, e quarenta, e sete, e sessenta, e dois em que procedeu com valor, e assistência do Presídio
de Cascais na era de cinquenta como sendo Secretario de um Embaixador como Francisco de Souza
Coutinho nas embaixadas de França e Roma por espaço de seis anos encarregando-se-lhe por alguns
meses em Roma negócios da mesma embaixada”. 27/06/1663. DHBN, Vol. XXI, p.103-105.
1044
“pela importância do aviso que ora envio a El-Rei meu Senhor na esmaca que para isso está
aparelhada, convém se encarregue a pessoa de muita satisfação e valor: respeitando eu o bem que estas
qualidades concorrem, na de João Henrique meu Capitão da guarda (...) se parta logo e procure tanto que
chegar a qualquer porto de Portugal sair em terra, e levar o prego que se lhe entregará na Secretaria de
Estado a El-Rei meu senhor, dando-o em sua mão real, ou nas do Conde de Castelmelhor, do Conselho de
Estado seu Escrivão da puridade”. 06/06/1664. DHBN, Vol. IV, p.135-137.
1045
Em um processo de deliberação sobre o pedido dos oficiais da câmara de Salvador acerca da
consignação do Sal para o sustento da infantaria, o Capitão João Henrique foi designado como porta voz
do vice-rei para comunicar ao provedor-mor a decisão do Conde de Óbidos sobre a matéria. 29/01/1665.
DHBN, Vol. XXII, p. 28-30.
1046
D. Vasco Mascarenhas passou um portaria ordenando que o Provedor-mor pagasse 100.000 réis ao
oficial em razão de ser “soldado pobre” e ter perdido seus pertences e fazendas na embarcação que partiu
do Recife apara o Reino. 26/02/1665. DHBN, Vol. VII, p. 211-212.
314
dessa prática1047. Este oficial foi Capitão de mar e guerra da embarcação que transportou
D. Vasco Mascarenhas ao Estado do Brasil, e antes disso teve uma longa trajetória
acompanhando o Conde de Óbidos quando esteve no Alentejo e quando foi vice-rei no
Estado da Índia1048. Com sua inserção na Tropa paga, D. Vasco Mascarenhas garantia
alguma influência no interior das fileiras dos terços de Salvador. Em 1666 foi nomeado
como Capitão de mar e guerra do Galeão Nossa Senhora do Pópulo, que partia para o
Reino, entretanto, em conjunto com esse provimento recebia um “alvará de retenção de
companhia”, que lhe proporcionava a garantia da recondução ao posto de Capitão da
companhia que comandava no terço do Mestre de campo Álvaro de Azevedo1049. Este
tipo de privilégio não era concedido com freqüência, sobretudo pelo fato de causar
entrave à promoção de novos oficiais. Este é mais um exemplo como o Conde de
Óbidos fazia uso de sua jurisdição alargada para favorecer indivíduos vinculados a sua
pessoa. De modo complementar, podemos entender que essa prática fosse assemelhada
àquela notada por Fernando Dores Costa, ao analisar os provimentos militares
realizados no Reino, que percebe a inserção e o favorecimento de criados das casas
nobiliárquicas nas tropas pagas como um meio de reprodução do poder e influência
nestes espaços1050.
De modo indireto, o vice-rei também favoreceu indivíduos ligados aos seus
criados e encomendados. Como acreditamos ser o caso de ao menos dois oficiais
haviam servido na companhia de Manuel de Figueiredo Mascarenhas que foram
providos como capitães no terço velho: Belchior de Sintra Lobo e Brás do Couto
Aguiar1051. Além das patentes, ambos oficiais receberam alvarás de reformação

1047
Em 27/06/1663 o Conde de Óbidos passou uma portaria ao Provedor-mor ordenando que a
companhia de Manuel de Figueiredo Mascarenhas fosse agregada com seus soldados a um dos terços de
Salvador. DHBN, Vol. VII, p. 108-109. Como vemos foi incorporado como Capitão no Terço velho. Com
esta incorporação o terço excedeu o número de companhias estipulado, o que levou o Conde de Óbidos a
extinguir a companhia do capitão Gaspar Pacheco de Contreiras para acomodar seu criado. Justificava a
ação pela afirmando que Contreiras “há mais de cinco anos não entra de guarda com a que servia no
mesmo Terço; nem acode a obrigação alguma do seu exercício, pela impossibilidade pública do achaque
que padece”11/12/1664. DHBN, Vol. VII, p. 207-208.
1048
Estas informações sobre os serviços anteriores são mencionadas em uma patente posterior, quando
Óbidos nomeou este oficial como Capitão de Mar e Guerra de uma expedição naval para o reino.
04/06/1666. DHBN, Vol.XXII, p. 299-301.
1049
Carta patente de Capitão de Mar e Guerra: 04/06/1666. DHBN, Vol.XXII, p. 299-301. Alvará de
retenção da Companhia: 04/06/1666. DHBN, Vol. XXII, p.301-303
1050
Cf. COSTA, Fernando Dores. “Observações para o estudo das nomeações dos postos militares” In:
STUMPF, Roberta; CHATURVEDULA, Nandini (Orgs.) Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas:
provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). CHAM, Lisboa. 2012. p.53-54.
1051
Belchior Sintra Lobo. 17/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 424-426; Brás do Couto Aguiar 23/11/1663.
DHBN, Vol. XXI, p. 230-232.
315
emitidos pelo Conde de Óbidos1052. Brás do Couto de Aguiar também foi nomeado
como Capitão-mor da Capitania do Espírito Santo1053, mas permaneceu pouco tempo no
ofício em virtude da nomeação régia de Diogo de Seixas Barraca1054. Em seu retorno a
Salvador, Brás do Couto sentou praça na companhia de D. Martinho Mascarenhas,
sobrinho e cunhado do Conde de Óbidos que servia como capitão no Terço novo1055.
Um caso semelhante ocorreu com Álvaro Correia de Freitas, cavaleiro da ordem
de Cristo, que também fez parte do conjunto de oficiais que acompanharam Óbidos em
sua viagem para a América Portuguesa, sendo provido como Capitão da Tropa paga e
poucos meses depois como Capitão-mor de Sergipe del Rey 1056. Como temos apontado,
vários desses oficiais que vieram para o Estado do Brasil com D. Vasco Mascarenhas
obtiveram não apenas provimentos, mas também reformações durante o seu período de
governo, o que acrescentava uma experiência significativa para a progressão hierárquica
e acúmulo de serviços1057.
Outros tipos de oficiais que também vieram na companhia do Conde de Óbidos
foram providos nas vacâncias que surgiram durante o período de seu governo, e em
alguns casos geraram reações negativas e protestos remetidos ao Conselho Ultramarino.
Isso ocorreu com João do Prado Ribeiro, provido como Cirurgião-mor do Estado do
Brasil, que figurava na reclamação remetida pelos desembargadores do Tribunal da
Relação. Em resposta a consulta do Conselho Ultramarino, D. Vasco Mascarenhas

1052
Belchior Sintra Lobo: 21/08/1666. DHBN, Vol. XXII, p. 325-326; Brás do Couto de Aguiar:
01/03/1666, DHBN, Vol. XXII, p. 233-234
1053
12/12/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 251-253. Ao passar ao Espírito Santo Brás do Couto de Aguiar
levava consigo a companhia de soldados que serviam sob suas ordens em Salvador. 13/12/1663. DHBN,
Vol.. XXI, p.249-251
1054
Em Fevereiro de 1664 recebeu ordem de D. Vasco Mascarenhas para levantar a omenagem e entregar
o governo a Diogo de Seixas Barraca, com ordens para retornar a Salvador. 19/02/1664. DHBN, Vol.VI,
p. 45.
1055
01/03/1666, DHBN, Vol. XXII, p. 233-234. Na patente de Capitão passada a D. Martinho de
Mascarenhas o vice-rei não relaciona serviços anteriores, mas sim a qualidade dos progenitores como
fator de merecimento do provimento: “Tendo consideração ao bem que todas estas qualidades concorrem
em vós Dom Martinho Mascarenhas e a satisfação com que deveis servir a El-Rei meu Senhor, imitando
nas ocasiões que se oferecerem o exemplo de vossos progenitores e correspondendo em tudo o que vos
tocar no exercício daquele posto ás obrigações com que nascestes, e á particular confiança que faço de
vosso merecimento”. Grifo nosso. 03/09/1665. DHBN, vol. XXII, p.169-170
1056
Patente de Capitão da terço novo. 04/09/1663. DHBN, vol. XXI, p.151-153. Patente de capitão-mor
de Sergipe del Rey . 05/12/1663. DHBN, vol. XXI, p.239-242
1057
Além dos exemplos já citados, destacamos o caso Antônio Marinho Falcão que havia servido no reino
sob o comando do Conde de Atouguia, e na Bahia serviu como Alferes, recebendo reformação e
posteriormente sendo promovido a Capitão. Cf. Alvará de reformação. 18/10/1666. DHBN, Vol. XXII, p.
352-353; Patente de Capitão. 12/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 418-420.
316
justificava o provimento de Prado Ribeiro “que além de ser mais benemérito, foi
cirurgião do sereníssimo Infante e comigo passou a este Estado” 1058.
Neste ponto cabe destacar que as ações de Óbidos na Bahia também
encontraram resistência, tanto por parte dos Desembargadores da Relação, quanto pelos
membros do Conselho Ultramarino1059. A frente do governo D. Vasco Mascarenhas
recusou empossar e dar o “cumpra-se” a diversos oficiais que apresentavam patentes
régias, o que naturalmente causava uma situação na qual a autoridade do Conselho
Ultramarino se via cerceada pela compreensão que o Conde de Óbidos apresentava
sobre seus poderes. Para o vice-rei o exercício de sua jurisdição superior, tal qual aquela
delegado ao Marquês de Montalvão, lhe permitiria negar os provimentos que julgasse
inadequados, além de lhe permitir efetuar nomeações sem confirmação régia ou
submetidas ao escrutínio do Conselho Ultramarino1060.
As reclamações sobre as atitudes do vice-rei que chegavam ao Conselho
Ultramarino tinham origens diversas, algumas eram fruto da política de embargo da
1061
posse de oficiais militares . Em outras das reclamações remetidas ao reino,
questionava-se o provimento que D. Vasco havia feito, por ter nomeado o Sargento-mor
1062
Antonio Pereira como Provedor da Fazenda e da Alfândega da Bahia . O oficial foi
inicialmente provido na serventia de Provedor da Alfândega por seis meses, mas
sabemos em 1665 ainda ocupava o mesmo ofício1063, recebendo de modo agregado a
patente de Provedor-mor, enquanto durava o período de residência de Antonio Lopes de

1058
02/01/1664. AHU_ACL_CU_005, Cx. 17, D.1983. Cf. Provisão da serventia de Cirurgião-mor deste
Estado do Brasil e da Infantaria do Presídio. 06/11/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 218-220.
1059
As disputas entre o Conde de Óbidos e o Conselho Ultramarino sobre as prerrogativas de provimento
foram abordadas por Miguel Dantas em sua tese de doutorado. Cf. CRUZ, Miguel Dantas da. O Conselho
Ultramarino e a administração militar do Brasil (da Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e
burocracia. Tese (Doutorado em História) ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de
Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Évora. 2013. p. 256-270.
1060
Os conselheiros resumiam ao monarca a situação sobre o entendimento que vice-rei manifestava
acerca das prerrogativas particulares de seu governo: “lhe fez Vossa Majestade mercê [de] conceder os
mesmos poderes que teve o Marquês de Montalvão e que se ele proveu todos os postos maiores e
menores do Exército e Armadas que então havia naquele Estado, sem se recorrer a novas patentes de
Vossa Majestade que os confirmassem e todas as serventias dos ofícios políticos, sem haver provisão
alguma de Vossa Majestade que lhas proibisse como seria justo, que contradigam agora estas estreitezas
da sua jurisdição, as faculdades da sua patente sendo a dele Conde firmada pela mão real de Vossa
Majestade e a mesma que se deu ao Marquês de Montalvão”. 28/01/1665. AHU_ACL_CU_005-02,
Cx.18, D.2070.
1061
D. Vasco Mascarenhas se recusou a empossar os capitães Paulo Machado de Vasconcellos e
Lourenço de Araújo de Goés que possuíam patentes passadas por Francisco Barreto (28/01/1665.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx.18, D. 2070), além de questionar o provimento do Mestre de Campo Álvaro
de Azevedo que fora feito por patente régia (18/08/1663. AHU_CU_005-02, Cx. 17, D. 1942).
1062
23/07/1665. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 16, fl. 166v-167
1063
21/07/1663. DHBN, Vol. XXI, p.128-130. A margem do documento consta que este oficial serviu até
30/07/1665 quando faleceu.
317
Ulhoa1064. A crítica do Conselho Ultramarino era incisiva neste ponto, apontando que o
vice-rei havia provido a serventia “em um criado seu, pessoa de pouca satisfação” 1065
,
fundamentando o questionamento em três pontos: a pouca qualidade social do provido
em relação ao cargo ocupado; o fato do Conde de Óbidos prover o ofício em seu criado,
dado que o Provedor-mor deveria por definição exercer contraponto às decisões de
governo; e por fim, o acúmulo em uma só pessoa de dois dos principais ofícios de
Fazenda. Com isto o parecer formulado recomendava ao monarca a elaboração de uma
provisão que ordenasse aos governadores-gerais a proibição de nomeações de criados na
serventia de Provedor-mor
mas também no de provedor da Alfândega que é incompatível, por se
dar apelação de um ofício para outro, deixando de buscar para eles
pessoas beneméritas, e Ministros do ramo com que acudirá melhor as
obrigações do serviço de Vossa Majestade e observância de seu
Regimento, e não será tanta ocasião de queixa com o provimento que
se fez em um criado seu tão inferior com tudo ao lugar em que o
pôs1066.

Este exemplo reforça a estratégia de D. Vasco Mascarenhas para exercer


influência sobre as principais provedorias do Estado do Brasil, como apontamos para
outras capitanias. Por este meio o vice-rei poderia ter conhecimento e acesso às rendas
disponíveis, e em algumas situações alocá-las para fins de seu interesse. Quando a
notícia de que a Armada espanhola se dirigia para Angola, o Conde de Óbidos tratou de
preparar o socorro com as rendas disponíveis na fazenda real, sendo que não poderia
despender o dinheiro do Dote e Paz, restando, portanto, as rendas oriundas do cunho das
moedas. O esforço de mobilização dessa expedição envolveu o Provedor-mor1067, o
governador de Pernambuco e o Provedor da Fazenda de Pernambuco1068. Para
convencer Antonio Fernandes Pacheco, mestre da Nau Nossa Senhora da

1064
04/03/1665. DHBN, Vol. XXII, p. 52. Em 28/04/1665 era registrada a patente régia de Antonio Lopes
Ulhoa voltando ao cargo por não ter impedimento em sua residência. DHBN, Vol. XXII, p. 75.
1065
23/07/1665. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 16, fl. 166v-167
1066
23/07/1665. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 16, fl. 166v-167
1067
D. Vasco Mascarenhas passou diversas portarias sobre a escolha da embarcação que levaria o reforço
(23/02/1664. DHBN, Vol VII, p. 135-136); sobre o sustento dos soldados (05/03/1664.DHBN, Vol VII, p.
135) e sobre o emprego de presos como soldados de infantaria para expedição (10/03/1664.DHBN, Vol
VII, p. 135.
1068
Cartas para Francisco de Brito Freire: 29/01/1664. DHBN, Vol.IX, p. 156-158; 20/02/1664. AUC,
CA, Cod. 31, fl. 109; Carta para o Provedor da Fazenda de Pernambuco: 29/01/1664. DHBN, Vol.IX, p.
160-161.
318
Encarnação1069, a empregar sua embarcação na jornada de socorro o Conde de Óbidos
teve que fazer algumas concessões: o frete da jornada seria feito à custa da Fazenda
Real; ao chegar em Angola o mestre teria o direito de “carregar” e partir fora do corpo
da Armada1070. No ano seguinte o Conselho Ultramarino discutiu a justificativa
apresentada pelo vice-rei para não repor o valor gasto na preparação da jornada,
apontando que como D. Vasco Mascarenhas se desculpava de modo esquivo, pois a
carta régia que ordenava o envio do socorro excetuava apenas as rendas do Dote da
Rainha da Grã Bretanha e Paz da Holanda, o que dava a entender que a situação
continuaria do mesmo modo e o dinheiro não seria reposto. No parecer da consulta os
membros do Conselho Ultramarino não se furtaram em declarar que os inúmeros
pedidos sobre o envio de relações do dispêndio das rendas da Fazenda Real não eram
atendidos pelo vice-rei:
se tem já pedido por ordem de Vossa Majestade ao Conde Vice-rei,
desde o principio de seu governo, que mande uma relação de tudo
muito por menor para Vossa Majestade ter noticia do em que se
despendem as rendas daquele Estado, a qual ordem não tem satisfeito
até o presente e de novo lha deve Vossa Majestade mandar repetir.1071

A reclamação do Conselho Ultramarino sobre a falta de transparência de D.


Vasco Mascarenhas ecoava também em alguns oficiais do Estado do Brasil. Bernardo
Vieira Ravasco tentou manifestar suas suspeitas às autoridades reinóis em meados de
maio de 1666, contudo, tanto a efetividade quanto o alcance da rede de oficiais do
Conde de Óbidos fizeram com que as cartas que o secretário do Estado do Brasil
intentava remeter nunca deixassem a Bahia de fato. Bernardo Ravasco acusou o vice-rei
de violar o sigilo e o direito de correspondência tão caro aos súditos luso-brasileiros1072.
Esta tentativa por parte do secretário do Estado do Brasil de comunicar sua opinião

1069
Antonio Fernandes Pacheco estava prestes a partir para o Reino levando uma grande carga de açúcar,
e no porto de Salvador a sua embarcação era aquela que se encontrava melhor aparelhada com artilharia.
20/02/1664. DHBN, Vol. p. 137-138.
1070
Como vemos no assentamento do frete firmado com o mestre da nau, se ao chegar em Angola o
mestre encontrasse a nau “arqueada em carregar para qualquer porto do Brasil 1100 cabeças havendo-as,
se obriga a carregam em dita Angola para esta Bahia, ou outro Porto aonde por ordem de Sua Majestade
for enviado” 01/04/1664. AUC, CA, Cod. 31, fl.110v-111. Por esta informação é possível inferir que
outros interesses permeavam o esforço mobilizado para enviar o socorro a Angola, afinal o tráfico
atlântico era muito atrativo, ainda quando os custos de municiamento e frete corriam pela Fazenda Real.
1071
24/10/1665. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 16, fl.184-185.
1072
Ao contrário do que afirma Pedro Puntoni, Ravasco foi preso após ter suas cartas interceptadas e não
por conseguir denunciar os problemas ocorridos no Estado do Brasil. Cf. PUNTONI, Pedro. “Bernardo
Vieira Ravasco, Secretário do Estado do Brasil: poder e elites na Bahia”. In: O Estado do Brasil: Poder e
política na Bahia colonial (1548-1700). São Paulo: Alameda, 2013, p. 234. Cf. ARAÚJO, Érica Lôpo de.
De golpe a golpe: política e administração nas relações entre Bahia e Portugal (1641-1667). Dissertação
(Mestrado em História). Niterói: UFF, 2011. p. 118.
319
sobre os acontecimentos lhe rendeu um período no cárcere, por ordem do Conde de
Óbidos, que em sua visão se devia ao fato do desgosto obtido pelo vice-rei ao
interceptar o conteúdo da correspondência:
Duas foram as causas de que o Conde Vice-Rei mais se ofendeu;
primeira: dizer eu naquele papel, que se Vossa Majestade fosse
servido lhe apontasse os descaminhos, que aqui padecia sua Real
Fazenda, e meios de remediá-los, o faria, mandando Vossa Majestade
se me mostrassem os Livros dos recebimentos, que eu pedisse.
Segunda: Representar a Vossa Majestade nas duas cartas, que a
Relação que Vossa Majestade mandara ao Brasil para Remédio das
violências dos Governadores, era um instrumento superior do arbítrio,
e poder do Conde1073.

O tratamento dispensado a Bernardo Vieira Ravasco durante o período de seu


cárcere nos fornece uma idéia de como o vice-rei tratava seus adversários políticos1074.
Diferente dos oficiais que haviam sido presos e enviados ao Reino por rumores de uma
conspiração contra o governo de D. Vasco Mascarenhas1075, a perseguição a Ravasco se
estenderia também a sua família e consumiu parte de seu patrimônio.
De acordo com o relato apresentado pelo secretário de Estado, as cartas que
pretendia enviar para o reino, nas quais apontava a sua opinião sobre as irregularidades
no governo do Estado do Brasil, foram entregues ao Capitão João Vieira da Rocha1076
para serem entregues a diversos destinatários no Reino 1077. Contudo, Ravasco
suspeitava que “o mesmo João Vieira da Rocha deixou as cartas ao Conde: e ele as
ocultou” 1078. Como indicamos em nota é possível que o capitão que se comprometeu a

1073
10/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2209.
1074
Bernardo Ravasco indicou em seu relato ao monarca a forma como foi tratado durante o cárcere
especialmente quando adoeceu: “Enfermei gravemente: e com tal aperto de prisão que sangrado muitas
vezes, me levantava a dar o pulso ao médico na grade; por o carcereiro não abrir a porta se não quando
queria” 12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210.
1075
Em meados de 1665 Óbidos prendeu Lourenço de Brito Correa, ex Provedor-mor e Chanceler da
Relação, e alguns desembargadores e oficiais militares que lhe faziam oposição pública, acusando-os de
intentarem uma sedição para retirá-lo do governo, tal qual havia ocorrido na Índia. As nuances deste caso
foram exploradas em vários trabalhos, mas a análise mais detida foi feita por Ricardo George Santana,
que compara as trajetórias e de D. Vasco Mascarenhas e Lourenço de Brito Correa: Cf. SANTANA,
Ricardo George Souza. Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso. Conflitos e
suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de Óbidos. (Bahia 1663-1667). Dissertação
(Mestrado em História). Feira de Santana, UEFS, 2012. Capítulo 3.
1076
É possível que Bernardo Ravasco estivesse se referindo na realidade a João Vieira de Morais, pois
indicou que o referido capitão passava ao reino para “pretender a Capitania do Rio de São Francisco”. E
como vemos na consulta de 24/01/1667 a dita capitania foi provida em Vieira de Morais, por ser o único
opositor que apareceu no Conselho Ultramarino. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2173. Este capitão é
o mesmo que foi provido por Óbidos na capitania do Rio de Janeiro na vacância de D. Gabriel Garcez y
Gralha. Cf. 26/11/1663. DHBN, Vol. XXI, p. 232-234
1077
Entre os destinatários listados estavam: o Conde de Castelmelhor, o Presidente da Câmara de Lisboa e
Luis da Mendonça Furtado.
1078
10/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2209.
320
entregar as correspondências tivesse alguma proximidade do vice-rei. Além disso, o
secretário de Estado destacava que as pessoas empregadas por D. Vasco Mascarenhas
para representar os fatos ocorridos eram notoriamente parciais, como o procurador
enviado a corte, José Moreira de Azevedo descrito como “um dos mais interiores
validos seus, e público inimigo meu” 1079.
Enquanto amargava as durezas do cárcere, Bernardo Vieira Ravasco foi
substituído na secretaria de Estado por Antonio de Souza Azevedo, oficial-maior da
secretaria, a quem D. Vasco Mascarenhas concedeu o direito de cobrar emolumentos
como se fosse o proprietário do ofício1080. Essa atitude prejudicava Ravasco, que não
conseguia ter acesso aos documentos de seu interesse na Secretaria como também se via
privado de recolher uma porção significativa de sua renda1081. Além de impedir o
secretário de Estado de receber os emolumentos e propinas que lhe cabiam, o conde de
Óbidos também atuou para que seus credores executassem as dívidas, chegando a
executá-las na produção de açúcar que já estava ponta para ser entregue aos agentes da
Companhia Geral de Comércio1082. A influência sobre alguns setores também pesaram
negativamente sobre os negócios do secretário de Estado, pois como apontava ao
monarca, “se retiraram todos os homens de negócio de fornecer o meu engenho: com o
que deixou de fazer a metade da safra; que importa mais de 6.000 cruzados” 1083. Outros
credores também parecem ter sido mobilizados para executarem as dívidas ao mesmo
tempo
Estando os meus credores sossegados é opinião constante que o Conde
Vice-rei os moveu a execução de suas dívidas; para por todos os
caminhos me descompor: porque ao mesmo tempo o fizeram os mais
amigos do Conde: os quais foram Antônio Guedes de Brito (como

1079
10/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2209.
1080
26/01/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 381-382.
1081
“e mandou ao oficial, a cujo cargo estava a secretaria, não deixasse tirar dela papel algum por minha
ordem: tendo eu nela muitos que importavam essencialmente a minha fazenda e pleito. (...) [o vice-rei]
lhe ordenou por uma portaria, cobrasse para si, todos os emolumentos; exercesse o cargo de Secretário do
Estado” 12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210.
1082
“mandou o Conde Vice-rei ao meu Engenho (donde estavam os açucares encaixados para o
pagamento da Companhia Geral e entregues a um agente dos Administradores) e com uma ordem
objetiva lá tomaram vinte e duas caixas das do dito pagamento, tiraram as marcas da Companhia e
puseram as do Conde, sem eu poder obrar coisa alguma em tão notável violência.” 12/04/1667.
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210.
1083
12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210. Bernardo Ravasco insistiu como estas
atividades geraram uma reação em cadeia, o que só agravava sua condição: “A este exemplo, e notícia
pública do ânimo do Conde, E dos desembargadores, se animaram os mais acredores a procurar o mesmo:
os lavradores de canas do meu engenho, a mandá-la lavrar em outros: os preitos em que se não falava, se
apressaram a sentenciar se contra mim: sem haver quem por minha parte se atreva a valer me em coisa
alguma; nem ainda a chegar a esta grade com temor do Conde. ” 12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02,
Cx. 19, D. 2210.
321
Provedor da Misericórdia) (....) Fernando Porto, ourives a quem o
Conde fez um genio seu, que nunca pelejou com o inimigo, Capitão de
Infantaria em Pernambuco como Tesoureiro dos defuntos, havendo
me ele assegurado não cobraria de mim enquanto estava preso1084.

Os familiares de Bernardo Ravasco também sofreram diversas sanções por parte


do vice-rei. Cristovão Vieira Ravasco, pai do secretário de Estado, devia pouco mais de
um conto a Fazenda Real. Por ordem do Conde de Óbidos passada ao Provedor-mor e
ao provedor da Fazenda de Pernambuco a divida deveria ser cobrada nas casas que
Cristovão Vieira possuía e em parte dos bens do falecido Simão Alves de Lapenha1085.
D. Maria de Azevedo, irmã de Bernardo Viera Ravasco, também foi prejudicada pelas
ações do vice-rei. A irmã do secretario anteriormente havia recebido uma mercê de
70.000 réis anuais nas rendas do contrato das baleias, como mercê pelos serviços de seu
outro irmão, o Padre Antônio Vieira1086. O recebimento desses valores foram
embargados e atrelados ao pagamento das dividas de seu pai Cristovão Vieira
Ravasco1087. Além disso, o secretário de Estado também apontou que seus sobrinhos
sofreram conseqüências da perseguição empreendida pelo vice-rei, desta vez por meio
do “mestre de campo Nicolau Aranha Pacheco compadre do Conde, a uns órfãos
sobrinhos meus, havendo mais de vinte e cinco anos se não falava em uma sentença que
contra seu pai havia por sua notória injustiça: Procedendo tudo juntamente a uma
inexorável execução” 1088.
Estes exemplos nos sugerem como essas lutas políticas poderiam tomar
proporções catastróficas para o pólo mais fraco da disputa. Bernardo Vieira Ravasco
pagou um alto preço por se opor ao Conde de Óbidos 1089, acarretando inclusive

1084
12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210. Em uma ordem passada ao Provedor dos
Defuntos e Ausentes vemos que Bernardo Vieira Ravasco já possuía dívidas com Fernando Porto no ano
de 1664, dividas essas que foram mencionadas no provimento feito pelo vice-rei. 14/02/1664. DHBN,
Vol. VII, p.133.
1085
17/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 420-424.
1086
15/06/1655. DHBN, Vol. IV, p.247-249; 08/05/1655. DHBN, Vol. XVIII, p.355-360
1087
12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210. 17/05/1667. DHBN, Vol. XXII, p. 420-424.
1088
Grifo nosso. 12/04/1667. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 19, D. 2210
1089
Pedro Puntoni infere que Bernardo Ravasco havia sido preso por envolvimento com os oficiais que
alegadamente tramavam uma conjuração contra o Conde de Óbidos. Mas como indicamos, seu período no
cárcere se deve a sua tentativa de denunciar os descaminhos que observava no governo do vice-rei.
Ademais, foi posto no cárcere mais de um ano após D. Vasco prender e enviar para Lisboa os principais
suspeitos da conspiração. PUNTONI, Pedro. “Bernardo Vieira Ravasco, Secretário do Estado do Brasil:
poder e elites na Bahia”. In: O Estado do Brasil: Poder e política na Bahia colonial (1548-1700). São
Paulo: Alameda, 2013, p. 234.
322
1090
conseqüências para sua família . A vasta rede de indivíduos obrigados direta ou
indiretamente à D. Vasco Mascarenhas demonstrou a eficácia do poder exercido através
da ação coordenada de vários agentes.
Os casos analisados para a capitania da Bahia reforçam o entendimento que
temos apresentado sobre o potencial das redes nas atividades políticas, propiciando
tanto possibilidades de inserção e favorecimento mútuo, quanto a capacidade de exercer
oposições ferrenhas e antagonismos eficazes aos adversários.

6. Conclusão

Ao longo deste capítulo buscamos identificar e analisar os diferentes tipos de


relações que conformavam a rede governativa de D. Vasco Mascarenhas durante o seu
governo no Estado do Brasil. Encontramos relações de amizade, de parentesco, de
fidelidade e de interesses econômicos, e em alguns casos observamos que mais de uma
dessas características moldava a forma e a expressão da relação 1091. Ao mergulhar nesse
emaranhado de relações assimétricas nosso objetivo foi buscar entender as dinâmicas da
governação por outro prisma. Isto é, ao identificar que os indivíduos se relacionavam de
uma maneira particular, ou mesmo que já possuíam uma longa trajetória de atuação
juntos, a compreensão sobre as atividades eles desenvolvem se altera, ganhando maior
dimensão.
Deste modo, concordamos plenamente com o entendimento proposto por Fátima
Gouvêa, que afirmou que a formação das redes expressava uma característica inerente e

1090
Vale recordar que o padre Antônio Vieira, irmão de Ravasco, havia se envolvido com as disputas
cortesãs, apoiando a rainha regente D. Luísa de Gusmão, o que lhe acarretaria o desterro da Corte em
1662 com a ascensão de Afonso VI e de seu valido o 3º. Conde de Castelo Melhor. Cf. PAIVA, José
Pedro. “Revisitar o processo inquisitorial do padre António Vieira”. Lusitania Sacra. n°. 23. Jan-Jun,
2011. p. 156. Cf. DANTAS, Vinícius Orlando de Carvalho. Op. cit. p. 225. Como indicamos os laços
entre o conde de Óbidos e a facção cortesã que conduziu Afonso VI ao trono eram bem estreitos, de modo
que o conflito com Ravasco poderia ser um desdobramento dessas disputas faccionais. Com o fim do
governo do Conde de Óbidos, Bernardo Viera Ravasco retornou ao oficio de secretario de Estado do
Brasil. Sabemos que em Dezembro de 1667 já gozava de liberdade exercendo novamente seu oficio.
Retornando as atividades tratou de nomear outro oficial no lugar de Antonio de Souza Azevedo,
individuo que se beneficiou dos emolumentos da secretaria enquanto esteve no cárcere. 12/12/1667.
DHBN, Vol. XXIII, p. 242.
1091
Maria de Fátima Gouvêa sintetizou de modo muito preciso quais eram as características que
concorriam para a agregação de indivíduos em uma rede, destacando por lado “um conjunto de
experiências e relações sociais que de vários modos aproximavam e entrelaçavam determinados
indivíduos que ocupavam cargos na administração portuguesa” e somado a isso “destacam-se as relações
de parentescos, o compadrio, os vínculos estabelecidos pela necessidade de estabelecer representantes –
procuradores – em diferentes áreas, bem como o envolvimento em atividades mercantis afins e, afora tudo
isso, o compartilhar de experiências de vida em comum”. GOUVÊA, Maria de Fátima. Op. cit. 2010. p.
179.
323
essencial dessa sociedade, sendo que os diversos tipos de vínculos (clientelar, amizade,
parentesco) eram “elementos que combinados se convertiam em um sistema de
redistribuição de oportunidades materiais e sociais sob o marco de uma „economia
moral‟ no âmbito da qual o conjunto de recursos existentes poderia servir ao alcance de
1092
determinados objetivos, tanto comuns quanto individuais” . Os exemplos que
analisamos ao longo deste capítulo indicam claramente como as práticas coordenadas de
indivíduos propiciavam o favorecimento e a distribuição de recursos para os atores
envolvidos no processo.
Por outro lado, é preciso dizer que a relevância e a importância dessas formas de
organização se devem ao seu caráter excepcional, pois via de regra, a maioria das ações
da governação, sejam aquelas que verificamos através comunicação política ou nos
processos de provimento de serventias, não eram norteadas por estes tipos de vínculos
interpessoais. Na maior parte do tempo as relações tratam de despachos cotidianos da
governação e de satisfação aos serviços dos pleiteantes.
Para fornecer uma visão geral sobre as ramificações dos vínculos tecidos pelo
Conde de Óbidos elaboramos a representação visual da rede analisada no Grafo 1. Se
observarmos essas relações de modo agregado teremos uma idéia mais clara da
dimensão e da capacidade de atuação que as redes governativas poderiam mobilizar.
Optamos por relacionar neste grafo as relações mais visíveis e recorrentes que
encontramos, bem como buscamos ordená-las por cor, a fim de facilitar a compreensão
sobre a natureza da relação na governação. Obviamente essa representação não da conta
de abarcar todas as relações que o Conde de Óbidos desenvolveu no Estado do Brasil,
mas certamente aponta aquelas que foram mais freqüentes e mais evidentes1093.
Optamos por destacar nessa representação a ocupação de determinados ofícios, pois
consideramos que isso auxilia a compreender o funcionamento da rede do quadro geral
da governação.

1092
Ibidem. p. 167.
1093
Optamos por não incluir nessa representação figuras que alegadamente teriam vínculos com o vice-
rei, visto que as informações sobre isso surgiram principalmente das acusações contra a sua conduta a
frente do governo. Em todo caso, se o grafo não abarca a totalidade dessa dinâmica relacional, ele por
outro lado, nos fornece uma visão aproximada do alcance dessa rede no tocante à interferência nos rumos
da governação em diversas capitanias do Estado do Brasil.
324
Grafo 1 - A rede governativa do Conde de Óbidos no Estado do Brasil (1663-1667)

Como temos demonstrado, os principais interlocutores de D. Vasco Mascarenhas


no interior desse agrupamento eram os oficiais de governo (Capitães-mores e
Governadores de Capitania) e os Oficiais de Fazenda (Provedores e outros oficiais da
Fazenda). A interação com esses oficiais moldava estratégias e práticas que conciliavam
interesses e produziam mudanças efetivas nos assuntos referentes ao governo quanto
naqueles de cunho marcadamente privado. Os laços que uniam o vice-rei à esses oficiais
eram assentados na “identificação de interesses e experiências comuns, bem como na
utilização de um sistema de apoio mútuo que tal mobilização relacional possibilitava e
potencializava”1094.
Destarte, as situações que descrevemos nos permitem apreender como se
estruturavam os processos que permeavam e definiam o curso de diversas questões da
governação. Nesse cenário conseguimos observar as duas faces da moeda: de um lado
as alianças estratégicas e o favorecimento de indivíduos e interesses; do outro os
esforços para minar os adversários políticos e para preservar a esfera de influência.
Acreditamos que o processo de análise das redes governativas nos ajude a perceber
aquilo que Mafalda Soares da Cunha afirmou sobre o caráter concomitante dessa forma
de organização, pois estas “funcionam em paralelo, totalmente sobrepostas ou apenas
parcialmente sobrepostas ás formas institucionalizadas de decisão político

1094
GOUVÊA, Maria de Fátima. Op. cit. 2010. p. 166.
325
administrativa”1095. Essas características muito particulares nos permitem acessar a
governação por outro prisma, apresentando uma forma de organização política
multifacetada, dinâmica e adaptável.
Por fim, destacamos a importância de observar o impacto dessas redes mais
circunscritas, como a que apresentamos. Diferente dos casos analisados por Fátima
Gouvêa e Marília Nogueira dos Santos1096, que percebem redes com vigorosas
articulações ultramarinas, espalhadas por vários cantos do império, a rede analisada
neste capítulo apreende majoritariamente as relações desenvolvidas no interior do
Estado do Brasil, com algumas indicações de vínculos atlânticos. Deste modo, ao nos
concentrarmos neste corpo político da América portuguesa conseguimos identificar os
meios utilizados para obter a projeção de poder em níveis regionais, bem como as
práticas de gestão de recursos e pessoas em diversas capitanias, recuperando uma
realidade política muito rica, permeada por interações simbólicas e estratégicas. A
governação vista por esse prisma não é bidimensional, pois reconhece a racionalidade
dos indivíduos que atuavam nesse processo, recuperando o sentido de sua agência no
contexto particular do Estado do Brasil. Através da rede governativa do Conde de
Óbidos conseguimos recuperar os fragmentos de uma visão de mundo compartilhada,
em níveis diferentes de intensidade, pelos governadores que foram enviados para a
América – lusa. Neste espaço os laços interpessoais eram tecidos e utilizados para
viabilizar e operar transformações, de cunho político ou privado, através da governação.

1095
CUNHA, Mafalda Soares da.“Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das
conquistas, 1580-1640”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.) Na trama das redes:
Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010. p.122.
1096
SANTOS, Marília Nogueira dos. “Do Oriente ao Atlântico: a Monarquia Pluricontinental portuguesa
e o resgate de Mombaça, 1696-1698”. In: GUEDES, Roberto (Org.) Dinâmica Imperial no Antigo
Regime Português: Escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados. Séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2011.
326
Conclusão

A governação do Estado do Brasil encetava diversas dinâmicas e variáveis que


nenhum modelo explicativo será capaz de analisá-las satisfatoriamente. Desde o inicio
desta pesquisa tivemos a preocupação de evitar esse tipo de cilada analítica e
explicativa. Nosso principal esforço foi resgatar e analisar categorias, dinâmicas e
conceitos oriundos das fontes e do contexto que as produziu, a fim de que a reflexão que
apresentamos se aproximasse das formas como aquela sociedade pensou, organizou e
atuou no âmbito da ação política de governo.
Nesse sentido, destacamos a importância de examinar as trajetórias dos
governadores-gerais, bem como suas origens sociais e as alianças que construíam ao
longo desse percurso. Uma análise atenta nos permitiu apreender como estas trajetórias
definiam posições e atitudes dos governadores-gerais e ainda nos revelou como os
vínculos eram construídos e operacionalizados nos moldes de rede sociais. Além disso,
buscamos demonstrar como a construção e o uso de narrativas permitiu que esses
fidalgos perpetuassem a memória de suas ações, cristalizando no imaginário da época os
feitos desenvolvidos a serviço do Rei. Entendemos essas práticas como estratégias de
ganhos simbólicos e materiais de ordem individual, e de modo complementar como
ações que proporcionavam o acrescentamento social e a nobilitação de suas Casas.
Buscamos destacar também como as transformações ocorridas nas instruções
dos regimentos estavam associadas a demandas originadas no fazer da governação, de
modo que estas expressavam os reflexos conjunturais e o crescimento da importância
das capitanias de Pernambuco e Rio de Janeiro. O progressivo detalhamento das
instruções textuais refletia o aprimoramento das jurisdições, bem como a definição dos
poderes e dos espaços de atuação. O processo que denominados de ordenamento
territorial das jurisdições pode ser entendido tanto como um resultado da definição das
instruções regimentais, quanto da progressiva concessão de poder em nível regional às
capitanias do Rio de Janeiro e Pernambuco que receberam jurisdição para exercer poder
e delimitar a área de influências sob as capitanias anexas e subordinadas.
A análise do cotidiano da governação, através do estudo das dinâmicas de
comunicação política interna e do provimento de serventia de ofícios, nos possibilitou
reconstruir fragmentos de grande parte das atividades desenvolvidas pelos
governadores-gerais.

327
Através do exame da comunicação política no interior do Estado do Brasil
pudemos identificar circuitos de comunicação, bem como as características associadas
aos ritmos de envio de correspondência para as capitanias. A análise quantitativa nos
permitiu identificar os tipos de interlocutores e os principais assuntos abordados, e ainda
as diferenças entre essa relação em cada capitania. Como consequência conseguimos
apreender de modo qualitativo a construção de vínculos e alianças que foram
mobilizados para ação política, como observamos especificamente na rede governativa
do Conde de Óbidos.
A prerrogativa de provimento da serventia dos ofícios foi utilizada como um
importante instrumento de governo, capaz de interferir em situações, alterar
conformações políticas e assegurar a defesa de interesses. Como indicamos no Capítulo
2, esta área de atuação foi alvo de grande controvérsia durante todo o período, uma vez
que era fonte de constantes conflitos de jurisdição. Nos regimentos conseguimos
observar como os poderes relacionados ao provimento dos ofícios sofreu alterações ao
longo de todo o período, seja na formulação textual, seja na ampliação da delegação
destes poderes e prerrogativas aos governadores do Rio de Janeiro e Pernambuco. Além
disso, buscamos ressaltar a importância de uma caracterização dos tipos de ofícios e da
distribuição regional dos provimentos, como forma de visualizar outros aspectos das
políticas empreendidas pelo governo-geral. Nesse sentido, os dados obtidos através
dessa análise também subsidiaram a reconstrução da rede governativa do Conde de
Óbidos, visto que o provimento era uma das práticas centrais para a criação de vínculos
e atuação estratégica de uma rede social.
Por fim, pudemos demonstrar através do exemplo da rede estabelecida pelo
Conde de Óbidos como este tipo de articulação interpessoal era capaz de promover
mudanças efetivas nos rumos da governação. Seja pela troca de favores ou defesa de
interesses, seja pela mobilização de recursos e pessoas para a luta política, as redes
governativas figuravam como instrumentos centrais de ação, ainda que não fossem
formalmente reconhecidas. Destacamos a relevância de realizar essa análise de modo
circunscrito, concentrando na produção de relações no interior do Estado do Brasil,
conforme indicamos para a comunicação política e o provimento de ofícios. Essa opção
nos permitiu observar de modo mais detido o exercício de poder em suas múltiplas
formas e resultados. Os vínculos de amizade, parentesco e de aliança clientelar foram

328
mobilizados tanto para interesses privados como para fins que estavam associados a
demandas da governação.
Deste modo buscamos através desse trabalho reforçar a importância de análises
que se dediquem a analisar os fenômenos da governação em uma escala maior,
transcendendo questões particulares e conjunturais que tanto marcam os governos. Com
isso não estamos de nenhum modo desprestigiando esse tipo de estudo, e tão pouco
reduzindo sua validade. O que estamos advogando é a necessidade de avançar nosso
conhecimento sobre as práticas de governação em uma escala de observação mais
alargada, a fim de identificar a relação que os governos individuais guardam com um
quadro analítico mais geral, para que não generalizemos conclusões que muitas vezes
dizem respeito a um momento muito específico. Neste ponto as análises certamente se
beneficiariam de um “jogo de escalas” entre tendências gerais e dinâmicas específicas.
Buscamos indicar o percurso metodológico e analítico que trilhamos ao longo do
trabalho, a fim de sugerir um ponto de partida que deve ser pensado, revisto e
modificado para atender às questões que movimentam os trabalhos. Como indicamos ao
longo de todo o trabalho, nosso conhecimento sobre diversos aspectos da governação
ainda é muito lacunar, de modo que muitas questões aguardam investigação.
De nossa parte buscamos explorar algumas inquietações iniciais, além de outras
tantas que surgiram no decorrer da pesquisa. Em conclusão, devemos buscar sanar nossa
ignorância sobre o fazer político na América portuguesa através de trabalhos
solidamente empíricos, preocupados em produzir explicações que não ignorem as
incoerências e contradições tão comuns nestas sociedades. De nenhum modo este
trabalho esgota as questões de ordem prática, metodológica ou historiográfica
concernentes ao governo-geral e a história da governação, em nenhum momento
tivemos tamanha pretensão. Entretanto, almejamos que as questões e os dados
apresentados construam novos diálogos e caminhos para uma compreensão mais
abrangente sobre a organização política do Estado do Brasil, assim como para as
inúmeras dinâmicas que formavam o fazer da governação.

329
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Cx.20, D.2249-2251, D. 2263; Cx. 21, D. 2462; Cx. 22, D. 2607, D. 2608; AHU_ACL_CU_009
(Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central, Conselho Ultramarino. Avulsos do
Maranhão) Cx. 4, D.504; AHU_ACL_CU_015 (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração
Central, Conselho Ultramarino. Avulsos de Pernambuco) Cx. 6, D. 466, D. 467; Cx. 10, D. 909,
D. 954; AHU_ACL_CU_017-01 (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central,
Conselho Ultramarino. Castro Almeida) Cx. 5, D. 930, D. 958; Cx. 6, D. 972, D. 977, D. 984, D.
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