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MEMÓRIAS DE UMA MOÇA

MALCOMPORTADA:
uma vida inesperada
Reitor
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Vice-Reitor
Henio Ferreira de Miranda

Diretoria Administrativa da EDUFRN


Maria da Penha Casado Alves (Diretora)
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Bruno Francisco Xavier (Secretário)

Conselho Editorial Izabel Souza do Nascimento


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Everton Rodrigues Barbosa Márcio Dias Pereira
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Gleydson Pinheiro Albano Tatyana Mabel Nobre Barbosa
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Maria da Penha Casado Alves – SEDIS
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Coordenador Editorial
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Gestão do Fluxo de Revisão
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Gestão do Fluxo de Editoração
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Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS Dickson Tavares
Centro de Educação
Diretor: Jefferson Fernandes Alves
Vice-Diretora: Cynara Teixeira Ribeiro

Programa de Pós-Graduação em Educação


Coordenadora: Claudianny Amorim Noronha
Vice-coordenadora: Luciane Terra dos Santos Garcia

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correspondentes à Chamada nº.03/2020 – PPGEd/UFRN
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Carla Mary da Silva Oliveira (ad hoc - UFPb)
Claudianny Amorim Noronha (UFRN)
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Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (ad hoc - UFC)
Gessica Fabiely Fonseca (UFRN)
Giliard da Silva Prado (ad hoc – UFU)
José Hélder Pinheiro Alves (ad hoc – UFCG)
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Maria Aparecida de Queiroz (UFRN)
Maria da Paz Cavalcante (ad hoc – UERN)
Maria Ines Sucupira Stamatto (UFRN)
Mariangela Momo (UFRN)
Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti (ad hoc – IFPa)
Patrícia Ignácio (ad hoc - FURG)
Rosa Aparecida Pinheiro (ad hoc - UFSCar)
Rossana Carla Rameh de Albuquerque (ad hoc – FPS)
Tatyana Mabel Nobre Barbosa (UFRN)

Apoio
Esta publicação contou com o financiamento do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEd) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a partir da Chamada 03/2020
– PPGEd, contemplada após análise pela Comissão Editorial do PPGEd. Também são apoiadores:
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Pro-Reitoria de Pós-
Graduação (PPG/UFRN) e a Secretaria de Educação a Distância (SEDIS/UFRN).
Fundada em 1962, a EDUFRN permanece dedicada à
sua principal missão: produzir livros com qualidade
editorial, a fim de promover o conhecimento gerado na
Universidade, além de divulgar expressões culturais do
Rio Grande do Norte.

Publicação financiada com recursos do Fundo de Pós-graduação (PPg-UFRN). A seleção


da obra foi realizada pela Comissão de Pós-graduação, com decisão homologada pelo
conselho Editorial da UDFRN, confrome Edital no 2/2019-PPG/EDUFRN/SEDIS, para a
linha editorial Técnico-científica.

Coordenadoria de Processos Técnicos


Catalogação da Publicação na Fonte.UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Andrade, Erika dos Reis Gusmão.


Memórias de uma moça malcomportada : uma vida inesperada
[recurso eletrônico] / Erika dos Reis Gusmão Andrade. – 1. ed. – Natal:
EDUFRN, 2022.
182 p. : il., PDF ; 3,36Mb

ISBN nº 978-65-5569-211-2

1. Memorial. 2. Autobiografia. 3. Educação. I. Título.


CDU 92
A553m

Elaborada por Edineide da Silva Marques CRB-15/488.

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN


Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário
Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil
e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br
Telefone: 84 3342 2221
Erika dos Reis Gusmão Andrade

MEMÓRIAS DE UMA MOÇA


MEMÓRIAS DE UMA MOÇA
MALCOMPORTADA:
uma vida inesperada
MALCOMPORTADA:
uma vida inesperada

Natal, 2022
Dedico a minha mãe, a meu pai e a meu povo.

Minha mãe, meu pai, meu


povo
Eis aqui tudo de novo
A mesma grande saudade
A mesma grande vontade
Minha mãe, meu pai, meu
povo

Minha mãe me deu ao


mundo
De maneira singular
Me dizendo a sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar

Meu pai me mandou pra


vida
Num momento de amor
E o bem daquele segundo
Grande como a dor do
mundo
Me acompanha onde eu vou

Meu povo, sofremos tanto


Mas sabemos o que é bom
Vamos fazer uma festa
Noites assim, como essa
Podem nos levar pra o tom

Letra de Tudo de novo © Uns Produções Artísticas Ltda


Compositores: Caetano Emmanuel Viana Teles Veloso
Canta Maria Betânia, Álbum Ao Vivo, 1985.
AGRADECIMENTOS

Ser grata é um exercício de humildade e reconhecimento da


participação das pessoas em nossas vidas e da colaboração
que elas deram nos diversos aspectos do constituir-se. Tive
muita sorte em minha caminhada, encontrei muitas almas
do bem. As do mal, eu esqueci!
Na minha infância e início da puberdade, tive a honra de
ser acompanhada por dois seres humanos de luz, que mesmo
tendo ficado pouco tempo em minha vida, me ensinaram
coisas fundantes para meu ser: minha mãe, Senise, mulher
sábia, que trazia em si a alegria de viver, o gosto pela leitura
(que me deixou de herança e que me salvou em muitos momen-
tos), o cuidado com o outro, o sentido de amor incondicional
(que briga quando precisa) e a consideração pelos demais
seres humanos que fazem parte de nosso cotidiano; meu
pai, Lourival, homem sisudo e compenetrado (acho que foi
isso que o levou tão cedo), mas que me ensinou o valor da
honestidade, da ética, e principalmente o sentido de família
(de espírito e não de sangue) que guardo até hoje.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Na minha adolescência, tive meus avós paternos e mater-


nos, que marcaram de forma emotiva meu olhar sobre o que
é afeto e como ele se constrói; alguns professores do Ensino
Médio (os do Ensino Fundamental não lembro), Zé Carlos,
professor de história, que me marcou indelevelmente, me mos-
trando a realidade de nosso país, Michelli, um italiano ruivo,
professor de física, que mesmo sabendo das minhas enormes
dificuldades com a disciplina nunca duvidou de meu esforço
e Conceição, professora de português, que me apresentou o
mundo da literatura brasileira de um modo maravilhoso.
Também tive meus três grandes amigos: Roberto, uma pessoa
muito leve, que me apresentou um pouco da MPB da época
e fez me apaixonar; Mário, amigo que perdura até hoje (de
nossa forma) que me deu muitas aulas de química e física,
mas principalmente de amizade; e Iúri, que me apresentou
o mundo de outro ângulo e mais tarde veio a se tornar meu
marido, primeiro companheiro.
Não posso deixar de falar de minhas amigas Ana Amélia,
Ingrid e Tereza, companheiras de tantas agruras que infeliz-
mente atingem o universo feminino, em que só uma mulher
consegue consolar a outra, mas de muitas alegrias também.
Elas continuaram amigas na minha entrada no mundo adulto,
onde eu era mãe, solteira e estudante do noturno para traba-
lhar durante o dia. Nessa época me mudei para Natal e novos

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

seres de luz apareceram: meus sogros Iracy e Arnon, bem


como a família Mascarenhas, que me recebeu em sua casa e
vidas com dois pacotinhos a mais, minhas filhas.
A elas, Sarah e Sofia, agradeço especialmente, por me
salvarem a vida com suas vindas e me fazerem buscar a
construção de nossas vidas. Mais ainda, por serem as acom-
panhantes mais fiéis, mais amorosas e com quem tenho
aprendido mais na vida... a trajetória de ser mãe merece um
outro texto memorial!
Ao meu segundo companheiro, Eugênio, pelas discussões
teóricas, filosóficas, educacionais e, principalmente, amorosas.
Quem me ajudou a entender os textos complexos do início
do mestrado e me embrenhar nesse mundo da academia e a
entender muito da construção cotidiana de uma vida conjunta,
além de ter se disposto a cuidar de minhas filhas no período
que passei em Uberlândia. Grata sempre.
No meu ingresso na UFRN como estudante do mestrado
e depois como professora efetiva, muitos foram os que fize-
ram a diferença em minha trajetória. Agradeço a todos de
coração. À Laíse, secretária do Departamento de Educação,
meu eterno anjo da guarda. Milton José, eterno secretário da
Pós-graduação, ao seu jeito único de nos ajudar. À querida
e carinhosa Gleide (in memorium), funcionária do DEPED,
sempre presente com um carinho e à Graça, secretária da

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Coordenação do Curso de Pedagogia, foram muitas “brigas”


e aprendizagens.
Aos colegas de mestrado e doutorado, hoje colegas pro-
fessores, pelo apoio, companheirismo, carinho e afeto: Maria
Carmem Rego, Daniela Medeiros, Cyntia Medeiros, Terezinha
Petrúcia, Laêda Machado, Maria José, Alda Duarte, Gilmar
Guedes, Luzia Guacira, Andréia Quintanilha, Otávio Tavares,
Helena Freitas, Ana Aguiar, Marluce e outros tantos que
estiveram em minha caminhada.
Aos colegas da UFRN que muito me ensinaram sobre o
mundo acadêmico e me ajudaram a caminhar em meio aos
caminhos universitários: Jomária Alloufa, Margot e Vicente
Madeira, Rosário Carvalho, orientadores de meus trabalhos
de mestrado e doutorado; Moisés Sobrinho, colega do grupo
de pesquisa; Elda Melo e André Diniz (UFCG) parceiros de
estudos, orientações e muito trabalho, queridos também;
Rosália Silva, mais que colega, uma amiga de todo dia, até
nas discordâncias; Márcia Gurgel, Marcos Lopes, Ricardo
Lins, João Valença, João Emanuel, Mirian Dantas, Arlete
Duarte, Conceição Almeida, que me marcaram indelevel-
mente pelas posturas, ética e sabedoria com a coisa pública
e com o conhecimento; referências para sempre. Em espe-
cial, Marta Pernambuco (in memorium), ariana como eu,

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

autêntica, de coração enorme e muito coerente acadêmica e


afetivamente... saudade.
Outros tantos colegas fizeram parte de minha vida de
trabalho e aprendizagem. Não vou nomeá-los aqui, pois no
corpo do memorial aparecem como colaboradores na minha
trajetória.
Enquanto estive como Pró-Reitora Adjunta de Graduação,
encontrei pessoas comprometidas, solidárias, amorosas, éticas
e exemplos de servidores públicos; a todos os servidores que
lá estavam no período de junho de 2015 a março de 2019,
serei sempre agradecida. Peço licença para agradecer a alguns
especialmente: à Vanessa, Lorena, Elisa (hoje do PPGEd),
Camila e Tâmara, às meninas da assessoria e secretaria, pelo
cuidado, carinho, bons papos e risadas, e pela segurança e
seriedade com que me ajudaram a fazer o meu trabalho; à
Eliane, Juliana, Elizama e Carminha (já aposentada), cada
uma ao seu modo pensando em como melhor conduzir os pro-
cessos de avaliação, regulação e acompanhamento dos cursos
de graduação. Muito pouco teria feito sem vocês. A Ricelle,
companheiro de coordenação dos programas e projetos da
PROGRAD, agradeço o pensar junto, a preocupação com a
lisura e a solidariedade; ao povo da DDPEd, cada um com
seu modo de ser, muito me ensinaram e me deram suporte
para acompanhar os projetos dos cursos de graduação da
UFRN; à Neijeme, Ana Rita, Victor, Marconi, José Carlos

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

e Luana, mas em especial à Anne e Elda, companheiras em


todos os momentos.
Na DACA, a todos que fizeram do trabalho técnico difí-
cil uma ponte para o sucesso dos estudantes, em especial a
Vicente, Wendell, Fabíola, Francisquinho, Gracinha, Andressa
e Renan pela lisura na condução dos processos e apoio nos
momentos necessários; à Fernanda, colega com quem tive
alguns embates por pontos de vista diferentes, agradeço o
cuidado com a coisa pública e com o metiê burocrático, mas
necessário para segurança jurídica. Não poderia esquecer
de Arthur, Jussara e Nathália, sempre na linha de frente da
PROGRAD, mediando os atendimentos e nos preparando
para eles.
Em Uberlândia, no período que passei na UNIT (Centro
Universitário do Triângulo), à professora Regina Feltran, que
além de colega com quem compartilhava as preocupações com
a formação de professores no ensino superior, foi um anjo da
guarda ajudando na minha melhor adaptação ao novo espaço
de moradia. Assim como a Mauro e Cirley, amigos que fiz
e que muito me acolheram com café quente e pão de queijo,
ambos feitos na hora, para acalentar a saudade de casa.
Às amigas que herdei do meu primeiro casamento, Claudia
Frederico e Gorete Menezes. Minhas queridas e combativas
militantes, a história de vocês também me fortalece!

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Algumas pessoas participaram de minha trajetória em


tempos e lugares diferentes e continuam participando, como
colegas e amigos. Mesmo correndo alguns riscos de esqueci-
mento, sou profundamente grata à Elda Silva Nascimento Melo,
Danielle Oliveira da Nóbrega e André Augusto Diniz Lira,
pelas conversas, confidências, brigas, carinhos e confiança.
A todos os estudantes que passaram por minhas salas de
aula ou orientações, da Educação Básica ao Ensino Superior,
por manterem vivos em mim a chama da aprendizagem, a
alegria da troca e a humildade da incompletude.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

PREFÁCIO:
Memorial de jovens titulares: um
olhar acadêmico prospectivo

A “história de vida” não é a


história da vida, mas a ficção
apropriada pela qual o sujeito se
produz como projeto dele mesmo.
Só pode haver sujeito de uma
história a ser feita, e é, à emer-
gência desse sujeito, que intenta
sua história e que se experimenta
como projeto, que responde o
movimento da biografização.
Christine Delory-Momberger
(grifos da autora)1

Li com encantamento este Memorial acadêmico, agora publi-


cado como livro autoral, Memórias de uma moça malcompor-
tada: uma vida inesperada. E é com igual encantamento que

1 Christine Delory-Momberger. Biografia e Educação. Figuras do indivíduo-


-projeto. Trad. Maria da Conceição Passeggi; João Gomes da Silva Neto; Luis
Passeggi. São Paulo, Natal; Paulus-Edufrn, 2008, p. 65.

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tenho a honra de acrescentar aqui alguns comentários com a
pretensão de falar das múltiplas leituras que ele me inspirou.
Precisei objetivar primeiramente esse encantamento e a honra
desta escrita, antes de agradecer à Professora Erika dos Reis
Gusmão Andrade2 seu generoso convite para prefaciá-lo.
Há de fato um tríplice encantamento. O primeiro é o de ler
o memorial de uma jovem professora titular, que acompanhei
de longe desde seu ingresso como aluna do doutorado em
Educação, do qual participei como parte da banca examinadora
de sua Tese, em 2003. Segui acompanhando seu percurso como
professora da Pós-Graduação em Educação e seus sucessivos
trabalhos na gestão universitária. Em suma, uma trajetória
exitosa que lhe garantiu, em 2020, a promoção ao cargo de
professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). O segundo encantamento deve-se à maneira
como a autora, “ filha de Iansã” 3, nos envolve, gradativamente,
em seu percurso pessoal, intelectual, militante, profissional,
ecumênico, decantando as viradas biográficas em cinco gran-
des Inesperados. O terceiro encantamento decorre, certamente,
da curiosidade científica que me desperta o memorial como

2 Tomo a liberdade de substituir no restante do texto o nome completo da


autora por Erika.
3 Como o prefácio é escrito antes da diagramação e paginação do livro,
não posso inserir as páginas correspondentes às citações, que ficarão aqui
entre aspas.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

gênero discursivo e que persigo, sem tréguas, há mais de


vinte anos, em busca de melhor compreendê-lo. Percebo
neste memorial uma ruptura e uma inovação discursiva,
que se encontram em sintonia com as mudanças históricas
da carreira docente no ensino superior e sobretudo nas uni-
versidades federais. Nada que Mikhail Bakhtin (1992) já não
tenha comentado:

A riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infi-


nitas, pois a variedade virtual da atividade humana é
inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um
repertório de gênero de discursos que vai diferenciando-se
e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve
e fica mais complexa (BAKHTIN, 1992, p.279).4

Os memoriais autobiográficos5 constituem parte desse


repertório de gênero discursivo criado na universidade e
para a universidade, cuja institucionalização6 tem origem

4 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução Maria Ermantina


Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
5 Recorro a denominações do memorial que se tornaram usuais nos estudos e
pesquisas sobre esse gênero (cf.) PASSEGGI, M.C. Memorial de formação.
In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIONÁRIO:
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade
de Educação, 2010. Acesso em 7/11/2020. Disponível em: https://gestrado.
net.br/verbetes/memorial-de-formacao/
6 Cf. CÂMARA, Sandra. O memorial autobiográfico. Uma tradição acadêmica
do ensino superior no Brasil. Tese de doutorado. PPGED-UFRN, 2012.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

na Universidade de São Paulo para provimento do cargo de


professor catedrático, nos anos 19307. Ao longo de quase um
século, ele vai “diferenciando-se e ampliando-se à medida
que” a universidade “se desenvolve e fica mais complexa”. Em
1980, o memorial acadêmico passa a ser um instrumento de
promoção ao cargo de Professor Adjunto, cujo acesso se dava
mediante concurso público de provas e títulos. Nos anos 1990,
este gênero se amplia e se democratiza, sob a denominação
de memorial de formação, como trabalho final do curso de
graduação para a educação básica. A partir de 20128, ele é
proposto como requisito parcial para a promoção à Classe
E, de Professor Titular, à qual também se acedia mediante
concurso público.
Erika opta por escrever seu memorial apoiando-se nas
normas estabelecidas pela Resolução no. 067/2017-CONSEPE,
de13/06/2017, que segue estritamente a recomendação da
Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, Art. 27, § 3º, c,
segundo a qual o candidato deve ser aprovado na defesa de
um memorial ou de uma tese acadêmica inédita, nesse sen-
tido, o memorial “deverá considerar as atividades de ensino,

7 Decreto no 7.204, de 11 de junho de 1935. (Regulamento da Faculdade de


Medicina Veterinária de São Paulo, Art.115 – “O memorial [...] dirá respeito
a tudo que se relacione com a formação intelectual do candidato e com sua
vida e atividade profissionais ou cientifica [...])”.
8   Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012,  alterada pela Lei
Lei nº 12.863, de 24 de setembro de 2013.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção profissional


relevante”. Convém observar que as Resoluções normativas
da UFRN, anteriores9 a 2012, que regulamentavam as normas
de progressão, promoção e/ou concursos exigiam como parte
do Memorial um Projeto de Atuação Profissional (MPAP). A
Resolução de 2017 mantém a opção entre o memorial ou tese
inédita, mas também apaga o Projeto de Atuação Profissional
que não consta das orientações do MEC. É inegável que nos
últimos anos, a promoção à titular foi essencialmente pleiteada
por professores que permaneceram por muitos anos à espera
de uma vaga ao cargo de titular, de modo que, em geral, eles
retraçam longos percursos no magistério superior. É nesse
sentido que Erika, ao acrescentar o Plano de Ação, não exigido
pela Resolução de 2017, afirma essa mirada prospectiva que me
parece ser representativa de novos tempos para os memoriais
de jovens titulares, com um bom caminho ainda a percorrer.
Admito com Delory-Momberger, na epígrafe acima, que “Só
pode haver sujeito de uma história a ser feita”. E é no processo
de autobiografar nossa história que nos experimentamos como
trajeto e como projeto, enquanto ser-em-devir.

9 Cf. a título de exemplo a Resolução no 006/05-CONSEPE, de 19 de abril de


2005, sobre as normas para os cargos de Auxiliar, Assistente e Adjunto e a
Resolução 013/2008-CONSEPE, de 04 de março de 2008, sobre normas para
a classe de Titular.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

O memorial acadêmico de Erika, contrariamente a


tantos outros por mim analisados, traz duas inovações.
Primeiramente, é marcado pela recentidade da experiên-
cia vivida como professora. Em segundo lugar, pelo olhar,
primordialmente prospectivo, que ocupa uma larga parte
de sua reflexão crítica. Para Erika, esses dois movimentos,
prospectivo e retrospectivo, são desafios cruciais para a
escrita. O primeiro, retrospectivo, é o de “olhar como fui me
constituindo acadêmica das ciências humanas na trajetória
construtiva de mim mesma, sendo quem não sou mais, aquela
pessoa naqueles diferentes momentos”, do percurso de 16 anos
(2004 a 2020), no magistério superior, na UFRN. O segundo,
prospectivo, é o de se projetar em devir: “preciso pensar em
um planejamento de carreira para os próximos 10 anos de
exercício da docência universitária”, embora considere ser
“difícil projetar um futuro”, uma vez que “planejar o futuro
é igualmente duvidoso”, sobretudo porque considera que
sua vida “foi feita de inesperados, de ventanias e raios, em
todos os seus aspectos”. Mas, pelo que pude ver, Erika está
sempre pronta a aceitar novos desafios e encontrar uma razão
plausível e digna para enfrentá-los, como é o caso de planejar
o futuro: “talvez a vida esteja se apresentando de forma mais
calma com a chegada da maturidade, então aceito o desafio
e nessa parte do texto tentei fazer esse exercício”.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

É esse o pacto autobiográfico, noção pinçada nos estudos


de Philippe Lejeune (2008)10, que ela faz como narradora-au-
tora-candidata e que imagino se delinear como procedimento
possível em memoriais de jovens titulares. É nesse sentido que
seu memorial me parece representativo de um novo momento
na história da carreira docente nas universidades federais e,
consequentemente, na história desse gênero discursivo que
se modifica em função das modificações da esfera social na
qual e para qual ele é elaborado como demanda institucional.
É essencialmente sobre essa “feitura do memorial” que desejo
centrar minha leitura.
O memorial acadêmico, como narrativa autobiográfica,
é uma prática autorreferencial, no sentido em que o processo
de autoria se fundamenta em tomar a si mesmo a própria
experiência e o projeto de vida como objeto de reflexão para
interrogar-se e interpretar, de modo objetivo e crítico as
atividades elencadas na Resolução. Mas, o memorial é antes
de tudo um espaço institucional de autotematização, autoin-
terpretação no processo hermenêutico de narração. Por essa
razão, Erika entrelaça no seu memorial um eu que permanece
ao longo a vida, “a filha de Iansã”, a pessoa curiosa, militante,
solidária, que marca sua identidade (mesmidade), e um eu

10 LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico. De Rousseau à Internet. Trad. Jovita


Noronha, Maria Inês Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

refletido (ipseidade), resultando análise crítica da experi-


ência vivida na experiência narrada: “Hoje reflito que essa
busca pelo religioso e sagrado, se deu como forma de manter
viva a memória de minha mãe, mas também foi tentativa de
achar respostas para tantas perdas e fraturas...”. Mesmidade
e ipseidade se articulam no que propõe Paul Ricœur (2010)11
como identidade narrativa, seja ela profissional ou pessoal.
Por essa razão é que o memorial permite observar o que e
como a pessoa que narra seleciona, articula os acontecimentos,
valora, nega, transgride, inova, propõe, em suma, como ela
associa, experiências, aprendizagens e conhecimentos. É isso
o que finalmente se avalia. Como os candidatos decidem,
tomam iniciativa, reproduzem atitudes, rompem, inovam,
propõem, apresentam suas filiações científicas, como se veem
diante das experiências e de alternativas que enclausuram ou
que liberam? Finalmente ele é totalidade sintética pela qual
narradores e o narrado vão se construindo na e pela atividade
de linguagem, escrita, crítica e reflexiva. Esse esforço é reali-
zado e apreendido a que preço? Ao longo de minhas pesquisas
analisei em muitos memoriais uma travessia provocada pela
própria escrita que opera a passagem da resistência à sedução

11 RICŒUR, P. Tempo e narrativa, tomos 1, 2, 3. Trad. Claudia Berliner, Marcia


Aguiar, São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

autobiográfica12. A hipótese é que na reflexividade narrativa


emergem a consciência da própria agência e da capacidade de
emancipação. O que me parece próprio da escrita de Erika
é que, na universidade, ela navega num mar sem tormentas.
Sua opção de escrita do memorial é a da ordem cronoló-
gica. O que me faz lembrar Simone de Beauvoir (1908-1986),
em quem se inspira para parafrasear o título do seu memorial,
substituindo “moça bem-comportada” por “moça malcom-
portada”. Em sua obra memorialística, publicada entre 1958
(Mémoires d’une jeune-fille rangée) e 1981 (Cérémonie des
adieux), Beauvoir também opta pela linearidade do tempo,
que certamente se impõe como força inexorável para narrar a
experiência vivida desde a juventude até a morte de Jean-Paul
Sartre. Por que “malcomportada”? Queria rastrear na leitura
esse mal comportamento, não consegui encontrar. Há uma
porta aberta para uma outra leitura? A que criaria frestas
no jogo de palavras, deixando passar um juízo moral? Um
pensamento feminista? Um relutar pela vida, que não consegui
captar? O trabalho de reflexividade biográfica leva em conta,
consciente ou inconscientemente, as relações que estabelece-
mos em nossas vidas com as narrativas canônicas, sejam elas
literárias, populares, místicas, míticas, cotidianas e que vamos

12 PASSEGGI, Maria. Memoriais: injunção institucional e sedução autobiográ-


fica. In Passeggi, M. Souza, E. (Org.) (Auto)Biografia: formação, território e
saberes. São Paulo, Natal: Paulus-Edufrn, 2008, p. 103-131.

23
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

incorporando, desde a mais tenra infância, num processo de


heterobiografização, pois as histórias ouvidas nos formam,
como constata Erika em suas leituras de Beauvoir (1987),
Galeano (1978) e Viezzer (1981). Permanece a indagação. O
mal comportamento é um enigma? Faz parte do imaginário
e das narrativas ouvidas? De representações sociais, definidas
por Erika como “uma forma de conhecimento utilizada como
norteador de comunicações e de condutas”?
O que mais me encanta no título e na estrutura do memo-
rial são os cinco Inesperados que segmentam sua trajetória e
que ela deseja marcar por cinco movimentos do “ir-se-tor-
nando”: 1) trabalhadora da educação; 2) pesquisadora da
Teoria das Representações Sociais; 3) professora da UFRN;
4) Pró-Reitora Adjunta de Graduação; 5) professora titular.
Movimentos que se concluem numa nova fase, o ingresso
no pós-doutorado e “mais 10 anos de carreira pela frente”.
As experiências vividas e narradas por Erika seguem a line-
aridade do tempo e ela vai costurando vozes e ecos sempre
na direção de um devir. A experiência narrada não é nem
uma “ilusão biográfica”, como afirmava Bourdieu (1986)13,
nem uma ficção, nem tampouco uma prática terapêutica. A

13 BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.M.; AMADO, J.(Org.)


Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. p. 183-191.

24
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

reflexividade autobiográfica, que Dilthey (2010)14 colocou


no centro das Ciências Humanas, está na base da consciên-
cia história e de nossa própria historicidade. Marcada por
incertezas e ambiguidades, a busca de sentido é em suma
a busca de coerência entre acontecimentos e sentido, entre
presente, passado e devir. Mas é importante dizer que Erika
narra um percurso de êxitos acadêmicos, que se iniciam com
seu ingresso no Mestrado em Educação, em 1993. Dez anos
depois, junho de 2003, ela defende sua tese de doutorado.
Nos dez anos seguintes, entre 2004 e 2015, ela faz uma longa
travessia de forma acelerada na gestão universitária e que ela
considera como inesperados e de “vida inesperada”. Mas essa
trajetória improvável não deixa passar por entre as linhas
acontecimentos que se aproximem do esperado, resultante de
um constante investimento na vida e na educação pública?

Nunca imaginei que a moça que chegou ao Rio Grande do


Norte no final de 1991, sem nem saber o que era mestrado,
chegaria, 24 anos depois, a ser Pró-Reitora Adjunta de
Graduação de uma universidade que se tornou referên-
cia no Norte e Nordeste do país, pela sua capacidade de
produção do conhecimento e colaboração na formação
de professores para todo o sistema federal, estadual e

14 DILTHEY, W. A construção do mundo histórico nas ciências humanas.


Trad. Marco Antônio Casanova. Brasil: Unesp Editora, 2010.

25
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

municipal de ensino dessa região, bem como por sua capa-


cidade extensionista. Para mim, um misto de emoção,
responsabilidade e compromisso com a educação pública
do meu país.

A noção de inesperado que afirma ter encontrado na obra


de “Marcelo Gleiser (2016) - A simples beleza do inesperado:
um filósofo natural em busca de trutas e do sentido da vida”
- por recomendação da Professora Conceição Almeida, me
fala muito da Erika com quem pude partilhar, nos anos 2000,
os trabalhos do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
e Representações Sociais, liderado pelos professores Jomária
Mata de Lima Alloufa, Margot Madeira e Moisés Domingo
Sobrinho. Para Erika, os inesperados não são jamais “infortú-
nios”, eles trazem a beleza simples do acontecer no limiar de
um estatuto anterior e um novo estatuto, conquistado ou a ser
conquistado, com desafios que não a intimidam. Curiosa, fui
ler Marcelo Gleiser (2016) e concordo com a recomendação da
Professora Ceiça Almeida. Gleiser (2016, p. 13), ao conjugar
filosofia e ciências conta que era adolescente quando surge
seu interesse pela imensidão cósmica e se deixa seduzir “pelo
poder da mente e por sua capacidade de ponderar assuntos
que, aparentemente, eram imponderáveis”.

O “que importa, continua Gleiser, é participar do pro-


cesso de descoberta, da busca pelo conhecimento. É nossa

26
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

curiosidade que nos ergue acima da banalidade do igual,


da rotina de todos os dias; é nossa curiosidade que nos
define enquanto criaturas pensantes”.

A leitura do memorial de Erika me sugere que ela vai


tecendo sua história, na vida pública e na vida privada, com
uma disposição semelhante, interrogando-se, mas com fé na
vida, confiante em sua curiosidade e em seu protagonismo,
espantando-se diante dela mesma: “Onde eu estava que nada
disso vi? Na bolha!”. Torna-se militante, feminista. E quando
“tudo se descontrolou. Ventania de novo”, ela decide: “Mas
agora eu queria ser protagonista”. Ao longo do memorial, ela
faz emergir sua percepção da condição feminina nos encontros
com as representações de si como “mãe solo”, mãe casada,
mãe separada, mãe com um companheiro, mãe viúva.

É claro que tenho noção que tudo começou bem antes de


minha chegada à Natal, talvez quando minha mãe se foi.
Talvez quando mudei de curso. Talvez quando engravidei
de Sarah e decidi tê-la só. Talvez quando decidi tomar
o rumo de minha vida e de Sarah e Sofia, desacompa-
nhada. Talvez quando me deparei com a minha condição
de mulher trabalhadora. Talvez quando autorizei a mim
mesma a dominar o conhecimento. Não sei. Essa cons-
trução do feminino independente e de autoconhecimento
é uma estrada complexa e múltipla. Lembro do texto de

27
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Clarissa Estés15, e seu estudo sobre o mito do arquétipo


da mulher selvagem, a quem fui apresentada, mais ou
menos, nessa época. Me ajudou a entender as diferentes
dinâmicas do feminino (Grifos meus).

Os encontros com a ciência na academia, mediados pela


teoria das representações sociais, e os convites para assumir
cargos de direção, coordenação de cursos de formação de
professores da educação básica ao ensino superior, coorde-
nação de projetos de grande impacto acadêmico e social,
entre tantos outros, são desafios e realizações serenamente
analisados. Gleiser (2016), que compara a atitude do cientista
à do pescador, considera que ambos aprendem a lidar com
frustrações e fracassos constantes, e o que os mantêm na
mesma atitude perseverante é a possibilidade, ainda que
remota, de fisgar um peixe ou descobrir algo novo. É ela que,
contrariando os fracassos, ensina a paciência, a humildade,
a insistência, necessárias no cotidiano, na vida profissional
e nas ciências.
Também é assim que me parece caminhar Erika, agora
na direção de mais dez anos de vida na universidade como
titular, iniciados pelo pós-doutorado na Federal de São Carlos,
no campus de Sorocaba, com um projeto de pesquisa: “Ser

15 ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias
do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

28
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

professor no Ensino Superior: Representações Sociais sobre o


ensinar e seu campo científico”. Seu objeto de estudo retoma as
inquietações experienciadas na UFRN ao longo dos dezesseis
como professora, pesquisadora, gestora. Sua escolha toma
como desafio

“avançar na compreensão sobre a formação do professor


universitário, tendo como objetivo geral compreender quais
as representações sociais sobre o ensinar e sobre seu campo
científico de ensino para docentes do ensino superior”.

É inegável que nós, professores universitários, estivemos


sempre voltados, em nossos estudos, para a formação de
professores da Educação Básica, cujos avanços são inegáveis,
mas me parece que ainda não investimos suficientemente na
formação de formadores, que é o que nos caracteriza enquanto
professores e pesquisadores das licenciaturas. O que ainda não
sabemos sobre as condições do ser e do fazer docente, hoje, da
Educação Infantil ao Ensino Superior? Como os professores
têm vivido, no cotidiano, as condições de trabalho que se
deterioram a cada dia e se tornam cada vez mais precárias
com a “pejotização” do magistério, os empregos temporários,
intermitentes? Como, em igual condições, os professores
enfrentam consequências da vulnerabilidade social, vividas
pela imensa maioria de estudantes da educação básica, e
que se tornam ainda mais evidentes no Ensino Médio? A

29
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua


(PNAD Contínua, 2019) revela que a taxa de analfabetismo
das pessoas de 15 anos de idade, ou mais, no Brasil em 2019,
é estimada em 6,6%, correspondendo a 11 milhões de anal-
fabetos, concentrados prioritariamente no Nordeste. Ainda
segundo a Pnad, quase 30% dos jovens entre 15 e 17 anos de
idade, no país, estão fora do ensino médio, 40% na região
Norte. A desigualdade aumenta quando se trata de pretos e
pardos. A gravidade dessas condições, como lembra Erika,
cresce diante da “ultradireita e o recrudescimento de um
pensamento ultraliberal como proposta econômica para o
país, embasado em teorias criacionistas e anticientíficas”. Por
outro lado, o legado da “era Lula” permitiu uma mudança
importante no perfil de professores das escolas públicas. Em
201516, a grande maioria se constituía de professores que eram
os primeiros da família a ter acesso ao ensino superior; 51%
de negros; 61,2% com renda de até três salários mínimos.
Como formamos esses jovens? Em padrões anteriores à “era
Lula”? Quais os desafios atuais para as políticas públicas

16 Conferência da Professora Patrícia Cristina Albieri de Almeida, da Fundação


Carlos Chagas, em que destacou a mudança de perfil dos professores em
2015, com base na pesquisa coordenada pela Professora Bernadete Gatti
(Cf. GATTI, B.A.; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá’ ANDRÉ, Marli Eliza
Dalmazo Afonso; ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de. Professores do
Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019).

30
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

na formação de professores? Quais os mais prementes na


formação de formadores? Erika aponta o seu caminho:

Entender que os entraves no ingresso de grupos populares


no ensino superior, vão além da qualidade do ensino a
que estão submetidos, mas tem muito mais razões nas
questões de autoestima, pertencimento, sentir-se adequado
ao contexto da academia e compreensão do ethos e héxis
acadêmica (BOURDIEU, 2007), me permitiu aproximar
mais do universo de nossos estudantes universitários
e compreender como as nossas dinâmicas internas de
funcionamento desfavorecem seu ingresso, permanência
e êxito nas instituições.

É com o olhar voltado para essas premências, alicerçado no


capital biográfico construído no “chão da universidade”, que
Erika vislumbra os próximos anos na UFRN. O balanço que
ela faz de sua gestão na Pró-Reitoria de Graduação (Quarto
inesperado) mostra que os avanços resultam de sua atuação
anterior como gestora e pesquisadora, que “sempre [teve] o
espaço escolar público como contexto de práticas”. Por essa
razão, entende “ser este, um lugar de interlocução genuína
e constante com a comunidade e com a diversidade social,
além de ser um difusor de ideias e debates sobre o cotidiano
da vida das pessoas”.
Esses encadeamentos se projetam igualmente nas
ações previstas em seu Plano de Atuação Docente para os

31
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

próximos dez anos. Alegra-me que tenha reativado, junto à


Pró-Reitoria de Pesquisa, o Grupo de Estudos em Educação
e Representações Sociais, antigo NEPERS, pelo trabalho
pioneiro de seus líderes, incluindo a realização, em Natal, na
UFRN, da I Jornada Internacional de Representações Sociais
(I JIRS), hoje, em sua XI edição, realizada em 2019, na UFRGS.
Há muito ainda o que dizer sobre as múltiplas leituras
do memorial da Professora Erika dos Reis Gusmão Andrade,
mas devo concluir. Sabemos que um dos grandes avanços
do memorial em termos de instrumento de avaliação é o de
permitir uma avaliação qualitativa e processual das ações e
percepções de quem narra, diferentemente da avaliação do
Curriculum Vitae, eminentemente quantitativa e pontual.
Numa perspectiva didática, o memorial ajuda a compreender
a caminhada humana: existencial, intelectual, espiritual,
profissional de professores universitários. Do ponto de vista
político, é a singularidade do percurso que é valorizada.
Para os pesquisadores da nova geração de titulares, não
seria a perspectiva adotada por Erika, que retoma no seu
Memorial o Plano de Atuação Docente (MPAD), previsto nas
Resoluções anteriores a 2012, a mais adequada? O fato de os
jovens titulares acederem ao último nível da carreira em plena
marcha me parece levar a dividir a escrita do memorial nestes
dois movimentos, retrospectivo e prospectivo, entre os quais

32
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

o humano vive sua vida, no seu aqui-agora. Por essa razão,


apagar o Plano de Ação seria negligenciar a grande riqueza
crítica e reflexiva sobre o hoje e o amanhã. Admito que não
narramos nossa história para nos enclausurarmos no passado,
mas para projetar nosso vir-a-ser. É o que afirma Delory-
Momberger (2008) na epígrafe que abre este prefácio, para
quem “Só pode haver sujeito de uma história a ser feita”. Para
um olhar menos avisado, o memorial, como toda narrativa
autobiográfica, tende a ocultar essa visão prospectiva que
lhe dá vida, corpo, sangue e espírito. Esse gênero discursivo
se conclui quando o ponto final coincide com o presente de
quem narra, deixando aberto o horizonte para novas histórias
a serem narradas. A vida é uma história a ser narrada. Ou
como diria Ricœur (2010, p. 197)17, quando interroga a relação
entre a vida e a narração: “A vida: uma narrativa em busca
de narrador”. É isso que faz o encantamento dos memoriais
para mim. Com Delory-Momberger (2008, p.65), admito que
é “nessa direção primeira de um ser-a-vir e de um ser-para
que o eu se constrói como tendo-sido”. E acrescentaria, como
ser-sendo-e-estando-aqui-e-agora, na incessante e complexa
permanência efêmera do ser.

17 Ricœur, Paul. Escritos e conferência I. Em torno da psicanálise. Trad. Catherine


Goldenstein; Jean-Louis Schlegel. São Paulo: Loyola, 2010.

33
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Devo finalizar. Para isso, retomo a figuração que Erika


faz dela mesma como “filha de Iansã”, que “sobre os abismos,
passa e vai em frente. Ela não busca a rocha, o cabo, o cais.
Mas faz da insegurança a sua força e do risco de morrer, seu
alimento”. Iansã anda na direção do futuro, como faz Erika
na direção de um futuro próximo e que desejo cada vez mais
pleno:

É com essas propostas de trabalho para a continuidade


de minha atuação profissional que finalizo este texto
memorial, tendo ciência das inúmeras lacunas que possa
ter deixado ao longo de sua construção; circunscrita à
possibilidade temporal de escrita em dois meses, tendo
em vista à eminência de meu afastamento para o estágio
pós-doutoral e o contexto político/administrativo que
ronda o serviço público federal; mas convencida de que
valeu cada passo e aprendizagem inesperada, nessa tra-
jetória de uma moça malcomportada.

Natal, primavera de 2020.


Maria da Conceição Passeggi
Professora Titular
Universidade Federal do rio Grande do Norte
Universidade Cidade de São Paulo

34
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

SUMÁRIO

1 A feitura do memorial, um grande desafio de reflexão sobre o


inesperado.....................................................................................36

2 Primeiro inesperado: de classe média burguesa à trabalhadora


da educação................................................................................. 44

3 Segundo inesperado: a mudança de estado e realidade


sociocultural e o encontro com a academia e com a Teoria das
Representações Sociais.................................................................65

4 Terceiro inesperado: ser professora concursada numa universi-


dade federal................................................................................. 94

5 Quarto inesperado: a Pró-Reitoria de Graduação – ser adjunta


de uma pasta complexa.............................................................. 126

6 Quinto inesperado: Ser professora titular no contexto atual,


uma proposta de trabalho para mais 10 anos de carreira..........151

7 Referências...............................................................................166

35
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

A feitura do memorial,
um grande desafio de reflexão
sobre o inesperado

A memória é um resto. Um resto


do que já não é mais: esta é sua
própria condição. [...] o memorial
provém de duas dinâmicas apa-
rentemente contraditórias, mas na
realidade, complementares, uma
sendo feita da memória provedora
de configurações identitárias,
ao passo que a segunda as cons-
titui em receptáculo. (p. 267)
Véronique Marie Braun Dahlet18

Este texto tem como objetivo descrever minha trajetória


acadêmica na Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

18 DAHLET, Véronique Marie Braun. Memorial e a formação da memória. IN


PASSEGGI, Maria da Conceição; BARBOSA, Tatyana Mabel Nobre. (orgs.)
Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, EDURFN; São
Paulo: Paulus, 2008. P. 267-275.

36
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

como parte dos requisitos para a progressão vertical para


Professora Titular, tendo em vista o que dispõe o Plano de
Carreira (Portaria MEC número 982, de 07 de outubro de
2013) e também as normas da UFRN (Resolução número
067/2017- CONSEPE, 13 de junho de 2017). Nesse sentido,
apresento as atividades desenvolvidas desde a minha inserção
profissional na Universidade, no âmbito do ensino, da pesquisa
e da extensão, bem como meu percurso pela minha formação
acadêmica e de vida, que me fizeram chegar até aqui.
Conforme a resolução número 067/2017- CONSEPE, de
13 de junho de 2017, Art. 28, o memorial deverá, de forma
discursiva e circunstanciada, demonstrar excelência e especial
distinção nos seguintes aspectos:
I. descrição e análise das atividades de ensino, pesquisa
e/ou extensão desenvolvidas pelo docente, incluindo
sua produção científica;
II. descrição de outras atividades, individuais ou em
equipe, relacionadas à sua área de conhecimento;
III. descrição de outras atividades acadêmicas e
institucionais complementares, incluindo atividades
administrativas e/ou representações institucionais
de cunho acadêmico, dentro ou fora da UFRN.
Assim, me é posto o desafio de fazer uma reflexão sobre
como chego, hoje, a ser uma professora na UFRN, mas só posso

37
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

fazê-lo olhando a trajetória que trilhei para chegar até aqui.


Eis um desafio ainda maior: olhar como fui me constituindo
acadêmica das ciências humanas na trajetória construtiva de
mim mesma, sendo que não sou mais aquela pessoa naqueles
diferentes momentos; olhar para um eu que já não existe, pois
se transformou no que sou hoje. Como afirma a professora
Passeggi (colega que fez parte de minha trajetória), em seu
texto Memoriais auto-bio-gráficas: a arte profissional de
tecer uma figura pública de si, construir esse documento
“é aparar a si mesmo com suas próprias mãos [...], aparar é
ajudar a nascer” (PASSEGGI, 2008, p. 27).
Costumo brincar com os estudantes que frequentam meus
componentes ou são meus orientandos de iniciação científica,
mestrado ou doutorado: digo que tive muitas vidas e muitas
histórias. Algumas delas não caberiam em um memorial dessa
natureza, claro, mas outras sim, pois só por elas pude chegar
a minha vida atual. Por isso, o meu percurso reflexivo fará
um esforço de, com meus olhos atuais, com as possibilidades
que a Teoria das Representações Socias (referente teórico ao
qual me filio e construo minha atuação acadêmica) pôde me
dar, retomar a minha trajetória de formação articulando as
vivências, aprendizagens de vida e acadêmicas.
Como defende Severino (2001, p.175),

38
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

[o memorial] é uma autobiografia configurando-se como


narrativa, simultaneamente histórica e reflexiva. Deve
então ser composto sob a forma de relato histórico, ana-
lítico e crítico, que dê conta dos fatos e acontecimentos
que constituíram a trajetória acadêmico-profissional de
seu autor.

Outro grande desafio que se me apresenta é fazer tal


reflexão em momento tão difícil para quem trabalha com
educação básica e superior, no nosso país. Desde 2016, mas
mais acirradamente desde o final de 2018, o campo da edu-
cação no Brasil tem sido desqualificado e perseguido pelos
defensores da política ultraneoliberal e contrária à ciência e
academia. Movimento esse que atinge a todos, professores
e professoras, acadêmicos e acadêmicas, cientistas, que são
comprometidos com a construção e democratização dos
conhecimentos nas diferentes áreas e que colaboram para
que a população possa ter acesso ao conhecimento e por meio
dele possa se posicionar socialmente.
Sendo assim, já assumo o meu lugar epistemológico, mas
também social e político, de me colocar ao lado das concepções
formativas que propõem a defesa da educação pública, laica,
de qualidade e sócio referenciada para todos os brasileiros,
em especial, para aqueles que, em suas trajetórias históricas
nesse país, foram excluídos do acesso ao conhecimento, ao
trabalho digno e à saúde de qualidade.

39
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Ao estruturar o texto do memorial me deparei, ao pensar


em minha trajetória, com a sua constituição em vários ines-
perados. Não acredito que existe um ser escrevendo nossos
caminhos, alheio ao que fazemos, por isso, falo de inesperados.
Tenho a certeza de que foram as respostas que pude dar, em
cada momento, a cada um deles, que me fizeram chegar aqui.
Tomo esse termo “inesperado” de empréstimo do título do
livro de Marcelo Gleiser (2016), A simples beleza do inespe-
rado: um filósofo natural em busca de trutas e do sentido
da vida, que me foi recomendado pela professora Conceição
Almeida, muito importante para minha aprendizagem de ser
mulher acadêmica, quando soube que ingressaria nesta tarefa
de escrever meu memorial. Esse termo me caiu muito bem.
Outro texto que foi de grande impacto em minha vida foi
de Simone de Beauvoir, sua biografia, que li pela primeira vez
em 1987, logo que entrei no curso de Pedagogia, por indicação
de uma colega feminista (eu ainda sabia muito pouco sobre
isso) num exemplar impresso pelo Clube do Livro. Entender
a trajetória de uma grande mulher e pensadora do século XX
foi impactante. Muita coisa só compreendi muito mais tarde,
depois de outras tantas leituras, mas o título Memórias de
uma moça bem-comportada me inquietava. Sempre pensei,
se eu, um dia, fosse escrever algo sobre mim, seriam memórias
de uma moça mal comportada.

40
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

É com a articulação dessas duas influências que titulei


este memorial: Memórias de uma moça mal comportada:
uma vida inesperada. Divido o texto em cinco inesperados
que foram determinantes em minha trajetória formativa, mais
ainda para a construção da acadêmica que sou hoje na UFRN.
Em o Primeiro inesperado: de classe média burguesa
à trabalhadora da educação, trato sobre uma menina que,
nascida na classe média burguesa em 1966, neta de um coronel
da polícia militar, pelo lado de mãe e de uma matriarca batista,
pelo lado do pai, chega à trabalhadora da educação e mãe
solo aos 21 anos de idade. Experiências e marcadores que
transformam o meu olhar sobre a educação brasileira e suas
formas de exclusão, o universo feminino, e principalmente,
o país onde eu estava vivendo.
No Segundo inesperado: a mudança de estado e de
realidade sociocultural e o encontro com a academia e
com a Teoria das Representações Sociais, trato de como a
mudança de estado e o contato com a universidade pública,
mais especificamente com a Teoria das Representações Sociais
e os programas de formação de professores, me ajudaram a
qualificar o meu pensar, com isso as minhas propostas de
investigação e a minha compreensão crítica do fenômeno
educativo, em especial no Nordeste brasileiro.

41
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Em o Terceiro inesperado: ser professora concursada


numa universidade federal, procuro fazer uma reflexão crítica
sobre a finalização de meu doutoramento e o desemprego que
assola tão alta formação, a busca de oportunidade no sudeste
do país, o confronto com a realidade do ensino superior
privado e o retorno ao universo público, possível devido às
mudanças de perspectivas políticas do novo governo, a partir
de 2003. A partir de 2004, já como professora concursada
do quadro efetivo da UFRN, na área de Fundamentos da
Educação e Didática, circunstancio a minha consolidação
como professora, pesquisadora e gestora no Departamento de
Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFRN
e, em seguida, no Departamento de Fundamentos e Políticas
da Educação do Centro de Educação.
O Quarto inesperado: a Pró-reitoria de Graduação – ser
adjunta de uma pasta complexa me remete a uma experiência
mais recente (2015-2019), mas profundamente impactante
para pensar a universidade pública como um todo, mais
especificamente a UFRN, suas decisões e encaminhamentos
no que se refere ao ensino de graduação, aos seus dilemas,
dificuldades, desafios e busca de soluções. Essa experiência
mais profundamente me possibilitou uma reflexão sobre a
formação do professor e seu impacto na formação geral e
profissional dos graduandos, bem como sobre as diferentes

42
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

concepções formativas que povoam as práticas pedagógicas


dentro da universidade pública.
Para finalizar, busco em o Quinto inesperado: Ser pro-
fessora titular no contexto atual, uma proposta de trabalho
para mais 10 anos de carreira fazer uma reflexão sobre como,
a partir de agora, sendo aprovada ou não como professora
titular, pretendo configurar as linhas de continuidade na
construção da minha trajetória como professora universitária
em uma universidade pública diante do contexto sociopolítico
no qual estamos inseridos, que deverá durar no mínimo
mais três anos. Desta forma, atendo também ao proposto
na legislação, anunciada no início desta introdução como
Plano de Trabalho.

43
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Primeiro inesperado: de classe média


burguesa à trabalhadora da educação

É vista quando há vento e grande


vaga. Ela faz um ninho no enrolar
da fúria e voa firme e certa como
bala. As suas asas empresta à
tempestade. Quando os leões do
mar rugem nas grutas. Sobre os
abismos, passa e vai em frente.
Ela não busca a rocha, o cabo,
o cais. Mas faz da insegurança
a sua força e do risco de morrer,
seu alimento. Por isso me parece
imagem e justa. Para quem vive
e canta num mau tempo.
Paulo Cézar Pinheiro e Pedro
Caminha e Dorival Cayme 19

Nasci em 10 de abril de 1966, outono no Brasil. Estávamos


no começo da ditadura militar, mas já tínhamos editados

19 Música O Vento - Procelaria - A Dona do raio e do vento, cantada/recitada


por Maria Bethânia em seu disco Carta de Amor – Ato I. 2006.

44
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

os Atos Constitucionais 1, 2 e 3. Só vim a saber o que isso


significava muitos anos depois. Primeira filha de um casal,
para época já balzaquiano, minha mãe tinha 30 e meu pai
35 anos; depois de mim vieram minha irmã e meu irmão.
Nasci em tempos de ventania! Fui batizada aos três meses, em
nome de Nossa Senhora das Graças, aquela que pisa em uma
serpente e emana raios de graças pelas mãos. Era um costume
na época, mas se deu devido a um encontro entre ela (uma
pequena imagem que tenho até hoje) e minha mãe, na praia
do Rio Vermelho, no dia de Yemanjá, quando ainda grávida
de mim. Só em 2015, ao arrumar caixas de fotografias para
mais uma mudança, foi que me dei conta que era esperado um
menino, pelas roupas azuis das primeiras fotos. Engraçado,
isso nunca me foi uma questão problemática.
Família de classe média, ambos migrantes do interior
do estado da Bahia para a capital. Minha mãe era dona de
casa, ‘do lar’, como se dizia. Era apaixonada por livros e por
estudos, mas fez apenas até o início do secundário, pois meu
avô, coronel da polícia militar, entendia que mulheres não
precisavam de estudos. Meu avô era um caboclo, filho de
índia com mestiço, que ascendeu socialmente graças à entrada
precoce na Polícia Militar ainda na região de Itabuna (Velha
Boipeba) e seu tino para negociações. Casou-se com minha vó,
uma branca loura, filha de portugueses. Produto das relações

45
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

mestiças, elitistas e paradoxais do Brasil. Minha mãe nasceu


em Ilhéus, penso que devido ao trabalho de meu avô no
quartel; foi a segunda filha (o primeiro foi homem). Vieram
para Salvador depois que meu avô entrou para reforma.
Meu pai, filho de uma batista ortodoxa e comerciante de
secos e molhados (como se dizia), da cidade de Vitória da
Conquista, arrimo da família desde muito jovem, veio para
Salvador quando seus irmãos mais novos precisaram fazer
faculdade. Meu pai não fez, se tornou um administrador por
intuição e foi cuidar de uma empresa de construção civil da
família, pois seu irmão caçula se formou em engenheiro civil.
Não sei bem como se conheceram. Alguns familiares
dizem que foi em uma festa de clube, na qual minha mãe foi
escondida de meu avô, sob a proteção de uma madrinha. Aí
começou uma desavença entre as famílias. O casamento foi
muito tenso. Só quando eu nasci (10 meses após a cerimô-
nia) as coisas se acalmaram. Cresci nesse ambiente familiar
onde parecia estar tudo perfeito. Apesar de sempre termos
morado de aluguel, tínhamos conforto, colégio particular,
frequentávamos clubes, meus pais faziam parte do Lions
Club. Só muito mais tarde, eu descobri que não tínhamos casa
própria porque meu pai pagava os desfalques que seu irmão
engenheiro dava na empresa e nada dizia para não perturbar
minha vó; que meu avô praticou por muito tempo agiotagem

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

e quase foi expulso da corporação correndo o risco de perder


os rendimentos. Uma família perfeita de classe média em
plena ditadura.
O período mais difícil para mim foi o final da década
de 1970 e início de 1980. Em 1978, descobrimos que minha
mãe tinha câncer e toda a economia possível da família foi
empregada em seu tratamento, mas com a morte de meu pai,
em junho de 1979 (no dia de seu aniversário de casamento), de
um enfarte fulminante, a doença se agravou e ela também se
foi, em dezembro de 1980. Penso que o sofrimento com o com-
portamento do irmão e o fato de ser um fumante contumaz
desde os 13 anos o levou ao infarto, e isso abalou fortemente
a minha mãe, fragilizando-a. Era um casal extremamente
unido. É aqui que tudo muda!
Eu com 14 anos, quase 15, agora em 1981, junto com
minha irmã, morávamos com minha vó paterna batista. Eu,
católica, criada por minha mãe muito próxima do ecumenismo
religioso, como dizíamos na Bahia. Meu pai não se metia
nessa questão, acho que não se indisporia nem com minha
mãe, nem como minha vó. Esta, por sua vez, muito ferida
por ter perdido o filho mais velho, seu companheiro de vida
(é uma leitura que faço hoje depois de muita terapia). Ela
própria enviuvou aos 27 anos e nunca se casou de novo. Eu e
minha irmã mudamos de escola. Já havíamos saído do Colégio

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Antônio Vieira, confessional jesuíta, no qual estudamos desde


o ensino fundamental; naquela época chamava-se ensino
primário, devido a um aborrecimento entre o padre diretor e
minha mãe, pois ele não aceitava nossa queda de rendimento
mesmo com a morte de meu pai e a doença materna.
Fomos para escolas de bairro, com baixa qualidade20, mas
era o possível naquele momento, além de que havia muita
confusão familiar devido ao tratamento difícil a que minha
mãe se submetia, indo e voltando de São Paulo para cirurgias e
orientações. Até então, vivíamos em um mundo extremamente
cercado, sem nenhuma agrura e desfrutando de fazer parte de
um grupo privilegiado em nosso país. Apesar de não sermos
ricos, hoje entendo, fazíamos parte de um grupo de classe
média que se sentia em ascensão por desfrutar de algumas
benesses das elites, mas que vivia do seu trabalho e sem ele,
não se adequava mais à vida da classe média (SOUZA, 2019).
Ao entrar nessa nova escola, Nossa Senhora de Lourdes, o
Lourdinha, que nada tinha de católico a não ser o nome, tive
o primeiro impacto desse abismo social. Agora eu já estava
no Ensino Médio, naquela época ainda Segundo Grau.

20 Mesmo entendendo que esse termo, qualidade, seja polissêmico, o usamos


aqui para nos referir a uma escola com pouca atenção aos processos de
aprendizagem dos estudantes, muito mais preocupada com o lucro que eles
davam. Infelizmente ainda temos essa realidade no país.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Era uma escola privada, de certo, mas apenas voltada


para a certificação dos que ali ingressavam. Praticamente não
tínhamos aulas de verdade. Pessoalmente, foi uma experiência
bastante interessante. Ninguém controlava nossa frequência
e é claro que ganhávamos a rua. Foi um ano improdutivo
escolarmente, mas absolutamente rico de aprendizagens.
Sempre fui uma criança calma, mas não tímida, sempre fui
ousada, mas nunca me meti em nada sem avaliar os riscos.
Tendo ido morar com minha vó, não poderia mais ficar
nessa escola, era demais para ela. Ela nos queria sob seu olhar
atento. Então fomos para outra escola, Colégio São Paulo, cujo
dono/diretor era um reverendo da Igreja Presbiteriana. Era
uma escola mais laica, é verdade. Melhor conceituada que o
Lourdinha e não era católica, além de ser na mesma rua em
que morávamos. Acho que isso atendia aos requisitos.
Esse ano de 1981 foi riquíssimo em descobertas! Além
das desconfianças de que o que estávamos passando não era
apenas um infortúnio familiar, embora também o fosse, ao
entrar na nova escola conheci um novo mundo de amizades.
Aquelas do Lourdinha não perduraram. As amizades da
infância, com tantas altercações socioeconômicas, não vin-
garam. Embora fossem todos estranhos, fiz queridos amigos,
relevantes para minha vida até hoje. Nunca fui de muitos, é
verdade, acho que sempre pude contar como amigos próximos,

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

um número que cabe numa mão. Mas nunca fui inibida ou


fechada. Apenas era assim. Um desses amigos, Iúri, se tornará
mais tarde meu marido, um pequeno inesperado.
Também nesse momento conheço alguém fundamental
para minha formação. Nem sei se um dia ele soube do impacto
que teve em mim. O professor Zé Carlos, de história. Militante
contra a ditadura militar, participou de diversos movimentos,
foi preso e torturado. Sinceramente, acho que ele conseguiu
aquela vaga de professor com ajuda de alguém que o queria
proteger. Acho que minha vó também não conhecia muito
bem o Reverendo, diretor da escola. Em suas aulas ele nos falou
de uma história que nunca havíamos escutado, e de forma
lúdica e verdadeira, mas sem se expor demais. Ele nos falava
do que de fato havia acontecido em nosso país nessas duas
décadas; que a ditadura era uma constante em nossa história
e a defesa da democracia era muito difícil, pois, no Brasil,
ela tinha uma marca muito forte da tradição escravocrata.
Zé Carlos foi responsável pela leitura de dois livros que
me fizeram mudar a forma de ver o mundo: As veias abertas
da América Latina (GALEANO, 1978) e Se me deixam
falar... Domitilla: depoimento de uma mineira boliviana
(VIEZZER, 1981). O primeiro desvelou a realidade da América
Latina, incluindo o Brasil, na dolorida história de violên-
cias a que seu povo foi submetido e o segundo, através do

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

depoimento dessa corajosa boliviana, me apresentou não só


a dimensão da luta de classes, mas o lugar assumido pelas
mulheres e imposto a elas, principalmente trabalhadoras,
nesse contexto. Foi como se uma bomba caísse em minha
frente e tudo se tornasse outra coisa. Onde eu estava que
nada disso vi? Na bolha!
Eu, que sempre fui uma criança gordinha e de óculos,
agora já enfrentava uma obesidade mais severa. Juntando as
turbulências e novas aprendizagens desses anos, as mudanças
hormonais decorrentes da puberdade e adolescência, tudo
se descontrolou. Ventania de novo. Mas agora eu queria ser
protagonista. Nesse período, comecei a buscar alternativas
de como ajudar as pessoas. Conheci alguns colegas católicos
que faziam parte de grupos de jovens e comecei a participar
de alguns eventos, muito mais de louvação que de ação e isso
me incomodava. Até que conheci um grupo que se reunia na
casa pastoral da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, na qual fui
batizada, para reflexões sobre a bíblia, mais especificamente
sobre o novo testamento e organização de ações comunitárias,
como atendimento médico/odontológico por voluntários para
as comunidades carentes em torno. Me entusiasmou.
Quem conhece Salvador sabe que sua organização urbana
é muito peculiar. Embora a Vitória seja um bairro de classe
média/alta, em seus entremeios se configuram comunidades

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

carentes, e em bairros circundantes também. Essa é uma


configuração comum em Salvador. Embora esse trabalho e
o conhecimento mais aprofundado da Bíblia tenham sido
importantes para minha formação e compreensão do papel
da religião na vida das pessoas, por si só, esse assistencia-
lismo não me parecia ajudar muito, serviam como unguento
num momento de emergência, mas não resolvia. Ainda não
sabia nada sobre a Teologia da Libertação e suas ações nas
comunidades.
Salvador é uma cidade cheia de credos que vão se ema-
ranhando uns nos outros. Naquela época, não tínhamos
ainda o movimento negro tão sistematizado e forte, então
as religiões de origem africana existiam meio que submer-
sas, mas vibrantes na cidade. Também não tínhamos ainda
a ascendência das religiões pentecostais e neopentecostais
como hoje, nem os movimentos católicos carismáticos eram
tão fortes. Chamo a atenção sobre esse aspecto, pois com
o contato com as comunidades mais carentes, de maioria
negra e com muitas referências no candomblé ou umbanda,
passei a me interessar em conhecê-las melhor. Por outro
lado, minha mãe, de certa forma, já havia nos aproximado
do sincretismo, com seu pequeno altar doméstico, onde era
possível encontrar as imagens católicas de São Francisco,
Sagrada Família e Santa Bárbara (no sincretismo, Iansã) e

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

os cordões e guias de proteção preparados por algum pai ou


mãe de santo, os búzios e incensos. Herdei a maioria, aliás
essa foi minha herança física, junto com algumas xícaras e
pratos de seu enxoval de casamento.
Hoje reflito que essa busca pelo religioso e sagrado, se deu
como forma de manter viva a memória de minha mãe, mas
também foi tentativa de achar respostas para tantas perdas e
fraturas dessa época. Não me tornei uma religiosa, mas uma
pessoa que entende que existem muitos mistérios na vida
e que, enquanto a ciência não dá conta de respondê-los, a
religiosidade e a fé podem ajudar as pessoas. Não só elas, mas
as ideologias, os valores e os afetos, junto com a religiosidade
e a fé, se tornam um amálgama simbólico que nos ajuda a
compreender o mundo, andar por ele e pertencer a alguns
grupos, e não a outros (MOSCOVICI, 1978; 2012); criamos,
assim, as Representações Sociais. Essa forma de conhecimento
cotidiana, que constrói e é construída na comunicação entre as
pessoas pertencentes a determinados grupos, lhes possibilita
uma forma de engendrar seu mundo (JODELET, 2001), mais
ainda, sentir-se pertencentes.
Foi nesse ano, com a aproximação com o candomblé,
que descobri, num jogo de búzio com um pai de santo, que
sou filha de Iansã, aquela que “Sobre os abismos, passa e vai
em frente. Ela não busca a rocha, o cabo, o cais. Mas faz da

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

insegurança a sua força e do risco de morrer, seu alimento”,


como anunciei na epígrafe dessa parte. “Non creo el las brujas,
mas que las hai, las hai”. A descoberta de Iansã me inspira na
vida, Ela parece comigo, ou eu com Ela... Passei a ter como
hobby a leitura sobre religiões, em especial o candomblé.
Em 1984, termino o segundo grau (reprovei no primeiro
ano e tive que repetir) e no final desse ano, fiz meu primeiro
vestibular, sendo aprovada para a Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade Federal da Bahia e, paralelamente,
para a Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica
do Salvador.
Passei a frequentar ambos os cursos no ano de 1985. A
partir daí a inquietação começou a tomar conta de minha
vida intelectual. O curso de Ciências Sociais se distribuía ao
longo de toda a semana nos três turnos, configuração comum
nos cursos das universidades federais na época, impossí-
vel para quem, como eu, precisava trabalhar. O Curso de
Jornalismo, embora fosse em turno único, era muito caro
e não vinha me dando as respostas que eu vinha buscando
para a vida. Hoje, orientando tese de doutoramento que trata
sobre mudança de curso por estudantes e as Representações
Sociais de universidade, da doutoranda Telma Elita da Silva,
reflito com ela sobre os dilemas do ingresso na universidade,

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

as questões socioeconômicas e identitárias que se articulam


nesse importante momento, decisório para a vida.
Em 1986, a minha relação com meu corpo devido à obe-
sidade, já era bem difícil. Meu avô, que tinha falecido nesse
ano, havia me deixado uma poupança e, novidade na época,
se consolidavam modelos de tratamento da obesidade por
internamento e redução drástica da ingestão de calorias. No
entanto, essas clínicas não existiam em todo lugar, como
acontece hoje, mas principalmente a partir do final da década
de 1990, se concentravam no sudeste. Resolvi que entre o
anúncio da aprovação no vestibular, final de novembro e o
começo das aulas em março, me internaria em uma clínica
conceituada que funcionava em Sorocaba. Funcionou, perdi
32 kg entre dezembro e fevereiro, mas voltei grávida. Não
havia restrições de relacionamentos e com alterações no
metabolismo devido ao modelo de emagrecimento e aos 20
anos de idade, aconteceu. O único problema, porém, era que
o pai não queria ser pai. Então, voltei para Salvador, para a
casa da minha vó batista, mãe, solo e magra.
Um misto de insatisfação e idealismo se efetivou no final
desse mesmo ano com a inscrição em novo concurso de
vestibular, desta vez para a Faculdade de Educação da Bahia -
FEBA (hoje mais conhecida como Faculdades Olga Mettig). A
opção por um curso de Pedagogia veio por idealismo, achava

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

que poderia mudar algo numa sociedade tão desigual, que me


foi apresentada pelas disciplinas de fundamentos do curso de
Ciências Sociais, mas também para encorajar uma amiga que
tinha medo de fazer o vestibular. Me preocupava em fazer um
curso que me possibilitasse mudar essa organização social.
Uma visão ingênua, no mínimo, mas era minha reflexão
sobre o meu papel enquanto sujeito nessa história.
Escolher uma faculdade isolada21, numa fundação, na qual
o curso era pago, se deveu à necessidade, já premente, agora
mais que nunca, de sobrevivência. Precisava trabalhar para
viver, coisa que não era possível na Federal pela característica
organizacional do curso, nem na Católica, em função dos
valores cobrados. Ingressei no curso de Pedagogia em 1987
e, não tenho medo de dizer que me apaixonei pela área, mas,
como em toda paixão, os medos também surgiram: medo de
não ser boa professora, medo de não dar conta da amplitude
de conhecimentos para a atuação profissional. O ano de 1987
foi de gestação de Sarah e da Pedagogia. A primeira, nasceu
em agosto e a segunda tem nascido em/de mim de formas
diferentes ao longo desses anos.

21 Chama-se faculdade isolada aquelas instituições que não se integram


a nenhum sistema universitário e que têm como missão a formação
de profissionais em áreas específicas para atuação no mercado de
trabalho. No caso da FEBA, na época, oferecia os cursos de Pedagogia
e Administração. Não há estrutura acadêmica de extensão e pesquisa.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

A partir do contato com as colegas de curso, comecei


a conhecer o universo dos professores de redes públicas e
privadas, pois a maioria já atuava profissionalmente, como
era comum na época; a maioria já tinha o curso de magistério,
de nível médio/profissionalizante. Conforme mais tarde,
estudamos na disciplina de História da Educação, a partir
da análise feita por um texto das professoras Ribeiro (1989)
e Romanelli (1991), o curso de magistério é uma evolução
das escolas normais, criadas em alguns estados entre 1890
e 1893, que visava à formação para o magistério primário
e que vai passar por diferentes configurações ao longo da
história legislativa educacional do país. Nesse momento, se
configurava em um curso de nível médio profissionalizante,
com o objetivo de inserção no mercado de trabalho das jovens,
em sua maioria das camadas populares, que queriam ter
uma formação que lhes permitisse uma profissão com renda.
Lembremos que, embora a década de 1980, seja reconhecida
como de abertura política, ainda estamos sobre a influência
do pensamento ditatorial, conservador e militar, no caso da
educação, sob a égide da LDB 562/71.
Me iniciei nas aprendizagens sobre maternidade (coisa
que nunca havia me passado antes pela cabeça) através da
leitura. Minha vó ainda não aceitava a ideia, então me tratava
como se não estivesse grávida; não tinha primas ou irmãs com

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

filhos, nem nenhuma tia próxima. Mais uma vez a influência


do gosto por ler e por buscar soluções nos livros, deixada por
minha mãe, me salvou. Então, além dos textos das discipli-
nas introdutórias da pedagogia, me apeguei à revista Pais
& Filhos e a um livro antigo sobre puericultura, Meu filho,
Meu tesouro22 . A revista, mais atualizada, salvou Sarah de
ser afogada na banheira ou superalimentada com farináceos,
além de me tranquilizar nesse desafio.
Foi em 1988 que consegui meu primeiro trabalho em
educação, como professora de segunda série numa escola de
subúrbio de Salvador, no Centro Educacional Santa Rita no
bairro de Roma, graças à confiança de minha tia Magna, que
me indicou para sua irmã, dona da escola. Essa escola tinha
uma característica interessante: apesar de ser privada, era
conveniada com uma fábrica de chocolates, Chadler, instalada
em suas vizinhanças23. Sua clientela era, na maioria, filhos de
funcionários desta empresa, pobres e negros, como é comum
na periferia de Salvador.

22 Perdi meu exemplar em alguma das mudanças ou foi devorado pelas batalhas
que tive com os cupins de Natal. Recuperei, pela internet, o ano de sua
publicação, 1946, e sua autoria, Dr. Benjamim Spock, pela Editora Record.
23 Como em grande parte da periferia de Salvador e não diferente das grandes
cidades do país, a população era negra e pobre. As colegas professoras não
eram brancas. Não foi fácil, para mim, que herdei o biotipo de minha vó
paterna de origem espano/portuguesa, branca e de cabelos lisos, fazer com
que o estranhamento de lugar não ocorresse.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Será no desempenho prático que novas inquietações vão


tomando o lugar dos medos do início do curso. Também
podia levar Sarah e deixá-la na sala de educação infantil
enquanto trabalhava, realidade de muitas professoras. Roseli
Fontana (2003) faz uma discussão bastante aprofundada
sobre o imbricamento das dimensões da vida feminina com
a docência, a partir da feminização da profissão, quando
reflete sobre como nos tornamos professoras. Também sobre
a condição do feminino e a profissionalização da docência,
acatamos as discussões feitas por Paulo Freire em diversos
textos, mas em especial em seu Professora sim, tia não:
cartas a quem ousa ensinar (FREIRE, 1993).
Atendendo a uma camada social de poucos recursos
financeiros e baixa formação educacional, comecei a visu-
alizar a articulação prática entre os problemas sociais e a
efetivação da educação na sala de aula. Problemas como
violência doméstica, desestruturação familiar, alcoolismo dos
pais, analfabetismo, indisciplina, falta de atenção, problemas
de aprendizagem graves, abandono, entraram em ‘minha’
sala de aula muitas vezes me levando a pensar em desistir, a
pensar na minha impotência diante de algo tão grandioso.
Através das leituras e discussões provocadas pelos professores
na faculdade, fui entendendo melhor a relação entre tais
problemas e as condições estruturais de vida das pessoas,

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

como condição de moradia, acesso ao trabalho, a transporte e


saúde com dignidade, ou seja, a políticas públicas estruturais
que possibilitem uma vida digna.
Autores como Paulo Freire (1979), Demerval Saviani (1991;
2001), Bárbara Freitag (1980), Jean Piaget (1986; 1975), Lev
Vygotsky (1998), Lev Vygotsky, Luria e Leontiev (1998), Karl
Marx (1974), Emília Ferreiro e Ana Teberovsky (1984), Libâneo
(1994; 2001), Carlos Luckesi (1994), Aníbal Ponce (1989)24
e outros, nos permitiam pensar sobre a função social da
educação, sobre a formação e estruturação do pensamento,
sobre a relação conhecimento e constituição do sujeito, sobre
as implicações sociais da prática educativa, sobre para que e
para quem pode estar a serviço a educação e como, enquanto
educadores, contribuíamos para a constituição de sujeitos
críticos e participativos. Inicio, aqui, o meu desvencilhar
de uma visão ingênua da educação através de uma reflexão
que começa a se fazer crítica, embora com tropeços, a partir
de uma inter-relação efetiva com a minha prática enquanto
professora.
No decorrer do curso, me aproximei mais das áreas de
alfabetização e aquisição da escrita, fazendo mini estágios
em metodologia da alfabetização e da língua portuguesa.

24 Muitos desses textos eu acessei usando a biblioteca da faculdade ou tirando


cópias de colegas e só posteriormente pude adquirir os exemplares.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Foi nesse período que comecei a definir melhor minha área


de interesse dentro da Educação, preocupada sobre como as
crianças desenvolvem o processo de aprendizagem, sobre as
dificuldades que muitas vezes encontram para efetivar essa
aprendizagem, e como se estabelecem, na escola, as relações
entre esse sujeito que aprende e o conhecimento. Fui desco-
brindo a afinidade com a Psicologia da Educação.
Aqui entra a contribuição do professor Rodrigues que nos
ensinava essa disciplina e já me fascinava com a compreensão
dos fenômenos subjetivos e simbólicos e suas articulações
com o aprender. Outra questão que começou a me inquie-
tar foi como a identidade dos sujeitos se constitui, e qual a
interferência das relações que se estabelecem na escola nesse
processo. Comecei a me aproximar das discussões sobre
construções de identidade de gênero, mas não foi possível,
nesse momento, o aprofundamento destas reflexões.
Em 1989 me caso com Iúri, grávida de novo, após um
namoro um tanto tumultuado desde a gravidez de Sarah e as
idas e vindas entre Natal (onde ele já morava nesse período) e
Salvador. Agora, já com a experiência de Sarah a maternidade
não me assustava, no entanto, perdi o bebê um mês antes do
casamento. A nova maternidade com a vinda de Sofia, em
1990, coincidiu com o período dos estágios no curso e com
Iúri morando de volta em Salvador desde 1989.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

No fim do curso, foi a hora de fazer opção pela habilitação


a ser seguida. Escolho Orientação Educacional (fui a única
de minha turma a fazer essa opção), dentre as que foram
oferecidas, a que me possibilitava estar mais perto do aluno,
sujeito que aprende, e do processo de construir-se desse sujeito.
Na época, precisávamos também escolher uma das áreas
do ensino fundamental para fazermos um segundo estágio
e escolhi Metodologia da Língua Portuguesa. Essa foi uma
experiência importante; foi meu primeiro contato com uma
escola pública. Para esse estágio, atuei em uma classe de
segundo ano, similar à que já havia trabalhado no colégio
Santa Rita e para o estágio de Orientação Educacional, recebi
uma turma similar ao que hoje é o quinto ano, ambas no
Instituto Central de Educação Isaías Alves – ICEIA, escola
estadual pública, localizada no bairro de Santo Antônio.
Situações como a paralisação dos trabalhadores da edu-
cação devido ao não pagamento salarial foram um dos novos
problemas que se me apresentaram e suscitaram reflexões
sobre a lacuna de aprendizagem e ensino das crianças com
a ausência dos professores, bem como a necessidade de luta
política para a garantia de seu direito de receber os salários
pelo trabalho realizado. Essa problemática persiste até os
dias atuais em situações similares. Isso me faz refletir sobre
como nós, trabalhadores da educação, construímos nossas

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

estratégias de luta e resistência (hoje mais necessárias do que


nunca, diante do avanço de concepções fundamentalistas de
mundo e relações e de uma política anti-intelectualismo). Será
que não era hora de ocuparmos os espaços de formação onde
atuamos e não nos ausentarmos, mas agirmos de outra forma,
para que pais e estudantes se aliem à nossa luta?
Retomando essas tantas reflexões, hoje como professora
formadora de cursos de licenciatura e de cursos de formação
de formadores, penso que a minha formação inicial, apesar
de não ter sido em uma universidade pública, com acesso à
pesquisa, extensão e pós-graduação, foi de extrema qualidade.
Nossos professores, embora não o fizessem de forma explícita
e assumida, construíram um curso com base teórica e prática
sólida; por vezes até discutíamos mais criticamente, depen-
dendo do docente. Não havia muito estímulo à continuidade
de formação, tão pouco à apresentação de suas possibilidades,
tendo em vista que o curso tinha como objetivo a formação
para atuação nos contextos escolares, mas nos dava subsídios
para uma prática pedagógica reflexiva e engajada com a
aprendizagem dos estudantes.
Devido ao fato de ter duas crianças e a necessidade de
fazer dois estágios, saí do emprego e fiquei apenas usando
uma poupança, aquela que sobrou da herança de meu avô
e algumas economias, além de uma pequena quantia dos

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

espólios de meus pais. Tal situação nos deixou muito frágeis


financeiramente, já que Iúri cursava medicina e não traba-
lhava. Foi assim que decidimos vir para Natal, mais próximos
dos pais dele, ele achava que seria mais fácil. Ele veio antes com
as meninas; milagrosamente conseguimos sua transferência
de volta. Eu fiquei os últimos meses de 1991 completando
os estágios em Salvador. Formando-me em dezembro desse
ano, iniciava-se uma nova etapa em minha vida pessoal e
acadêmica. Agora mais madura, com duas filhas, casada e
em novo estado e cidade.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Segundo inesperado: a mudança


de estado e realidade sociocultural
e o encontro com a academia e com
a Teoria das Representações Sociais

Preso a canções, entregue a


paixões que nunca tiveram
fim. Vou me encontrar longe
do meu lugar, eu caçador de
mim. Nada a temer, senão o
correr da luta, nada a fazer, senão
esquecer o medo. Abrir o peito
a força, numa procura. Fugir às
armadilhas da mata escura.
Luís Carlos Sá/Sérgio Magrão25

Aportei em Natal no dia 30 de dezembro de 1991. Com duas


filhas, desempregada, sem uma casa e com um casamento
já meio tumultuado, além de nunca ter imaginado sair de

25 Música gravada por Mílton Nascimento, do álbum Caçador de mim, 1981,


Universal Music Group.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Salvador. Não foi muito fácil a adaptação. Não conseguia tra-


balho, pois não tinha uma rede de contatos para que pudesse
ser indicada, apesar da insistência em deixar muitos currículos
em escolas privadas. Era uma época de escassez de concursos
públicos devido às políticas nacionais e locais de enxugamento
do estado. Além de não ter trabalho, não tinha amigos fora
do núcleo da família de Iúri.
Meus sogros, Iracy e Arnon de Andrade, ela professora
aposentada da rede estadual e ele professor da UFRN, do
Departamento de Educação, se esforçaram muito para minha
adaptação. Foi assim que um dia, Arnon me chega animado
(natural dele) da universidade, dizendo que haveria aber-
tura de seleção, em meados de 1992, para o Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFRN – PPGEd/UFRN
(na época só Mestrado em Educação), e me perguntou, se
não queria fazer o mestrado. De fato, eu não sabia o que era
um mestrado. Mas topei o desafio, pensando que poderia
ser uma alternativa à falta de trabalho. Na época, a seleção
consistiu em uma prova e um pré-projeto de dissertação.
Com a ajuda e o acesso à biblioteca deles, tentei me preparar
o melhor possível e escrevi um pré-projeto com a proposição
de estudar a construção da identidade de gênero em crianças
pré-escolares, temática que já chamava minha atenção na
graduação.

66
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Fiquei entre os 32 candidatos aprovados no processo sele-


tivo que foi bem concorrido e teve diferenças mínimas entre as
notas. O número de vagas ofertado era de quinze, no entanto,
o Colegiado do Curso decidiu que poderíamos cursar como
alunos especiais, junto com a turma classificada e assim o
fizemos no segundo semestre de 199226. Para mim aquilo foi
espetacular. Além de me inserir num ambiente que nunca
havia vivenciado, o da pesquisa em educação, fui colocada
em contato com diferentes colegas do campo educacional e
foi através deles que consegui os meus primeiros trabalhos
nessa cidade, em escolas da rede privada de ensino.

26 Essa turma ‘B’, como alguns chamavam, foi mesmo muito especial. Além
de companheiros de estudos e dificuldades, dela saiu importantes colegas
que ingressaram na UFRN ou em universidades da região e que passaram
a fazer parte de minha trajetória acadêmica e política dentro da instituição.
Ressalto alguns que estiveram mais próximos de mim ao longo desses anos.
A Professora Terezinha Petrúcia, do Departamento de Educação Física da
UFRN, professora do PPGEd/UFRN, coordenadora do Grupo de Pesquisa
Estesia: corpo, fenomenologia e movimento e do Laboratório Ver - Visibilidades
do Corpo e da Cultura de Movimento e ex-Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Educação Física, com a qual travei muitas discussões e
aprendi muito, ela com a fenomenologia e eu com as representações sociais.
A Professora Cyntia Medeiros, professora do NEI/Cap/UFRN e em seguida
do Departamento de Psicologia, que trazia para nossas discussões a psica-
nálise em articulação com a educação. A Professora Carmem Rego, com sua
experiência de gestão no NEI/Cap/UFRN e com uma compreensão freiriana
da educação infantil, me possibilitou muitas reflexões sobre uma educação
democrática.

67
Em início de 1993, o Colegiado do Programa resolve inte-
gralizar a turma dos aprovados e não classificados e a partir
daí passa a ter seleções semestrais, até a reforma curricular
posterior à aprovação do curso de doutorado em 1995. No
final de 1992, início de 1993, me separo de Iúri, agora com
nova configuração de vida, com as duas filhas e numa cidade
nova. Foram incontáveis as vezes que ouvi: “você não vai
voltar para sua terra?”, “vai ficar aqui sozinha?”. Em Salvador
eu também estaria só, também estaria sem emprego e em
Natal eu tinha a chance do mestrado, um grande inesperado.
Ao me formar, com Habilitação em Orientação
Educacional e campo de concentração em Metodologia da
Língua Portuguesa, herdei o modelo formativo que repro-
duzia na escola, uma fragmentação do trabalho pedagó-
gico. Concentrava o ensino da então educação de primeiro e
segundo graus (LDB 5692/71, artigos 29 ao 40)27 na aquisição
da leitura e da escrita, no domínio rudimentar da mate-
mática, nos conhecimentos gerais nas áreas de ciências e
estudos sociais e na iniciação ao trabalho, anterior a LDB

27 BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 5692 de 11 de


agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá
outras providências. Acessado em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/
lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html.
20 de janeiro de 2020.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

9394/9628 e vigente atualmente. Foi com essa formação que


dei início a minha atuação como professora, na escola de
primeiro grau (desde o início do curso) e, mais tarde, fui
coordenadora pedagógica do primeiro e segundo graus (hoje
Ensino Fundamental e Ensino Médio), enfrentando muitas
dificuldades com a prática docente.
A minha experiência como professora e coordenadora
pedagógica na rede privada me fez encontrar com o objeto
de estudo do mestrado, a construção de gênero para crianças
pré-escolares. Essa era uma demanda de professores e pais
desse nível de ensino e meu campo de atuação na época,
também decorrente da minha habilitação em Orientação
Educacional, o que me aproximava mais das problemáticas
relativas ao desenvolvimento e aprendizagem das crianças e
jovens e das questões da Psicologia da Educação, campo do
qual fui me aproximando cada vez mais como professora
formadora.
Em meados 1993, com um projeto ainda pouco consistente
me deparei com a missão de achar um orientador. Diferente
de hoje, quando os estudantes de pós-graduação já entram no
PPGEd com um orientador definido, a partir da apresentação

28 BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. Estabelece


as diretrizes e bases da educação nacional. Acessado em http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. 20 de janeiro de 2020.

69
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

de um projeto de pesquisa concernente com a linha de pesquisa


que pretendem ingressar, naquele momento, entrávamos com
um pré-projeto e sem orientação definida. Alguns professo-
res trabalhavam com a educação infantil e com educação
básica, mas nenhum com as questões de gênero. Chegaram
a me indicar professores do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais ou de Serviço Social, porém nenhum deles
trabalhava no contexto da educação e da formação identitária.
Foi numa conversa informal, no meio do corredor do
Departamento de Educação, como a professora Jomária Mata
de Lima Alloufa, então coordenadora do programa, angustiada
por ainda não ter tido nenhum interessado em me orientar
e explicando o que queria estudar, que escutei dela: “se for
com a Teoria das Representações Sociais, eu lhe oriento”! Eu
fiquei num misto de alegria e aturdimento, pois nada eu sabia
sobre essa teoria. Mais um inesperado. Descobri que quase
nada havia publicado em português, além do livro de Serge
Moscovici (1978), baseado em sua tese de doutoramento que
deu origem à teoria. Precisava ler em francês, sem nunca ter
aprendido a língua (que até hoje não sei), mas comprei um
bom dicionário e estudava com ele do lado. Foi com o apoio
dos colegas do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
e Representações Sociais e das professoras Jomária e Margot
Madeira que comecei a enveredar por essa nova empreitada.

70
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Esse texto de Moscovici era uma versão parcial de sua tese,


que em 2012, em comemoração aos cinquenta anos da teoria,
a Editora Vozes lançou a versão completa do texto em sua
coleção Psicologia Social. Estudar uma teoria, forjada no início
do século XX, que busca compreender como “uma ciência
do real torna-se uma ciência no real, dimensão quase física
deste”, como afirmou Moscovici (2012, p.19, grifos do autor)
em suas notas preliminares ao referido texto, foi desvelador
saber como se dá a construção do pensamento das pessoas
comuns da minha época.
Uma compreensão que para mim foi revolucionária, sobre
como se dá a construção do pensamento do cotidiano no
tempo em que se está sob a égide do conhecimento científico.
Mais ainda, compreender esse tipo de pensamento como um
tipo de conhecimento, necessário, complexo, mediado e com-
partilhado pela comunicação, por valores, comportamentos,
religiões, afetos, ou seja, as representações sociais.
Já relatei que minha formação inicial, embora tenha sido
coerente com seu propósito, não teve muita amplitude teó-
rica. Foi na busca de melhor compreender a proposição de
Moscovici, tendo em vista suas referências, que me pus em
contato, como estudante, com autores que conhecia por nome,
devido à grande popularização de seus trabalhos, e outros
dos quais eu jamais tinha ouvido falar. A construção social

71
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

da realidade (BERGMAN; LUCKMANN, 1985), sendo uma


grande referência para o campo da psicologia social, foi um
deles. A compreensão de que a realidade não está dada e é
construída a partir do lugar social que ocupamos, também
base da Teoria das Representações Sociais - TRS, me mostrou
uma nova forma de compreender como as pessoas pensam e
se produzem no contexto social.
Nessa busca, me encontrei com o texto em espanhol,
publicado pelo Fondo de Cultura Económica/México em
1985, La era de las multitudes: um tratado histórico de
psicologia de las massas (MOSCOVICI, 1985), em que o
autor faz uma reflexão sobre a ciência das massas, tendo como
mote a constatação que, embora até o início do século XX,
se acreditasse na vitória das massas, se chegou ao final do
século com a certeza de que são conduzidas por algum líder
de ocasião. Nesse texto, sou apresentada a Gustave Le Bon,
segundo o próprio Moscovici, o criador da psicologia das
multidões e a quem ele próprio recorre para pensar sobre o
tema da formação e do pensamento das massas. Naquela época
não aprofundei na reflexão da temática devido à necessidade
de me focar no meu objeto de estudo, no entanto, tendo em
vista a situação atual da manipulação das populações pelos
veículos de comunicação e redes sociais, penso que ambos
os autores precisam ser revisitados.

72
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

É no final de 1993, que começo meu relacionamento


com meu segundo companheiro de vida, Eugênio. Já nos
conhecíamos. Fomos apresentados pelo meu ex-marido, de
quem foi colega de militância estudantil (ele do PT e Iúri
do PC do B) e quando voltamos para Natal, se reencontra-
ram; essas ironias só a vida sabe fazer. Agora mais madura,
construímos o relacionamento em outras bases, cada um
em sua casa, eu com minhas filhas e ele com os pais dele.
Colegas de mestrado e já amigos, uma relação mais serena.
É com ele, formado em Filosofia, que me enveredo a estudar
autores como Foucault e sua história da sexualidade I, II e
III (FOUCAULT, 1985, 1984, 1985), Simone de Beauvoir com
seu segundo sexo I e II (BEAUVOIR, 1980, 1980), Max Weber
e sua conceituação sobre a relação entre capitalismo e ética
protestante, entre outros, dos quais precisei me apropriar para
construir a dissertação de mestrado (ANDRADE, 1997). A
sua presença em minha vida foi de extrema importância para
o amadurecimento teórico, como parceiro de discussões e de
dúvidas nessa construção.
Em 1994, fui aprovada no processo seletivo como pro-
fessora substituta do antigo Departamento de Educação da
UFRN (atuando em várias licenciaturas). Nessa experiência
pude estudar mais os conteúdos formativos dos componen-
tes que me foram confiados, o que representou uma base

73
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

importante para minha formação, já que, como os processos


seletivos eram feitos para áreas muito abrangentes, poderiam
nos colocar a ministrar diferentes componentes (Fundamentos
Históricos-Filosóficos da Educação, Psicologia da Educação,
Introdução a Educação, Didática, Planejamento e Políticas
da Educação etc).
É importante que se explicite que, embora para mim,
pessoalmente, essa possibilidade foi extremamente importante
para que me mantivesse com as minhas filhas e pudesse
continuar o mestrado, como bolsista (CAPES-DS29) e as
remunerações como substituta, ter professores substitutos
na formação superior pública é um sintoma da precarização
do ensino superior e reflexo das políticas para esse nível de
ensino ao longo da nossa história, em especial para essas
décadas de 1980 e 1990, com as discussões sobre autono-
mia universitária, advindas de propostas da UNESCO e do
Banco Mundial para a construção de um modelo formativo
(CATANI; OLIVEIRA, 2002; SOUZA, 2007).
Ainda no final desse ano que foi lançada a primeira cole-
tânea de textos sobre representações sociais em português.
Textos em representações sociais foi publicado pela Editora
Vozes e organizado pelos professores Sandra Jovchelovitch e

29 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior – Demanda


Social (modalidade da bolsa).

74
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Pedrinho Guareschi (1994)30. O texto é dividido em três partes:


as dimensões teóricas da Teoria das Representações Sociais,
dimensões metodológicas da Teoria das Representações
Sociais e dimensões práticas das Representações Sociais, que
além de situar o leitor a respeito da teoria em pauta, oferece
uma rica lista de referenciais para continuidade dos estudos.
É na terceira parte que identifico dois textos que contribuirão
mais para minha elaboração sobre a teoria: o do professor
Gerard Duveen (1994) que apresenta uma pesquisa sua com
crianças como atores sociais e o estudo sobre representações
sociais em desenvolvimento que uso em minha dissertação,
e o texto do professor Martin Bauer (1994) que usarei mais
fortemente na minha tese doutoral, explorando o seu conceito
de função de resistência das representações sociais.
Ao longo da feitura da dissertação de mestrado e da con-
comitante experiência como formadora, além das questões
relativas à identidade de gênero, objeto de meu estudo de
dissertação, duas outras questões me chamaram a atenção.
Por um lado, as especificidades da formação de professores
e de seus contextos de atuação, e por outro, como conciliar o
modelo formativo vigente com as demandas da escola, relativas
à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes. Serão

30 JOVCHELOVITCH, Sandra. GUARESCHI, Pedrinho. Textos em represen-


tações sociais. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1994.

75
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

essas também as questões apontadas na dissertação para um


possível desenvolvimento num doutoramento.
Essas questões me fizeram refletir sobre a tese de Moscovici
de que as representações sociais ligam

experiência e conhecimento a um sistema de valores,


de noções e de práticas que dão aos indivíduos os meios
necessários para se orientar no ambiente social e mate-
rial e dominá-los [...] [coloca-se] aos membros de uma
comunidade como intermediário das trocas e código para
denominar e classificar de maneira mais clara as partes do
mundo e da história individual ou coletiva (2012, p. 28).

Se a ciência é uma referência importante na sociedade


moderna para interpretação do mundo e nossa ação sobre
ele, a representação social é um tipo de pensamento que a
populariza na vida cotidiana, tornando possível seu uso.
Hoje, faço uma reflexão, que às vezes compartilho com
meus orientandos. O período do mestrado, quando bem
aproveitado, é muito mais intenso e demanda muito mais
trabalho para apropriação das teorias escolhidas como lentes
e dos aportes metodológicos que usaremos, em comparação
ao doutorado, além de que provoca mudanças profundas em
quem o faz. Assim foi comigo. Como o modelo de curso em
que me inseri ainda previa um mestrado de quatro anos, não
só tive bastante tempo para estudar, mas também participei

76
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

de muitas experiências de formação e extensão coordenadas


pelos professores do DEPEd. Uma delas, coordenada pela
professora Marta Maria Castanho de Almeida Pernambuco,
em assessoria na elaboração de uma proposta de trabalho
pedagógico para a gestão da Secretaria Municipal de Educação
de Natal, na gestão da professora Ana Maria Vale.
Essa experiência riquíssima de diagnóstico, discussão e
proposição de um projeto educativo pautado nos pressupostos
da educação popular, tendo como base teórica a perspectiva
freiriana e um modelo desenvolvido pela professora Marta e
seu grupo de pesquisa (PERNAMBUCO, 1993a, 1993b, 1993c)
em sua produção e experiência na Secretaria de Educação
de São Paulo, me fez ter a compreensão do que é um sistema
de ensino. Como ele deve articular as questões pedagógicas
da aprendizagem dos estudantes, as dimensões pedagógicas
da formação dos professores, a dimensão estrutural que dá
suporte às práticas desenvolvidas e a dimensão política, tanto
no que se refere às concepções educativas que assumimos
quanto àquelas concernentes à carreira dos docentes para
sua valorização social.
A convivência com Marta, ao longo do mestrado e
depois, menos cotidianamente no doutorado e como colega
de departamento, marcou minha trajetória acadêmica, não
só pelas discussões teóricas que fazia, pelos aportes que nos

77
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

apresentava nas discussões em aulas e reuniões, mas também


como exemplo de mulher acadêmica e de pessoa com firmeza
de posições. Muito aprendi, sinto falta dela em muitas situações
referentes às dinâmicas da nossa universidade atualmente.
Tive grandes contribuições em minha defesa de disser-
tação, além do aceite, de mulheres extremamente relevantes
para mim, como acadêmicas e como expressões do feminino.
A minha própria orientadora, que confiou em mim, me deu
autonomia de elaboração e me presenteou com a apresentação
de uma teoria que passou a ser vida em minha vida. A profes-
sora Jomária, e seu grupo NEPERS, que me proporcionaram
espaços profícuos de discussão, me pondo em contato com a
professora Margot Madeira, membro interno na defesa. Com
ela aprendi a pensar através da teoria, faço isso até hoje; se
tornou inevitável para mim. Em suas aulas compreendemos
e nos apropriamos de como elaborar e executar abordagens
metodológicas qualitativas para estudos com a TRS e apren-
demos o respeito pelo discurso do outro e por suas formas de
compreensão do mundo, inclusive das crianças, participantes
de meu trabalho.
A professora Maria da Conceição Almeida, a Ceiça,
suplente que fez questão de participar e contribuir com olhos
de bruxa e coração de fada (como eu disse a ela), de quem
nunca fui aluna de sala de aula, mas com quem muito aprendi

78
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

em palestras e conversas de birô e bar, por intermédio de


Marta, pois seus grupos de pesquisas funcionavam num
espaço compartilhado. Agradeço o olhar afiado para as ques-
tões do feminino e do acadêmico quando estão imbricadas.
Se tornou uma referência, até hoje, do modo feminino de
fazer ciência. As contribuições apuradas e aprofundadas
sobre a TRS da professora Ângela Arruda, já referência no
campo da teoria, no Brasil e fora dele, me fizeram buscar o
aprofundamento epistemológico da teoria, especialmente
no que tange às funções das representações sociais e suas
implicações para a formulação das condutas.
Terminado o mestrado e, consequentemente, o vínculo
com a UFRN, voltei para Educação Básica privada, agora
como Orientadora Educacional de quintas séries (na época
série de transição entre o atual ensino fundamental inicial e
seus anos finais, o que marcava uma mudança de estrutura
curricular, com o aumento do número de professores com
filiação às disciplinas específicas e novas exigências rela-
cionais com a entrada na puberdade/adolescência). E como
Coordenadora Pedagógica do Ensino Médio, que na rede
privada estava voltado para a aprovação em processos de
vestibular. Também sou convidada a dar aulas em faculda-
des privadas de Pedagogia que começavam a se consolidar
em Natal, devido às exigências da LDB 9394/96 que tornou

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

obrigatória a formação em ensino superior para professores


da rede básica de ensino.
O trabalho concomitante na educação básica e no ensino
superior me aproximou da realidade formativa dos professores
que não têm acesso ao ensino superior público e às lacunas
reflexivas sobre as suas práticas. Lacunas essas decorrentes
da formação para docência ter-se dado, em sua maioria, em
cursos de Magistério profissionalizantes, voltados para saber
fazer, mais distante de uma reflexão sobre o fazer, derivado
das concepções formativas vigentes até o final da ditadura
militar e mesmo no período da abertura política, a partir
de meados da década de 1980. Tendo em vista essas novas
demandas da prática profissional e a abertura de inscrições
para primeira turma de Especialização em Psicopedagogia,
pelo Departamento de Psicologia da UFRN, retomei os estu-
dos, agora mais fortemente no campo da Psicologia, mais
especificamente com base psicanalítica, mas sem me afastar
dos contextos de atuação de professores.
Tal formação tinha por objetivo atender a uma demanda
da época: a articulação do campo da pedagogia com o da
psicologia para dar conta dos emergentes problemas de apren-
dizagem de crianças e jovens nas redes públicas e privadas.
Mas também para o atendimento individualizado, abrangendo
as dimensões clínica e institucional da formação. Sendo assim,

80
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

o perfil dos estudantes desse curso era composto de pedagogos


e psicólogos em maioria, mas também de fonoaudiólogos e
outros licenciados, visando atender às demandas de formação
continuada na área. O curso se desenvolvia em dois anos,
no sistema modular, aos finais de semana, pago pelos seus
discentes, e ministrado por professores ou técnicos que já
desenvolviam práticas psicopedagógicas ou tinham experiên-
cia nas áreas específicas. O modelo e a organização pedagógica
dos conteúdos se espelhavam nos cursos de Psicopedagogia
criados pela professora Alícia Fernandes (1990, 1994, 2001) e
Sara Paín (1985, 1999) na Argentina, com forte embasamento
psicanalítico, piagetiano e materialista histórico.
Na interlocução com essa formação, na produção do
Trabalho Monográfico para finalização dessa etapa formativa
e na minha prática como orientadora de crianças e professores,
as questões sobre a formação de professores emergiram mais
fortemente. Assim, nosso objeto de construção monográfica
foi as relações intergrupais no contexto escolar.
Me inquietaram as falas de colegas sobre as demandas
dos estudantes e da escola e as lacunas formativas para dar
conta de tantas atribuições. Me voltam as angústias formativas
dos estudantes das licenciaturas e dos professores da rede
pública, nos programas de formação dos quais participei
como formadora, quando se deparavam com as demandas

81
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

da prática docente, com suas próprias construções identitá-


rias profissionais e com o enfrentamento de suas próprias
vidas com salários baixos, necessidade de vários empregos e
demandas familiares. Eu própria estava imersa nesta mesma
realidade. Passava pelos mesmos problemas e dilemas.
Aqui se torna relevante problematizar o lugar do feminino
na docência e como a docência escolar se constitui como
lugar do feminino. Embora saibamos que esse nem sempre
foi lugar das mulheres, pois a nós não cabia o espaço público,
ele foi se feminilizando devido à necessidade de inserção das
mulheres no mercado de trabalho. A desvalorização social
do trabalho docente, como baixa remuneração e exigência
de pouca formação, também contribuiu para a saída dos
homens dessa profissão.
Já tinha algumas leituras sobre a questão da sexualidade e
sobre o lugar no feminino na sociedade (FOUCAULT, 1985a,
1984, 1985b; BEAUVOIR, 1980a, 1980b) e sobre o como
as professoras se tornam professoras (FONTANA, 1994)
e como o magistério se torna uma profissão feminina. No
entanto, são com os textos de Fernàndez (1994) e Paín (1985)
que me deparo com o ‘embrenhamento’ entre o ensinar e as
modalidades de ensino e de aprendizagens que envolvem e
estão envolvidas no feminino.

82
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Para Paín, a aprendizagem só se realiza como função do eu,


imbricando três dimensões: biológica, social e cognitiva. Sendo
assim, embora a educação seja um processo de socialização,
ela também implica e está implicada na construção das iden-
tidades e, consequentemente, na forma de nos constituirmos
individualmente. Ou seja, dimensões social e individual, são
indissociáveis, coadunando com a perspectiva da TRS, para
a qual só é possível compreender o pensamento cotidiano,
considerando essa premissa (JODELET, 2001).
Fernàndez (1994), em seu trabalho A mulher escondida
na professora, discute como ocorre o vínculo ensinante-
-aprendente enfocando o lugar da ensinante e considerando
seus diferentes lugares de pertencimento, a partir do estudo
da subjetividade da professora e seu posicionamento frente
às diferenças de gênero. Para a autora, para uma constru-
ção integral desse lugar de ensinante é preciso reconhecer a
diferença como diferença e não como carência; não se omitir
ou esconder-se, legalizar o modo de produção de saber e de
conhecer característico das mulheres, fazer visível a nossa
produção invisível, fazer pública a nossa produção doméstica
e autorizar-se a ser mulher. Sendo assim, o fazer-se autora
de si, de seu fazer e de seu saber como ensinante, passa por
conhecer a construção sócio-histórica do feminino e seu
reposicionamento a partir das suas singularidades.

83
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Nesse intervalo entre o mestrado e o doutorado, em que


faço o curso de Psicopedagogia, o NEPERS consegue fazer
em Natal a I Jornada Internacional em Representações Sociais
- JIRS, com a participação da Professora Denise Jodelet,
segundo nome para a TRS, e de diversos pesquisadores bra-
sileiros e de fora do país. Como fui do grupo, fui chamada
para colaborar no apoio à organização do evento junto com
os demais colegas do grupo, estudantes bolsistas de iniciação
científica, mestrandos, doutorandos e voluntários, como eu.
Foi uma experiência gratificante, embora bem trabalhosa.
Já havia participado de eventos no campo da educação,
regionais e nacionais, mas com a especificidade com a TRS
era o primeiro, para mim e para o Brasil. Esse evento foi
pioneiro e hoje já estamos na XI jornada. Foi fundamental
poder ouvir os professores que já trabalhavam com a teoria
e suas discussões epistemológicas e metodológicas. Questões
sobre o amadurecimento epistêmico e desdobramentos da
teoria já faziam parte das discussões. Tais preocupações vêm
se aprofundando em decorrência da amplitude crescente
de pesquisadores que trabalham essa perspectiva e há uma
profusão de trabalhos excessivamente descritivos, sem muita
contribuição para a discussão mais consistente sobre a sua
epistemologia (ARRUDA, 2005).

84
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Lidar com tantos desafios, a apropriação de uma nova


cultura local (nada fácil, apesar de estarmos na mesma
região, o Nordeste), as dificuldades de conciliar trabalho,
estudo e cuidado das meninas, a dinâmica de inserção no
meio acadêmico, a morte de Iúri no ano de 1998 e o novo
relacionamento com Eugênio, foi como ter que lidar com
um vendaval emocional em mim; eu estava literalmente
“atrapada31 na professora”. Principalmente a morte de Iúri
me trouxeram as sensações e medos da época das perdas dos
meus pais. Nesse momento, Sarah estava com 11 anos, muito
próximo da idade que eu tinha quando minha mãe adoeceu e
de quando meu pai faleceu. É com essa conjuntura que chego
em 2000, com quase 170 quilos. A ventania era somatizada
e meu corpo já não suportava mais. Mais um, não muito,
inesperado para lidar. Não muito porque tenho uma herança
genética para obesidade, mas sabia que não era só isso. Nas
buscas de terapêuticas, entendi que tinha uma compulsão,
associada à herança genética.
É em 2000 que entro em contato com as novas técni-
cas de cirurgias para tratamento da obesidade, as cirurgias

31 O termo atrapada é usado por Alícia Fernandas no original de seu texto La


mujer atrapada en la maestra, traduzido para o português como “A mulher
escondida na professora” (1994). No entanto, em espanhol da Argentina, o
termo atrapada, se coaduna mais com presa, que com escondida, em por-
tuguês, pois não tem o sentido de uma ação mais voluntária que se esconder
tem em português.

85
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

bariátricas, hoje chamadas de cirurgias metabólicas, pois


modificam a forma como o organismo metaboliza os ali-
mentos e promovem a perda de peso. Decidi que esse era o
caminho, nada surtia muito efeito e eu não sabia de conhe-
cimentos nutricionais que sei hoje, e que talvez tivessem me
ajudado. Tinha medo de morrer (pela primeira vez na vida) e
deixar as meninas na mesma situação em que estive. Assim,
me submeti ao processo de seleção para o doutoramento
no segundo semestre desse ano e, em início de 2001, fiz o
procedimento cirúrgico, mais um inesperado. Naquela época
muito invasivo, pois ainda não se fazia por videolaparoscopia.
Foi a primeira cirurgia da minha vida (excetuando os partos,
mas que foram normais). Mais uma vez a presença de Eugênio
foi fundamental, não só como apoio no pós-cirúrgico, mas
no suporte com as meninas.
Ao longo do ano de 2001 e parte de 2002, eliminei 80 qui-
los. Já havia eliminado uns 10 na preparação para a cirurgia,
então atingi os oitenta. Essa mudança drástica precisou ser
auxiliada por um suporte psicológico, pois a configuração
corporal mudou muito, com isso, a forma de as pessoas me
verem, me reconhecer ou não, e eu própria me reconhecer. Me
lembro de uma situação inusitada, ao encontrar uma colega
querida que em não me reconhecendo e meio assustada com
a constatação de que eu era eu, me disse: “vou precisar de um

86
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

tempo para compreender que você é a minha amiga, agora


não consigo”. Até hoje não sei bem o que sinto quando lembro
desse episódio, um misto de tristeza, susto e indignação...
O que será que ela viu na nova Erika que não podia lidar?
Novamente a expressão física do feminino emerge em mim.
Com o aporte recém-apropriado no mestrado, da Teoria
das Representações Sociais, e com as novas leituras que a
formação em psicopedagogia me proporcionaram, inclusive
sobre os processos de aprendizagem em si, propus, em 2000,
um projeto de doutoramento ao PPGEd/UFRN sob o título
Formação de Professores: das Representações Sociais, dos
contextos formativos às práticas efetivas da docência. Mais
tarde ele se transformará na tese defendida em 2003, com o
título Representações Sociais sobre o Processo de Ensino-
Aprendizagem de Professores do Ensino Fundamental
(ANDRADE, 2003). Nela aprofundo a discussão sobre como
as professoras (maioria das participantes da investigação)
constroem, a partir das suas representações sociais, suas
identidades docentes, as quais norteiam suas práticas e enfren-
tamentos de demandas, além de fazer uma discussão sobre
como a função de resistência das representações sociais inter-
fere nos processos formativos profissionais e a contundência
disso na própria formação docente.

87
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Em decorrência desse trabalho, publiquei, junto com a


professora Maria do Rosário de Fátima de Carvalho e professor
Antônio Roazzi, da UFPE32 (meus orientadores no doutorado)
nosso primeiro texto em livro, motivo de muito orgulho
para moça que há bem pouco tempo nem sabia o que era um
mestrado. Nesse texto, faço uma síntese dos achados da tese,
mas sistematizo também como esses achados corroboram
as ideias de Bauer (1994) sobre a função de resistência das
representações sociais para um grupo. Tal função permite a
fragmentação, o combinar de significados, a reapropriação
do objeto representado, o novo, de uma forma que possa
extinguir o risco de fratura identitária do grupo, quando essa
representação se conflita com as regras que o grupo construiu
para a interpretação do mundo (ANDRADE; CARVALHO;
ROAZZI, 2003).
Essa possibilidade de uma nova função para as repre-
sentações sociais permitiu a compreensão do meu objeto de
estudo, mais que isso, permitiu que eu entendesse como as
professoras que participaram do estudo lidavam com a nova
concepção de docência, trabalhada pelos cursos de formação
dos quais participavam, sem romper com aquilo que enten-
diam identificá-las com o ser docente. Para elas, ser professor
é ensinar, para ensinar eu preciso saber, e meu aluno não sabe,

32 Universidade Federal de Pernambuco.

88
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

por isso preciso ensinar. As novas concepções formativas dos


cursos a que se submetem, apresentam o professor como um
aprendiz, inacabado e, portanto, em contínua aprendizagem.
Se colocar no lugar de aprendiz, para elas, era ser destituídas
da docência, seu lugar, sua identidade.
Para executar esse movimento, as professoras de nosso
estudo neutralizaram as inovações simbólicas tão drásticas,
ancorando-as em concepções mais tradicionais da docência,
entre o ensinar e o aprender, criando certa imunização contra
a fratura identitária, multiplicando a imagem do objeto, à
medida que é difundido nos vários contextos. A partir daí,
passo a me interessar pela discussão sobre como os processos
formativos sistematizados lidam com as representações sociais
ao logo do processo em si. E ainda como, estudantes univer-
sitários do início das licenciaturas, apreendem os modelos
profissionais da docência em seu processo formativo e qual
a implicação de suas representações sociais sobre ser docente
nessa construção da identidade profissional.
Desde 2000, antes do começo do processo de doutora-
mento, voltei à docência no ensino superior, mais uma vez
como substituta e com algumas turmas do Programa de
Formação de Professores da Educação Básica – PROBÁSICA,
o que me possibilitou sair da rede privada, que tomava quase
todo tempo e que me deixava desconfortável por ter que aderir

89
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

a uma concepção de formação conteudista e competitiva,


antagônica àquilo que eu compreendia como natureza do
processo educativo. Mesmo nas instituições de ensino superior,
a concepção privada de ensino, já começa a se apresentar,
para mim, como uma incoerência por não ter a compreen-
são de que a educação é um direito e não um serviço. Além
disso, é no ensino superior público que, de fato, comecei a
me encontrar como profissional, amparada nos princípios de
que a formação superior deve ser aportada no tripé ensino,
pesquisa e extensão, como um direito da população e não
como um serviço a ser prestado a quem possa pagar.
Decorrente de já estar como professora substituta e, pos-
teriormente, efetiva e discente no Doutorado em Educação
do PPGED/UFRN, também assumi a formação de professo-
res, como professora formadora do PROBÁSICA (Curso de
Pedagogia), criado pela resolução nº 014/99 − CONSEPE, de

90
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

2 de fevereiro de 1999; o DEPED/UFRN33 o assumiu junto ao


Estado e aos Municípios do Rio Grande do Norte. O curso
foi coordenado pela professora Neide Varela. Esse foi um
programa fundamental para a formação de professores no
Estado do Rio Grande do Norte e uma grande contribuição
da UFRN, através do DEPED, para o campo educacional
nessa região.

33 Departamento de Educação da UFRN, Campus Central. “O Programa de


Qualificação Profissional para a Educação Básica (Probásica) foi imple-
mentado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com a
finalidade de oferecer formação em nível superior a professores portadores de
diploma ou certificado de 2º grau e que não tivessem concluído a licenciatura,
em efetivo exercício de escolas públicas ou de programas desenvolvidos junto
a movimentos sociais de Estado do Rio Grande do Norte. Seu principal
objetivo era formar profissionais da educação capazes de compreender o
pensar e o fazer pedagógico em sua totalidade e contribuir individual e
coletivamente para a socialização do conhecimento sistematizado. O Probásica
foi implantado, experimentalmente, a partir do primeiro semestre de 1997,
seguindo as prescrições da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/1996 acerca dos
Profissionais da Educação e da sua formação. O Programa foi instituciona-
lizado pela UFRN em fevereiro de 1999, por meio da Resolução nº 014/99
− CONSEPE. Ao longo de quinze anos de atividades, o Probásica facultou a
formação superior em serviço de quase cinco mil professores no Estado do
Rio Grande do Norte. Presente em, aproximadamente, setenta municípios
do Estado, o Probásica se configurou na maior ação de interiorização da
história da UFRN ao integrar ações de ensino, extensão e pesquisa voltadas
para a formação dos profissionais da educação, visando contribuir para a
melhoria da qualidade do ensino básico na rede pública. (ANDRADE, João
Maria Valença. Revista Educação em Questão, Natal, v. 43, n. 29, p. 182-207,
maio/ago. 2012. P.208-211).

91
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Para mim, uma experiência de aprendizado profundo,


não só sobre como ensinar a professores e as abordagens de
meus conteúdos, mas sobre como as teorias que eu minis-
trava repercutiam na prática educativa daqueles professores
com anos de experiência prática e pouca formação teórica.
Mais ainda, me permitiu ver, pelos olhos das minhas colegas
professoras/discentes, a realidade educacional do interior do
Nordeste brasileiro, em um estado pobre, em que a educação
sempre foi moeda de troca de um modelo político autoritário
e reacionário, que precisava manter as pessoas reféns da
ignorância para continuarem controláveis.
Em 27 de junho de 2003, defendi a minha tese de doutora-
mento, com banca presidida pela professora Maria do Rosário
de Fátima de Carvalho, que acolheu meu projeto doutoral e
foi uma interlocutora perspicaz nas análises dos achados da
investigação. A banca foi ainda composta pela professora
Maria da Graça B. B. Dias (UFPE), que muito contribuiu
com suas aulas de Metodologia na Psicologia Cognitiva, que
cursei no Programa de Pós-Graduação da UFPE ao longo do
ano de 2002, em uma ponte quinzenal entre Natal e Recife,
e com suas interlocuções junto a mim e ao professor Roazzi
na organização metodológica e análises.
Participaram também o professor Luis Botelho
Albuquerque da UFC, contribuindo para pensar as lógicas

92
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

de formação de professores. A professora Rosália de Fátima


e Silva (UFRN), recém-chegada de seu doutoramento, que
contribuiu enormemente com uma reflexão profícua sobre a
construção da pesquisa em educação e a formação de profes-
sores. Rosália se tornou, mais tarde, uma parceira de projetos e
ensino, além de uma grande companheira na trajetória de me
tornar uma mulher acadêmica. Ainda tivemos a contribuição
da professora Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari
Passeggi, que nos brindou com seu olhar aguçado sobre os
achados da tese, principalmente sobre o que dizia respeito
à construção identitária feminina da docência. A essas duas
últimas colegas, agradeço a participação em minha vida
acadêmica nesse momento e nos próximos inesperados que
virão.

93
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Terceiro inesperado:
ser professora concursada
numa universidade federal

Por que se chamava moço,


Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou prá trás, A
primeiro passo asso asso ...
Por que se chamavam homens,
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos calmos calmos...
E lá se vai
Mais um dia ah ah...
E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio.
Milton Nascimento34

34 Música Clube da Esquina, no Álbum Clube da Esquina, 1972.

94
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Em 2003, como boa parte dos pós-graduados desse momento


histórico, eu terminei o doutorado e fiquei desempregada,
mais uma vez. Agora com um agravante inesperado para
mim, sou super qualificada. Não posso fazer seleção para
substituta de novo pois, pela legislação, tenho que esperar
dois anos de interstício do último contrato que acabara em
meados desse ano. As escolas já não me contratam, porque
não gostariam de pagar o valor de uma doutora, temem que,
mesmo que eu aceite salários mais baixos, depois cobre a
remuneração relativa à titulação. As instituições privadas de
ensino superior já têm seus quadros mais ou menos completos
no meio do ano.
Temos uma mudança de clima no país, com o primeiro
mandato de um governo federal popular, de Luís Inácio
Lula da Silva, com uma nova concepção econômica e de
políticas sociais que começam a reconfigurar a nação. Muita
expectativa sobre como seria esse novo governo. Do lado da
população mais pobre, uma esperança de que se teria atenção
sobre as suas necessidades, mitigariam a miséria e a fome que
avassalavam o país e as condições precárias de trabalho e
emprego poderiam ser sanadas. Mas isso era misturado com
um sentimento de desconfiança sobre como um trabalhador
sindicalista, com pouca escolarização, poderia mudar um
país gigantesco.

95
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Mesmo para a população que lhe fez chegar ao governo,


devido à construção de uma mentalidade colonizada sobre
quem deve estar no poder e saber como governar (SOUZA,
2019), havia dúvidas. As classes médias e as elites se retraíram
com essa novidade e buscaram dificultar o processo por medo
de perder suas benesses. Muita negociação e coalizão foram
necessárias para a governabilidade. Hoje, tenho dúvidas se não
se exagerou nisso. Havia a promessa de concursos públicos
para as universidades para recomposição de um quadro de
docentes e técnicos desfalcado pela política de minimiza-
ção do estado, implantada especialmente pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso, mas também por seus anteces-
sores (SOUSA, 2009). Enquanto esperava, precisava trabalhar
em algum lugar.
No início de agosto desse ano, recebo uma ligação da pro-
fessora Marta Maria Araújo da área de História da Educação
do DPED/PPGEd me indagando se eu gostaria de assumir
uma vaga para professora num Mestrado em Docência no
Ensino Superior, na Universidade do Triângulo – UNIT, em
Uberlândia-MG (hoje UNITRI – Centro Universitário), sob a
coordenação do professor Décio Gatti Jr. Muito surpreendida
com o convite, pois, na época, não tinha muito contato com a
professora Marta, pelo fato de sermos de áreas distintas, mas
também extremamente grata e ciente da responsabilidade, fui

96
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

conversar com Eugênio sobre a questão, porque eu teria que


ir só, para entender como era o trabalho de fato e, se desse
certo, faria uma mudança da família. Além disso, a promessa
de concursos públicos me enchia de esperança.
Essa experiência me marcou profundamente pela nova
mudança de estado, para o sudeste do país, uma das regiões
mais ricas, outra cultura, e os desafios de assumir o trabalho
numa área de investigação relativamente nova. Apesar de
estar dentro do campo de estudos em formação docente, a
investigação sobre a docência no ensino superior foi uma
novidade para mim. Dividi um apartamento pequeno com
outra professora, também recém-doutorada pela Universidade
de São Paulo. Quando eu cheguei é que fomos entender que,
apesar de ter ocorrido recentemente uma seleção para o mes-
trado em Docência no Ensino Superior, era a primeira turma,
e tínhamos a função e responsabilidade de organizar o curso.
Além de nós duas, da área de formação de professores,
faziam parte do corpo docente o próprio professor Décio
Gatti, da área de história da educação, a professora Regina
Feltran, aposentada da Universidade Federal de Uberlândia
-UFU, que estudava a docência no ensino superior, o Professor
Almiro Shultz, aposentado do Centro Universitário Metodista
da área de História da Educação, com concentração na edu-
cação superior protestante no Brasil, e um professor também

97
aposentado da UFU, de quem não recordo o nome, nem o
consegui localizar.
Segundo a legislação em vigor na época, Decreto Nº
3.860, de 9 de Julho de 200135, em seu artigo 7º, quanto à sua
organização acadêmica, as instituições de ensino superior do
Sistema Federal de Ensino, classificam-se em: universidades;
centros universitários; e faculdades integradas, faculdades,
institutos ou escolas superiores. A UNIT se enquadrava como
centro universitário e como tal, segundo a mesma legisla-
ção, no Art. 11, os centros universitários são instituições de
ensino superior pluricurriculares, que se caracterizam pela
excelência do ensino oferecido, comprovada pelo desempenho
de seus cursos nas avaliações coordenadas pelo Ministério
da Educação, pela qualificação do seu corpo docente e pelas
condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade
escolar.
Duas coisas se apresentaram como surpreendentes para
mim ao entrar em contato com o ensino superior privado,
na região sudeste, que me levaram a refletir e sentir as

35 Decreto Nº 3.860, de 9 de Julho de 2001-PR. Dispõe sobre a organização do


ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências.
Mais tarde revogado e modificado por diferentes decretos, sendo o atual o
Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017-PR que dispõe sobre o exercício
das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação
superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema
federal de ensino.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

discrepâncias regionais que se apresentam em nosso país,


mesmo na dimensão privada. A primeira foi a discrepância
salarial entre as regiões. Fui contratada para ganhar três vezes
o que um professor doutor em início da carreira ganharia, no
sistema público de ensino superior, em qualquer universidade
federal, já que a carreira é única36. Eu não atuava nem na
graduação, nem na extensão, era só pesquisa e pós-graduação,
com, no máximo, uma dúzia de estudantes de mestrado divi-
didos entre o corpo docente. O foco era a produção para levar
ao reconhecimento do curso, que àquela altura estava somente
aprovado. Assim, tínhamos muito pouco ou quase nenhum
contato com os colegas que atuavam na graduação, criando
uma certa cisão entre o trabalho na pós e na graduação.
Isso nos leva a segunda questão. No Nordeste, com exceção
das poucas Pontifícias Universidades Católicas que temos,
as demais instituições de ensino superior privadas não se
dedicavam à pós-graduação ou à pesquisa e muito poucas à
extensão. Dedicavam-se aos cursos de graduação, em grande
parte noturnos, poucas especializações, mais preocupadas com
a certificação rápida e a possibilidade de lucros altos. Assim,
os cursos que exigiam infraestrutura mais sofisticada, corpo

36 Conforme a LEI Nº 8.112, DE 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o


Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e
das fundações públicas federais.

99
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

docente com alta qualificação eram ofertados de dia e para


as camadas de renda mais altas da população, que poderiam
pagar, mas não conseguiam entrar nas instituições públicas.
Tínhamos um espaço de trabalho coletivo para os profes-
sores da pós, mas separado, inclusive do prédio onde ficavam
os colegas e estudantes da graduação. Para mim era muito
estranho, pois me acostumei ao trabalho em grupos de pes-
quisa em que conviviam professores, estudantes de graduação,
mestrado e doutorado juntos, na UFRN. Por afinidade de
interesse de estudos e visão de mundo, me aproximei mais
da professora Regina Feltran, meu anjo da guarda, como a
chamava, junto com Mauro e Cirlei, amigos/professores que
fiz lá em Uberlândia.
Ela, Regina, foi responsável não somente pelo acolhimento
na nova cidade, mas por me apresentar aos referenciais e aos
colegas da UFU que já trabalhavam com a docência no ensino
superior, que foram a dissertação de mestrado da professora
Maria Manuela Alves Garcia (1984), A didática no ensino
superior; o texto Docência no ensino superior organizado
pelo professor Marcos Masetto (1998); a coletânea organizada
pelas professoras Ilma Passos Alencastro da Veiga e Maria
Eugênia L. M. Castanho (2000), Pedagogia universitária: a
aula em foco, além de retomar textos estudados na graduação,
sobre didática.

100
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Estava em um ambiente bem competitivo, como eu jamais


havia vivido em contexto profissional. A instituição tinha
mecanismos de gestão da produtividade docente nada cola-
borativos e excessivamente voltados à competição. Danosos à
produção do conhecimento por destituir da prática de elabora-
ção científica a dimensão coletiva do pensar e a possibilidade
de diferentes olhares sobre os achados de investigação. Com
relação aos estudantes, isso era ainda mais evidente, pois
criava-se uma barreira relacional, hierarquizando os lugares
de docentes e discentes, pelo poder que possuíam no status
acadêmico que ocupavam. Tal dinâmica só me fazia pensar
que esse modelo de formação, autoritária e competitiva, não
se coadunava com minhas posições sobre educação e direito
à educação, que preencheram minha formação e minhas
posições políticas em torno desses dois eixos.
Me angustiava fazer parte de algo que não acreditava,
além da distância de casa e das meninas, que ficaram com
Eugênio em Natal ao longo de todo esse semestre. No final
de 2003, saiu o edital para concurso público para professor
do magistério do ensino superior, um dos primeiros da ‘era
Lula’, para o Departamento de Educação da UFRN, na área
de concentração Fundamentos da Educação e Didática.
Fomos trinta e dois candidatos inscritos para duas vagas,
quase todos colegas de mestrado e/ou doutorado. Embora

101
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

só dois tenham sido aprovados, eu e professor André Ferrer


(colega querido com quem partilho bons momentos de cons-
trução do conhecimento), e mais um classificado, quase todos
entraram em concursos posteriores, na UFRN ou em outras
universidades da região. Talvez tenha sido o maior inesperado
da minha vida profissional.
Embora seja natural para quem faz mestrado e douto-
rado o ingresso na carreira acadêmica e eu de fato tenha me
encontrado profissionalmente neste contexto, a trajetória
desses 13 anos entre minha chegada à Natal e o concurso
para professora efetiva de uma universidade pública foi sur-
preendente para mim. Vim das classes médias, forjada em um
modelo social de trabalho autônomo para consolidação de
uma vida financeira independente. Uma visão meio puritana
das estruturas econômicas sociais, na qual o trabalho é a via
de merecimento de sucesso (WEBER, 1985), meritocrático e
excludente, já que a população vulnerável socialmente pode
morrer de trabalhar e não alcançará tal feito, pois não tem
acesso ao capital sociocultural e econômico para dar o salto.
É claro que tenho noção que tudo começou bem antes de
minha chegada à Natal, talvez quando minha mãe se foi. Talvez
quando mudei de curso. Talvez quando engravidei de Sarah e
decidi tê-la só. Talvez quando decidi tomar o rumo de minha
vida e de Sarah e Sofia, desacompanhada. Talvez quando me

102
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

deparei com a minha condição de mulher trabalhadora. Talvez


quando autorizei a mim mesma a dominar o conhecimento.
Não sei. Essa construção do feminino independente e de
autoconhecimento é uma estrada complexa e múltipla. Lembro
do texto de Clarissa Estés37, e seu estudo sobre o mito do
arquétipo da mulher selvagem, a quem fui apresentada, mais
ou menos, nessa época. Me ajudou a entender as diferentes
dinâmicas do feminino.
Aproveitei o recesso de final de ano e a não necessidade
de estar presente na UNIT e voltei à Natal para me preparar
para a empreitada do concurso, cujas etapas se dariam em
fevereiro de 2004. Não posso deixar de evidenciar a colabo-
ração de Eugênio nesse momento. Não só em ter ficado com
as meninas no período em que estive fora, mas por ter me
ajudado com discussões sobre as temáticas elencadas para o
concurso, bastante abrangentes, com a montagem das aulas
para que não fosse pega de surpresa e com a elaboração de
minutas de textos para a prova escrita, sobre cada uma dessas
temáticas. Foi um mês intenso.
Acho que nunca estudei tanto em minha vida. Mais que
estudar, foi sistematizar as temáticas definidas no edital, o que
me proporcionou uma reflexão mais aprofundada do campo

37 ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias
do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

103
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

educacional no contexto universitário. As leituras e reflexões


feitas com a professora Regina, as reflexões decorrentes da
tese doutoral a partir da TRS e as experiências como profes-
sora formadora ao longo do meu próprio processo formativo
foram se articulando ricamente e me possibilitando uma
discussão mais crítica sobre a docência no ensino superior e
a contribuição dos fundamentos da educação e da didática
para tanto.
Não sei se os anjos ou orixás estavam naquela sala, quando
fomos para o sorteio dos pontos para aula didática, após a
divulgação das etapas anteriores. Pareciam que foram feitos
cada um para seu respectivo candidato. Para mim, coube
uma discussão sobre a formação de professores no Brasil,
temática que trabalhei na minha tese. Os colegas também
tiraram pontos relativos ao seu trabalho doutoral ou áreas
de interesse de estudo, um pequeno e agradável inesperado.
Preciso dizer da banca de concurso, professor Francisco
Assis Pereira, professora Rosália de Fátima e Silva, ambos do
DPED/UFRN, e professora Maria Eliete Santiago (UFPE), pela
postura e conduta coerentes em um concurso tão concorrido
e de temática tão ampla. Os três fizeram parte de minha
trajetória formativa em diferentes momentos, até aqui como
professores, que muito me ensinaram nas discussões sobre
as bases epistemológicas, modelos formativos e construções

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

identitárias que envolvem a formação docente. Depois de


minha aprovação, se tornaram referências como colegas,
companheiros na busca de efetivar uma educação pública
de qualidade, laica, gratuita e para todos.
É assim que, em final de março de 2004, retorno à Natal,
depois de pedir demissão da UNIT e me despedir dos queridos
amigos que fiz em Uberlândia. Em 16 de abril desse ano,
tomei posse como professora efetiva da UFRN e assumi como
docente, no então Departamento de Educação do Centro
de Ciências Sociais Aplicadas, os componentes das áreas de
Psicologia Educacional e Pesquisa. Em 2005, sou convidada
a compor a chapa para Coordenação do Curso de Pedagogia
– Campus Central, como vice-coordenadora, na gestão da
Professora Denise Maria de Carvalho Lopes (hoje minha
colega de linha de pesquisa no PPGEd) onde propus meu
credenciamento, como docente permanente, no Programa
de Pós-Graduação em Educação na Linha de Pesquisa de
Formação de Professores, integrando o Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação e Representações Sociais (antigo
NEPERS). Passei a atuar assim, nas frentes formação inicial
e continuada, de professores para a Educação Básica e inves-
tigação no campo da formação.
Em 2005, estávamos na expectativa das Diretrizes
Nacionais para o Curso de Pedagogia, que foram aprovadas

105
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

em 2006, mas já havíamos acumulado mais de uma década


de discussões sobre como deveria ser a formação do peda-
gogo, seus campos de atuação e qual seu eixo formativo na
comunidade educacional que incluía a ANFOPE, ANPED,
FORUNDIR, ANPAE38 dentre outras. Sendo assim, já
começamos a configurar grupos de trabalho, das grandes
áreas formativas da Pedagogia, para proposição de um novo
Projeto de Político-Pedagógico de Curso39. As áreas foram
as seguintes: Fundamentos da Educação (compreendendo
Psicologia, Sociologia, História, Filosofia e Antropologia da
Educação), Políticas e Gestão da Educação (compreendendo
Política Educacional, Organização e Coordenação Pedagógica,
Gestão Educativa, Planejamento e Avaliação da Educação),
Práticas Pedagógicas (compreendendo Didática, Currículos
e Programas e Estágios Supervisionados) e Pesquisa em
Educação (compreendendo os componentes de Introdução
à Pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso).

38 ANPED – Associação Nacional de Pesquisa em Educação; ANFOPE –


Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação;
FORUNDIR – Fórum de Dirigentes Municipais de Educação; ANPAE –
Associação Nacional de Política e Administração da Educação.
39 O projeto político-pedagógico de um curso, terminologia usada por todas as
associações representativas e de pesquisa em educação, era assim entendido
por englobar não só a dimensão pedagógica no que tange aos conteúdos e
metodologias formativas, mas também as concepções e objetivos formativos,
bem como a compreensão de atuação do profissional no mundo do trabalho.

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Aprovada a Resolução CNE/CP Nº 1, DE 15 de maio de


2006, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura, consolida-
mos efetivamente as discussões a partir dos eixos formativos
propostos na legislação. Em seu artigo 2º, essa resolução
define que se aplicam à formação inicial para o exercício da
docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais
sejam previstos conhecimentos pedagógicos, já denotando a
amplitude formativa a que se propõem, baseada em três eixos:
conhecimento da organização escolar, pesquisa e gestão dos
processos educativos e organização do sistema de ensino.
Em seu artigo 5º, a Diretriz elenca os 16 eixos forma-
tivos obrigatórios para o egresso do curso, nas diferentes
modalidades e campos de atuação. Tais eixos deverão ser
distribuídos (Art. 6º.) em três núcleos: o básico de forma-
ção, o de aprofundamento e diversificação de estudos e o de
estudos integradores, com uma carga horária mínima (Art.
7º) de 3200 horas, distribuídas em 2.800 horas dedicadas
às atividades formativas, 300 horas dedicadas ao Estágio
Supervisionado e 100 horas de atividades teórico-práticas
de aprofundamento em áreas específicas. Embora a Diretriz

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Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

falasse em carga horária mínima, a experiência com formação


de professores nos dizia que cursos de licenciatura com mais
de 10 semestres tinham problemas de fluxo e evasão devido
ao perfil socioeconômico dos estudantes. Além disso, a Pró-
Reitoria de Graduação já nos alertava para não extrapolarmos
essa carga horária devido aos instrumentos de avaliação do
Ministério da Educação – MEC, que não via com bons olhos
esse acréscimo.
Um grande desafio nos foi proposto. Os grupos de trabalho
junto com o colegiado do curso e sua coordenação traba-
lharam muito para construir esse novo modelo formativo,
que praticamente incorporava como obrigatório o que antes
tínhamos como Núcleos Complementares, os quais os estu-
dantes poderiam escolher em suas trajetórias formativas. Não
foram poucas as tensões para definir o que era fundamental,
importante e periférico numa proposta pedagógica exequível.
Só conseguimos fechar os trabalhos em meados de 2009,
num esforço hercúleo de fazer caber o impossível no possível.
Nesse momento, eu já havia assumido como coordenadora
(2007-2009), tendo como vice a Professora Rosa Aparecida
Pinheiro, parceira nesse trabalho, membro do colegiado na
gestão anterior e que muito colaborou para a sistematização
do projeto. Tramitamos o processo e as turmas ingressantes

108
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

no primeiro semestre de 2010 já entraram no novo modelo


formativo.
Entender e atuar na coordenação do curso permitiu me
aproximar da dimensão administrativa da docência univer-
sitária pela primeira vez, tendo que participar de colegiados,
plenárias e representações em conselhos, podendo conhecer
melhor o funcionamento desse sistema e sua articulação
com o MEC. Mais importante que isso, ao meu ver, foi o
contato com os estudantes no cotidiano de sua formação. A
coordenação do curso é o ponto de maior intercessão entre
esses estudantes e a instituição. É lá que buscam apoio, orien-
tação, muitas vezes colo e alternativas para que não desistam
do curso ante as demandas financeiras familiares e/ou e as
dificuldades com a linguagem, com a dinâmica e com as
relações que se estabelecem na academia. Aprendi e aprendo
muito com os estudantes, o que deixa mais viva em mim a
assertiva freiriana de que nos educamos/formamos na relação
dialética com o outro.
A partir do ano de 2004, concomitante ao meu ingresso,
a UFRN, através da Pró-Reitoria de Graduação, implanta o
Programa de Atualização Pedagógica – PAP, para os pro-
fessores ingressantes em seus quadros. Nesse ano, participo
como professora ingressante e, no ano seguinte, sou convidada

109
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

para compor o grupo de professores ministrantes, do qual


participo até os dias atuais.
Esse programa tem duas preocupações: integrar os novos
docentes ao contexto da UFRN nas dimensões ensino,
pesquisa e extensão e promover um espaço de discussão
pedagógica sobre a docência na graduação (e atualmente no
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico que também é ofertado
pela instituição), tendo em vista que a maior parte de nossos
docentes são bacharéis e/ou não tiveram preparo pedagógico
para a docência no ensino superior (ANDRADE; GOMES;
DANTAS, 2016). Começa aqui, na UFRN, minha contribuição
para pensar a docência no ensino superior em suas diferentes
áreas.
No segundo semestre de 2005, me separo de Eugênio.
A relação já vinha se desgastando desde meu retorno de
Uberlândia, o fato de ele não ter concluído o seu mestrado,
minha entrada como professora da UFRN, nossa diferente
forma de encarar a vida e lidar com o que se espera dela,
foram questões que sinto que influenciaram o desgaste. Como
disse Nando Reis, “a gente não percebe o amor que se perde
aos poucos sem virar carinho. Guardar lá dentro amor não

110
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

impede que ele empedre mesmo crendo-se infinito”40. Essa


foi uma dura separação.
Em 2007, assumi a Coordenação do Projeto de Elaboração
e Monitoramento dos Planos de Ações Articuladas dos
Municípios do Rio Grande do Norte (PAR) na UFRN
(2007/2008), concomitante com a coordenação do Curso de
Pedagogia, projeto institucional encomendado pelo Governo
Federal/MEC, que buscava construir um diagnóstico sobre a
Educação Básica de cada um dos 167 municípios do Estado,
juntamente com as colegas Professora Claudianny Amorim
Noronha e Professora Sandra Kelly de Araújo.
Trabalhamos junto às equipes das Secretarias Municipais
de Educação de cada município visando entender quatro
dimensões: gestão educacional; formação de professores e dos
profissionais de serviço e apoio escolar; práticas pedagógicas e
avaliação; e infraestrutura física e recursos pedagógicos. Esse
trabalho me permitiu conhecer melhor a realidade socioe-
conômica, cultural e formativa dos professores do interior
do estado, suas especificidades de trabalho e as dificuldades
encontradas, como acesso a acervo de estudos e à internet
devido ao local onde estavam, mas também a escassez de
recursos financeiros para isso, devido aos baixos salários.

40 Quem Vai Dizer Tchau? Compositor Nando Reis, no Álbum Luau MTV –
Nando Reis e os Infernais, Universal, 2006.

111
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Mais ainda, compreender as alternativas de resistência des-


ses professores para cumprir seu trabalho mesmo com o
atravessamento das políticas partidárias locais e todas essas
fragilidades encontradas.
Essas novas experiências como docente do ensino superior
público e como formadora nas licenciaturas e nos programas
institucionais de formação de formadores no ensino superior,
além da experiência de propor uma reforma curricular para
um curso tão amplo de formação de professores, como é a
Pedagogia, além da participação no PPGEd/UFRN, contri-
buindo para orientação de dissertações e teses no campo
da formação de professores, me levaram a aprofundar o
conhecimento na área, bem como a reflexões sobre como
ocorrem os processos simbólicos de formação profissional.
Além disso, possibilitaram me engajar nos estudos sobre as
subjetividades na construção, tanto de modelos formativos
reproduzidos pelos formadores como na apropriação destes
na relação com os conhecimentos da formação profissional
dos estudantes.
Em 2006, recebi meus primeiros orientandos de mestrado
da seleção de 2005 e recebi o convite do Professor Moisés
Domingos Sobrinho para coorientar a tese de doutorado
de dois de seus orientandos. Todos os trabalhos tratavam
de formação de professores com o aporte da Teoria das

112
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Representações Sociais. Experimento um novo tipo de rela-


ção acadêmica, muito mais complexa e pessoalizada que a
docência em sala de aula. A orientação de pós-graduação é um
tipo de docência especial, quando o contato com o outro, sua
modalidade de produção do conhecimento e de apropriação
dos achados investigativos se imbricam com a vida de cada
um de nós e com as nossas possibilidades de compreensão
do que pesquisamos.
Ainda como Coordenadora do Curso de Pedagogia,
participei do Grupo de Proposição da Criação do Centro
de Educação da UFRN e de sua equipe gestora de transição
e implantação, aproveitando o contexto do Programa de
Reestruturação e Expansão das Universidades Públicas –
REUNI e emendas parlamentares, que culminou com sua
aprovação no Conselho Universitário em 2008 e sua instalação
física em 2011. Tal trabalho me fez entender a dimensão do
campo da formação de professores na UFRN, os contextos de
atuação nas diferentes frentes da formação em que estavam
envolvidos os quase 120 professores ali lotados, bem como
me apropriar do conhecimento da estrutura organizacional
da universidade. Por esse trabalho, fui indicada pelo Centro
de Educação para compor a equipe produtora do documento
do Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRN para o
período de 2009 – 2019 (PDI), experiência que me aproximou

113
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

ainda mais das discussões sobre a atuação do docente no


Ensino Superior Público, suas características e especificidades,
bem como sobre o imbricamento das suas frentes de atuação:
ensino, pesquisa, extensão e administração.
Nesse entremeio, recebi três convites que me colocaram
em um lugar de atuação e reflexão numa perspectiva mais
extensionista, possibilitando uma compreensão mais aprofun-
dada sobre o papel da universidade na relação com a comu-
nidade. O primeiro foi para ser Coordenadora Pedagógica do
Programa de Apoio ao Ensino Médio (PROCEEM), entre 2008
e 2010, junto com o Professor Alexandre Lara (das Ciências
Biológicas). O programa que existe até hoje na UFRN, na
época, era ligado a uma ação da UNESCO41 em conjunto com
as universidades federais, com vistas a ações afirmativas de
promoção do ingresso de diferentes seguimentos populares
no ensino superior público.
O trabalho consistia na criação de salas de aula, nas uni-
versidades e escolas públicas de Ensino Médio, para reforço
e incentivo ao ingresso no ensino superior. Optamos por ter
como discentes/monitores nossos estudantes das licenciaturas,
com exceção de áreas muito difíceis de conseguir interessados

41 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


(UNESCO) foi criada em 16 de novembro de 1945, logo após a Segunda
Guerra Mundial, com o objetivo de garantir a paz por meio da cooperação
intelectual entre as nações.

114
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

na docência (como a física e a química, fato que também


ocorre nos concursos para professores da rede básica nessas
áreas), por entender que seria mais coerente termos licencian-
dos para ensinar, devido a especificidade da formação. Era
também uma forma de favorecer, com bolsas, os estudantes
dessas áreas, sempre menos contemplados. Chegamos a ter
120 licenciandos trabalhando no projeto com salas de aulas
nas dependências da UFRN e em torno de 10 escolas da rede
pública de ensino, contemplando quase 1100 estudantes ao
longo de nossa gestão.
Entender que os entraves no ingresso de grupos populares
no ensino superior, vão além da qualidade do ensino a que
estão submetidos, mas tem muito mais razões nas questões
de autoestima, pertencimento, sentir-se adequado ao con-
texto da academia e compreensão do ethos e héxis acadêmica
(BOURDIEU, 2007), me permitiu aproximar mais do universo
de nossos estudantes universitários e compreender como as
nossas dinâmicas internas de funcionamento desfavorecem
seu ingresso, que dirá sua permanência nas instituições.
Mais ainda, me faz pensar que precisamos urgentemente
reinventar o modelo universitário que importamos da Europa
e EUA, criando um modelo nosso, que permita acolher nossos
estudantes sem prejuízo na construção do conhecimento.

115
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

O segundo convite foi para participar como coordenadora


pedagógica do Curso de Pedagogia da Terra INCRA/UFRN
(2009/2012), pelo Professor Alessandro Augusto Azevedo,
coordenador geral do curso. O curso foi viabilizado através
de edital conjunto entre o MEC e o INCRA42, para formação
de professores dos moradores de assentamentos rurais, garan-
tindo a permanência deles nas escolas dos assentamentos, bem
como para que o currículo escolar pudesse ter um diálogo
mais profícuo com o universo dos agricultores, a vida no
campo e a realidade das crianças que ali viviam.
Foi a primeira vez que tive contato mais próximo com
trabalhadores rurais, suas lutas, formas de organização e
de expressão de seu pertencimento e forma de apropriação
do conhecimento acadêmico. Meu papel era acompanhar e
orientar os monitores, licenciandos do Curso de Pedagogia
do campus central, para que pudessem fazer um trabalho de
monitoria junto aos estudantes do Pedagogia da Terra e dimi-
nuir as dificuldades encontradas por estes em seu processo
formativo. O modelo do curso era pautado em momentos
intermitentes, nos quais os estudantes passavam períodos
intensivos de estudos com aulas presenciais e outros momentos
junto à comunidade, desenvolvendo estudos teóricos e práticos
nas escolas dos assentamentos em que moravam. Um grupo

42 INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

116
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

expressivo desses discentes era militante do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra e com ele aprendi muito
sobre suas formas de organização e formação, suas místicas
e visões de mundo.
Orientei também muitos dos trabalhos de final de curso
desses estudantes, o que me pôs ainda mais próxima de suas
dificuldades com a leitura e escrita acadêmica. Me desafiou
a pensar coletivamente (pois nosso trabalho se desenvolvia
sempre no coletivo, orientações, planejamentos, intervenções)
na busca de alternativas formativas que possibilitassem um
caminho de inclusão de pessoas que sempre foram alijadas
do acesso ao conhecimento sistematizado.
O terceiro convite foi para participar na Coordenação
do PRODOCÊNCIA – Programa de Consolidação das
Licenciaturas, promovido por editais do MEC/CAPES43,
colaborando com o Professor João Maria Valença e o Professor
Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade, entre os anos de
2008 e 2010. Esse programa teve como objetivo “o estímulo
à inovação e à elevação da qualidade de formação para o
magistério na Educação Básica, visando à valorização da
carreira docente” (ANDRADE; DIAS, 2019). A tentativa era
de fortalecer a formação das licenciaturas através da articu-
lação teoria/prática, tendo como consequência a colaboração

43 CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

117
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

na formação dos professores da rede, já que as atividades


eram desenvolvidas no contexto dos sistemas de ensino e em
conjunto com os seus professores.
As atividades, desenvolvidas no formato de oficinas,
colóquios e discussão de vídeos, permitiam uma rica troca
entre os licenciandos e os professores da rede, articulando
as concepções teóricas que tinham acesso nos cursos de
formação inicial com a prática e experiência nas unidades
escolares, possibilitando um espaço de construção de alter-
nativas pedagógicas de relevância para a prática docente.
No entanto, a pouca adesão dos cursos de licenciatura a um
trabalho praticamente voluntário, pois o recurso era apenas
para material de consumo, a impossibilidade do desloca-
mento de servidores técnicos para o apoio na execução das
atividades, bem como a impossibilidade de contratação de
bolsistas, dificultavam em muito o trabalho. Essa experiência
parecia me preparar para enfrentar um novo desafio que se
aproximava, pois afiava minha sensibilidade com o caráter
cooperativo da formação inicial e continuada de professores.
Assim, recebo o convite da professora Ângela Maria Paiva
Cruz, então vice-reitora e coordenadora do Programa REUNI
na UFRN, já no final do meu mandato como Coordenadora
do Curso de Pedagogia, em 2009, para assumir a Coordenação
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

118
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

– PBID do Curso de Pedagogia. Essa era uma grande conquista


e para mim, algo que me marca como formadora. Por um
lado uma conquista política, tendo em vista que, em âmbito
nacional, a proposta do PIBID se direcionava, desde sua
criação em 2007, para as licenciaturas e especificamente as de
Matemática, Química e Física (com o argumento de que eram
as áreas em que faltavam professores), mas deixava de lado a
necessidade de fortalecer a formação dos professores dos anos
iniciais. Só em 2009, conseguimos a ampliação do edital para
o Curso de Pedagogia, Letras – Língua Portuguesa, Ciências
Biológicas, História e Geografia e em 2010 para as demais
licenciaturas. Por outro lado, uma conquista operacional de
um número razoável de bolsas para os estudantes, já que as
de iniciação científica e extensão pouco lhes atendiam, e o seu
perfil socioeconômico demandava a necessidade de aporte
financeiro para sua manutenção na universidade.
A proposta da vice-reitora era que tivéssemos um grupo de
24 estudantes bolsistas que ingressaria pelo modelo do edital
proposto pela CAPES (agência financiadora do Programa
Nacional) e outro grupo de 70 estudantes bolsistas, que
entraria por uma proposta similar interna, financiada com
recursos do REUNI. Teríamos então uma professora coorde-
nadora (eu), mais duas supervisoras (professoras das escolas
participantes, previstas no Edital da CAPES para o grupo de

119
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

estudantes financiado por essa agência), recursos de custeio


também destinados para os estudantes CAPES e a respectiva
bolsa. Para os do REUNI, apenas a bolsa já destinada aos
estudantes, e a coordenação seria acumulada pela docente que
coordenasse o grupo da CAPES. Um desafio grande e difícil,
tendo em vista o problema de recursos e de supervisão. Mas
assumimos, tendo o apoio dos colegas professores do curso,
bem como de professores que já atuavam em escolas das redes
estadual e municipal de Natal, egressos de nossos cursos de
licenciatura. Depois de um tempo as bolsas REUNI precisaram
ser extintas e os estudantes foram sendo incorporados aos
novos modelos de editais propostos pela CAPES, os quais
tiveram ampliação para o número de vagas de estudantes e
professores supervisores e de coordenadores.
Essa atuação no PIBID/Pedagogia oportunizou o trabalho
não só de orientação de estudantes do Curso de Pedagogia em
escolas públicas, mas também de contato mais aproximado
com os modelos formativos de outras áreas das licenciaturas,
tendo em vista as atividades conjuntas que fazíamos. Foi
também a atuação mais forte junto aos professores das redes
públicas, sendo maior parte egressa dos cursos da UFRN.
Foi possível escutar suas dificuldades de atuação e também
aquelas suas dificuldades decorrentes da própria formação
inicial de graduação.

120
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Mais ainda, me oportunizou testar um modelo forma-


tivo conhecido como pedagogia de projetos ou ensino por
problemas. Como o grupo era bastante grande, o dividi em
pequenos grupos que se organizaram conforme os segmentos
e turnos ofertados pelas escolas. A primeira atividade, comum
a todos os grupos, era um diagnóstico da realidade escolar,
compreendendo todo o contexto observado, seus êxitos e
dificuldades e a identificação, junto com os professores da
unidade, em qual problemática deveríamos focar para pensar
numa intervenção. De volta à universidade, os grupos que
foram para a mesma escola montariam um diagnóstico mais
amplo e evidenciariam as problemáticas que emergiram.
Definidas as problemáticas, iniciaríamos um processo de
pesquisa para construir as formas de intervenção. Esse pro-
cesso incluía a colaboração de outros professores do curso,
cuja especialidade se aproximava mais das problemáticas,
além do diálogo permanente com os professores da escola.
Então, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação
(FREIRE, 2006), desenvolvemos um trabalho que articulava
as demandas da escola e de sua realidade contextual com as
aprendizagens decorrentes dos componentes curriculares do
Curso de Pedagogia. Essa possibilidade de articulação teoria/
prática que o programa nos oferecia, provava que era possível
formar profissionais da educação para além de um modelo

121
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

propedêutico, descolado do campo de atuação e rendeu, em


todas as áreas de atuação do PIBID, excelentes experiências e
reflexões sobre como repensar os formatos de estágios obri-
gatórios nos cursos de licenciatura. O PIBID se reconfigurou
nos editais seguintes, permitindo que tivéssemos mais de um
coordenador por área e pudéssemos receber, como bolsistas
do programa, professores das escolas que faziam papel de
supervisores dos estudantes no contexto escolar.
Foi assim que passei a dividir a coordenação do PIBID/
Pedagogia com a Professora Elda Silva do Nascimento Melo,
que já havia sido minha coorientanda de doutoramento.
Passou a ser minha companheira de linha e de grupo de
pesquisas com a TRS, que aceitou o desafio de orientar um
grupo significativo de discentes junto comigo. Continuamos
com a mesma metodologia, só que agora com o suporte mais
constante das professoras das escolas, que passaram a ser
coformadoras no processo de iniciação à docência.
Elda se tornou uma grande parceira, não só no PIBID, mas
no grupo de pesquisa e nas orientações que fazíamos, juntando
nossos orientandos em estudos e aulas dos nossos compo-
nentes curriculares. Juntas, mas sob aspectos diferentes, ela
próxima da subteoria do Núcleo Central (ABRIC, 2000) e eu
mais próxima da subteoria da Sóciogênese (WAGNER, 2000)
e da função de resistência (BAUER, 1994) das Representações

122
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Sociais, temos desenvolvido vários estudos que envolvem


fortemente a formação sob o olhar deste aporte.
Tal trajetória sempre me instigou à investigação sobre a
formação inicial de professores, tendo desde 2005 projetos de
pesquisas, cadastrados junto a Pró-Reitoria de Pesquisa, com
esse objeto, na tentativa de mapear as trajetórias formativas
dos professores, mas também, para compreender como se
organizam os itinerários de construção identitária desses
profissionais. Questões sobre as afinidades com as áreas dos
conhecimentos específicos e as escolhas relativas aos cursos
de licenciatura foram sendo anunciadas com base em modelos
de familiares ou antigos professores, que se tornaram exem-
plos de atuação, e com base nas possibilidades de ingresso
na universidade pública, devido à pontuação obtida. Com
relação ao itinerário de construção identitária, muitos são os
relatos em torno da dubiedade de formação entre o tornar-se
professor e a estrutura bacharelesca dos cursos de licenciatura,
bem como a postura dos próprios formadores em relação à
docência como profissão. Tais preocupações também foram
foco dos trabalhos por mim orientados ao longo desses anos.
Em 2013, deixei o PIBID/Pedagogia e assumo a chefia do
recém-criado Departamento de Fundamentos e Políticas da
Educação – DFPE, do Centro de Educação, sendo sua segunda
chefe, junto com a Professora Rita de Cássia Barbosa Paiva

123
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Magalhães. Passo a ter um contato maior com as diferentes


27 licenciaturas, presenciais e a distância do campus central,
para as quais o DFPE oferta componentes curriculares de
base pedagógica.
Na UFRN, todos os cursos de licenciatura já têm coorde-
nação, colegiados e núcleos docentes estruturantes específicos,
o que garante um pensar coletivo do corpo docente sobre a
formação de professores em suas áreas e a colaboração do
Centro de Educação, com assento em seus colegiados. As
problemáticas de interlocução dos professores formadores com
o campo da docência e a não consideração desta formação
como de natureza profissional, com procedimentos e habi-
lidades a serem aprendidos pelos estudantes, preocupações
recorrentes trazidas pelos coordenadores, se coadunam com
as questões que já haviam emergido nas pesquisas por mim,
desenvolvidas no contexto de formação.
Ainda como participante do PAP, levei essas preocupações
para sua comissão de elaboração dos programas formati-
vos e para a Comissão Permanente de Desenvolvimento
Institucional – CPDI –, da qual fiz parte por oito anos, pri-
meiro como representante do DEPED e DFPE/CE, depois
como representante da PROGRAD. O objetivo foi que essas
dimensões fossem levadas em conta na formulação dos perfis
docentes para os cursos de licenciatura, além de colaborar,

124
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

junto com o Professor Marcos de Carvalho Lopes, na elabora-


ção de critérios de avaliação pedagógica constantes como itens
nos editais de concurso para o magistério superior da UFRN.
Como membro da Comissão Própria de Avaliação - CPA,
contribui para pensarmos na qualificação dos instrumentos
de avaliação docente para melhor visualização dos aspectos
que envolvem seu desempenho pedagógico e aprendizagem
dos estudantes.

125
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Quarto inesperado: a Pró-Reitoria


de Graduação – ser adjunta
de uma pasta complexa

Tô relendo minha lida, minha


alma, meus amores
Tô revendo minha luta, minha
vida, meus valores
Refazendo minhas forças, minhas
fontes, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas
faces, minhas flores
Tô limpando minha casa, minha
cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha
brisa, meu anjinho
Tô bebendo minhas culpas, meu
veneno, meu vinho
Escrevendo minhas cartas, meu
começo, meu caminho
Estou podando meu jardim
Estou cuidando bem de mim

Vander Lee44

44 Trecho da música Meu Jardim de Vander Lee, cantor e compositor mineiro,


no álbum Naquele Verbo Agora, 2005.

126
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

No início de 2015, comecei a me preparar para, finalmente,


fazer um pós-doutoramento. Alguns contatos com colegas
em um evento no ano anterior em Évora, Portugal, sobre
representações sociais, renderam uma missão à Paris para
elaboração de um projeto de colaboração entre Brasil, Portugal,
França e Espanha e as possibilidades de saída, principalmente
para Portugal ou Espanha, começavam a se configurar. A ideia
já era desenvolver um estudo sobre o ensino universitário ou
a pedagogia universitária ou a docência universitária, como
diferentes autores defendem (ANASTASIOU E ALVES, 2003;
GIL, 2009; ZABALZA, 2004).
No entanto, novo e grande inesperado aconteceu e recebi
um convite da professora Ângela Maria Paiva Cruz, então
reitora e do professor Daniel Diniz Melo, então vice-reitor, para
integrar a equipe administrativa da gestão que se iniciou em
junho de 2015, como adjunta da Pró-Reitoria de Graduação -
PROGRAD. Nunca imaginei que a moça que chegou ao Rio
Grande do Norte no final de 1991, sem nem saber o que era
mestrado, chegaria, 24 anos depois, a ser Pró-Reitora Adjunta
de Graduação de uma universidade que se tornou referência
no Norte e Nordeste do país, pela sua capacidade de produção
do conhecimento e colaboração na formação de professores
para todo o sistema federal, estadual e municipal de ensino
dessa região, bem como por sua capacidade extensionista. Para

127
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

mim, um misto de emoção, responsabilidade e compromisso


com a educação pública do meu país.
Foi difícil decidir sobre o caminho a seguir. Assumir a
PROGRAD significava adiar o pós-doutoramento por 04
anos, mas, por outro lado, seria uma experiência fantástica
sobre a gestão universitária no que concernia a dimensão
ensino, já que a Pró-Reitoria é a responsável pelo planeja-
mento, acompanhamento e avaliação interna dos cursos de
graduação da UFRN. E assim o foi. Em questão estava não
só minha trajetória acadêmica, mas a representatividade do
Centro de Educação – CE na gestão central, possibilidade de
assento nos diferentes colegiados e comissões acadêmicas, e
também, principalmente, nas ações que tinham ligação com a
formação de professores para educação básica, especificidade
do CE, e formação em geral, de meu interesse.
A maior Pró-Reitoria acadêmica era dividida em duas
direções, a de Desenvolvimento Pedagógico – DDPEd e
a de Administração e Controle Acadêmico – DACA. Na
PROGRAD, se distribuem 08 setores distintos, contando
com um grupo de cerca de 50 servidores e mais cerca de 20
de bolsistas, além de presidir a Comissão de Graduação do
Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão - COSEPE,
para onde são encaminhados todos os processos referentes aos
cursos de graduação e à vida acadêmica de seus estudantes.

128
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

A mim foi delegada a parte pedagógica da Pró-Reitoria que


dividia com a Professora Maria das Vitórias Vieira Almeida
de Sá, no caso a DDPEd, a Coordenadoria de Planejamento,
Acompanhamento e Avaliação dos Cursos de Graduação -
COPAV, a participação na Comissão Permanente da Avaliação
Institucional - CPDI, como assessora da presidência, parti-
cipação na Comissão Própria de Avaliação - CPA e demais
comissões mais transitórias que se referissem às questões
pedagógicas.
O primeiro semestre de gestão foi absurdamente exaustivo.
Apesar de já ter integrado algumas comissões institucionais
representando o CE anteriormente, dominar a engrenagem
da PROGRAD, todas as suas atribuições e problemáticas
que envolviam a vida dos cursos, mais especialmente a dos
estudantes, entender as relações entre os setores da pró-rei-
toria, pessoais e institucionais, equacionar as idiossincrasias
das inúmeras pessoas com quem lidávamos cotidianamente,
não foi fácil. Nossa proposta era uma gestão participativa,
compartilhada e democrática, mas isso não é muito fácil de
construir, principalmente tendo em vista um período anterior
relativamente longo de gestão interna pouco participativa.
Imprimimos um modelo de reuniões periódicas nos
setores e dos seus respectivos chefes com a gestão para que
pudéssemos acompanhar cada um dos problemas e soluções

129
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

e termos uma maior participação dos colegas técnicos nas


decisões, possibilitando a construção de um modelo de
trabalho coletivo, no qual cada um tem responsabilidade e
compromisso com o que é desenvolvido, além de criar um
espaço em que todos podem participar da elaboração de
diretrizes e ações para o trabalho. Com isso, todos sabiam
o que estava sendo decidido, participavam das decisões e o
andamento do trabalho melhor transcorreu.
Até então a minha participação na gestão, embora cons-
tante, tinha uma dimensão de natureza muito mais pedagógica
e pensei que poderia garantir que isso continuasse, mas esse
trabalho deixou pouco espaço para esse modelo acadêmico
de pensamento; exigiu muito foco nas normativas e legisla-
ções. Na PROGRAD, participando das reuniões de decisão
com a gestão central e todos os seus pró-reitores, comecei a
perceber a enormidade de aprendizagens administrativas que
tínhamos que dar conta, com pouca capacitação, a não ser
a vivência em diferentes funções. Mesmo com o esforço da
PROGESP em ofertar pequenas capacitações sobre as temáticas
que envolviam o trabalho de quem ocupa tais funções, foi
difícil. Como diz um ditado popular, ‘era trocar o pneu com
o carro andando’. Penso que foi o trabalho mais técnico que
fiz na instituição, embora não tenha me afastado de minhas
orientações de mestrado e doutorado, tive que sair da sala de

130
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

aula, meu maior prazer, pois a excessiva carga de reuniões e


viagens prejudicavam os estudantes em meus componentes.
Já estávamos entrando num período bem difícil para as
Instituições de Ensino Superior - IES públicas. Vários cortes
orçamentários começavam a chegar via governo federal e
muitas restrições feitas pelos órgãos de controle da união
complicavam o cumprimento das metas traçadas no Plano
de Desenvolvimento Institucional - PDI, com previsão de
execução entre 2010 e 2019, do qual participei da elaboração
como representante do CE. Em 2016, como o golpe jurídico
parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, os
cortes orçamentários para as universidades e institutos fede-
rais se acirraram principalmente para as dimensões ensino
e extensão, que envolvem não só recursos para subsídios
materiais das ações, mas também contratação de pessoal para
recomposição do quadro de aposentadorias, capacitações dos
docentes e técnicos e para próprio planejamento de expansão
do ensino superior público desde o REUNI.
Esse foi um período de grandes paradoxos. Uma gestão
financeira federal de concepção neoliberal com base em
uma austeridade contábil, que entende os investimentos em
saúde, educação e segurança públicas, bem como trabalho e
bem-estar social, como gastos que precisam ser restringidos,
em contraposição a um acervo de legislações vigentes que, não

131
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

só asseguravam as populações esses direitos, mas também


normatizavam e obrigavam a contribuição das IES públicas
para sua execução.
É nesse contexto, que se radicalizou em 2018, com a emi-
nência da campanha eleitoral, a prisão do ex-presidente Luís
Inácio Lula da Silva (em 07 de abril), a ascensão de partidos
e candidatos de ultra-direita e o recrudescimento de um
pensamento ultraliberal como proposta econômica para o
país, embasado em teorias criacionistas e anticientíficas,
que desenvolvemos a nossa gestão na PROGRAD. Nossas
tentativas, minhas e da Professora Vitória, eram de garantir a
manutenção dos programas, principalmente aqueles voltados
para a permanência dos estudantes (atuando na qualidade de
ensino e apoio a aprendizagens acadêmicas), apoio àqueles
com necessidades educacionais especiais, apoio ao ingresso nas
instituições públicas de ensino e respaldo ao desenvolvimento
da qualidade deste, tanto no que tange a novas tecnologias,
como a formação pedagógica dos docentes.
Mesmo em um contexto nacional tão difícil para a gestão
universitária pública, destaco algumas das nossas contribui-
ções para o ensino de graduação nessa gestão, nas quais atuei
mais fortemente e que entendo importantes para todos os
cursos e estudantes nesse nível de ensino.

132
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Conseguimos a separação das Coordenações de Cursos de


Licenciaturas dos respectivos Bacharelados, com a ajuda da
PROGESP, garantindo atribuição de gratificação, favorecendo
os processos de avaliação do INEP e uma melhor elaboração
dos Projetos Pedagógicos de Cursos. Essa era uma demanda
da legislação vigente na época para favorecer a identidade do
egresso, bem como a implementação da Resolução 02/2015
do CNE que implementava as diretrizes para os cursos de
formação inicial e continuada de professores.
Reativamos a participação efetiva e sistemática da
PROGRAD na CPDI, visando melhorar o conhecimento desta
comissão sobre as necessidades da graduação, alimentando
com dados e suporte de pesquisas, feitas na Pró-Reitoria, as
decisões sobre alocação de vagas docentes e necessidades
de áreas e unidades acadêmicas para o desenvolvimento da
qualidade do ensino. Além disso, isso foi feito subsidiando as
discussões pedagógicas sobre o ensino superior, imprimindo
uma marca menos tecnicista nas decisões.
Representamos efetivamente a PROGRAD na CPA,
mediando e articulando os processos de avaliação externa
e autoavaliação dos cursos de graduação junto à Comissão,
bem como colaborando nas reflexões sobre o desenvolvi-
mento e a formação pedagógica dos docentes e seu impacto
na aprendizagem e sucesso estudantil.

133
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Reativamos o Comitê Local de Acompanhamento e


Avaliação dos Grupos do Programa de Educação Tutorial –
PET - CLAA da UFRN, com reuniões mensais, favorecendo
seu melhor acompanhamento e sua tomada de decisões sobre
as ações desenvolvidas por cada grupo, bem como o compar-
tilhamento de experiências e práticas de ensino, pesquisa e
extensão, objetivos do programa. Ativamos também a parti-
cipação dos estudantes, favorecendo seu maior envolvimento
nos eventos locais, regionais e nacionais relativos ao programa.
Coordenamos a instalação da Coordenadoria de
Acompanhamento, Planejamento e Avaliação - COPAV da
PROGRAD, coadjuvante na política de qualidade de ensino.
Esse setor se encarregava da especificidade dos processos de
regulação e acompanhamento, tendo em vista as demandas
do INEP/MEC para os cursos de graduação, especialmente
no que se refere à participação dos cursos no Exame Nacional
de Avaliação de Desempenho dos Estudantes - ENADE,
elaborando metas e ações para o cumprimento das avaliações,
bem como garantindo a qualidade do ensino.
Participamos da produção e aprovação, em forma de
Resolução, das Diretrizes para a Política de Formação dos
Profissionais do Magistério na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (Resolução 020/2018 CONSEPE). A discussão
e a elaboração da normativa foram feitas em conjunto com as

134
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

diferentes unidades acadêmicas responsáveis pela formação do


magistério na instituição, sendo um trabalho de construção
coletiva e colaborativa, tendo por base as legislações nacionais
vigentes para a formação inicial e continuada de professores,
inclusive os universitários.
Iniciamos a revisão do Regulamento dos Cursos de
Graduação, ainda em andamento, de acordo com as novas
legislações do período e com a escuta da comunidade de
coordenadores de Cursos de Graduação, através do Fórum de
Coordenadores de Cursos de Graduação, em reuniões mensais
para discussão das variadas temáticas sobre a graduação na
UFRN.
Retomamos, junto ao Centro de Educação, as Reuniões do
Fórum de Coordenadores de Cursos de Licenciatura, espaço
destinado à discussão das problemáticas específicas das licen-
ciaturas, relacionadas a estágio supervisionado obrigatório,
programas de iniciação à docência, dificuldades pedagógicas
e políticas de formação de professores.
Participamos da formulação, junto à CPA e à Pró-Reitoria
de Pós-Graduação -PPG, da Política de Qualidade dos Cursos
de Graduação e Pós-graduação, que resultou na Resolução
181/2017 CONSEPE, com vistas não só a acompanhar o desen-
volvimento dos cursos de graduação nos processos avaliativos,
mas a assegurar espaços de discussão pedagógica sobre os

135
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

modelos formativos, perfil do egresso e atuação em contextos


profissionais, com base nas avaliações e nas experiências
formativas desenvolvidas em cada unidade/área.
Participamos da produção e aprovação da Resolução
162/2018 CONSEPE que estabelece normas para os Programas
e Projetos de Ensino da UFRN, possibilitando melhor e mais
fiel registro das atividades de ensino, além de definir o perfil
para as ações de ensino na instituição, favorecendo a formu-
lação de editais para envio de projetos, que coadunem com as
necessidades formativas dos estudantes e as especificidades
relativas à permanência e sucesso destes.
Contribuímos para a organização do dimensionamento
funcional da PROGRAD, junto com sua assessoria técnica e a
PROGESP, favorecendo uma maior adequação dos servidores
aos setores de trabalho, de acordo com sua formação, habili-
dades e interesse de atuação, possibilitando maior qualidade
de vida funcional, maior comprometimento com o trabalho
desenvolvido e melhor visibilidade das lacunas de pessoal.
Colaboramos na instalação do Programa de Residência
Pedagógica na UFRN, com a participação de 12 cursos, 270
discentes, 69 docentes e 28 professores da Rede Básica. Embora
seja um programa do governo federal com problemas de com-
preensão sobre como deve se dar a atuação dos trabalhadores
da educação na Rede Básica de ensino, que deixa em suas

136
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

entrelinhas um favorecimento a precarização do trabalho na


escola, foi acatado na instituição como forma de favorecer a
permanência dos estudantes de licenciatura, tendo em vista
as bolsas e acatando a proposta pedagógica que os professores
formadores envolvidos imprimiram ao programa.
Apoiamos a reorganização e manutenção do PIBID ante as
alterações nas políticas da CAPES/MEC, Programa existente
na UFRN desde 2008, pelo qual já passaram centenas de estu-
dantes de licenciatura, com impacto de qualidade formativa
de excelência para os estudantes e enorme contribuição para
as escolas públicas participantes, inclusive no que se refere
aos modelos de estágios existentes nas licenciaturas. Tais
reflexões foram organizadas e sistematizadas por Pernambuco
e Martins (PERNAMBUCO e MARTINS, 2011, 2011b, 2012,
2013), em quatro volumes de textos dos docentes e discentes
participantes, bem como aparecem em textos publicados
em coletâneas (MELO, ANDRADE, 2019), anais de eventos
e revistas das áreas de ensino específicas ou de educação em
geral, em todo país.
Apoiamos a manutenção e a reorganização do PROCEEM
- Programa Complementar de Apoio ao Estudante do Ensino
Médio, em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão - PROEX.
Esse é um programa que existe na instituição desde 2006,
com apoio da UNESCO, que participei da coordenação entre

137
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

2008 e 2010 (ver terceiro inesperado), com o compromisso de


incentivar os estudantes do Ensino Médio a ingressarem nas
instituições de ensino superior, especialmente nas públicas.
Até o final da nossa gestão na PROGRAD, contávamos com
10 turmas funcionando no campus central e nos campi de
Caicó e Currais Novos.
Procedemos à avaliação dos programas de ensino, imple-
mentados pela PROGRAD com pesquisa realizada pelo setor
de Programas e Projetos de Ensino entre 712 discentes e 42
docentes, entre novembro de 2017 e abril de 2018, com res-
postas de participantes dos programas de Monitoria, Tutoria,
PROCEEM, PIBID e PET, como demonstrado no relatório
de gestão da PROGRAD (2019), apontando para o êxito das
ações em favorecimento do desenvolvimento acadêmico dos
estudantes participantes, bem como de sua maior inserção
na vida universitária e permanência nos cursos.
Concluímos a atualização de 56 Projetos Pedagógicos de
Cursos entre 2015/2018 e criamos 58 novos cursos (estrutu-
ras) com atualização de seus respectivos projetos no mesmo
período. Encontramos mais de 70 cursos que não atualizavam
seus projetos pedagógicos há muitos anos. Alguns desde
2001, apenas faziam mudanças nas estruturas curriculares,
sem uma reflexão pedagógica sobre sua contundência no
processo formativo ou no perfil do egresso, repercutindo no

138
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

tipo de profissional formado. As atualizações incluíram todas


as licenciaturas em atendimento à Resolução 02/2015 – CNE,
que definia as diretrizes para formação iniciada e continuada
de professores.
Passamos a divulgar sistematicamente os processos de
avaliação e acompanhamento das coordenações de curso para
preparação para o ENADE, ao longo do período de gestão, o
que deu maior respaldo e segurança aos coordenadores para
desenvolver ações junto aos estudantes, além de favorecer
maior compreensão da dinâmica avaliativa, respondendo
melhor as demandas do MEC/INEP.
Conseguimos redução do número de cursos com Conceitos
Preliminares de Cursos – CPC, da faixa de 02 a 03, e aumento
do número de cursos com CPC na faixa de 04 a 05, nos cursos
de graduação, melhorando os índices de avaliação como
consequência do maior acompanhamento e orientação às
coordenações de cursos, responsabilidade da COPAV.
Elaboramos, junto com o setor de Programas e Projetos,
o edital específico do Programa de Apoio à Melhoria da
Qualidade do Ensino de Graduação - PAMQUEG, voltado
para atendimento de estudantes com necessidades especiais,
valorizando e incentivando a elaboração de projetos de ensino
voltados para metodologias de ensino próprias, adequação
de material didático, adequação de espaços de aula (classes e

139
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

laboratórios), bem como aquisição de materiais pedagógicos


específicos para o atendimento de estudantes com necessi-
dades especiais, com vistas a equipar e qualificar os cursos
para atendimento dessas demandas.
Participamos, ativa e colaborativamente, da comissão de
elaboração da minuta de resolução para inserção curricular
da extensão nos cursos de graduação, em atendimento às
metas do Plano Nacional de Educação (2014/2024), referentes
à implementação da extensão na formação universitária. Tal
ação resultou na aprovação da Resolução 038/2019 - CONSEPE,
possibilitando maior clareza sobre como os Colegiados de
Cursos e Núcleos Docentes Estruturantes devem conduzir a
inserção da extensão em seus projetos pedagógicos.
Participamos da comissão de elaboração da minuta de
resolução para inserção de carga horária a distância nos
cursos presenciais, junto à Secretaria de Educação a Distância
- SEDIS, culminando com sua aprovação em CONSEPE
(Resolução 028/2019). Tal resolução normatiza a forma de
inclusão da carga horária a distância de acordo com a legis-
lação nacional vigente, mas também imprime, na forma
de fazê-lo, a concepção formativa que a UFRN tem para o
ensino superior.
Instalamos, junto com a PROGESP, Comissão de
Articulação e Proposição de Cursos do Programa de

140
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Atualização Pedagógica - COMPAP, para formação peda-


gógica de docentes da UFRN, o PAP/UFRN, que se con-
figurou em duas faces. Uma, obrigatória, para o professor
ingressante, fazendo parte de sua pontuação no relatório do
período probatório e, como já foi dito, tendo o objetivo de
integrar os novos docentes à dinâmica, estrutura e filosofia da
instituição nas diferentes dimensões (ANDRADE; GOMES;
DANTAS, 2016).
Outra, segunda face, não obrigatória, foi feita num traba-
lho conjunto entre a PROGRAD e a PROGESP, atuando com as
unidades acadêmicas para um Levantamento de Necessidade
de Capacitação – LNC, para identificarmos as necessidades
formativas dos docentes. Tais necessidades giraram em torno
de três principais eixos: o trabalho pedagógico com metodo-
logias adequadas aos componentes curriculares e aos objetivos
formativos, o trabalho com estudantes com necessidades
educacionais especiais (tendo em vista as cotas terem aberto
espaço para novos perfis de estudantes) e o relacionamento
docentes/discentes.
No entanto, embora tenhamos conseguido fazer uma
oferta formativa nesse sentido, a frequência dos docentes nas
atividades é muito reduzida. Notamos um razoável índice de
inscrição, mas baixa assiduidade. Fazendo uma enquete com
os colegas, identificamos que a própria dinâmica de trabalho

141
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

na universidade dificulta o cumprimento das atividades em


que se inscrevem. Os motivos são vários: incompatibilidade
de horários, assuntos inesperados que ocorrem e demandam
urgência na resolução, excesso de atividades em que estão
envolvidos (ensino, pesquisa e extensão).
A preocupação com a formação de formadores rendeu
dois trabalhos de mestrado já concluídos e mais dois de
doutorado ainda em andamento. Todos os pós-graduandos
que se dedicaram a esses estudos são servidores da UFRN e
entraram no PPGEd, via a reserva de vagas para qualificação
de servidores da instituição. A dissertação de Anna Katyanne
Arruda Silva e Souza, servidora da Escola de Saúde da
UFRN, Representações Sociais de Professores da Educação
Profissional em Saúde sobre o Ser Professor45, teve como
objetivo analisar as representações sociais de professores da
Educação Profissional em Saúde sobre o ser professor, tendo
por base a perspectiva moscoviciana. A pesquisa foi realizada
com professores da Educação Profissional em Saúde - EPS
da Escola de Saúde, Unidade Acadêmica Especializada em

45 SOUZA, Anna Katyanne Arruda Silva e. Representações sociais de professores


da educação profissional em saúde sobre ser professor. Dissertação (Mestrado).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação
em Educação, Orientadora: Dra. Erika dos Reis Gusmão Andrade. Natal:
2018.

142
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Educação Profissional na área de saúde da UFRN, na cidade


de Natal.
Os resultados obtidos evidenciaram que o universo repre-
sentacional destes professores acerca do ser professor é cons-
tituído por elementos relacionados às seguintes dimensões:
dimensão pessoal, formativa e profissionalizante; dimensão
objetiva e/ou de finalidade; dimensão afetiva e do esforço;
dimensão da realização pessoal/profissional e dimensão
do processo de ensino-aprendizagem, abrangendo aspectos
relacionados ao cotidiano docente e aos fatores específicos que
interferem na Educação Profissional em Saúde. A construção
real do ser professor está representada por sua experiência de
tornar-se professor, partilhando da representação social sobre
ser professor como desafio e produto das interações e dos
fenômenos de comunicação no interior desse grupo social, cuja
identidade, ainda em construção, é fortemente marcada pela
luta por seus direitos, pela busca por educação permanente e
por reconhecimento social, institucional, cultural e político
e também pelo entrelaçamento, no cotidiano da escola, da
identidade como profissional da área de saúde e como docente
responsável pela formação em saúde.
Tal estudo foi tão rico e complexo que se alargou para
o projeto de doutorado de Anna Katyanne, atualmente em
andamento, aprovado no processo seletivo para ingresso no

143
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

PPGEd em 2019, intitulado O Ser Profissional e Docente


da Área de Saúde: construindo a Identidade Docente na
Educação Profissional em Saúde. Seu objetivo é analisar
como vem sendo construída a identidade docente na Educação
Profissional em Saúde, no tocante às especificidades desse
contexto formativo e à formação profissional na área de
saúde, a partir da Teoria das Representações Sociais. Mais
especificamente, fornecer subsídios para identificar e ana-
lisar a constituição identitária dos professores na Educação
Profissional em Saúde (EPS), a partir das especificidades desse
contexto formativo, dos desafios de superação da formação
específica como profissional da área de saúde, marcada por
lacunas na formação didático-pedagógica, e do sentimento
de pertencimento por parte dos professores.
O estudo poderá ainda contribuir para a compreensão do
contexto de formação na saúde, tendo em vista o crescimento
e desenvolvimento da EPS na UFRN, especificamente no perí-
odo de 2003 a 2016, e a atual necessidade de traçar estratégias
para impedir que a realidade vivenciada pelo país, marcada
por crises e retrocessos em diversos campos, entre eles a
educação, impeça a consolidação das conquistas acadêmicas
e profissionais obtidas pela Educação Profissional. O estudo
visa compreender a construção da docência numa perspectiva
de formação capaz de atuar no sentido de transformação da

144
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

realidade e inclusão, em favorecimento do exercício do direito


à cidadania e não meramente para atender às necessidades
do mundo do trabalho.
A dissertação de Anne Cristine Silva Dantas, servidora
da PROGRAD, De bacharel a professor: o ser docente no
ensino universitário46 , teve como objetivo compreender
como se constitui o ser docente para professores bacharéis
da UFRN, com jornada de trabalho de 20h e que exercem
sua profissão de formação inicial concomitantemente como
a docência. Nos achados desse estudo, encontramos três
categorias que envolvem as representações sociais do ser
docente: o formador das futuras gerações, o ensinar como
doação e a apropriação técnica profissional como possibili-
dade da docência. Os participantes da investigação, apesar
da falta da formação pedagógica, amparam suas práticas
em competências e habilidades construídas ao longo de suas
experiências com outros professores.
A tese de doutoramento em andamento de Bruno
Leonardo Bezerra da Silva, servidor do setor de capacitação
da PROGESP, Representações sociais de professores/ges-
tores sobre o exercício da gestão universitária, mediante

46 DANTAS, Anne Cristine da Silva. De bacharel a professor: o ser docente no


ensino universitário. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientadora:
Professora Dra. Erika dos Reis Gusmão Andrade. Natal, 2019.

145
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

aprovação de projeto no processo seletivo do PPGEd para


ingresso em 2017, tem as seguintes questões norteadoras:
o que motiva o professor a querer (ou não querer) ocupar
uma função de gestão na universidade? O que é necessário
saber para ser gestor universitário? Como aprendem e como
exercem o trabalho na gestão? Como conciliam atividades de
ensino, pesquisa, extensão e gestão? Quais são as trajetórias
profissionais desses docentes como gestores? O doutorando
busca identificar, analisar e problematizar essas representações
sociais a partir da análise do trabalho docente, da interação
entre prescrições formais e informais, identificando como
são constituídos, apreendidos e socialmente partilhados esses
elementos presentes no exercício laboral do professor/gestor
no contexto das Instituições Federais de Ensino Superior –
IFES, mais especificamente, na UFRN.
Além das orientações de trabalho sobre a formação do
professor universitário, nesse período, também orientamos
pesquisas sobre a formação dos estudantes na universidade.
Estas geraram trabalhos de conclusão de cursos de bolsistas
e voluntários de iniciação científica, ligados ao meu projeto
de pesquisa Docência na Licenciatura: Representações
Sociais em construção, cujo objetivo é mapear as represen-
tações sociais de docência para estudantes de cada uma das

146
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

licenciaturas da UFRN. Decorrem desses estudos também


duas dissertações de mestrado com defesa de fevereiro de 2020.
A dissertação de Diego do Rego, Representações Sociais
sobre o Ensinar de alunos de Pedagogia em Estágio
Obrigatório: Construindo Identidades Docentes, teve
como objetivo investigar as representações sociais sobre o
ensinar de estudantes de Pedagogia que estão em estágio
curricular obrigatório. O estudo busca compreender como
essas representações interferem no processo de formação das
identidades docentes orientando as práticas pedagógicas.
Seus resultados mostram que os estudantes de pedagogia, a
partir de suas trajetórias e pertenças, vão significando o ato
de ensinar como próprio da docência, tendo como referência
elementos do universo reificado apresentado pelo curso de
Pedagogia. Contudo, continuam também a usar referências do
senso comum para orientar suas práticas cotidianas, processo
que incide nas suas elaborações identitárias.
A dissertação de Mariana Antunes Medeiros de Oliveira,
As Representações Sociais das Pedagogas/Professoras sobre
Ensinar Matemática, buscou compreender quais são os desa-
fios dessas profissionais, indicar o que tem sido discutido na
área e sugerir, a partir de nossos dados, ações que possam
contribuir para a docência das pedagogas/professoras no
ensino da Matemática. Em seus achados, destacaram-se os

147
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

seguintes pontos: as dificuldades das pedagogas/professoras


com os conteúdos da Matemática, o uso das tendências para
a Educação Matemática, a relação construída com essa dis-
ciplina durante o processo de escolarização, as estratégias
pedagógicas desenvolvidas, a infraestrutura das escolas, o
perfil para o ensino da Matemática e o espaço dessa área do
conhecimento no curso de Pedagogia da UFRN. A autora
constata que as Representações Sociais podem funcionar
como obstáculos ao processo formativo pois existem aspectos
subjetivos que tendem a ser representados através das emoções
relatadas. A presença de modelos formativos diferentes e a
dificuldade da relação entre teoria e prática são apontadas
como reflexões necessárias a ser feita pelas participantes.
A minha atividade como Pró-Reitora Adjunta da
Graduação também me permitiu acompanhar de perto os pro-
cessos de atualização curricular dos cursos de graduação da
UFRN, em especial os das licenciaturas, devido à demanda das
novas Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores
(Resolução 02/2015 CNE). Conseguimos fazer as revisões de
Projetos Pedagógicos de quase todos os cursos dessa condição.
A dinâmica de acompanhamento das discussões e elaboração
através do Fórum de Coordenadores das Licenciaturas, pela
Coordenação de Disciplinas Pedagógicas das Licenciaturas
– CORDELICE/CE, com apoio da PROGRAD, nos permitiu

148
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

compreender melhor as características internas das áreas


específicas da formação de professores para Educação Básica e
as dificuldades encontradas em relação à formação e postura
formativa dos colegas responsáveis.
Além disso, o conhecimento sobre a dinâmica da gra-
duação ao acompanhar os quase 120 cursos de graduação,
presenciais e a distância, no campus central e nos campi do
interior, nos permitiu indagar sobre a formação do professor
universitário de forma geral, tendo em vista as diferentes
frentes nas quais são exigidas a sua atuação, principalmente
com relação aos novos perfis de universidade pública que
temos construído na realidade brasileira.
Saí da PROGRAD em maio de 2019, a pouco menos de
um mês para finalizar a gestão. Isso se deveu à finalização
do prazo para cumprir meu direito de tirar uma licença
para capacitação de três meses decorrente do quinquênio
de 2011/2015, caso contrário a perderia. Já contava com essa
licença para pensar em um projeto de pós-doutoramento,
que agora não abriria mão de executar, mas também para
ter certo distanciamento da gestão depois desses 04 anos de
dedicação e compromisso.
Os anos anteriores, especialmente entre 2016 e 2018, foram
de muita turbulência para educação pública, no que nos atinge
mais fortemente, para o ensino superior, cheio de reveses

149
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

financeiros e muitas mobilizações em defesa da educação,


desde manifestações de rua, até as mobilizações das mais
diversas entidades representativas da área, sem quase nenhuma
repercussão no Congresso e no Senado nacionais e muito
menos na Presidência da República. O ano de 2019 começa
se anunciando tenebroso para qualquer política pública de
caráter social, o que inclui educação, saúde, alimentação,
trabalho e segurança. A vitória das eleições presidenciais de
um grupo representante de um modelo político econômico
ultraliberal, de base moral conservadora fundamentalista
e amparo jurídico em concepções elitistas do direito, torna
a vida, não só de quem está na gestão universitária pública
em especial, mas de todos que são comprometidos com a
concepção de que a educação é um direito, bastante difícil.
Nesse contexto, retorno para o Centro de Educação e me
foco na dimensão mais acadêmica do meu fazer, o ensino e
a pesquisa, via graduação e pós-graduação.

150
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Quinto inesperado:
Ser professora titular no contexto
atual, uma proposta de trabalho
para mais 10 anos de carreira

É bom olhar pra trás


E admirar a vida que soubemos fazer
É bom olhar pra frente
É bom, nunca é igual
Olhar, beijar e ouvir cantar um
novo dia nascendo
É bom e é tão diferente
Eu não vou chorar
Você não vai chorar
Você pode entender
Que eu não vou mais te ver
Por enquanto
Sorria e saiba o que eu sei
Eu te amo

Nando Reis47

47 Música Dessa vez composta e cantada por Nando Reis, no álbum Para
quando o arco íris encontrar o pote de ouro, 2000.

151
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Tendo deixado a PROGRAD em maio de 2019, com o final


do mandato da professora Ângela, retomei a minha atividade
como docente, no ensino de graduação e pós-graduação.
Orientei 09 e coorientei 02 teses de doutorado, e ainda, 16
dissertações de mestrado, incontáveis monografias de espe-
cialização e trabalhos de conclusão de curso de graduação,
ao longo desses 16 anos de atividade efetiva na UFRN, fora
os cinco anos como professora substituta. Como pesquisa-
dora orientei 14 bolsistas de IC. Me aproximo do período de
progressão de carreira para titular, buscando voltar o foco
de investigação não mais apenas para a formação inicial do
professor (conforme apresento em minha produção expressa
no Lattes), mas para a formação do formador no ensino supe-
rior, especialmente na esfera da universidade pública.
Além disso, preciso pensar em um planejamento de
carreira para os próximos 10 anos de exercício da docência
universitária (tendo em vista a reforma da previdência que
me acresceu quase 04 anos de trabalho). Nunca fui muito boa
no planejamento em longo prazo e para mim 10 anos é longo
prazo. Minha vida foi feita de inesperados, de ventanias e raios,
em todos os seus aspectos. É difícil projetar um futuro para
mim. Por outro lado, talvez a vida esteja se apresentando de
forma mais calma com a chegada da maturidade, então aceito
o desafio e nessa parte do texto tento fazer esse exercício.

152
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Entendo que todos os enlaces em minha trajetória forma-


tiva me fizeram chegar até esse novo, mas não desconhecido,
objeto de estudo e possibilitaram uma compreensão mais
alargada da problemática que o envolve, e por esse motivo a
adequação e pertinência do pleito para desenvolver estágio
pós-doutoral, através de processo seletivo previsto no EDITAL
N° 04/2019 – PPGED-So, de chamada pública de candida-
tos(as) ao processo de seleção de bolsista para o Programa
Nacional de Pós- Doutorado – PNPD - CAPES, associado ao
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da
UFSCar campus Sorocaba (PPGEd-So).
Penso nas possibilidades de alargamento das relações entre
a UFSCAr-So e a UFRN, não só através da consolidação de
estudos e pesquisas conjuntos, mas na celebração de convê-
nios institucionais para produção acadêmica no campo da
Educação especialmente fortalecendo uma rede de estudos
nacional, no que tange à formação docente em nosso país
e ao campo epistemológico de estudos com a Teoria das
Representações Sociais. Pleito em que consegui ser aprovada
em primeiro lugar e para o qual me preparo em uma nova
etapa de vida acadêmica, passar um ano em Sorocaba, mais
uma viagem.
É assim que apresento o projeto de pesquisa Ser profes-
sor no Ensino Superior: Representações Sociais sobre o

153
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

ensinar e seu campo científico. Neste projeto nos propomos


a avançar na compreensão sobre a formação do professor
universitário, tendo como objetivo geral compreender quais
as representações sociais sobre o ensinar e sobre seu campo
científico de ensino para docentes do ensino superior. Mais
especificamente, como essas representações se relacionam
com as teorias apreendidas e ensinadas na sua própria for-
mação. Esperamos assim identificar os processos simbólicos
que são inerentes à formação e como estão envolvidos neste
processo e na constituição de marcas identitárias profissio-
nais. Entendemos ser possível fazer um mapeamento destas
marcas identitárias e de seus mecanismos de apropriação
pelos docentes (GIL, 2009). Para tanto, nos respaldamos na
Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978; 2012;
2015) na busca por compreender como se constroem marcas
simbólicas e contextos concretos de formação.
A representação social se constitui numa forma de conhe-
cimento que, mais que proporcionar uma orientação prática
aos sujeitos, organiza e constrói uma dada realidade, permi-
tindo o convívio social (JODELET, 1989; 2001). Sendo assim,
é a Teoria das Representações Sociais a abordagem escolhida
para fundamentar minha investigação, pois observa-se que se
apropriando das informações recebidas em cursos de formação
e capacitação - sobre novas e antigas concepções de ensino e

154
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

de aprendizagem, sobre como deve ser estabelecida a relação


entre professores e estudantes no que diz respeito ao ato de
aprender - os professores reconstroem estas informações
a partir de conhecimentos prévios, decompondo os novos
conhecimentos e os reorganizando de forma a torná-los pos-
síveis de serem incorporados ao seu referencial de condutas.
Dessa forma, as representações sociais são tanto os
conteúdos simbólicos de elaboração como a própria prática
que produz os conteúdos, em constante construção dentro
do próprio movimento de interação social. E, assim sendo,
os professores se apropriam dos conteúdos sobre ensino e
aprendizagem, modificando-os de acordo com as relações que
estabelecem em seu campo de atuação social e, mais ainda,
de acordo com os códigos de identificação dos grupos sociais
de pertença. Aplicam essas teorias em sua prática pedagógica,
permeando o processo de ensino-aprendizagem com marcas
dessa estrutura simbólica de pensamento. As representações
sociais, portanto, vão além do que é dado pela ciência ou
pela filosofia, elas são teorias coletivamente elaboradas em
um determinado contexto, familiarizando-se com o novo,
introduzindo-o em seu cotidiano, tornando-o parte de sua
vida, possibilitando a interação social (MOSCOVICI, 1978;
2012; 2015).

155
Assim, a representação social se identifica com a própria
realidade social, mutante, evolutiva e ao mesmo tempo segura,
compreensível para os sujeitos que nela atua. Seria, então,
muito mais que uma repetição do objeto, uma atividade
mental que o reelabora, a partir das relações que o sujeito
mantém com este e com os grupos sociais aos quais perten-
cem, definindo-se assim como uma forma de conhecimento
utilizada como norteadora de comunicações e de condutas.
Gostaríamos de posteriormente à execução da pesquisa
proposta para esse estágio pós-doutoral, ou na possibilidade de
sua ampliação, fazer um estudo comparativo entre os achados
sobre as Representações Sociais dos docentes da UFSCar-So e
os da UFRN. Penso que teríamos dados interessantes de aná-
lise em instituições universitárias situadas em duas diferentes
regiões do país. Na UFSCAr, cerca de 150 docentes se dividem
em três grandes áreas/unidades acadêmicas e elegemos para
estudo pelo menos seis de cada área. Isso amplia o trabalho
para além do ano de estágio pós-doutoral, para pelo menos
mais seis ou sete anos de investigação na UFRN, tendo em
vista que se contarmos com as unidades do interior do estado
temos 19 unidades acadêmicas que lotam professores nas mais
diferentes áreas de conhecimento e formação. Para tanto,
reativamos na Pró-Reitoria de Pesquisa, no final de 2019, o
Grupo de Estudos em Educação e Representações Sociais,
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

que estava inativo, inicialmente com a minha coordena-


ção e participação da Professora Elda Silva do Nascimento
(UFRN) Melo, Professor André Augusto Diniz Lira (UFCG)
e Professora Danielle Oliveira da Nóbrega (UFAL).
Nesse sentido, também gostaríamos de colaborar com a
Comissão de Articulação e Proposição de Cursos do Programa
de Atualização Pedagógica, a COMPAP, com os achados de
nossa pesquisa para amparar programas internos de for-
mação de formadores universitários. Mais ainda, tal estudo
subsidiaria a reestruturação do componente Metodologia
do Ensino Superior, com o qual trabalho há pelo menos 10
anos, em conjunto com a Professora Rosália de Fátima e Silva,
no PPGEd. Poderíamos propor a formação de um grupo de
estudos sobre docência no ensino superior na UFRN.
Com a articulação com a COMPAP e a PPG, poderíamos
dar maior contribuição às atividades formativas do Programa
de Iniciação à Docência, promovido por essa Pró-Reitoria
para os estudantes de mestrado e doutorado com o objetivo
de: contribuir com a formação para a docência de estudan-
tes de Pós-Graduação em nível de mestrado e doutorado
por meio de atividades acadêmicas na Graduação; contri-
buir para a melhoria da qualidade de ensino nos Cursos de

157
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Graduação; contribuir para a articulação entre Graduação e


Pós-Graduação48.
Tais objetivos evidenciam a preocupação institucional
com a formação de seus possíveis docentes, tendo por base a
compreensão de que é na pós-graduação o lócus de formação
do professor universitário, tendo em vista a necessidade de
aliar uma formação técnica de excelência à formação peda-
gógica específica para atuação na educação superior, que no
caso das instituições públicas têm o imperativo da articulação
entre ensino, pesquisa e extensão.
Além disso, em minha experiência como Pró-Reitora
Adjunta de Graduação, acompanhando as discussões que
emergiam do trabalho de atualização e/ou construção de novos
projetos pedagógicos de cursos de graduação e notando que
estes são construídos tendo em vista o novo modelo universi-
tário (RISTOFF, SAVEGNANI, 2006), a aderência ao sistema
de cotas, a expansão do número de estudantes, a necessidade
de maior articulação com o mundo do trabalho calcada na
aproximação teoria-prática (FERREIRA; OLIVEIRA, 2016),
além das questões pedagógicas relativas ao processo de ensi-
no-aprendizagem no ensino superior (ANASTASIOU, ALVES,

48 RESOLUÇÃO No 041/2019-CONSEPE, de 23 de abril de 2019. Estabelece


normas e regulamenta o Programa de Assistência à Docência na Graduação
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

158
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

2003), me confrontei com a questão do perfil do docente


universitário e como suas práticas atravessam a formação
dos estudantes (ZABALZA, 2004; GIL, 2009).
No que tange ao ensino da graduação, a experiência com
o PIBID e o contato como Pró-Reitora na construção dos pro-
jetos pedagógicos dos cursos de licenciatura me permitiram
uma interlocução maior com as concepções de formação
docente nas diferentes áreas. Tal experiência tem me levado
a refletir como a Psicologia da Educação, minha área de
ensino na graduação, tem contribuído para se pensar como
as crianças, jovens e adultos aprendem os diferentes tipos
de conhecimento, com lógicas e formas de estruturação do
pensamento diversas. Penso que temos nos restringido a um
ensino da Psicologia Educacional historiográfico, centrado
em contar como os pensadores das áreas do desenvolvimento
e da aprendizagem pensavam sobre como que isso ocorria,
o que é importante para compreendermos como chegamos
às atuais compreensões. No entanto, termina por se afastar
e diminuir o tempo das discussões sobre como a Psicologia
Educacional pode contribuir para o lidar com as problemáticas
que emergem nos contextos escolares.
Pouco nos voltamos para como, atualmente, a Psicologia
contribui para compreender como ensinar e aprender. Isto
se deve a alguns fatores. A própria tradição propedêutica de

159
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

formação universitária, com uma ênfase nos conhecimentos


sistematizados das áreas, repetindo modelos formativos que
importamos; a desarticulação entre as práticas profissionais
nos contextos de trabalho pedagógico e os conhecimentos
estudados, minimizando a importância da articulação ação/
reflexão/ação; as alterações, muitas necessárias, nas diretri-
zes e legislação sobre formação de professores, que embora
tragam muitos ganhos sobre o que é importante abordar na
formação inicial, não trazem nenhuma inovação metodológica
e de estruturação dos cursos, não ajudando na construção
dos modelos formativos. Em decorrência deste último fator,
há certo inchaço dos projetos de curso, que têm dificuldade
de superar o modelo disciplinar repetindo a estrutura de
conteúdos em caixas que pouco conversam entre si, dando
uma sensação aos docentes de que estão perdendo o tempo
necessário para tratar de suas áreas.
Embora ao longo de minha carreira na UFRN, tenha me
concentrado na formação no Curso de Pedagogia, devido a
passagem pela sua coordenação e a experiência com o próprio
PIBD/Pedagogia, me proponho a trabalhar mais fortemente
com as demais licenciaturas a partir de agora. Em especial,
com aquelas que trabalham com o Ensino Médio, nível de
ensino que atualmente sofre mais contundentemente com o
abandono das autoridades educacionais, com a evasão dos

160
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

jovens devido à necessidade de trabalho, tendo em vista o


desemprego generalizado e a pouca articulação dos conteúdos
ensinados com a vida de seus sujeitos.
Nesses seis anos de gestão administrativa, entre chefia
de departamento e Pró-Reitoria, me afastei do exercício da
extensão. Com essa configuração política atual do país e
um sentimento generalizado de apatia, melancolia, deses-
perança de possibilidade de melhora em longo prazo, tenho
me perguntado muito em que posso ajudar, como fazer algo.
Como professora universitária, acadêmica do campo das
humanidades e pesquisadora da área de formação de profes-
sores, sempre tive o espaço escolar público como contexto
de práticas. Penso ser este um lugar de interlocução genuína
e constante com a comunidade e com a diversidade social,
além de ser um difusor de ideias e debates sobre o cotidiano
da vida das pessoas.
É assim que estou amadurecendo a ideia de um projeto de
extensão que trate da educação das bases sociais, para além
do ensino formal, criando um espaço, nas unidades escolares
de discussão e reflexão sobre problemáticas que atingem
as pessoas daquele contexto, estudantes, pais, professores,
trabalhadores da educação. Pensei em começar com temáticas
relativas à minha área de atuação como formadora, por ser
mais fácil de estabelecer discussões, por exemplo: relação

161
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

professores/estudantes, violência, orientação sexual, afeti-


vidade e família. No entanto, podemos alargar para outras
temáticas de interesse do grupo ou dos grupos e convidar
colegas para nos ajudar na sua condução. Não sei se nesses
tempos de restrição financeira a Pró-reitoria de Extensão terá
recursos para tais demandas, no entanto, penso que poderei
encontrar caminhos para um projeto assim.
É com essas propostas de trabalho para a continuidade de
minha atuação profissional que finalizo este texto memorial,
tendo ciência das inúmeras lacunas que possa ter deixado ao
longo de sua construção; circunscrita à possibilidade temporal
de escrita em dois meses, tendo em vista à eminência de
meu afastamento para o estágio pós-doutoral e o contexto
político/administrativo que ronda o serviço público federal,
mas convencida de que valeu cada passo e aprendizagem
inesperada, nessa trajetória de uma moça mal comportada.
Assim, penso no pertinente poema de Bráulio Bessa:

162
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

RECOMECE
Quando a vida bater forte
Es sua alma sangrar,
Quando esse mundo pesado
Lhe ferir, lhe esmagar...
Recomece a LUTAR.

Quando tudo for escuro


E nada iluminar,
Quando tudo for incerto
E você só duvidar...
É hora de recomeço.
Recomece a ACREDITAR.

Quando a estrada for longa


E seu corpo fraquejar,
Quando não houver caminho
Nem um lugar pra chegar...
É hora de recomeço.
Recomece a CAMINHAR.

Quando o mal for evidente


E o amor se ocultar,
Quando o peito for vazio,
Quando o abraço faltar...
É hora de recomeço.
Recomece a AMAR.

Quando você cair


E ninguém lhe aparar,
Quando a força do que é ruim

163
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

Conseguir lhe derrubar...


É hora do recomeço.
Recomece a LEVANTAR.
ando a falta de esperança
Decidir lhe açoitar,
Se tudo que for real
For difícil suportar...
É hora de recomeço.
Recomece a SONHAR.

Enfim,

É preciso de um final
Pra poder recomeçar,
Como é preciso cair
Pra poder se levantar.
Nem sempre engatar a ré
Significa voltar.

Remarque aquele encontro,


Reconquiste um amor,
Reúna quem lhe quer bem,
Reconforte um sofredor,
Reanime quem tá triste
E reaprenda na dor.

Recomece se refaça,
relembre o que foi bom,
reconstrua cada sonho,
redescubra algum dom,
reaprenda quando errar,

164
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

rebole quando dançar


e se um dia, lá na frente,
a vida der uma ré,
recupere sua fé
e RECOMECE novamente.

165
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada

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181
Este livro foi produzido
pela equipe da EDUFRN
em fevereiro de 2022.
“Há de fato um tríplice encantamento. O primeiro é o de ler o memorial de uma jovem profes-
sora titular, que acompanhei de longe desde seu ingresso como aluna do doutorado em Edu-
cação, do qual participei como parte da banca examinadora de sua tese, em 2003. Segui acom-
panhando seu percurso como professora da Pós-graduação em Educação e seus sucessivos
trabalhos na gestão universitária. Em suma, uma trajetória exitosa que lhe garantiu, em 2020,
a promoção ao cargo de professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). O segundo encantamento deve-se à maneira como a autora, “filha de Iansã”, nos en-
volve, gradativamente, em seu percurso pessoal, intelectual, militante, profissional, ecumênico,
decantando as viradas biográficas em cinco grandes Inesperados. O terceiro encantamento
decorre, certamente, da curiosidade científica que me desperta o memorial como gênero dis-
cursivo e que persigo, sem tréguas, há mais de vinte anos, em busca de melhor compreendê-
-lo. Percebo, neste memorial, uma ruptura e uma inovação discursiva, que se encontram em
sintonia com as mudanças históricas da carreira docente no ensino superior e, sobretudo, nas
universidades federais”.
Maria da Conceição Passeggi
Professora Titular
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade Cidade de São Paulo

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