Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Curso de Direito
Rio de Janeiro
2020.2
NORMA CRISTINA DO NASCIMENTO DA SILVA
Rio de Janeiro
Campus Presidente Vargas
2020.2
2
RESUMO
O presente trabalho versou sobre o tema Lei 13.966/19 - Inovação na Circular de Oferta de Franquia
(COF), relacionado a ações judiciais, com o objetivo de identificar se essa nova Lei de Franquia, modi-
ficando a exigência de informação na Circular de Oferta de Franquia (COF) de ‘pendências judiciais’
para ‘ações judiciais’ favorece ou prejudica o franqueado. Abordou as características das franquias,
assim como as do contrato de franquia, ressaltando os aspectos positivos da arbitragem para as em-
presas, assim como o negativo para os candidatos a franqueados, quando relacionados a COF, ex-
pondo-os a maiores riscos. Verificou que o candidato a franqueado, pela falta de informações sobre
procedimentos arbitrais do franqueador, é potencialmente prejudicado na tomada de decisão para con-
tratar a franquia.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1 A franquia no contexto econômico atual provocado pelo novo
coronavírus; 2.2. Arbitragem: conceito e características; 2.3. O Contrato de franquia no contexto eco-
nômico atual; 2.4. COF e as relações empresariais na franquia. 3. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
devido a leitura da nova formatação dada à Circular de Oferta de Franquia, que apre-
senta alterações nas obrigações e direitos do franqueador e do franqueado. A nova
lei traz em seu bojo mudanças, que se manifestam em alterações de expressões, de
cláusulas, assim como inova ao tratar da franquia na administração pública, na sublo-
cação de imóvel entre franqueador e franqueado, no contrato internacional de fran-
quia.
Especificamente, o assunto em pauta neste trabalho é a alteração do termo
“pendências judiciais” para “ações judiciais”, em artigo da lei que versa sobre obriga-
ções do franqueador face ao franqueado. A questão central é se tal alteração implica
em aumentar a abrangência das informações ou em restringi-las; em favorecer o fran-
queado ou o franqueador. Para tal, serão conceituados contrato, contrato de franquia,
arbitragem, franquia, seus tipos e características, por meio de dados primários e se-
cundários que foram coletados por intermédio de pesquisa bibliográfica.
Caso se entenda que nem todas as ações judiciais possuem pendências, então
a nova terminologia aumenta a quantidade de dados que o franqueado receberá do
franqueador, ajudando-o em sua tomada de decisão na assinatura do contrato de
franquia. Entretanto, se ficar entendido que em ações judiciais não cabe informações
de processos em juízo arbitral (uma interpretação literal do texto legal), o franqueado
restaria em desvantagem sem tais informações.
Ressalte-se que o juízo arbitral é, de certa forma, incentivado pela própria Lei
13.966/19, pois que as partes poderão elegê-lo para resolver conflitos relacionados
ao contrato de franquia. É uma modalidade de resolução de conflitos atraente para o
contrato de franquia, por ser mais ágil, por expressar a confiança de julgamento téc-
nico mais assertivo de que o do Judiciário, sendo mais barata, a depender do tipo de
litígio e, determinando-se o sigilo, mantém a privacidade das empresas e empresários
envolvidos no empreendimento. Uma das inovações da nova lei de franquias é que,
teoricamente, o franqueador não é mais obrigado a informar na COF se existe ou não
algum procedimento arbitral instituído. A publicidade no juízo arbitral entre particulares
não é uma regra, mas uma opção das partes; a discrição é requerida do juízo apenas,
entretanto é extremamente favorável este sigilo para o franqueador demandado em
eventuais arrestos e sequestros de bens, pois tais também não são publicitados. Claro
está que restringir o acesso do franqueado às informações sobre litígios em juízo ar-
bitral pode levá-lo a fechar contrato de franquia numa tomada de decisão equivocada,
com aumento do risco do negócio para o franqueado, o que seria minimizado se ele
4
2 DESENVOLVIMENTO
1
DESEMPENHO DO FRANCHISING BRASILEIRO: 1º trimestre de 2020. Rio de Janeiro: ABF, 2017-
2020. Trimestral. Disponível em: <https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/>. Acesso em: 15
ago. 2020, p. 13.
5
2
DESEMPENHO DO FRANCHISING BRASILEIRO: 1º trimestre de 2020, op. cit., p.3.
3
CONSULTA MENSAL: Impactos COVID-19 no franchising – julho 2020. Rio de Janeiro: ABF, 2020-
2020. Mensal. Disponível em: <https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/>. Acesso em: 27 set.
2020, p. 4.
4
CONSULTA MENSAL: Impactos COVID-19 no franchising – junho 2020. Rio de Janeiro: ABF, 2020-
2020. Mensal. Disponível em: <https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/>. Acesso em: 15 ago.
2020, p. 2.
5
CONSULTA MENSAL: julho 2020, op. cit., p. 2.
6
CONSULTA MENSAL: junho 2020, op. cit., p. 6.
6
Ana Cláudia Redecker define franquia como uma forma de colaboração co-
mercial entre empreendedores independentes, regulada por um contrato, no
qual uma parte (franqueador) concede a uma ou mais pessoas físicas ou ju-
rídicas (franqueados) o direito de utilizar a própria razão social e/ou a própria
marca e, eventualmente, outros sinais distintivos para a venda de produtos
ou prestações de serviços, sobre a base de um conceito previamente desen-
volvido e consolidado no mercado, com assistência técnica para sua comer-
cialização, sem vínculo de subordinação, através do recíproco interesse, re-
cebendo em troca uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre o movimento
de vendas.8
7
BRASIL. Lei nº 13.966, de 26 de dezembro de 2019. Dispõe sobre o sistema de franquia empresarial
e revoga a Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994 (Lei de Franquia). Brasília, Distrito Federal, 2019.
8
REDECKER, Ana Cláudia apud TIMM, 2009, p. 91.
7
grandes experiências.9
Cabe ressaltar que o setor de franquia representa, no Brasil, uma significativa
parcela da atividade empresarial, atuando em diversos segmentos, apresentados pela
ABF como Alimentação; Casa e Construção; Comunicação, Informática e Eletrônicos;
Entretenimento e Lazer; Hotelaria e Turismo; Limpeza e Conservação ; Moda; Saúde,
Beleza e Bem Estar; Serviços automotivos; Serviços e outros negócios e Serviços
educacionais.10
Existe, na doutrina, uma grande diversidade quanto às formas de classificação
dos tipos de franquia, pelo que se apresenta neste trabalho o modelo adotado por
Redecker, que classifica o sistema de franquia em três tipos, que são relacionados à
sua forma de gestão, ao contexto do contrato de franquia e à natureza do franqueado,
conforme se discorre a seguir.11
Em relação à formatação do gerenciamento empresarial, se apresentam dois
tipos de franquia: o de marca ou de produto e o de franquia do negócio formatado.
A franquia de marca ou de produto é aquela em que bens ou serviços produzi-
dos ou idealizados pelo franqueador são distribuídos ao franqueado para revenda ao
consumidor final. Tais produtos ou serviços já são conhecidos no mercado, de sorte
que possuem boa fama, permitindo, assim, a colocação do negócio de franquia. Exis-
tem duas possibilidades para o emprego de marca ou produto: com ou sem exclusivi-
dade.
Sendo celebrado o contrato sem exclusividade, tratar-se-á de simples revenda,
desenho menos elaborado de franquia, pois que o franqueado trabalhará outras mar-
cas e produtos e o franqueador oferecerá somente qualidade e quantidade de serviços
mínimos. Tal já não ocorre no caso do contrato com exclusividade, pois que esta per-
mite uma negociação envolvendo expansão territorial do franqueado, estabelecendo-
se ausência de concorrência dentro de determinado limite geográfico.
Já a franquia do negócio formatado (business format franchising) é adotada
pelo franqueador que transfere aos franqueados todo cabedal de competência da es-
truturação das atividades desenvolvidas por sua empresa, em relação ao sucesso do
9
TIMM, Luciano Benetti. Arbitragem nos contratos empresariais, internacionais e governamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 89.
10
DESEMPENHO DO FRANCHISING BRASILEIRO: 3º trimestre 2019. Rio de Janeiro: ABF, 2017-
2020. Trimestral. Disponível em: <https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/>. Acesso em: 15
ago. 2020.
11
REDECKER, apud TIMM, op. cit., p. 91.
8
12
CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução no marketing. 2 ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1988, pg.
73-74 apud FARIA, Isabela Brockelmann de. O contrato de franchising: Obrigações do franqueado.
Orientador: Gustavo Saad Diniz. 2013. 101 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel de Direito) -
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2013, p. 49.
13
FARIA, Isabela Brockelmann de. O contrato de franchising: Obrigações do franqueado. Orientador:
Gustavo Saad Diniz. 2013. 101 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel de Direito) - Faculdade
de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2013, p. 49.
9
meio de comerciantes tradicionais que dedicam uma área de seu próprio negócio para
comercializar produtos do franqueador, produzidos ou selecionados por este, como
se pode observar, por exemplo, nos estandes em shopping centers. Dentro de lojas,
os espaços destinados aos produtos do franqueador devem obedecer estritamente às
regras da franquia estabelecidas entre os contratantes.14
Em relação à natureza do franqueado, têm-se as seguintes categorias: franquia
de produtos, de serviços, de distribuição e de indústria.
A franquia de produtos é o modelo básico, que consiste em aperfeiçoar a dis-
tribuição do produto do franqueador, em que ele é o produtor ou terceiriza a produção.
O produto já é reconhecido no mercado consumidor e sua comercialização se dá de
forma exclusiva por parte do franqueado.
Na franquia de serviços, tem-se uma prestação de serviços de forma diferenci-
ada, característica de uma marca registrada e diferencial do franqueador, que é iné-
dito, pessoal e incomum. O franqueado deve oferecer estes serviços igualmente for-
matados com os mesmos diferenciais nos padrões reconhecidos pelos consumidores,
pois o franqueador empresta suas técnicas ao franqueado para que isso aconteça.
Interessante destacar a relação personalíssima que ocorre nesse tipo de franquia,
como instrui Simão Filho:
14
Ibid, p. 50.
15
SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos jurídicos e contratuais. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2000,
p. 45, apud FARIA, op. cit., p. 51.
10
16
FARIA, op. cit., p. 51.
17
REDECKER, apud FARIA, op. cit., p. 51.
18
HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil. 4. ed. atual. Niterói: Im-
petus, 2017. p. 28.
19
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: Volume único. 8. ed. atual.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 20.
20
CARMONA, Carlos Alberto apud NEVES, op. cit., p. 20.
11
21
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. apud HARTMANN, op. cit., p. 35.
22
NEVES, op. cit., p. 20.
23
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 mar. 2015.
24
BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 23 set. 1996.
25
TIMM, op. cit., p. 102.
12
26
BRASIL. Lei nº 9.307, op. cit..
27
TIMM, op. cit., p. 25.
28
Ibid., p. 25.
13
29
Ibid., p. 25.
30
Ibid., p. 102.
31
Ibid., p. 101.
32
PUGLIESE, A. C. F. e SALAMA, B. M. apud TIMM, op. cit., p. 102.
14
33
MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral. Orientador: Prof. Dr. Car-
los Alberto Carmona. 2010. 415 p. Tese de doutorado (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 73.
34
MONTORO, op. cit., p. 75.
35
Ibid., p. 75.
36
BRASIL. Lei nº 9307, op. cit..
37
ALVAREZ apud CANDEMIL, Arthur Montenegro. A decisão por equidade: equidade e justiça na ar-
bitragem brasileira. Res Severa Verum Gaudium, Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 242-257, abr. 2018, p. 4.
38
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Trad. Jussara Simões. Rev. téc. e da trad. Álvaro de Vita.
São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 134, apud CANDEMIL, op. cit., p. 4.
39
MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso básico de direito arbitral: teoria e prática. Curitiba: Juruá, 2015., p.
65, apud CANDEMIL, op. cit., p. 7.
15
40
BRASIL. Lei nº 9307, op. cit.
41
NEVES, Flávia Bittar. A Visão empresarial da arbitragem: como a administração de conflitos pode
melhorar os resultados econômicos e não-econômicos do negócio?. Revista Brasileira de Arbitragem,
São Paulo, Editora IOB, n. 9, 2006, p. 31, apud TIMM, op. cit., p. 104.
42
TIMM, op. cit., p. 105.
43
Ibid., p. 101.
16
conforme está previsto na Lei nº9307/96, dos artigos 3º ao 12. O artigo 3º traz a figura
da convenção de arbitragem, que, segundo Câmara, é um gênero, que abrange as
espécies cláusula compromissória e compromisso arbitral.44
As duas espécies não se confundem, sendo a cláusula compromissória uma
convenção entre as partes contratantes que se comprometem a submeter à arbitra-
gem eventuais litígios futuros que venham a ocorrer relativamente àquele contrato
específico. A sua forma é frequentemente bem elementar, devendo obedecer ao pre-
visto no art. 4º, §1º, da Lei nº 9.307/96, ou seja, se o contrato for de adesão (que é o
caso do contrato de franquia) necessitará estar em negrito; como ressalta Hartmann,
a cláusula compromissória,
44
CÂMARA, Alexandre Freitas. Escritos de direito processual, segunda série. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005, p. 389, apud HARTMANN, op. cit., p. 36.
45
HARTMANN, op. cit., p. 36-37.
46
Ibid., p. 37.
17
ressaltar que o contrato de franquia vem sendo objeto de preocupação do setor, visto
que, segundo Terra,
Isto, porque a lei se concentra, acima de tudo, na Circular de Oferta de Franquia, não
dispondo a respeito da matéria da relação negocial. Também não se estendeu em
estabelecer os direitos e deveres das partes contraentes. Assim, pela ausência de
regras específicas e previsão que determine “legitimamente a uma das partes os efei-
tos decorrentes da implementação do risco, impõe-se buscar a solução adequada a
partir de interpretação sistemática do ordenamento jurídico.”48
Esse entendimento destaca a importância da compreensão das características
do contrato de franquia, visto que em seu conteúdo, conforme destacou Torres, pouco
se fala em direitos e deveres; o que acontece é uma centralização de alterações na
Circular de Oferta de Franquia.
Antes de adentrar ao conceito e às características do contrato de franquia, será
tratado o conceito de contrato genericamente.
Consoante leciona Tartuce, há unanimidade doutrinária em reconhecer que o
conceito de contrato surgiu a partir do relacionamento humano e da convivência em
sociedade, e que ele é tão remoto quanto a própria humanidade.49
Conforme a doutrina clássica, é, pois, o contrato, um ato jurídico bilateral ou
plurilateral, sujeito a, pelo menos, duas declarações de vontade. No entendimento de
Pinto, contrato:
47
TERRA, Aline de Miranda Valverde et al. Contratos de franquia e Covid-19. Migalhas: Migalhas Con-
tratuais, [s. l.], 30 mar. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratu-
ais/323008/contratos-de-franquia-e-covid-19. Acesso em: 28 set. 2020.
48
Ibid..
49
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v. 3, 14. ed. rev.
atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.
50
PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito civil sistematizado. 8. ed. rev. atual. e aum. Salvador: Juspo-
divm, 2017, p. 317.
18
Cabe ressaltar que o Código Civil de 2002 não traz em seu âmago o conceito
de contrato, apenas se limitando a conceituar as formas contratuais em espécie, res-
tando à doutrina pátria preencher essa lacuna.
Além do conceito clássico, exemplificado acima por Pinto, atualmente, propõe-
se o conceito pós-moderno ou contemporâneo de contrato, que espelha a eficácia
externa da função social dos contratos, referenciado por Tartuce:
51
NALIN, Paulo apud TARTUCE, op. cit. p. 3.
52
DINIZ, Maria Helena apud TARTUCE, op. cit. p. 3.
19
devedores uns dos outros. O negócio jurídico celebrado produz direitos e obrigações
para ambos, de forma proporcional. Desta forma, o contrato de franquia, além de bi-
lateral, também é sinalagmático. O sinalagma presente é a proporcionalidade das
prestações, pois as partes têm direitos e deveres entre si, o que se traduz em uma
relação obrigacional complexa.53
Em relação à tipicidade do contrato, há divergência na doutrina, pois o contrato
de franquia seria típico por ser regulado por lei. Entretanto, Coelho afirma que o con-
trato de franquia é atípico, porque a tipicidade só ocorre quando os direitos e obriga-
ções dos contratantes estão disciplinados pela lei, mesmo que parcialmente, o que
não ocorre na franquia, conforme ele discorre:
A franquia, por exemplo, não é contrato típico porque a Lei n. 8.955/94 tem a
natureza de disclosure statute, isto é, apenas exige dos franqueadores que
disponibilizem aos interessados a Circular de Oferta com determinadas infor-
mações e comprovações. Em nenhum dos seus dispositivos, atribui ao fran-
queador ou ao franqueado qualquer direito ou obrigação.54
Cabe frisar que a nova Lei de Franquia, Lei nº 13.966/19, em seu artigo 3º,
regula locação entre franqueado e franqueador, traz condições para os contratos de
franquia em seu artigo 7º, e, no artigo 8º, indica que a legislação de propriedade in-
dustrial deverá ser aplicada à Lei de Franquia, o que, quiçá, traga modificação no
entendimento doutrinário em relação à questão da tipicidade do contrato de franquia. 55
Segundo Tartuce, para o professor Álvaro Villaça Azevedo, pode-se classificar os con-
tratos atípicos em singulares ou mistos.
53
TARTUCE, op. cit., p. 21.
54
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: contratos, falência e recupe-
ração de empresas. v. 3, 19. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
55
BRASIL. Lei nº 13.966, op. cit..
56
AZEVEDO, Álvaro Villaça. apud TARTUCE, op. cit., p. 27.
20
57
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: volume III: contratos e atos unilaterais. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 81.
58
TARTUCE, op. cit., p. 41.
59
Ibid., p. 41.
60
GONÇALVES, op. cit., p. 87.
61
TARTUCE, op. cit., p. 22.
21
O que se desenha, portanto, é que o contrato de adesão pode ser utilizado nas rela-
ções empresariais e não somente nas de consumo.
Por outro lado, o contrato negociável ou paritário é aquele em que os contra-
tantes, por estarem em situação de igualdade (par a par) discutem as condições do
contrato e estabelecem suas cláusulas de acordo com as suas vontades acordadas.
De acordo com Zanchim, “os contratantes não são vulneráveis um em relação ao ou-
tro.” [...] “ambos em estado de paridade (positiva, se houver informação suficiente para
os dois contratantes, ou negativa, se não houver).”64
Conforme Lorenzetti, contratos paritários são aqueles em que “as partes estão
62
GONÇALVES, op. cit., p. 76.
63
TARTUCE, op. cit., p. 32.
64
ZANCHIM, Kleber Luiz. Contratos empresariais: Categoria - interface com contratos de consumo e
paritários - revisão judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 114.
22
65
LORENZETTI, Ricardo L. apud ZANCHIM, op. cit., p. 114
66
MESSINEO, Francesco apud ZANCHIM, ibid., p. 114.
67
ZANCHIM, op. cit., p. 115.
68
Ibid., p. 115.
23
segue:
É notório que, nesse sentido, pode-se incluir como pendências judiciais aquelas
em curso em juízo arbitral, ainda que seja este de natureza extrajudicial, pois que a
lide é colocada nas mãos de um terceiro para que a solucione pelas partes.
Ação, na terminologia do direito processual, tem como significado o direito de
recorrer à proteção da Justiça e agir acertadamente perante ela, conforme definição
69
BRASIL. Lei nº 13.966, op. cit..
70
BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial
(franchising) e dá outras providências. Brasília, Distrito Federal, 1994.
71
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 32. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016. ISBN
9788530960605, p. 1029.
24
de Silva.72 Ocorre que, na realidade, entre o direito de agir da ação e o exercício desse
direito, tem que haver a demanda, para que, de fato exista a ação judicial.
Isto posto, conclui-se que demanda possui acepção mais ampla que ação, “pois
que indica a ação em curso ou já formulada em juízo e em processo, enquanto a ação
revela o direito de agir ou direito de ir pedir em juízo, o que fundamenta ou autoriza a
demanda indicativa do exercício da ação.”75
Desta forma, deduz-se que nem todas as pendências judiciais são ações judi-
ciais, dentre elas as que correm em juízo arbitral. Sendo assim, com a obrigatoriedade
de fornecer apenas as informações de ações judiciais, o franqueado resta em desvan-
tagem, pois o sigilo no juízo arbitral torna impraticável ao que deseja ser franqueado
descobrir, por moto próprio, se a franqueadora possui ou não seguimento de proces-
sos no juízo arbitral.
Como se pode observar, a lei anterior imprimia maior amplitude nas informa-
ções que deveriam ser incluídas na Circular de Oferta de Franquia (COF), pois abran-
gia qualquer tipo de pendências judiciais, incluindo arbitragem, mediação, negociação,
ações judiciais etc. Ocorre que, a partir da vigência da nova lei, está obrigado o fran-
queador a informar somente ações judiciais, nos termos do artigo 2º, inciso IV, con-
forme já citado anteriormente.76
As demais demandas, porventura existentes no período de transação para a
celebração do negócio contratual, envolvendo o franqueador, assim como os demais
72
SILVA, op. cit., p. 39.
73
Ibid., p. 40.
74
Ibid., p. 435.
75
Ibid., p. 435-436.
76
BRASIL Lei nº 13.966, op. cit..
25
atores desse processo, ficam fora desse arcabouço informativo, cujo objetivo é servir,
justamente, como instrumento para embasar o franqueado em sua decisão de firmar
o contrato de franquia. Para isto serve a Circular de Oferta de Franquia; esclarecer o
franqueado, de acordo com Timm.77
Tendo ciência das demandas, e, portanto, de dívidas ou haveres do franquea-
dor, assim como das questões que ele vem enfrentando no contexto jurídico relativas
ao sistema de franquia ou ao comprometimento da operação de franquia, a tomada
de decisão estará mais fortemente embasada. Tal qual informa Schermerhorn Jr., Pe-
ter Drucker diz que “uma estratégia vencedora irá exigir informações sobre eventos e
condições fora da instituição”, e que as organizações devem dispor de “métodos rigo-
rosos para reunir e analisar informações externas”.78
Importante, neste contexto, ressaltar algumas características dos contratos em-
presariais, na abordagem de Garcia, que são os “realizados por empresas no exercí-
cio das suas atividades.”79 listadas aqui resumidamente, tais como: 1) o risco empre-
sarial, que é parte inseparável da atividade profissional da empresa, voltada “à obten-
ção de lucros, mediante a assunção dos riscos a ela inerentes”80; 2) o profissionalismo
e o dever de diligência dos dirigentes das empresas, gestores e administradores, para
com a entidade que representam;81 3) a organização empresarial, que capacita a em-
presa para alcançar seus objetivos, por meio de planejamento e aproveitamento de
oportunidades de negócios82; e 4) a concorrência e rivalidade, sendo este último as-
pecto de extrema relevância, no sentido de que nos contratos empresariais as partes
objetivam o máximo lucro e existe um ambiente de competição e concorrência pró-
prios das relações empresariais.
Portanto, não é de se esperar que as partes sejam colaborativas umas com as
outras, o que não significa dizer que, com isso, não haja boa-fé objetiva entre as par-
tes. Nesse sentido, Garcia aduz que “o dever de boa-fé e de práticas comerciais leais
são comumente invocados por ocasião do término de contratos comerciais de longa
duração”83, como são os de franquia.
77
TIMM, op. cit., p.97.
78
DRUCKER, Peter F. et al. apud SCHERMERHORN JR., John R. Administração. 8. ed. Rio de Ja-
neiro: LTC, p. 148.
79
GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos dos de-
veres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 220 p. ISBN 9788573487541, p. 139.
80
Ibid., p. 140.
81
Ibid., p. 142.
82
Ibid., p. 147-148.
83
GARCIA, op. cit., p. 153.
26
84
WEIGAND, Tory A. apud GARCIA, op. cit., p. 154.
85
ZANCHIM, op. cit., p. 121.
27
Isto significa dizer que o franqueado, diante da falta de dados dos possíveis
processos em arbitragem do franqueador, estará vulnerável em relação a este as-
pecto, e que, neste caso, conforme Garcia, os deveres de conduta que decorrem da
boa-fé objetiva devem prevalecer, de forma plena, quais sejam, os deveres de coope-
ração, de informação, cuidado e proteção.88 Tais deveres, no caso do contrato de
franquia, se manifestariam ao serem informadas, na COF, as pendências judiciais do
franqueador.
86
LAUX, Francisco de Mesquita. Mediação Empresarial: aplicação de mecanismos alternativos para
solução de disputas entre sócios. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. ISBN 9788554947804, p.
51.
87
GARCIA, op. cit., p. 193-194.
88
Ibid., p. 155.
28
3 CONCLUSÃO
informações torna vulnerável o franqueado, o que clama aos deveres de conduta de-
correntes da boa-fé objetiva (cooperação, informação, cuidado e proteção), nada mais
expressaria a boa-fé objetiva do que o franqueador informar também, na COF, os
procedimentos arbitrais nos quais é parte.
Diante do que foi exposto, levando-se em consideração os aspectos abordados
no presente estudo, pode-se chegar à conclusão que a nova redação do artigo, que
dispõe ser obrigação do franqueador informar todas as ações judiciais na COF, é pre-
judicial ao pretendente a franqueado, no sentido de que este fica mais exposto aos
riscos relativos à contratação de franquia que eventualmente tenha, em juízo arbitral,
demandas relacionadas ao negócio.
Tais litígios, resguardados pelo sigilo arbitral, não poderão ser acessados pelo
candidato a franqueado por qualquer meio, a não ser por ato voluntário do franquea-
dor, motivo pelo qual se afirma que há prejuízo ao proponente a franqueado, que sem
acesso a informações cruciais para a tomada de decisão ao contratar o negócio, pode
ser ver, futuramente, em condições de dificuldades, face ao desconhecimento de de-
terminadas situações do franqueador, como dívidas, disputa de autoria de marcas,
etc., as quais, se fossem do conhecimento do candidato a franqueado, talvez corro-
borassem para que o contrato de franquia não fosse fechado.
REFERÊNCIAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: contratos, fa-
lência e recuperação de empresas. v. 3, 19. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2020.
GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dog-
máticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 220 p.
ISBN 9788573487541.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: volume III: contratos e atos uni-
laterais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: Volume único.
8. ed. atual. Salvador: Juspodivm, 2017. 1.760 p. ISBN 9788544206959.
PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito civil sistematizado. 8. ed. rev. atual. e aum.
Salvador: Juspodivm, 2017.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 32. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense,
2016. ISBN 9788530960605.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v.
3, 14. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2019