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ISSN 2596-268X
RESUMO
3 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) – Universidade de Brasília (UnB). Email:
fabra201@gmail.com
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
5 Nos textos de Vigotski (2012) a idade de transição coincide com a adolescência. O autor
demarca que a idade de transição se caracteriza por uma série de relações contraditórias e
polarizadas, sendo “a idade da transgressão do equilíbrio do organismo infantil e do equilíbrio
ainda não encontrado do organismo maduro” (Vigotski, 2009, p. 48).
6 “Na conceituação de Vigotski, corresponde ao período estável que se situa entre a crise dos
três anos e a crise dos sete anos” (VIGOTSKI, 2020, p. 150 – Notas da revisão técnica).
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interpretar papéis sociais, por exemplo, ela se apoia nos elementos dispostos
no real, a partir de regras e generalizações das funções sociais que quer
representar. Sobre isso, Smolka (2009) comenta: “A brincadeira infantil é,
assim, um lugar por excelência de incorporação das práticas e exercício de
papéis e posições sociais” (p. 16).
Por conseguinte, para Vigotski (2008) a brincadeira implica uma
(re)configuração dos modos de a criança se relacionar consigo, com o outro e
com o mundo derivada da complexificação dos seus processos criadores de
gênese social. Assim, a brincadeira na idade pré-escolar revela a divergência
entre o campo semântico e o óptico. Isso porque a criança passa a operar com
os significados deslocados dos objetos reais, ou seja, esses se flexibilizam; um
lápis pode virar um avião ou um cabo de vassoura um cavalo.
Partindo dessas premissas, neste artigo, propomos problematizar a
situação imaginária que envolve o brincar de faz de conta da criança com
Transtorno do Espectro Autista (TEA). Tendo como argumento central as
considerações teóricas da Perspectiva Histórico-Cultural – incluindo estudos
contemporâneos sobre a temática –, realizamos uma pesquisa de campo com
esse público, buscando contribuir para o aprofundamento teórico da questão
no âmbito da psicologia e da educação.
O autismo é considerado pelos principais instrumentos de diagnóstico
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM e
Classificação Internacional de Doenças – CID) como um transtorno do
desenvolvimento, caracterizado por apresentar prejuízos nas relações sociais,
na comunicação e na imaginação (Tríade de Prejuízos). Os estudos são
amplos e uníssonos quanto à importância de trabalhar essas áreas, almejando
um prognóstico mais positivo para a criança com TEA. Todavia, o foco das
pesquisas remete às dificuldades ou aos prejuízos da função imaginativa
dessas crianças. Para muitas pesquisas, é quase impossível a criança com
autismo imaginar. Elas defendem a incapacidade dessa criança para
simbolizar, principalmente, para brincar de faz de conta (KANNER, 2012;
KLINGER & SOUZA, 2015; PASSERINO, 2005; RIVIÈRE, 2004; TAMANAHA
ET AL., 2006; WILLIAMS & WRIGHT, 2008)
Em se tratando da criança com TEA, foco do nosso trabalho, a literatura
mais tradicional (KANNER, 2012; KLINGER & SOUZA, 2015; RIVIÈRE, 2004;
TAMANAHA ET AL, 2006; WILLIAMS & WRIGHT, 2008) aponta que elas são
vistas como aquelas que possuem limitações nos seus processos de criar e
imaginar. Essas pesquisas, em termos gerais, dissertam que a criança com
TEA apresenta um pensamento rígido, inflexível; demonstra falhas quanto à
teoria da mente. Isso implica que a criança com autismo é incapaz de antever
reações futuras do outro; de distinguir sensações (emoções) positivas (alegria,
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mundo para ela. Nesse sentido, Chiote (2013) compreende a brincadeira como
uma atividade que se aprende a partir do outro, por isso é necessária a
“criação de condições para que a criança com autismo amplie suas
experiências de brincadeira na relação com seus pares” (p. 60).
Diante dessas discussões, partindo de uma investigação empírica,
indagamo-nos: como brincam as crianças com TEA? Buscamos responder
essa questão, explorando aspectos do faz de conta com foco nos recursos
representativos e expressivos emergentes nas situações imaginárias em que
ocorre a flexibilização funcional do brinquedo no cenário da brincadeira.
MÉTODO
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7 Os dados aqui apresentado fazem parte de uma pesquisa mais ampla denominada
“supressão”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa supressão.
8 Seguindo os princípios éticos da pesquisa em Ciências Sociais, os nomes dos participantes
foram trocados.
9“Destina-se a crianças de 0 a 3 anos e 11 meses que apresentem atraso no desenvolvimento
e que se encontrem em situações de risco, de prematuridade, com diagnóstico de deficiências
ou com potencial de precocidade para altas habilidades/superdotação” (DISTRITO FEDERAL,
2010, p. 103).
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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A pesquisadora responde:
— Guarda ... é ouro!
Luana também cava e encontra uma pedra, e mostra para a
pesquisadora:
— Aqui, ó!
A pesquisadora sorri e faz um gesto de legal com o polegar. Em seguida,
fala com Gil:
— Você achou também?
Gil responde:
— Achei uma moeda!
Gil olha para a pesquisadora sorrindo e mostra a palma da mão cheia de
areia.
(...)
Verificamos, a partir da análise dos episódios descritos que, diferente do
que relata a literatura clássica sobre o TEA (Kanner, 2012; Klinger & Souza,
2015; Rivière, 2004; Tamanaha et al, 2006; Williams & Wright, 2008), as
crianças brincam envolvendo-se em situações imaginárias. Isso ocorre porque
os dados apontam que elas são capazes de agir não somente de acordo com o
que veem, mas conseguem transpassar a realidade imediata-concreta.
Nos dois episódios, as crianças estão no parque. Cada uma organiza
suas brincadeiras e utilizam os brinquedos de acordo com suas preferências.
As crianças com TEA, observadas nesses episódios, compõem suas
brincadeiras conforme seus interesses e com muita liberdade de escolha de
materiais e exploração do espaço físico da escola.
O episódio 01, por exemplo, aconteceu nos primeiros minutos de
brincadeira no parque. Nesse momento, as crianças do segundo período, que
costumavam dividir o horário daquele espaço com as crianças da Classe
Especial, não tinham chegado ainda. Geralmente, no momento do parque, as
crianças ficam mais à vontade, sem mediação direta das professoras. As
docentes assumem um papel de observadoras, intervindo e/ou participando, às
vezes, da brincadeira. Quando necessário, elas mediavam situações de conflito
entre as crianças.
No episódio 01, percebemos que Lui sai correndo e se dirige ao balanço
de pneus. Esse balanço parece ser um dos brinquedos prediletos dele, pois,
comumente, ele gostava de brincar por ali. A ação dessa criança em escolher
um brinquedo contradiz diversas pesquisas que apontam a falta de interesse
da criança com TEA diante de brinquedos e/ou brincadeiras (RODRIGUES &
SPENCER, 2015), afirmando a incapacidade para brincar, principalmente de
faz de conta. Ou, ainda, assim como as investigações que consideram o modo
de brincar da criança com TEA estranho e/ou desprovido de sentido (KANNER,
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2012; RIVIÈRE, 2004 entre outros). Lui, entretanto, parece nos mostrar o
contrário. Ele está bem entretido com sua brincadeira e percebe que falta algo,
o assento extra. Assim, ele sai correndo para o outro lado do parque (oposto ao
do balanço) e vai até a caixa dos brinquedos. Dentro dela pega a caçamba de
caminhão e sai correndo com ela na mão em direção ao balanço. De volta, a
coloca em cima do pneu e senta nele — no assento extra, preparando-se para
começar a brincadeira. A partir dessa iniciativa, percebemos que Lui entendeu
a funcionalidade da caçamba ao se dirigir para buscá-la – sem que ninguém o
orientasse. Lui demonstrou ter independência e autonomia para solucionar o
problema com o qual se deparou no uso do brinquedo. Ele se ajeitou no
assento extra. Segurou firme as correntes de metal que sustentam o balanço e
se preparou para balançar. No entanto, não conseguiu fazer isso sozinho. Seus
pés não tocavam o chão, o que dificultava impulsionar o corpo para frente,
impedindo o brinquedo de se mover. Assim, a professora, que já estava
observando suas ações, aproxima-se para ajudá-lo. De repente, Lui, com o
balanço em movimento, solta uma das mãos da corrente, levanta o braço para
cima, sorrindo e, acompanhado de uma gestualidade específica, grita:
— Seguura, peão!
Podemos deduzir que, nesse momento, o menino atua no plano
imaginativo, se desprendendo do campo perceptual imediato. “Segura peão!”,
por exemplo, é uma frase usada pelos vaqueiros ao domar os touros nas festas
de rodeio, mas também muito empregada nas brincadeiras com touros
mecânicos. Parece-nos que o movimento do balanço remete Lui à lembranças
de cenas típicas desse cenário cultural. Cenas que ele pode ter vivenciado
direta ou indiretamente. Afinal, a criação não surge do nada, mas é oriunda de
nossas experiências culturais; daquilo que vivemos em nosso cotidiano.
Nessa linha, é importante salientar que há indícios de que Lui substitui o
significado concreto do objeto (balanço) por outro (imaginado): o balanço
transforma-se em cavalo ou touro. Aqui, o balanço opera como o objeto pivô da
brincadeira criada por Lui, pois dá a sensação corporal de ir para frente e para
trás com o corpo (como ocorre com o peão em cima do touro). No episódio 02
(Achando um tesouro!) Gil também transforma a areia em moeda. Ou seja, ele
altera o significado do objeto; evidências da flexibilização do significado do
objeto pivô, conforme analisaremos mais adiante (sobre isso ver: ELKONIN,
2009; LEONTIEV, 2014; PINTO E GÓES, 2006; SILVA, 2002, 2012; SILVA,
COSTA & ABREU, 2015; TOLENTINO, 2015; VIGOTSKI, 2008).
Autores da Perspectiva Histórico-Cultural, mais especificamente Vigotski
(2007), Leontiev (2014) e Elkonin (2009), dedicaram-se ao estudo sobre o uso
do objeto pivô na constituição e significação da atividade do brincar pela
criança. Para eles, o uso desse objeto está associado à ruptura da criança com
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ações do brinquedo” (p. 128), pois a atividade lúdica da criança envolve uma
ação generalizada. Isso significa que, ao brincar de ser motorista, por exemplo,
a criança imita um motorista qualquer (as ações e funções prototípicas) e não
exatamente aquele único motorista que ela conheceu em um dia determinado.
Ou seja, a criança não se preocupa em representar a ação específica de um
motorista singular, mas se dedica a reproduzir as ações gerais de ser motorista
(de dirigir). Em outras palavras, a brincadeira possui caráter generalizador.
Sendo assim, os modos de ação e as condições do jogo podem amplamente
sofrer mudanças. Entretanto, essas não são de infinitas possibilidades, visto
que as operações lúdicas dependem das possibilidades dadas pelo real
(representar com coerência as ações que representam o motorista).
Nessa lógica, Leontiev (2014) argumenta que, na brincadeira, nem tudo
pode ser tudo: “nem todo objeto pode representar qualquer papel na
brincadeira, ou mesmo brinquedos podem desempenhar diferentes funções,
dependendo de seu caráter, e participar diferentemente da estrutura do jogo”
(p. 131). O autor explica que um lápis pode ser uma pessoa; um relógio, uma
farmácia; mas uma bola macia não poderá ser uma pessoa que precisa ir até à
farmácia comprar um remédio. Isto porque, a ação imposta não pode ser
executada usando a bola. Esse objeto não possui a característica andar, que é
essencial para a configuração da situação imaginativa, inviabilizando a
continuidade da brincadeira. Assim, a criança a interrompe, mas logo reinventa
outra, configurando novas ações, consequentemente, novas operações
lúdicas.
Ao longo da nossa análise e dos episódios apresentados, foi
evidenciada a emergência de processos de significação nas crianças com TEA.
Tais momentos não ocorreram da mesma forma, com a mesma intensidade ou
quantidade, quando comparamos com as crianças com desenvolvimento típico.
Mas contrariam as pesquisas tradicionais que defendem que não há
refinamento simbólico no funcionamento imaginativo da criança com TEA.
De acordo com Vigotski (2008, 2009), fazer a separação da ideia
(palavra) do objeto é um processo mental complexo. Essa premissa se aplica
para toda e qualquer criança, inclusive para as com TEA. Desta maneira, a
participação, a mediação do outro por meio dos instrumentos e signos (em
especial a linguagem) caracteriza-se como elemento indispensável e essencial
na constituição do brincar de qualquer criança.
Cruz (2015), ao estudar o brincar na infância, discute a constituição e o
desenvolvimento da brincadeira. A autora defende a importância do outro no
faz de conta, advogando que a atividade lúdica é uma esfera de aprendizado.
Afinal, aprendemos a brincar! A autora afirma que entre as primeiras
experiências da criança com o objeto (brinquedo) até a emergência do faz de
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CONCLUSÕES
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REFERÊNCIAS
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