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TRADUÇÃO
TRANSMISSÃO
RECEPÇÃO
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Hozanete Lima
(Orgs.)
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Hozanete Lima
Organizadores
ÉDIPO REI
transmissão, tradução, recepção
Natal, 2022
Reitor
José Daniel Diniz Melo
Vice-Reitor
Henio Ferreira de Miranda
Revisão Tipográfica
Conselho Técnico-Científico – SEDIS Ilana Lamas
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo – SEDIS (Presidente)
Aline de Pinho Dias – SEDIS Diagramação
André Morais Gurgel – CCSA Ian Medeiros
Antônio de Pádua dos Santos – CS
Célia Maria de Araújo – SEDIS Capa
Eugênia Maria Dantas – CCHLA Hozanete Lima
Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS
Fundada em 1962, a EDUFRN permanece dedicada à
sua principal missão: produzir livros com qualidade
editorial, a fim de promover o conhecimento gerado na
Universidade, além de divulgar expressões culturais do
Rio Grande do Norte.
ISBN 978-65-5569-179-5
CDU 81-14.2
E23
Os organizadores
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Hozanete Lima
SUMÁRIO
FOUCAULT E O ÉDIPO-REI:
Notas para uma aproximação ........................................................... 9
Fabiano Incerti
9
Fabiano Incerti
10
FOUCAULT E O ÉDIPO-REI: Notas para uma aproximação
11
Fabiano Incerti
1
Para citações diretas e indiretas do texto de Sófocles, utilizaremos, entre parên-
teses, os números dos versos compatíveis com a obra contida nas referências
bibliográficas deste trabalho.
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Édipo, diante do clamor do coro por uma solução definitiva para a peste que
aflige a cidade, responde: Ᾱ
̓ γὼ ξένοϛ μὲν τοῦ λόγον τοῦδ’ ἐξερῶ, ξένος δὲ τοῦ
πρᾶχθέντοϛ οὐ γὰρ ἀν μακρἆν ἷχνευοναὐτοϛ μὴ οὐκ ἔχων τι σύμβολον.
3
“Je parle ici en homme étranger au rapport qu’il vient d’entendre, étranger au
crime lui-même, dont l’ênquete n’irait pas loin, s’il prétendait la mener seul,
14
FOUCAULT E O ÉDIPO-REI: Notas para uma aproximação
sans posséder le moindre indice [...]. SOPHOCLE. Œdipe Roi. Paris: Les Belles
Lettres, 2007. p. 19.
4
“Hei de seguir, inda que só, o rumo certo; o indício mais sutil será o suficiente”.
SÓFOCLES. A trilogia tebana. Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona, p. 30.
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“A parresía – e aqui eu sintetizo, pedindo que me perdoem por ter sido tão
arrastado e ter me detido tanto – é, portanto, uma certa maneira de falar. Mais
precisamente, é uma maneira de dizer a verdade. Em terceiro lugar, é uma maneira
de dizer a verdade, tal que abrimos para nós mesmos um risco pelo próprio fato
de dizer a verdade. Em quarto lugar, a parresía é uma maneira de abrir esse risco
vinculado ao dizer-a-verdade constituindo-nos de certo modo como parceiro
de nós mesmos quando falamos, vinculando-nos ao enunciado da verdade e
vinculando-nos à enunciação da verdade. Enfim, a parresía é uma maneira de se
vincular a si mesmo no enunciado da verdade, de vincular livremente a si mesmo
e na forma de um ato corajoso” (FOUCAULT, 2010, p. 63-64).
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algum momento, o herói deseja conhecer, não é pela razão que propõe
Aristóteles, ou seja, “por um movimento natural inserido em sua natu-
reza a partir da sensação” (2014a, p. 14), mas, exatamente, por aquilo
que é diametralmente oposto a isso: o trágico é um saber obscuro e
promissor. Trata-se, dessa forma, de “fala enigmática, de duplo sentido,
que ele compreende e não compreende, com a qual se tranquiliza e
que, no entanto, o inquieta” (2014a, p. 14). Tais características serão
determinantes para a ideia foucaultiana de que a peça de Édipo-Rei
“faz-se pelo confronto de diferentes tipos de saberes” (2014a, p. 212),
que operam ora por sobreposição, ora por deslocamentos.
Por todo enredo, os saberes se movem entre o palácio e as
montanhas. O primeiro tenta, de todas as formas e com premência,
escapar do jugo dos deuses, enquanto o segundo, com a mesma força,
tenta se esconder no fundo das cabanas. Não obstante, para que a
verdade venha à tona e a cidade seja libertada do mal que a aflige,
o saber presente e o saber longínquo precisam se cruzar. E é Édipo,
e somente ele, quem conhece esses dois lugares; esses dois saberes.
Foi príncipe, depois criança abandonada na floresta, depois rei, até
finalmente tornar-se o mendigo cego e errante. Seu próprio nome
sugere que ele é, ao mesmo tempo, oἶδα, ou seja, o conhecimento quase
divino e tirânico e oἰδί, que quer dizer inchado, traço presente em seus
pés (Πους) e que o rememora de seu destino de excluído, arremessado
para longe de sua terra.
A cabana desafia o palácio e com seu ritmo bucólico e sazonal
inverte a ordem e o poder outrora estabelecido. A verdade, que está na
boca dos mais simples do reino, sela definitivamente o que o oráculo
havia prenunciado, mostrando que “[...] o inquérito leva às coisas que a
mântica previra” (2014a, p. 235). Contudo, o faz por modos diferentes.
Foucault recorda que Édipo reconhece a limitação humana diante dos
poderes divinos, pois compreende que os deuses revelam os desígnios a
seu próprio tempo. Não é possível forçá-los a falar. É o tempo do saber
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esposa-mãe morta, é que ele fura seus próprios olhos. A cena seguinte,
que o coloca diante dos olhares misturados dos deuses, dos persona-
gens e do público, nos oferece o inverso do espetáculo: do topo de sua
autocracia, Édipo é aquele que tudo viu, e tudo ouviu, e que tudo
sabe, e tudo pode, contudo, está obrigado, nesse momento, a retirar-se,
andando a esmo pelo mundo na noite de sua cegueira. Em virtude do
desvelamento da verdade, posto em marcha por ele mesmo, cegou seus
próprios olhos e, para sempre, abriu os seus ouvidos. O saber da visão
cede lugar ao saber da escuta: Édipo está condenado a ouvir!
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Referências
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FOUCAULT E ÉDIPO REI
Um evento de leitura dramática
Pedro de Souza
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A verdade-conhecimento também pretende libertar, curar, “salvar” o sujeito,
e é justamente a partir do momento em que se o compreende que ela não pode
existir, que ela não pode se impor, senão afirmando ser capaz de produzir esses
efeitos sobre os sujeitos, que se percebe que ela nada mais é que uma verdade-a-
contecimento (LORENZINI, 2014, p. 385).
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Isto diz respeito “ao outro aspecto da mecânica do reconhecimento… O problema
da técnica, do procedimento e dos rituais pelos quais se dá efetivamente o
reconhecimento nessa tragédia, os procedimentos de manifestação da verdade
” (Do governo dos vivos, p. 25).
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Refiro-me, sobretudo, às conferências Heterotopias e O corpo utópico produzidas
por Michel Foucault para compor uma série de emissões radiofônicas dedicadas
ao tema da utopia e da literatura pela Rádio France-Culture, respectivamente em
7 e 21 de dezembro de 1966. Na apresentação de O corpo utópico, por exemplo,
cada sequência falada, à viva voz, pelo próprio Foucault, ia ao ar sendo antecedida
por outras vozes recitando trechos de Proust, («Du côté de chez Swann»); Le
Clézio («Le Jour où Beaumont fit connaissance avec sa douleur»); Swift (Les
Voyages de Gulliver); Tanizaki («Le Tatouage»), Boré («Les Stigmatisés du
Tyrol, ou l’Extatique de Karldern et la patiente de Capriana»).
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Pedro de Souza
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Pedro de Souza
Referências
41
ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
Kathrin Rosenfield
42
Kathrin Rosenfield
1
Jean-Martin Charcot (1825 - 1893), médico-cientista francês e o fundador da
neurologia moderna (com Guillaume Duchenne). Promoveu estudos da histeria
e da afasia, descobriu o aneurisma cerebral e as causas de hemorragia cerebral.
43
ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
2
Usamos o PDF disponível online da Obra Completa de Freud: http://lelivros.
love/book/download-a-interpretacao-dos-sonhos-sigmun-freud/.
3
Sir James George Frazer (1854-1941), antropólogo escocês, cuja obra O Ramo
de Ouro (1890) compara as crenças na magia com as crenças religiosas e resume
suas descobertas na teoria dos três estágios culturais que progridem da magia
primitiva para a religião e a ciência.
4
Edvard Alexander Westermarck (1862-1939), filósofo e sociólogo finlandês
conhecido pelos seus estudos sobre exogamia e o tabu do incesto.
5
The Golden Bough: A Study in Magic and Religion = comparative study of
mythology.
44
Kathrin Rosenfield
6
William James (1842-1910), filósofo e psicólogo americano e “pai da psicologia
americana”. É o irmão de Henry James, cujas ficções como The Turn of the Screw
(A volta do Parafuso) transformam os casos clínicos de alucinações histéricas em
sugestivas histórias de fantasmas.
7
Ernst Kretschmer (1888-1964), psiquiatra que pesquisou a constituição humana
e estabeleceu uma tipologia.
8
Carl Stumpf (1848-1936), filosofo e psicólogo alemão na cátedra berlinense de
psicologia experimental. Stumpf teve considerável influência sobre os teóricos
da Gestalt, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka.
9
Charles Robert Darwin (1809-1882), naturalista britânico que explicou a
evolução das espécies por meio da seleção natural dos mais fortes e adaptados.
O macho alfa detém o poder sobre as fêmeas do bando, suscitando, na leitura
de Freud, a cobiça e hostilidade dos demais machos.
10
William Robertson Smith (1846-1894), estudioso do Antigo Testamento,
professor de teologia escocês. Smith estudou o sacrifício e foi também um dos
editores da Encyclopædia Britannica. Segundo Smith, o totemismo origina-se
do sacrifício violento do pai abatido pelo bando de irmãos.
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
11
Freud fala dessa sua tese na Carta a Wilhelm Fliess, em 1897; três anos depois,
apresenta A Interpretação dos Sonhos, 1900; Steven Pinker pondera que, à luz
das experiências contemporâneas, Westermarck teria se revelado mais atual que
Freud.
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
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Kathrin Rosenfield
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
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Outro ensaio sobre o assunto é o trabalho de 1910 Über einen besonderen Typus
der Objektwahl beim Manne, GWVIII, 73. Ele retoma as experiências de 15
anos ao longo dos quais Freud analisou suas pacientes histéricas e perseguiu
sua autoanálise.
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
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Kathrin Rosenfield
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Encontramos essa lúcida visão da outra Grécia e de uma humanidade menos
racional e menos perfeita do ponto de vista moral também no século anterior,
nas traduções e nos comentários de Hölderlin.
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ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
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Kathrin Rosenfield
57
ÉDIPO REI, NA LEITURA DE FREUD
Referências
58
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES
Formas do pensamento e figuras
do desejo no Anti-Édipo de Gilles
Deleuze e Félix Guattari
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
1
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2012.
59
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
2
MACHADO, Roberto. “Uma geografia do pensamento”. In: MACHADO,
Roberto. Deleuze e a filosofia. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
3
FOUCAULT, Michel. “Outros espaços”. In: FOUCAULT, Michel. Estética:
literatura, pintura, música e cinema. Ditos & Escritos III. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001. p. 411-422.
4
Ver: BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo
com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 2010; HEIDEGGER, Martin. Ser
e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006.
5
WAHL, François. Estruturalismo e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1970.
60
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
6
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
61
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
7
Ver, por exemplo, as obras freudianas: O chiste e sua relação com o inconsciente, A
interpretação dos sonhos, Fundamentos da clínica psicanalítica e Sobre a psicopa-
tologia da vida cotidiana.
8
DERRIDA, Jaques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2001.
9
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na
Grécia antiga. São Paulo: Duas Cidades, 1977; RUDNYSTKY, Peter L. Freud
e Édipo. São Paulo: Perspectiva, 2002.
10
SÓFOCLES. Édipo-rei. Porto Alegre: L&PM, 1998.
62
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
11
Ver em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000024.pdf,
p. 1. Acesso em: 25 nov. 2018.
12
Idem, p. 35.
63
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
13
Idem, p. 36.
14
Idem, p. 36.
15
Idem, p. 57.
16
Ver em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000024.pdf,
p. 53. Acesso em: 25 nov. 2018.
64
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
17
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. São Paulo: Penguin, 2013.
18
Ver: LEVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares de parentesco.
Petrópolis: Vozes, 2012.
65
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
19
LACAN, Jacques. Nomes-do-pai. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
20
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros
textos (1901-1905). São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
21
Ver: https://www.dicionariodesimbolos.com.br/triangulo/. Acesso em: 25 nov.
2018.
22
ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Lisboa: Edições 70, 2008; LESKY,
Albin. A tragédia grega. São Paulo: Perspectiva, 2015.
66
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
23
POITIERS, Santo Hilário de. Tratado sobre a Santíssima Trindade
(Patrística 22). João Pessoa: Paulus, 2014.
24
DETIENE, Marcel. Os gregos e nós: uma antropologia comparada da Grécia
antiga. São Paulo: Loyola, 2008; DETIENE, Marcel; VERNANT, Jean-Pierre.
Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.
67
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
25
CASSIRER, Ernest. A filosofia do Iluminismo. Campinas: UNICAMP, 1997.
26
Ver: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O imperialismo de Édipo. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
27
Ver Psicanálise e familismo: a santa família. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI,
Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
68
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
28
Ver Repressão e recalcamento. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O
anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
29
Ver As máquinas desejantes. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O
anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
30
LIBIS, Jean. El mito del andrógino. Madrid: Siruela, 2001.
31
Ver O todo e as partes. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-É-
dipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2011.
32
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
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33
No livro O anti-Édipo podemos encontrar as seguintes tríades: a síntese conectiva
de produção, a síntese disjuntiva de registro e a síntese conjuntiva de consumo;
a máquina territorial primitiva, a máquina despótica bárbara e a máquina capi-
talista civilizada. Ver: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo,
p. 95-104, 104-116, 116-145; 194-205, 255-265 e 295-318.
34
O abecedário Gilles Deleuze. Entrevista concedida a Claire Parnet, novembro
de 1995.
35
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “As máquinas desejantes”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 11-71.
70
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
36
ROLNIK, Suely. Linhas de vida. In: ROLNIK, Suely. Cartografia senti-
mental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação
Liberdade, 1989.
37
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “As máquinas desejantes”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 11-71.
71
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
38
DELEUZE, Gilles. O impulso vital como movimento da diferenciação (Vida,
inteligência e sociedade). In: DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo:
Editora 34, 2012. p. 79-99.
39
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. “As máquinas desejantes”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 11-71.
40
GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012.
41
MELO NETO, João Cabral de. “Uma faca só lâmina ou serventia das ideias
fixas”. In: MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas. Rio de Janeiro:
Sabiá, 1968. p. 185-199.
72
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
42
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o barroco. Campinas: Papirus, 1991.
73
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43
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “Introdução à esquizoanálise”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 361-534.
44
GUATTARI, Félix. “Desejo e História”. In: GUATTARI, Félix. Micropolítica:
cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 239-329.
45
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “Os personagens conceituais”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? São Paulo: Editora
34, 1992. p. 81-109.
74
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
46
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
47
FOUCAULT, Michel. “Introdução à vida não-fascista” (Prefácio). In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Oedipus: capitalismo and
schizophrenia. New York: Viking Press, 1977. p. XI-XIV.
75
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48
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “Introdução à esquizoanálise”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizo-
frenia. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 361-534.
76
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e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
49
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “Introdução: rizoma”. Mil Platôs:
capitalismo e esquizofrenia 1. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 11-37.
77
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
perfura os seus próprios olhos que já estariam cegos pelos seus desejos
de glória e poder. Ele suplica a Creonte que o expulse da cidade, que
o faça errar, que o mande para o exílio onde ele encontraria a morte.
Mas, Creonte prefere encerrar e ocultar Édipo entre as muralhas
do palácio50. Aprisionado, encarcerado, fechado, o desejo edipiano
rodopia em torno das mesmas figuras, gira em torno do papai-mamãe,
da cama nupcial, do falo ausente de Laio, do poder onipresente de
Apolo. Deleuze e Guattari se propuseram a nos libertar de Édipo e de
suas figuras do mesmo, do trágico, da repetição, rompendo com toda e
qualquer fechação, abrindo nosso desejo para a alegria dos encontros,
das tramas, das maquinações, das traquinagens.
50
Ver em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000024.pdf,
p. 65, 71-72. Acesso em: 25 nov. 2018.
78
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
Referências
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Durval Muniz de Albuquerque Júnior
80
ROMPENDO COM AS FECHAÇÕES: Formas do pensamento
e figuras do desejo no Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari
GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
81
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
82
ANTES DAS TRAGÉDIAS
FIGURAÇÕES DO MITO DE ÉDIPO1
Guilherme Gontijo Flores
1
O presente artigo é extraído de um pequeno livro que venho escrevendo, com
o nome atual de Q que sabe de si: Édipo entre o saber do desespero, a memória e
a Fúria, que foi iniciado a partir dos debates no evento sobre as recepções de
Édipo, realizado em 2018, na UFRN.
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Guilherme Gontijo Flores
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ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
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Guilherme Gontijo Flores
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ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
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Guilherme Gontijo Flores
2
Num escoliasta das Fenícias de Eurípides, lemos que Corina teria escrito uma
versão em que Édipo mata a própria mãe (Corina, frag. 672 Campbell)
88
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
3
O termo poderia ser lido, com certa liberdade, como “morto em batalha”, mas
prefiro ao menos neste momento evitar qualquer acréscimo diante das lacunas
que a tradição nos revela.
4
Essa é provavelmente a tópica arcaica que é retomada já na primeira fala da
Antígone de Sófocles, quando a heroína lamenta nos vv. 4-6: Οὐδὲν γὰρ οὔτ’
ἀλγεινὸν οὔτ’ ἄτης ἄτερ / οὔτ’ αἰσχρὸν οὔτ’ ἄτιμόν ἐσθ’ ὁποῖον οὐ / τῶν σῶν τε
κἀμῶν οὐκ ὄπωπ’ ἐγὼ κακῶν. “Não existe dor, maldição, ignomínia, / ou desonra,
que eu não tenha visto ainda / figurar no rol dos teus e dos meus males” (trad.
Guilherme de Almeida.)
89
Guilherme Gontijo Flores
90
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
5
O escólio ao v. 13 das Fenícias de Eurípides conta que Epimênides (frag. 15 Diels-
Kranz) narraria como Laio teria se casado com Euricleia e que desse casamento
nasceu Édipo. Ao que o escoliasta lembra que os nomes das mulheres de Laio
variam entre Epicasta e Euricleia; e que o das mulheres de Édipo variam entre
Epicasta e Erigane. Se considerarmos o que não está dito, seria possível pensar
em Euricleia (“a de ampla glória”) como uma variante do incesto matrifilial.
91
Guilherme Gontijo Flores
92
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
93
Guilherme Gontijo Flores
6
Seja como for, o ponto mais próximo pode estar no início da Tebaida latina de
Estácio, escrita praticamente um milênio depois, em Roma, em que lemos com
detalhes a maldição de Édipo que dará origem à batalha entre irmãos.
94
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
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Guilherme Gontijo Flores
96
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
97
Guilherme Gontijo Flores
contudo, como nos outros casos, é muito difícil inferir qualquer uso
mais específico do mito pela passagem, por não conseguirmos nem
sequer preencher alguns dados do entorno discursivo do diálogo entre
Jocasta/Epicasta e Tirésias. Mais digno de nota é o fato de que esse
é o mais antigo texto em que Apolo aparece com sua função central
na trama; já que, nas obras arcaicas, Delfos não poderia realmente
ter primazia literária, uma vez que, até então, o culto e o oráculo de
seu santuário ainda não tinham quase nenhuma projeção na Grécia
(talvez isso explique mesmo a presença de Tirésias como uma espécie
de mediador no vaticínio e que perdurará em outras versões). Apesar
de no tempo de Estesícoro as coisas já terem mudado, permitindo
a aparição de Apolo, ainda, por sua brevidade e lacunas, não temos
como de fato extrair qualquer conclusão mais aprofundada: no mundo
arcaico e no início da era clássica, as lacunas parecem proliferar mais do
que as respostas. Por isso, a partir de agora, apresentarei obras em que o
mito assume posição central um pouco mais detalhada. Começo com
um trecho importante da segunda Olímpica de Píndaro, vv. 35-47:
98
ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
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Guilherme Gontijo Flores
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ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
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Guilherme Gontijo Flores
Referências
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Guilherme Gontijo Flores
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ANTES DAS TRAGÉDIAS: Figurações do mito de Édipo
105
CORRENTES E ESCRITAS
MIGRATÓRIAS DE UM MITO
Édipo em Colono e a mácula da cegueira
individual e coletiva em tempos crise1
Alex Beigui
1
Este capítulo foi escrito a convite e a partir de minha palestra no evento Édipo
Rei: transmissão, tradução e recepção. Na ocasião, ao término de minha fala e
como parte integrante dela, o ator com cegueira, Thales Lopes, orientando de
Iniciação Científica, apresentou um esquete para os convidados e participantes
do evento intitulado À deriva. As imagens que encerram esse capítulo corres-
pondem ao registro fotográfico de Maria de Lurdes Barros da Paixão. Em breve,
e por fazer parte de uma pesquisa mais ampla sobre o campo estético e político
da cegueira, o vídeo da cena, na íntegra, estará disponibilizado no youTube.
2
CAMUS, Albert. A peste. Tradução de Vlerie Rumjanek Chaves. Rio de
Janeiro: Record, 1978.
106
Alex Beigui
107
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
3
BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.
108
Alex Beigui
109
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
4
SÓFOCLES. A trilogia tebana. Tradução de Mário da Gama Kury. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998. Todas as citações da obra utilizadas neste texto foram
retiradas dessa tradução.
110
Alex Beigui
5
Ver: LÉVI-STRAUSS, Claude. Estruturas elementares de parentesco.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1976.
111
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
6
Sobre isso, ver a Teoria da performatividade de Luigi Pareyson, especificamente
em Os problemas da estética (1984).
7
O Nazismo poderia ser um exemplo desse padrão extremo racionalista, em que
o biologicismo é utilizado como prova cabal como parâmetro para definir a
supremacia de uma etnia sobre outra; espécie de cegueira social.
112
Alex Beigui
Correntes migratórias
113
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
8
Dentro da questão mítica ou de formação dos mitos, interessa-nos em nossa
pesquisa mais ampla refletir sobre a relação sistêmica entre o panthon grego e
o pantheon iorubá, sua dimensão politeísta, assim como as trocas simbólicas e
contextuais na cultura.
114
Alex Beigui
ÉDIPO - Ah! Luz que meus olhos não podem ver! Há muito
tempo foste minha e pela derradeira vez meu pobre corpo está
sentindo-te presente (SÓFOCLES, 1998, p.180).
9
A cegueira começa a ganhar, ao longo da história, outra conotação da corrente
mística que perdura até a Idade Média; a conotação mística diminui considera-
velmente. Ela irá, paulatinamente, na modernidade, perdendo o caráter divino,
mágico, espiritual e se tornando um defeito, uma deficiência, uma doença. No
cientificismo, por exemplo, ela passa a ser investigada no campo da acuidade
visual, começando a ganhar formulações clínicas.
115
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
Pensar o mito como uma fábula, uma ficção, uma mentira não
correspondem a sua potência, revelando tão somente a necessidade de
um revisionismo histórico que lança olhares para o mito como dispo-
sitivo dinâmico. A sensação de afastamento da realidade pode levar o
intelectual a se sentir um estranho no mundo. “Estranho” no sentido
de desconforto consigo mesmo10. O sábio, ao romper com essa ilusão
de isolamento, estaria disponível para o mundo, em se contaminar
com seus lugares intransitáveis do ponto de vista da racionalidade.
Daí, resultou uma série de preconceitos localizando o artista
como sendo aquele preso à práxis, ao irracional, à loucura e à margina-
lidade. Ele cria, mas é incapaz de refletir ou de produzir conhecimento
10
Das unheimiliche em Freud traduz a ideia de “estranho inquietante”. Para melhor
entendimento do termo ver o excelente artigo de Lenice Alves Soares: Das unhei-
miliche ou O Estranho de Freud. Disponível em: https://www.e-publicacoes.
uerj.br/index.php/abusoes/article/view/42193. Acessado em 02/05/2020. A
condição de Édipo é duplamente monstruosa porque ele é simultaneamente o
estranho e o banido. Em Totem e tabu (o horror ao incesto), Freud afirma “todos
que descendem do mesmo totem são parentes sanguíneos, são uma família, e
nessa família os mais remotos graus de parentesco são vistos como obstáculo
absoluto à união sexual” (FREUD, S. Obras completas. V. 11 (1912-1919). Trad.
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 25. Com base
em versão voltada inteiramente para a leitura psicanalítica do mito, destaca-se
a obra de H. Haydt de S. Mello, intitulada: Édipo Rei: tragédia em quatro atos
baseada na versão mítica, Oidipous, publicada em 1988.
116
Alex Beigui
11
Para Roland Corbisier, em Hegel “a realidade é, pois, contraditória, ou dialética,
em si mesma e não apenas em nosso pensamento. A essência é o que, por hipó-
tese, permanece idêntico e invariável no curso das mudanças ou metamorfoses,
meras aparências perceptíveis pelos sentidos. Tal distinção cinde o ser em duas
faces, na realidade inseparáveis. A coisa nada é sem as suas propriedades, a
força sem suas manifestações. O interior não se distingue do exterior porque,
como diz Hegel, ‘a aparência é a própria essência… um momento da essência’”.
(CORBISIER,1981, p. 28).
117
CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
118
Alex Beigui
12
No original Kejserens nye Klæder (1837), sendo traduzido geralmente em
português por A roupa nova do rei.
119
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e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
120
Alex Beigui
13
VELOSO, Caetano. Sampa (1978).
14
Ou ainda como tão bem expressou, retomando um dos princípios trágicos,
Albert Camus em seu extraordinário A peste: “… a primeira metade da vida de
um homem era uma ascensão e a outra um declínio; que no declínio, os dias
do homem já não lhe pertenciam, que lhe podiam ser arrebatados a qualquer
momento, que ele nada poderia fazer deles, e que o melhor, justamente, era não
fazer nada” (CAMUS, 1978, p. 83-84).
121
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e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
Referências
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Alex Beigui
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CORRENTES E ESCRITAS MIGRATÓRIAS DE UM MITO: Édipo em Colono
e a mácula da cegueira individual e coletiva em tempos crise
ANEXO
124
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
Kathrin Rosenfield
1
SCHADEWALDT, Wolfgang. “Sophokles und das Leid” (1941/1948). In:
SCHADEWALDT, Wolfgang. Hellas und Hesperien. Zürich, 1960, p. 274.
125
Kathrin Rosenfield
2
As referências para esse problema da crítica são: LORAUX, Nicole.
“Introduction” et “La main d’Antigone”, In: Sophocle, Antigone, Paris, 1997,
p. VII – XIV. BAUDRILLARD, Jean. The Conspiracy of Art, (ed. Sylvère
Lotringer), New York, Semiotexte, 2007, p. 230. SCHADEWALDT, Wolfgang.
“Hölderlins Übersetzung des Sophokles”. In: Über Hölderlin, Aufsätze von
Th. v. Adorno, F. Beissner, etc., Frankfurt, Insel Verlag, 1970, p. 247 e p. 275.
BEISSNER, Friedrich. Hölderlins Übersetzungen aus dem Griechischen, Stuttgart,
1961. BINDER, Wolfgang. Hölderlin und Sophokles, Tübingen (Turm-Vorträge),
1992, p. 159 s. LACOUE-LABARTHE, P. Sophocle –Hölderlin. Antigone, Paris,
1978/1998, observation at v. 466 of Hölderlin’s translation. Para uma longa
versão sobre esse debate, cf. ROSENFIELD, K. “Hölderlins Antigone und
Sophokles Paradoxon”. Poetica, München, v. 3-4, 2001p. 465-502.
126
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
127
Kathrin Rosenfield
3
A noção de Hölderlin de ritmo é muito próxima da noção pré-socrática e
clássica, como Émile Benveniste analisa em seu ensaio The Notion of Rhythm:
“[rhythm] designates the form in the instant that it is assumed by what is
moving, mobile and f luid, the form of that which does not have organic
consistency; it fits the pattern of a fluid element, […] of a peculiar stat of
character or mood. It is the form as improvised, momentary, changeable”
(BENVENISTE, p. 1966, p. 285). Ele conclui que o ritmo significa “literally
‘the particular manner of flowing,’ […] dispositions” or “configurations”
without fixity or natural necessity and arising from an arrangement which
is always subject to change.” (idem). Aqui também devo agradecer a Pascal
Michon por seu inovador site Rhuthmos, que aborda dos mais diversos
ângulos a padronização significativa das funções do ritmo.
128
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
4
Ou, talvez eu devesse dizer melhor: essas desconfianças diferem do conflito
inconsciente analisado por Freud – elas corresponderiam ao que se chama
Realangst em linguagem freudiana; mas essa angústia evidentemente pode
acrescentar-se ao conflito envolvendo a incerteza da origem e das corretas
relações de parentesco que caracteriza as angústias edipianas.
129
Kathrin Rosenfield
Ele escreve:
130
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
131
Kathrin Rosenfield
5
Sófocles. Édipo Rei. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva, 2001.
Quando se trata dessa edição de Sófocles, traduzida por Trajano Vieira, faremos
uso, também, da sigla “TV/ER” para fazer referência a ela.
6
Ahl (2008, p. 81) observa que Édipo é receoso desde muito cedo no espetáculo,
mas Ahl não consegue reconhecer até que ponto a sua suspeita é lúcida e baseada
em fatos sutis. Ahl interpreta isso como uma ansiedade quase patológica que
retorna à noção do “medo mítico” do parricídio e incesto.
7
Knox (1971, p 56) também observa que Édipo é “half-envious recital of Laius
‘royal genealogy emphasizes Oedipus’ deep-seated feeling of inadequacy in the
matter of birth”, que também pode funcionar como um estímulo para legitimar
seu governo a partir de uma escrupulosa observação das leis (democráticas).
132
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
133
Kathrin Rosenfield
134
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
8
Kitto: “His death...”; Mazon: “Il est mort”. No entanto, a maioria dos tradutores
se deixam seduzir pela ideia do parricídio e traduzem o termo mais neutro e
ambíguo neste sentido. Cf., por exemplo, Albert Cook: Since he was slain,
the god now plainly bids us / To punish his murderers, whoever they may be.
Ou ainda Dudley Fitts and Robert Fitzgerald: He was murdered; and Apollo
commands us now / To take revenge upon whoever killed him.
135
Kathrin Rosenfield
9
Ephasein, dizer é um verbo derivado de phatis (rumor, fala, palavra oracular). O
verbo e o substantivo oscilam, no uso trágico de Sófocles, entre a verdade divina
e o vulgar boato espalhado por imprecisas formulações humanas. Veremos o
uso estratégico dessa ambiguidade já no próximo verso - HE 113. Creonte borra
todas as especificações da viagem de Laio (qual santuário, qual objetivo, tempo
da viagem, e de quem são as informações que ele revela agora; etc.).
136
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
10
A tradução “So hiess es...”acentua a vagueza, pois ela pode tanto significar que a
mais alta autoridade do palácio fez saber assim ou que assim disseram os rumores
imprecisos na cidade. O texto grego diz: ôs ephasken (Iunt. 114).
137
Kathrin Rosenfield
138
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
11
As duas últimas linhas dizem literalmente: “As canções cintilantes da Esfinge nos
obrigaram a não saber o que estava diante de nossos pés e deixar de lado o Invisível”.
139
Kathrin Rosenfield
140
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
12
Seu raciocínio implícito antecipa a lógica do paradoxo do mentiroso. Assim
como Hípias argumenta que uma mentira é superior porque pressupõe um
conhecimento preciso sobre a verdade e a falsidade, Tirésias se orgulha em
141
Kathrin Rosenfield
142
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
15
O estilo de Demétrio é deinos (formidável) no discurso: “asking questions of
one’s listeners without revealing one’s own position on the issue, driving them
to perplexity by what amounts to cross-examination” (AHL, 1991, p. 260).
143
Kathrin Rosenfield
144
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
16
Bollack (1990, 1) coloca ainda mais pressão sobre a evasiva falta de precisão na
resposta de Creonte: “Une éternité. Depuis un temps immemorial, si l’on se
mettait à compter”.
145
Kathrin Rosenfield
17
Para um homem, fazer o trabalho sujo de uma mulher era condenável aos olhos
do público ateniense, como testemunha o horror dos Anciães em Agamêmnon,
de Ésquilo, quando Egisto é covarde o suficiente para deixar que Clitemnestra
assassine o rei.
18
Também é possível, é claro, que de fato Creonte tenha tramado contra Laio.
Se esse fosse o caso, ele iria sentir culpa; se o oráculo de Delfo disse algo sobre a
morte de Laio, ele estaria relutante para denunciá-lo, e Édipo teria de arrancar a
verdade dele. Se Creonte não sabe quem matou Laio, é possível que ele ache que
seu plano tenha funcionado. Isso daria conta, também, de explicar o envio tão
repentino do pastor para longe, desde que Creonte (e, talvez, Jocasta) temesse
reconhecer o assassino designado.
146
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
É.: Pois não foi feita uma investigação da morte [de Laio]?
C.: Investigamos, sim. Como não? Mas não apuramos nada
(HÖLDERLIN, v. 575 s).
19
Cf. Segal, 2001, 84, aponta que a atitude de Creonte é cautelosa “and even a
little pedantic”.
20
E a contradição de sua segunda resposta em breve será contradita mais uma
vez pela versão de Jocasta do que acontecera depois da morte de Laio (ou seu
desaparecimento).
147
Kathrin Rosenfield
Éd: E por que o sábio profeta não falou nada nesse então?
C.: Não sei. Quando não entendo, calo (HÖLDERLIN, v. 575).
21
O texto grego diz, literalmente: “In this precisely you showed yourself a bad
friend, a treacherous relative (kakos phainê philos)”.
148
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
22
De acordo com Vian (1963, p. 189), o poder da rainha nessa peça é uma remi-
niscência da sucessão matrilinear comum nas sociedades arcaicas e nos mitos.
23
C.: Se é grave de antemão tomar o mau / por bom, do mesmo modo o inverso
é grave. / um amigo honesto é igual / a desprezar o bem maior: a vida (TV/
ER, v. 609-12).
149
Kathrin Rosenfield
As incoerências de Jocasta
150
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
Confie, pondere
Te peço ô rei!
[...]
Deves honrar [o próximo parente] com sagrada amizade
Não rejeitá-lo como culpado
Devido a falas incertas
Nem expulsá-lo sem honra (HÖLDERLIN, v. 661- 673).
151
Kathrin Rosenfield
24
Quando se tratar da tradução de Kitto (1962), faremos uso da sigla “Oe” (Oedipo
Rex).
25
Jebb 656 s.: “Thou shouldest never lay under an accusation (en aitia balein) so
as to dishonor him (atimon = cast dishonoring charge on him) with the help of
an unproved story (syn aphané logô) the friend who is liable to a curse (enagê)”.
Gould: “Never to cast into dishonored guilt, with an unproven assumption, a
kinsman who has bound himself by curse”.
152
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
26
Cf. Ahl, 1991 (supra, Introdução).
27
Como salientam os filólogos (Kammerbeek, vv. 713 e 714 Dawe), a moira
(porção, destino) anunciada não tem o sentido de uma predestinação, mas tem
a função de uma enigmática advertência. O homem que a recebe é livre de inter-
pretá-la como bem entende. E Hölderlin assinala com perspicácia a relevância
desse processo interpretativo sobretudo em Sófocles, que removeu os deuses a
uma grande distância.
153
Kathrin Rosenfield
28
Cf. a tradução de Ahl: There came to Laius once an oracle’s response, /I won’t say
from Phoebus himself, but from his staff, / That doom would visit him as death
at a child’s hand – / Whatever child were born to me and to himself. / Report
[or rumor!] says Laius was at some point killed: waylaid / By foreign robbers at
a place where three roads meet (AHL, 2008, vl. 707-716).
29
A ironia feroz deste verso é que significa também: Ele foi morto tal como
(o oráculo/boato) disse” – isto é: assassinado pelo filho transformado em
“estranho” pelo não-reconhecimento do pai e a expulsão da cidade.
154
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
30
Gould e Bollack estão bem próximos da tradução literal das palavras gregas:
“montanha selvagem”: “Et le fit jeter par d’autres mains dans une montagne perdue”.
31
Kamerbeek observa a diferença significativa entre o eufemístico “jugo” e a
crueldade da mutilação (cf. a descrição de Eurípides, Phoen., I 22 s.). Ele explica
a preferência natural da mãe por esconder a crueldade dos atos do marido
contra o seu bebê.
32
Éd.: Faria sexo com minha própria mãe, / gerando prole horrível de se ver; / seria
o algoz do meu progenitor (TV/ER, v. 791-3).
155
Kathrin Rosenfield
156
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
157
Kathrin Rosenfield
J.: Ainda que altere o seu relato prévio, / não provará, nem
mesmo assim o acerto / da profecia. Apolo asseverou /
que Laio morreria às mãos do filho. / Sabemos bem que
o pobre do garoto / já estava morto quando o pai morreu
(TV/ER, v. 851-56).
33
DAWE, R. D. Oedipus Rex. Cambridge University Press, 1982.
158
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
Éd.: Foi ela quem te deu a criança? // P.: Exatamente, rei. /Éd.:
Com que finalidade? // P.: Para dar cabo dele./ Éd.: A própria
mãe? Incrível! // P.: Temia um mau oráculo./ Éd.: Qual? //
P.: Seria o matador dos pais – diziam. / Éd.: Por que motive
então o deste ao velho? / P.: Me condoí. (...) (HÖLDERLIN,
v. 1173-82).
159
Kathrin Rosenfield
Referências
160
ÉDIPO REI NA VISÃO DE HÖLDERLIN
161
Kathrin Rosenfield
162
O MITO DE ÉDIPO*
Michel Bréal1
163
Michel Bréal
retornar a esses tempos remotos. Basta sair por alguns dias dos hábitos
da vida moderna. Uma estada nos campos, uma travessia no mar e
uma viagem a pé são suficientes para tornar presente o poder desse
senhor, alternadamente suave ou terrível, a quem às vezes esquecemos
em nossas cidades. Lembro-me de que, iniciando uma excursão para
as montanhas com um amigo, em uma manhã cinzenta que poderia
tanto anunciar a chuva e o frio quanto dar lugar ao dia mais lindo, foi
o sol, e o que ele prometia ou fazia temer, que primeiro tomou lugar em
nossas conversações. Em vão tocávamos em outros pontos: voltávamos
a esse assunto, que ultrapassava, em interesse, todos os outros. O que
não deveria ser o sol para um povo nômade sem meios assegurados de
subsistência, sem conhecimento das regiões que ele percorria, entregue
aos perigos que cada noite trazia consigo, desprotegido diante do
inverno e do calor do verão? A necessidade de adoração natural do
homem, assim como seu gosto pelo maravilhoso e a consciência de sua
fraqueza, levou-o a fazer, do ser incompreensível cuja natureza ele não
conhecia e cujo poder ele sentia a cada momento, um deus.
A história mais antiga que os homens se contaram foi então a
desse herói resplandecente em força e brilho desde as primeiras horas
de sua existência, generoso e grande durante sua vida, mas atingido,
ao fim de seu curso, por um golpe que ele não podia evitar. Antes de
pensar em olhar para si mesmos, nossos ancestrais já conheciam as
aventuras do soberano celeste. É apenas gradualmente que o homem se
interessa pela história de seus próprios destinos. A ordem genealógica
imaginada pelos mitólogos responde bem ao progresso do pensamento
humano: é Júpiter o começo de tudo; depois dele vêm os outros deuses,
que por sua vez dão nascimento aos heróis e aos reis da terra; os simples
mortais são os últimos a entrar na história, assim como formam na
fábula o último elo da cadeia das criaturas. As narrativas sobre as quais
falamos não têm, aliás, nenhuma pretensão astronômica: elas não nos
ensinam nem a medida do tempo nem o conhecimento dos eclipses.
164
O MITO DE ÉDIPO
2
O termo está truncado no texto. Na versão de 1877 lê-se: “le récit suivi et bien
enchaîné que nous possédons aujourd’hui” (“a narrativa fluida e bem concate-
nada que temos hoje”) (N. das T.).
165
Michel Bréal
especiais das quais ele se serve com justeza: esse tipo de vocabulário é
o produto de uma longa série de observações e constitui uma ciência
que é transmitida entre os agricultores e os pastores. O espírito de
observação dos gregos, servido por um idioma flexível, multiplicou os
cognomes dados aos fenômenos da natureza. O sol, por exemplo, (para
voltar ao nosso ponto de partida) não apareceu sob o mesmo aspecto
aos pastores da montanha ou aos agricultores da planície; o insular
deu-lhe nomes diferentes dos dados pelo morador da terra firme. Caso
se queira considerar que todas essas designações assumiram um caráter
sagrado, uma vez que se aplicavam a um ser divino, entender-se-á que
um mesmo personagem possa estar na mitologia grega sob um grande
número de nomes diferentes.
A esses nomes ligavam-se locuções proverbiais que resumiam de
forma pitoresca os vários episódios da vida do deus. Basta-nos escutar
o povo para ouvir, ainda nos dias de hoje, essas formas de falar, em que
um fato da natureza é apresentado sob uma forma viva e breve. Às vezes,
essas palavras são a súbita inspiração daquele que fala: na maioria das
vezes, são locuções consagradas, que se repetem desde tempos imemo-
riais. Quem não ouviu nossos camponeses dizerem que “a lua vermelha
queima os brotos”3? Certamente não há nada aí de mítico: é um jargão,
ao qual aquele que o emprega dá um sentido mais ou menos literal.
Mas, vamos supor que o nome da lua vermelha forme em francês, como
aconteceria em grego ou sânscrito, uma única palavra: admitamos que
esse termo tenha surgido do uso cotidiano. A frase que acabamos de
citar poderá se tornar, para um tempo que já não compreenderá o seu
sentido, a afirmação de um evento histórico. Por pouco que haja outras
proposições do mesmo gênero relativas ao mesmo assunto, o fato em
questão virá tomar seu lugar em uma narrativa mítica.
3
No original, lune rousse: lunação que se segue à Páscoa e à qual se atribuem geadas
danosas aos brotos (N. das T.).
166
O MITO DE ÉDIPO
4
Pyth., II, 39.
167
Michel Bréal
aquele que gira sobre uma roda5. Numa época em que a verdadeira
natureza de Íxion tinha deixado de ser compreendida, o povo, que
quer compreender as palavras cuja herança recebe, inventou para
ele esse tipo de suplício. Ele é o pai dos centauros. Adalbert Kuhn6
mostrou a identidade dos centauros e dos gandharvas, esses seres
fantásticos que assumem na mitologia indiana o mesmo papel que os
centauros têm para os gregos, e que representam as nuvens cavalgando
no céu. Íxion nos gregos é o centauro por excelência, já que ele é o
pai dessa família de monstros: ele corresponde ao gandharva védico.
Estamos então muito perto de adivinhar o que é essa roda em chamas
que seu nome nos evoca. Os Vedas frequentemente falam da roda
do sol e da luta que o deus supremo empreende para arrancá-la das
mãos do demônio que personifica a noite e a esterilidade7. Íxion gira
eternamente sua roda: essa não era então, no princípio, a enunciação
de um suplício, mas a expressão de um fato natural. Íxion ama Hera,
a deusa da atmosfera, é uma afirmação que não precisa ser explicada
se nos lembrarmos que Hera é a esposa de Zeus, de quem Íxion é
um desdobramento. Íxion se une à Nuvem é outra forma da mesma
ideia. Esses quatro fatos, que geram um tanto de provérbios, foram
coletados e combinados entre si por uma era que acreditou ter visto
neles os episódios de uma aventura meio esquecida.
5
Akshi, aksha, akshan, três palavras de origem idêntica que querem dizer olho,
eixo, roda, carro; o latino axis e o grego ἄξων são da mesma família. O a inicial
enfraqueceu-se em i, como em ἵππος – açva em sânscrito –, e como em ignis, no
latim – agni, em sânscrito. Essa mudança do α para ι é bastante frequente em
grego, antes de duas consoantes ou de uma letra dobrada (ver Curtius, Journal de
Kuhn, III, p. 412). O alongamento do segundo ι de Íxion parece ter como moti-
vação a supressão do υ ou digama (comp. Ebel, Ibidem, t.VI, p. 211). Encontramos
o mesmo alongamento nos nomes de Oríon, Pandíon, Aríon, Anfíon etc.
6
Gandharven und Centauren. Em seu periódico Philolologie comparée, t. 1, p. 513 ss.
7
A. Kuhn, Die Herabkunft des Feuers, p. 56.
168
O MITO DE ÉDIPO
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Michel Bréal
8
αὐτὸς ὧδ’ ἐλήλυθα,
ὁ πᾶσι κλεινὸς Οἰδίπους καλούμενος
170
O MITO DE ÉDIPO
9
Ver p. 95 [o autor está remetendo o leitor ao capítulo “Formation de la fable”,
N. das T.].
171
Michel Bréal
10
Um dos exemplos mais notáveis é a mistura do Tifão de Homero e de Hesíodo
com o Tifão egípcio. A confusão da esfinge tebana com a esfinge egípcia já se
encontra em Heródoto, que fala das ἀνδροσφίγγες egípcias. As esfinges egípcias
não têm mamas: eis porque Heródoto as chama de esfinges machas.
11
É mais do que sabido que Édipo era originalmente concebido como um herói
armado de espada ou clava. Sua vida apresenta ainda outra façanha sobrenatural,
que nos é atestada por uma antiga poeta Boécia, a célebre Corina: é a vitória sobre
a raposa de Têumesso. As circunstâncias da luta não chegaram até nós, sabemos
somente, por outras narrativas, que era impossível pegar essa raposa na corrida,
172
O MITO DE ÉDIPO
que ela devastava a Beócia e que a fizeram ser perseguida pelo cão de Céfalos,
o qual nunca perdia sua presa. Iniciou-se entre os dois animais uma corrida e
uma perseguição sem fim. Foi essa raposa maravilhosa que, segundo uma muito
antiga tradição, Édipo teria vencido. Podemos inferir dessa narrativa que várias
lendas se ligavam ao nome de Édipo.
12
Ver acima.
13
Oedipe roi, p. 1.199. Τὴν γαμψώνυχα παρθένον χρησμῳδόν. Comparar vv. 36,
130, 391.
173
Michel Bréal
14
Δάος é a transcrição regular do sânscrito dâsa; o σ devia cair entre as duas
vogais, como no genitivo γένε-ος para γένεσ-ος, gener-is em latim, ou como
em νυός para νυσός (em latim, nurus). Mas tal como ocorreu com ἠFώς, αὔFως
(em sânscrito ush-as, em latim aur-ora), o σ foi substituído por um digama, de
modo que se deve ler δάFος. Prisciano atesta a presença do digama na palavra
λαός, que, como veremos, não passa de uma variante de δàος; ele cita o nome
ΛαFοκόFων, in trípode vetustíssimo (I. 22, VI, 69, ed. Hertz). Encontramos
λαυαγήτα sobre uma inscrição (Corp. Inscr. I, 1466). Foi esse digama que os
escritores latinos conservaram quando tomaram de empréstimo o nome grego
e dele fizeram seu Davus.
15
Por exemplo, em Ὀλυσσεύς (para Ὀδυσσεύς), em λέσκος (para δίσκος), em λάφνη
(para δάφνη), e em λάσιος, “peludo”, ao lado de δασύς.
174
O MITO DE ÉDIPO
16
Il., IV, 90. Esse emprego é muito frequente em Homero. Comp., entre outros:
Il., II, 538, IX, 116, XIII, 710 etc.
17
Como nesses versos de Homero:
τοὶ δ’ ἅμ’ ἕποντο
ἠχῇ θεσπεσίῃ, ἐπὶ δ’ἴαχε λαὸς ὄπισθεν.
18
Os dois sentidos ainda se aproximam nesses versos de Ésquilo:
λέλυται γὰρ
λαὸς, ἐλεύθερα βάζειν,
ὡς ἐλύθη ζυγὸν ἀλκᾶς.
(Os persas, v. 592)
É a mesma palavra dâsa, porém mais bem conservada por se encontrar em uma
composição, que ficou na palavra δεσπότης. É notável que a palavra daqyu, que
é a forma zenda [avéstica] de dasyu, tenha passado por uma mudança de sentido
análoga: daqyu não quer dizer inimigo ou escravo, mas “província”.
19
Σημειωτέον δὲ ὅτι οὐχ ἀπλῶς τὸν ὄχλον σημαίνει, ἀλλὰ τὸν ὑποτεταγμένον.
Ἑκαταῖος γὰρ τὸν Ἡρακλέα τοῦ Εὐρυσθέως λεὼν λέγει, καίτοι ἕνα ὄντα (Hipônax,
nas Anecdota de Cramer, t. I, p. 265).
175
Michel Bréal
Assim como δάος virou λαός, δάϊος, por uma mudança idên-
tica, resultou em λάιος, que só se conservou como nome do inimigo
combatido por Édipo. Laio é o equivalente do dasyu védico, de quem
ele tomou o lugar em nossa lenda 20. A luta do deus conservou-se
então sob uma dupla forma na história de Édipo, uma vez que ele é
sucessivamente vencedor de Laio e da Esfinge. Mas desdobramentos
semelhantes não têm nada que deva nos espantar. Sempre que um
repertório de crenças populares é rearranjado por homens de um outro
tempo, ocorrem erros desse tipo, e dois nomes diferentes pertencentes
a um mesmo personagem fazem nascer duas narrativas distintas. A
vida de Héracles é uma série de combates, sempre os mesmos, em que o
lugar da cena e o nome do adversário são os únicos termos que variam;
nos contos bretões encontramos até dez ou doze vezes a narrativa,
quase idêntica, de uma mesma aventura que recomeça perpetuamente.
Um dos incidentes comuns da luta do deus védico contra o
demônio é a libertação de nuvens que são figuradas como moças:
enquanto são cativas, elas se chamam dâsapalnîs, as mulheres
do inimigo; libertas, elas viram devapatnîs, as mulheres do deus.
Compreende-se daí o que significava a linguagem popular quando
falava das mulheres de Laio que Édipo havia desposado. Sabemos,
efetivamente, pelo testemunho de Ferécides21, que, além de Jocasta,
Édipo se casou com várias outras mulheres. Quando o herói solar
foi tomado como personagem humano, procurou-se conciliar
20
Mostrava-se o túmulo de Laio em vários lugares, e esses lugares eram em sua
maioria devotados às divindades infernais (Apoll. III, 15, 7; cf. Schneidewin,
Die Sage vom Oedipus, p. 169, 175, 182).
21
Fragments des historiens grecs, ed. Car. e Théod. Müller, I, p. 85. Ferécides nomeia
duas dessas ninfas: Eurigânia e Astimedusa. Segundo alguns escritores, é uma
irmã de Jocasta. Acrescentemos que Epicasta “a brilhante” também é o nome
de uma esposa de Zeus, e Jocasta “a violeta” o de uma esposa de Apolo. O pai de
Eurigânia se chama Hiperfas.
176
O MITO DE ÉDIPO
22
Comp. o duplo sentido de coecus em latim. Pott, no Journal de Kuhn (t. II, p.
101), consagrou um trabalho especial a toda uma série de expressões do mesmo
tipo. É dessa forma que andha,“cego”, em sânscrito, é um nome das trevas.
23
Voy. C. Fr. Hermann, Quoestiones OEdipodeoe, Pars III. — Schneidewin,
Die Sage vom OEdipus, p. 192. — Preller, Griechische Mythologie, II,
177
Michel Bréal
24
Oedipe à Colone, v. 62. Cf. Otfr. Müller Gesch. der griech. Literatur, II, 136
25
Phoenissoe, 26 e 28.
26
Fab. 66.
178
O MITO DE ÉDIPO
27
Pisa, 1867.
28
Revue critique de 22 de janeiro de 1870.
179
Michel Bréal
narrativas nas quais tivessem sua razão de ser. Foi pelos mitos que eles
se tornaram familiares à imaginação popular o bastante para passar
ao estado de lugares comuns. Não explicaríamos por que as mesmas
fórmulas se encontram na Pérsia, na Germânia, na Grécia, se por trás
da fórmula não se encontrasse a crença naturalista. Os contos de fada
são o último resíduo da religião de um povo: parece-nos prematuro
situar esse resíduo nos tempos que precederam Homero e Hesíodo.
180
O MITO DE ÉDIPO
Referência
181
SOBRE OS AUTORES E TRADUTORES
Alex Beigui
Professor da Universidade Federal de Ouro
Preto. Professor vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem –
PPgEL (UFRN). Desenvolve pesquisa sobre:
Estética; Teoria e Crítica Teatral; Dramaturgia
e Cinema; Teatro de Androginia; Etnodrama;
Performances da Escrita; Performatividade em
Textos Teatrais Contemporâneos; Matrizes
Estéticas e Culturais da Cena Contemporânea. Escreve continuamente
para periódicos na área de Letras e Artes, entre eles: Aletria; Sala-Preta;
Repertório; Urdimento; entre outros. Artista-Pesquisador
182
espetáculo do Grupo Carmin, com direção de Henrique Fontes. Além
do trabalho como atriz, é escritora.
Fabiano Incerti
Professor do Programa de Pós-Graduação em
Filosofia e diretor do Instituto de Ciência e
Fé da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR). Desenvolve pesquisas em
torno da filosofia moderna e contemporânea,
diagnósticos críticos da contemporaneidade,
tragédia grega, mística e espiritualidade,
principalmente nos pensamentos de Michel
Foucault e Pierre Hadot.
183
Guilherme Gontijo Flores
Professor de Língua e Literatura Latina na
Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Poeta e tradutor, Guilherme Gontijo Flores
ganhou da Associação Paulista de Críticos de
Arte (APCA) o prêmio de melhor tradução
de 2017, pelo livro Fragmentos Completos,
da poeta grega Safo. Em 2014, Guilherme
ganhou o prêmio APCA e o Prêmio Jabuti
pela tradução de A Anatomia da Melancolia de Robert Burton, publi-
cado pela Editora UFPR. Em 2015, recebeu o prêmio pela Biblioteca
Nacional, pela tradução de Elegias de Sexto Propércio, publicado pela
Editora Autêntica. A tradução reúne num único volume os quatro
livros de poesia do autor clássico romano.
184
Maria Hozanete Alves de Lima
Professora, desde 2004, de Línguas e
Literaturas Latinas e Gregas e História das
Línguas Românicas na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem (PPgEL/UFRN) e ao
Programa de Pós-Graduação em Linguagem
e Ensino (PPGLE/UFCG). Doutora em
Linguística, pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e
Pós-doutora pela École Normale Superieure (Paris-França). Áreas de
interesse: História das Ideias Linguísticas; Estudos do Texto e dos
discursos; Estudos sobre escrita e processos de escrita no espaço escolar.
Pedro de Souza
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professor pesquisador do CNPq. Atua na área de Linguística, com
ênfase em Teoria e Análise Linguística e
Análise do Discurso, atuando principalmente
nos seguintes temas: discurso, enunciação,
subjetividade, seguindo a perspectiva de
Michel Foucault. Pedro de Souza desen-
volve pesquisas junto aos programas de
Pós-graduação em Literatura e Pós-gradução
em Linguística (UFSC). Escritor de várias
obras acadêmico-científicas.
185
Édipo é o principal personagem da tragédia grega Édipo Rei,
escrita por Sófocles (496-406 a.C.) por volta dos anos 427 a.C. O texto
de Sófocles conta a história de uma jovem criança destinada a matar o
pai e a se casar com a mãe. Após consultar o oráculo de Delfos e saber
do trágico destino, Édipo tenta afastar-se o mais longe possível dos
seus pais, ignorando que eles eram pais adotivos. A fuga de Édipo,
por conseguinte, o aproxima de seu destino quando, ao errar pelos
campos, entra em conflito com Laio, rei de Tebas. Nesse conflito,
Édipo mata Laio, seu pai verdadeiro e dirige-se para Tebas, uma cidade
que estava sendo devastada por uma esfinge. Após destruir a esfinge,
e por este feito, Édipo esposa a rainha Jocasta, sem saber que ela era
sua mãe biológica.
Esse resumo esconde mistérios e enigmas que tornaram a
tragédia Édipo Rei um marco da literatura ocidental. Ademais, Sófocles
inaugura uma forma peculiar de acessar as profundezas psicológicas
de suas personagens, trazendo à luz e às trevas suas contradições. Por
isso, tal obra recebeu atenção de grandes pensadores como Aristóteles,
Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Michel Foucault que testemu-
nharam a pluralidade discursiva de tal obra. É isso que veremos na
edição de Édipo Rei: tradução, transmissão, recepção. Esperamos que
cada leitor possa dialogar com o texto de Sófocles, oferecendo-lhe
outras possibilidades de leitura.
186