Você está na página 1de 524

Faculdade de Desporto

Universidade do Porto

Centro de Investigação,
Formação, Inovação e
Intervenção em Desporto
(CIFI2D)

Álvaro Rogério Fortunato Vaz

Periodização em futebol de alto rendimento

Especificidade, representatividade e coerência tática entre o jogo e o treino


para jogar, segundo a literatura e as perspetivas de treinadores

Porto, 2021
Faculdade de Desporto

Universidade do Porto

Centro de Investigação,
Formação, Inovação e
Intervenção em Desporto
(CIFI2D)

Álvaro Rogério Fortunato Vaz

Periodização em futebol de alto rendimento

Especificidade, representatividade e coerência tática entre o jogo e o treino


para jogar, segundo a literatura e as perspetivas de treinadores

Tese apresentada às provas de doutoramento em Ciências do Desporto, nos


termos do Decreto-Lei nº 74/2006 de 24 de março, sob a orientação dos
Doutores Júlio Garganta e José Guilherme.

Porto, 2021

III
Ficha de catalogação:

Fortunato, A. (2021). Periodização em futebol de alto rendimento.


Especificidade, representatividade e coerência tática entre o jogo e o treino
para jogar, segundo a literatura e as perspetivas de treinadores. Porto: A.
Fortunato. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.

Palavras-chave: FUTEBOL; TREINO; PERIODIZAÇÃO; TÁTICA; TOMADA


DE DECISÃO ECOSSISTÉMICA; NATURALISTA.

IV
Cântico Negro E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os
“Vem por aqui" — dizem-me alguns desertos...
com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros Ide! Tendes estradas,
De que seria bom que eu os ouvisse Tendes jardins, tendes canteiros,
Quando me dizem: "vem por aqui!" Tendes pátria, tendes tetos,
Eu olho-os com olhos lassos, E tendes regras, e tratados, e
(Há, nos olhos meus, ironias e filósofos, e sábios...
cansaços) Eu tenho a minha Loucura!
E cruzo os braços, Levanto-a, como um facho, a arder na
E nunca vou por ali... noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos
A minha glória é esta: nos lábios...
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém. Deus e o Diabo é que me guiam, mais
— Que eu vivo com o mesmo sem- ninguém!
vontade Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Com que rasguei o ventre à minha Mas eu, que nunca principio nem
mãe acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o
Não, não vou por aí! Só vou por onde Diabo.
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de Ah, que ninguém me dê piedosas
vós responde intenções,
Por que me repetis: "vem por aqui!"? Ninguém me peça definições!
Prefiro escorregar nos becos Ninguém me diga: "vem por aqui"!
lamacentos, A minha vida é um vendaval que se
Redemoinhar aos ventos, soltou,
Como farrapos, arrastar os pés É uma onda que se alevantou,
sangrentos, É um átomo a mais que se animou...
A ir por aí... Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Se vim ao mundo, foi Sei que não vou por aí!
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na
areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós


Que me dareis impulsos, ferramentas
e coragem
Para eu derrubar os meus
Poema de José Régio, pseudónimo de José
obstáculos?... Maria dos Reis Pereira. Publicado em 1926 no
Corre, nas vossas veias, sangue velho seu primeiro livro intitulado: Poemas de Deus e
dos avós, do Diabo.
VI
Dedicatória

Gostaria de dedicar este trabalho aos meus pais, por toda a generosidade
e apoio, o que tornou possível desenhar os meus próprios pés na areia
inexplorada, permitindo-me manter a minha loucura!

VII
VIII
Agradecimentos

A concretização deste trabalho deve-se, inevitavelmente, ao contributo


formal e informal de várias pessoas que, direta ou indiretamente acabam por
ter uma ação preponderante na realização, eficiente, desta obra. Portanto, se
eventualmente consegui ver mais longe, foi, também, porque caminhei ao
longo dos últimos anos aos ombros de enormes seres humanos, alguns dos
quais gostaria de destacar e agradecer:

Ao professor Júlio Garganta, orientador da investigação, por ter


acreditado em mim, por me ter encorajado, pela eficiência das suas
correções, pelo pragmatismo e pelo rigor, pelos conselhos e avisos. Por me
ter ensinado que o mundo, a vida e o futebol são fenómenos extremamente
complexos e que por isso mesmo se afigura pertinente que sejam
observados com humildade sob o ponto de vista, sistémico, transdisciplinar e
da partilha científica. Mas, sobretudo, por me ter sugerido caminhos sem
nunca me ter dito, “vem por aqui!”.

Ao professor José Guilherme, coorientador da investigação, por ser um


exemplo pela forma sempre presente e comprometida com que esteve
inserido na orientação deste documento. Pela partilha de conhecimentos e
pela amizade construída ao longo dos últimos dezassete anos. Se ao longo
da vida algumas pessoas com as quais nos cruzamos ficam
permanentemente como pilares da nossa existência, o professor/mister é
uma delas.

Ao professor António Natal, pela partilha de documentos pertinentes


para a realização da dissertação e por me ter concedido a oportunidade de
fazer parte da estrutura técnica do futebol de formação do Futebol Clube do
Porto, proporcionando-me assim mais aprendizagens fruto da sua vasta
experiência e conhecimentos. Este gesto, que me permitiu a entrada no
mundo onde a teoria se transforma e traduz em experiência prática, refletida,
nunca será esquecido.

Ao professor Jorge Olímpio Bento, por ser uma referência, pela amizade
e por todos ensinamentos durante a Unidade Curricular Formação de Mestre
e Doutores, que perdurarão para sempre na minha memória. Dos quais

IX
destaco o seguinte: ser doutor é também querer parecer e ser um fugitivo,
alguém que foge de crendices, suposições e adesões antigas, ocas,
avelhentadas e coçadas e procura ir na direção contrária a alguns juízos e
preconceitos ainda assaz comuns e em moda.

À professora Ana Paula Martins, pela amabilidade com que, sempre que
necessário, me ajudou a refletir e a questionar acerca de alguns aspetos
relacionados com a metodologia de investigação. Por ter alertado para os
perigos e por ter sugerido algumas soluções.

À minha madrinha, Teresa Fortunato, por se ter disponibilizado a


realizar as leituras finais deste documento, numa altura em que depois de
incontáveis leituras da dissertação, o meu cérebro já só lia a primeira e a
última silabas das palavras.

Ao Luís Martins, pela ajuda na utilização do NVivo12.

Ao professor João Ribeiro, pelos conselhos acerca da estrutura da


dissertação.

Aos elementos do júri, professores António Fonseca, Israel Teoldo, Vítor


Maçãs, Jorge Castelo, Daniel Barreira e Cláudia Dias, pelas sugestões para
aprimorar alguns conteúdos do trabalho e por me terem facultado
documentos que se revelaram importantes para a conclusão da dissertação.

Aos treinadores Bruno Lage, Nelson Veríssimo e Alexandre Silva, pela


simplicidade e abertura. Por me terem permitido conhecer o seu trabalho e
com isso, terem propiciado a minha primeira experiência e contacto com o
treino de uma equipa profissional de futebol da primeira divisão da Liga
Portuguesa de Futebol Profissional.

Aos treinadores Carlos Pinto e Pedro Machado, pela amizade e por me


terem transmitido os seus conhecimentos sem restrições de qualquer
natureza.

Ao treinador Carlos Carvalhal, por se ter disponibilizado a colaborar com


a nossa investigação com a abertura de quem não tem receios de partilhar o
conhecimento, ainda que nunca nos tivéssemos cruzado antes.

X
Ao treinador Francisco Neto, pela amabilidade com que colaborou neste
trabalho, expondo, através das diversas conversas, o trabalho que tem vindo
a desenvolver na Federação Portuguesa de Futebol no departamento de
Futebol Feminino, na sua qualidade de treinador principal da seleção A.

Ao professor Ilídio Vale, porque apesar de estar com limitações


significativas de tempo, fez todos os possíveis para colaborar com a presente
investigação. Jamais esquecerei o importante significado desse gesto.

Ao treinador José Peseiro, por, na entrevista que concedeu, ter


partilhado as suas reflexões acerca do jogo e do treino do futebol, ainda que
abdicando de uma parte do seu tempo de férias.

Ao treinador Paulo Bento, por se ter disponibilizado a participar no


estudo, mesmo em estado de emergência mundial, concedendo, sem
restrições, uma entrevista que demorou quase duas horas.

Ao treinador Pedro Caixinha, por ter colaborado com a presente


pesquisa, concedendo uma longa entrevista e facultando humildemente
documentos pessoais, os quais vieram enriquecer o nosso trabalho.

Ao treinador Vítor Oliveira, por ter participado nesta investigação com


uma demonstração de muita humildade, humanidade, disponibilidade e
amabilidade, típica dos grandes campeões, dentro e fora do relvado.

Ao treinador Vítor Pereira, pela colaboração neste estudo,


disponibilizando-se para conceder uma entrevista onde expôs abertamente
os seus pensamentos, as suas reflexões e convicções sobre o treino do
futebol, referenciando-os a vários contextos em que já exerceu a profissão.

À Patrícia Martins, porque transporta consigo a imagem da excelência


de um funcionário do Ensino Superior. Porque sempre que precisei, com
calma, com carinho e bondade, a Patrícia, com um sorriso contagiante,
resolveu os problemas com o Endnote, com as referências bibliográficas ou
com a pesquisa de livros na biblioteca.

Ao professor Vítor Frade e ao treinador Miguel Lopes, por me terem


proporcionado absorver na prática mais um pouco de conhecimento acerca
da Periodização Tática, durante o tempo na Dragon Force - Futebol Clube do

XI
Porto. Tal veio a revelar-se um excelente complemento ao conhecimento já
adquirido enquanto aluno do professor V. Frade, na faculdade.

Ao Sr. Fernando Gomes (“Bibota”), por ter permitido a minha entrada no


futebol de formação do Futebol Clube do Porto e por, com isso, me ter
proporcionado fazer parte de um “laboratório” real de questionamento e de
reflexão sobre o futebol.

Aos treinadores José Luís Oltra, Chema e José Sambadé, pela


sinceridade, humildade e abertura. Por me terem possibilitado conhecer o
seu trabalho e com isso permitir a minha primeira experiência e contacto com
um plantel profissional de Futebol em La Liga BBVA. Essa experiência foi
também ela importante, porque me ajudou a refinar as minhas reflexões.

Aos colegas do Departamento de Ciências do Desporto do Instituto


Politécnico de Bragança, em especial aos professores Vítor Lopes, José
Bragada, Celina Gonçalves e Pedro Magalhães, pelas conversas, pelo apoio,
sempre que dele necessitei, e por serem uma referência e inspiração.

A todos os “tropas”, pelas inúmeras vezes que me colocaram pressão


ao perguntar: “Álvaro Best, mas tu quando é que acabas essa... tese?”. Mas,
em especial, ao Luís Miguel Fernandes, à Maria de Barros Ferreira, ao João
Luís Costa, ao André Pires e ao Michel Vieira, pela demonstração de
amizade nas incontáveis estadias em Lisboa sempre que foi necessário para
a realização de algum trabalho no âmbito do programa doutoral.

Aos meus pais e à minha irmã, pelo exemplo e pelas manifestações de


apoio incondicional.

Por último, quero também agradecer aos professores, André Seabra,


António Ascensão, António Manuel Fonseca, Amândio Graça, Cláudia Dias,
Fernando Tavares, Isabel Mesquita, Luísa Estriga, Nuno Corte-Real, Paula
Batista, Paula Queiroz e Paula Silva, docentes da Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto, com quem tive o privilégio de aprender durante a
licenciatura, o mestrado e o doutoramento. O contributo destes professores
foi, de certa forma, indireto. Contudo, não existe um único minuto em que as
palavras outrora ouvidas nas salas de aula, no bar ou no jogo de “Futebol
Científico” não ajudem diariamente à emergência de padrões auto-

XII
organização dos meus pensamentos, ou à articulação das minhas ideias; e
de certo modo, também, à escrita de algumas das frases que figuram neste
trabalho.

A todos, muito obrigado!

XIII
XIV
Índice Geral

Dedicatória................................................................................................... VII

Agradecimentos ........................................................................................... IX

Índice de Figuras ........................................................................................XIX

Índice de Tabelas .......................................................................................XXI

Índice de Apêndices.................................................................................XXIII

Resumo ..................................................................................................... XXV

Abstract................................................................................................... XXVII

Índice de Abreviaturas ............................................................................ XXIX

PONTO PRÉVIO ..................................................................................... XXXIII

INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................. 1

PARTE TEÓRICA ......................................................................................... 13

Capítulo I – Enquadramento....................................................................... 15

1. Introdução............................................................................................. 17

2. O futebol enquanto jogo complexo de natureza caótica .................. 18

2.1. As equipas enquanto organismos complexos auto-organizados ...... 21


2.2. A auto-organização tática enquanto dimensão que sobredetermina e
enquadra os demais fatores do rendimento .................................................. 26
2.3. As táticas específicas fazem emergir estruturas topológicas ........... 29
2.4. A inteligência das decisões dos jogadores enquanto atributo
diferenciador de qualidade ............................................................................ 31
2.5. A necessidade de treinar para se adaptar ao contexto e evoluir como
jogador ........................................................................................................ 35
2.6. A influência da teoria do processamento da informação no treino ... 38

3. O treino perspetivado a partir da visão ecossistémica da tomada de


decisão ......................................................................................................... 43

3.1. A especificidade e a representatividade nas tarefas práticas ........... 53

XV
3.2. O contributo da intervenção pedagógica do treinador ...................... 60
3.3. A especificidade do esforço no contexto do jogo de futebol ............. 63
3.4. A periodização sistémica a partir da especificidade e da
representatividade ......................................................................................... 67

4. Principais conceções de periodização do treino aplicadas ao futebol


............................................................................................................... 75

4.1. O modelo clássico proposto por L. P. Matvéiev................................ 85


4.2. O Treino Estruturado criado por Paco Seirul-lo Vargas .................... 91
4.3. A Periodização Tática de Vítor Frade ............................................. 115

5. Em síntese .......................................................................................... 136

PARTE EMPÍRICA...................................................................................... 143

Capítulo II – Metodologia de investigação .............................................. 145

1. Introdução........................................................................................... 147

2. Pertinência do paradigma naturalista .............................................. 148

3. Desenho da investigação .................................................................. 165

3.1. Procedimentos de seleção dos participantes ................................. 165


3.2. Procedimentos de recolha de informação ...................................... 168
3.3. Procedimentos de análise da informação ....................................... 177

4. Critérios de ética ................................................................................ 185

5. Critérios de confiança ....................................................................... 185

5.1. Métodos para assegurar a fiabilidade............................................. 187


5.2. Métodos para assegurar a transferibilidade.................................... 189
5.3. Métodos para assegurar a confirmabilidade e a dependência ....... 190

6. Em síntese .......................................................................................... 191

Capítulo III – Perspetivas individuais, cruzamento e discussão ........... 193

1. Introdução........................................................................................... 195

2. Perspetivas individuais dos treinadores participantes .................. 195

2.1. Entrevista 1 – A perspetiva de Bruno Lage .................................... 196

XVI
2.2. Entrevista 2 – A perspetiva de Carlos Pinto ................................... 213
2.3. Entrevista 3 – A perspetiva de Carlos Carvalhal ............................ 227
2.4. Entrevista 4 – A perspetiva de Ilídio Vale ....................................... 245
2.5. Entrevista 5 – A perspetiva de Francisco Neto ............................... 258
2.6. Entrevista 6 – A perspetiva de José Peseiro .................................. 269
2.7. Entrevista 7 – A perspetiva de Paulo Bento ................................... 284
2.8. Entrevista 8 – A perspetiva de Pedro Caixinha .............................. 299
2.9. Entrevista 9 – A perspetiva de Vítor Pereira ................................... 316
2.10. Entrevista 10 – A perspetiva de Vítor Oliveira ................................ 332

3. Cruzamento e discussão das perspetivas dos participantes ........ 346

3.1. Convergência entre as perspetivas dos treinadores e o conceito de


equipas enquanto organismos complexos auto-organizados...................... 347
3.2. Convergência das perspetivas dos treinadores com o treino
concebido segundo a visão ecossistémica da tomada de decisão ............. 359

4. Em síntese .......................................................................................... 393

Capítulo IV – Considerações finais.......................................................... 397

1. Inferências retiradas a partir da presente investigação ................. 399

2. Contributos da investigação ............................................................. 405

3. Limitações da investigação............................................................... 405

4. Sugestões para futuras investigações............................................. 407

REFERÊNCIAS........................................................................................... 409

APÊNDICES .............................................................................................. XLIII

XVII
XVIII
Índice de Figuras

Figura 1 ...................................................................................................... 132

Figura 2 ...................................................................................................... 181

Figura 3 ...................................................................................................... 213

Figura 4 ...................................................................................................... 227

Figura 5 ...................................................................................................... 245

Figura 6 ...................................................................................................... 258

Figura 7 ...................................................................................................... 269

Figura 8 ...................................................................................................... 284

Figura 9 ...................................................................................................... 299

Figura 10 .................................................................................................... 315

Figura 11 .................................................................................................... 332

Figura 12 .................................................................................................... 346

XIX
XX
Índice de Tabelas

Tabela 1 ...................................................................................................... 126

Tabela 2 ...................................................................................................... 181

Tabela 3 ...................................................................................................... 183

Tabela 4 ...................................................................................................... 186

XXI
XXII
Índice de Apêndices

Apêndice 1 – Estrutura do Guião da Entrevista .........................................XLV

Apêndice 2 – Guião da Entrevista ............................................................... LIX

Apêndice 3 – Esclarecimento Inicial à Entrevista ...................................... LXIII

Apêndice 4 – Consentimento Informado ..................................................LXVII

Apêndice 5 – Declaração de Autorização .................................................LXXI

XXIII
XXIV
Resumo

O jogo de futebol apresenta uma natureza complexa e caótica. Neste cenário,


as equipas eficazes parecem ser as que através de dinâmicas táticas específicas
melhor conseguem resolver os problemas que emergem no decorrer das partidas,
deixando perceber uma elevada coerência entre as ideias para jogar e o jogo
praticado. Face às potencialidades do treino, tal eficácia tática parece depender da
forma como os jogadores desenvolvem tomadas de decisão específicas e
representativas antes e durante o período competitivo. Contudo, a investigação
científica neste domínio continua a ser escassa. Assim, a presente investigação tem
como propósito mapear as conceções de periodização do treino do futebol. Para
este efeito, recorreu-se à pesquisa de publicações de referência e, partindo de uma
abordagem naturalista com recurso a uma metodologia qualitativa, realizaram-se
entrevistas parcialmente estruturadas a dez treinadores de futebol de reconhecidos
méritos por se entender que as experiências daqueles que andam no terreno podem
contribuir para o enriquecimento do debate teórico e científico no domínio da
periodização. Com o auxílio do software NVivo12 e recorrendo à análise do
conteúdo, compilaram-se as perspetivas individuais de cada participante e
posteriormente cruzaram-se e discutiram-se. A partir da interpretação das
entrevistas verifica-se a existência de alguma convergência em relação ao modo
como a periodização do treino é realizada. Durante os períodos preparatório e
competitivo e durante as sessões de treino disponíveis para treinar entre partidas,
através de tarefas práticas que estabelecem pontos de contacto com a pedagogia
não-linear, os treinadores sequenciam de forma articulada, simultânea e
indissociável (i.e., em interação sistémica), a complexidade dos contextos de prática
subjacente à porção do modelo de jogo que é vivenciada, à dominância de um
sistema bioenergético, ao padrão de contração muscular e à relação entre o esforço
específico e o tempo de prática total a que os jogadores são expostos. Tudo isto de
modo a permitir que os jogadores treinem e recuperem com vista à aquisição de
performances elevadas. Com esta investigação, espera-se ter contribuído para o
debate científico em torno da periodização do treino do futebol, bem como para
perfilar e sintetizar um corpo de conhecimento relativos às particularidades e nexos
que a periodização do treino requer para induzir desempenhos de excelência no
âmbito do futebol.

Palavras-chave: FUTEBOL; TREINO; PERIODIZAÇÃO; TÁTICA; TOMADA


DE DECISÃO ECOSSISTÉMICA; NATURALISTA.

XXV
XXVI
Abstract

The football game has a complex and chaotic nature. In this scenario, the
effective teams seem to be the ones that through specific tactical dynamics are
better able to solve the problems that emerge during the matches, showing a high
coherence between the ideas to play and the game played. In view of the training
potential, such tactical effectiveness seems to depend on the way in which players
develop specific and representative decision-making before and during the
competitive period. However, scientific research in this field remains scarce. Thus,
the present investigation aims to map the conceptions of football training
periodization. For this purpose, we searched for reference publications and, starting
from a naturalistic approach using a qualitative methodology, partly structured
interviews were conducted with ten soccer coaches of recognized merit because it is
understood that the experiences of those who walk on the ground they can contribute
to the enrichment of the theoretical and scientific debate in the domain of
periodization. With the aid of the NVivo12 software and using content analysis, the
individual perspectives of each participant were compiled and later crossed and
discussed. From the interpretation of the interviews, there is some convergence in
relation to the way the training periodization is performed. During the preparatory and
competitive periods during the training sessions available to train between matches,
through practical tasks that establish points of contact with non-linear pedagogy, the
coaches sequence in an articulated, simultaneous and inseparable way (i.e., in
systemic interaction), the complexity of the practice contexts underlying the portion of
the game model that is experienced, the dominance of a bioenergetic system, the
pattern of muscle contraction and the relationship between the specific effort and the
total practice time to which the players are exposed. All of this in order to allow
players to train and recover with a view to acquiring high performances. With this
investigation, it is expected to have contributed to the scientific debate around the
periodization of soccer training, as well as to profile and synthesize a body of
knowledge related to the particularities and nexuses that training periodization
requires to induce excellent performances in the field of football.

Keywords: FOOTBALL; TRAINING; PERIODIZATION; TACTICS;


ECOSYSTEMIC DECISION MAKING; NATURALIST.

XXVII
XXVIII
Índice de Abreviaturas

AC – Análise de Conteúdo

AEAB – Associação de Estudantes Africanos de Bragança

AFA – Associação de Futebol de Aveiro

AFP – Associação de Futebol do Porto

AFS – Associação de Futebol de Setúbal

AHe – Alternância Horizontal em especificidade

APA – American Psychological Association

ATP – Adenosina Trifosfato

BL – Bruno Lage

BT – Bloque de Temporada

CC – Carlos Carvalhal

CDF – Clube Desportivo Feirense

CEJD – Centro de Estudo Jogos Desportivos

CIFI2D – Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em


Desporto

CNID – Associação de Jornalistas Desportivos

CP – Carlos Pinto

CP – Creatina Fosfato

EPOC – Excess Post exercice Oxigen Consumption

ETSLB18/19 – Equipa Técnica Sport Lisboa e Benfica 2018/19

FADEUP – Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

FCB – Futebol Clube Barcelona

FCDEFUP – Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da


Universidade do Porto

FCMA – Futebol Clube Mãe d´Água

XXIX
FCP – Futebol Clube do Porto

FIFA – Fédération Internationale de Football Association

FMH – Faculdade de Motricidade Humana

FN – Francisco Neto

FPF – Federação Portuguesa de Futebol

FTP – Fragmentos Táticos Preferenciais

GDB – Grupo Desportivo de Bragança

GDC – Grupo Desportivo de Chaves

HIIT – High Intensity Interval Training

IBM – International Business Machines

INEFC – Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha

IPB – Instituto Politécnico de Bragança

ISEF – Instituto Superior de Educação Física

IV – Ilídio Vale

JDC – Jogos Desportivos Coletivos

JO – Jogos Olímpicos

JP – José Peseiro

MC – Microciclo Competitivo

ME – Microciclo Estruturado

MIT – Massachusetts Institute of Technology

MM – Microciclo de Mantimento

MP – Microciclo Preparatório

MTD – Microciclo Transformação Dirigido

MTE – Microciclo Transformação Especial

OD – Organização Defensiva

OO – Organização Ofensiva

XXX
PB – Paulo Bento

PC – Pedro Caixinha

PC – Progressão Complexa

PP – Princípio das Propensões

PT – Periodização Tática

SCB – Sporting Clube de Braga

SGA – Síndrome Geral de Adaptação

SHD – Ser humano Desportista

SLB – Sport Lisboa e Benfica

SSP – Situações Simuladoras Preferenciais

TAD – Transição Ataque-Defesa

TC – Teoria da Complexidade

TC – Treino Coadjuvante

TCE – Treino Coadjuvante Estrutural

TCP – Treino Coadjuvante Preventivo

TCQE – Treino Coadjuvante de Qualidades Específicas

TCR – Treino Coadjuvante de Recuperação

TD – Tomada de Decisão

TDA – Transição Defesa-Ataque

TE – Treino Estruturado

TGfU – Teaching Game for Understanding

TGS – Teoria Geral dos Sistemas

TGT – Teoria Geral do Treino

TO – Treino Otimizador

TPI – Teoria do Processamento da Informação

TSD – Teoria dos Sistemas Dinâmicos

XXXI
UCL – UEFA Champions League

UEFA – Union European Football Association

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

VCCE – Volume de Carga Concentrada Específica

VCG – Volume de Carga Genérico

VO – Vítor Oliveira

VP – Vítor Pereira

VTT – Volume Tático-Técnico

XXXII
PONTO PRÉVIO
Das intenções que motivaram a presente investigação

Tal como aconteceu com muitas crianças, também em mim a atração


pelas atividades físicas e desportivas se manifestou desde cedo. Mais
precisamente por volta dos quatro anos, teve início uma relação íntima e
profunda entre mim e o desporto.

Vão longe os dias de brincadeira na rua, em Bragança, terra de onde


sou natural, e que como refere Bento (2008), nos obriga a transportar e a
carregar na identidade o fardo, que é simultaneamente privilégio, de ter
crescido em Trás-os-Montes, num reino do espanto, do fascínio e do
impossível, onde se aprende a admirar e a questionar o mundo.

Em contraponto, estão bem próximas, ainda, as lembranças dos


amigos, das brincadeiras conjuntas, em geral, e do jogo da bola em
particular, bem como das aprendizagens e das vivências que a “escola da
rua” me proporcionou, a autonomia, a independência e a liberdade que me
permitiu uma melhor compreensão do espaço rua/cidade (i.e., que me
consentiu ter uma relação com o contexto despido de receios ou medos), tão
caraterísticos das crianças de hoje.

Foi na rua que o corpo se moldou em torno de uma bola, fiel


companheira de todas as viagens, sonhos e descobertas. Com ela aprendi a
conhecer-me, a descobrir-me e a recriar-me. Conheci o meu corpo, a minha
alma, descobri como amo o futebol e como sou apaixonado pelo jogo. Nesta
“escola”, a alma construiu-se ganhadora, persistente e utópica e o corpo, que
sempre foi magro e esguio, enrijeceu, tornou-se mais ágil, mais rápido e
ladino, superando-se em busca da perfeição. Da rua passei para o campo,
para o clube organizado e fiz-me jogador federado. Foi o meu primeiro passo,
a minha grande conquista, o início da realização de um sonho que trazia
latente. Acreditava que um dia poderia jogar futebol no clube mais
representativo do Norte, o Futebol Clube do Porto (FCP).

Pratiquei futebol federado durante alguns anos. Passei por dois clubes
da minha terra: Futebol Clube da Mãe d’ Água (FCMA) e o Grupo Desportivo
de Bragança (GDB). Capitaneei as seleções jovens do Distrito de Bragança
no torneio Lopes da Silva e joguei, joguei, joguei. Por essa altura, entre os

XXXV
doze ou treze anos de idade ocorreu aquele que considero ser o primeiro
episódio e momento que estará na origem da investigação que agora
apresentamos.

Estava no “Campo do Trinta”, um terreno de areia e terra (“pelado”)


gelado, numa noite de inverno, sensivelmente por volta das vinte horas. Os
termómetros não ultrapassavam os cinco graus celsius. Eu e os restantes
colegas de equipa estávamos a correr à volta do campo, enquanto, ao
mesmo tempo, dentro das quatro linhas, algumas dezenas de crianças
divididas pelos diversos escalões praticavam diferentes exercícios, uns mais
próximos do ato de jogar futebol, outros nem tanto. Em determinado
momento, dou por mim focado num grupo de jogadores de um escalão
superior ao meu, que jogava em meio campo, com duas balizas, desfrutando
de um jogo em quase tudo igual ao jogo de futebol.

A minha corrida, que não tinha mais do que duas voltas acumuladas em
torno do campo, começava a incomodar-me. Eu queria estar dentro do
campo a jogar, não queria estar a correr do lado de fora; eu não gostava de
correr por correr. Nesse exato momento, despertado por este desconforto,
reparo que um número considerável dos jogadores que estava a jogar, corria
mais ou menos à mesma velocidade que eu, com e sem bola, o que me fez
refletir durante o tempo despendido em, pelo menos, mais duas voltas ao
campo. Então perguntava-me: mas qual será a diferença, em termos de
resistência física, de correr em função de uma bola, do espaço e dos colegas,
ou correr à volta do campo?

Diga-se que o treino da resistência física, assim como o tamanho


corporal eram nesta altura muito valorizados quanto aos pressupostos para
um elevado rendimento no futebol, partindo-se do princípio que os melhores
eram jogadores que “nunca” se cansavam, fortes, rápidos e corpulentos.

No mesmo momento, na tentativa de encontrar respostas rápidas,


continuei a correr, então já na cauda do pelotão, mas conduzindo uma bola
que, entretanto, surgiu no meu caminho. Naquela circunstância a ideia era
que o tempo passasse mais depressa e que a bola servisse de distração.
Mas, passados uns cinquenta metros, dei por mim, uma vez mais, a refletir

XXXVI
sobre se haveria diferenças entre correr com e sem bola. Assim, o esforço de
concentração era outro e o cansaço triplicou, o que me fez automaticamente
ficar baralhado. Entretanto, depois de uma dezena de voltas, o treinador
apitou, seguiram-se os alongamentos e por fim começamos a jogar um
qualquer jogo que hoje não consigo recordar. A minha cabeça, naquele dia,
já tinha escolhido o que guardar para sempre.

Fui para casa a pensar: qual seria a lógica de correr uns trinta minutos à
volta do campo, quando a intenção do jogo era correr para me entender com
os restantes colegas, dentro do campo? Fiquei com muitas dúvidas, mas
lembro-me bem que esse episódio ficou num estado latente. Nunca gostei de
reclamar sobre o que não sei e sobre o que desconheço. Continuei, como
sempre, a fazer o que me pediam, umas vezes mais feliz que outras.
Todavia, fui caminhando convicto que um dia iria dissipar as minhas dúvidas
e que aquela era altura para acumular experiência e reflexão, na certeza,
porém, de que haveria múltiplas formas de se poder treinar.

Passaram alguns anos e o sonho tornou-se realidade. Aos dezasseis


anos, fui jogar para o Futebol Clube do Porto (FCP). Não era nenhum
prodígio, mas tinha desenvolvido alguma habilidade e alguma técnica, talvez
em virtude de não gostar de correr sem bola, o que me fez aprimorar a minha
relação com ela1. Nos juvenis (sub17) do FCP deu-se o segundo episódio de
choque e reflexão. No final da década de noventa, em Bragança, corria a
ideia que era ainda mais sustentada cada vez que alguma equipa do futebol
de formação jogava com equipas do distrito do Porto, de Braga ou de
Guimarães, que nos grandes clubes as equipas de formação treinavam os

1
Hoje acredito que a realidade da minha infância e adolescência poderá ter tido um
contributo fundamental para o desenvolvimento dessa habilidade a que me refiro.
Normalmente em minha casa existiam bolas que duravam até rebentar. Tal facto propiciava,
pelo menos, duas coisas: a primeira era o apego ao objeto que passava a ser quase como
um elemento da família. O outro, era o contacto com as diferentes texturas que se iam
apoderando dele. Apesar de não haver dinheiro para todos os brinquedos que queria, tive a
sorte de viver numa casa em que no andar de cima viviam dois tios que na altura deveriam
ter idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos. A presença deles foi importante porque,
não raras vezes, apareciam lá pelas garagens, bolas de todas as maneiras e feitios: lembro-
me da bola oficial do “Itália 90” que fui rebentando nas paredes e no chão de cimento do
quintal e que me custou umas cinco lavagens aos carros dos meus tios. Lembro-me das
bolas de ténis, das de voleibol da Molten e de uma de basquetebol já muito gasta que tinha a
câmara de ar preta a aparecer e que provoca alterações nas trajetórias quando batia ou
rolava no chão. Foi uma infância feliz e penso que propiciadora de desenvolvimento de
habilidade com a bola.

XXXVII
jovens como se treinavam os seniores. Supostamente havia cargas físicas
violentas e, por isso, nesses clubes havia miúdos com grandes volumes de
massas musculares fruto de períodos preparatórios absurdamente
exagerados no que à exigência física diz respeito. Confesso que quando fui
para o FCP, ia meio desanimado, eu queria era jogar futebol, adorava imitar o
Domingos, o Kostadinov, o Rui Costa, o Semedo, o Paulo Sousa, o Deco ou
o Pedro Barbosa, sem esquecer o Paul Schools, o Fernando Redondo, o
Rivaldo, o Romário, o Ronaldo (“o fenómeno”) ou o Asprilla.

Todavia, a realidade com que me deparei era outra. Durante o meu


percurso no FCP, enquanto juvenil (sub17), encontrei como treinador
principal o professor José Guilherme e como adjuntos o mister André Villas-
Boas e o professor José Mário. Por essa altura, o treinador dos juniores era o
eterno capitão de Viena, João Pinto, e o adjunto era o professor Vítor Pereira
(um dos treinadores entrevistados neste estudo), sendo treinador dos
iniciados o também Campeão Europeu de 1987, Lima Pereira.

Felizmente, os treinos incorporavam uma natureza completamente


diferente. Tudo era feito com bola, em formas que privilegiavam o jogo e a
competição. Com base nos conhecimentos que, entretanto, fui adquirindo,
posso afirmar convictamente que a vertente tática predominava. Foi durante
esse ano competitivo, sensivelmente por volta do início da segunda metade
do campeonato, que dei por mim com uma vontade, cada vez maior, por
aprender uma forma de treinar futebol que fosse semelhante à deles. De
certa forma, as primeiras respostas à questão que tinha elaborado anos
antes, sobre a corrida e o físico começavam a surgir, contribuindo para o
adensar das minhas dúvidas e para a constatação que só ficaria satisfeito se
fosse estudar para aprender.

A decisão de ir para a universidade teve lugar em frente ao espelho, no


lar do FCP na rua de Costa Cabral, na cidade do Porto, quando para meu
espanto verifiquei que as minhas pernas que sempre foram muito magras
estavam muito mais musculadas, sem nunca ter pisado num ginásio ou
corrido exageradamente à volta do campo. Alguma coisa não batia certo e
havia todo um mundo por descobrir. E, se dúvidas tivesse sobre se faria
sentido aprender mais sobre aquela forma de treinar, elas ficaram

XXXVIII
completamente dissipadas quando em julho desse ano nos tornámos
campeões nacionais, contabilizando um ou dois empates e apenas uma
derrota. Tal desempenho fez-me acreditar, na altura, que haveria alguma
lógica em treinar segundo aqueles pressupostos.

Terminado o ensino secundário, ingressei no ensino superior. Embora


os meus interesses abrangessem toda a área do desporto, desde que
cheguei à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), tentei
sempre manter-me ligado ao futebol. Entretanto, tinha acumulado mais
alguma experiência, no Clube Desportivo Feirense (CDF) e nas seleções de
sub17 da Associação de Futebol do Porto (AFP) e da Associação de Futebol
de Aveiro (AFA).

Com o ingresso na faculdade, passei essencialmente a sonhar e a


conviver com o sentimento permanente de descoberta, sem limites ou
impossibilidades. Entendi que enquanto estudantes amamos investigar,
inovar, questionar e refletir com racionalidade, emoção, criatividade e que tal
como alguns pássaros, “possuímos asas” e a possibilidade de “voar”, não
obstante rejeitemos seguir a lógica do papagaio, que simplesmente imita
dentro de uma gaiola. Portanto, com a licenciatura e mestrado, para além dos
conhecimentos específicos, aprendi que frequentar o ensino superior deve
ser também sinónimo de aquisição de conhecimentos “artísticos” (i.e., é
importante ser artista). Artistas, neste contexto, são uma espécie de
escafandristas, que exploram o mais profundo dos mares e oceanos à
procura de um mundo e de uma realidade diferentes, com outras
possibilidades e oportunidades, por vezes perturbadas pela visão da
superfície. Não têm muros psicológicos e procuram a liberdade do
pensamento e da reflexão, rejeitando viver trancados numa prisão onde se
vivem as mesmas modas, costumes e sonhos, que sistematicamente nos
tentam indiretamente oprimir, legitimando a escravidão mental e uma espécie
de democraticídio2 intelectual.

É um facto que da ousadia, da reflexão, do questionamento, da


coragem e do querer, os portugueses fizeram arma para navegar em águas,

2
Significa, do meu ponto de vista, uma espécie de morte da democracia intelectual.

XXXIX
céus e desertos distantes – nos oceanos, na ciência, na literatura, no
desporto ou na arte – é a forma de o fazermos que nos carateriza, e ao
mesmo tempo, nos possibilita a fusão com a utopia e a imensidão, assim foi a
experiência de seis meses, tida no Brasil, ao abrigo do programa Sócrates.
Reconheço que o meu processo académico na FADEUP propiciou os
contributos mais importantes para a minha reflexão acerca do desporto, do
treino e do jogo de futebol e me permitiu sonhar mais alto.

Durante o percurso na faculdade, no âmbito do futebol, os professores


Júlio Garganta, Vítor Frade, José Guilherme e Jorge Pinto terão sido aqueles
que mais contribuíram para o desenvolvimento dos meus conhecimentos e
da capacidade de refletir com mais profundidade, em virtude de ter sido aluno
na disciplina de Metodologia de Futebol – Alto Rendimento I, II, III; do
Mestrado em Ensino da Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário e
estudante do Programa Doutoral em Ciências do Desporto. Importa referir
que este meu percurso foi uma das grandes motivações para a realização da
investigação, essencialmente desde que tive contacto com a temática da
periodização do treino e com a conceção denominada Periodização Tática de
modo mais aprofundado durante as aulas de licenciatura. Esta conceção,
mas também as informações que chegavam a Portugal sobre o Treino
Estruturado criado pelo professor Seirul-lo Vargas, porventura, terão
indiretamente dado o decisivo empurrão para realizar esta investigação sobre
a periodização do treino, de modo a aprofundar os meus conhecimentos
neste domínio.

A conceção de treino designada Periodização Tática, criada e


desenvolvida pelo professor Vítor Frade, funciona, hoje, quanto a mim, como
uma das faces visíveis de um movimento3 de renovação de ideias e de

3
No caso específico da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP),
com a criação do Centro de Estudos dos Jogos Desportivos (CEJD) e a publicação do livro
“O ensino dos jogos desportivos”, em 1994, colocou na linha da frente a reconceptualização
e a investigação do ensino dos jogos e influenciou as práticas nos clubes desportivos.
Também a publicação do livro “Pedagogia do Desporto”, editado por Go Tani, J. Bento e R.
Peterson, em 2006, veio reforçar e atualizar as propostas para o ensino do jogo,
complementada por uma outra mais recente intitulada “Pedagogia do Desporto” editado
pelos professores António Rosado e Isabel Mesquita em 2009. Já a última publicação –
“Jogos Desportivos Coletivos, Ensinar a Jogar”, editada por F. Tavares em 2013, vem não só
sustentar a ideia de que o estudo desta temática do desporto continua viva, como contribuir
para o aprofundamento do conhecimento sobre o processo de treino do jogo, reforçando e

XL
práticas de ensino e treino dos Jogos Desportivos Coletivos (JDC) que foi
ganhando corpo, fruto do contributo de alguns professores espalhados por
diferentes faculdades, no âmbito das didáticas e das metodologias
específicas de modalidades desportivas, como o basquetebol, o futebol, o
voleibol e o andebol.

Entendo que a complexidade da temática da periodização do treino do


futebol é grande, face à multiplicidade das dimensões do rendimento – a
tática, a técnica, a psicológica e a física – a ela associada e à quantidade de
produção científica produzida sobre estas problemáticas. Tal facto, motiva a
que se mergulhe com profundidade nas temáticas, com uma mentalidade
aberta, disponível para refletir e captar tudo que a ciência tem produzido de
modo a perceber-se melhor como os processos de periodização do treino do
futebol podem ser conduzidos.

Contudo, para além da trajetória enquanto jogador e enquanto


estudante do ensino superior, contribuiu, também, o interesse enquanto
professor, pela multidimensionalidade do funcionamento humano em
contexto de treino de um jogo tão complexo, e a curiosidade científica por um
tema tão aliciante. Daqui decorre um interesse pelo treino do jogo com o
objetivo de os jogadores alcançarem desempenhos excecionais em contextos
de realização, através de conceções de treino inovadoras. E também, o
crescente interesse pelo estudo da periodização, planeamento e
programação do treino.

Este interesse resulta ainda de várias áreas de atividade profissional e


pessoal, que começou enquanto praticante e que se tem vindo a consolidar
durante a lecionação no âmbito dos jogos desportivos coletivos em contextos
diversificados, não apenas na vertente do treino desportivo, durante os anos
em que estive como treinador no Dragon Force – FCP, na Associação de
Estudantes Africanos (AEAB) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) e no
Grupo Desportivo de Bragança (GDB), e agora com treinador do futebol de
formação do Futebol Clube do Porto (FCP), como a nível académico e
educativo.

renovando ideias pela apresentação de diferentes modelos de ensino e treino que se


entrelaçam numa estratégia de complementaridade e compromisso.

XLI
Isto porque continuo a ser professor e investigador no Instituto
Politécnico de Bragança, e porque sigo adotando uma atitude cívica ao
serviço do desporto, que em parte pode ser ilustrada pela participação na
construção de um campo de futevólei em Bragança, ao abrigo do Orçamento
Participativo de 2017.

XLII
INTRODUÇÃO GERAL
Introdução geral

Uma das caraterísticas inerentes ao desempenho humano de alto


rendimento, quer seja no âmbito do futebol, de uma corrida de fórmula 1, de
um concerto de jazz ou de outra situação performativa, é a sua forte
dependência da preparação e do treino realizados nas frações de tempo
disponível entre os momentos de exibição (Syed, 2010; Vineisa et al., 2020;
Vrijheid, 2014). É esse processo que, juntamente com a competição, induz a
evolução dos indivíduos até ao mais elevado desenvolvimento das suas
faculdades, e permite a obtenção de resultados eficazes (Bangsbo, 2002;
Barbanti, 1997; Bompa, 2001; Castelo, 2019; Garganta, 1993; Marques,
1993; Seirul-lo, 2017c).

No caso particular dos jogos desportivos, sabe-se que a gestão dessas


frações de tempo comporta uma elevada complexidade, em parte devido à
necessidade de o processo de periodização4 do treino, partindo de uma visão
sistémica, englobar a planificação das diferentes operações inerentes ao
desenvolvimento de uma equipa e a programação dos conteúdos temáticos
do jogo (Castelo, 2019; Glazier, 2015; Seirul-lo, 2017c; Teoldo et al., 2015).

No âmbito do futebol, parece ser pertinente que durante aquelas frações


de tempo se exercitem as competências nucleares que se pretende ver
expressas nas competições e que, entre outros constrangimentos, a fadiga
acumulada durante as competições, bem como nas sessões de preparação e
treino, não afetem negativamente o desempenho desportivo (Castelo, 1994,
1996, 2002, 2019; Castelo & Matos, 2013; Frade, 2011, 2013b; Garganta,
1991, 1993, 2004; Santos et al., 2011; Seirul-lo, 2017c).

No que respeita à evolução de equipas e de jogadores de futebol, tendo


em conta o número de jogos e a sua concentração no tempo, a criteriosa
gestão dessas frações durante o período de competição, mas também o que
é feito durante o período preparatório (i.e., período antes do início do primeiro
jogo oficial), parece contribuir significativamente para a melhoria do
desempenho da equipa e dos jogadores nos momentos de competição
4
Justificar-se-á no ponto 3.4. da presente dissertação, o porquê de a periodização do
treino do futebol ser um instrumento pedagógico que está em permanente interação
sistémica com os conceitos de planificação e programação.

3
(Afonso & Pinheiro, 2011; Castelo, 1994, 1996, 2002, 2019; Castelo & Matos,
2013; Frade, 2011, 2013b; Garganta, 1991, 1993, 2004; Santos et al., 2011;
Seirul-lo, 2017c).

Deste modo, dos treinadores requer-se que selecionem um conjunto de


procedimentos pedagogicamente estruturados que confiram sentido aos
processos de periodização do treino (Bangsbo, 2002; Barbanti, 1997; Bompa,
2001; Castelo, 2019; Garganta, 1993; Marques, 1993; Seirul-lo, 2017c).

Tradicionalmente, o pensamento acerca da periodização do treino


desportivo foi predominantemente influenciado pelo paradigma mecanicista5
de Newton (Castelo, 1994, 1996; Connolly & White, 2017). Os saberes
apoiados na mecânica de Newton e os conhecimentos provenientes de
múltiplas disciplinas científicas, tiveram um impacto importante, primeiro nas
modalidades individuais como o atletismo e a natação, e posteriormente nos
jogos desportivos coletivos, através da transposição direta de meios e
métodos, sem ter em consideração a especificidade estrutural e funcional
deste grupo de desportos (Garganta, 1993). A consequência mais evidente
para a periodização do treino do futebol tem sido a obsessão pela divisão dos
fatores de rendimento, com especial enfoque nos aspetos físico-condicionais6
(Castelo, 1996; Garganta, 1991, 1993).

Uma das conceções de periodização do treino criadas para o


desenvolvimento das capacidades condicionais dos desportos individuais e
adaptada aos desportos coletivos, foi desenvolvida pelo soviético Lev P.
Matvéiev. Desde da década de sessenta até finais da década de noventa, e
um pouco por todo o mundo, esta foi o conceção mais utilizada (Raposo,
2002, 2017). Uma das suas premissas fundamentais prende-se com o
desenvolvimento do desempenho físico e com a ideia que a soma de os

5
O homem que realizou o sonho cartesiano e completou a Revolução Científica foi
Isaac Newton (Capra & Luisi, 2014).
6
De acordo Guilherme (2004), no âmbito da periodização do treino do futebol a
eleição do fator físico terá sido propiciada pela falsa perceção de que a dinâmica de jogo
exteriorizada pela equipa em termos coletivos e pelos jogadores em termos individuais, era o
fator do rendimento mais determinante para o êxito dos desempenhos. Mas, também porque
a maioria dos estudos associados à periodização do treino foram sendo produzidos por
fisiologistas, sugerindo que o sucesso desportivo estaria intrinsecamente ligado ao
potenciamento das capacidades físicas (Castelo, 1994; Guilherme, 2004; Santos et al.,
2011).

4
desempenhos individuais leva a um apuro qualitativo do coletivo (Castelo,
1996).

A utilização desta conceção promoveu uma crescente diferenciação de


tipos de trabalho e ajudou a produzir especialistas responsáveis pelo treino
dos vários fatores do rendimento, especialmente na área do desenvolvimento
físico (Castelo, 1996). Aliás, se por um lado a crescente especialização
produziu, na altura, efeitos positivos para o desenvolvimento dos jogos
desportivos, por outro lado, pode ter sido nefasta, na medida em que ajudou
a romper as interações que as diferentes dimensões do jogo
permanentemente evidenciam. Assim, ao dividir-se cada vez mais o jogo e o
treino, corre-se o risco de transfigurar a sua essência (Castelo, 1996;
Garganta, 1993).

De facto, o treino destas modalidades tem frequentemente consistido


em fazer com que os jogadores exercitem ações técnicas e desenvolvam a
dita condição física, empregando-se muito tempo no desenvolvimento dos
aspetos fisiológicos e o aperfeiçoamento da técnica e muito pouco no treino
do jogo propriamente dito (Castelo, 1996; Garganta, 1993). Nesta perspetiva
treina-se o modo de fazer (i.e., a técnica) e procura-se mobilizar a
capacidade física que, presumivelmente, confere mais eficácia à ação
(Garganta, 1994, 2000; Garganta et al., 2013; Garganta & Pinto, 1998).

Contudo, esta forma de perspetivar o treino afigura-se questionável,


porquanto não respeita as caraterísticas específicas e representativas do
jogo e do desempenho dos jogadores de futebol (Araújo & Davids, 2016;
Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2007; Araújo &
Volossovitch, 2005; Davids et al., 2006; Davids et al., 2003; Júlio & Araújo,
2005; Laguna, 2005; Passos et al., 2008; Silva et al., 2013; Travassos,
Araújo, Davids, et al., 2012; Travassos, Duarte, et al., 2012; Vilar et al.,
2012).

Efetivamente, o futebol é um jogo de problemas que decorrem do


confronto entre duas equipas, que configuram cenários com caraterísticas

5
caóticas 7 , em resultado da multiplicidade, diversidade, aleatoriedade e
imprevisibilidade de comportamentos interativos de colaboração e oposição
(Castelo, 1994; Connolly & White, 2017; Garganta, 1997, 2005; Garganta &
Cunha e Silva, 2000; Garganta & Pinto, 1998; Santos, 2006; Teodorescu,
2003).

Deste modo, segundo Guilherme (2004), dado que o futebol é um jogo


de problemas, a qualidade de desempenho das equipas e dos jogadores
decorre da capacidade de resposta eficiente e eficaz na resolução das
questões que permanentemente vão surgindo. Para tal, as equipas procuram
selecionar princípios táticos 8 que no seu conjunto e nas suas relações
formam um modelo de jogo que funciona como um tipo de comunicação entre
os jogadores da mesma equipa, ajudando a reduzir a incerteza nas diferentes
situações de jogo, contribuindo consequentemente para que os jogadores
organizem as suas decisões e interações dando sentido tático ao ato de jogar
(Cano, 2010; Carvalhal, 2014; Ciaschini, 2013; Garganta, 1997; Tavares et
al., 2006).

Neste sentido, é de esperar que as equipas mais bem-sucedidas sejam


as que demonstram coerência entre o jogo praticado e os princípios táticos
do modelo de jogo, que interligam os diferentes jogadores em campo e que
contribuem para que as equipas se assemelhem a organizações sociais
(Castelo, 1994; Gomes, 2004; Pinto & Garganta, 1989).

Portanto, nos jogos desportivos coletivos o problema fundamental que


se coloca ao jogador é, primeiramente, tático e os outros fatores do
rendimento são mobilizados e coordenados de modo global, para fazer face a
cascatas de problemas não previstos a priori na sua ordem de ocorrência,

7
Admite-se que apesar da irregularidade do comportamento a curto prazo, um sistema
caótico apresenta regularidade no padrão global de comportamento. O caos esconde ordens
bem determinadas, perceptíveis através dos “diagramas de bifurcação” e das “árvores” que
ordenam o caos (Cunha e Silva, 1999; Sousa Ramos, 2009; Stewart, 1991).
8
Partindo de uma visão da realidade umbilicalmente ligada ao Pensamento Sistémico
(Capra, 1988, 1996; Capra & Luisi, 2014), os “Princípios Táticos” ou “Princípios do Modelo de
Jogo” são um conceito complexo que resulta da interação sistémica da multiplicidade de
variáveis que o compõem, tais como a representatividade do jogo de futebol, o plano de jogo
que o treinador cria para cada nova partida, a especificidade identitária da equipa, a
interação dos fatores de rendimento (tática, técnica, física e psicológica), a estratégia
(adaptações circunstanciais em função das caraterísticas dos adversários) que dão sentido
tático à interação dos jogadores em campo (Connolly & White, 2017; Frade, 2013a, 2013b;
Teoldo et al., 2015).

6
frequência e complexidade (Garganta, 1997, 2000, 2002, 2005, 2008;
Garganta & Cunha e Silva, 2000; Garganta & Gréhaigne, 1999; Gréhaigne,
1992). Deste modo, a dimensão psicológica, a técnica ou os atributos físicos
são mobilizados em coordenação com outros recursos, num contexto em que
o jogador, fazendo face a situações de oposição, procura também coordenar
as ações com os demais colegas de equipa (Garganta, 2002; Gréhaigne,
1992).

Segundo esta perspetiva, a noção de interação e de relação de forças


entre os elementos constituintes do coletivo, adquire uma relevância crucial
em todo o processo (Garganta et al., 2013). A equipa passa assim a ser
entendida como um organismo ecossistémico complexo cujo valor global não
pode ser traduzido pelo somatório dos valores individuais, mas por uma
metadimensão que emerge da interação que ocorre ao nível da dinâmica
estabelecida entre os seus elementos constituintes (Araújo & Davids, 2016;
Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2015; Balagué et al.,
2013; Davids & Araújo, 2010; Teodorescu, 2003). Assim, a importância dos
fatores do rendimento repousa na sua utilidade para servir a inteligência e a
capacidade de decisão tática dos jogadores e das equipas (Garganta, 2002;
González Víllora et al., 2015).

Neste sentido, um bom jogador é, sobretudo, um indivíduo, que através


de ajustadas competências de perceção e decisão, é capaz de eleger as
habilidades mais adequadas para jogar, fazendo-o de acordo com os
problemas que o jogo coloca e tendo como referência a identidade específica
da equipa (Garganta, 2002, 2005, 2009). Nestes cenários, torna-se crucial
que o jogador perceba, e sobretudo reconheça, os sinais do envolvimento,
para agir de feição. Trata-se das denominadas oportunidades de ação, ou
affordances, termo cunhado por Gibson (1979). Neste âmbito, por vezes o
jogador necessita de se mover, com o intuito de procurar, reconhecer e gerar
informação (Travassos, Araújo, Davids, et al., 2012; Travassos, Duarte, et al.,
2012; Vilar et al., 2012). Tal deixa perceber que se afigura mais importante
saber gerir padrões de funcionamento, ou princípios de ação, do que
mobilizar habilidades estereotipadas ou comportamentos táticos rígidos e
predeterminados (Garganta, 2002, 2005).

7
Portanto, faz sentido que a periodização do treino nas frações de tempo
disponível no intervalo entre jogos, promovam oportunidades de ação e
enfatizem a necessidade de os jogadores explorarem o ambiente de
desempenho tático, tal como fazem na competição (Araújo et al., 2009;
Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005; Davids et al., 2004; Garganta, 1997).

Deste modo, torna-se plausível que o treino fomente a oportunidade de


os jogadores afinarem as competências percetivas que lhes permitem jogar
de determinado modo e resolver os frequentes problemas que o jogo vai
colocando. Neste âmbito, importa que se atenda, sobretudo, à respetiva
adaptação inteligente às situações de jogo (Ruiz-Pérez et al., 2015). Para tal,
afigura-se conveniente que os diferentes fatores do rendimento sejam
contemplados tal como se manifestam durante a competição, ou seja, em
interligação específica, com vista a promover uma maior eficácia na
resolução dos problemas. Trata-se, então, de ecologizar as capacidades
inerentes aos diferentes fatores que concorrem para o rendimento do
jogador, de modo a propiciar a sua conformidade às condições mutáveis do
jogo (Garganta et al., 2013).

Face ao exposto, sem hipotecar a possibilidade de recuperarem de um


desgaste intenso, parece ser apropriado perspetivar a periodização do treino
a partir da abordagem ecossistémica da tomada de decisão e do
comportamento que leva em conta a informação extraída do jogo, sobretudo
no que se reporta ao tipo de exigências e à atividade exibida pelos jogadores
para lhe dar resposta, e que se serve de acordo com Corrêa e colaboradores
(2012), Silva e colaboradores (2013) e Travassos e colaboradores (2012), da
manipulação dos constrangimentos da coordenação motora, entre os quais
(1) os específicos do jogador; (2) os relativos à tarefa; (3) os do envolvimento;
e (4) os do coletivo, para possibilitar que os jogadores dediquem tempo em
especificidade e representatividade.

Na literatura teórica (e.g., Mallo, 2015; Reis, 2018 e Seirul-lo, 2017)


podem ser encontradas algumas conceções de periodização do treino, entre
as quais o Treino Estruturado e a Periodização Tática. Tais conceções
ressurgiram no início do novo milénio alicerçadas em paradigmas científicos
associados ao pensamento sistémico e às teorias da complexidade, e

8
parecem estabelecer pontos de contacto com a abordagem pedagógica não-
linear e, por sua vez, com a perspetiva ecossistémica do comportamento que
se baseia na manipulação dos constrangimentos que parecem dar resposta
às necessidades e especificidades do futebol.

Alguns treinadores que consideram estas abordagens alternativas à


periodização de treino tradicional, têm dado o seu cunho pessoal a estas
conceções e feito mais ou menos adaptações que lhes tem permitido atingir o
sucesso desportivo. Destacando-se entre os mais bem sucedidos no âmbito
da Periodização Tática, André Villas-Boas, Carlos Carvalhal, José Mourinho
ou Vítor Pereira (Afonso et al., 2020), e Pep Guardiola e Tito Villanova no
domínio do Treino Estruturado (Mallo, 2015).

Não obstante, constata-se que a Periodização Tática não foi ainda


objeto de escrutínio científico, como reportam Afonso e colaboradores (2020).
O mesmo sucede em relação ao denominado Treino Estruturado. Tal vai de
encontro à realidade com que Afonso e colaboradores (2017) se depararam
no que respeita ao estudo científico no domínio da periodização do treino.
Estes autores constataram que a temática em apreço é um domínio pouco
explorado no contexto da produção e transmissão do conhecimento científico.
Tal não significa, no entanto, que o conhecimento que decorre destas
perspetivas não se mostre útil e ajustado, no domínio das conceções e
práticas de treino e competição.

No presente estudo considerou-se pertinente realizar uma investigação,


com o propósito de mapear as conceções de periodização do treino do
futebol, de modo a reunir e/ou reforçar um corpo de conhecimentos que
tenha em conta as particularidades e nexos que o processo de periodização
do treino requer para induzir o apuro dos jogadores e das equipas de futebol.

Em função deste propósito, definiram-se os seguintes objetivos: a)


sistematizar conceções, conceitos e abordagens pedagógicas
contemporâneas, presentes na literatura; b) perceber, no contexto das
caraterísticas do futebol atual, qual o posicionamento dos treinadores quanto
à natureza e à congruência das decisões dos jogadores, tendo em conta
princípios de interação coletiva que, no seu conjunto e nas suas relações,

9
dão corpo a um modelo de jogo específico; c) perceber que importância os
treinadores conferem ao modelo de jogo e ao fator tático-estratégico,
enquanto dimensões estruturantes do treino; d) identificar os principais
critérios que os treinadores têm em conta na elaboração dos contextos
práticos de treino; e) reconhecer as principais caraterísticas dos processos de
periodização colocados em prática pelos treinadores; f) cotejar as perspetivas
dos treinadores, quanto às suas práticas de periodização, com conceções e
argumentos expressos na literatura da especialidade.

Para lograr tais objetivos, a opção metodológica recaiu sobre o


paradigma naturalista, tendo-se recorrido a métodos qualitativos e à
entrevista semidiretiva e semiestruturada, a treinadores de reconhecidos
méritos, como instrumento de recolha de informação. Tal justifica-se, uma
vez que este tipo de ferramenta se afigura o mais ajustado para aprofundar
conhecimentos em domínios pouco pesquisados, conforme preconizam
Ghglione e Matalon (2005), Quivy e Campenhoudt (1992), Rabionet (2009) e
Ruquoy (1997).

Para além da Introdução geral apresentada, o presente trabalho está


dividido em duas partes. Na primeira parte, que se designa de parte teórica,
encontra-se o capítulo I. Neste capítulo, faz-se um enquadramento reflexivo
acerca das necessidades que o jogo e o treino manifestam e uma revisão das
conceções de treino que têm vindo a ser utilizados no futebol. Na segunda
parte, denominada de parte empírica, encontram-se o capítulo II, que tem
como objetivos caraterizar e justificar a escolha do paradigma naturalista,
bem como apresentar o desenho da investigação. De seguida, no capítulo
III, dá-se conta das perspetivas individuais dos treinadores, as quais são
posteriormente cruzadas e discutidas. Assim, num primeiro momento reporta-
se as perspetivas de cada participante sob a forma de trechos individuais.
Num segundo momento cruzam-se e discutem-se estas perspetivas, de
modo a construir um todo que é depois interpretado e discutido com base na
literatura. Por fim, no capítulo IV, são apresentadas as principais inferências
retiradas da investigação.

Com a presente dissertação espera-se contribuir para a sistematização


de um corpo de conhecimentos, no âmbito do processo de periodização do

10
treino do futebol, cujas particularidades e nexos possam induzir o
desenvolvimento de desempenhos de excelência. Admite-se que o cotejo
entre a literatura da especialidade e as perspetivas dos treinadores
entrevistados, possa subsidiar a reflexão sobre o processo e o apuro de
práticas de treino do futebol, nomeadamente em contextos de alto
rendimento.

11
12
PARTE TEÓRICA



Capítulo I – Enquadramento



1. Introdução

No primeiro capítulo procede-se a um enquadramento teórico de


natureza reflexiva, tendo por base a literatura da especialidade, de modo a
configurar um racional acerca dos constrangimentos inerentes ao jogo de
futebol que, para além de condicionarem a periodização do treino, também
por ela são condicionados.

No ponto dois faz-se uma caraterização do jogo e das equipas de


futebol. Para uma melhor compreensão deste epifenómeno, serviram de
inspiração alguns autores, tais como Bauer (1999), Capra e Luisi (2014) e
Cunha e Silva (1999), que propiciaram incursões pelo pensamento sistémico9
e pelas teorias da complexidade.

No ponto três, tecem-se considerações a propósito da eficácia dos


contextos de práticas de treino, no que respeita ao desenvolvimento e ao
refinamento das tomadas de decisão, tendo em conta as interações dos
jogadores.

Posteriormente, no ponto quatro, elenca-se e sistematiza-se as


conceções e práticas de periodização do treino que têm vindo a ser aplicadas
no futebol, procurando enfatizar o contributo destas quanto ao respetivo
potencial para ajudarem a responder às diversificadas exigências da
preparação de jogadores e de equipas de futebol.

9
Esta é uma tendência de pensamento científico que surge como oposição ao
pensamento mecanicista. Este paradigma emergiu do contributo da teoria do sistema solar
proposta por Kant (1724-1804) e Laplace (1749-1827), das filosofias políticas de Hegel
(1770-1831) e Engels (1820-1895) e, sobretudo, das descobertas sobre a evolução biológica
de Lamarck (1744-1829) e Darwin (1809-1882). Esta revolução no pensamento não ficaria
completa sem o contributo da segunda lei da termodinâmica (Capra & Luisi, 2014). Os
pioneiros em abordar o pensamento sistémico foram os biólogos, que enfatizaram a visão
dos organismos vivos como totalidades integradas (Capra & Luisi, 2014). Posteriormente, ele
foi enriquecido pela psicologia da Gestalt, pela nova ciência da Ecologia e pela nova Física
que produziu a teoria da relatividade e a física quântica (Capra & Luisi, 2014). Mais tarde
surgiram as primeiras teorias sistémicas entre as quais a teoria geral dos sistemas, a teoria
do caos e das tempestades, que vieram a dar origem à Teoria dos Sistemas Dinâmicos
(TSD) (Capra & Luisi, 2014). De acordo com Capra e Luisi (2014), o pensamento sistémico
apresenta as seguintes caraterísticas: a) o todo é mais do que a soma das partes; b)
multidisciplinaridade inerente; c) de objetos para relações; d) de medição para mapeamento;
e) de quantidades para qualidades; f) de estruturas para processos; g) de ciência objetiva
para a ciência epistémica; h) da certeza cartesiana ao conhecimento aproximado.

17
Por fim, no quinto ponto, apresenta-se uma síntese dos argumentos
expostos anteriormente.

2. O futebol enquanto jogo complexo de natureza caótica

Os modos como olhamos o mundo têm vindo a ser influenciados pela


perspetiva mecanicista10 de Newton, sobretudo através da corrente filosófica
a ela agregada, o cartesianismo11 (que explica a realidade através da sua
divisão em partes reduzindo o complexo à associação de elementos simples)
(Capra & Luisi, 2014).

Esta influência fez-se naturalmente sentir no âmbito do desporto, dos


jogos desportivos coletivos e do futebol em particular, radicando na divisão
do jogo em partes para, pretensamente, melhor o entender. Neste contexto,
também as equipas passaram a ser perspetivadas como uma justaposição de
jogadores, e o comportamento coletivo entendido como resultado da soma
dos respetivos comportamento individuais (Castelo, 1994, 1996; Seirul-lo,
2017c)

Em contraponto com a perspetiva mecanicista, alguns autores, tais


como Balagué e colaboradores (2013), Duarte e colaboradores (2013),
Garganta e Gréhaigne (1999) e Salmon e McLean (2019), têm vindo a sugerir
que a incursão no pensamento sistémico e nas ciências da complexidade,
parecem ajudar a melhor compreender a natureza do jogo e do treino de
futebol, bem como dos conceitos a eles associados, levando a um

10
Em 1687, Newton (1642-1727), apresentou uma obra designada por “Os Principia”.
Com esta obra, a imagem do mundo como uma máquina perfeita, que fora introduzida por
René Descartes (1596-1650) era agora um facto comprovado e Newton um símbolo. De
acordo com Capra e Luisi (2014), a realidade do mundo foi durante séculos influenciada pelo
pensamento filosófico e cientifico mecanicista. Talvez por isso também o jogo e o treino do
futebol tenham sido objeto de uma obsessão pela separação do todo, em partes.
11
René Descartes com a publicação do livro “O Discurso sobre o Método” propôs
quatro princípios de raciocínio que fundamentam o denominado paradigma cartesiano
(Capra & Luisi, 2014): jamais aceitar algo como verdadeiro sem saber com evidência que tal
o seja efetivamente; dividir cada dificuldade examinada em tantas partes quantas se puder e
for necessário para melhor resolvê-las; conduzir pela ordem os pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para subir aos poucos, como por
degraus, até ao conhecimento dos mais compostos e supondo até haver certa ordem entre
os que precedem naturalmente uns aos outros; fazer em toda parte, enumerações tão
completas e revisões tão gerais, que se assegure que nada seja omitido (Capra & Luisi,
2014).

18
entendimento mais congruente do comportamento dos jogadores e das
equipas.

De acordo com estes autores, o jogo de futebol é um fenómeno


complexo12, posto que decorre do confronto entre duas equipas em espaço e
tempo comuns, de onde resultam múltiplas, abundantes e emergentes 13
interações colaborativas dos jogadores de uma mesma equipa e de oposição
com os adversários (Castelo, 2019; Castelo & Matos, 2013; Garganta, 1994,
1997; Garganta & Cunha e Silva, 2000; Garganta et al., 2013; Santos et al.,
2011).

A complexidade do jogo torna-se mais evidente à medida que cresce a


autonomia dos jogadores, uma vez que se gera diversidade, aleatoriedade e
imprevisibilidade de acontecimentos e comportamentos, em resultado de
infinitas e não-lineares 14 possibilidades de respostas aos problemas que
surgem no decorrer de cada partida (Abade, 2014; Cano, 2010; Connolly &
White, 2017; Garganta & Cunha e Silva, 2000; Garganta & Gréhaigne, 1999;
Lebed, 2006; Seirul-lo, 2017c).

Portanto, o jogo perfila-se como um evento que emerge do


comportamento das equipas, resultando do modo como os jogadores
interagem sob diferentes conjuntos de regras e diversos constrangimentos
(Castelo, 1994, 1996, 2019; Castelo & Matos, 2013; Garganta, 1997, 2003,
2005; Garganta & Cunha e Silva, 2000). Neste nexo de acontecimentos que
se sucedem em cascata, as equipas coevoluem continuamente,
codeterminando as respetivas adaptações (Castelo, 2019; Garganta &

12
De acordo com Ludwig von Bertalanffy a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) é
especialmente filosófica e define um sistema como um complexo de elementos que
interagem independentemente da sua natureza. Segundo Cilliers (1998) os sistemas
complexos compreendem múltiplos componentes; as interações entre componentes são
múltiplas, ricas e não-lineares; as interações são de natureza de curto alcance; existem loops
recorrentes nas interações; são sistemas abertos; os sistemas complexos são dinâmicos e
não operam em estado de equilíbrio; os sistemas complexos têm uma história.
13
Propriedades emergentes são decorrentes de interações entre componentes (Capra
& Luisi, 2014). Tal significa que a ação do todo é mais do que a soma de suas partes. Por
exemplo a humidade não é algo que possa ser atribuído a moléculas de água individuais,
mas sim a uma propriedade emergente resultante da interação das moléculas de água
(Capra & Luisi, 2014). No âmbito do futebol, um golo marcado é uma propriedade emergente
da interação entre jogadores, bola, campo e balizas, entre outros.
14
Pequenos eventos tais como um passe errado, uma substituição ou uma lesão
podem produzir grandes efeitos.

19
Gréhaigne, 1999; Ribeiro et al., 2019).

Diga-se, no entanto, que apesar dos cenários de aparente


imprevisibilidade e indeterminismo, o comportamento dos jogadores e das
equipas não é tão imponderável quanto o lançamento de dados, porquanto,
está vinculado a princípios e a regras de ação (Garganta et al., 2013).

De facto, é possível detetar, conhecer e categorizar situações que


podem, com maior probabilidade, conduzir à concretização de determinados
objetivos do jogo. Assim, pode dizer-se que o jogo incorpora uma ordem
escondida e apresenta um regularidade no padrão global de comportamento
das equipas, fruto de um fenómeno típico dos sistemas caóticos, designado
de auto-organização (Cunha e Silva, 1999; Sousa Ramos, 2009; Stewart,
1991).

Deste modo, os jogadores que formam as equipas adaptam-se aos


problemas e reconhecem as oportunidades que emergem do ambiente,
adequando estratégias, decisões e comportamentos (Garganta et al., 2013).
A partir das interações dos jogadores desponta um padrão global, uma
estrutura organizacional que não é simplesmente uma agregação de ações
individuais, mas sim um processo emergente, com caraterísticas únicas que
os indivíduos isoladamente não possuem (Davids et al., 2004; Davids et al.,
2003; Garganta & Cunha e Silva, 2000; Kelso & Schoner, 1988; Morin, 1992;
Schmidt et al., 1999).

Neste sentido, a equipa é perspetivada como um sistema complexo que


consegue, através da capacidade de auto-organização, um aperfeiçoamento
espontâneo da sua organização interna, sem que essa organização seja
guiada ou gerida por um recurso externo ao sistema (Vilar et al., 2012).
Assim, a coordenação interpessoal das equipas emerge da interligação entre
os componentes do sistema (i.e., colegas de equipa), no confronto com
oponentes (Cano, 2010; Connolly & White, 2017; Garganta & Cunha e Silva,
2000; Passos, Araújo, et al., 2006; Seirul-lo, 2017c).

De facto, o conceito de auto-organização parece ser fundamental para


melhor se perceber os comportamentos coletivos em ambientes caóticos e
complexos (Kelso & Schoner, 1988; Ribeiro et al., 2019; Schmidt et al., 1999).

20
Por isso, seguidamente, aprofundar-se-á este fenómeno que ocorre no
comportamento das equipas, se olhadas como organismo ecossistémico
complexo.

2.1. As equipas enquanto organismos complexos auto-organizados

Dado que o jogo se apresenta como um cenário de natureza caótica, as


descobertas dos biólogos organísmicos acerca de unidades complexas
funcionais, tais como enxames, bandos ou cardumes, podem fornecer a base
para uma melhor compreensão acerca do comportamento das equipas e dos
jogadores de futebol em competição (Marsh et al., 2006; Marsh et al., 2009).

De acordo com Duarte e colaboradores (2012), uma equipa pode ser


entendida como um superorganismo15 auto-organizado, cujo comportamento
emerge a partir das sinergias que ocorrem entre as partes constituintes (i.e.,
os jogadores e o ambiente que as rodeia). Neste contexto, os jogadores,
através de perceções, decisões e interações orientam-se para finalidades
convergentes que favorecem a identidade e a integridade do organismo como
um todo superior, distinto e indecomponível (Araújo et al., 2010; Davids et al.,
2004; Davids et al., 2003; Duarte et al., 2012; Garganta & Cunha e Silva,
2000; Garganta et al., 2013; Kelso & Schoner, 1988; Morin, 1992; Schmidt et
al., 1999).

Igualmente, as ações de organismos individuais tais como os jogadores


de uma equipa de futebol, parecem limitar e ser limitadas pelas ações de
organismos vizinhos, por exemplo os companheiros de equipa e os
oponentes, em direção a objetivos exclusivos do coletivo (Duarte et al.,
2012).

15
O conceito de superorganismo proposto por William Morton Wheeler para descrever
o grau em que membros da colónia de formigas parecem operar como uma única unidade
funcional tem sido amplamente utilizado em sociobiologia (Wheeler, 1911). Um exemplo de
comportamentos bem-sucedidos do sistema coletivo foi demonstrado por formigas de
incêndio que constroem jangadas à prova de água como uma estratégia adaptativa e
evolutiva para sobreviver a inundações (Mlot & Tovey, 2011). As interações sociais dentro de
um grupo originam assim a emergência de um coletivo, que pode ser entendido como um
novo organismo dentro do sistema animal-ambiente (Marsh et al., 2006; Marsh et al., 2009).
Portanto, a partir da visão dos organismos vivos como totalidades integradas, conectadas e
relacionadas pode-se gerar uma nova forma de olhar para as equipas de futebol durante
uma partida.

21
A coordenação e reorganização dessas ações em movimento parecem
ocorrer devido aos mecanismos de feedback controlados e sustentados
externamente pela troca contínua de informações entre os indivíduos do
grupo durante a competição (Duarte et al., 2012). Quer isto dizer que os
movimentos do jogador podem influenciar funcionalmente as caraterísticas
espácio-temporais de movimentos padronizados em companheiros de equipa
e oponentes, criando uma agregação intencional durante um desempenho
específico (Correia et al., 2011; Krause et al., 2010; Passos et al., 2011).

Fazendo uma analogia entre sistemas biológicos e equipas de futebol, a


informação fornecida por blocos de feedback pode ajudar a melhor entender
o postulado de que um sistema é mais do que a soma de suas partes (Morin,
2003). Por outras palavras, o funcionamento interligado16 de indivíduos com
funcionalidades de alta variabilidade é importante, na medida que através de
atividades cooperativas, os jogadores de uma equipa desenvolvem
comportamentos coordenados, complementares e diferenciados,
aumentando a probabilidade de coletivamente todos atingirem o sucesso
competitivo através de ajustamentos e adaptações integrados funcionalmente
e direcionados a objetivos (Araújo & Volossovitch, 2005; Balagué et al., 2013;
Bar-Yam, 2003; Castelo, 1994; Cunha e Silva, 1999; Garganta, 1997, 2005;
Garganta & Cunha e Silva, 2000; Garganta & Pinto, 1998; Santos, 2006;
Seeley, 1989; Teodorescu, 2003; Wilson & Sober, 1989; Wilson & Wilson,
2007).

Neste sentido, pode dizer-se que as equipas 17 de futebol, enquanto


ecossistemas complexos auto-organizados que operam em ambientes

16
Importa aqui convocar a noção de formalismo e gestaltismo. O filósofo Christian von
Ehrenfels (1859-1932) foi o primeiro a usar o termo Gestalt no sentido de uma perceção de
um padrão irredutível, o que pressupõe que cada elemento não tem significado, senão na
sua relação com o conjunto, e que os diferentes elementos de uma estrutura se articulam
uns com os outros para construir uma forma. Neste contexto, uma forma é algo mais que a
soma das suas partes, ela tem propriedades que não resultam da simples adição dos seus
elementos, sendo estes interdependentes e organizados num campo total segundo certas
leis (Capra & Luisi, 2014). A psicologia da forma oferece assim a possibilidade de abordar a
problemática dos jogos desportivos coletivos sobre um novo ângulo.
17
A partir do conceito de estrutura dissipativas, criado por Ilya Prigogine, pode dizer-se
que os sistemas que se constituem longe do equilíbrio, na medida em que requisitam um
aporte contínuo de energia e de matéria para se preservarem, são designados de estruturas
dissipativas (Capra & Luisi, 2014). Nestas estruturas, não se verifica o antagonismo natural
entre acaso, irregularidade e determinismo. A irregularidade é resultado de um jogo

22
caóticos, enfrentam uma tensão entre a interação funcional dos jogadores,
relacionada com os princípios do modelo de jogo, e entre a respetiva
18
especialização funcional , referenciada à variação interindividual do
respetivo desempenho (Duarte et al., 2012; Gardner & Grafen, 2009; Reeve
& Holldobler, 2007).

Importa referir que, quer os princípios de interação que geram as


relações (i.e., integração funcional), quer as tendências de especialização
funcional, parecem ser tanto mais eficazes e valiosos quanto mais
respeitarem as diferenças dos indivíduos que compõem a equipa. Segundo
Sumpter (2006), tal facto, deriva do reconhecimento que as diferenças de
património genético, de experiência anterior e papéis específicos nos
superorganismos podem fornecer continuamente novas soluções
comportamentais para os desafios que as equipas enfrentam.

Portanto, o êxito individual e coletivo parece depender de uma


representação específica das várias relações expressas através de princípios
que contribuem para que os jogadores manifestem as competências
necessárias (i.e., um conjunto de critérios de ação percetivos, de decisão e
de gestão do jogo, que definem as propriedades invariáveis sobre as quais se
estrutura o desenvolvimento dos acontecimentos) (Garganta, 1997;
Guilherme, 2004; Oliveira et al., 2006; Teoldo et al., 2015).

Por conseguinte, é necessário que o treinador conceba 19 esses


princípios de interação, de modo a promover nos jogadores uma adaptação e
uma organização dinâmica, o que implica decisões específicas e formulação
de respostas adequadas aos problemas e às circunstâncias, respeitando o
ambiente que as envolve e a matriz identitária da equipa (Davids et al., 2004;

determinista, não-linear, com diversas variáveis. Deste modo, já não se constitui como um
sistema aleatório clássico, encontrando-se a realidade entre irregularidades e determinismo
(Capra & Luisi, 2014).
18
Por exemplo, no momento de organização defensiva os jogadores com atributos
diferentes, habilidades únicas e papéis variados (i.e., especialização funcional), trabalham
juntos para recuperar coletivamente a posse de bola restringindo espaço no campo e
aumentando o nível de oposição (i.e., integração funcional) (Holldobler & Wilson, 2009).
19
Importa ter a noção que o contexto pode exercer influência sobre a criação dos
princípios do modelo de jogo. Ou seja, a cultura própria de um país, a história particular de
um clube, as caraterísticas dos jogadores devem ser levadas em conta, de modo a que haja
convergência e harmonia de ideias (Frade, 2013a; Reis, 2018; Tamarit, 2013).

23
Davids et al., 2003; Garganta & Cunha e Silva, 2000; Kelso & Schoner, 1988;
Morin, 1992; Schmidt et al., 1999).

Espera-se que tais princípios constituam um sistema de comunicação


(i.e., uma linguagem comum e eficaz) que permita aos jogadores coordenar,
reconhecer e dar idêntico significado às ações coletivas e individuais de jogo,
reduzindo a incerteza entre eles e provocando simultaneamente níveis
elevados de incerteza nos adversários (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Seirul-lo,
2017a; Tavares et al., 2006).

A estes princípios que orientam os jogadores para uma forma de jogar


concreta, atribui-se o nome de princípios do modelo de jogo (Frade, 2011,
2013a, 2013b; Garganta et al., 2013; Guilherme, 1991, 2004; Pinto &
Garganta, 1989). O modelo de jogo confere, deste modo, especificidade20 às
ações que os jogadores manifestam, ou seja, cada equipa tem uma
forma/identidade específica mais ou menos coreografada de jogar futebol
(Bertrand & Guillemet, 1988; Cano, 2010; Carvalhal, 2014; Castelo, 1994;
Ciaschini, 2013; Garganta, 1997; McPherson, 1993, 1994).

Os princípios do modelo de jogo21 referem-se entre outras coisas, ao


modo como os jogadores devem gerir as diferentes fases22 (ou seja, quais as
opções do ponto de vista ofensivo: para construir ações ofensivas, criar
situações de finalização e finalizar; e do ponto de vista defensivo: como quer
recuperar a posse da bola, reduzir o espaço de jogo do adversário, anular as

20
O conceito de especificidade tem sofrido significativas alterações no que diz respeito
à sua aplicação no âmbito do futebol (Guilherme, 1991). Primeiramente reportava-se a um
dos princípios básicos do treino desportivo que preconizava que apenas as estruturas e
funções suficientemente ativadas por estímulos de treino são suscetíveis de sofrer
adaptações particulares. Contudo, foi evoluindo para a referenciação ao tipo de atividade e
às tarefas que os jogadores realizavam durante o treino e a competição, estando
intimamente ligada ao tipo de modalidade desportiva praticada (Guilherme, 1991). A noção
de especificidade que serve como referência no presente estudo reporta-se ao conceito
cunhado por Gibson (1979), que pode ser definido como conceito qualificador de uma
relação entre variáveis que comportam a informação caraterística de determinado contexto.
21
Importa, também, que os treinadores atribuam grande importância ao cumprimento
dos princípios transversais, ou seja, os fundamentais (procurar criar superioridade numérica;
evitar a igualdade numérica; recusar a inferioridade numérica) e os específicos (ataque:
penetração, cobertura ofensiva, mobilidade e espaço; de defesa: contenção, cobertura
defensiva, equilíbrio e concentração), não esquecendo que estes apenas asseguram os
pressupostos básicos da organização coletiva e individual (Garganta et al., 2013).
22
Fase (etapa, estádio) – período com caraterísticas bem definidas. Cada uma das
modificações sucessivas que as sequências de jogo apresentam (Garganta et al., 2013).

24
situações de finalização e proteger a baliza) e momentos 23 (como se
processa a transição ofensiva e a transição defensiva), de acordo com a
cascata de objetivos que vai sucedendo à medida que o jogo24 acontece
(Garganta et al., 2013).

Contudo, afigura-se pertinente que essa matriz seja interpretada como


uma intenção, um ponto de partida, e não como uma prescrição, uma vez
que a gestão da desordem resultante da complexidade dos constrangimentos
decorrentes do jogo, será mais facilmente resolvida pelos jogadores se estes
puderem fazer uso da sua capacidade criativa, a partir das informações que
surgem durante a ação (Cano, 2010; Carvalhal, 2014; Ciaschini, 2013;
Garganta, 1997; Ribeiro et al., 2019).

Tal relaciona-se com o que Maturana e Varela na década de 1970


designaram de autopoiése (Varela et al., 1974), porquanto os organismos
ecossistémicos complexos auto-organizados, como as equipas de futebol,
desenvolvem a capacidade de se autoproduzirem e de fazerem o seu próprio
caminho. Esta, é fruto da capacidade cognitiva dos jogadores
consubstanciada na capacidade para interpretarem, criarem e recriarem, em
referência a uma matriz identitária (i.e., referenciada a uma especificidade)
(Bertrand & Guillemet, 1988; Edelman & Gally, 2001; Garganta & Gréhaigne,
1999; Gréhaigne et al., 1997; Gréhaigne et al., 2001; Guilherme, 2004).

Esta especificidade coletiva/organísmica, que se reporta a tendências


de comportamentos de interação específicos que se pretendem ver
expressos nos momentos de treino e de competição, leva a que a tática
assuma um papel de relevo, tendo em conta que a sua manifestação emerge
da interação das múltiplas variáveis que concorrem para a expressão dos
diferentes modos de agir, seja individual, grupal ou coletivamente (Garganta,
1997; Guilherme, 2004; Oliveira et al., 2006; Teoldo et al., 2015).

23
Momento (ápice, instante) – espaço de tempo muito breve que ocorre entre as fases
(Garganta et al., 2013).
24
Não obstante se falar em divisão, afigura-se pertinente que se tenha a noção que o
jogo apresenta uma natureza inquebrantável (Frade, 2011, 2013a, 2013b). Por isso, sugere-
se que durante as fases e os momentos, por exemplo na fase ofensiva, também se
pressuponham comportamentos e preocupações defensivas e vice-versa. O mesmo se
verificando em relação aos momentos de transição. Ou seja, parece fazer sentido que a
equipa ataque, defenda e transite contemplando na forma adotada preocupações com todas
as fases e momentos de jogo.

25
Dada a sua importância quanto ao entendimento do processo,
seguidamente, aprofundar-se-á o conceito de tática.

2.2. A auto-organização tática enquanto dimensão que


sobredetermina e enquadra os demais fatores do rendimento

Ao longo dos últimos anos tem vindo a verificar-se que as equipas que
conseguem atingir melhores resultados em competição são as que
apresentam maior coerência entre os princípios do modelo de jogo
preconizado e o jogo praticado (Castelo, 2019). Ainda que, durante o jogo, os
jogadores disponham de liberdade que poderia tender facilmente para a
anarquia ou para a entropia do sistema, constata-se que as equipas mais
eficazes conseguem fazer emergir padrões de comportamentos, num
contexto de caos determinístico (Garganta, 2000; Reilly, 1993).

Neste sentido, importa salientar que, face à necessidade de os


jogadores estarem coordenados em campo, através de um sistema de
comunicação específico que lhes permite a auto-organização, as ações
dependem da perceção e da tomada de decisão quanto aos cenários de jogo,
pelo que são eminentemente táticas (Garganta, 1997; Vilar et al., 2012).

Como referido anteriormente, a incursão no pensamento sistémico e


nas ciências da complexidade, parecem ajudar a melhor compreender a
natureza do jogo. Assim, importa que se perceba que a tática, perspetivada a
partir do paradigma da complexidade sistémica, tem, no contexto desta
dissertação, um entendimento particular que vai de encontro ao postulado por
alguns autores, entre os quais Connolly e White (2017), Frade (2011, 2013a,
2013b), Teoldo e colaboradores (2015).

A tática, do grego “taktikê” – que significa, no contexto militar, a arte de


dispor e de empregar as tropas no terreno de combate – tal como sugerido
por Castelo (1994, 1996, 2019), Garganta (1997, 2000, 2002, 2008, 2013) e
Teodorescu (2003) pode ser entendida, no âmbito do futebol, como o
conjunto de intervenções individuais e coletivas imediatas e prementes para
cada instante do jogo que influenciam a emergência de novas configurações
dinâmicas subsequentes, em resultado da interação sistémica dos jogadores,

26
no sentido de reunir constantemente condições favoráveis à concretização
dos objetivos ambicionados.

Todavia, importa que se perceba que o conjunto de intervenções


individuais e coletivas em resultado da interação sistémica dos jogadores não
acontece sem um referencial teórico que lhe dá suporte (Garganta, 1997).
Efetivamente, ao falar-se de tática, convém ter presente que por detrás de
qualquer estética exibicional no momento de competição, existe uma base
alicerçada num conjunto de variáveis multidimensionais em interação
sistémica, que influenciam a complexidade exibida (Connolly & White, 2017;
Frade, 2013a, 2013b).

De facto, de acordo com Frade (2013a, 2013b), a tática é a face visível


de uma complexidade tecida pela interação de tudo o que interfere no
momento da expressão dos comportamentos. Portanto, a tática é também o
resultado da interação do plano de jogo traçado pelo treinador para um
determinado momento competitivo, com a interpretação que os jogadores
fazem desse mesmo plano, que tem em conta a especificidade e a
representatividade dos princípios do modelo de jogo, e a estratégia 25 –
entendida como a adaptação circunstancial da equipa a pormenores que os
oponentes evidenciam, tal como preconizado por Frade (2013a, 2013b). Este
entendimento de tática confere, inevitavelmente, alguma plasticidade ao
conceito, em virtude de ser algo que nunca se repete fielmente (Frade,
2013a, 2013b; Teoldo et al., 2015). Nem tal se afigura desejável.

Ou seja, a tática é, portanto, o fator responsável pela adequação das


capacidades e dos comportamentos dos jogadores sendo que se relaciona
de forma simbiótica e sistémica com os restantes fatores do rendimento num
continuum de execução, influenciando-se mutuamente (Castelo, 1994;

25
Importa referir que o conceito de estratégia pode adquirir diferentes significados de
acordo com a interpretação que os diversos estudiosos do futebol e do treino lhe conferirem.
Verdadeiramente a palavra estratégica deriva do latim “stratègós” que, no âmbito militar está
intimamente ligada à arte de planear expedições de guerra. Neste sentido, alguns autores,
percursores do estudo do treino do futebol, tais como Castelo (1994), Queiroz (1986) e
Teodorescu (2003) entendem que no contexto do futebol este conceito refere-se aos
propósitos e aos objetivos gerais da equipa, como corpo coletivo numa dada competição,
pressupondo um conjunto de operações lógicas integradas que proporcionam à organização
dinâmica da equipa as condições para tentar atingir os objetivos. Do nosso ponto de vista
esta definição, no domínio do futebol, adequa-se melhor ao conceito de “Plano de Jogo”.

27
Connolly & White, 2017; Frade, 2013a, 2013b; Garganta, 1997; Teodorescu,
2003). Deste modo, todos os fatores do rendimento se diluem na tática,
fazendo com que esta se manifeste como forma de expressão global do
comportamento (Frade, 2013a; Teoldo et al., 2015).

Note-se que a tática assume em cada equipa uma expressão


diferenciada, uma especificidade identitária, que emerge da relação de
cumplicidade com os demais fatores (Frade, 2013a; Teoldo et al., 2015).
Estes, porém, também evidenciam caraterísticas peculiares, influenciadas
pelo contexto informacional específico gerado pelas respetivas interações
táticas específicas (Castelo & Matos, 2013; Garganta et al., 2013).

Deste modo, não parece fazer sentido que as técnicas representativas


do futebol, assim como os desempenhos físicos e cognitivos se situem fora
do quadro tático específico que as reclama, uma vez que é ele que dá
suporte às interações de jogo de uma equipa. De facto, o jogador não
executa isoladamente os procedimentos técnicos, físicos ou cognitivos; pelo
contrário, integra-os em saberes-fazer táticos específicos (Garganta, 1997).

Tal facto, leva a que o critério mais importante para perspetivar e avaliar
as questões técnicas, físicas ou cognitivas decorra da sua efetividade26 no
jogo, o que realça a necessidade da procurar a respetiva conformidade com
as especificidades táticas, destacando-se, assim, a importância das
capacidades cognitivas de perceção, decisão e ação na regulação da
competição e na modelação do treino (Garganta, 1997).

Logo, a verdadeira utilidade das capacidades técnicas, físicas e


psicológicas repousa na sua efetividade para servir a inteligência e a decisão
tática específica dos jogadores e das equipas (Garganta et al., 2013). Por
exemplo, um bom executante ou um jogador fisicamente evoluído é, antes de
mais, um individuo capaz de eleger a técnica e a movimentação mais
adequadas, para responder às sucessivas configurações do jogo e para as

26
A psicologia da gestalt pode dar um enorme contributo quanto ao modo como se
olha para os desempenos coletivos da equipa. Neste sentido, na avaliação da qualidade
individual de um jogador importa que seja tido em conta o modo como ele se articula, quer a
nível estrutural, quer a nível funcional, com os demais jogadores que dão corpo a uma forma
coletiva.

28
condicionar em favor da sua equipa (Mourinho, 1999, 2006; Oliveira et al.,
2006).

Em virtude da existência de uma especificidade tática, o comportamento


coletivo da equipa vai apresentando várias configurações ao longo da
competição, fruto das interações dinâmicas específicas entre jogadores com
papeis individuais (i.e., diferenciação funcional). Papeis esses que em
interação com os princípios de jogo dão corpo à estética do modelo de jogo
da equipa.

Neste sentido, no próximo ponto, abordar-se-á a questão das


configurações táticas como estruturas dinâmicas que ajudam a organizar o
jogo das equipas.

2.3. As táticas específicas fazem emergir estruturas topológicas

No âmbito do jogo de futebol, a equipa, através da diferenciação


funcional das relações dos jogadores que se integram harmoniosamente no
funcionamento do todo e através de um sistema de comunicação que permite
níveis de autonomia considerável, expressa um padrão hologramático
estrutural tático, específico dos posicionamentos que com maior frequência
os jogadores manifestam em campo (Garganta & Cunha e Silva, 2000).

Estas estruturas táticas, também denominadas de sistemas táticos27,


são vulgarmente representadas por algarismos, em que cada um deles
representa um setor que compõe a equipa, começando pelo guarda-redes,
passando pela defesa e meio campo e terminando no ataque (Castelo, 1994).

Os dispositivos táticos a que os treinadores atualmente mais recorrem


são muito diferentes dos utilizados no início do século XX. A grande diferença
prende-se com o facto de não serem tão estáticos e imutáveis como eram no
início (Guilherme, 2004). De facto, a partir da década de setenta começou a

27
Na memória perduram o Sistema Clássico, ou Pirâmide, criado em 1884, o Sistema
WM introduzido por Herbert Chapman, em 1932, que se representava por 1x3x4x3, e o
1x1x4x3x2 criado por Alfredo Foni, na década de cinquenta (Daniel, 2016; Guilherme, 2004;
Lobo, 2008). Na atualidade, as estruturas mais referidas, e que evoluíram a partir das
anteriormente citadas, são o 1x4x4x2, pelo 1x4x3x3, pelo 1x3x5x2 e o 1x3x4x3 (Castelo,
1994, 1996, 2019; Castelo & Matos, 2013).

29
solicitar-se aos jogadores que transformassem a noção estática de “posição”
numa rede abrangente, dinâmica e complexa de funções28 (Castelo, 1996;
Gréhaigne, 1992). Assim, quando os treinadores da atualidade elegem uma
base estrutural para as suas equipas, a mesma funciona como uma estrutura
tática de dinâmica não-linear alicerçada na geometria topológica.

A topologia é uma geometria na qual todos os comprimentos, ângulos e


áreas podem ser distorcidos à vontade, por exemplo, um triângulo pode ser
convertido, por meio de uma transformação contínua, em um retângulo, o
retângulo em um quadrado, o quadrado em um círculo (Capra & Luisi, 2014).
Devido a essas transformações contínuas, a topologia é popularmente
conhecida como a “geometria da folha de borracha”. Todas as figuras que
podem ser transformadas uma na outra por meio de dobras, estiramentos e
torções são consideradas topologicamente equivalentes (Capra & Luisi,
2014).

Se se aplicar a geometria topológica ao comportamento das equipas de


futebol, verifica-se que existem modificações frequentes nos padrões
geométricos expressos através das estruturas táticas, ao longo das diferentes
fases e momentos do jogo, embora, sem que com isso se percam os
princípios invariantes (i.e., a identidade própria cultural que cada equipa
evidencia).

Ou seja, por mais variedade dinâmica e diferenças nos modos de


articulação dos jogadores que possam existir, em função da diferenciação
funcional, do modelo de jogo da equipa e das necessidades estratégicas29,
os jogadores acabam por, coletivamente, manifestar macro padrões

28
Passaram não só a atacar ou a defender para atacar e defender (Castelo, 1996;
Gréhaigne, 1992). Deste modo as suas zonas de intervenção tornaram-se mais abrangentes
e, consequentemente, a organização do jogo adquiriu um papel importante (Castelo, 1996;
Guilherme, 2004). Tal facto originou que por exemplo, em 1962, no Mundial do Chile, um
jogador corresse em média cinco quilómetros, mais tarde, vinte anos depois, já corria nove e
hoje a média já vai em onze (Carling et al., 2015; Hoyo et al., 2016; Lobo, 2008; Silva et al.,
2018; Wollin et al., 2018).
29
A noção de estratégia prende-se com as preocupações com a forma de jogar da
própria equipa tenham em atenção as particularidades da equipa adversária do jogo
seguinte, com o fim de aproveitar as debilidades do rival - os seus pontos fracos - e para
encontrar soluções para inutilizar as qualidades das equipas adversárias - pontos fortes -
subdeterminando-os aos pontos fortes da própria equipa. O objetivo é particularizar
determinados aspetos ao nível dos contornos da forma de jogar sem por em causa a matriz
identitária (Frade, 2013a).

30
estruturais dinâmicos específicos de uma determinada identidade (Cunha e
Silva, 1999; Garganta & Cunha e Silva, 2000).

Portanto, por mais que a estrutura30 se modifique, a emergência de


comportamentos continua a ser referenciada aos princípios do modelo de
jogo. Quer isto dizer que, tão importante como as estruturas dinâmicas
utilizadas pelos treinadores para potenciar a organização da equipa, são as
propriedades invariantes (i.e., dinâmica dos princípios do modelo de jogo
específicos da equipa), que funcionam como atratores, a partir dos quais
emergem frequentemente as estruturas táticas predefinidas para as
diferentes fases e momentos do jogo (Pereira, 2021a, 2021b).

Em função da necessidade de as equipas procurarem cultivar uma auto-


organização tática dinâmica que permita aos jogadores jogar de acordo com
as intenções especificas e ao mesmo tempo resolver os problemas que vão
emergindo, parece fazer sentido conceber modelos de jogo com dinâmicas
táticas específicas camaleónicas e com estruturas topológicas (Carvalhal,
2020). Para tal, torna-se necessária a atuação de intérpretes com elevadas
capacidades.

No ponto seguinte, abordar-se-ão as capacidades que se entende ser


as que caraterizam o jogador de qualidade superior, no futebol atual.

2.4. A inteligência das decisões dos jogadores enquanto atributo


diferenciador de qualidade

Como tem vindo a ser referido, o futebol apresenta-se como uma


modalidade cujo contexto competitivo se desenvolve num ambiente de caos

30
Estas estruturas devem ser entendidas à luz do estruturalismo. O estruturalismo
rejeita a ideia que o conhecimento do conjunto possa ser deduzido a partir do conhecimento
das partes, ou que estas possam ser conhecidas na sua totalidade sem referência ao
conjunto, estabelecendo dois aspetos complementares e fundamentais que caracterizam a
noção de estrutura: o conjunto e a interação, evidenciando assim, a importância das relações
observáveis e das significações vividas. Neste contexto, o estruturalismo é um método de
análise que estuda os fenómenos da realidade, examinando-os à luz da sua articulação
interna e das inter-relações entre os diferentes componentes que se mantem funcionalmente
interdependentes (Castelo, 1994).

31
31
determinista, com permanente alteração informacional, gerada pela
interação dos diferentes jogadores (Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2005;
Passos et al., 2008). Neste contexto, os jogadores, constrangidos espacial e
temporalmente 32 , necessitam de reconhecer e de filtrar informações do
contexto, de modo a processar as informações mais relevantes, que lhes
permitam aumentar a eficácia das suas ações, nas diferentes fases e
momentos do jogo, tendo em conta a identidade da equipa (Castelo & Matos,
2013; Garganta, 2005; Garganta et al., 2013).

Importa ter presente que aos jogadores de uma equipa lhes-é pedido
que realizem várias trocas de posição, em várias zonas do campo. Tal facto,
obriga a que a cada posicionamento e deslocamento ou movimentação dos
jogadores, dependa de um processo complexo que envolve múltiplos
constrangimentos (Anson et al., 2005; Garganta, 2005). Portanto, uma ação
realizada por um jogador durante a competição é, simultaneamente, causa e
consequência de uma decisão específica que emerge da interação de
múltiplas capacidades e competências (Davids et al., 2003; Newell, 1986;
Roca et al., 2018).

De facto, aos intérpretes, mais do que agir, é-lhes requisitado que


interajam especificamente, o que exige elevados níveis de adaptação, que

31
Os jogadores tomam decisões seguidas por interações, que por sua vez são
seguidas de novas decisões e novas interações (i.e., um processo contínuo). Esta
particularidade está bem presente no discurso de Valdano (2019) que a propósito do golo do
século, na final de 1986, na Argentina, em que a seleção anfitriã se sagrou campeã mundial
de futebol. Valdano dizia que Diego Maradona lhe tinha confidenciado que durante os cerca
de dez segundos em que correu mais de metade de campo driblando todos os jogadores que
se foram perfilando até finalizar com êxito, tentou a todos os instantes efetuar um passe para
Valdano que corria sozinho do lado esquerdo. Este é um exemplo claro de como a decisão é
altamente complexa, dinâmica, imprevisível e sem pausas.
32
As dinâmicas encontram-se emolduradas por dois fatores fundamentais - o tempo e
o espaço (Lobo, 2008). Alguns dados podem-nos fazer pensar como as dinâmicas que
procuram controlar estas duas variáveis têm influenciado a forma como os jogadores têm
que se adaptar ao jogo. Em 1958, Garrincha dispunha de quatro segundos para segurar a
bola, antes que um adversário o tentasse desarmar (Lobo, 2008). Posteriormente, em 1982
Zico dispunha de dois segundos, Maradona em 1986 de um segundo e meio e a partir de
1994, até 2010, Baggio, Zidane, Ronaldinho, só já tinham um segundo para poder executar
sem a pressão de um adversário (Lobo, 2008). Atualmente Messi ou Ronaldo, precisam ser
ainda mais rápidos (Lobo, 2008). Estes dados, parecem refletir os ritmos cada vez mais
elevados a que os jogos são disputados o que obriga a que quem tem de decidir em
situações naturais como o jogo de futebol, experimenta dificuldades acrescidas, como sendo
o facto de ter de lidar com a pressão do tempo regulamentar e do tempo de ação do
adversário e dos colegas para jogar (Castelo, 1996; Connolly & White, 2017; Garganta &
Cunha e Silva, 2000).

32
decorrem da harmonização de constrangimentos de natureza cognitiva 33 ,
percetiva34, decisional e motora35 (Bate, 1988; Roca et al., 2018; Tavares et
al., 2006; Williams, 2000).

Sabendo que os jogadores necessitam de compreender o que está a


acontecer no decorrer do jogo, mais importante do que correr muito e/ou
depressa, importa que saibam percecionar, decidir e executar, tendo em
conta todos os momentos do jogo e a identidade que a equipa persegue
(Cruyff, 2002, 2012; Garganta, 2005; Mourinho, 2006; Oliveira et al., 2006).

Deste modo, as equipas necessitam de contar com jogadores que


revelem elevadas competências ao nível da cooperação, da compreensão,
do conhecimento específico das ocorrências do jogo, das necessidades de
interação e que possuam adequados atributos ao nível da intuição, da
perceção, da inteligência e da tomada de decisão, que se manifestam através
de um entendimento do que se passa no terreno de jogo (Caldeira, 2013;
Cano, 2010; Daniel, 2016; Garganta, 2000, 2003, 2005; Garganta et al.,
2013; Guilherme, 1991, 2004; Roca et al., 2018; Teoldo et al., 2015; Vilar et
al., 2012).

Segundo Garganta (2009), a inteligência, entendida como capacidade


de adaptação a um contexto em permanente mudança e com disposição para
criar conectar diferentes informações, é um dos atributos que melhor pode
ajudar a resolver os desafios do jogo. Por sua vez, a capacidade percetiva
relaciona-se com a competência para captar informação, antecipar
acontecimentos e, consequentemente, saber o que fazer, tendo em
consideração a interpretação dos diferentes sinais, estímulos e informação do
meio envolvente (Tavares et al., 2006; Williams, 2000; Williams et al., 1999).

33
A capacidade cognitiva está associada à competência que os jogadores evidenciam
relativamente ao entendimento da informação relevante que advém do jogo (Williams, 2000;
Williams et al., 1999).
34
A capacidade percetiva está relacionada com a competência para captar
informação, antecipar os acontecimentos e, consequentemente, saber o que fazer, tendo em
consideração a interpretação dos diferentes sinais e estímulos, informação contextual, do
meio envolvente (Tavares et al., 2006; Williams, 2000; Williams et al., 1999).
35
A capacidade motora está associada à execução das habilidades tático - técnicas
específicas, bem como às capacidades fisiológicas que as condicionam e por elas são
condicionadas (Tavares et al., 2006).

33
De acordo com diferentes estudos, entre os quais Chi e Glaser (1992),
Eysenck e Keane (1994), French e colaboradores (1996), McPherson e
Thomas (1989) e Thomas (1994), os jogadores que melhor decidem
manifestam caraterísticas particulares, nomeadamente (1) uma perceção
mais rápida e eficaz de padrões complexos de jogo; (2) usam mais
eficientemente as capacidades cognitivas, geralmente como resultado da
automatização das habilidades fundamentais; (3) revelam superior
capacidade de diferenciar as informações significativas das menos relevantes
e não se distraem com as últimas; (4) mostram-se mais capazes no
reconhecimento das suas insuficiências e limitações, e também na avaliação
dos seus desempenhos; (5) estabelecem mais e melhores relações entre o
que está a acontecer e as situações que poderão daí decorrer, concebendo
diferentes alternativas, consoante a ocorrência; (6) recorrem a estratégias
visuais mais elaboradas, que induzem melhor capacidade de antecipação
das ações dos adversários; (7) são mais rápidos e precisos a detetar e a
localizar os aspetos determinantes e relevantes que acontecem no seu
campo visual; (8) adotam decisões táticas mais ajustadas à situação; (9)
possuem um conhecimento mais estruturado e aprofundado dos conteúdos
específicos e melhores competências de execução.

Portanto, os jogadores talentosos desenvolvem competências que lhes


permitem exprimir-se em jogo, para lidarem com as exigências do contexto,
tomando decisões coerentes e agindo a propósito (Castelo & Matos, 2013;
Daniel, 2016; Guilherme, 2004; Teoldo et al., 2015).

Em suma, os jogadores mais competentes são atores com excelente


capacidade de leitura das situações, que baseiam as suas ações numa
relação fluida e fecunda entre a expressão tática, a proficiência técnica, a
concentração psicológica e a dimensão física. Com isso conseguem decisões
e interações táticas mais congruentes e ajustadas aos princípios do modelo
de jogo preconizado pela equipa, que lhes permitem resolver os problemas
relacionados com a natureza sistémica, caótica e complexa do jogo de
futebol (Castelo & Matos, 2013; Davids et al., 2004; Frade, 1979, 2011,
2013b; Garganta et al., 2013; Júlio & Araújo, 2005; Seirul-lo, 2017c; Teoldo et
al., 2015).

34
Tais atributos emergem das aquisições operadas através da exercitação
sustentada e estruturada, o que enfatiza a relevância fulcral da prática e do
treino sistemático (Garganta et al., 2013).

No próximo ponto, procura-se convocar conhecimento relevante, que


melhor permita perceber a relação entre o treino e as aquisições operadas
durante o processo.

2.5. A necessidade de treinar para se adaptar ao contexto e evoluir


como jogador

De acordo com alguns autores, tais como Coyle (2009), Gladwell


(2005), Syed (2010), Vineisa e colaboradores (2020) e Vrijheid e
colaboradores (2014), as carreiras dos seres humanos mais proficientes, em
várias áreas, parecem depender pouco do talento inato, mas sim do
contributo de aprendizagens e treino.

Por exemplo, mesmo os prodígios infantis36, que podem parecer que


chegaram ao topo em metade do tempo, na realidade concentraram
quantidades significativas de prática no curto período entre o nascimento e a
adolescência (Syed, 2010). Portanto, em atividades culturais, como por
exemplo a música e a prática dos jogos desportivos coletivos, o sucesso
parece depender sobretudo, de habilidades circunstanciais aprendidas
(Garganta et al., 2013).

Algumas investigações recentes, ao nível do desenvolvimento de


competências cognitivas que contribuem para altos desempenhos práticos,
têm revelado que a experiência específica (Gibson, 1979) e representativa
36
Como reporta Syed (2010), Wolfgang Mozart com apenas seis anos, encantava os
membros da aristocracia com as suas habilidades ao piano. Começou a compor peças para
violino e piano aos cinco anos, produzindo muitas obras antes do seu décimo aniversário.
Todavia, importa que se perceba que o pai de Mozart era um compositor e executante
famoso que iniciou o seu filho num programa de treino intensivo em composição e execução
aos três anos de idade. A grande obra-prima de Wolfgang Mozart é o seu Concerto para
Piano n.º 9, composto quando ele tinha vinte e um anos. Nessa altura, Wolfgang tinha já
passado por dezoito anos de treino especializado. Syed (2010) refere ainda que em relação
às irmãs Williams, a prática do ténis começou “a sério” quando Venus tinha quatro anos e
Serena três anos. O treino envolvia, frequentemente, Richard, de um lado da rede, a lançar
quinhentas e cinquenta bolas. Quando as irmãs tinham doze e onze anos, Rick Macci
convidou-as a treinar com ele na sua academia, na Flórida. Por essa altura, ambas as irmãs
tinham já acumulado milhares de horas de treino (Syed, 2010).

35
(Brunswik, 1956) acumulada, induz um aumento da quantidade de mielina37
ao longo das ramificações dos axónios, o que possibilita maior velocidade na
transmissão nervosa, favorecendo assim as aprendizagens e
consequentemente os desempenhos eficazes (Coyle, 2009; Kandel et al.,
2014).

Acresce que a relação entre um organismo e o ambiente tem


despoletado grandes investigações que originaram incríveis revelações.
Dados relevantes parecem emergir através das mais recentes descobertas
sobre a epigenética (Allis et al., 2007; Bird, 2013; Zheleznyakova et al.,
2017).

A epigenética constitui uma componente-chave do debate genética


versus ambiente (Ridley, 2003). Uma das grandes conclusões é que
centenas de fatores ambientais, desde a alimentação até à exposição a
substâncias químicas ou tóxicas, não só interferem no substrato genético
humano, como também convertem o genoma em algo vivo, dinâmico, em
constante mudança (Allis et al., 2007; Bird, 2013; Zheleznyakova et al.,
2017).

Tal facto, coloca em evidência que um organismo tem a capacidade de


se adaptar aos contextos, o que vem dar relevo à necessidade de sujeitar os
jogadores a ambientes específicos, tal como preconizado por Gibson (1979),
e representativos, tal como sugerido por Brunswik (1956), de modo a
adquirirem as qualidades que se pretendem ver expressas nos cenários de
competição.

Portanto, para vir a ser um jogador de futebol de excelência parece ser


imprescindível acumular uma experiência de vivências táticas específicas
(i.e., princípios do modelo de jogo) e representativas (i.e., que simulem
fielmente as caraterísticas dos contextos para os quais se pretende transferir
37
De facto, de acordo com Kandel e colaboradores (2014), grupos de neurónios
ligados entre si denominam-se circuitos neuronais e são o substrato biológico dos
pensamentos, sentimentos, movimentos, de todos os processos conscientes e inconscientes
em que o sistema nervoso intervém. Em geral, os neurónios recebem impulsos nervosos nas
sinapses através do prolongamento do axónio (Coyle, 2009; Kandel et al., 2014). Muitos
axónios, sobretudo os que se estendem até lugares afastados, têm uma cobertura de
mielina, que atua como isolante (Kandel et al., 2014). A transmissão de informação do
sistema nervoso é bastante rápida nos axónios que estão revestidos com mielina em
comparação com os que não têm (Kandel et al., 2014).

36
os comportamentos), relevantes, em quantidade e sobretudo em qualidade,
e, por isso, o jogador só desponta verdadeiramente depois de exposto ao
processo de treino e competição (Garganta, 2009).

Face a estas e outras constatações, é incontornável a racionalização de


processos conducentes à eficácia da respetiva preparação, que permita no
intervalo entre jogos o desenvolvimento das competências de tomada de
decisão tática específica de um modo de jogar e representativa do jogo.
Parece ser esta dialética entre o treino do jogo e o jogo do treino que mais
pode contribuir para altos níveis de desempenho (Garganta et al., 2013).

Ora, uma vez que os atributos necessários para que os jogadores


manifestem qualidade se prendem, essencialmente, com a tomada de
decisão tática específica, justifica-se a atribuição de grande importância não
somente às estruturas dos jogadores que executam as habilidades motoras
específicas, mas também às que as dirigem e dominam para a partir daí se
construírem as situações que possam ser eficazes para a melhoria e
aperfeiçoamento dos comportamentos que se querem ver expressos (Roca et
al., 2018; Teoldo et al., 2015; Williams et al., 1999).

De facto, o estudo da tomada de decisão tem vindo a suscitar


considerável interesse na comunidade científica da área do treino dos jogos
desportivos. Assim, alguns investigadores têm produzido investigações sobre
a tomada de decisão durante o jogo e o treino do futebol. São disso exemplo,
Buszard e colaboradores (2013), Frybort e colaboradores (2016), González
Víllora e colaboradores (2011), González Víllora e colaboradores (2015),
Mesquita e colaboradores (2012), Otero Saborido e colaboradores (2012),
Praxedes-Pizarro e colaboradores (2017), Roca e colaboradores (2012),
Roca e Williams (2017), Romero Clavijo e colaboradores (2016), Ruiz-Pérez
e colaboradores (2015), Santos Gonzaga e colaboradores (2014), Smith e
colaboradores (2016) e Woods e colaboradores (2016).

Estes e outros estudos têm-se orientado por duas perspetivas


cognitivas, que consubstanciam duas formas ligeiramente diferentes de
entender as decisões comportamentais dos jogadores. Uma denominada de

37
cognitivista38, que é suportada pela Teoria do Processamento da Informação
(TPI) (i.e., pela analogia do cérebro com o computador); outra designada de
ecológica, que tem sido alimentada pelo recurso a conceitos oriundos da
teoria dos sistemas complexos, e, por isso, tem adotado a nomenclatura de
perspetiva ecodinâmica ou ecossistémica (Araújo, 2005).

Seguidamente, a revisão da literatura da especialidade debruçar-se-á


sobre a perspetiva cognitivista da tomada de decisão para perceber se esta
teoria consegue dar resposta à natureza complexa e caótica das tomadas de
decisão no decorrer do jogo de futebol.

2.6. A influência da teoria do processamento da informação no treino

Ao longo dos anos, a perspetiva cognitivista39 do processamento da


informação tem influenciado a conceção e aplicação das práticas de treino
(Castelo, 2019). É inegável que um dos grandes contributos para o estudo do
cérebro surgiu com a invenção do primeiro computador, em Princeton, e com
a analogia entre este e o funcionamento cerebral (Pozo, 1998).

A ideia básica é a de que a inteligência humana se assemelha à de um


computador, a tal ponto que a cognição pode ser definida como
processamento de informações (i.e., como manipulação de símbolos
baseada em um conjunto de regras). No seguimento desta ideia, os
computadores podem ser comparados com o cérebro humano do seguinte

38
A psicologia cognitiva teve a sua formalização oficial no dia 11 de setembro de
1956, por ocasião do Segundo Simpósio sobre Teoria da Informação ocorrida em
Massachussetts Institute of Technology (MIT) (Pozo, 1998). Ali reuniram-se figuras
relevantes para a psicologia cognitiva contemporânea, tais como Chomsky, Newell, Simon e
Miller (Bruner, 1983; Gardner, 1985; Kessel & Bevan, 1985).
39
Durante muito tempo falar de psicologia cognitiva equivalia a falar de
processamento de informação (Pozo, 1998). Todavia, de acordo com Cruz e Fonseca (2002)
e Pozo (1998), embora a Psicologia Cognitiva e a Teoria do Processamento de Informação
estejam intimamente ligadas, elas não são sinónimo. A Psicologia Cognitiva tem como
objetivo principal perceber como funciona a mente e diz respeito a uma posição teórica
global, a qual assume o comportamento como compreensível a partir de caraterísticas
internas cognitivas, como são as perceções, as atitudes, as crenças e os planos (Cruz &
Fonseca, 2002; Pozo, 1998). Por seu turno, enquadrando-se na Psicologia Cognitiva, a
Teoria do Processamento de Informação é a que os investigadores e práticos atuais das
ciências humanas mais frequentemente adotam, assumindo-se assim, como o paradigma
dominante da Psicologia Cognitiva (Araújo, 2005).

38
modo: os computadores recebem e processam muita informação (input);
possuem memórias prodigiosas (armazenamento); transportam a informação
de modos complexos (operações); realizam atividades complexas
(respostas); de acordo com um plano (planeamento) de ação (Cruz &
Fonseca, 2002; Pozo, 1998).

Em concordância com o modelo cognitivo de processamento de


informação, o comportamento motor explica-se com base na teoria do
esquema, proposta por Schmidt (1975, 1991). A denominada teoria do
esquema é fundamentada no conceito de programa motor genérico. Esses
programas motores são considerados as estruturas responsáveis pela
realização de movimentos similares (Schmidt, 1975, 1991). Dessa forma, os
programas são representados como estruturas abstratas da memória que
quando ativadas promovem a realização de movimento caraterizado pelo
padrão desse programa e atuam como controladores centrais e especificam o
modelo ideal de execução (Araújo et al., 2009; Temprado & Laurent, 1999).

Esta teoria entende que a perceção é indireta. Além disso, os vários


estímulos recolhidos do ambiente são completados pelo uso de
representações mentais que lhes dão significado (Oliveira & Oudejans, 2005).
Isto significa que, em vez de um jogador percecionar diretamente, por
exemplo um espaço nas costas da defesa, é como se ele tirasse várias
fotografias do contexto, recordando, depois, as primeiras fotos e contruísse
um filme e, após o filme feito, o comparasse às outras memórias para lhe dar
significado correto (Oliveira & Oudejans, 2005). Só depois deste processo é
que o programa motor é selecionado e os comandos são executados para o
jogador manifestar algum comportamento (Passos, 2006; Oliveira &
Oudejans, 2005). De qualquer modo, tal perspetiva não explica o controlo de
tarefas novas para as quais não existe ainda nenhum programa motor
(Oliveira & Oudejans, 2005).

De acordo com Passos e colaboradores (2006), depreende-se que os


teóricos do processamento de informação tendem a ver a perceção não só
como indireta e precedente da ação, mas principalmente como um processo
independente e anterior à ação. Melhor dizendo, o controlo de uma
determinada ação, como por exemplo o remate, visto desta forma, consiste

39
em recolher primeiro a informação, de seguida, é programado o movimento e,
finalmente, passa-se à execução (Oliveira & Oudejans, 2005).

O pensamento baseado na teoria do processamento da informação e na


teoria do esquema tem vindo a estar na origem da criação de exercícios de
treino que preconizam a repetição de situações, com regras de execução
muito bem definidas, levando à memorização de padrões motores estanques,
sendo este processo o grande responsável pela qualidade das ações do
jogador em competição (Davids et al., 2004). Segundo esta perspetiva,
admite-se a existência de um modelo ideal de execução, pelo que a
variabilidade do movimento é tida como um erro, ou desvio, na aquisição das
habilidades ou comportamentos, sendo indesejada em todas as fases da
aprendizagem (Davids et al., 2006; Handford et al., 1997; kelso, 1995).

Como reportam Garganta e colaboradores (2013), também no âmbito


do processo de treino do futebol, o desacerto ou erro tem sido
frequentemente entendido como elemento a evitar, não obstante as novas
perspetivas sustentem que o mesmo seja considerado parte integrante e até
estruturante da aprendizagem, por ser suscetível de constituir um indicador
relevante dos fatores perturbadores do desempenho e, assim, poder ajudar a
corrigi-los. Acresce que a repressão do erro parece desencorajar a tentativa,
reduzindo a disposição do jogador para arriscar e para optar por caminhos
diversos (Garganta et al., 2013). Tal facto, poderá perpetuar no jogador o
receio de falhar e, eventualmente, irá limitar a sua evolução.

Não obstante a utilidade da perspetiva cognitivista do processamento da


informação, de acordo com Abernethy e colaboradores (2003), as
explicações desta perspetiva, bem como as práticas a ela associadas,
parecem ser insuficientes no contexto do desporto, mesmo considerando o
papel do processamento paralelo, atendendo aos acentuados
constrangimentos temporais, à elevada complexidade espacial e à
multiplicidade de interações.

De facto, os jogadores são influenciados a decidir num plano tático


pressionados pelos adversários, sem pausas e sem tempo para recorrer a
grandes processos conscientes (Araújo et al., 2006). As decisões parecem

40
emergir sem que estejam previamente estipulas, decoradas e memorizadas
para serem postas em prática nos momentos de competição (Araújo et al.,
2006; Ashford et al., 2021; Davids et al., 2006).

As limitações da perspetiva cognitiva podem ainda ser mais severas se


considerarmos que esta perspetiva se baseia, de acordo com Handford e
colaboradores (1997), na separação cartesiana entre mente e corpo, bem
como numa visão computacional (i.e., considerando compartimentos isolados
da mente). Tal facto acarreta a necessidade de gerar representações internas
da informação e a sua interpretação, ou seja, um processo que parece
inexequível em muitas ações rápidas, como aquelas que proliferam nos jogos
desportivos (Ashford et al., 2021; Williams et al., 1999).

O jogador pode ser considerado um microssistema antes de mais ativo,


com autonomia do sistema nervoso. Neste sentido, a reatividade linear
simples não explica as atividades espontâneas, nem os processos de
desenvolvimento e de criação (Araújo, 2005; Davids et al., 2006; Frade,
2013a, 2013b; Garganta & Gréhaigne, 1999; Seirul-lo, 2017c; Torrents,
2005).

A perspetiva da tomada de decisão, tendo por base o entendimento


cognitivista do processamento da informação, levanta algumas reservas
adicionais, posto que meramente desloca o problema do comportamento
decisional para uma estrutura interna pré-existente, não respondendo à
questão de como é que essa organização neurobiológica teve origem (Turvey
et al., 1981).

Depreende-se, ainda, que a abordagem, baseada na teoria do


processamento da informação, parece ignorar o facto de os jogadores de
elevada competência usarem as suas ações para explorar a estrutura da
tarefa de modo a obterem informação percetiva para atingirem o objetivo
(Araújo et al., 2005). De facto, segundo Passos e colaboradores (2006),
apesar das interações exibirem certas regularidades, os jogadores de maior
qualidade não estão presos a soluções táticas ou técnicas muito estáveis ou
rígidas; pelo contrário conseguem adequar e adaptar os seus

41
comportamentos às exigências do contexto, o que promove decisões
emergentes.

Ora, estas flutuações no comportamento parecem encontrar-se


acopladas às condições ambientais e a exigências da tarefa (Araújo et al.,
2006; Davids et al., 2006). Assim, aparentemente, faz mais sentido que o
controlo das interações seja primeiramente percetivo40, em vez de assentar
numa elevada complexidade dos processos computacionais ou de memória
(Garganta & Gréhaigne, 1999).

Face a estes problemas, esta abordagem que concebe que o


comportamento humano é o resultado de processos computacionais
localizados no cérebro bem como as práticas de treino a ela associada, tem
sido refutada por uma abordagem recente do comportamento, designada de
ecossistémica (Ashford et al., 2021; Bate, 1988; Roca et al., 2018; Tavares et
al., 2006; Williams, 2000).

Assim, seguidamente, aprofundar-se-á a revisão da literatura acerca


desta perspetiva na medida em que ela parece fornecer contributos que
poderão dar respostas ajustadas às exigências que o jogo de futebol coloca
aos jogadores.

40
A título de exemplo foquemo-nos no jogo Liverpool vs Barcelona, na segunda mão
da meia-final da UEFA Champions League (UCL), de 2019. A determinado momento do jogo,
quando o resultado se traduza por uma igualdade a três golos, o defesa lateral direito do
Liverpool, pressionado pelo tempo e pela necessidade de marcar um golo rapidamente
decidiu prontamente colocar a bola junto à bandeirola de canto para que o colega que iria
executar o pontapé de canto não perdesse tempo. Mas, nesse instante acontece algo
inesperado; no exato momento que Arnold se afastava do local, decide dar dois passos atrás
e executa o pontapé de canto para Origi, que apanhando toda a gente de surpresa fez o
quarto golo e qualificou o Liverpool para a final da competição que viria a vencer. O que terá
levado Arnold a decidir pela marcação imediata do canto? À primeira vista, eventualmente, a
emergência do reconhecimento de informação contextual através da perceção de uma
interação que poderia ser eficaz. Esta constatação abre espaço para situações em que os
jogadores são obrigados a agir alicerçando as suas ações em decisões que parecem ser
intuitivas, i.e., que parecem ter origem no subconsciente. Principalmente em organização
ofensiva, na última fase de construção, em que os espaços e tempo disponível para agir são
diminutos, os jogadores parecem ser impelidos a reconhecer informações do contexto que
lhes permitam agir em função das oportunidades que as circunstâncias permitem.

42
3. O treino perspetivado a partir da visão ecossistémica da tomada
de decisão

A perspetiva ecossistémica da tomada de decisão assume-se como


uma tarefa científica transdisciplinar que tem a sua origem nos trabalhos
desenvolvidos por Davids e colaboradores (1994) e Handford e
colaboradores (1997), que indicaram a necessidade de uma perspetiva
biofísica da tomada de decisão e desenvolvimento de comportamentos.
Esses artigos sugeriam que os treinadores apreciassem as complexas e
entrelaçadas interações entre um jogador individual, a tarefa e a organização
de um sistema ambiental em movimento (Newell, 1986).

Mais de duas décadas passadas, essas ideias evoluíram para o que


hoje se designa de perspetiva ecodinâmica ou ecossistémica (Araújo et al.,
2006). Um arcabouço teórico contemporâneo que procura reduzir a carga
teórica relativa aos processos de tomada de decisão e aprendizagem,
através da integração de conceitos da psicologia ecológica 41 (Gibson,
1979)42, da recuperação dos conceitos de graus de liberdade e sinergia, de
Bernstein (1967), do conceito de constrangimentos dos sistemas dinâmicos
(Newell, 1986), da incorporação de ideias das ciências da complexidade
(Edelman & Gally, 2001) e da ciência evolutiva (Araújo et al., 2020), para
explicar a tomada de decisão e o comportamento humano como um
fenómeno emergente e dinâmico (Araújo, 2005; Balagué et al., 2013;
Garganta, 2005; Sousa Ramos, 2009).

41
A perspetiva ecológica é distinta de outras como a naturalista e as ambientalistas já
que as naturalistas pretendem estudar o contexto da ação, isto é, como é que o individuo
funciona e não encontrar princípios que permitam generalizar como se estabelece a
interação entre individuo e contexto (Araújo, 2005). Já os ambientalistas, querem afastar-se
do cognitivismo, ignoram o individuo, defendendo que o ambiente é responsável por tudo
(Araújo, 2005).
42
Segundo Araújo (2005), a perspetiva ecológica da psicologia tem a sua origem nas
propostas de Barker (1968), Brofenbrenner (1977), Brunswik (1943) e Gibson (1979). As
“escolas” formadas por estes autores partilham um ponto de vista global comum, contudo
diferem nas tónicas e nas propriedades. No âmbito das ciências do desporto a abordagem
ecológica tem seguido os pontos de vista de Brunswik (1943) e de Gibson (1979). Estas
duas perspetivas ecológicas podem ser vistas como versões específicas de um programa de
investigação mais geral que distingue entre a estrutura distal, o objeto, e a estrutura
proximal, o meio. Estas abordagens permitem que se integre o acoplamento perceção-ação,
com o julgamento e tomada de decisão estáticos para se explicar os processos cognitivos
implicados em situações dinâmicas tal como acontece no desporto (Araújo, 2005). De entre
estas a que tem reunido mais entusiasmo é a proposta de Gibson (1979).

43
De acordo com Davids e colaboradores (2006), esta perspetiva
pretende mostrar que a interação do sujeito com o ambiente tem um impacto
importante nos comportamentos e nas atitudes. O comportamento adaptativo
é especificado pela informação do ambiente, que não tem necessariamente
de ser representada internamente, influenciando o funcionamento dos
jogadores em ambientes imprevisíveis (Ashford et al., 2021; Fajen et al.,
2003).

Por outras palavras, a perspetiva ecossistémica considera que as


decisões são tomadas com base na perceção de oportunidades de ação,
nomeadamente no que respeita à identificação dos constrangimentos
informacionais (relações espácio-temporais) que guiam a perceção e a ação
dos jogadores (Araújo et al., 2006).

Segundo a abordagem ecossistémica, são a estrutura e a física do


envolvimento, a biomecânica do corpo de cada indivíduo, a informação
percetual relativa às variáveis informacionais, e as exigências específicas de
cada tarefa que servem para constranger o comportamento (Araújo, 2005;
Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005; Araújo &
Volossovitch, 2005; Davids et al., 2003; Newell, 1986; Travassos, Duarte, et
al., 2012; Warren, 2006; Williams et al., 1999).

Os seus princípios centram-se na análise da informação provenientes


das propriedades do envolvimento, que sejam percetivelmente acessíveis e
pertinentes ao individuo para a realização da tarefa, permitindo uma relação
concomitante e permanente entre o sujeito, o meio ambiente e a tarefa a
desenvolver (Beek et al., 2003; Gibson, 1979, 2000, 2003). Neste sentido, de
acordo com Gibson (1979), em vez de o controlo estar localizado numa
estrutura interna, encontra-se distribuído pelo sistema sujeito-envolvimento.
Desta forma, o papel das cognições e das intenções é visto como meramente
organizacional e não, explicitamente como a entidade que controla os
movimentos (Davids et al., 2001).

De acordo com os seus estudos sobre visão, Gibson (1979),


considerava que a capacidade de ver não estava exclusivamente dependente
do olho conectado ao cérebro. Para Gibson (1979), a visão depende dos

44
olhos, que estão na cabeça, que está num corpo, que está no chão, e o
cérebro não será mais do que o órgão central de todo o sistema visual.
Seguindo esta lógica, Gibson (1979), propôs um novo método para
compreender a perceção, na qual devem ser descritos os meios, a possível
informação a receber e o próprio processo da perceção. A investigação deste
autor é amplamente baseada na teoria da perceção direta43 (i.e., as decisões
em ambientes complexos e não-lineares parecem apelar a um acoplamento
perceção-ação quase direto e não consciente).

O autor propõe o conceito de affordance 44 para descrever o que o


contexto oferece e o que ele sugere. Esse conceito refere-se ao significado
percebido pelo observador de cada coisa, de acordo com a perspetiva da
gestalt (Gibson, 1979). Todavia, a affordance não muda em função da
necessidade do observador; ela é invariante. A questão central não será se
as affordances existem ou não, mas se podem ser ou não percebidas
(Afonso, 2012). O contexto, as substâncias, as superfícies, os objetos, os
lugares, e os outros animais são affordances para o organismo em questão e
serão benéficos ou prejudicais, por isso elas têm que ser percebidas (Gibson,
1979).

Neste sentido, de acordo com Gibson (1979), a relação complementar


entre ambiente, tarefa e indivíduo pode determinar oportunidades de ação
(i.e., affordances). As informações existem no contexto e os jogadores com
melhores desempenhos distinguem-se por agir de forma a encontrar as
informações que, de acordo com as suas próprias possibilidades, lhes

43
Esta teoria explica a especificação direta entre a estrutura distal e proximal, o que
permite um acoplamento estrito entre individuo e envolvimento. Quer isto dizer que as
pessoas podem percecionar diretamente as propriedades significativas do envolvimento (i.e.,
as informações que indicam o que fazer), sem ter de utilizar processos mediadores (i.e.,
interpretação das informações) (Araújo, 2005). Para descrever a estimulação disponível ao
indivíduo, de modo a que ele conheça o estado do envolvimento (i.e., a estrutura proximal),
Gibson (1979) desenvolveu o conceito de invariantes. As invariantes descrevem a estrutura
do cenário visual. Portanto a perceção pode ser direta se houver uma relação de um para
um, entre uma invariante e um proporcionador (Araújo, 2005). Todavia, a perceção direta só
ocorre quando as pessoas estão ativamente afinadas a uma invariante do envolvimento
(Gibson, 1979). Por exemplo, uma informação é a trajetória de uma bola em voo. Se o
praticante seguir visualmente a bola, correndo de modo a que anule a aceleração da bola na
sua retina, ele poderá agarrá-la. Isto acontece porque o praticante estava afinado à
aceleração do objeto na retina, sendo uma invariante (Araújo, 2005).
44
Affordance vem do termo aufforderungscharakter proposto por Kurt Lewin, que foi
traduzido como convite, caráter, valência.

45
permitem atingir o êxito45 (Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005). Estas
perceções diretas foram criadas pela relação que se teve com os objetos
(Gibson, 1979). No entanto, em situações mais complexas não é considerada
somente a perceção da situação, entra também a perceção que se tem da
própria capacidade de realização dessa ação (Gibson, 1979).

Contudo, segundo Araújo e colaborados (2006), as interações online


sobrepõem-se, por vezes, à influência de constrangimentos estruturais no
sistema de movimento humano, dando origem a comportamentos
emergentes que têm uma dinâmica própria, tal como Fajen e Warren (2003)
apelidam de behavioral dynamics.

Portanto, e de acordo com Gibson (1979), pode-se concluir que a


affordance é a utilidade funcional que um objeto ou evento oferecem ao
observador em função das suas capacidades de ação46. Assim, apreender as
affordances envolve uma sintonização com as relações funcionais entre o
movimento e o contexto específico de performance, o que justifica uma
análise à conformidade contextual47 das decisões e das ações dos jogadores
(Anson et al., 2005; Passos et al., 2008; Vicente, 2003).

Este processo é específico para cada sujeito, uma vez que varia em
função dos constrangimentos inerentes ao organismo (Davids et al., 2003;
Lenzen et al., 2009). Neste contexto, as affordances adotam uma dupla
natureza, tanto objetiva, porque existem na natureza, como subjetiva,

45
Simplificando, pode-se dizer que os objetos têm a informação que promovem e/ou
orientam determinado comportamento em função das nossas experiências e conhecimentos
relativos a esses objetos. Por exemplo, quando vemos uma maçã sabemos que é de comer,
e se vemos uma bola de ténis, sabemos que é para jogar.
46
Um exemplo muito concreto é o de uma bola em voo que não é percebida em
termos das suas dimensões, cores, densidade, distância ao alvo, nem qualquer outro atributo
físico (Williams et al., 1999). Em vez disso, é percebida de acordo com as suas
oportunidades para ação, i.e., que ações deve ou pode o atleta realizar numa dada situação.
Considerando, de acordo com Vickers (2007), que as situações táticas, típicas dos jogos
desportivos, implicam movimento, e que este impõe mudanças contínuas no campo visual,
as affordances assumem um caráter dinâmico (Gibson, 1979).
47
Talvez por isso se constate que alguns jogadores que atingem níveis de
desempenho de excelência num determinado contexto, quando colocados em outros
ambientes parecem não conseguirem atingir os mesmos desempenhos. Um exemplo
concreto é o desempenho de jogadores nos clubes e nas seleções, em que por vezes nem
parecem ser os mesmos jogadores. Tal facto deriva que diferentes contextos/especificidades
solicitam diferentes competências que podem ser ou não as adequadas para que os
jogadores se expressem na sua plenitude.

46
porquanto apenas existem em relação a algo ou a alguém (Afonso, 2012;
Araújo et al., 2007; Gibson, 1979, 2003).

Importa também referir que o mesmo individuo pode encontrar múltiplos


significados ou possibilidades de ação partindo do mesmo grupo de
affordances (Gibson, 1979). O significado de cada affordance e a sua
perceção podem até mudar à medida que a habilidade do jogador e a sua
competência para a ação progridem (Pijpers et al., 2006). Enfim, embora as
affordances estejam presentes no contexto, o grau e o modo como são
percebidas são influenciados pelas experiências específicas de cada
individuo (Afonso, 2012; Gibson, 2003; Vickers, 2007).

Também no contexto de atividades coletivas, como por exemplo os


jogos desportivos de equipa, Silva e colaboradores (2013) sugerem que as
affordances podem ser partilhadas (i.e., percebidas por um grupo de
indivíduos treinados para se tornarem percetivelmente sintonizados com
elas). A perceção das affordances partilhadas pode funcionar como uma
pressão seletiva para superar os adversários e alcançar desempenhos
eficazes (Araújo et al., 2015). Estas affordances partilhadas e coletivas são
sustentadas por objetivos comuns dos membros da equipa que cooperam
para alcançar o sucesso do grupo (Silva et al., 2013). Segundo esta
perspetiva, a coordenação das equipas depende da sintonização coletiva de
affordances partilhadas, fundamentadas numa base prévia de comunicação
ou troca de informações (Silva et al., 2013).

Tal perspetiva, sugere que através da prática, os jogadores se tornam


percetivamente sintonizados e adquirem a capacidade de, ajustando
comportamentos, se adaptarem funcionalmente uns aos outros, tendo em
conta os colegas e os oponentes (Silva et al., 2013). Esse processo parece
permitir que eles atuem sinergicamente com relação a objetivos específicos
da equipa, referenciados aos princípios do modelo de jogo. Face a esta
perspetiva ganha particular relevo que a especificidade tática seja o objeto do
treino (Araújo et al., 2015).

Note-se que, no âmbito da perspetiva ecossistémica, as estruturas


coordenativas se explicam por se entender que o movimento acontece por

47
indução percetiva e porque as unidades motoras implicadas no movimento
atuam por sinergia (Araújo et al., 2005; Newell, 1986; Passos et al., 2008;
Romero Clavijo et al., 2016; Travassos, Araújo, Davids, et al., 2012; Williams
et al., 2004). Neste sentido, as estruturas coordenativas condicionam o
individuo a realizar as ações que estão relacionadas com essas estruturas e
não por um plano previamente estipulado ao nível cognitivo (Gibson, 1979;
Travassos, Araújo, Davids, et al., 2012; Travassos, Araújo, Duarte, et al.,
2012; Vilar et al., 2013).

Para este entendimento muito contribuíram as ideias do autor soviético


Bernstein (1967), que sustentava que os movimentos ocorrem por causa dos
desequilíbrios das forças, causadas por mudanças na tensão muscular.
Essas forças contribuem e influenciam todos os movimentos, enquanto estão
a acontecer, e constituem um campo de forças em contínua mudança,
causando uma infinidade de variáveis independentes que afetam o
movimento (Kelso & Schoner, 1988).

Em relação ao comportamento motor, a perspetiva ecossistémica serve-


se de ideias vindas de paradigmas científicos como a teoria do caos e as
ciências da complexidade que foram integrados em conceitos e instrumentos
da teoria dos sistemas dinâmicos de modo a melhor explicar o
comportamento motor (Araújo, 2005). A formação espontânea de padrões
entre as partes componentes de um sistema dinâmico emerge através de
processos de auto-organização (Frank et al., 2008; kelso, 1995, 1997; Kelso
& Schoner, 1988; Schmidt et al., 1999).

A auto-organização é manifestada como uma transição entre diferentes


estados organizacionais (Kelso & Schoner, 1988). Estes estados emergem
devido a constrangimentos internos e externos que pressionam os
componentes do sistema a mudar o seu estado atual (Kelso & Schoner,
1988). As pressões são impostas por parâmetros chave a um nível
macroscópico (i.e., relação individuo-envolvimento), impondo ordem espácio-
temporal nos componentes microscópicos do sistema dinâmico (i.e., grupos
músculo-articulares, feixes de neurónios, etc.). Quando um parâmetro chave,
que exerce pressão no sistema, muda de valor, a simetria temporariamente
adotada pelo sistema (i.e., o equilíbrio) pode quebrar-se fazendo emergir uma

48
nova solução48 (i.e., um novo estado de coordenação) (Araújo, 2005; Araújo
et al., 2015; Araújo & Volossovitch, 2005).

Importa ainda ter presente que no desporto, a maioria das decisões são
tomadas no decurso da ação, e no caso dos jogos desportivos, entre os quais
o futebol, estando o jogador e o objeto de jogo em movimento (Ashford et al.,
2021). Segundo a perspetiva ecossistémica, o movimento gera informações e
potencialidades de ação, de tal modo que a perceção gera movimento,
estabelecendo a base para as teorias do acoplamento perceção-ação (Fajen
& Warren, 2003; Fajen et al., 2003; Vilar et al., 2012). Esta ligação
bidirecional entre perceção e ação foi demonstrada nos estudos de
Slobounov e colaboradores (2006) e Stofffregen e colaboradores (2006).

Trata-se de uma relação complexa, de mútua dependência e


causalidade circular entre sistemas percetivos e sistemas de movimento, no
seio da qual emerge a tomada de decisão, a qual se vai alternando no
decurso da ação (Slobounov et al., 2006; Stofffregen et al., 2006). Estes
acoplamentos perceção-ação são específicos dos contextos e remetem para
outro conceito nuclear no âmbito da perspetiva ecológica, a noção de
constrangimento (Abernethy et al., 2003; Araújo et al., 2007; Davids et al.,
1999; Davids et al., 2006; Garganta, 2005; Newell, 1986; Passos et al., 2008;
Romero Clavijo et al., 2016).

A noção de constrangimento foi proposta por Newell e colaboradores


(1958). Os constrangimentos constituem restrições à ação, cujas interações
provocam a emergência de ações coordenadas (Anson et al., 2005; Araújo et
al., 2006). A interação dos diversos constrangimentos induz ou inibe certas
vias de expressão, emergindo as affordances como possibilidades ou
oportunidades para a ação (Gibson, 1979). Na ausência de
constrangimentos, os graus de liberdade para a ação tornar-se-iam infinitos,
perdendo o sistema – o corpo – a capacidade de se auto-organizar (Williams
et al., 1999; Williams et al., 2004).

48
Por exemplo, numa situação de 1x1, em desportos coletivos, o atacante procura
ultrapassar o defesa e este procura contrabalançar as ações do atacante, numa ação de
oposição coordenação. A decisão de “quando ultrapassar a defesa” é um processo
emergente, que surge pela quebra de simetria entre os jogadores.

49
Acresce que os sistemas biológicos podem, até certo grau, regular a
forma como interagem com os constrangimentos e os manipulam,
amplificando, por essa via, as possibilidades de ação (Araújo et al., 2006).
Todavia, a interação dos constrangimentos estreita o número de graus de
liberdade, mas geralmente não compele a uma opção única (Afonso, 2012).
Isto confere espaço para alguma deliberação consciente relativa às escolhas
possíveis entre diversos cursos de ação (Afonso, 2012).

É importante clarificar que os constrangimentos não são influências


negativas no comportamento, tal como opressores ou punidores que tiram a
liberdade do sistema (Araújo, 2005). Em vez disso, os constrangimentos são
a forma como os componentes do sistema estão ligados, formando um tipo
específico de organização. Um constrangimento é um aspeto particular de
organização que limita o espectro, dentro do qual podem surgir soluções
(Araújo, 2005).

De acordo com Newell (1986), os constrangimentos podem ser


classificados em três49 categorias: do individuo, da tarefa ou do ambiente,
que são distintos, mas podem providenciar uma abordagem coerente para a
compreensão de como os padrões de coordenação emergem durante o
comportamento intencional. Os constrangimentos de todas as categorias
interagem e influenciam o desempenho (Abernethy et al., 2003; Anson et al.,
2005; Corrêa et al., 2012; Garganta, 2005; Newell, 1986; Passos et al., 2008).
Assim, o comportamento não é linearmente determinado por estas
categorias, uma vez que emerge da interação entre jogador e ambiente em
direção ao objetivo da tarefa (Araújo, 2005).

O modelo de Newell (1986) fornece uma vantajosa concetualização


para guiar a compreensão sobre a coordenação humana. Porém, quando os
constrangimentos em interação são analisados em diferentes níveis de

49
De acordo com Newell (1986) os constrangimentos do individuo referem-se às
caraterísticas dos jogadores individualmente, tais como os genes, a altura, o peso, a
composição corporal, as suas conexões sinápticas no cérebro, e as caraterísticas
psicológicas tais como as cognições, as motivações e as emoções. Incluem ainda padrões
habituais de pensamento, níveis de perícia ou anomalias no sistema visual. Os
constrangimentos da tarefa incluem os objetivos, as regras de um desporto específico, os
utensílios e engenhos usados durante uma atividade, os campos e as respetivas marcas. Os
constrangimentos do ambiente podem ser físicos, tal como a luz ambiente, a altitude ou a
temperatura, podem afetar o funcionamento do movimento humano em diferentes níveis.

50
desempenho desportivo, surgem novas ideias para acrescentar a este
modelo (Araújo & Volossovitch, 2005; Garganta, 2005). Por exemplo, os
jogos desportivos coletivos com bola, como o futebol, ocorrem num contexto
onde tanto a coordenação do jogador como da equipa são relevantes (Araújo
& Volossovitch, 2005; Garganta, 2005). Neste sentido, nestas modalidades
desportivas parece ser útil conceber o coletivo como uma categoria especial
de constrangimentos.

De facto, durante o jogo de futebol, cada equipa atua como um sistema,


no qual os seus componentes (i.e., os jogadores), estão organizados como
um superorganismo, conforme sugerem Duarte e colaboradores (2012).
Deste modo, a equipa com os seus constrangimentos específicos, os quais
são diferentes dos do individuo, interagem com o ambiente para permitirem
que se atinja o objetivo da tarefa (Garganta, 2005; Newell, 1986; Travassos,
Araújo, Davids, et al., 2012; Vilar et al., 2013; Williams et al., 2004). Cada
jogador tem a sua função local, que está coordenada com as funções dos
colegas, começando pelos mais próximos até aos que estão mais afastados,
levando à obtenção de objetivos globais e sistémicos ao nível da equipa
(Araújo et al., 2015; Silva et al., 2013).

Quer isto dizer que, apesar da tomada de decisão ser aberta, e por
vezes imprevisível, atendendo à possibilidade de inúmeros comportamentos
criativos, estas estão também condicionadas pelos princípios de jogo que
visam a interação entre os jogadores da equipa (Silva et al., 2013). Ao
conhecer as funções de um companheiro de equipa, a sua técnica,
habilidade, crenças, preferências e estilo, a tomada de decisão parece ter
como referência, também, a cooperação com o outro e os outros jogadores
que por sua vez o influenciam igualmente (Castelo, 1996, 2002; Garganta et
al., 2013; Guilherme, 2004; Seirul-lo, 2017c).

Logo, atendendo a que o jogo de futebol é um jogo coletivo de


interdependência, salienta-se a importância dos jogadores estarem em
sinergia, uma vez que a qualidade da interação é maior do que a soma das
qualidades dos elementos quando tomados individualmente (Bertrand &
Guillemet, 1988). Neste sentido, é conveniente que as equipas tenham como

51
referência um conhecimento coletivo relevante, para os seus membros o
utilizem na concretização de uma tarefa (Cooke et al., 2000).

Admite-se que este conhecimento partilhado entre os membros de uma


equipa, ajuda as equipas a coordenarem-se implicitamente, quando as
comunicações explicitas estão bloqueadas, aumentando por isso a
performance coletiva e estabelecendo expectativas mútuas permitindo às
equipas coordenar-se e fazer predições sobre as tomadas de decisão e sobre
as necessidades dos companheiros (Cannon-Bowers et al., 1993).

Importa ainda perceber que, segundo a perspetiva ecossistémica da


tomada de decisão, a capacidade percetiva dos jogadores melhora à medida
que melhoram as suas habilidades motoras e, consequentemente, os
jogadores tornam-se menos dependentes da informação visual, controlando
alguns aspetos das suas ações graças ao controlo propriocetivo (Ford et al.,
2006; Hodges et al., 2007; Mesquita, 2005a). Concomitantemente, libertam a
visão dum controlo técnico, internamente centrado, para um controlo tático,
externamente direcionado, evidenciando, inequivocamente, a relação
existente entre a habilidade motora e a perícia decisional (Thomas, 1994).

De facto, nos últimos anos, um número considerável de pesquisas tem


investigado os processos de tomada de decisão nos contextos em que elas
ocorrem (Vilar et al., 2012). Por exemplo, verificam-se estudos realizados
com basquetebol (Esteves et al., 2011), rúgbi (Correia et al., 2012; Passos et
al., 2012) e futsal (Corrêa et al., 2012; Corrêa et al., 2014; Travassos, Araújo,
Duarte, et al., 2012; Vilar et al., 2013). Estes estudos evidenciam que as
relações espácio-temporais entre jogadores e entre estes e os aspetos do
campo de jogo, atuam como constrangimentos sobre a tomada de decisão de
ações tais como, as velocidades e direções de execução do passe e remate.

Tendo em conta os argumentos aduzidos, a noção clássica de exercício


de treino, com regras de execução muito bem definidas e soluções
previamente determinadas, parece não se afigurar como o que melhor
viabiliza o desenvolvimento das competências para jogar.

De acordo com a perspetiva ecossistémica e as investigações


realizadas, importa que os treinadores proponham ambientes práticos de

52
aprendizagem que promovem interações auto-organizadas (e
autorreguladas) entre o ator e o ambiente (Woods, Rudd, et al., 2020), uma
vez que as perceções, cognições e ações são fenómenos interativos e auto-
organizados que emergem da interação dinâmica e contínua das
capacidades de ação de um jogador (definidas como as suas efetividades) e
as possibilidades definidas como oportunidades de ação (i.e., affordances)
(Gibson, 1979) oferecidas em um ambiente de competição específico
(denominado nicho ecológico) (Araújo et al., 2006).

Portanto, tal como alguns autores sugerem, entre os quais, Araújo e


colaboradores (2006), Araújo e colaboradores (2009), Garganta (2004),
Guilherme (2004) e Seirul-lo (2017c), parece fazer sentido que o treino seja
direcionado não apenas para o desenvolvimento das ações propriamente
ditas, mas importa que também se foquem em informações, conhecimentos,
perceções e de decisões50 específicas e representativas que lhes dão sentido
e que vão gerar as interações táticas que levam a que se jogue o jogo de um
determinado modo. Neste sentido, parece ser pertinente adotar práticas que
estabeleçam pontos de contacto com a pedagogia não-linear (Chow, 2013;
Chow et al., 2011; Cláudio et al., 2019).

Seguidamente aprofundar-se-ão as caraterísticas das tarefas práticas


que podem contribuir para que os jogadores desenvolvam comportamentos
de acordo com os princípios do modelo de jogo criado.

3.1. A especificidade e a representatividade nas tarefas práticas

A partir da perspetiva ecossistémica da tomada de decisão e tal como


referem alguns autores, afigura-se pertinente que os treinadores assumam a
tomada de decisão tática específica, que se manifesta em interligação com
os demais fatores do rendimento, como núcleo diretor das tarefas práticas de
treino (Cano, 2010; Castelo, 2019; Frade, 2013b; Garganta, 1997; Gomes,
2008; Guilherme, 1991, 2004; Teoldo et al., 2015; Tobar, 2018).

50
Note-se que as decisões que um jogador toma durante o jogo são também
referenciadas às probabilidades de êxito na respetiva ação, isto é, estão relacionadas com a
sua disponibilidade para percecionar, decidir e agir num contexto determinado (Gladwell,
2005; Serpa, 2017; Silvério & Srebo, 2012; Vilar et al., 2012).

53
Essas práticas necessitam adotar uma conceção pedagógica que, ao
mesmo tempo que induzem modos eficazes de organizar o jogo, levem a
afinar a perceção e a decisão tático-estratégica dos jogadores em função do
sentido (i.e., da especificidade), que se confere aos cenários de jogo. Mas
também que promovam a adaptação fisiológica e o refinamento das
habilidades técnicas para gerar eficácia nesses contextos (Castelo, 2002;
Castelo & Matos, 2013; Garganta et al., 2013).

Neste sentido, a pedagogia não-linear, enquanto conceção pedagógica


de ensino/treino que se baseia no corpo teórico da perspética ecossistémica
da tomada de decisão, poderá fornecer as bases para a construção das
tarefas práticas de treino (Cantos & Moreno, 2019; Chow, 2013; Chow et al.,
2011; Cláudio et al., 2019; Martín-Barrero & Camacho, 2020; Schöllhorn et
al., 2012).

Este modelo pedagógico possibilita que os jogadores resolvam


diferentes problemas que o jogo coloca com soluções variadas e entende que
as mudanças no comportamento dos jogadores são fruto da adaptabilidade
do sistema, a partir do qual emergem padrões de auto-organização baseada
na manipulação dos constrangimentos (Araújo et al., 2009; Woods,
McKeown, et al., 2020; Woods, Rudd, et al., 2020).

O principal objetivo é dotar os jogadores de um amplo repertório motor,


para resolver de uma forma natural e específica os diferentes problemas que
aparecem no curso normal do jogo de futebol (Chow, 2013; Chow et al.,
2011; Cláudio et al., 2019). Para tal, é necessário levar em consideração
alguns critérios no momento de planear as tarefas táticas (Cantos & Moreno,
2019; Martín-Barrero & Camacho, 2020).

Em primeiro lugar, afigura-se pertinente que os jogadores aprendam,


com as tarefas propostas, a gerir os princípios de funcionamento e de
interação específicos do modelo de jogo da equipa, na íntima relação com a
competição, de modo a propiciar a exploração de cenários que permitam aos
praticantes desenvolver as capacidades de perceção e decisão que lhes vão
permitir reconhecer oportunidades a partir das informações ambientais
específicas e representativas (Araújo et al., 2007; Brunswik, 1956; French et

54
al., 1996; Lex et al., 2015; McPherson, 1993; Pinder et al., 2011; Woods,
Rudd, et al., 2020).

Ao assumir-se a pertinência da representatividade do jogo, está-se a


dar ênfase a caraterísticas tais como complexidade, a variabilidade, a
reversibilidade da ação, a imprevisibilidade, a aleatoriedade, a cooperação e
oposição enquanto fatores de evolução (Araújo et al., 2009; Araújo et al.,
2005; Passos et al., 2008; Schöllhorn et al., 2012). O objetivo é provocar a
mobilização das capacidades percetivas e decisionais, em contextos
abertos 51 de oposição em que ocorrem problemas típicos do jogo com
diferenciadas possibilidades de resposta tal como acontece nos momentos
de competição (Chow, 2013; Duarte et al., 2013; Garganta, 2005; kelso et al.,
1981; Schöllhorn et al., 2012; Schöllhorn et al., 2009).

Esta estratégia de intervenção induz o desenvolvimento de


comportamentos mais versáteis, permite alargar o espetro de respostas e
prepara os jogadores para lidarem com situações não convencionais,
provocando a necessidade do jogador se adaptar e criar uma variedade de
padrões de comportamento, tirando partido das flutuações num sistema
complexo, aumentando-as através de uma não repetição e constante
mudança durante as tarefas, o que acrescenta perturbações estocásticas
(Frank et al., 2008; Garganta, 2005; Schöllhorn et al., 2012).

Deste modo, as flutuações nos subsistemas do sujeito são exploradas


mesmo durante a aprendizagem, aportando-lhe a capacidade de ele próprio
encontrar padrões de performance dependentes do contexto circunstancial
em que está inserido (Chow, 2013; Duarte et al., 2013; Frank et al., 2008;
kelso et al., 1981; Schöllhorn et al., 2012).

51
A variabilidade dos contextos de treino potencia a capacidade para criar em
ambientes caóticos uma vez que ao estar a treinar em ambientes representativos e
específicos do jogo está-se a propiciar o desenvolvimento da plasticidade cerebral (Guyton,
2001). A plasticidade cerebral é a denominação das capacidades adaptativas do sistema
nervoso central, ou seja, a sua habilidade para modificar a sua organização estrutural própria
e o seu funcionamento (Guyton, 2001). É a propriedade do sistema nervoso que permite o
desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, e a adaptação a
condições mutantes e a estímulos repetidos (Guyton, 2001). Este fato é melhor
compreendido através do conhecimento do neurônio, da natureza das suas conexões
sinápticas e da organização das áreas cerebrais (Guyton, 2001). A cada nova experiência do
indivíduo, portanto, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são
reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis (Guyton,
2001).

55
Este é um tipo de enfoque que, ao privilegiar a oposição e a gestão da
imprevisibilidade como fonte de evolução, reabilita o jogo como elemento
fundamental de aprendizagem e possibilita perspetivar o treino enquanto
espaço de criatividade e autonomia52 (Chow, 2013; Duarte et al., 2013; Frank
et al., 2008; Garganta, 2005; kelso et al., 1981; Schöllhorn et al., 2012).

Acredita-se que através da exposição prolongada a tarefas práticas


específicas e representativas que simulam fielmente as restrições de um
ambiente competitivo, o jogador aprende a detetar as informações que
especificam as affordances (Gibson, 1979) ambientais, permitindo-lhe
construir relações e acoplamentos profícuos entre informação e movimento e
a transferir as suas aprendizagens para o contexto competitivo encorajando-
os a tomadas de decisão e comportamentos eficazes (Araújo et al., 2009;
Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005; Davids et al., 2004; Garganta, 1997;
Headrick et al., 2015).

O segundo critério, a ter em atenção, prende-se com o nível de


complexidade da especificidade e da representatividade (Cantos & Moreno,
2019; Martín-Barrero & Camacho, 2020). Face à complexidade do jogo de
futebol, por vezes, é mais importante e necessário aperfeiçoar algumas
partes em detrimento de outras que fazem parte do todo (Araújo &
Volossovitch, 2005). Portanto, para que tal seja possível é necessário
construir contextos práticos que tenham por base aquilo que se pode
designar de “fragmentos53 táticos preferenciais”.

52
Cabe aqui uma referência especial à relação entre o comportamento criativo e os
denominados automatismos. Sabe-se que estes consistem em hábitos construídos a partir
da repetição de determinadas respostas e que esta forma de funcionamento, cujo objetivo
principal é economizar tempo e energia, só funciona quando o organismo já experimentou
uma exposição a contextos idênticos e os registou na memória. Neste âmbito, a abordagem
dinâmica da ação tática, pode fornecer referências importantes para o esclarecimento do
modo como se conjugam o vínculo às regras e princípios, e a possibilidade de se criar novas
ações e interações, isto é, de se criar e inventar novos cenários no seio do jogo (Garganta,
2005).
53
Para um melhor entendimento de fragmento importa recorrer à geometria fractal de
Mandelbrot (1991). O conceito de fractal foi criado por Mandelbrot (1991) que, ao estudar a
flutuação dos preços do algodão no mercado internacional, verificou que, por detrás do
comportamento aberrante da distribuição habitual desses valores, se encontra uma simetria
do ponto de vista da escala. Assim, apesar das variações momentâneas serem
imprevisíveis, elas apresentavam o mesmo padrão quando comparadas com variações para
grandes lapsos de tempo (Cunha e Silva, 1999). A este fenómeno, Mandelbrot chamou
“invariância de escala”. E ela decorre de dois princípios organizadores: a cascata e a

56
Os fragmentos táticos preferenciais são versões específicas e
representativas do jogo com complexidade reduzida, que visam propiciar ao
jogador a deteção de informação e o respetivo acoplamento das perceções
aos padrões de auto-organização táticos, que o treinador entende em
determinada altura serem preferenciais para o melhoramento da equipa
(Araújo & Volossovitch, 2005; Davids & Araújo, 2005; Duarte et al., 2013).
Que isto dizer que, a complexidade que o jogo induz em função da interação
das dimensões tática, técnica, psicológica e fisiológica é fragmentada em
unidades funcionais que contenham essas interações, mas com níveis de
complexidade inferiores (Garganta, 1994).

A partir dessa descomplexificação, o treino do jogo é desenvolvido com


o recurso à apresentação de unidades específicas funcionais e à interação
das mesmas (Araújo et al., 2010; Travassos, Araújo, Davids, et al., 2012;
Travassos, Duarte, et al., 2012; Vilar et al., 2012). Assim, os problemas do
jogo são direcionados com recurso a situações que propiciam os
comportamentos específicos desejados, através da compreensão do jogo e
do desenvolvimento de capacidades de interação (i.e., affordances
partilhadas) (Silva et al., 2013) que o treinador pretende que os jogadores
desenvolvam com vista à resolução criativa e específica dos problemas que
ocorrem em competição (Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al.,
2005; Garganta, 1994).

Em relação às escalas de complexidade do jogo, sugere-se que se


considerem duas fases (organização ofensiva e defensiva) e dois momentos
(transição ofensiva e defensiva) e as bolas paradas (livres e lançamentos),
em relação às escalas de complexidade da equipa, afigura-se pertinente
considerar os níveis de relação intraequipa, onde coabitam segundo Zech
(1971) e Zerhouni (1980) as táticas individual, de grupo e coletiva. Mas
também, de acordo com Guilherme (2004), os níveis intersetorial e setorial, o

homotetia interna. A cascata assegura o desdobramento das escalas, já a homotetia interna


impõe a autossemelhança. Da fusão dos dois princípios resulta um terceiro: a invariância
(autossemelhança) de escala (Cunha e Silva, 1999). Desta forma, os fractais são objetos
sem escala que contribuem para o entendimento funcional total de determinado fenómeno.
Ou seja, os fragmentos táticos mais ou menos reduzidos do jogo, são um objeto fractal do
jogo (i.e., contemplam as caraterísticas fundamentais do todo).

57
que permite definir cinco níveis ou escalas de complexidade para os
diferentes momentos e fases do jogo de futebol.

Não obstante esta gradação de níveis de complexidade e organização


do jogo e da equipa (entre os planos micro – escala individual – e macro –
escala coletiva), sugere-se que estas sejam entendidas de modo a que não
se perca a noção do respetivo enquadramento global, uma vez que qualquer
um destes níveis se apresenta umbilicalmente ligado a um todo maior que é a
identidade específica e global da equipa (Frade, 2013a, 2013b; Guilherme,
2004).

Portanto, de acordo com esta ideia, parece fazer sentido que o treinador
desloque o olhar para as interações dos atores com o envolvimento e que
selecione com diferentes níveis de complexidade os fragmentos táticos
preferenciais específicos que quer aperfeiçoar, através do desenvolvimento
das capacidades cognitivas, percetivas, decisionais, físicas e motoras que
satisfaçam os constrangimentos impostos (Caldeira, 2013; Garganta, 2000,
2003, 2005; Gréhaigne et al., 1997; Guilherme, 1991, 2004; Teoldo et al.,
2015; Vilar et al., 2012; Woods, McKeown, et al., 2020; Woods, Rudd, et al.,
2020).

Importa ainda referir que para o êxito do processo de treino, se afigura


adequado não apenas o tempo que o treinador dedica à prática, mas
especialmente o tempo que cada jogador procura ações ajustadas –
Academic Learning Time – com uma taxa razoavelmente de sucesso –
Opportunity to Respond (Caldeira, 2013; Cantos & Moreno, 2019; Garganta,
2000, 2005, 2006; Martín-Barrero & Camacho, 2020; Siedentop, 1987). Ou
melhor, sugere-se que as sessões permitam que os jogadores executem
muitas vezes com eficácia o que se deseja que aconteça (i.e., a ocorrência
dos princípios54 de interação específicos contemplados no modelo de jogo da
equipa) (Frade, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Seirul-lo, 2017c).

54
Por exemplo, no processo ofensivo importa definir como se criam desequilíbrios,
numa procura de superioridade numérica, no tempo e no espaço; quando se define o
comportamento defensivo em cada momento e qual o risco que se corre em função da
posição da bola e da cobertura que está garantida ou não, na necessidade de definir o
espaço que se concede ao adversário para jogar e em que zonas do campo, se a pressão,
alta, média ou baixa, está a ser adequadamente realizada. No entanto importa ter presente

58
Para que tal aconteça, é importante que o treinador perceba, identifique
e manipule (por vezes com exagero) os constrangimentos, como por exemplo
as variáveis estruturais da tarefa (i.e., número de jogadores, dimensões do
espaço e regras de ação), mais relevantes que influenciam a auto-
organização do sistema de ação, e direcione a atenção dos jogadores para
fontes de informações táticas, específicas e representativas mais relevantes
(Araújo et al., 2009; Frade, 2013a, 2013b; Kelso & Schoner, 1988; Mesquita,
2005b; Seirul-lo, 2017c). Deste modo, as sessões práticas funcionam como
orientadores, potenciadores e propiciadores da emergência de soluções
favoráveis que permitirão ao jogador agir com sucesso, em consonância com
os objetivos (Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2005; Passos et al., 2008).

Apesar da importância do que foi aduzido para a eficiência do processo


de treino do futebol, importa dizer que a qualidade do produto final é
resultado da convergência de múltiplos fatores que radicam, não apenas no
domínio do conhecimento pedagógico e didático do conteúdo (i.e., os
fragmentos táticos preferenciais específicos), mas também ao modo como o
treinador intervém durante as sessões práticas (Farias, 2007; Mesquita &
Graça, 2009).

Portanto, importa, também, que o treinador seja detentor de uma grande


capacidade de dirigir, de orientar, de refletir, de comunicar, de intuir, de gerir,
de traduzir e transformar os conhecimentos durante a operacionalização das
sessões práticas (Frade, 2013a, 2013b; Guilherme, 2004). O que obriga, por
parte do treinador, a alguma arte e ao aprofundamento de saberes no âmbito
da intervenção pedagógica (Batista, 2008; Ciaschini, 2013; Frade, 2011,
2013a, 2013b; Gomes et al., 2011).

Neste sentido, no próximo ponto aprofundar-se-ão os aspetos


relacionados com a intervenção pedagógica do treinador que se julgam ser
importantes dominar, com vista ao desenvolvimento, por parte dos jogadores,
da capacidade de perceção e decisão que lhes permitam interações
específicas.

que os princípios do modelo de jogo devem ser entendidos como pontos de partida que
auxiliam na interpretação da uma realidade que é sempre circunstancial.

59
3.2. O contributo da intervenção pedagógica do treinador

Tendo como referência alguns autores, entre os quais Lourenço (2010),


Maciel (2011), Mesquita e Graça (2009), Mosston (1988) e Oliveira e
colaboradores (2006), para a otimização da abordagem centrada nas
interações táticas de natureza ecossistémica que procura promover a
emergência de padrões específicos de auto-organização individual e coletiva,
sugere-se que o treinador adira a um estilo de instrução baseado na
descoberta guiada, proposta de Mosston (1988).

A descoberta guiada é, de acordo com Mosston (1988), um estilo


pedagógico que procura estimular o jogador a direcionar por si próprio o
caminho sob a orientação e pistas do treinador. Trata-se de fazer com que o
jogador descubra sentindo e faça em cada situação concreta e assim,
aprende algo de novo, apreende transformando-se, não tanto em função do
que o treinador ordena ou prescreve, mas em função de um resultado que
emerge da intencionalidade operante de um jogador concreto, numa situação
específica (Mesquita & Graça, 2009).

Deste modo, o praticante é exposto a um problema e é incitado a


procurar soluções autónomas (Mosston, 1988). Com este estilo de instrução,
aspira-se trazer a equação do problema e as respetivas soluções para um
nível de compreensão e de ação deliberadamente tática no jogo. Salienta-se
que, ao aderir a um estilo de instrução associado à descoberta guiada, existe
a necessidade de saber lidar com os equívocos de perceção e de tomada de
decisão que conduzem necessariamente a discrepâncias entre as ações que
os jogadores pretendem realizar e aquelas que conseguem consumar
(Garganta et al., 2013).

Importa ter a noção que, o que vulgarmente se designa por erro se situa
nesse hiato entre o objetivo que se pretende atingir através da orientação
para determinada ação e o resultado realmente conseguido aquando da sua
efetivação (Garganta et al., 2013). Contudo, em vez do erro ser tido em conta
enquanto indicador da adequação do processo, usado para se chegar a um
determinado resultado, ele é recorrentemente perspetivado no seu conceito
restrito de resultado da ação e, portanto, somente enquanto oposto do que é

60
certo (Garganta et al., 2013). Desse modo, a sua ocorrência tem uma
conotação negativa, sendo identificada com algo que impede a
aprendizagem, em vez de algo que a pode viabilizar (Garganta et al., 2013).

Assim, parece ser necessário que o treinador, em vez de punir os


erros, esteja capacitado para os identificar, bem como aos enredos que estão
na origem da respetiva ocorrência, e os aproveite para fazer progredir os
praticantes através da procura da autonomia e da descoberta (Garganta,
2006; Garganta et al., 2013).

Porém, afigura-se conveniente referir que apesar da descoberta guiada


ser um método a contemplar, não se pode esquecer que as sessões práticas
de treino assentam num complexo processo de ensino-aprendizagem, logo
depreende-se que existe a necessidade de haver interação pedagógica entre
quem ensina e quem aprende (Mosston, 1988). Portanto, continua a existir a
necessidade do treinador contribuir com orientações verbais sob pena do
processo de treino, o aperfeiçoamento das decisões e a compreensão do
jogo ficar comprometido (Mesquita & Graça, 2009).

De facto, alguns autores, entre os quais Garganta (2004), Guilherme


(2004) e Seirul-lo (2017c) sugerem que é necessário que o treinador
complemente a execução prática das atividades com as orientações verbais
apropriadas ao momento. Face a esta necessidade é importante refletir sobre
o feedback, enquanto instrumento de instrução e intervenção pedagógica do
treinador, tendo em vista o aperfeiçoamento das decisões (Castelo, 2002;
Castelo & Matos, 2013; Farias, 2007; Mesquita & Graça, 2009).

Importa neste âmbito fazer referência ao objetivo55 do feedback. Para


que a operacionalização seja realmente eficaz, não basta que as tarefas
práticas apelem ao sentido tático, se a emissão de informação não promover
autonomia na tomada de decisão tática (Rosado & Mesquita, 2009). Tal
decorre do entendimento de que, para o praticante aceder e compreender os
problemas táticos emergentes da prática do jogo, este necessita de analisar,

55
Os feedbacks podem ser caraterizados quanto ao seu objetivo: avaliativo
(positivo/negativo), prescritivos, descritivos e interrogativo.

61
perceber e agir, concorrendo para isso a forma como o treinador emite a
informação.

Por exemplo, quando o treinador prescreve soluções, não parece que


induza o jogador a ler o jogo, porquanto este não percebe, na maioria das
situações, a razão da solução prescrita (Rosado & Mesquita, 2009). Apesar
de ser possível ao jogador obter sucesso nesta situação, isso não significa
que o consiga em situações semelhantes, pois a solução não foi escolhida
por si mas aplicada de forma estereotipada e não intencional (Rosado &
Mesquita, 2009).

Contrariamente, se o treinador questionar o jogador no sentido de ele


identificar o cenário de jogo, este pode decidir em função da análise que
realizou, compreendendo o motivo da solução adotada (Rosado & Mesquita,
2009). Portanto, mais importante do que prescrever, é fundamental
questionar os jogadores, na medida em que incrementa o desenvolvimento
do raciocínio tático, estimula o desenvolvimento de affordances e a
autonomia decisional (Rosado & Mesquita, 2009).

Logo, afigura-se pertinente que o treinador oriente a perceção dos


jogadores para a auto-organização, promovendo as táticas emergentes
(Rosado & Mesquita, 2009). A utilização de estratégias de instrução, que se
afastam das tradicionalmente aplicadas e que dão espaço para a
interpretação individual do jogador, promove o funcionamento percetivo,
requisito da ação em antecipação, ou seja, do comportamento prospetivo e
não reativo (Rosado & Mesquita, 2009). Através de um apelo preferencial à
observação, pela contextualização da instrução nos cenários concretos de
prática, e utilizando preferencialmente o questionamento como técnica
instrucional, os treinadores promovem o desenvolvimento da capacidade
percetiva no ambiente ecológico da tarefa e, consequentemente, a
valorização da inteligência tática (Rosado & Mesquita, 2009).

A utilização do feedback, nomeadamente a sua frequência, também se


relaciona com a especificidade de cada individuo e com outra variável
fundamental (i.e., o dia em que se está a treinar). É fundamental perceber
que a fadiga acumulada pelos jogadores tem influência na forma como se

62
comunica com eles. De facto, importa ter em conta que os jogadores são
submetidos a um grande desgaste durante o jogo e o treino, o que provoca
fadiga, devendo esta ser gerida de modo a não comprometer a
operacionalização dos objetivos táticos (Dupont et al., 2010; Nédélec et al.,
2012).

Neste sentido, seguidamente, aludir-se-á à importância da recuperação


fisiológica dos jogadores com o objetivo de preparar os jogadores para treinar
e competir de acordo com a especificidade dos comportamentos pretendidos.

3.3. A especificidade do esforço no contexto do jogo de futebol

O fadiga56 é, de acordo com Han (2014), uma situação transversal à


sociedade provocada por episódios de grande complexidade57. Esta fadiga
existe porque há a quebra da homeostasia58 do corpo (Guyton, 2001).

À medida que o corpo atua são desencadeadas inúmeras respostas


fisiológicas com vista ao rendimento (Astrand & Rodahl, 1980; Guyton, 2001).
Todavia, essas respostas têm capacidades limitadas, não é possível usar-se
as capacidades humanas de forma continuada uma vez que a perda de
homeostasia pode levar ao colapso (Brooks et al., 2000; Ganong, 1999;
Wilmore & Costill, 1999). Assim, importa entender as necessidades do
organismo quanto aos constrangimentos associados à produção de ações
consistentes de elevada qualidade.

56
A fadiga é um processo multifatorial que envolve questões relacionadas com a
depleção dos sistemas energéticos, a acumulação de produtos do catabolismo, o
atingimento do sistema nervoso e a falência do mecanismo contráctil de fibra esquelética.
Em termos simples, pode definir-se fadiga como a incapacidade funcional de manter uma
determinada intensidade de exercício (Bangsbo, 1993; Brooks et al., 2000; Ganong, 1999).
57
Esta complexidade pode ser definida como o conjunto de interações que uma
equipa sistémica pode promover entre os seus elementos e entre estes com o meio
envolvente, o que promove uma imensidão de relações que se podem estabelecer entre eles
e uma diversidade de opções que cada um pode tomar originando alguma incerteza,
divergência e convergência comportamental dinâmica (Araújo & Volossovitch, 2005; Balagué
et al., 2013; Bar-Yam, 2003; Cunha e Silva, 1999; Garganta & Cunha e Silva, 2000). A
complexidade aumenta para níveis mais elevados quando se junta à equação do jogo a
especificidade que os fatores de rendimento representam ao interligarem-se reciprocamente
com o intuito de promoverem a performance tática de um elevado número de jogadores.
58
Refere-se ao estado de equilíbrio no organismo com respeito a diversas funções e
composições químicas dos líquidos e tecidos. É o conjunto de processos através dos quais
se mantém o equilíbrio corporal.

63
Neste âmbito, alguns autores, tais como Carling e colaboradores (2015),
Dupont e colaboradores (2010), Hoyo e colaboradores (2016), Nédélec e
colaboradores (2012) e Wollin e colaboradores (2018), têm vindo a sugerir
que, durante os processos de treino, se afigura de extrema importância
respeitar os períodos de recuperação fisiológica, após desempenhos
exigentes.

A caraterização do esforço representativo do jogo de futebol, tem sido


amplamente estudada e debatida nas últimas décadas, exemplo disso são as
publicações de Carling e colaboradores (2015), Dupont e colaboradores
(2010), Hoyo e colaboradores (2016), Nédélec e colaboradores (2012) e
Wollin e colaboradores (2018). Em função dessa caraterização, foi produzida
abundante literatura a propósito do comportamento de diversos parâmetros
relacionados com a desidratação, a depleção de glicogénio, as lesões e a
fadiga mental, das equipas e dos jogadores (Nédélec et al., 2012; Silva et al.,
2018).

O futebol requer dos jogadores múltiplas ações, tais como, sprints,


mudanças de direção frequentes, velocidades a ritmos diferentes, saltos,
dribles, remates e passes variados durante dois longos períodos com uma
duração próxima dos quarenta e cinco minutos, separados por um intervalo
de quinze minutos para descanso (Carling et al., 2015; Faude et al., 2012;
Mohr et al., 2005).

Mais concretamente, durante uma partida de futebol os jogadores,


normalmente, percorrem sensivelmente entre seis a dez quilómetros a
diferentes ritmos (Bradley et al., 2009; Vigne et al., 2010). Desses
quilómetros apenas um quilómetro, a um quilómetro e meio é dedicado aos
contextos de decisão direta – centro de jogo (Bradley et al., 2009; Carling et
al., 2015; Di-Salvo et al., 2007; Vigne et al., 2010). Ora, nas zonas do centro
de jogo, onde o jogador atua com maior intensidade de decisões, os ritmos
parecem ser mais elevados e ligeiramente diferentes do que acontece com
os jogadores que não se encontram nesse epicentro (Di-Salvo et al., 2007).
Nos restantes quilómetros, o futebolista permanece a andar e em corrida
lenta (Bradley et al., 2009; Vigne et al., 2010). Essas circunstâncias são
instantes em que os jogadores, apesar de estarem a jogar, não estão

64
envolvidos em ações tão decisivas para a recuperação ou manutenção da
posse de bola. Nesse momento, os futebolistas acabam por estar em
processo de recuperação dos estímulos fortes, intensos, dinâmicos e
especialmente ultracurtos que compõe o momento em que estão envolvidos
no centro de jogo (Stolen et al., 2005).

Atendendo a estas caraterísticas, admite-se que esforço bioenergético59


durante o jogo de futebol seja glicolítico (glicólise alática e lática),
considerando a intermitência das ações com micro períodos de descanso
(Bangsbo, 1993; Bangsbo et al., 2006; Barry et al., 2007; Brooks et al., 2000;
Stolen et al., 2005; Wilmore & Costill, 1999). No entanto, regista-se também
um forte pendor aeróbio que apela a elevados níveis de força e velocidade de
resistência, uma vez que durante as duas partes de quarenta e cinco minutos
não existem períodos para descanso completo (Bangsbo, 1993, 1994;
Bangsbo et al., 2006). Ao realizar essas atividades, com estas caraterísticas
temporais, funcionais e estruturais, é de esperar que ocorra um declínio no
desempenho, conhecido como fadiga (Astrand & Rodahl, 1980; Guyton,
2001; Nédélec et al., 2012).

Porém, definir os limites temporais dos períodos de recuperação


fisiológica, que permitem o organismo recuperar os níveis de homeostasia
normais, de modo a poderem estar no máximo das capacidades não é uma
tarefa simples, pois atendendo à imprevisibilidade60 de um jogo, o processo
de recuperação dos jogadores pode apresentar uma alta variabilidade
interindividual (Bradley et al., 2009; Di-Salvo et al., 2007; Vigne et al., 2010).
Portanto, o processo de recuperação após uma partida pode mudar de

59
A bioenergética procura compreender o funcionamento integrado de três sistemas
energéticos nos vários tipos de desempenho físico (Astrand & Rodahl, 1980; Guyton, 2001).
A ação destes sistemas ocorre sempre simultaneamente, embora exista a preponderância de
um determinado sistema relativamente aos outros, dependendo de fatores como a
intensidade e a duração do esforço, a quantidade das reservas disponíveis em cada sistema,
as proporções entre os vários tipos de fibras e a presença de enzimas específicas (Astrand &
Rodahl, 1980; Guyton, 2001).
60
A variabilidade do desempenho físico é alta e está ligada a muitos fatores que
envolvem alguma imprevisibilidade, tais como marcar um ou dois golos durante os primeiros
15 minutos de jogo, o que poderá, por exemplo, provocar uma redução da distância
percorrida pelos jogadores durante os 90 minutos, ou leva-los a diminuir a intensidade do
esforço (Oliva-Lozano et al., 2020).

65
acordo com os acontecimentos ocorridos durante a competição e de jogador
para jogador (Nédélec et al., 2012).

Importa ainda referir que a tarefa se torna mais complexa, uma vez que
o esforço representativo do jogo de futebol é caraterizado por ter vários
esforços específicos, consoante o modelo de jogo criado pelo treinador.
Logo, a especificidade das caraterísticas de jogo de cada equipa induz
diferentes tipos de esforços e solicitações das capacidades fisiológicas
(Carling et al., 2015; Faude et al., 2012; Mohr et al., 2005).

Quer isto dizer, que o modelo de jogo, viabilizado pela execução dos
princípios que o compõem, coloca determinadas exigências específicas em
termos fisiológicos que dependem da singularidade que uma determinada
forma de jogar requisita. Admite-se, portanto, que a faceta física própria do
jogo de futebol existe na relação direta com o modo como se pretende
resolver os problemas do jogo (Carling et al., 2015; Faude et al., 2012; Mohr
et al., 2005).

Neste sentido, parece ser pertinente que o processo de treino se oriente


não apenas pelos indicadores do esforço representativo da modalidade a
nível geral, mas sobretudo pelo esforço complexo específico requisitado pelo
modelo de jogo. Por conseguinte, durante os períodos de preparação é
conveniente ter em atenção que os jogadores precisam de treinar para
melhorar as suas capacidades e competências, mas também para recuperar
do desgaste fisiológico provocado pelo esforço específico, desenvolvido no
decorrer de uma partida de futebol (Dupont et al., 2010; Nédélec et al., 2012).

Neste âmbito, alguns autores, tais como Carling e colaboradores (2015),


Dupont e colaboradores (2010), Hoyo e colaboradores (2016), Nédélec e
colaboradores (2012) e Wollin e colaboradores (2018) têm vindo a sugerir
que nas horas após o jogo de futebol, existe um declínio físico que provoca
distúrbios61, cuja magnitude aumenta nas primeiras vinte e quatro horas após
a competição, atingindo o pico entre as vinte e quatro e as quarenta e oito
horas. Depois disso, desaparece e retorna à linha de base entre as setenta e
duas e as noventa e seis horas.

61
Inflamação/lesão muscular.

66
Importa ainda reconhecer que para além da competição, o treino de
futebol também promove um desgaste significativo no organismo (Carling et
al., 2015; Nédélec et al., 2012). Tal facto torna o desafio da preparação da
equipa mais complexo, na medida que para se treinar os diferentes princípios
de jogo, todos os dias, é necessário manipular os conteúdos e as
condicionantes estruturais dos contextos de prática (como sendo os tempos
de exercitação e de repouso), sem provocar um desgaste limitador à
evolução da qualidade de jogo e à disponibilidade de frescura da equipa para
competir ao mais alto nível (Carling et al., 2015; Nédélec et al., 2012).

Derivado deste facto, a interação ajustada do tipo de esforço e


conteúdos tático-técnicos a realizar em cada dia da semana e durante os
períodos que medeiam os jogos, assume uma relevância determinante para a
qualidade de desempenho da equipa e dos respetivos jogadores, tanto para
os diferentes treinos como para a competição.

É exatamente em virtude destas preocupações que surgem as


conceções de preparação das equipas, através dos processos de
periodização (Afonso & Pinheiro, 2011; Castelo, 2019; Garganta, 1991, 1993;
Gomes, 2002; Gomes, 2004; López et al., 2000; Manso et al., 1996; Teoldo et
al., 2015).

Deste modo, na secção seguinte, abordar-se-á a temática da


periodização.

3.4. A periodização sistémica a partir da especificidade e da


representatividade

O conceito de periodização começou a ser utilizado no domínio dos


desportos individuais, sensivelmente a partir da segunda metade da década
de cinquenta, pelo soviético Lev P Matvéiev (Castelo, 2019; Castelo & Matos,
2013; Garganta, 1991, 1993; Raposo, 2017). De acordo com Castelo (2019)
e o dicionário de língua portuguesa, pode afirmar-se que, no âmbito
desportivo, periodizar, em sentido restrito, respeita ao ato de dividir
cronológica e metodologicamente o tempo de treino em períodos, cuja
extensão é variável. Todavia, importa que o conceito referido, no domínio dos

67
jogos desportivos coletivos, seja entendido, tal como sugerido na primeira
secção deste ponto do enquadramento, à luz do pensamento sistémico.

Assim, atendendo à natureza do futebol, afigura-se pertinente que o


conceito de periodização do treino seja perspetivado de de acordo com uma
heterarquia sistémica, que é influenciada pelas circunstâncias competitivas,
pelo conceito de planificação – que, de acordo com Castelo (2019), Connolly
e White (2017) e Garganta (1991), representa o ato de descrever e organizar
antecipadamente as condições de treino, definir os objetivos a atingir e
selecionar os meios e métodos operacionais a aplicar – e pelo conceito de
programação 62 – que, segundo os mesmos autores, significa a projeção,
conceção e coordenação dos conteúdos temáticos.

Quer isto dizer, em primeiro lugar, que se torna inviável planear ou


programar algo sem se definir o período temporal para a sua aplicação, mas
que também não se afigura uma boa prática proceder à periodização sem se
conceber os métodos operacionais e os conteúdos temáticos a serem
abordados (Castelo, 2019; Connolly & White, 2017; Teoldo et al., 2015). Em
segundo lugar, significa que qualquer um dos conceitos pode a determinada
altura assumir-se como o ponto de partida para pensar e projetar o processo
de treino.

Portanto, parece ajustado que a periodização do treino, no sentido lato,


seja perspetivada a partir da sua relação com a programação e a
planificação, sendo que cada uma destas facetas pode assumir a
centralidade do processo, em função das conveniências para os diferentes
momentos e condicionantes da organização da época desportiva e da
preparação dos jogadores e das equipas.

Depois de clarificados os conceitos, importa referir que, de acordo com


Garganta (1991), a periodização, em termos operacionais, diz respeito,
fundamentalmente, aos aspetos relacionados com a dinâmica das cargas de
treino e com a consequente dinâmica da adaptação do organismo a essas

62
O conceito de programação foi inicialmente proposto por Verjoshanski na década de
setenta (Castelo, 2019; Garganta, 1993; Verjoshanski, 1990).

68
cargas, de acordo com os períodos da época que se atravessa, vinculando a
periodização com a dimensão física.

Todavia, face ao que tem vindo a ser exposto, e tal como alguns
autores sugerem, entre os quais Araújo e colaboradores (2006), Araújo e
colaboradores (2009), Garganta (2004), Guilherme (2004) e Seirul-lo (2017c),
parece ser conveniente que a periodização das sessões de treino do futebol
se direcione para o desenvolvimento das decisões e interações táticas
específicas, através da planificação, criação e aplicação de situações práticas
que promovam um elevado efeito de transferência para a competição e
fomentem consideráveis níveis de autonomia e criatividade nos jogadores.

Não obstante o mencionado, afigura-se pertinente, simultaneamente, ter


em consideração o impacto fisiológico que as sessões têm nos jogadores
(Brooks et al., 2000; Hill-Haas et al., 2011). Neste sentido, importa criar
estratégias para que o processo de treino seja concomitantemente aquisitivo,
ao nível dos princípios e dos níveis fisiológicos do jogador, de modo a não
perturbarem o rendimento individual e coletivo (Frade, 2013a, 2013b; Reis,
2018).

No âmbito do futebol, o calendário competitivo deixa perceber que os


jogadores competem na maioria dos casos, uma vez por semana e
excecionalmente duas ou três vezes, o que obriga a que os intervalos entre
as competições sejam arquitetados de modo a que os jogadores estejam em
plenas condições para competir em todas estas ocasiões.

Para arquitetar os contextos que possam ser eficientes, importa


relembrar que o jogo de futebol apresenta uma natureza caótica e, por isso,
as ocorrências não podem ser determinadas antecipadamente (Araújo et al.,
2009; Travassos, Duarte, et al., 2012). Neste sentido, aos jogadores exige-se
sucessivas adaptações para que, a partir da desordem decorrente do jogo,
consigam ações congruentes com a identidade que a equipa persegue.

Assim, torna-se conveniente, durante o tempo disponível para o treino,


fazer prevalecer uma dinâmica funcional específica (i.e., fazer emergir do
processo de treino a identidade/especificidade) que permite aos jogadores
exprimirem-se em jogo e lidarem com as exigências do contexto (Frade,

69
2011, 2013a, 2013b; Garganta, 1997; Guilherme, 1991, 2004; Teoldo et al.,
2015). Será através desta identidade que emergirá a elevação dos níveis de
organização nos diferentes domínios e nas várias escalas do rendimento,
mantendo-se o respeito pelas interações específicas dos componentes do
sistema (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Garganta et al., 2013; Guilherme, 1991,
2004; Teoldo et al., 2015).

Neste sentido, o que é verdadeiramente importante desenvolver nos


jogadores, durante os períodos e nas frações de tempo disponíveis para o
treino, são as competências de decisão e de interação coletiva, que lhes
permitam pôr em prática a especificidade do jogo da equipa e resolver os
problemas que o jogo coloca (Garganta, 2002, 2005, 2006, 2008). São essas
competências que permitem que as equipas mais bem-sucedidas revelem
coerência entre as ideias para jogar e o jogo praticado.

Portanto, afigura-se conveniente que as sessões diárias se direcionem


para o desenvolvimento de todas as faculdades biológicas que permitem
jogar em especificidade e resolver os problemas relacionados com os
constrangimentos do jogo, sem hipotecar a necessidade de recuperação
fisiológica (Castelo, 1994; Garganta, 1997, 2005, 2008; Guilherme, 2004;
Santos et al., 2011; Schöllhorn et al., 2012; Vilar et al., 2012).

Face ao exposto, sugere-se que o treino63 seja perspetivado como um


processo de ensino-aprendizagem64 de competências específicas relativas a
uma forma de jogar, que necessita ser ensinada – aquando da transmissão e
transformação das ideias do treinador, e sobretudo, aprendida – uma vez que
o jogador necessita estar afinado para reconhecer e aproveitar com eficácia

63
Importa referir que ao longo dos anos as terminologias ensino-aprendizagem e
treino moveram-se em âmbitos diferentes, o primeiro mais relacionado com o desporto
escolar e com o desporto de formação e consequentemente com o ensino e a aprendizagem
dos alunos/jogadores; o segundo mais conotado com o desporto de rendimento (Guilherme,
2004).
64
Porque existe um processo de ensino-aprendizagem de como o jogador deve
resolver os problemas do jogo, segundo princípios referentes aos diferentes modos de jogar
futebol, não parece fazer grande sentido utilizar neste documento o termo atleta quando se
está a referir o futebolista (Sousa, 2018). De facto, partindo do princípio de que o termo
“atleta” está muito vinculado ao desempenho físico, não parece lógico invocar os atributos
físicos típicos dos desportos individuais como o atletismo, de onde deriva a palavra atleta,
quando nos referimos a uma modalidade que na maioria do tempo faz apelo a processos
mentais táticos e estratégicos complexos que permitam ao futebolista ser um jogador com
pés ligados à cabeça. Assim, ser futebolista é ser antes de mais, um jogador (Sousa, 2018).

70
oportunidades de ação congruentes com os princípios delineados (Castelo,
1994; Garganta, 1997, 2005, 2008; Guilherme, 2004; Santos et al., 2011;
Schöllhorn et al., 2012; Vilar et al., 2012).

Acresce que, face à natureza aberta do jogo, da equipa e dos


jogadores, à medida que o processo treino-competição se vai desenvolvendo,
vão emergir interações novas, algumas condizentes com o que o treinador
deseja e outras nem por isso, o que requer muita atenção e reflexão para se
estabelecer prioridades em cada semana e em cada sessão de treino. Deste
modo, de jogo para jogo, a qualidade apresentada é altamente dinâmica e
desenvolve-se sendo caraterizado por frequentes alterações que se
pretendem que não percam a relação com os princípios do modelo de jogo
(Frade, 2013a).

Neste sentido, durante a competição importa que, em função da


avaliação qualitativa do processo, o treinador planifique e programe sessão a
sessão de treino matizando o modelo de jogo consoante as necessidades
circunstanciais, as quais se detetam tendo por base aquilo que se verificou
no jogo anterior e aquelas que se perspetivam vir a ser as exigências do jogo
seguinte (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Portanto, os momentos formais de competição são os testes cruciais


(i.e., os momentos de controlo do treino) que melhor permitem ao treinador
aferir a congruência ou não daquilo que a equipa manifesta efetivamente e
aquelas que são as suas intenções (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Melhor dizendo, esta programação de conteúdos para um determinado


intervalo entre jogos, pode fazer com que numa sessão de treino, sem
esquecer a dinâmica inquebrantável do jogo, o foco se relacione mais com
uma fase ou momento do jogo em particular, ou que se incida mais num setor
da equipa do que noutro, ou até mesmo em algum comportamento individual,
pese embora sem perder a ligação com o global (Frade, 2013a). Nesta
medida, cada sequência de sessões de treino que antecipa um novo
momento de competição obedece a uma programação de conteúdos não-
linear e altamente dinâmica (Castelo, 1994; Garganta, 1997, 2005, 2008;

71
Guilherme, 2004; Santos et al., 2011; Schöllhorn et al., 2012; Vilar et al.,
2012).

Importa relembrar que a qualidade no futebol passa, sobretudo, por


saber organizar as ações de modo a agir em contextos de previsibilidade
reduzida (Castelo, 2019). Assim, desde a tomada de decisão até às
habilidades técnicas, passando pela competência tático-estratégica e pelas
capacidades físicas, o que parece ser importante procurar é a construção de
um todo coerente, em que não haja lugar a divisões artificiais entre as facetas
que concorrem para o rendimento individual e coletivo (Garganta et al.,
2013).

Contudo, afigura-se conveniente salientar que a cada ação dos


jogadores, com ou sem bola, a atacar ou a defender, corresponde um
processo complexo que faz emergir decisões, decorrentes da interação de
todos os fatores de rendimento que contribuem para expressão de um
determinado modo de jogar (Davids et al., 2003; Newell, 1986; Roca et al.,
2018).

Portanto, a especificidade tática leva em conta os demais fatores do


rendimento, sem os quais os jogadores não teriam capacidade para realizar
os princípios de jogo. Assim, parece existir a necessidade de considerar os
fatores técnica, física e psicológica, relacionando-os com a forma da equipa
resolver os problemas.

Tal facto, torna pertinente que durante as sessões de treino, a opção


por fatores do rendimento – físico, técnico e/ou psicológico – só se justifique,
se for tida em consideração a respetiva interação entre eles e em relação ao
modo como se quer provocar que essa interação aconteça no todo (i.e., na
expressão do comportamento individual e coletivo). Não obstante, o foco
possa, por vezes, recair mais num ou noutro fator, importa que os mesmos
estejam sempre referenciados ao modelo de jogo (Araújo et al., 2009; Araújo
et al., 2005; Castelo, 1994; Frade, 2013a; Garganta, 1997, 2005, 2008;
Guilherme, 2004; Passos et al., 2008; Santos et al., 2011; Schöllhorn et al.,
2012; Vilar et al., 2012).

72
Assim, sugere-se um tipo de compreensão sinergética, simbiótica e
sistémica entre os diferentes fatores considerados, uma vez que desintegrá-
los poderá significar não só descontextualizá-los, mas também esvaziá-los de
sentido retirando-lhes a eficácia que levem à assimilação de uma cultura
específica para jogar e que potenciem as tomadas de decisão e as
possibilidades de ação em contextos aleatórios, imprevisíveis, específicos e
representativos (Castelo & Matos, 2013; Frade, 2013a; Garganta, 1991,
1993; Mujika et al., 2018; Santos et al., 2011).

Portanto, não parece fazer grande sentido que o treino dedique tempo à
prática direcionada apenas para a dimensão física ou técnica do futebol, cuja
eficácia se relaciona apenas com preceitos biomecânicos e físico-
condicionais, isto é, centrados no gesto e desempenho físico em abstrato,
mas sim pela organização funcional de atividades práticas que promovam a
aquisição de qualidades táticas (i.e., importa atender-se, sobretudo, às
imposições da respetiva adaptação inteligente às situações de jogo) (Araújo
et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005; Castelo, 1996; Davids et
al., 2004; Garganta et al., 2013).

Face ao exposto, é necessário que em cada sessão de treino, entre um


jogo e outro, o padrão sistémico de solicitações varie, no que se refere: (1) à
complexidade dos contextos de prática subjacente à porção do modelo de
jogo que é vivenciada; (2) à dominância bioenergética e ao padrão de
contração muscular dominante; (3) à relação entre o esforço específico e o
tempo de prática total a que os jogadores são expostos, de modo a permitir
que os jogadores treinem e recuperem com vista à aquisição de
performances elevadas nos momentos de competição (Carling et al., 2015;
Faude et al., 2012; Mohr et al., 2005).

Neste sentido, torna-se necessário distribuir pelos diferentes dias da


semana os conteúdos do modelo de jogo que vai ser dado a vivenciar. Para
tal, importa que o treinador selecione os fragmentos táticos preferenciais
contemplando de forma sistémica a interação de todas os fatores do
rendimento específicos do modelo de jogo e representativos da competição,
salvaguardando que os jogadores necessitam de pelo menos setenta e duas
horas para recuperar do esforço, de um momento competitivo e não

73
esquecendo que as próprias sessões de treino também podem contribuir
para a acumulação de fadiga (Carling et al., 2015; Faude et al., 2012; Mohr et
al., 2005).

Isto significa que, para que o treino seja o ensino de uma forma de jogar
concreta e a resolução dos problemas de jogo, é necessário que as
intensidades65 dos contextos de prática sejam específicas e representativas
(i.e., idênticas às da competição). Tal facto, implica manipular ajustadamente:
a) o intervalo de tempo entre as sessões de treino; b) os tempos totais e
parciais das tarefas práticas; c) os tempos de repouso entre situações
práticas e a duração total da sessão. Tudo tem de ser pensado e controlado
simultaneamente e percebendo as interações que evidenciam.

Não obstante, a grande importância atribuída à planificação dos


contextos práticos, tendo por base referências teóricas, associadas à tomada
de decisão e ao conhecimento sobre o comportamento tático dos jogadores,
o treino desportivo constitui um complexo processo que ultrapassa em muito
a planificação das atividades a desenvolver (i.e. existe um complexo sistema
de intervenção pedagógica que é necessário dominar para a correta
operacionalização do que foi planeado) (Garganta et al., 2013; Guilherme,
2004; Rink, 1996; Seirul-lo, 2017c; Teoldo et al., 2015).

Seguidamente, abordar-se-ão as principais conceções de periodização


do treino que têm vindo a ser aplicadas ao treino do futebol, de modo a
perceber de que modo se enquadram no conjunto de indicadores que foram
sendo convocados ao longo deste capítulo.

65
Refere-se à expressão tática (interação de todos os fatores de rendimento)
específica. Face à existência de uma especificidade comportamental (i.e., modelo de jogo),
que se expressa através do fator tático, o significado de intensidade relaciona-se com a
especificidade tática que se quer ver expressa. Especificidade esta que é fruto do contributo
sistémico de todos os fatores de rendimento e não apenas da vertente físico-condicional que
significava, apenas, um alto grau de velocidade de execução.

74
4. Principais conceções de periodização do treino aplicadas ao
futebol

Após consultar os acervos da biblioteca da Faculdade de Desporto da


Universidade do Porto (FADEUP), da Faculdade de Motricidade Humana de
Lisboa (FMHUL) e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD),
bem como algumas livrarias do país e bases de dados internacionais de
âmbito académico e científico, verifica-se que no domínio da investigação
científica, de um modo geral, a periodização do treino no âmbito das
modalidades desportivas coletivas, no contexto nacional e internacional, tem
sido um tema escassamente estudado, aliás como referem Afonso e
colaboradores (2017).

Não obstante, constata-se que as preocupações com a definição de


períodos de treino começaram por altura dos Jogos Olímpicos da
Antiguidade. De facto, na antiga Grécia já existiam formas e modelos66 de
organizar os conteúdos do treino, com o objetivo de melhorar o rendimento
dos atletas, focando-se essencialmente na vertente física (Barbanti, 1997;
Bompa, 2002; Castelo, 1996; Raposo, 2017).

Todavia, é a partir do século vinte que o treino apresenta uma notável


evolução, com o aparecimento de conceções e práticas mais sistematizadas,
propostas por autores oriundos de diferentes pontos geográficos (Raposo,
2017). Alguns dos primeiros autores a apresentarem sugestões mais
elaboradas foram Kotov e Murfy entre 1910 e 1920, Pihakala, Gorinovski e
Birsin, entre 1920 e 1930, que propuseram o conceito de carga67 e, por fim,
Grantyn, entre 1930 e 1940, Dyson, Ozolin, Letunov e Matvéiev, entre 1950 e
66
O mais caraterístico era o denominado de tetra que consistia num ciclo de quatro
dias que veio a ser um exemplo do que atualmente entendemos como microciclo (Raposo,
2017).
67
Esta foi a primeira vez que o termo “carga” surgiu no âmbito do treino desportivo.
Alguns autores, de acordo com os seus entendimentos acerca do processo de treino, têm
adiantado algumas definições para este conceito. Assim, segundo Verjoshanski (1990),
carga é o trabalho muscular que ativa o potencial de adaptação próprio da fase de
desenvolvimento em que se encontra o atleta no sentido de promover alterações positivas na
sua capacidade de intervenção em situação de competição. Para Matvéiev (1990), carga
deve ser entendida como uma atividade funcional adicional do organismo, relativamente ao
nível de repouso ou ao nível inicial, provocada pela execução de exercícios. Em síntese,
parece possível admitir, que carga é o processo de confronto do desportista não apenas com
as exigências físicas, mas também com as psíquicas e intelectuais que lhe são apresentadas
durante o treino, com o objetivo de otimizar o rendimento desportivo.

75
1960, sugeriram também as suas propostas (Bompa, 1999; Castelo, 1996;
Granell & Cervera, 2001; Raposo, 2017).

Segundo Garganta (1991), estas primeiras conceções de periodização,


com origem no início do século vinte e que se prolongaram até meados dos
anos sessenta, dizem respeito, fundamentalmente, aos aspetos relacionados
com a dinâmica das cargas de treino e com a consequente adaptação do
organismo a essas cargas, de acordo com os períodos da época desportiva,
vinculando a periodização com o fator físico do rendimento.

Neste período destaca-se o modelo do soviético L. P. Matvéiev que foi


idealizado a partir da distribuição de cargas físico-atléticas, tomando como
referência as fases da Síndrome Geral de Adaptação (SGA)68 de Hans Selye
(Bompa, 1999; Castelo & Matos, 2013; Garganta, 1993; Raposo, 2017;
Santos et al., 2011).

Efetivamente, segundo Raposo (2017), a enorme qualidade dos


resultados desportivos alcançados pelos atletas da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) nas principais competições mundiais, com
destaque para os Jogos Olímpicos (JO), atraiu os treinadores desportivos a
adotarem o modelo de Matvéiev para organizarem a periodização da época
desportiva.

Importa que se refira que desde a década de sessenta – altura em que


o futebol começa a ser uma realidade mais organizada – até ao presente, e
apesar da conceção de L. P. Matvéiev ter sido desenvolvida para ser
aplicada em modalidades individuais como o atletismo e a natação, constata-
se a existência de uma transposição direta desta conceção para o treino do
futebol, sem ter em consideração a representatividade estrutural e funcional
desta modalidade coletiva (Campos, 2007; Castelo, 1994; Garganta, 1991,
1993; Guilherme, 2004; Santos et al., 2011; Silva, 1998; Tschiene, 1987).

68
De acordo com a SGA a adaptação do corpo dos desportistas passa por três fases
quando o organismo é confrontado com uma exigência. A primeira fase é conhecida como
choque e acontece quando o corpo enfrenta um novo estímulo de treino. A segunda fase é a
adaptação ao estímulo (i.e., o corpo adapta-se ao novo estímulo de treino e o desempenho
aumenta). A terceira fase é caracterizada pelo cansaço que acontece quando o corpo já se
adaptou ao novo estímulo, não acontecendo mais adaptações. Nessa fase, é possível que o
desempenho não mude ou, no caso de muitos atletas altamente motivados, o desempenho
pode diminuir pelo excesso de treino.

76
Contudo, de acordo com Gomes (2002), Raposo (2017) e Silva (1998),
entre o início da década de sessenta e os finais da década de setenta, a
periodização do treino desportivo começa a apresentar uma base mais
científica, o que motivou o aparecimento de novas propostas que vieram
repensar o modelo de L. P. Matvéiev.

Algumas dessas propostas foram as sugeridas por Fidelus em 1960 e


Neglak, no mesmo ano, Arosjev, Tschiene, Verjoshanski e Bondarchuk, já na
década de 1970, todas elas direcionadas para os desportos individuais. Tais
conceções foram elaboradas com vista ao melhoramento das performances
no âmbito dos desportos individuais e referenciam a divisão da época em
períodos reportando-os aos aspetos da adaptação biológica do organismo.

Neste sentido, a dimensão física continua a ser colocada no topo das


necessidades, sendo operacionalizada através de um planeamento a curto,
médio e longo prazo, o que não se afasta da proposta de Matvéiev
(Garganta, 1991, 1993; Raposo, 2017). Este tipo de trabalho preconiza a
oscilação de desempenhos através do “efeito retardado das cargas”, onde se
procuram atingir picos de forma física em determinados períodos da
temporada, objetivando a obtenção de significativa vantagem sobre os
adversários (Castelo, 1994; Raposo, 2017).

Alguns anos mais tarde na mesma linha das anteriores citadas viriam a
surgir as propostas de Tudor Bompa e de Bangsbo, em 1994. Estas
conceções de treino foram evoluindo em direção à individualização das
cargas, à concentração das cargas em curtos espaços de tempo e ao
aumento do trabalho específico69 dos conteúdos do treino, em detrimento do
excesso de cargas gerais propostas inicialmente. Apresentam, ainda, uma
ligação direta com o calendário das competições e com algumas
caraterísticas das modalidades desportivas para as quais foram criadas
(Afonso & Pinheiro, 2011). Estas conceções, tal como as anteriormente
formuladas para os desportos individuais, parecem ser fundamentalmente
70
influenciadas pelo pensamento mecanicista de Newton. Por isso,

69
Refere-se à noção de representatividade.
70
O homem que realizou o sonho cartesiano e completou a Revolução Científica foi
Isaac Newton.

77
decompõem todas as atividades em elementos simples, apresentando
propostas de treino com exercícios dedicados exclusivamente ao
desenvolvimento físico, técnico, tático e psicológico.

Contudo, de facto, as décadas de setenta e oitenta foram uma


importante fase para o repensar do treino em geral e essencialmente do
treino dos jogos desportivos coletivos em particular, na medida em que marca
o aparecimento de novas ideias. Trata-se de um tempo em que surgiram
algumas personalidades, entre as quais Frade (1976, 1979, 1990), Monge da
Silva (1985), Queiroz (1986), Seirul-lo (1976) e Teodorescu (2003), com
perspetivas e propostas alternativas ao entendimento e às práticas
tradicionais. Aliás, estes viriam a ser os precursores da alteração da visão
tradicional do conceito de periodização muito centrada nos aspetos físico-
condicionais, transformando-a numa visão que tem como cerne a interação
de todas os fatores inerentes à capacidade de jogo que levem à assimilação
de uma cultura específica para jogar e que potenciem as tomadas de decisão
e as possibilidades de ação.

É de capital pertinência referir que, pelo menos em Portugal, para o


despoletar dessas novas ideias muito contribuíram os Institutos Superiores
de Educação Física (ISEF) de Lisboa 71 (1975-1989 72 ) e do Porto (1975-
198873 ) através da criação de gabinetes dedicados ao estudo dos jogos
desportivos, entre os quais o futebol (Neto, 2015).

Efetivamente, entre 1980 e 1985 foi criado e desenvolvido o primeiro


Gabinete de Futebol no ISEF de Lisboa, ao qual pertenceram alguns dos
mais ilustres professores portugueses, entre os quais, Arcelino Mirandela da
Costa, Manuel Jesualdo Ferreira, Eduardo Vingada, Carlos Queiroz, Arnaldo
Cunha e Jorge Castelo, que começaram a refletir de forma inovadora sobre a
problemática do treino (Sarmento & Araújo, 2021).

Todavia, afigura-se importante realçar que também o êxito de alguns


treinadores que eram fundadores dessas mesmas ideias teve um contributo

71
Importa referir que José Mourinho, treinador português com maior currículo
desportivo, concluiu a licenciatura nesta instituição de ensino superior.
72
Veio substituir o então Instituto Nacional de Educação Física (1940-1975).
73
Veio substituir a Escola de Instrutores de Educação Física (1969-1975).

78
significativo para que os novos pensamentos fossem devidamente
considerados. De facto, deste grupo de treinadores, realça-se o trajeto de
Carlos Queiroz enquanto treinador e de Nelo Vingada enquanto seu treinador
adjunto.

Carlos Queiroz foi não só um fervoroso aluno e professor do ISEF de


Lisboa em busca de organização para o conhecimento no contexto do
futebol, mas também um irreverente treinador que colocou em prática ideias
inovadoras sobre o jogo, o treino e a análise, que rompiam com o que era (e
porventura continua a ser) mais ou menos usual ser operacionalizado (i.e.,
grande predominância da componente física no treino). Logrou dois dos
maiores títulos do futebol português com a equipa de “Esperanças” – os
Campeonatos do Mundo de 1989, em Riad, na Arábia Saudita e de 1991, em
Lisboa, Portugal (Sarmento & Araújo, 2021).

No livro “Geração de Ouro: Viagem ao processo que revolucionou o


futebol português” da autoria de Sarmento e Araújo (2021), alguns
futebolistas desta geração, entre os quais, Luís Miguel, Mário Morgado, Paulo
Madeira, Emílio Peixe, Fernando Brassard, Rui Bento, Paulo Alves, Hélio e
Tulipa, reconhecem os métodos inovadores, de onde se destacava o treino
muito direcionado para a organização coletiva nas diferentes fases e
momentos do jogo e para a repetição de processos de jogo com todos os
fatores de rendimento em interação.

É conveniente realçar que, decorrente da leitura dos testemunhos dos


jogadores, na obra de Hugo Sarmento e Duarte Araújo (2021), bem como da
análise efetuada aos exercícios propostos por Queiroz (1986), se percebe
que o objetivo de Carlos Queiroz não seria o de promover a “repetição pela
repetição”, com o propósito de apresentar soluções para os problemas que o
jogo colocaria aos jogadores.

Tal como Sarmento e Araújo (2021), entendemos que pela forma como
Carlos Queiroz expõe a organização e a estrutura dos exercícios, este já
promovia a “repetição sem repetição” tal como defendem alguns autores,
entre os quais Bernstein (1967), Chow (2013) e Duarte e colaboradores
(2013) e tal como fomos sugerindo ao longo deste enquadramento teórico.

79
Ou seja, não fomentava uma simples repetição de soluções com o objetivo
de que os jogadores as pudessem “decorar” para aplicar em situação de
jogo, mas pelo contrário, propiciava a repetição do processo para solucionar
os problemas (Sarmento & Araújo, 2021). Portanto, eram os problemas que
se repetiam e não as soluções, estas eram descobertas pelos jogadores a
cada nova repetição do mesmo problema (Sarmento & Araújo, 2021).

Em relação à importância da criação do ISEF do Porto, este teve um


grande contributo para o desenvolvimento de formas diferentes de
perspetivar o treino, muito pelo pensamento e ação de alguns professores,
entre os quais António Marques, Jorge Pinto, Júlio Garganta, Rui Faria,
Fernando Tavares e Vítor Frade. Neste âmbito salienta-se o contributo do
professor Vítor Frade que enquanto professor do ISEF lecionou, entre 1976-
1979, as cadeiras de Educação Física de Base e Teoria e Metodologia do
Treino Desportivo, onde introduziu uma nova forma de olhar para os
conceitos de Periodização e de Tática (Frade, 1979; Tamarit, 2013).

Posteriormente, desde a década de noventa, até à atualidade, verifica-


se uma significativa evolução do conhecimento que produz significativos
avanços para o estudo do treino no contexto dos jogos desportivos coletivos
(Gomes, 2002; López et al., 2000; Manso et al., 1996). É justamente neste
período que se dá a consolidação, o refinamento e a evolução dos
pensamentos que, entre outros, Frade (1976, 1979, 1990), Monge da Silva
(1985), Queiroz (1986), Seirul-lo (1976) e Teodorescu (2003) tinham iniciado
anos antes para o treino dos jogos desportivos coletivos.

Para este panorama, em Portugal, um pouco à semelhança do que foi


acontecendo por todo o mundo, muito contribuiu a passagem dos ISEF de
Lisboa e do Porto para Faculdade de Motricidade Humana da Universidade
de Lisboa e Faculdade de Desporto da Universidade do Porto,
respetivamente, a criação de novos cursos de Desporto nas diferentes
universidades, os centros de investigação e os centros de estudos dos jogos
desportivos um pouco por todo o país (Sarmento & Araújo, 2021). É
precisamente nestas últimas três décadas que começam a surgir,
abundantemente, um pouco por todos os continentes, alguns livros e

80
trabalhos académicos sobre o treino dos jogos desportivos em geral e o
futebol em particular (Neto, 2015).

Neste âmbito, com as pesquisas efetuadas nas bibliotecas físicas e


digitais é possível destacar-se, entre outras, as publicações promovidas pelo
Centro de Estudos dos Jogos Desportivos (CEJD). De facto, o livro “O ensino
dos jogos desportivos”, em 1994, veio colocar na linha da frente a
reconceptualização e a investigação do ensino dos jogos desportivos,
influenciando as práticas nos clubes. Também a publicação do livro
“Pedagogia do Desporto”, editado por Go Tani, Jorge Bento e Robert
Peterson, em 2006, reforçou e atualizou as propostas para o ensino dos
jogos, complementada por uma outra mais recente intitulada “Pedagogia do
Desporto”, editada pelos professores António Rosado e Isabel Mesquita, em
2009. Já a última publicação “Jogos Desportivos Coletivos, Ensinar a Jogar”,
editada por Fernando Tavares, em 2013, veio não só sustentar a ideia de que
o estudo desta temática do desporto está viva, como contribuir para o
aprofundamento do conhecimento sobre o processo de treino do jogo,
reforçando e renovando ideias pela apresentação de diferentes modelos de
ensino e treino que se entrelaçam numa estratégia de complementaridade e
compromisso.

Nesta linha, podem ainda ser invocadas as obras, “Futebol modelo


técnico-tático do jogo” e “Futebol a organização do jogo” do professor Jorge
Castelo, editados em 1994 e 1996 respetivamente, o livro “Game Changer”
de Fergus Connolly e Phil White, publicada em 2017; a monografia de
licenciatura “Especificidade, o pós-futebol do pré-futebol. Um factor
condicionante do alto rendimento desportivo” de José Guilherme, entregue
em 1991; a tese de doutoramento “Modelação tática do jogo de Futebol”, de
Júlio Garganta, defendida em 1997; e inúmeros artigos científicos
encontrados nas principais bases de dados, dos quais se podem salientar,
por exemplo, “Movement models from sports provide representative task
constrainsts for studying adaptative behavior in human movement systems”
de Keith Davids e colaboradores, de 2006, “Sports teams as superorganisms.
Implications of sociobiological models of behavior for research and practice in
team sports performance” de Ricardo Duarte e colaboradores, de 2012,

81
“Shared Knowledge or shared affordances? Insights from an ecological
dynamics approach to team coordination in sports” dos autores Pedro Silva e
colaboradores de 2013.

É também nesta fase que surgem algumas obras académicas que


vieram dar corpo às ideias que Vítor Frade tinha formulado na década de
setenta. Estas obras ajudaram a consolidar definitivamente a conceção de
treino designada de Periodização Tática. Entre as mais representativas
destacam-se pelo menos dezassete monografias de licenciatura e uma
dissertação de mestrado. Salientam-se, ainda, os livros: “Mourinho porquê
tantas vitórias” de Bruno Oliveira e colaboradores, publicado em 2006; “O
desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Tática”, da autora Marisa
Gomes, editado em 2008; “A justificação da Periodização Tática como uma
fenomenotécnica”, de Carlos Campos, publicado em 2008; “Não o deixes
matar. O bom futebol e quem o joga”, de Jorge Maciel, publicado em 2011;
“Periodização Tática, o futebol arte alicerçado em critérios”, de Bruno Pivetti,
publicado em 2012; “Periodización Táctica vs Periodización Táctica”, de
Xavier Tamarit, publicado em 2013; “Periodização Tática. Entender e
aprofundar a metodologia que revolucionou o treino do futebol”, de Julian
Tobar, publicado em 2018 e “A sustentabilidade do Morfociclo-Padrão: A
célula Mãe da Periodização Tática”, de Jorge Reis, publicado em 2018.

Ainda relativamente à Periodização Tática podem ser encontradas


referencias a esta conceção em alguns livros relevantes recentemente
publicados, tais como “Complex Football” de Javier Mallo, publicado em
2015, “Game Changer” de Fergus Connolly e Phil White, publicado em 2017.
Também em alguns artigos de periódicos, como por exemplo, “Tactical
Periodization: Mourinho´s Best Kept Secret?” de Delgado-Bordonau e
Mendez-Villanueva, publicado em 2012; “La planificación actual del
entrenamiento em fútbol” de José Arjol, publicado em 2012; “Contributos da
Periodização Tática para o desenvolvimento de uma identidade coletiva” de
Pedro Borges e colaboradores, publicado em 2014 e a “Periodização Tática:
fundamentos e perspetivas” de Pedro Borges e colaboradores em 2015.
Destacam-se no âmbito da Periodização Tática também algumas peças

82
jornalísticas, entre as quais a do New York Times, em 2017 e a da UEFA em
2021.

Portanto, a Periodização Tática (PT) tem vindo a aprimorar-se e o seu


corpo concetual que primeiramente foi lecionado em várias aulas da
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), onde o seu
criador, Vítor Frade, foi docente, tem continuado, mais recentemente, a ser
ensinado em congressos e cursos dedicados exclusivamente a esta
abordagem. Para além deste percurso, esta conceção foi operacionalizada,
sobretudo, no Futebol Clube do Porto (FCP), onde o autor exerceu funções
técnicas de coordenação durante um largo período de tempo.

Atendendo a estas circunstâncias, as ideias e as práticas relativas à PT


têm também sido disseminadas e aplicadas por aqueles que estudaram e/ou
conviveram com Vítor Frade e/ou que mais se identificaram com a conceção
por ele criada. Muitos deles desempenham a função de treinadores em
contextos de alto rendimento, como são os casos de José Mourinho, Rui
Faria, Vítor Pereira, André Villas-Boas, Luís Castro e Carlos Carvalhal
(Campos, 2008; Gomes, 2008; Oliveira et al., 2006; Pivetti, 2012; Reis, 2018;
Tamarit, 2007, 2013).

Todavia, num artigo recente, publicado numa revista científica com


revisão de pares, Afonso e colaboradores (2020) sustentam que, apesar da
existência de um corpo de conhecimentos exposto nos mais variados
formatos e da adesão de treinadores de relevo a esta conceção, continuam a
não ser encontrados artigos exploratórios em periódicos científicos, com
revisão de pares, que ajudem a validar, cientificamente, esta forma de
periodizar o treino do futebol.

Curiosamente, é também nestes últimos trinta anos que as ideias que


Seirul-lo Vargas tinha iniciado na década de setenta, inicialmente inspiradas
no modelo dos Blocos Concentrados proposto por Verjoshanski, no modelo
de Estado Prolongado de Rendimento proposto por Bompa e na evolução do
conhecimento, têm vindo a ser consolidadas, dando origem ao denominado
Treino Estruturado (Arjol, 2012; Dóniga, 2013; Mallo, 2015).

83
Esta conceção tem vindo a ser ensinada no Instituto Nacional de
Educação Física da Catalunha (INEFC), onde o seu criador tem sido docente
ao longo dos últimos quarenta anos, contando com algumas publicações nos
diferentes formatos que ajudam a melhor a entender, entre as quais se
salientam mais recentemente, o livro escrito por Seirul-lo Vargas e Gerard
Moras intitulado “El Entrenamiento em los Deportes de Equipo”, editado em
2017 e os artigos “La preparación em deportes de equipo. Entrenamiento
Estruturado” elaborado por Seirul-lo Vargas e publicado em 2002, e
“Entrenamiento em deportes de equipo: el entrenamiento estruturado en el
FCB”, de Joan Ramon Tarragó e colaboradores, publicado em 2019.

Convém ainda referir que esta abordagem tem vindo a ser aplicada no
Futebol Clube Barcelona (FCB), onde Seirul-lo Vargas74 tem coordenado a
área de alto rendimento do clube e exercido uma ação preponderante na
organização das seções de treino. Durante este período já colaborou, entre
outros, com Pep Guardiola e Tito Villanova e por isso estes treinadores são
também associados ao Treino Estruturado (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo,
2017c).

De acordo com Arjol (2012), Dóniga (2013) e Mallo (2015), nas últimas
duas décadas estas duas conceções que tinham tido a sua origem na
décadas de setenta e que têm vindo a ter a sua consolidação desde a
década de noventa, ressurgiram, com algum fulgor, em virtude de, como
referido anteriormente, alguns treinadores que as dizem colocar em prática,
terem alcançado significativos resultados 75 alicerçados em exibições de

74
Começou a trabalhar no Futebol Clube Barcelona (FCB) na seção de atletismo,
entre 1976 e 1984. Em 1982 tornou-se o preparador físico da primeira equipa de andebol,
mantendo essa posição até 1996. Alguns anos mais tarde, juntou-se à equipa nacional de
Andebol da Espanha, conquistando o Campeonato Mundial em 2013. Entretanto, a partir de
1994, começou também a desempenhar funções como preparador físico no departamento de
futebol sendo, ainda hoje, considerado como a principal referência em relação à metodologia
de treinamento do F. C. Barcelona. Durante os últimos anos, partilhou as equipas técnicas
com Johan Cruyff, Sir Bobby Robson, Cárie Rexach, Louis van Gaal, Lorenzo Serra Ferrer,
Radomir Antic, Frank Rijkaard, Pep Guardiola, Tito Vilanova e Gerardo Martino. Venceu 9
Campeonatos de Espanha, 4 Taças do Rei e 8 Supertaças nacionais; 3 Ligas dos
Campeões, 1 Taça dos Vencedores das Taças, 3 Super Taças da UEFA e 2 Campeonatos
do Mundo de Clubes.
75
Destacando-se no âmbito do Treino Estruturado, entre 2008 e 2012, com Pep
Guardiola na qualidade de treinador, o Futebol Clube Barcelona que ganhou 3 campeonatos
espanhóis e uma Liga dos Campeões e no domínio da Periodização Tática, as vitórias do
Futebol Clube do Porto na Liga Europa e na Liga dos Campeões em 2003 e 2004, com José

84
qualidade, durante as competições de futebol. Face a esta realidade, as
propostas de Vítor Frade e Seirul-lo Vargas passaram a figurar, a par da
conceção de Matvéiev, entre as conceções que os treinadores, de um modo
geral, mais utilizam para periodizar o treino do futebol.

Atendendo ao impacto destas três abordagens para a periodização do


treino do futebol, seguidamente faz-se uma análise aprofundada a estas
propostas com o intuito de verificar se alguma delas se ajusta às
necessidades que o jogo carece.

4.1. O modelo clássico proposto por L. P. Matvéiev

O soviético L. P. Matvéiev desenvolveu um modelo de periodização


para os desportos individuais, mais concretamente para o atletismo e a
natação (Bompa, 1999; Castelo & Matos, 2013; Garganta, 1993; Matvéiev,
1990, 1991; Raposo, 2017; Santos et al., 2011). Os seus fundamentos
baseiam-se no caráter ondulatório das “cargas” em função do
desenvolvimento das capacidades condicionais. Estas são norteadas pelo
princípio das grandes ondas e pelo desejo e necessidade de se
estabelecerem picos de forma ao longo da época, seguindo uma lógica de
progressão quantitativa caraterizada por um desempenho oscilatório
(Matvéiev, 1990, 1991).

Segundo Matvéiev (1990), o processo de desenvolvimento da forma


desportiva é constituído pela alternância entre três fases: aquisição;
manutenção (estabilização relativa) e perda temporal da forma desportiva.

A fase de aquisição da forma compreende a formação e


desenvolvimento da forma desportiva (Matvéiev, 1990, 1991). De acordo com
o autor, inicialmente acumula-se o material de construção com que se ergue
o edifício da forma desportiva. Trata-se de elevar o nível geral das
possibilidades funcionais do organismo, do desenvolvimento múltiplo das
qualidades físicas e volitivas dos atletas e da formação dos diversos hábitos

Mourinho como treinador e a conquista da Liga Europa, em 2011, com André Villas-Boas,
como treinador.

85
e destrezas motoras, compreendendo os elementos técnicos e táticos do
desporto escolhido (Castelo, 1994; Garganta, 1993; Matvéiev, 1990, 1991).

Na segunda parte da fase de aquisição, Matvéiev (1990) sugere que os


processos de adaptação adquiram um caráter mais especializado. A
orientação fundamental de todas as alterações passa a ser a elevação do
nível de treino especial, o desenvolvimento das qualidades que
correspondem ao caráter específico para a especialização do desporto
escolhido e o incremento do aperfeiçoamento da técnica e da tática
específica (Matvéiev, 1990, 1991).

Em relação à fase de estabilização relativa (manutenção) da forma


desportiva, esta carateriza-se pela manutenção da predisposição ótima (em
determinado ciclo) para alcançar bons resultados (Castelo, 1994; Garganta,
1993; Matvéiev, 1990, 1991).

Já no que diz respeito à fase da perda temporária da forma desportiva,


esta carateriza-se pela redução da readaptação de determinados aspetos do
nível de treino, devido à extinção dos vínculos que unem os diversos
elementos da forma desportiva e à queda do organismo em um nível de
funcionamento diferente (Matvéiev, 1990, 1991).

A aquisição, manutenção e perda temporária da forma desportiva


produzem-se em consequência de influências do treino, cujo carácter varia
de acordo com a fase de desenvolvimento da forma desportiva (Matvéiev,
1990, 1991).

4.1.1. Os períodos da época desportiva

Na perspetiva de Matvéiev (1990), podem definir-se três fases ou


períodos: 1) um longo período preparatório (três meses e meio a quatro
meses), no qual se criam as condições necessárias à aquisição da forma
desportiva; 2) um reduzido período competitivo (um mês e meio a dois
meses), durante o qual se assegura a manutenção da forma desportiva e a
desejada consecução dos êxitos desportivos; e 3) um período de transição
(três a quatro semanas no ciclo semestral, até seis semanas no ciclo anual)

86
que é incluído devido à necessidade de conceder ao atleta um descanso
ativo.

Face à natureza dos calendários competitivos da natação e do


atletismo, segundo Matvéiev (1990), poderá ser pertinente que o período
preparatório tenha maior duração e importância relativamente ao período
competitivo. Todavia, esta divisão, se aplicada ao futebol com vista ao
desenvolvimento das capacidades dos jogadores para atingir picos de forma
semestrais ou anuais, parece ter validade limitada, uma vez que, no âmbito
desta modalidade desportiva, a competição é permanente ao longo da época,
por vezes com uma densidade de mais do que um jogo por semana em que
nenhum jogo vale mais que o outro, e todas as competições são de
semelhante importância, com o objetivo de todas vencer. Logo, esta divisão
pode gerar uma incompatibilidade na medida em que o período de
competição desta modalidade é anual com uma durabilidade de cerca de dez
meses.

De acordo com Matvéiev (1990), no âmbito da natação e do atletismo o


rendimento ao longo de toda a época dependerá do nível de preparação,
essencialmente física, de que se parte e por isso é importante desenvolver
um forte período preparatório. Todavia, esta ideia se aplicada no domínio do
futebol não parece fazer sentido, pois os avanços científicos atuais alertam
para o facto de que o que se fizer no período preparatório irá suportar,
apenas, as primeiras semanas de competição (Dupont et al., 2010).

Este período preparatório está subdividido em duas fases, a de


preparação geral e a de preparação especial, sendo que a primeira é mais
prolongada (Matvéiev, 1990, 1991). Durante a fase de preparação geral,
Matvéiev (1990) sugere que a principal preocupação é criar uma boa base de
forma desportiva e, para tal, torna-se necessário aumentar as capacidades
funcionais do organismo desenvolvendo as várias capacidades físicas. Esta
“primeira etapa” carateriza-se por um aumento gradual do volume e da
intensidade, com crescimento preferencial do volume.

À medida que se aproxima a segunda etapa, torna-se mais importante o


papel da preparação volitiva especial, para as competições do desporto

87
escolhido (Matvéiev, 1990, 1991). Segundo a conceção de Matvéiev (1990),
uma vez que nesta etapa é necessário aumentar as capacidades funcionais
do organismo, o conjunto de tarefas propostas é muito mais amplo e variado,
com maior proporção de tarefas para desenvolver a resistência física geral e
o aperfeiçoamento geral da força.

No âmbito do futebol, esta primeira etapa do período preparatório, nos


moldes concebidos por Matvéiev (1990) tendo em vista o treino do atletismo
e da natação, parece não se mostrar ajustado ao futebol, porquanto as
evidências têm mostrado que parece revelar-se mais adequado neste
período da época criar e desenvolver o modelo de jogo que se pretende que
a equipa pratique, ao invés de dedicar esse tempo ao desenvolvimento
isolado das capacidades físicas gerais (Frade, 2013a; Garganta, 1993;
Santos et al., 2011).

Na segunda etapa do período preparatório concebido por Matvéiev,


confere-se à preparação uma orientação especial mais acentuada em todos
os seus aspetos (Matvéiev, 1990, 1991). A preparação física geral responde
no fundamental à necessidade de manter o nível geral do treino alcançado e
de elevar todos os seus componentes, relacionados com o auge do nível de
treino especial (Matvéiev, 1990, 1991). Já no que diz respeito à preparação
física especial, procura-se garantir o desenvolvimento das capacidades
físicas que respondam às exigências específicas (representativas) do
desporto escolhido (Matvéiev, 1990, 1991).

Em relação à preparação técnica, o objetivo é a assimilação mais


completa da técnica das ações competitivas na forma em que serão
aplicadas ao longo do período competitivo (Matvéiev, 1990, 1991). A tarefa
primordial consiste na formação de um estereótipo dinâmico motor de
carácter estável (Matvéiev, 1990, 1991). A ideia será fazer memorizar nos
jogadores sucessões de gestos técnicos e acréscimos de condição
física. Todavia, no âmbito do futebol, os gestos técnicos são maioritariamente
diferenciados, sendo quase impossível, atendendo à complexidade do jogo,
recriar com exatidão a técnica utlizada para executar uma determinada ação.

88
Portanto, em traços gerais, ao longo de todo o período preparatório
existe uma grande preocupação pela divisão dos fatores de rendimento, com
especial enfoque no desenvolvimento geral dos aspetos físico-condicionais,
treina-se o modo de fazer, ou seja a técnica, aumenta-se a capacidade para
fazer (i.e., o físico), mas, separado das razões táticas (Castelo, 1996;
Garganta, 1991, 1993, 1994, 2000; Garganta et al., 2013; Garganta & Pinto,
1998).

Ora, o desmontar do jogo em habilidades que são treinadas de modo


analítico, hierárquico e descontextualizado, promovendo, portanto, uma
exercitação alijada das referências percetivas, decisionais e motoras dos
cenários reais de jogo, pode como consequência, se aplicada no âmbito do
futebol, provocar que os jogadores apresentem défices de conhecimentos
específicos, quanto à compreensão do jogo e ao reconhecimento de
affordances (Castelo, 1994; Garganta, 1993; Guilherme, 2004).

De facto, a necessidade de separar os fatores de rendimento do treino,


no âmbito do futebol, parece determinar um assincronismo de toda a
capacidade do jogador (Castelo, 2019; Garganta, 1997). Assim, esta
conceção idealizada por Matvéiev para os desportos individuais, se aplicada
ao futebol pode levantar problemas, pois, como mencionado ao longo deste
capítulo, parece ser mais conveniente propor tarefas táticas específicas e
representativas do jogo de futebol que interliguem os diferentes fatores de
rendimento tal como se manifestam nos momentos de competição (i.e.,
propiciando que a preparação física esteja interligada com as capacidades
técnicas e com as perceções e decisões específicas do modelo de jogo).

Importa ainda referir que durante a preparação especial do período


preparatório, os exercícios aproximam-se das caraterísticas do próprio
processo competitivo (Matvéiev, 1990, 1991). Esta aproximação produz-se,
essencialmente, mediante a passagem gradual dos exercícios que
compreendem ações parciais ou diversas particularidades funcionais dos
exercícios competitivos para a atividade completa, que constitui o objetivo
das próprias competições (Matvéiev, 1990, 1991).

89
Por outras palavras, parte-se dos elementos ou conjunto de elementos
até se chegar ao exercício total (Matvéiev, 1990, 1991). Por exemplo, a
passagem da corrida repetida dos percursos da distância fixada, à corrida
completa (Matvéiev, 1990, 1991). No âmbito do futebol, será a passagem de
tarefas direcionadas para os vários setores que compõem a equipa, para
tarefas em que todos os jogadores estejam juntos.

Face a tudo o que foi exposto sobre o período preparatório da conceção


de Matvéiev, depreende-se que esta forma de periodização estabelece
pontos de contacto com o paradigma cartesiano, uma vez que dá enfase aos
fatores do rendimento e aos elementos da equipa em separado. Acreditando-
se que após o processo de treino com o somatório destes fatores e desses
elementos o desempenho aumentará, pois o todo é constituído pela soma de
suas partes constituintes, bastando justapor os fatores e os elementos (Cano,
2010; Castelo, 1994).

Contudo, como foi aduzido ao longo da presente dissertação, o


pensamento sistémico pode ajudar a melhor perceber a equipa e os
jogadores de futebol na medida em que estes se comportam como um
organismo em forma de rede (Duarte et al., 2012). Ou seja, os jogadores
estão imersos em redes de relações, sendo que aquilo que se denomina de
“parte” é um padrão mais restrito que se liga a uma teia inseparável de
relações.

Assim, não faz sentido considerar partes em absoluto, mas redes


sistémicas de dimensão variável. Pela mesma razão, não se afigura
conveniente dedicar um tempo considerável a tarefas dirigidas a partes,
fatores ou elementos isolados, na esperança de que, quando justapostos,
produzam resultados eficazes (Garganta et al., 2013; Guilherme, 1991, 2004;
Teoldo et al., 2015).

De acordo com a conceção de Matvéiev (1990), após a aquisição da


forma desportiva é necessário preservá-la durante o período competitivo,
aplicando-a na conquista de resultados desportivos. A preparação física tem
um papel meramente de evolução funcional, orientada para a manutenção e
conservação do nível de forma até aí alcançado. Já as preparações técnicas

90
e táticas visam o aperfeiçoamento das habilidades motoras, aproveitando ao
máximo a coordenação dos movimentos, desenvolvimento tático e ampliação
dos conhecimentos especializados (Matvéiev, 1990, 1991).

No entanto, quando se entra no período competitivo, no âmbito do


futebol, parece fazer sentido que cada sessão de treino esteja diretamente
relacionada com dois fatores: o primeiro relaciona-se com a consolidação e
refinamento da qualidade das interações do modelo de jogo observadas no
último jogo e o segundo relaciona-se com o lado estratégico referente ao jogo
seguinte. Assim, de um modo geral, esta conceção de treino desenvolvida
para a natação e atletismo parece ajustar-se pouco ao futebol. Tal não é de
estranhar na medida em que a estrutura competitiva e funcional dos
desportos individuais é sobremaneira diferente dos desportos coletivos.

4.2. O Treino Estruturado criado por Paco Seirul-lo Vargas

A conceção de treino denominada de Treino Estruturado (TE) foi criada


pelo espanhol Seirul-lo Vargas. Segundo Acero e colaboradores (2013),
inicialmente esta conceção começou por ser designada de Modelo
Cognitivista, mas a designação foi alterada para Enfoque Estruturado.
Atualmente, ainda de acordo com os mesmos autores, há quem o designe
por Modelo Cognitivo de Funcionalidade Sinérgica de Seirul-lo. Ao longo do
presente documento, utilizar-se-á a nomenclatura Treino Estruturado que é a
usada pelo autor nas suas mais recentes publicações, como por exemplo “El
Entrenamiento en los Deportes de Equipo” (Moras & Seirul-lo, 2017).

O Treino Estruturado nasce com a vontade para se adaptar às


necessidades específicas dos desportos coletivos, com base na
76
especificidade , individualização, aprendizagem global e diferencial,
respeitando as diferentes estruturas que compõem o ser humano desportista
(SHD) (Tarragó et al., 2019).

76
Refere-se à especificidade da modalidade desportiva. Por exemplo, futebol,
basquetebol, voleibol ou andebol (Tarragó et al., 2019).

91
Segundo Seirul-lo (2017c), a unicidade estrutural complexa dos
indivíduos é resultado da convergência dos sistemas bioenergético,
condicional, cognitivo, coordenativo, sócioafetivo, emotivo-volitivo,
expressivo-criativo e metal. Neste sentido, a conceção de treino é baseada
na relação sistémica das estruturas do ser humano que pratica desporto e na
sua expressão na ação motora (Tarragó et al., 2019).

4.2.1. Processo de treino dirigido ao jogador

Tal como foi sendo exposto ao longo da presente dissertação, no


domínio do Treino Estruturado (TE), Seirul-lo Vargas entende ser
conveniente que a base filosófica do treino assente no paradigma da
complexidade (Mallo, 2015). Também Seirul-lo (2017c) se socorre do
pensamento sistémico e das teorias da complexidade para melhor entender e
explicar o funcionamento do jogador de futebol, havendo uma aproximação
clara à perspetiva ecossistémica da tomada de decisão.

Segundo o autor, as relações que existem entre as diferentes


estruturas e a sua organização, facilitam os relacionamentos com o ambiente
competitivo específico de cada desporto (Seirul-lo, 2017c). Salienta-se que
nestes sistemas a integração é dinâmica e não-linear, e a interação entre os
subsistemas promove a surgimento de novos componentes e novas
propriedades que não pertencem a nenhum subsistema (Gómez et al., 2019;
Tarragó et al., 2019). A partir de essa base todo o processo de treino é
dirigido para o jogador (Acero, 2009; Mallo, 2015; Moras & Seirul-lo, 2017;
Seirul-lo & Solé, 2017; Serrés, 2017).

Segundo Seirul-lo (2017c), o jogador é entendido como uma estrutura


dissipativa que se autoestrutura segundo processos dialógicos que
proporcionam uma contínua interação dinâmica. Ou seja, o autor do TE
salienta que o jogador é um sistema adaptativo aberto, complexo e
autopoiético, que está capacitado para interagir com o ambiente circundante
através do qual absorve diferentes tipos de energia e informação que
transforma em fluidos bioenergéticos e bioinformacionais, tal como
preconizado por Varela e colaboradores (1974). É esta natureza que permite

92
ao jogador manter estável a sua estrutura longe do equilíbrio, possibilitando
trocas na sua funcionalidade em busca de uma otimização (Seirul-lo, 2017c;
Seirul-lo & Solé, 2017).

De acordo com Seirul-lo (2017c), no desportista, estes processos


permitem que a energia, a matéria e a informação do ambiente se
transformem em bioenergia, biomatéria e bioinformação, utilizados para a
autoconformação (autopoiése) no decurso da vida.

Esta autopoiése obtém-se através da intervenção dos diferentes


sistemas específicos e complexos de que o ser humano dispõe, que por sua
vez estão compostos por subsistemas também complexos, pois estão assim
mesmo conformados por outros (critério multinível), cada um com uma
específica e reconhecida funcionalidade diferenciada (Capra, 1996; Capra &
Luisi, 2014; Prigogine, 1996; Seirul-lo, 2017c). Como consequência de
relações intersistémicas e intrasistémicas, as interações conferem ao jogador
a unicidade da sua estrutura, já que é assim que ele se manifesta nas suas
interações com o meio (Seirul-lo, 2017c).

De facto, foi Prigogine (1996) quem explicou como os seres vivos,


graças ao seu metabolismo, são capazes de se manter em estados estáveis
afastados do equilíbrio. Este autor identificou-os como estruturas dissipativas,
dando as chaves para entender esta possibilidade que faz com que cada
indivíduo seja único e irrepetível como consequência dos processos que o
conformam no seu entorno específico.

Segundo Seirul-lo (2017c), a única ocasião em que o treinador pode


intervir na autoconformação do jogador, é através de propostas que
proporcionem modificações significativas do ambiente com o qual o jogador
vai atuar para que possa coabitar com valores de diferentes naturezas que se
considera necessário serem integrados nos referidos sistemas e
subsistemas.

Assim, os sistemas irão intervir necessariamente em diferentes medidas


e frequência temporal (Moras & Seirul-lo, 2017). Para tal, segundo o autor do
Treino Estruturado e tal como sugerido no ponto três do presente capítulo, é
necessário modelar os elementos significativos das interações apresentadas

93
nos vários cenários do ambiente específico que se proponham para as
distintas sessões de treino e de competição, onde o jogador irá participar
para conseguir a sua otimização (Seirul-lo, 2017c).

As sugestões de Seirul-lo (2017c) parecem ir de encontro ao que foi


sendo adiantando no ponto três deste enquadramento reflexivo referente à
justificação da perspetiva ecossistémica, no que à coordenação motora diz
respeito. Melhor, tal como se tem vindo a sugerir importa que se leve em
consideração a manipulação dos constrangimentos promovendo restrições à
ação, interações e a emergência de ações coordenadas e auto-organizadas
em cada indivíduo (Anson et al., 2005; Araújo et al., 2006). Por outras
palavras, a interação dos diversos constrangimentos induz ou inibe caminhos
de expressão a partir dos quais emergem as affordances como possibilidades
para a ação (Gibson, 1979).

No âmbito do TE, para levar a efeito a melhoria do SHD o treino deve


ser dividido em duas vertentes (Tarragó et al., 2019). A primeira vertente
designa-se por Treino Otimizador (TO) e a segunda dá pelo nome de Treino
Coadjuvante (TC). Fundamentalmente, o treino de otimização tem como
objetivo preparar o jogador para competir e, portanto, requer que as tarefas
de treino proponham ambientes com elementos representativos do jogo
(Tarragó et al., 2019). Por outro lado, tão necessário quanto o TO é o treino
coadjuvante que visa permitir que o SHD execute diariamente as tarefas
propostas pelo TO (Gómez et al., 2019). O TC pode ser entendido
essencialmente como o treino que prepara o jogador para treinar, ao mesmo
tempo que também procura melhorar as estruturas e os sistemas que
permitirão o rendimento. As tarefas propostas não são representativas do
jogo (Gómez et al., 2019; Tarragó et al., 2019).

De acordo com Gómez e colaboradores (2019), as exigências a que o


corpo está sujeito durante a competição obrigam a que paralelamente ao
treino otimizador se desenvolvam treinos coadjuvantes, que, interagindo,
contribuem para que o jogadores possam realizar as cargas de otimização
necessárias e também maximizar as potencialidades individuais através de
uma perspetiva sistémica (Gómez et al., 2019; Tarragó et al., 2019).

94
Desta forma, o treino otimizador reflete a carga coletiva a que uma
equipa está submetida e o treino coadjuvante serve para identificar e
equilibrar a carga individual que o jogador precisa para atingir, entre ambos,
uma ótima adaptação às altas exigências condicionais do desporto em
questão e a sua competição (Gómez et al., 2019; Tarragó et al., 2019).

4.2.1.1. As tarefas práticas do treino otimizador são situações


simuladoras preferenciais

Com as situações simuladoras preferenciais (SSP) pretende-se criar um


conjunto de situações que predispõem a um estado de ação e resposta num
ambiente que convida à imitação de comportamentos que serão simuladores
do desporto coletivo e que afetam, de forma preferencial, os diferentes
sistemas do jogador de acordo com a intenção da tarefa (Gómez et al., 2019;
Tarragó et al., 2019).

Segundo Dóniga (2013), Mallo (2015) e Seirul-lo (1976, 2001, 2017c),


as situações simuladoras preferenciais devem ser apresentadas sob a forma
de sequências conformadoras. Este conceito sugere a criação de sequências
de tarefas que compõem algumas das estruturas do sujeito, tais como
estruturas condicionais, coordenativas ou cognitivas (Serrés, 2017).

Todavia, segundo Seirul-lo (1976, 2001, 2017c), é pertinente que os


77
elementos estabelecidos previamente garantam que a sequência
corresponde a situações frequentes no jogo ajustadas às estruturas que se
pretendem desenvolver em determinado momento e em determinado jogador
(Serrés, 2017).

Por exemplo, através da gestão do número de repetições, dos períodos


de recuperação entre exercícios e da intensidade, as situações simuladoras
podem ser orientadas para o treino das capacidades condicionais, tais como
a força, a resistência ou a velocidade, embora sem descurar o
desenvolvimento das capacidades cognitivas de tomadas de decisão
77
Por exemplo: saltos, mudanças de direção, passes com colega, terminando com um
1x1 e remate à baliza. Esta sequência poderia denominar-se sequência para finalização
após ataque rápido. São sequências variáveis em que se vão estabelecendo interações
distintas (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2017c; Serrés, 2017).

95
específica (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2017c; Serrés, 2017). Depreende-se, então,
que no âmbito das situações simuladoras preferenciais tal como foi sugerido
no ponto três deste capítulo, que os fatores responsáveis pelo rendimento
(i.e., a tática, a técnica, o físico e o psicológico) são contemplados de forma
interligada, tal como foi sendo sugerindo.

Essas situações serão definidas e extraídas da análise e interpretação


do jogo real entre treinador e cada jogador (Gómez et al., 2019; Tarragó et
al., 2019). A ideia é que o jogador, ao reconhecer as situações, passará a
atribuir grande significado durante a execução nos treinos (Serrés, 2017).
Deste modo, é imprescindível que o treinador conheça o jogo em
profundidade e os episódios concretos de interação que pretende que
aconteçam (Arjol, 2012; Serrés, 2017).

De acordo com Seirul-lo (2017a, 2017c), importa que as SSP sejam


otimizadoras para SHD e que sejam construídas por meio de tarefas globais,
de preferência em grupo, com o objetivo de aprender o jogo. O uso das
tarefas motoras, que integram os elementos essenciais do jogo, facilita o
desenvolvimento de habilidades técnicas e padrões de execução muito
variados, que a própria competição exigirá (Tarragó et al., 2019). Cada SSP
requer a intervenção de diferentes sistemas ou estruturas SHD que o
treinador deve identificar (Gómez et al., 2019; Tarragó et al., 2019).

Cada jogador deve ativar os sistemas que melhor responderem à


situação criada, de acordo com o seu processo de auto-organização (Tarragó
et al., 2019). Essas ações geradas pelas situações criadas, serão aquelas
que levarão o jogador a outro nível de auto-organização dos diferentes
sistemas e estruturas envolvidas na execução (Arjol, 2012).

Portanto, o autor preconiza que cada situação simuladora preferencial


deve, tal como foi sendo sugerido ao longo deste documento, favorecer a
intervenção de diferentes estruturas e sistemas biológicos do futebolista que
proporcione interação e retroação e que colaborem sinergicamente para se
auto-organizarem78 e se adaptarem ao contexto desportivo específico (Acero,

78
A fim de alcançar essa auto-organização, o autor enfatiza que é necessário respeitar
as seguintes caraterísticas: a) nunca se tem a certeza científica do nível inicial do jogador,
assim as variáveis e capacidades não devem ser maximizadas, mas sim otimizadas.

96
2009; Arjol, 2012; Cuadrado, 2009; Fernández, 2009; Mallo, 2015; Ribera,
2009; Seirul-lo, 1993, 2009, 2017c). A definição de contexto desportivo
específico vai de encontro ao conceito de representatividade que foi exposto
anteriormente (i.e., o sugerido por Brunswik (1956)).

Neste sentido, parece haver pontos de contacto entre as situações


simuladoras preferenciais, proposta de Seirul-lo Vargas no âmbito do Treino
Otimizador, que se insere na conceção designada de Treino Estruturado, e a
perspetiva da pedagogia não-linear que foi dissecada no ponto três deste
capítulo. Ou seja, com a introdução de variabilidade nas situações de treino,
próprias da natureza do jogo, o autor pretende provocar a perda de controlo e
estimular a capacidade de o jogador antever uma nova situação e encontrar
novas regras de controlo e predição (Mallo, 2015; Serrés, 2017).

De facto, como se referiu no ponto três deste enquadramento reflexivo,


nos últimos anos o crescente interesse no estudo da complexidade dos
sistemas vivos tem originado o aparecimento de abordagens não-lineares de
aprendizagem, tais como a pedagogia não-linear (Chow, 2013; Chow et al.,
2011; Cláudio et al., 2019; Duarte et al., 2013; kelso et al., 1981; Schöllhorn
et al., 2012). De acordo com Chow (2013), repetir tarefas sob as mesmas
condições de prática não causa as flutuações necessárias nos sistemas
envolvidos para modificar o seu estado. Por outro lado, modelos baseados na
abordagem de mudança constante e variação nas condições de execução,
facilitam os distúrbios necessários a fim de causar uma mudança na
funcionalidade dos sistemas comprometidos. Portanto, afigura-se
interessante promover a variabilidade dos estímulos (Cláudio et al., 2019;
kelso et al., 1981; Schöllhorn et al., 2012).

Uma vez que o número de combinações possíveis dos elementos


presentes na situação simuladora preferencial é infinito, Seirul-lo e Solé

Otimizar as interações dos sistemas levará a otimizar toda a estrutura; b) as mudanças


estruturais só são possíveis quando as estruturas têm uma variedade que permite criar
interconexões com as outras estruturas e sistemas; c) deve-se orientar os jogadores através
de uma configuração onde não se pode definir, a priori, o seu futuro. Este caminho deve ser
específico e deve garantir continuamente que os sistemas do jogador estão fora de
equilíbrio, estimulando um intercâmbio energético com o meio ambiente; c) este modo de
configuração é irreversível, haverá sempre algo que ficará de forma residual no jogador
(Arjol, 2012; Seirul-lo, 2017c; Serrés, 2017).

97
(2017) e Serrés (2017) sugerem que o treinador utilize as variações que
correspondam a uma “filosofia de jogo” concreta de uma equipa e às
necessidades do jogador em situações concretas de interação dessa filosofia
(Arjol, 2012; Serrés, 2017).

Portanto, tal como foi sendo sugerido ao longo do ponto anterior,


também Seirul-lo Vargas realça a necessidade de haver preocupação com o
que foi definido como especificidade (i.e., princípios do modelo de jogo, que
juntos e de forma interligada, estabelecem uma cultura própria nas equipas).
Porém, no domínio do Treino Estruturado, a especificidade assume a
79
nomenclatura de filosofia de jogo e é um conceito um pouco mais
abrangente (Arjol, 2012).

Segundo Serrés (2017), as tarefas propostas estão divididas em três


níveis: a) tarefas dirigidas ao jogo individual; b) tarefas dirigidas ao jogo
coletivo ou tático das equipas; e c) tarefas que procuram otimizar os sistemas
de jogo ou a estratégia. Em termos operativos, o desenho das situações
simuladoras preferenciais deve obedecer a três80 fases de treino: mostrar,
praticar e providenciar (Serrés, 2017).

Em relação às tarefas de jogo individual, elas podem ser:


preferencialmente condicionais; preferencialmente coordenativas, baseando-
se nas quatro fases de aprendizagem propostas por Abraham Maslow;
preferencialmente cognitivas e, por último, preferencialmente
psicoemocionais (Serrés, 2017).

No âmbito das tarefas dirigidas ao jogo coletivo ou tático das equipas, o


objetivo é criar situações simuladoras preferenciais fundamentadas no jogo
com modificações ao nível da complexidade e que incorporem variações ao

79
Quando se fala em filosofia de jogo, o autor refere-se a um conceito amplo que pode
ser representado em última instância pelos princípios e valores (trabalho, solidariedade,
respeito, humildade) que definem o modelo de jogo e que constituem o suporte das crenças,
opiniões, atitudes que irão dar lugar a comportamentos observáveis no jogador. Daí a
necessidade de estabelecer valores partilhados por todos (i.e., filosofia que dá suporte aos
diferentes modelos de jogos que se estabelecem) (Arjol, 2012).
80
Na primeira fase – mostrar – significa que devem ser propostas tarefas com pouca
representatividade e complexidade e deve-se manipular as estruturas condicionantes do
exercício (Serrés, 2017). Na segunda fase – praticar – significa que o objetivo é desenhar
tarefas que integrem os conteúdos de interação em condições reais de jogo (Serrés, 2017).
Na terceira fase – providenciar – significa que se deve aperfeiçoar a totalidade de elementos
adquiridos mediante a variação da complexidade das tarefas (Serrés, 2017).

98
nível dos elementos que interessa estimular (Serrés, 2017). Ou seja, a
complexidade é treinada, tal como foi sendo sugerido, através de diferentes
níveis de complexidade da equipa e do jogo.

Em relação ao desenho das tarefas que procuram aperfeiçoar os


sistemas de jogo, a ideia é propor tarefas em que o foco principal do treinador
é explicar as funções de cada um (Serrés, 2017). São tarefas para afinar
comportamentos individuais que se pretende que sejam expressos no
coletivo (Serrés, 2017). Igualmente, são tarefas onde se procura aprimorar
aquilo que anteriormente, durante o ponto três do enquadramento reflexivo,
se designou por especificidade individual e coletiva dos jogadores, referente
ao modelo de jogo.

4.2.1.2. Conteúdos e objetivos do Treino Coadjuvante

De acordo com Gómez e colaboradores (2019), o novo conceito de


Treino Coadjuvante no âmbito do Treino Estruturado é a evolução do
conceito nascido na década de oitenta no contexto médico-desportivo, na
altura mais preocupado com a lesão e a sua recuperação do que com a
otimização do desempenho desportivo. Com esta evolução os valores de
variabilidade, individualização e especificidade são partilhados em ambas as
perspetivas do treino estruturado (i.e., TO e TC) (Gómez et al., 2019; Tarragó
et al., 2019).

O TC é dividido em quatro áreas que contemplam objetivos e


caraterísticas diferentes (Gómez et al., 2019). Portanto, existem: I) o Treino
Coadjuvante Preventivo (TCP) que é dividido em primário ou grupal e
secundário ou individual; II) o Treino Coadjuvante de Recuperação (TCR); III)
o Treino Coadjuvante Estrutural (TCE) que se divide em TCE de adaptação
anatómica, em TCE de hipertrofia aplicada e em TCE metabólico; e IV) o
Treino Coadjuvante de Qualidades Específicas (TCQE) que também é
dividido em TCQE de força de deslocamento, TCQE de força de salto, TCQE
de força de luta e TCQE de força de ações com a bola (Gómez et al., 2019).

I. Treino Coadjuvante Preventivo.

99
Segundo Gómez e colaboradores (2019) e Seirul-lo (2017c) o TCP é
um tipo de treino geral e/ou dirigido dedicado à correção, ajuste, antecipação,
controle e proteção daqueles fatores internos e externos que podem constituir
um risco de sobrecarga ou lesão no atleta. Tem como principais objetivos: a)
alcançar o equilíbrio e a predisposição necessária predisposição necessária
do conjunto musculotendinoso de grupos e cadeias musculares envolvidas
nas várias execuções de cada uma das ações específicas do desporto
(agonistas/antagonistas, tónicos/fásicos, etc.); b) priorizar as adaptações dos
músculos estabilizadores como elemento indispensável e facilitador da ação
sensoriomotora eficiente em qualquer ação; c) adaptar os músculos e
tendões às exigências produzidos por ações de alta intensidade,
especialmente as manifestações excêntricas e imprevistas tais como
desequilíbrios, quedas, desacelerações, etc.; d) aumentar a eficiência das
capacidades coordenativas que estão na base de técnicas específicas para
ajustá-las às condições inesperadas típicas dos desportos de interação.

O Treino Coadjuvante Preventivo primário ou de grupo é estruturado e


projetado com base na casuística das lesões e nos requisitos específicos de
cada modalidade desportiva (Cos et al., 2015). Por sua vez, o Treino
Coadjuvante Preventivo secundário ou individual, é estruturado de acordo
com as necessidades individuais a partir do historial de lesões médico-
desportivas de cada atleta (Cos et al., 2015). Os desenhos das sessões para
este treino devem ser personalizados, adaptando-se às necessidades
específicas de cada atleta e as exigências das diferentes estruturas (Gómez
et al., 2019).

II. Treino Coadjuvante de Recuperação.

O Treino Coadjuvante de Recuperação é o tipo de treino dedicado a


otimizar todas os meios de recuperação do jogador, após intensas sessões
de treino e competição. Esta recuperação deve ser realizada
preferencialmente na estrutura condicional, cognitiva, coordenativa, mas
também aos níveis emocional-volitivo e bioenergético (Gómez et al., 2019).
Afigura-se pertinente que este processo de treino seja realizado em
cooperação com outras equipas de trabalho e especialistas, tais como

100
médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos (Gómez et al., 2019;
Seirul-lo, 2017c).

O principal objetivo é a recuperação dos valores bioenergéticos e


funcionais após competições e a realização de treinos intensos para os níveis
de pré-atividade, como um auxílio à biofisiologia individual (Gómez et al.,
2019). Esses valores devem ser diferenciados consoante os diferentes
momentos da vida desportiva dos atletas (Tarragó et al., 2005).

III. Treino Coadjuvante Estrutural.

O Treino Coadjuvante Estrutural diz respeito a tudo o que é


relacionado com a formação ou a modificação morfológica do corpo do
jogador, a partir das suas variáveis antropométricas (Gómez et al., 2019).
Baseia-se na prática de diferentes manifestações de força geral amplamente
descontextualizada da modalidade desportiva, de acordo com a idade, sexo e
tempo de prática específico ao longo da vida do jogador (Gómez et al., 2019).

Tem como principais objetivos: aumentar os benefícios do jogador para


alcançar uma composição ótima entre massa magra, especialmente músculo
e massa de gordura corporal; acomodar as articulações e tecidos moles para
que mais tarde eles possam suportar cargas de grande intensidade e alta
especificidade em várias superfícies de jogo; e identificar as necessidades do
morfotipo individual (Gómez et al., 2019; Solé, 2008).

O TCE pode ser dividido em três subcategorias. A primeira designa-se


de TCE de adaptação anatómica (Gómez et al., 2019). Tendo em
consideração a própria configuração fisiológica do corpo humano, este tipo
de treino contribui para acomodar os tecidos conjuntivos relacionados com a
estabilidade e a mobilidade articular (Gómez et al., 2019).

Do ponto de vista funcional, trata-se de dotar o jogador com mobilidade


suficiente, graus de liberdade e estabilidade adequada nas diferentes
articulações, otimizando por um lado a funcionalidade dos tendões,
ligamentos, fáscias e cartilagem, e equilibrando, por outro lado, o
desempenho da força e resistência à força de grupos musculares agonistas e
antagonistas (Gómez et al., 2019).

101
Pretende-se com este treino evitar possíveis descompensações
estruturais geradas pela prática específica repetida e ambiciona-se alcançar
uma compreensão mecânica eficiente de técnicas específicas, gerando
possibilidades de ações técnicas impecáveis do ponto de vista biomecânico,
cinesiológico e de desempenho (Gómez et al., 2019).

A segunda subcategoria denomina-se de TCE de hipertrofia aplicada.


Consiste no desenvolvimento das estruturas musculotendinosas do jogador
para aumentar a percentagem de massa muscular adequada às
necessidades individuais e à especialidade desportiva (Gómez et al., 2019).
O objetivo principal é atingir o equilíbrio muscular nos grupos necessários
para serem protagonistas-antagonistas de técnicas de prática específicas do
desporto e, por sua vez, alcançar a hipertrofia ideal acompanhando o
desenvolvimento das manifestações de força explosiva, que são necessárias
no treino das qualidades específicas de deslocamento, de luta, de saltar e de
ações com a bola (Gómez et al., 2019).

Por fim, a terceira subcategoria denomina-se de TCE metabólico. Está


associada ao High Intensity Interval Training (HIIT), que consiste em alternar
estádios de altíssima intensidade com períodos de retorno variáveis. Dentro
das diferentes opções de treino metabólico, e quando o objetivo é a perda de
gordura, são comuns sessões de força destinadas a aumentar o consumo de
energia nas horas após o exercício, contribuindo para o alcance dos objetivos
propostos (Gómez et al., 2019). Trata-se de aumentar temporariamente a
taxa metabólica e, consequentemente, aumentar o consumo calórico,
favorecendo o efeito térmico residual também chamado Excess Post exercice
Oxigen Consumption (EPOC) (Gómez et al., 2019).

IV. Treino Coadjuvante de Qualidades Específicas.

De acordo com Gómez e colaboradores (2019), o Treino Coadjuvante


de Qualidades Específicas (TCQE) é baseado na proposta metodológica
adaptada a partir de Seirul-lo (1998) e Schelling e Torres-Ronda (2016),
através da qual é proposta uma divisão do jogo em áreas de trabalho em
função da sua orientação e dos níveis de aproximação que podem obter sem
atrapalhar os níveis de desempenho técnico de cada jogador.

102
De acordo com Gómez e colaboradores (2019), entende-se por “áreas
de trabalho” as quatro manifestações específicas da força exigida no futebol
e, em geral, em todos os desportos coletivos: a força para os deslocamentos,
a força para os saltos, a força para os duelos e a força para as ações com a
bola. Por “conteúdo” entende-se a habilidade técnica específica, com todas
as suas variações, por exemplo, saída aberta, saída cruzada, aceleração,
desaceleração, etc. Cada uma delas estará relacionada a com uma ou mais
áreas de prática (Gómez et al., 2019).

A organização da TCQE desenvolve-se em função do grau de


semelhança que os exercícios têm relativos à prática competitiva (Gómez et
al., 2019). Os referidos exercícios serão realizados a partir da orientação
geral e dos diferentes níveis de aproximação. A “orientação geral” refere-se
às ações onde se praticam todos os tipos de manifestações da força, a
velocidade e movimentos variáveis, que não são necessariamente
específicos para o desporto treinado (Schelling & Torres-Ronda, 2016). No
âmbito da orientação geral, segundo Gómez e colaboradores (2019)
fornecem-se os seguintes níveis de aproximação:

• Nível 0 (não orientado) – Trabalho muscular que não está envolvido


no gesto técnico da forma primordial (antagonistas, estabilizadores
ou fixadores). Podem ser exercícios complementares e/ou
compensatórios.

• Nível 0 (orientado) – Exercícios que trabalham a musculatura


principal de um gesto técnico (agonistas, e grupos musculares que
auxiliam o movimento), mas de uma forma não específica e em
velocidades, movimentos e cargas diferentes.

• Nível 1 – Geralmente está associado a exercícios clássicos de força,


mas deve apresentar um certo grau de semelhança com algum gesto
técnico do desporto treinado.

De acordo com Gómez e colaboradores (2019), a “orientação dirigida” é


entendida como o conjunto das ações ou práticas que se relacionam com os
movimentos que ocorrem no gesto técnico. A partir dos estudos de Moras
(1994) no âmbito da orientação dirigida associam-se os níveis 2 e 3:

103
• Nível 2 – O exercício deve imitar um gesto técnico, mas com pouca
sobrecarga.
• Nível 3 – Exercícios técnicos onde existe cooperação-oposição sem
tomada de decisão ou com tomada de decisão muito simples, que
não condicionam a execução.

Importa salientar que os exercícios de orientação especial (Nível 4) e


orientação competitiva (Nível 5) não são considerados no Treino
Coadjuvante, uma vez que fazem parte do Treino Otimizador (Gómez et al.,
2019; Tarragó et al., 2019).

Uma vez definidos os conteúdos, estudam-se a orientação e os níveis


de aproximação das diferentes áreas de manifestações de força, neste caso
no futebol. Os diferentes sistemas são divididos em sessões de prática de
treino de força coadjuvante, de qualidades específicas (Gómez et al., 2019).

Segundo Gómez e colaboradores (2019), a base assenta na proposta


inicial de Seirul-lo (1993), atualizado por Shelling e Torres-Ronda (2016).
Assim, o formato deste treino consiste na prescrição de três tipos de
exercícios ligados entre si. A forma de apresentação consiste no desenho de
um exercício fundamental seguido de um exercício complementar ou
compensatório e, por fim, de um exercício de aplicação (Gómez et al., 2019).

Os exercícios fundamentais são entendidos como aqueles exercícios


poliarticulares que envolvem um movimento global e influenciam as principais
estruturas músculo-esqueléticas (Gómez et al., 2019). Em função da
especificidade da sessão, os exercícios fundamentais serão mais ou menos
semelhantes às ações do desporto que está a ser objeto de treino (Seirul-lo,
1993).

Os exercícios complementares são caraterizados por solicitar grupos


musculares secundários dentro do gesto técnico. Já os exercícios
compensatórios, visam corrigir as assimetrias e os desequilíbrios,
contribuindo para minimizar o risco de lesões; são projetados e executados
seguindo critérios biomecânicos e cinesiológicos rigorosos para que se
adequem à anatomia e correção postural do atleta (Gómez et al., 2019;
Seirul-lo, 1993).

104
Finalmente, os exercícios de aplicação são aqueles que facilitam ações
musculares semelhantes ou idênticas ao gesto técnico, reproduzindo tanto a
velocidade de deslocamentos como a velocidade de execução (Seirul-lo,
1993). Dependendo dos níveis de aproximação dos diferentes exercícios,
podem-se incluir ações que requerem tomadas de decisão (Gómez et al.,
2019).

Como principais objetivos deste tipo de exercícios destaca-se a


tentativa de alcançar, em cada uma das quatro manifestações psicossociais-
motoras que ocorrem em todos os desportos de equipa, o mais alto grau de
eficácia e eficiência neuromuscular específico para proporcionar as trocas de
energia desejadas e inesperadas, quando essas execuções aparecem
durante a competição (Gómez et al., 2019).

Pretende-se também fornecer o desenvolvimento e a otimização das


caraterísticas e manifestações da força que são decisivas em cada
especialidade, como por exemplo a força útil apropriada para o gesto
desportivo, os diferentes índices de força máxima (em inglês RFD), ou os
défices de força para as diferentes ações gestuais (Gómez et al., 2019).

Como exposto anteriormente, o TCQE apresenta quatro subcategorias.


De acordo com a Gómez e colaboradores (2019), a subcategoria TCQE da
força de deslocamento refere-se à qualidade específica da força de
deslocamento e é composto por todas as ações com e sem bola, de duração
e intensidade variadas, nas quais se produz um deslocamento segundo as
condições dos apoios usados. Compreende todos os tipos de corridas (de
frente, lateral ou de costas), mudanças de direção e de sentido, voltas, fintas,
acelerações, desacelerações ou travagens, etc., onde os princípios básicos
dos movimentos se focam na precisão e aplicação eficiente de uma certa
força em um espaço e tempo ótimos (Gómez et al., 2019; Seirul-lo, 1993).

Por sua vez, a subcategoria TCQE da força de salto refere-se à


qualidade específica da força de salto e é composto por todas as ações com
e sem bola, de duração e intensidade variáveis, na qual se produz um salto.
O dito salto pode ser unipedal ou bipedal, estático ou em movimento, onde se

105
produz uma fase aérea do próprio corpo com maior incidência no
deslocamento vertical (Gómez et al., 2019).

Já o TCQE de força de duelos segundo Gómez e colaboradores (2019)


refere-se à qualidade específica da força de duelos. É composto por todas as
ações com e sem a bola, de duração e intensidade variáveis, em que pelo
menos dois jogadores disputam uma posição ou trajetória, interpondo-se
algum segmento do corpo ou todo o corpo para sair vitorioso de uma disputa,
tal como proteção da bola, lances divididos ou luta para assumir a posição
(Gómez et al., 2019).

Por fim, TCQE de força em ações com a bola refere-se à qualidade


específica da força, nas ações com a bola e é composta por todas as ações
de duração e intensidade variáveis nas quais se produz contacto com a bola,
tais como o controle, a condução, o passe, os remates à baliza, os
cruzamentos e os remates de cabeça (Gómez et al., 2019).

Importa referir que o treino coadjuvante, enquanto processo que visa a


otimização individual dos jogadores para poderem treinar, não foi objeto de
reflexão no ponto três do enquadramento reflexivo da apresente dissertação.
No entanto, entre outros aspetos, face à heterogeneidade dos jogadores que
compõem as equipas de futebol, à sobrecarga de jogos e ao histórico de
lesões que cada um transporta consigo, a proposta de Gómez e
colaboradores (2019), no âmbito da conceção de Treino Estruturado, merece
ser encarada como uma sugestão que pode ser benéfica enquanto
complemento ao treino para jogar.

Acresce que, no que ao treino da força diz respeito, alguns autores, tais
como Abade (2014), têm sugerido que o treino complementar específico da
força, no âmbito dos jogos desportivos, poderá incrementar ganhos ao nível
do esforço no desempenho das ações tático-técnicas em contextos de jogos
reduzidos. Tal facto, afigura-se pertinente ser objeto de reflexão numa futura
investigação.

106
4.2.2. O Microciclo Estruturado

Em relação à periodização, Seirul-lo (2017c) propõe como unidade


temporal básica durante o período preparatório e competitivo, o Microciclo
Estruturado (ME) que se ajusta ao ciclo semanal. Os objetivos do microciclo
baseiam-se nas necessidades dos jogadores criarem sequências e inter-
relações entre si, de tal modo que cada microciclo será consequência do
anterior e a referência para o seguinte, de acordo com as especificidades dos
jogadores (Arjol, 2012).

O objetivo do período preparatório, que dura habitualmente entre quatro


e seis semanas para equipas de futebol dos principais campeonatos
europeus, é preparar o jogador para o primeiro jogo (Arjol, 2012; Mallo,
2015). Desde o início, o período preparatório é organizado em microciclos
semanais com cargas concentradas, variando ao nível das especificidades
(Arjol, 2012; Mallo, 2015).

No período preparatório é utilizada a carga geral. Os conteúdos desta


carga são relacionados com a representatividade da modalidade, mas
focados nas capacidades físicas isoladas (força, resistência ou velocidade) e
não há requisitos de tomada de decisão. Um exercício poderia ser a corrida
em torno do campo de futebol (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé,
2017).

Ainda no período preparatório, também é utilizada a carga dirigida, que


pode incorporar elementos coordenativos, específicos e processos de
tomada de decisão não específicos (Mallo, 2015). Os conteúdos nesta
categoria podem estar relacionados para com o posicionamento em campo.

Existe também a carga especial, que neste caso inclui as atividades de


treino que mostram uma maior similaridade com a competição, incluindo as
componentes técnicas e táticas específicas que exigem capacidade de
decisão (Arjol, 2012; Mallo, 2015).

Face ao que tem vindo a ser exposto ao longo no ponto dois e três do
presente capítulo parece revelar-se mais adequado neste período da época
criar e desenvolver o modelo de jogo que se pretende que a equipa pratique,
e não tanto dedicar este tempo ao desenvolvimento isolado das capacidades

107
físicas gerais. Neste sentido, sugere-se tanto quanto possível se utilizem
tarefas táticas específicas e representativas do jogo de futebol que
interliguem os diferentes fatores de rendimento tal como se manifestam nos
momentos de competição. Propiciando que a preparação física esteja
interligada com as capacidades técnicas e com as perceções e decisões
específicas do modelo de jogo.

Quanto ao período competitivo, pode durar cerca de 40 semanas e


mantém o microciclo estruturado como a unidade funcional. A organização
das cargas concentradas de treino depende do número de jogos por semana
(Arjol, 2012; Mallo, 2015). Todavia, utilizam-se as cargas de competição que
reproduzem parcialmente os requisitos de competição, onde o treinador
procura a aquisição de princípios táticos (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo &
Solé, 2017).

No caso de a equipa estar apenas envolvida em um jogo por semana, a


organização é dirigida e especial. Se o jogo for sábado, a primeira metade da
semana deve ter uma sessão dupla na terça-feira e uma sessão única na
manhã de quarta-feira. Quando o evento competitivo é ao domingo, na
quarta-feira (sessão dupla) e quinta-feira (sessão da manhã) (Arjol, 2012;
Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

Já o período de transição tem como objetivo a ligação com os dois


períodos anteriores e dura, habitualmente, cerca de quatro a seis semanas.
Durante essas semanas as cargas de treino a usar são as chamadas
“genéricas” que se afastam dos requisitos específicos de futebol. Por
exemplo, uma proposta de tarefa genérica poderia ser uma sessão de remo,
natação ou ciclismo antes do período preparatório para melhorar a
resistência aeróbica (Arjol, 2012; Mallo, 2015). Os principais objetivos deste
período parecem ser o de recuperar as exigências globais da temporada
anterior e regenerar as estruturas corporais stressadas, a fim de continuar
sua otimização durante os seguintes períodos de treino (Arjol, 2012; Mallo,
2015).

De acordo com o caráter predominante dos conteúdos de cada


microciclo, a conceção Treino Estruturado, propõe cinco tipos de microciclos:

108
Microciclo Preparatório (MP), Microciclo de Transformação Dirigida (MTD),
Microciclo de Transformação Especial (MTE), Microciclo de Manutenção
(MM) e Microciclo de Competição (MC) (Acero et al., 2013; Mallo, 2015;
Seirul-lo & Solé, 2017). Os três primeiros de aplicação durante o período
preparatório, e os dois últimos a consumar durante o período competitivo.
Importa dizer que o Microciclo de Transformação Especial também se aplica
no período competitivo (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

Segundo Seirul-lo e Solé (2017) o MP tem como principal finalidade


promover no jogador a aquisição de forma geral. Por esta razão, o ciclo é
caraterizado por um predomínio de sessões de carácter genérico e geral
(Acero et al., 2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

Em relação às dinâmicas das cargas, neste ciclo assume mais


importância o volume do que a intensidade (Seirul-lo & Solé, 2017). Nos
primeiros dias da semana concentram-se as percentagens mais elevadas de
volume e nos últimos, as menores. No aspeto qualitativo da carga, a
intensidade, segue um comportamento totalmente inverso ao volume e
adquire a sua máxima expressão no final do microciclo (Seirul-lo & Solé,
2017).

Além disso, de acordo com Seirul-lo e Solé (2017), é importante


relembrar que, nos jogos desportivos coletivos, a intensidade é controlada
através do nível de especificidade das tarefas. Para os autores, controlar a
carga fisiológica é algo importante e que deve ser feito, mas num segundo
plano.

O microciclo de transformação dirigida (MTD) serve, de acordo com


Seirul-lo e Solé (2017), para iniciar o desenvolvimento do estado de forma
específico do jogador, mas sempre tendo em consideração que é o primeiro
escalão de aproximação para a aquisição da forma específica. Tal como no
microciclo preparatório, os autores sugerem que este ciclo mostra uma
natureza extensiva no qual o volume adquire grande protagonismo (Acero et
al., 2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

O MTD carateriza-se por um predomínio de sessões de natureza geral e


dirigido. Este tipo de microciclo aplica-se na primeira fase da pré-temporada,

109
depois dos preparatórios. Também pode ser utilizado em fases em que há
interrupção nas competições nacionais em virtude dos compromissos das
seleções nacionais (Seirul-lo & Solé, 2017).

Estes dois microciclos parecem estar voltados para o desenvolvimento


das capacidades físicas em detrimento das capacidades táticas para jogar.
Deste modo, de acordo com o que foi sendo exposto no ponto dois e três
deste capítulo, eventualmente faria mais sentido organizar ciclos de treino
que interligassem todos os fatores de rendimento e que estimulassem desde
o início as tomadas de decisão táticas específicas.

Já o microciclo de transformação especial (MTE) completa o


desenvolvimento da forma específica do jogador que foi iniciada no microciclo
anterior (Seirul-lo & Solé, 2017). Apresenta caraterísticas semelhantes ao
anterior, contudo, neste ciclo predominam as tarefas de carácter especial.
Neste sentido, remarcam-se as tarefas de tática individual onde a tomada de
decisão adequada determina o cumprimento dos objetivos (Acero et al.,
2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017). A diferença em relação aos ciclos
anteriores é que este apresenta um carácter mais intensivo do que extensivo.

Em relação ao volume geral, este diminui de forma moderada e a


intensidade é aumentada, tal facto origina que as sessões de treino sejam
mais curtas, mas com maior intensidade (Seirul-lo & Solé, 2017). Este ciclo
deve ser aplicado no final das pré-temporadas, ou no início da fase
competitiva. Também se pode aplicar no decurso do campeonato quando o
nível da equipa adversária é muito superior ou inferior ao da equipa (Acero et
al., 2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

De acordo com Seirul-lo e Solé (2017), o microciclo de manutenção


(MM) aplica-se na fase de competição regular (i.e., durante os campeonatos
nacionais). Com este microciclo pretende-se que a equipa entre no estado de
alta forma, caraterizado por ser capaz de conservar um alto nível de
rendimento durante todo o período competitivo. Este objetivo consegue-se
aplicando uma dinâmica de cargas que vem definida por uma relativa
harmonia entre volume e intensidade (Seirul-lo & Solé, 2017).

110
O aspeto quantitativo da carga predomina durante o início da semana e
os aspetos qualitativos, durante o resto. Umas das principais peculiaridades é
que predominam as cargas de carácter competitivo e de descanso e
regeneração. Não obstante, tenta-se que haja um equilíbrio que deve existir
entre a forma geral e a específica para poder ter um elevado nível de
rendimento durante o longo calendário competitivo (Seirul-lo & Solé, 2017).

O microciclo competitivo (MC) procura que a equipa entre num estado


de forma ótimo (Seirul-lo & Solé, 2017). De acordo com os autores,
geralmente, a equipa técnica define este objetivo quando vai encontrar
semanas de treino em que vai haver competições de grande importância, por
exemplo, a fase de play-off (basquetebol) para o título ou quando há partidas
oficiais no mesmo microciclo. Assim, a sua principal caraterística é o notável
domínio de cargas competitivas (oficiais) e de sessões regenerativas. Trata-
se de um microciclo em que a intensidade predomina sobre o volume (Acero
et al., 2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

De acordo com Seirul-lo e Solé (2017), estabelecem-se diferentes


formatos de MC em função dos dias da semana em que se realizam as
partidas. As possibilidades são múltiplas e variam em função do tipo de
desporto e do momento da temporada, contudo, as formas mais frequentes
são as seguintes: o microciclo competitivo I (MCI) utiliza-se com frequência
em equipas que competem em duas ou três competições regulares, por
exemplo, liga dos campões ou liga europa e campeonato nacional; as
partidas também podem ser às terças e aos sábados. Por outro lado, o
microciclo competitivo II (MCII) aplica-se à fase de play-off para o título ou
fase final da Taça do Rei em desportos de campo pequeno (basquetebol)
(Acero et al., 2013; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

4.2.2.1. Os conceitos de volume e intensidade

Importa ainda referir que, no que ao volume diz respeito Seirul-lo e Solé
(2017), sugerem que este seja dividido em Volume Concentrado de Carga
Específica (VCCE), Volume Tático-Técnico (VTT) e Volume de Carga
Genérica (VCG). Em relação ao conceito de intensidade, é similar ao da

111
Teoria Geral do Treino (TGT) parece ser referenciado o grau de esforço do
jogador, em cada situação de treino (Arjol, 2012; Seirul-lo & Solé, 2017).

O VCCE representa os aspetos quantitativos dos conteúdos de caráter


geral, dirigido e especial. Esse conteúdo especial representará um volume
reduzido durante a pré-temporada, predominando os conteúdos de caráter
geral e dirigido, enquanto durante a temporada terá um papel prioritário
juntamente com os conteúdos de caráter dirigido (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2005,
2009). O VTT representa a quantidade de conteúdos presentes de caráter
tático-técnico ao longo do microciclo (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2005, 2009). O
VCG representa o volume de conteúdos genéricos (comuns a qualquer
desporto) que se realizam com caráter complementar ou compensatório
(Arjol, 2012; Seirul-lo, 2005, 2009).

No microciclo do período preparatório contempla-se o VCCE, o VTT e o


VCG, assim como a intensidade (I). Nesta fase pretende-se a otimizar todas
as estruturas do sujeito (Mallo, 2015). Trata-se de propostas de carga de
caráter aproximativo e, portanto, de difícil quantificação. O importante são as
relações e proporções entre umas e outras ao longo do microciclo. Este tipo
de microciclo repetir-se-á durante o período preparatório, reajustando-se a
sua estrutura de acordo com os jogos amigáveis programados (Arjol, 2012;
Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

Durante o período competitivo mantem-se a mesma forma de


microciclo, passando o VCCE a denominar-se bloque de temporada (BT). No
BT inicial só se utilizam conteúdos de caráter dirigido e específico. O resto
(VCCE; VTT; VCG; I) adapta-se aos dias da semana, mantendo as relações
entre si. No caso de haver competição entra a semana, o bloque de
temporada é substituído pelo próprio jogo (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo
& Solé, 2017).

Para que os efeitos se produzam entre os diferentes microciclos,


devem-se aplicar alguns critérios tais como a duração, o número de vezes a
aplicar, a possibilidades de repetição, a evolução, desenhando-se para as
estratégias de organização dos elementos de treino, as situações
simuladoras preferenciais (Arjol, 2012; Mallo, 2015).

112
No bloque de temporada do microciclo não se devem utilizar duas
consequências conformadoras iguais, para que não se corra o risco de
otimizar apenas os mesmos sistemas (Arjol, 2012; Mallo, 2015). Os valores
de bloque de temporada e volume tático-técnico devem variar entre
microciclos sucessivos. Em relação à evolução da carga nos microciclos ao
longo da temporada, esta será descendente à medida que aumente o número
de jogos realizados, tendo como referência o microciclo de maior carga na
temporada (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

Importa ainda referir que o volume técnico e tático e as curvas de


intensidade aumentarão progressivamente durante a semana, atingindo os
seus valores máximos na segunda metade, enquanto o volume de carga
genérico terá uma maior predominância depois de exigir esforços (i.e., ao
mesmo tempo que se recupera da competição anterior ou após o treino
concentrado) (Arjol, 2012; Mallo, 2015; Seirul-lo & Solé, 2017).

4.2.2.2. O controlo do treino

No âmbito do Treino Estruturado fala-se expressamente da necessidade


de levar a cabo o controlo do futebolista na sua adaptação ao treino. Sugere-
se a realização de provas biológicas e a valoração de determinadas
sequências do treino desde a ótica condicional (Arjol, 2012; Mallo, 2015;
Seirul-lo & Solé, 2017).

Todavia, propõem-se também a valoração da competição através da


autoavaliação do próprio futebolista, a medição do rendimento, a valoração
objetiva e inclusive, a valoração externa e a qualidade tática (Mallo, 2015). O
tratamento de toda esta informação analisa-se de forma inter-relacionada e
contextualizada, com enfoque multidisciplinar, que permitirá estabelecer as
prioridades do treino para cada caso (Arjol, 2012; Mallo, 2015).

4.2.3. A importância da planificação

De acordo com a conceção de treino criada por Seirul-lo Vargas, uma


vez conhecido e analisado o projeto desportivo do clube, procede-se a uma

113
planificação81 mais geral, determinando em primeiro lugar os componentes82
estruturais que permanecerão fixos durante todo o período (Arjol, 2012). O
passo seguinte da planificação é definir a filosofia de jogo, dentro da qual se
podem construir diferentes modelos de jogo (Arjol, 2012). As propriedades de
uma planificação são: Única, Específica, Personalizada, Temporizada (Arjol,
2012; Seirul-lo, 2017c).

A primeira propriedade designa-se por única e significa que em conjunto


os técnicos devem unificar os enfoques e propostas de modo a produzir uma
unidade a nível paradigmático, prescritivo, terminológico, de objetos, de
metodologia e de critérios de avaliação e controlo necessários (Arjol, 2012;
Seirul-lo, 2017c).

A segunda propriedade é que deve ser específica. Esta especificidade


refere-se em primeiro lugar ao desporto em concreto (ou seja, refere-se ao
conceito que tem vindo a ser sugerido proposto por Brunswik (1956)
designado de representatividade) o qual inclui a interpretação do jogador
sobre a lógica interna e externa do jogo, o volume de competições e o ajuste
da carga em relação às competições, assim como o estatuto do jogador
dentro da equipa (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2017c).

Como terceira propriedade, ela deve ser personalizada de acordo aos


critérios pessoais de cada jogador, o momento desportivo do jogador e a sua

81
A planificação deverá tomar como ponto de partida o projeto do clube, o projeto que
se apoia no conhecimento da trajetória histórica, assim como os contornos culturais e
sociais, a sua filosofia e as suas idiossincrasias (Seirul-lo, 2017a, 2017c; Seirul-lo & Solé,
2017). O citado projeto inclui os objetivos a curto, médio e longo prazo nas diferentes
competições em que a equipa participa (Mallo, 2015). Assim, devem considerar-se os
aspetos relacionados com as relações contratuais e económicas dos integrantes do grupo
desportivo. Finalmente deve-se considerar a própria organização funcional do clube,
representada pelos seus departamentos, as funções, as responsabilidades e as vias de
comunicação, todas elas representadas por pessoas concretas (Seirul-lo, 2017c).
82
O primeiro aspeto fundamental é definir os objetivos da equipa, dentro do projeto do
clube. Estes objetivos devem não só estar relacionados com o rendimento da equipa, mas
também com outros aspetos subjacentes aos valores (Arjol, 2012). Os citados objetivos
ordenam-se segundo a importância e o tempo previsto para alcançá-los (Seirul-lo, 2017c).
De acordo com esses objetivos, procede-se à configuração do grupo desportivo, constituído
pelo corpo técnico, plantel e restantes membros auxiliares (equipa médica, material,
instalações). Esta seleção em muitos casos é à partida determinada pelo próprio clube, de
acordo com o seu projeto, objetivos e recursos, seja qual for o nível ou categoria (Arjol,
2012). De seguida estabelecem-se os grandes períodos da temporada, como são o período
preparatório, período competitivo e período de transição, cada um deles dividido em
unidades temporais designadas por microciclos estruturados (Seirul-lo, 2017c).

114
integração no jogo. Importa referir que de acordo com o treino estruturado, o
jogador é constituído por uma série de estruturas como por exemplo, a
estrutura condicional, a estrutura coordenativa, a estrutura cognitiva, a
estrutura socioafetiva, a estrutura emotiva-evolutiva, a estrutura creativo-
expressiva e a estrutura mental. Todas elas presentes no comportamento do
jogador (Arjol, 2012; Seirul-lo, 2017c).

Por último, a planificação deve ser temporizada, ou seja, é aplicada em


um tempo, em sequências temporais, através de tarefas de planificação, de
programação, de desenho e de avaliação e controlo (Mallo, 2015).

4.3. A Periodização Tática de Vítor Frade

A Periodização Tática (PT) foi idealizada e desenvolvida pelo português


Vítor Frade, a partir de 1979, sobretudo porque o autor não se identificava83
com as conceções que até então eram aplicadas ao treino do futebol,
(Campos, 2008; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Maciel, 2011;
Mallo, 2015; Pivetti, 2012; Tamarit, 2013).

Com a leitura dos livros publicados, torna-se claro que existe um


rompimento com o paradigma filosófico e científico mecanicista (Frade,
2013a, 2013b; Reis, 2018). Assim, apoiada no pensamento sistémico, esta
conceção de treino entende que o jogo de futebol é um fenómeno coletivo de
interdependência e salienta a importância dos jogadores estarem em sinergia
(Tobar, 2018). De facto, a interação é qualitativamente diferente da soma das
qualidades dos elementos, quando tomados individualmente (Bertrand &
Guillemet, 1988; Cooke et al., 2000).

Neste sentido, também para o autor da Periodização Tática (PT) é


condição necessária que o treinador crie os princípios84 do modelo de jogo,

83
Desde logo porque o futebol apresenta um calendário competitivo em que os pontos
por jogo valem todos o mesmo independentemente do adversário que se defronta, portanto,
parece fazer sentido que o objetivo seja estar preparado para atingir a vitória em todos os
jogos. Por isso, as periodizações criadas para os desportos individuais não se justificam,
uma vez que a maioria dos campeonatos são de pontos corridos, isto é, o primeiro jogo tem
exatamente o mesmo valor do último jogo do ano: três pontos.
84
Macroprincípios: referem-se aos contornos gerais da identidade de uma equipa em
concreto. É o balizador da modelação; são os referenciais coletivos que implicam a equipa

115
pois, tal como o que fomos expondo ao longo do documento, também o
criador da PT entende que estas relações e ligações de pensamentos
parecem dar mais garantias de organização e interação eficientes ao longo
dos vários momentos de jogo (Frade, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Assim, de acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), a eficácia das


decisões e interações está relacionada com a resolução dos problemas e
constrangimentos do jogo, de acordo com ideias específicas de interação
coletiva. Assim, segundo o autor, afigura-se vital que o treinador conceba os
princípios do modelo de jogo, formando o que se designa de especificidade
(Tobar, 2018).

Ora, uma vez que são as funcionalidades coletivas e individuais


específicas que determinam a qualidade de jogo, importa, segundo o autor,
que o treinador organize as sessões práticas de treino de modo a que
concorram para o aperfeiçoamento das interações funcionais que permitem
resolver os problemas que vão surgindo durante o jogo (Carvalhal, 2014;
Frade, 2011, 2013a, 2013b; Mourinho, 2006; Oliveira et al., 2006).

No âmbito da PT, todo o processo de preparação está relacionado com


a aquisição de conhecimentos e funcionalidades coletivas relevantes, que
devem ser trabalhados desde o primeiro ao último dia da época desportiva
(Tobar, 2018). Deste modo, a preparação está direcionada para uma forma
de jogar específica, tendo como principal referencia o modelo de jogo85, o
qual enquadra a tomada de decisão tática e estratégica86 dos jogadores, nos

toda. Subprincípios de jogo: são as partes intermédias que suportam e corporizam a


identidade coletiva de uma determinada equipa. Subsubprincípios de jogo: são os aspetos
mais micro, aspetos de pormenor a priori desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica
do processo de treino e emergem sobre determinados pelos níveis de maior complexidade,
ainda que sem perda de identidade ou singularidade. Dão imprevisibilidade à previsibilidade
e surgem em função das dinâmicas dos Macroprincípios e Subprincípios (Faria, 1999; Frade,
2011, 2013a).
85
Independentemente de ser impossível recriar com exatidão o modelo de que se
projeta face às múltiplas realidades circunstanciais (i.e., jogadores, clubes, países), de
acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), é condição obrigatória que o treinador crie um
sistema informacional que defina o que quer que a sua equipa faça em cada momento.
86
O lado estratégico pode ser entendido como as preocupações com a forma de jogar
da própria equipa tendo em atenção as particularidades da equipa adversária do jogo
seguinte, com o fim de aproveitar as debilidades do rival - os seus pontos fracos - e para
encontrar soluções para inutilizar as qualidades das equipas adversárias - pontos fortes -
subdeterminando-os aos pontos fortes da própria equipa (Tobar, 2018).

116
vários momentos e nas diversas escalas do jogo, bem como na resolução
dos problemas que o jogo coloca (Frade, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Assim, de acordo com Vítor Frade, uma vez que o que é fundamental
são as interações dinâmicas dos jogadores, então é a dimensão tática que
deve ser modelada e servir como modeladora de todo o processo de treino,
manifestando-se de forma sistémica em interligação com as demais
dimensões do rendimento. Para tal o autor propõe princípios metodológicos
próprios (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Tamarit, 2013).

Tal parece ser benéfico, na medida em que, ao desenvolver a qualidade


das relações táticas dos jogadores durante as sessões práticas, está tal
como se foi sugerindo ao longo do enquadramento reflexivo, a propiciar a
aquisição de affordances partilhadas que irão ser fundamentais para o
desenvolvimento de perceções e decisões que antecedem a manifestação de
comportamentos coletivos eficientes (Silva et al., 2013).

Para que o processo de treino seja orientado com eficácia, de acordo


com Frade (2011, 2013a, 2013b), é necessário respeitar ininterruptamente os
princípios metodológicos da Periodização Tática: princípio das propensões;
princípio da alternância horizontal em especificidade e princípio da
progressão complexa. A interação promovida pelos três princípios gera um
padrão de conexões que fornece uma lógica que se personifica, como se
verá mais à frente, na repetição sistemática, ao longo de toda a época, do
morfociclo-padrão (Campos, 2008; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008;
Maciel, 2011; Mallo, 2015; Pivetti, 2012; Tamarit, 2013).

4.3.1. O Princípio das Propensões

O Princípio das Propensões (PP) deriva da apropriação do conceito


usado por Popper (1991). Segundo Frade (2013a, 2013b), este princípio
pretende, em primeiro lugar, evidenciar a necessidade de gerar uma
propensão nas situações de prática que permita sobredirecionar as
dinâmicas táticas coletivas e individuais. Assim, de acordo com Frade (2011,
2013a, 2013b), o princípio das propensões refere-se à modelação dos
ambientes de exercitação, com o objetivo de criar contextos relativos a um

117
modelo de jogo específico que possibilitem, com elevada frequência, o
aparecimento dos princípios de jogo87 que se querem treinar.

Tais princípios funcionam como cenários que os jogadores devem


procurar construir sem estarem agarrados a uma única 88 possibilidade
(Frade, 2011, 2013a, 2013b). Tal facto, obriga, a que durante as sessões
práticas, os contextos adquiram configurações que permitam aos jogadores
interpretarem as circunstâncias e optarem pela escolha mais ajustada
(Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Mourinho, 2006; Oliveira et al.,
2006).

Portanto, a ideia é propiciar o desenvolvimento concomitante das


habilidades motoras específicas para jogar, com as zonas de intervenção
predominantes, com as funções prevalentes nos diferentes momentos de
jogo, com o esforço e com a estrutura do movimento, tudo em interligação
com as capacidades cognitivas, percetivas e decisionais, tal como acontecem
durante a competição (Frade, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Neste sentido, de acordo com o autor da Periodização Tática, afigura-se


pertinente que os contextos de prática criados pelo treinador não percam as
principais caraterísticas do jogo de futebol, em que os jogadores são
chamados a decidir e a interagir frequentemente, tais como a sua natureza
aberta e o seu carácter competitivo de cooperação e oposição (Campos,
2008; Gomes, 2008; Oliveira et al., 2006; Pivetti, 2012; Reis, 2018; Tamarit,
2007, 2013).

Depreende-se que a partir de cenários de jogo representativos, tal


como sugerido por Brunswik (1956), Frade (2013b) pretende que os
jogadores centram a sua atenção na análise da informação proveniente das

87
Por exemplo, se um treinador quer treinar a organização defensiva, concretamente a
interação dos jogadores da primeira linha defensiva em bloco baixo, a sua coordenação, o
seu posicionamento e os tempos de pressão, deverá promover um contexto que esteja
configurado para que este tipo de acontecimentos ocorra muitas e muitas vezes, consoante a
configuração da unidade de treino em função do dia da semana (Carvalhal, 2014; Frade,
2011, 2013a, 2013b; Mourinho, 2006; Oliveira et al., 2006).
88
Por exemplo, se o princípio na primeira fase de construção é sair a jogar curto,
afigura-se pertinente que os jogadores o aprendam a fazer tanto pelo corredor central como
pelos laterais não descurando a hipótese de inovar em função da interpretação do momento,
circunstancialmente, mas sem perder de vista a especificidade dos princípios da equipa
(Tobar, 2018).

118
propriedades do envolvimento percetivelmente acessíveis e pertinentes para
a realização da tarefa, através de uma relação de interação concomitante e
permanente entre o sujeito e o contexto.

Para que a propensão se verifique, tal como sugerido no modelo de


ensino Teaching Games for Understanding (TGfU) proposto por Bunker e
Thorpe (1982), o treinador poderá recorrer à modificação do jogo por níveis
de representação e, por modificação por exagero (i.e., a manipulação das
regras de jogo, do espaço e do tempo), pode canalizar a atenção dos
jogadores para o confronto com determinados problemas táticos que o
treinador quer que os jogadores resolvam. Neste sentido, o princípio das
propensões parece ter pontos de contacto com a “abordagem baseada nos
constrangimentos” proposta por alguns autores, entre os quais Davids e
Araújo (2005) e Travassos e colaboradores (2012).

Esta perspetiva, proposta por Frade (2011, 2013a, 2013b), difere


substancialmente das metodologias de ensino/treino clássicas, que, como se
viu anteriormente, alicerçadas na teoria cognitivista do processamento da
informação, propõem a repetição de padrões limitados de movimento
restringindo a tomada de decisão a situações em contextos fechados.
Depreende-se, a partir das fontes visitadas que se debruçam sobre a
Periodização Tática, que o princípio das propensões estabelece pontos de
contacto com a pedagogia não-linear (Chow, 2013; Chow et al., 2011;
Cláudio et al., 2019).

A abordagem da pedagogia não-linear, como mencionado previamente,


é baseada na ideia de que a compreensão do jogador, o contexto de prática,
a intervenção do treinador e o processo em si, funcionam como um sistema
dinâmico não-linear complexo a partir do qual os jogadores percebem
estímulos diretamente do ambiente real e os treinadores manipulam as
variáveis modeladoras que podem influenciar a resolução da tarefa (Araújo et
al., 2009; Chow, 2013; Chow et al., 2011; Cláudio et al., 2019). Com esta
abordagem pretende-se expandir as fontes de informação que orientam os
jogadores para o cumprimento dos seus objetivos, a fim de serem os
jogadores, sem qualquer intermediário e com base nas suas próprias
perceções e interações, a extrair de forma independente as informações

119
relevantes em cada situação específica (Chow, 2013; Chow et al., 2011;
Cláudio et al., 2019).

Portanto, o princípio das propensões também parece ir de encontro à


visão ecossistémica do comportamento que, como exposto anteriormente no
ponto dois, informa que é a estrutura e a física do envolvimento, a
biomecânica do corpo de cada indivíduo, a informação percetual relativa às
variáveis informacionais e as exigências específicas de cada tarefa que
servem para constranger e auto-organizar o comportamento (Araújo, 2005;
Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005; Araújo &
Volossovitch, 2005; Davids et al., 2003; Newell, 1986; Travassos, Duarte, et
al., 2012; Warren, 2006; Williams et al., 1999).

Igualmente, as oportunidades de ação surgem, de acordo com o


princípio das propensões, da interação dos jogadores com as informações do
ambiente, tal como preconizado por Gibson (1979). É a relação
complementar entre ambiente e indivíduo que pode determinar oportunidades
de ação, ou seja, affordances (Gibson, 1979), e o uso adequado das
informações promove o desempenho comportamental adaptativo e a
realização das tarefas práticas, de acordo com a especificidade do modelo de
jogo. Deste modo, através de tarefas que respeitem o princípio das
propensões, específicas e representativas, os jogadores podem manter as
mesmas relações percetivo-motoras, ou seja, affordances partilhadas (Silva
et al., 2013), com os colegas e as caraterísticas do jogo.

Importa que se diga que ainda que o foco principal do princípio das
propensões se prenda com o propiciar da aquisição de princípios e
comportamentos táticos nas suas diferentes escalas, esse não é propósito
único (Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Mourinho, 2006; Oliveira
et al., 2006). Segundo Frade (2011, 2013a, 2013b), pretende-se, também,
que em função do dia de cada sessão de treino, com elevada frequência
apareça um determinado tipo de contração muscular – tensão, duração e
velocidade – em predominância; a manifestação do mecanismo metabólico
predominante implicado; e determinadas dinâmicas de desempenho e
recuperação de intensidade máxima relativa. Importa referir que a
nomenclatura utilizada para caraterizar os padrões de contração muscular,

120
também já tinha sido referida por Monge da Silva (1985), num artigo sobre os
parâmetros de contração muscular, todavia com significados e interpretações
diferentes.

De acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), para que a interligação


destas preocupações com a aquisição de princípios do modelo de jogo se
traduza na operacionalização das sessões de treino, quer a nível coletivo,
quer a nível individual, poderá ser necessário recorrer a tarefas práticas mais
analíticas, com graus de representatividade menores.

Este princípio, devidamente articulado com todos os outros, permitirá


que a aquisição do modelo de jogo por parte dos jogadores se dê atendendo
a todos os fatores do rendimento (Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a,
2013b; Mourinho, 2006; Oliveira et al., 2006; Reis, 2018).

4.3.2. O princípio da Alternância Horizontal em ´especificidade`

O princípio da Alternância Horizontal em especificidade (AHe) é um


princípio metodológico que promove durante o intervalo entre jogos uma
dinâmica de incidências táticas com o intuito de que a equipa e os jogadores
estejam em condições de treinar e competir nas melhores condições do
rendimento (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Tamarit, 2013).

Portanto, no âmbito da Periodização Tática, os dias de preparação são


todos ocupados, contemplando todos os fatores do rendimento de forma
interligada, tal como se manifestam em função da especificidade do modelo
de jogo preconizado pela equipa.

Mas, segundo Frade (2011, 2013a, 2013b), para que seja possível
atingir níveis de rendimento elevados, é necessário reconhecer que tão
importante como o esforçar, na aquisição dos princípios táticos pretendidos, é
o recuperar fisiologicamente, sem esquecer que para além da competição, o
treino de futebol também promove um desgaste significativo no organismo.

Estas preocupações vão de encontro ao sugerido pelos estudos de


alguns autores, entre os quais Dupont e colaboradores e (2010), Hoyo e
colaboradores (2016) e Nédelec e colaboradores (2012), que salientam a

121
necessidade de levar em conta que o jogo e o treino provocam um desgaste
intenso e que é necessário estabelecer alguns pressupostos, durante as
sessões práticas de modo a possibilitar aos jogadores recuperar da fadiga
causada pelo esforço na competição e no treino.

Para orientar a dinâmica semanal, o autor adota como referência o ciclo


de supercompensação (Reis, 2018). Assim, após uma atividade que obrigue
a um esforço significativo, como um jogo de futebol, um indivíduo sente
fadiga. Para reverter esta situação é necessário que os indivíduos
descansem pelo menos setenta e duas horas, para que as estruturas
solicitadas possam regenerar-se e aceder a níveis de organização e
funcionalidade cada vez maiores (Bangsbo, 1993, 2002; Bangsbo et al.,
2006).

Esta parece ser uma solução viável na medida em que vai de encontro
aos estudos de Hoyo e colaboradores (2016) e Nédélec e colaboradores
(2012) que salientam a necessidade de se perceber que depois de um jogo
de futebol, os jogadores necessitam de pelo menos três dias para
recuperarem do esforço, ao ponto de estarem em condições para voltarem a
expressar uma atividade semelhante.

Portanto, neste sentido, o autor da Periodização Tática entende que


numa semana normal com jogos separados por seis dias, por exemplo de
domingo a domingo, o treinador só deve fazer incidir o treino sobre a
totalidade da complexidade específica e representativa do modelo de jogo da
equipa passado quatro dias do último jogo e a dois dias do jogo seguinte
(quinta-feira).

Todavia, de acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), os restantes dias


não podem ser desperdiçados e, portanto, afigura-se pertinente que as
sessões contemplem em interação uma dinâmica que permita a recuperação
fisiológica dos jogadores e a aquisição de competências táticas coletivas e
individuais. Neste sentido, o autor sugere que a dinâmica da complexidade
tática do todo, que se representa pela interação dos onze jogadores e que só
pode ser treinada na quinta-feira, tende a melhorar ao se incidir nos restantes

122
dias nas dinâmicas táticas das partes que o constituem (Frade, 2011, 2013a,
2013b; Reis, 2018).

Assim, Frade (2011, 2013a, 2013b) sugere que nas restantes sessões
de treino o foco seja nas partes táticas que constituem o modelo de jogo, sem
hipotecar a possibilidade de recuperação fisiológica. Trata-se de gerar
contextos que permitam reduzir o jogo a escalas mais pequenas do todo,
sem empobrecer (i.e., há uma invariância de preocupação que é o modelo de
jogo que é designada de Especificidade maior, mas as escalas em que isso
acontece vão sendo diversas), formando especificidades que fazem parte de
um todo maior (Campos, 2008; Gomes, 2008; Oliveira et al., 2006; Pivetti,
2012; Reis, 2018; Tamarit, 2007, 2013).

Este pormenor tenta dar resposta à necessidade de se treinar as


particularidades, tal como se têm vindo a evidenciar ao longo do
enquadramento reflexivo, e parece, ainda, estabelecer pontos de contacto
com a pedagogia não-linear. Ou seja, sugere-se, no âmbito da Periodização
Tática e da pedagogia não-linear, que se proponham fragmentos táticos que
apesar de terem complexidades reduzidas, não deixam de ser específicos e
representativos do jogo de futebol (Chow, 2013; Chow et al., 2011; Cláudio et
al., 2019).

Importa ainda que se perceba, segundo o autor da Periodização Tática,


que a totalidade da complexidade tática que a equipa evidencia durante o
jogo de futebol, não obstante a especificidade dos modelos de jogo, é
suportada por uma dinâmica bioenergética que tem como principal
responsável pela produção de energia o sistema bioenergético aeróbio (que
surge da interação da quantidade dos diferentes esforços anaeróbios e os
tempos de recuperação que lhe atribuem entre as diferentes ações) (Frade,
2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

No entanto, também não é menos verdade que as interações mais


efetivas e preponderantes para a disputa da posse de bola ou do espaço, são
levadas a efeito tendo como base o sistema anaeróbio alático uma vez que,
em determinadas situações, a atividade carateriza-se por esforços a ritmos e
velocidades altas com curtas durações, não obstante a componente

123
anaeróbica lática, no jogo, surgir frequentemente por acumulação de esforços
aláticos (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Esta constatação é, segundo o autor, de extrema relevância para o


treino, porque apesar de na sua globalidade o jogo fazer apelo à capacidade
de resistência aeróbia, o futebol também pode ser caraterizado como um
desporto que necessita recorrer à potência (Campos, 2008; Gomes, 2008;
Oliveira et al., 2006; Pivetti, 2012; Reis, 2018; Tamarit, 2007, 2013).

Ora, uma vez que de forma determinante as ações curtas de ritmos e


intensidades elevadas assumem grande protagonismo, parece fazer sentido
para o autor que o treino também incida, a nível bioenergético, sobre o
metabolismo anaeróbio alático (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

A finalidade será induzir nos organismos uma adaptabilidade que


permita aos jogadores dar uma resposta eficaz através de uma frequente
estimulação destas vias metabólicas, sem se socorrer dominantemente de
outras vias que têm menor potência, como a oxidativa e a anaeróbia lática
(Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018). Não obstante esta otimização estar
relacionada com o modo como o treinador queira jogar, por norma, a
generalidade das equipas apresenta esta caraterística.

Deste modo, em termos bioenergéticos importa, segundo Frade (2011,


2013a, 2013b), conferir ao organismo, através do treino, uma maior
capacidade de recorrer ao sistema que melhor lhe permita após ser
submetido a um estímulo curto, rápido de ritmo e de intensidade elevada
reestabelecer os seus índices basais rapidamente. Tal facto irá possibilitar
que o organismo consiga suportar esforços recorrendo à via anaeróbia alática
com maior eficácia, inibindo assim que tais desempenhos sejam acoplados,
ou maioritariamente sustentados em outras vias metabólicas (Frade, 2011,
2013a, 2013b; Reis, 2018).

Portanto, de acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), em cada sessão


de treino, para que se consiga treinar a especificidade tática coletiva e as
partes que a constituem, sem hipotecar a necessidade de recuperação
fisiológica, e potenciando os sistemas energéticos mais preponderantes, é
necessário alternar, entre jogos, através da manipulação das variáveis

124
estruturais da tarefa, o padrão de solicitações no que se refere: 1) ao grau de
complexidade tática dos contextos de exercitação subjacente à porção do
modelo de jogo que é vivenciada; 2) à dominância bioenergética e por
consequência ao padrão de contração muscular dominante; e 3) aos tempos
totais e parciais de exercitação e aos intervalos de repouso entre as tarefas
práticas (Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Maciel, 2011;
Mourinho, 2006; Oliveira et al., 2006).

Para que tal seja operacionalizado com sucesso, o autor propõe que se
obedeça aproximadamente à seguinte lógica que está expressa na Tabela 1.

125
Tabela 1

Interação dos Fatores de Rendimento no Âmbito da Periodização Tática

domingo segunda-feira terça-feira quarta-feira quinta-feira sexta-feira sábado domingo


Recuperação e
Dimensão Tático- Recuperação Recuperação Treino de
Ativação Pré-
Física Passiva Ativa Aquisição
competição
Exigência Exigência Média-
Psicocognitivas Exigência Baixa Exigência Alta Exigência Baixa
Média Alta
Complexidade
Princípios e Subprincípios e Princípios e Subprincípios e
dos Princípios Subprincípios
Subprincípios Subsubprincípios Subprincípios Subsubprincípios
Táticos
Complexidade
Baixa Baixa Média-Baixa Baixa Média-Baixa
Estratégica
Intersectorial Intersectorial
Setorial Coletivo Setorial Coletivo
Escalas da
Grupal/Individual Grupal Intersectorial Grupal Intersectorial
equipa
Individual Individual
Jogo Jogo
Anaeróbio alático
Baixo Médio Médio Alto Baixo
(Fosfocreatina)
Anaeróbio lático
Baixo Alto Médio Médio Baixo
(Glicólise)
Aeróbio Baixo Baixo Alto Baixo Baixo
Recuperação
Tensão Baixo Alta Média Média-baixa Média-baixa
passiva
Duração Muito curta Curta Média-longa Muito curta Curta

Velocidade Baixo Média Média-baixa Alta Média-baixa

Densidade Muito baixa Alta Média-alta Média-baixa Média-alta

126
4.3.3. O princípio da Progressão Complexa

De acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), a natureza aberta do jogo,


da equipa e dos jogadores provoca, forçosamente, alterações na forma como
a equipa resolve os problemas durante as partidas. Tal facto, segundo o
autor, e tal como sugerido no ponto três deste capítulo, propicia que ao longo
da época o processo de organização seja altamente dinâmico, sendo
caraterizado por frequentes micro alterações sem perda de relação com o
referencial que o sobre determina e lhe dá o sentido (i.e., os princípios do
modelo de jogo) (Frade, 2013a; Tamarit, 2013).

Face a este problema, o autor da Periodização Tática criou o princípio


da Progressão Complexa (PC) que se relaciona com a eleição do que é
prioritário numa semana de treino, consoante a evolução e os problemas
apresentados pela equipa, e com a criação dos contextos de prática em
função da eleição dessas prioridades (Frade, 2011, 2013a, 2013b).

Inicialmente, face às necessidades da equipa e aos objetivos do clube,


podem-se estabelecer prioridades relativamente à abordagem inicial e à
ênfase a dar, ou seja, mais num determinado momento de jogo do que
noutro, mais num determinado setor do que noutro e mais em determinados
princípios menos complexos do que em outros mais complexos (Frade,
2013a).

Mas, segundo Frade (2011, 2013a, 2013b) e tal como foi sugerido no
ponto três do presente capítulo, à medida que o processo de treino-
competição se vai desenvolvendo, vão emergir coisas novas, algumas
condizentes com o que se deseja e outras nem por isso; há regularidades e
padrões que o eram, mas que deixam de o ser, outras que não eram e
passaram a ser, tudo isto, numa dinâmica constante de treino-competição
que requer muita atenção e reflexão da parte do treinador para estabelecer
prioridades táticas a cada momento, sem se desviar em demasia do caminho
previamente estabelecido (Frade, 2013a).

Quer isto dizer que para Frade (2011, 2013a, 2013b), e tal como
sugerido anteriormente, os momentos de competição têm um papel central
na estruturação dos dias de treino, visto que estes são organizados tendo

127
como base as exigências vivenciadas na competição anterior, a necessidade
de recuperar, corrigir e reavivar interações e o tipo de exigências que se
perspetivam para a competição seguinte (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis,
2018). Assim, de acordo com Frade (2013a), a eleição do que é prioritário,
emerge da dinâmica altamente complexa que se estabelece entre
quantificação a priori e quantificação a posteriori.

A primeira – quantificação a priori – refere-se ao retrato projetivo, geral,


que se faz para o processo, isto é, faz-se uma análise aos três tempos,
passado, presente e futuro (Frade, 2013a; Tamarit, 2013). A segunda –
quantificação a posteriori – refere-se à necessidade de a cada instante,
durante o quadro competitivo, se ir gerindo e aferindo o sentido que o
processo vai tomando, de modo a torná-lo congruente e o mais aproximado
possível com o retrato inicial projetado (Frade, 2013a; Reis, 2018; Tamarit,
2013).

Portanto, tal como foi sendo mencionado no ponto três do primeiro


capitulo, existe a necessidade de o treinador ter sensibilidade para gerir e
hierarquizar esta relação entre a conceção que inicialmente projetou e a
necessidade de a ir afinando ao longo do quadro competitivo (Frade, 2013a;
Tamarit, 2013).

Segundo o autor, a progressão complexa da aquisição do modelo de


jogo manifesta-se pelo menos em três vertentes, ao longo da temporada, ao
longo da semana de treinos, em função do que aconteceu no jogo anterior e
do que poderá acontecer no seguinte e, ainda, ao longo de cada unidade de
treino (Frade, 2011, 2013a, 2013b).

Quer isto dizer que o autor da Periodização Tática, sugere, tal como foi
mencionado previamente no ponto três do presente capítulo que, a natureza
processual fornece indicadores que o treinador deve valorizar de modo a
estabelecer prioridades ao longo da semana de treinos e também ao longo
de uma única unidade (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018). Tal
evidência, faz apelo a alguma arte na medida em que não há receitas de
como fazer uma hierarquização de conteúdos (Frade, 2011, 2013a, 2013b;
Reis, 2018).

128
De facto, de acordo com alguns treinadores, entre os quais Carvalhal
(2014), Cruyff (2002, 2012), Guilherme (1991, 2004), Mourinho (2006),
Tralhão (2020), e com o que foi sendo exposto anteriormente, é impossível
saber-se a priori, com perfeita exatidão, o ritmo a que os conteúdos vão ser
assimilados pelos jogadores, uma vez que face à complexidade imposta
pelos adversários e às circunstâncias inerentes à alta competição do futebol,
é muito difícil ter total certeza sobre como a equipa vai responder aos
problemas durante cada jogo e na época competitiva.

Por exemplo, o que não raras vezes pode acontecer, é uma equipa
começar a defender bem durante um ou dois meses, manifestando
comportamentos e interações com alto nível de eficácia, e, a determinada
altura, dar-se o caso que esta mesma equipa passe a evidenciar deficiências
e retrocessos na sua organização defensiva (Carvalhal, 2014).

Tal circunstância obrigará, segundo o autor da Periodização Tática,


inevitavelmente, e tal como foi sugerido ao longo do capítulo, a que a
progressão da qualidade de jogo seja não-linear, ou seja, existe a
necessidade de voltar a exercitar, consolidar e refinar os conteúdos que já
tinham sido aprendidos (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018). Portanto,
segundo o autor da Periodização Tática e tal como anteriormente foi
mencionado no ponto três deste capítulo, os responsáveis pela modelação do
processo necessitam de voltar a atribuir maior importância a conteúdos que,
apesar de já terem atingido níveis elevados de qualidade, necessitam mais
uma vez de voltar a ser objeto de treino (Castelo, 2019; Faria, 1999; Frade,
2011, 2013b).

Com a articulação deste princípio com os anteriores é possível aos


jogadores ir, ao longo da época, refinando frequentemente e de forma não-
linear a relação complementar entre o ambiente e o próprio jogador, afinando
todas as oportunidades de ação (Gibson, 1979), a saber, o uso adequado de
todas as informações, e depurando todo o tipo relações percetivo-motoras,
ou seja, affordances partilhadas (Silva et al., 2013), referentes aos momentos
e às escalas da equipa em espaços de tempo curtos.

129
4.3.4. O Morfociclo-Padrão

O morfociclo-padrão (Figura 1) é uma referência teórica que enquadra e


sistematiza toda a lógica subjacente ao processo de periodização e
operacionalização do treino, a partir do padrão de conexões dos princípios
metodológicos (Frade, 2011, 2013a, 2013b).

No âmbito da Periodização Tática, todo processo de preparação está


relacionado com a aquisição de conhecimentos e funcionalidades táticas que
devem ser trabalhadas desde o primeiro ao último dia da época desportiva
(Frade, 2011, 2013a, 2013b). Ou seja, para desenvolver e edificar o modelo
de jogo é necessário respeitar ininterruptamente, durante toda a temporada,
esta lógica de treino semanal, inclusive durante o período preparatório 89
(Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Mallo, 2015; Reis, 2018). Como
foi sugerido no ponto três deste capítulo, tal parece ser benéfico atendendo à
dificuldade que a aquisição de comportamentos coletivos comporta.

O mesmo se depreende a partir do significado dos conceitos de morfo,


ciclo e padrão apresentados no dicionário de língua portuguesa. A palavra
“morfo” deriva da palavra grega Morphé (forma), que exprime a noção de
forma – que no âmbito da Periodização Tática se refere à forma de jogar. Já
a palavra “ciclo”, tem origem no termo grego Kyklos (círculo) e no latim Cyclu
(círculo) e encerra o significado de uma sucessão de fenómenos
sistematicamente reproduzidos em períodos regulares, ou um fenómeno
periódico que se efetua durante um certo espaço de tempo – que no âmbito
da Periodização Tática se refere ao tempo disponível entre dois momentos
de competição. Por último, a palavra “padrão”, originária do latim Patrone
(patrono) pode significar norma; modelo de referência; paradigma – que no
âmbito da Periodização Tática significa estabilidade metodológica ao longo

89
A partir da primeira semana do período preparatório importa transmitir aos jogadores
os macro princípios específicos de interação coletiva contemplados no modelo de jogo
(Frade, 2013a). Esta semana pode, através dos contextos de prática, originar ações e
interações muito condicionadas por regras de como e quando fazer. No final desta primeira
semana parece fazer sentido haver um primeiro momento de avaliação, i.e., jogo de treino.
Em função desse primeiro momento de verificação dos níveis de eficácia e adaptação dos
jogadores às ideias que o treinador propõe, as sessões de treino seguintes durante o período
preparatório irão continuar a variar ao nível dos conteúdos experimentados, até ao próximo
jogo de treino, mesmo que isto apenas se verifique num plano micro sem perda da referência
em relação ao modelo de jogo (Frade, 2011, 2013a, 2013b).

130
de época desportiva (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Mallo, 2015;
Reis, 2018).

Portanto, os ciclos têm similaridades entre si em função da forma (i.e.,


do desenvolvimento do modelo de jogo), e do padrão, ou seja, lógica de
articulação dos princípios metodológicos. Com a repetição sistemática do
morfociclo, desde o período preparatório, e como as tarefas práticas têm
como base de construção a especificidade e a representatividade das fases e
momentos do jogo de futebol, os jogadores beneficiam de mais tempo para
aumentar e afinar a capacidade de reconhecer as oportunidades de interação
(i.e., affordances partilhadas), através do desenvolvimento das perceções
que melhor se ajustam às intencionalidades da equipa.

Esta regularidade metodológica que se expõe na Figura 1, pode ser


entendida à luz de uma organização que é mais bem explicada com o auxílio
de cores (Frade, 2011, 2013a, 2013b). É através da correta calibragem das
cores sugeridas que resulta a devida operacionalização do princípio
metodológico da Alternância Horizontal em (e)specificidade (Frade, 2013a;
Gomes, 2008).

131
Figura 1

Morfociclo-Padrão. Extraído de Reis (2018).

132
A coloração verde corresponde à complexidade inerente à competição
(Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Reis, 2018). Todavia, para um
conveniente entendimento do significado do algoritmo subjacente à
simbologia das cores, deve entender-se que o emergir do verde resulta do
que a complexidade verde comporta (i.e., o azul e o amarelo, que
devidamente conjugados e nuanciados permitem o verde), ou seja a
expressão qualitativa de uma forma de jogar (Frade, 2011, 2013a, 2013b;
Gomes, 2008; Reis, 2018). Assim, fraciona-se o modelo de jogo (todo =
verde) em níveis de organização que se constituem nas partes representadas
por: branco + verde claro + azul + verde escuro + amarelo + amarelo claro =
verde (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Reis, 2018).

Importa também salientar que o amarelo claro resulta da junção do


branco com o amarelo, e se reporta à necessidade de treinar e recuperar, de
forma mais recreativa, mas sempre em especificidade, daí que não deixe de
ser amarelo, ou seja, não deixa de representar um determinado nível de
organização do modelo de jogo (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008;
Reis, 2018).

Portanto, a noção de morfociclo-padrão quebra com a lógica das


periodizações convencionais, de micro, meso e macrociclo, que baseiam, os
seus fundamentos no caráter ondulatório das cargas em função do
desenvolvimento das capacidades condicionais (Frade, 2011, 2013a, 2013b;
Reis, 2018). Como foi adiantado anteriormente, são norteadas pelo princípio
das grandes ondas e pelo desejo e necessidade de se estabelecerem picos
de forma ao longo da época, seguindo uma lógica de progressão quantitativa
caraterizada por um desempenho oscilatório. Ora, no âmbito da Periodização
Tática, e tal como se foi sugerindo ao longo do ponto três deste
enquadramento, o autor também entende que se todos os jogos têm valor e
objetivos semelhantes, então, importa adotar uma lógica que prepare os
jogadores nos intervalos entre cada de jogo (Frade, 2011, 2013a, 2013b;
Reis, 2018).

A lógica subjacente ao morfociclo-padrão dá ainda a conhecer que no


domínio da Periodização Tática o foco do treino é, desde o primeiro dia, a
intensidade da qualidade, ou seja, o desempenho manifesto na vivenciação e

133
aquisição de princípios de um modelo de jogo e não no volume associado às
capacidades condicionais (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Mallo,
2015; Reis, 2018).

Deste modo, com o morfociclo-padrão procura-se não os ditos picos de


forma, mas sim níveis de desempenho elevados, ou seja, patamares de
rendibilidade que permitam que a equipa mantenha um nível de
funcionalidade, de adaptabilidade e de interação eficaz, isto é, sem que
hipoteque a manifestação da matriz que a identifica como equipa (Frade,
2011, 2013a, 2013b; Gomes, 2008; Mallo, 2015; Reis, 2018). Portanto, no
âmbito da Periodização Tática deseja-se que uma determinada
intencionalidade (i.e., modelo de jogo), que se quer regular e de evolução
dinâmica, estabilize, e não que oscile ao longo da época (Frade, 2011,
2013a, 2013b; Reis, 2018).

A estabilização de um patamar de rendibilidade ótimo consegue-se,


segundo o autor, a partir da institucionalização e estabilização de um padrão
semanal (princípio da alternância horizontal em especificidade) de treino
relativo: a) aos conteúdos que se entende que é necessário trabalhar em
cada sessão de treino; b) à forma como se processa a recuperação
fisiológica em cada dia; c) aos regimes bioenergéticos e de contração
muscular predominante em cada dia; d) ao número e duração das unidades
de treino. No fundo, trata-se de construir uma dinâmica semanal e de a
manter ao longo da época, desde o período preparatório (Frade, 2011,
2013a, 2013b; Reis, 2018).

Importa ter presente que para o autor da Periodização Tática e tal como
mencionado no ponto três deste capítulo, os momentos formais de
competição são os testes cruciais que melhor permitem ao treinador aferir a
congruência ou não entre aquilo que a equipa manifesta efetivamente e
aquelas que são as suas intenções (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).
É em função dessa avaliação qualitativa do processo que o treinador vai
configurar semana a semana a operacionalização do modelo de jogo,
matizando-o consoante as necessidades circunstanciais. Tal afigura-se
pertinente, porque tal como foi sugerido no ponto três do enquadramento, os

134
jogos têm todos idêntico valor e por isso convém que a equipa não repita
erros em jogos sucessivos.

Tais necessidades emergem em função do que se verificou no jogo


anterior e aquelas que se perspetivam vir a ser as exigências do jogo
seguinte (princípio da progressão complexa), tendo sempre como suporte
não somente a forma e os conteúdos, mas também o padrão semanal
adotado para o fazer emergir (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018). Uma
configuração que, mantendo a sua matriz, varia ao nível da sua essência, isto
é, ao nível do conteúdo experienciado nas diferentes sessões de treino.
Ainda que tal se verifique sem perda de referência relativamente ao plano
macro do jogar (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

Trata-se de uma redução sem empobrecimento em que as cambiantes,


ao longo dos vários dias, vão conferir à operacionalização do processo com
os fatores de rendimento em articulado, uma maior incidência sobre níveis de
organização diferentes do modelo de jogo; com predominância de um
determinado sistema bioenergético e um padrão de contração muscular
(Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Maciel, 2011; Mourinho, 2006;
Oliveira et al., 2006). Ainda a este respeito, importa ressalvar que mesmo no
dia em que estão mais presentes os grandes princípios se verifica a
necessidade de reduzir 90 sem empobrecer, em função das prioridades
estabelecidas para aquele morfociclo e de modo particular para aquela
sessão de treino (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018).

A partir dessa descomplexificação, os problemas do jogo são


direcionados para pormenores referentes a um ou outro momento e a uma ou
outra escala de organização da equipa e, através de situações de jogo que
propiciam (princípio das propensões) as interações e os comportamentos

90
No âmbito da Periodização Tática, salvo raras exceções, não há lugar às
tradicionais peladas. Por isso, mesmo a vivência dos grandes princípios do modelo de jogo
assume, pela configuração do exercício e pela intervenção do treinador, uma determinada
dominância a qual permite que a vivência nesse dia se centre predominantemente nos
aspetos que o treinador entende mais relevantes naquele ciclo entre jogos (Frade, 2011,
2013a, 2013b; Reis, 2018). Para esse efeito, o contexto daquela unidade de treino é também
ele moldado com o intuito de registar maior propensão de ocorrência de interações relativas
a determinados pormenores do tático-estratégicos, sem que se perca as ligações ao todo
(Carvalhal, 2014; Frade, 2011, 2013a, 2013b; Maciel, 2011; Mourinho, 2006; Oliveira et al.,
2006).

135
desejados, os jogadores desenvolvem as capacidades de interação (Frade,
2011, 2013a, 2013b; Reis, 2018) (i.e., affordances partilhadas), que se
manifestam num plano micro.

Durante o período competitivo em que há dois jogos por semana, Frade


(2011, 2013a, 2013b), sugere que não se organizem sessões de treino muito
complexas e exigentes ao nível da aquisição de princípios, uma vez que o
tempo de treino disponível entre competições e o tempo necessário para
recuperar os jogadores após cada jogo, prejudicam a disponibilidade dos
mesmos para treinarem. Assim, quando esse tipo de semana ocorre durante
a temporada, o autor entende que os dias sejam organizados com vista à
recuperação fisiológica dos futebolistas em treino (Frade, 2013a; Mallo, 2015;
Tamarit, 2007, 2013).

Quando se aproxima a competição seguinte, importa que os objetivos


sejam direcionados para a preparação do jogo. Neste sentido, Frade (2011,
2013a, 2013b) sugere que nos dias que antecedem um jogo, as sessões de
treino sejam baseadas nos grandes princípios do modelo de jogo, com pouco
confronto e oposição, direcionando-se o trabalho para o posicionamento e
organização da equipa em termos coletivos (Frade, 2013a; Oliveira et al.,
2006).

De acordo com Frade (2011, 2013a, 2013b), afigura-se ser pertinente


refletir também sobre os momentos da época em que há semanas com três
jogos, o que normalmente acontece em equipas que, em simultâneo,
disputam mais do que uma prova interna e alguma prova referente ao
continente onde estão inseridas. Quando esse tipo de semana ocorre durante
a temporada, o autor entende que não se justificam dias de folga, estando
esses dias organizados com vista à recuperação dos futebolistas em treino
(Frade, 2013a; Mallo, 2015; Tamarit, 2007, 2013).

5. Em síntese

Após o que foi aduzido, justifica-se que se resuma e se realce alguns


aspetos.

136
A incursão pelo pensamento sistémico promoveu a possibilidade de
transitar pela diversidade de conhecimentos da biologia, da física, da
matemática e da filosofia. Passou-se por eles com curiosidade, em busca de
respostas transdisciplinares para as inquietações, na tentativa de encontrar
contributos importantes para o entendimento do jogo e do treino do futebol.

Face à natureza caótica do jogo, afigura-se pertinente que os


treinadores elaborem princípios do modelo jogo que funcionem como
promotores do aparecimento de sinergias facilitadoras de interações táticas e
estratégicas que lhes permita resolver os problemas que vão ocorrendo
durante a competição (Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Frade, 2013b;
Garganta, 1997, 2000; Kelso & Schoner, 1988; Travassos, Duarte, et al.,
2012; Vilar et al., 2012).

Neste sentido, sugere-se que as sessões de treino contemplem


contextos de prática que possibilitem aos jogadores entre outros aspetos, o
aperfeiçoamento das decisões e interações específicas e representativas de
uma determinada forma de jogar, sem hipotecar a necessidade de recuperar
da fadiga acumulada (Frade, 2011, 2013a, 2013b; Garganta, 1991, 1993,
1997, 2000; Guilherme, 2004; Teoldo et al., 2015).

Porém, o modelo de jogo da equipa é uma realidade complexa que está


sempre em evolução e aperfeiçoamento. Por isso, o treinador tem
obrigatoriamente que se questionar acerca do que pretende para os dias de
preparação, como se de um caso clínico tático-estratégico se tratasse
(Castelo, 2002).

Para organizar o processo de preparação das equipas nos jogos


desportivos, têm sido criadas algumas conceções de periodização do treino
(Mallo, 2015). Uma das propostas que teve maior impacto durante a segunda
metade do século XX é originária do Leste Europeu e foi sugerida pelo
soviético Lev Matvéiev em 1950, para ser aplicada em desportos individuais
como o atletismo e a natação (Castelo, 1994; Matvéiev, 1990, 1991).

A conceção de Matvéiev carateriza-se pela divisão da época desportiva


em períodos estruturados para atingir picos de forma em determinados
momentos competitivos (Matvéiev, 1990, 1991). Esta proposta de preparação

137
confere primazia à variável física, que é a grande responsável pelo
rendimento (Matvéiev, 1990, 1991). O período preparatório é longo e assenta
quase exclusivamente numa preparação física geral e não possui qualquer
ligação com a forma de jogar específica.

Entre outros aspetos, esta forma de perspetivar a periodização do treino


que referencia a performance a partir de fatores fisiológicos, se aplicada ao
futebol poderá provocar que os comportamentos dos jogadores tendam a ser
perspetivados enquanto produto de uma maior ou menor adequação do
organismo às exigências energéticas do jogo, desconsiderando as
configurações táticas que os induzem. Isso impede uma tomada de
consciência dos problemas do jogo, dado que não serão equacionadas as
interações que se estabelecem no seio da equipa.

De um modo geral, em virtude de ter sido criada para a natação e


atletismo, esta conceção de periodização não parece ir de encontro à
necessidade de os jogadores melhorarem as capacidades de decisão e
resolução dos problemas que o jogo coloca e adquirirem conhecimentos dos
princípios específicos de jogo, de forma a guiar a captação de informações
por parte de quem joga.

Todavia, recentemente, ressurgiu a conceção denominada de Enfoque


Estruturado, que se divide em treino optimizador e em treino coadjuvante
(Seirul-lo, 2017b; Tarragó et al., 2019). O Treino Estruturado tem como
objetivo o desenvolvimento do jogador enquanto ser humano, que se auto-
organiza através da interação dos vários sistemas que o compõem.

No âmbito do treino optimizador a ideia é gerar, a partir de situações


simuladoras preferenciais (SSP), propostas práticas que se aproximam das
caraterísticas de um determinado desporto (Seirul-lo, 2017c; Serrés, 2017).
Por sua vez, o treino coadjuvante tem como objetivo preparar individualmente
os jogadores para poderem treinar.

De um modo geral, as SSP são entendidas como a criação de conjuntos


de situações práticas que propiciam interações em ambientes que convidam
à imitação de comportamentos que serão simuladores da competição, e que
afetam preferencialmente as diferentes estruturas que configuram o jogador

138
(Seirul-lo, 2017b; Tarragó et al., 2019). Essa preferência é alcançada através
da criação de uma intenção na tarefa, direcionando-a para o objetivo, por
meio de regras, espaços e número de jogadores participantes (Serrés, 2017).

Tal como se foi expondo ao longo ao longo do enquadramento, esta


solução parece ser adequada pois através da exposição prolongada a tarefas
práticas que simulam as restrições de um ambiente competitivo, o jogador
aprende a detetar as informações que especificam as affordances
ambientais. Permitindo-lhe, desta forma, construir acoplamentos vantajosos
entre informação e movimento e a transferência das suas aprendizagens
para o contexto competitivo (Araújo et al., 2009; Araújo et al., 2006; Araújo et
al., 2005; Davids et al., 2004; Garganta, 1997; Headrick et al., 2015).

Outra conceção que tem tido grande impacto é a Periodização Tática


criada por Vítor Frade. Percebe-se pela análise que se faz a esta conceção
de treino, que existe uma omissão dos termos planificação e programação,
não obstante ambos os conceitos serem contemplados nesta abordagem.
Neste sentido, importa esclarecer que, apesar de no título desta conceção
apenas figurar o termo “periodização”, ela é bem mais abrangente. De certo
modo percebe-se a opção apenas pela inclusão do termo “periodização”, na
medida em que à luz do pensamento sistémico, parece ser impossível
periodizar sem levar em conta quais os meios operacionais a serem
planificados e as temáticas a ser programadas, uma vez que tudo se
influencia.

O ponto de partida para a operacionalização do treino é a definição a


priori, por parte do treinador, de como a equipa se irá organizar em termos
gerais e de como os jogadores irão interagir, durante as fases e momentos
do jogo, incluindo as bolas paradas (Frade, 2011, 2013b). Para propiciar que
os princípios do modelo de jogo sejam adquiridos e transformados em
funcionalidades, a Periodização Tática apresenta princípios metodológicos
(propensões, progressão complexa e alternância horizontal em
especificidade) que devem interagir e ser operacionalizados em simultâneo
no morfociclo-padrão (Frade, 2011, 2013b; Reis, 2018).

139
Em termos estruturais e operacionais, durante o morfociclo-padrão a
tática é a dimensão que coordena todo o processo de treino (Campos, 2008;
Faria, 1999; Frade, 2011, 2013b; Gomes, 2008; Pivetti, 2012). Portanto, o
desenvolvimento individual será alicerçado em função dos propósitos do
modelo de jogo coletivo (Frade, 2013b).

Ao longo da semana são contemplados, através de tarefas específicas


e representativas, os princípios do modelo de jogo com diferentes escalas de
complexidade, propiciando a partilha de affordances que contribuirão para a
melhoria das interações do todo. Para que o processo tenha sucesso,
importa não esquecer que o morfociclo-padrão contempla a necessidade de
respeitar uma lógica de desempenho e recuperação (Faria, 1999; Frade,
2013b; Pivetti, 2012; Reis, 2018).

Com a leitura das três conceções verifica-se que, através de uma lógica
muito próxima do pensamento sistémico, o Treino Estruturado e a
Periodização Tática vieram romper com o pensamento cartesiano que
condiciona os modos de ver e de operacionalizar o processo de treino,
configurando uma nova forma de periodizar o treino para os desportos
coletivos, que diverge, sobremaneira, da conceção de Matvéiev e de outras
que lhe são próximas.

Por fim, importa realçar que a reflexão até aqui desenvolvida é, apenas,
um modo de entender a periodização do treino no alto rendimento para jogar
futebol. Fez-se não para afirmar a superioridade destes pontos de vista sobre
os demais, mas com a intenção de divulgar perspetivas que resultam de
investigações e reflexões que têm vindo a ser apuradas nos últimos anos. O
que se deseja é que cada um possa enriquecer as suas convicções quanto
ao caminho que escolher percorrer.

Porém, o futebol e as suas práticas são matéria de crescente


complexidade (Bento, 2007; Constantino, 2007; Cunha e Silva, 1999). Neste
sentido, admite-se que a reflexão fica mais rica se for alargada ao raciocínio
de treinadores de reconhecidos méritos, classificados de certa forma como
artistas tal é a grandeza das suas experiências, sensibilidades e

140
subjetividades, para enquadrar o mistério do processo de periodização do
treino do futebol.

Assim, decidiu-se realizar uma investigação com uma metodologia


(apresentada na segunda parte da presente dissertação) que permitisse
adotar um caminho na procura do pensamento subjetivo91 como sinónimo do
saber, o saber como uma razão de ser, numa relação simbiótica e não
dicotómica (Bento, 2007; Constantino, 2007; Cunha e Silva, 1999). Assumiu-
se uma postura de democracia cognitiva em que todos os raciocínios,
pensamentos e reflexões são igualmente importantes (Bauer, 1999; Bohm,
1992; Capra, 1996; Cunha e Silva, 1999; Nicolescu, 1999; Prigogine, 1996).

Deste modo, seguidamente, apresenta-se uma investigação exploratória


com o propósito de perceber quais as caraterísticas das perspetivas de
periodização do treino do futebol que os treinadores adotam.

91
Convém ter presente que não raras vezes nos são dadas a conhecer situações em
que a arte se antecipou à ciência em virtude da grande capacidade de reflexão e
conhecimento que alguns indivíduos evidenciam. De acordo com Nicolau Ferreira num artigo
no jornal Público online de fevereiro de 2015, Isaac Newton, conhecido essencialmente pelas
suas pesquisas no ramo da física, foi dos primeiros autores a sugerir ideias sobre como a
seiva das plantas vence a gravidade e consegue subir da raiz até às folhas. A teoria da
tensão-coesão que explica este fenómeno só surge pela primeira vez em 1895, passados
mais de 200 anos.

141
142
PARTE EMPÍRICA



Capítulo II – Metodologia de investigação



1. Introdução

A realização de investigação de natureza científica obriga a que sejam


seguidas e explicitadas as devidas orientações metodológicas, tendo em
conta os propósitos da pesquisa e o objeto investigado.

De acordo com alguns autores, tais como Erlandson e colaboradores


(1993), Lincoln e Guba (1981) e Matos (2013), a metodologia requer normas
da investigação científica que podem ser concebidas como um conjunto de
orientações, um itinerário ou um percurso a percorrer, na garantia de uma
operacionalização adequada.

Neste sentido, a seguir à presente introdução, ou seja, no segundo


ponto deste capítulo, são formuladas algumas considerações
epistemológicas que visam ajudar a situar as perspetivas adotadas na
presente dissertação. De seguida, carateriza-se e justifica-se a escolha do
paradigma naturalista e, desta forma, fundamenta-se a opção pelo conjunto
de crenças, de valores reconhecidos e de pressupostos filosóficos
subjacentes à abordagem metodológica adotada para esta investigação, com
o intuito de enquadrar a condução do estudo e de atingir os objetivos
definidos (Flick, 2005; Lessard-Hébert et al., 1990; Quivy & Campenhoudt,
1992).

Posteriormente, no terceiro ponto, é apresentado o desenho da


investigação, começando pela apresentação dos participantes do estudo e
dos instrumentos utilizados para a recolha de informações, ao que se segue
a descrição de todos os procedimentos inerentes a este processo, assim
como uma referência ao tratamento e à análise das informações (Flick, 2005;
Silverman, 2000).

Seguidamente, no quarto ponto, abordam-se os aspetos relacionados


com a fiabilidade, quer do processo de recolha das informações, quer dos
resultados obtidos, bem como os aspetos relativos à validade dos resultados
(Lincoln & Guba, 1985).

Por fim, procede-se uma síntese final deste capítulo.

147
2. Pertinência do paradigma naturalista

Tendo em conta a natureza da realidade (ontologia), os investigadores


naturalistas compreendem que há múltiplas realidades construídas em torno
de um contexto, que podem ser estudadas de uma forma holística,
interpretativa, global, idiossincrática e naturalista (Guba & Lincoln, 1991;
Lincoln & Guba, 1985). Depreende-se, então, que não existe uma única
realidade objetiva, mas variadas realidades com aspetos inter-relacionados
que podem apresentar diferenças e inevitavelmente divergências entre si
(Denzin & Lincoln, 2006; Erlandson et al.,1993; Lincoln & Guba, 1985).

De facto, a realidade do treino, nos jogos desportivos em geral e no


futebol em particular, parece caminhar no sentido da multidimensionalidade
(Castelo, 2019), justificando-se assim olha-la através de lentes da corrente
naturalista.

No que se reporta à relação do investigador com o sujeito de estudo


(epistemologia), a investigação naturalista preocupa-se em conhecer e
compreender as realidades divergentes, no entendimento de uma
epistemologia em que o investigador e o participante interagem e se
influenciam mutuamente, sendo a subjetividade um elemento essencial para
a compreensão das múltiplas realidades (Denzin & Lincoln, 2006; Erlandson
et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985). Entre o investigador e o sujeito de estudo
existe um tipo de diálogo, e as interações podem ser exploradas em benefício
da investigação (Guba & Lincoln, 1991; Lincoln & Guba, 1985).

Apesar de recorrerem a métodos quantitativos, quando se justifica, os


investigadores naturalistas conferem primazia aos métodos qualitativos,
posto que estes permitem uma aproximação ao objeto de estudo a parir de
uma compreensão “de dentro”, nomeadamente no que se refere a ideias e
perceções que os atores têm da situação em que estão implicados (Denzin &
Lincoln, 2006; Erlandson et al., 1993; Guba & Lincoln, 1991; Lincoln & Guba,
1985).

A concretização dos objetivos da presente dissertação implica penetrar


nos processos de periodização do treino no âmbito do futebol. Neste domínio,
admite-se a presença de uma multiplicidade de variáveis dificilmente

148
analisáveis através de questionários ou de medidas objetivas. Face à
complexidade do tema, e ao que é referido na literatura, entendeu-se que a
natureza desta pesquisa reclama processos abertos, flexíveis, libertos de
normas muito rígidas, incapazes de incorporar novos dados resultantes do
processo interpretativo, que ao longo do trabalho vão ganhando corpo e
forma.

Afigura-se assim pertinente adotar um enfoque metodológico com raiz


no paradigma naturalista, recorrendo-se à análise qualitativa, de modo a que,
como preconiza Patton (2002), seja viabilizada a compreensão profunda do
problema. Concomitantemente, recorre-se a procedimentos que permitam
assegurar a validade do estudo e garantir a relevância científica do modo
como se realiza a aproximação ao fenómeno em estudo.

Assim, a presente pesquisa tem por base uma abordagem naturalista,


atendendo às seguintes razões:

- não houve manipulação do fenómeno em estudo, tendo-se acedido ao


mesmo através do recurso a entrevistas e análise de documentos,
procurando conhecer o que refere a literatura e quais as perspetivas de
treinadores de reconhecido mérito, no que se reporta aos processos de
periodização do treino do futebol (Flick, 2005; Patton, 2002);

- adotou-se um processo de descoberta orientada, sem recurso à


manipulação dos ambientes de pesquisa e sem formulações antecipadas
quanto às expectativas de resultados (Guba & Lincoln, 1981, 1989; Lincoln &
Guba, 1985);

- a análise indutiva das informações foi realizada a partir dos


participantes (Guba & Lincoln, 1981, 1989; Lincoln & Guba, 1985).

Importa, portanto, ter presente as caraterísticas associadas ao


desenvolvimento de um estudo naturalista, enquadrando o modo como as
mesmas foram consumadas na presente investigação.

I. O contexto natural/percurso dos treinadores

De acordo com Erlandson e colaboradores (1993), a investigação


naturalista depende do contexto natural da entidade em estudo. Seguindo

149
esta lógica, pressupõe-se que as realidades não podem ser compreendidas
fora dos seus contextos naturais, nem podem ser fragmentadas e estudadas
isoladamente, tendo presente que o todo pode ser menos ou mais do que a
soma das partes (Gibson, 1979).

Os investigadores naturalistas segundo Lincoln e Guba (1981), admitem


que durante a investigação se desenvolve uma relação causal recíproca e
complexa, e não uma relação causal linear, que sugere que o fenómeno de
pesquisa deve ser investigado no local onde a sua influência é mais sentida.
Por último, supõem que a riqueza do contexto da investigação determina, em
parte, aquilo que o investigador vai encontrar (Lincoln & Guba, 1985).

Conforme sustentam Lincoln e Guba (1981), nenhum fenómeno pode


ser compreendido fora da sua relação com o período de tempo e com o
contexto que o gerou.

Como tal, no domínio da investigação que aqui se apresenta, houve a


preocupação de conhecer o contexto no qual os participantes têm vindo a
desenvolver a sua atividade profissional para, assim, melhor enquadrar e
compreender as suas perspetivas. Seguindo esta lógica, dá-se conta do
contexto da atividade recente dos treinadores, bem como de contextos
passados, recorrendo às respetivas narrativas e à triangulação de
informação. Sem estas descrições, que situaram os participantes no contexto
das suas experiências, permitindo-lhes evocar emoções e julgamentos
originados num determinado momento, a interpretação e a compreensão dos
resultados ver-se-iam sobejamente mais limitadas.

II. O investigador enquanto instrumento de recolha de informação

No âmbito da investigação naturalista, de acordo com Erlandson e


colaboradores (1993), Lincoln e Guba (1981) e Patton (2002), o investigador
pode assumir o papel de instrumento de recolha e análise da informação.
Esta ideia destaca que o investigador, sob pena de não conseguir atingir os
objetivos da investigação, se vê obrigado a usar a sua própria experiência, a
imaginação e a inteligência de forma variada e imprevisível. Atendendo a
este facto, Erlandson e colaboradores (1993), sugerem que o investigador
utilize os sentidos e a intuição como auxiliar de recolha e análise da

150
informação, de modo a facilitar a construção da realidade que daí resulta.
Deste modo, confiando em todos os seus sentidos, na sua intuição, nos seus
pensamentos e nos seus sentimentos, o investigador pode transformar-se
num instrumento de recolha de informação percetivo e eficaz.

De acordo com Lincoln e Guba (1981), são quatro as razões que


justificam que as pessoas possam ser os principais instrumentos de recolha
de informação. Primeiro, porque seria virtualmente impossível construir um
instrumento não humano com adaptabilidade suficiente para se incluir e
adaptar a um conjunto de realidades múltiplas. Segundo, porque embora se
reconheça que todos os instrumentos de recolha de informação interagem
com os objetos e com aqueles que estão presentes no contexto, só o
humano é capaz de compreender, de lidar, e de avaliar o sentido dessas
diversas interações. Terceiro, porque a permanência dos instrumentos de
recolha de informação no contexto da pesquisa tem consequências na
modelagem que ocorre entre os vários elementos do contexto, e as
consequências que daí advêm só podem ser apreciadas e avaliadas por
humanos. Quarto, porque quando o investigador é o instrumento de recolha
de informação, está em posição para, identificando e tendo em conta os seus
valores, bem como os do contexto, minimizar possíveis resultados
tendenciosos (Lincoln & Guba, 1985).

No seguimento destas razões, Lincoln e Guba (1981) acrescentam que


aparentemente só o ser humano apresenta caraterísticas que lhe permitem
lidar com situações emergentes, tão caraterísticas do paradigma naturalista.
Seguindo esta lógica, é suposto que o sujeito, enquanto investigador,
consiga: a) responder às pistas que o contexto e os participantes deixam
transparecer; b) ter a capacidade para se adaptar aos múltiplos aspetos que
caraterizam o contexto e os participantes; c) consiga uma visão holística dos
fenómenos; d) utilize em simultâneo os conhecimentos racional e intuitivo; e)
processe informação à medida que ela vai sendo disponibilizada; f) gere
oportunidades para sumariar, clarificar, corrigir e ampliar a informação junto
dos participantes e g) explore e compreenda respostas atípicas ou
idiossincráticas.

151
Enquanto investigador e ao mesmo tempo instrumento de recolha de
informação, houve a preocupação de conhecer a realidade que caraterizava
cada um dos participantes da pesquisa. Em virtude desse facto, durante a
recolha de informação não foi necessário adaptar o protocolo da entrevista
em função das ideias apresentadas pelos participantes, uma vez que já
estávamos minimamente familiarizados e preparados para elas.

III. Mobilização do conhecimento intuitivo

De acordo com os criadores do paradigma naturalista afigura-se


pertinente que se reconheça a legitimidade da relação entre o conhecimento
intuitivo e o conhecimento racional porque, não raras vezes, as pequenas
diferenças entre as múltiplas realidades encontradas apenas podem ser
compreendidas desta forma (Lincoln & Guba, 1985). Acresce que muita da
interação entre o investigador e os participantes ocorre a este nível. Por
último, porque o conhecimento intuitivo parece revelar, de forma mais justa e
precisa, os padrões de valores do investigador. No entanto, sugere-se que
para além de ser considerado importante, o conhecimento intuitivo seja,
igualmente, convertido em conhecimento racional, de modo a que,
explicitamente, o investigador possa pensar sobre ele e posteriormente
comunicá-lo a terceiros (Lincoln & Guba, 1985).

Durante o desenvolvimento desta investigação, foi importante recorrer e


explorar o conhecimento intuitivo ao longo das entrevistas. Estes foram
momentos que constituíram uma parte do processo durante a qual se
desenvolveu alguma capacidade de conhecimento intuitivo, interiorizado nos
gestos, no tom de voz, na forma de comunicação, nas ideias, nas
experiências e nas caraterísticas dos participantes. Posteriormente, no
decorrer da análise e da interpretação da informação o conhecimento intuitivo
foi um bom auxílio na exploração, na interligação, na compreensão das
perspetivas dos participantes e na construção das múltiplas realidades
encontradas. Ou seja, o conhecimento intuitivo foi reconhecido, foi mobilizado
aquando da apresentação e interpretação das múltiplas realidades, e acabou
por ter grande influência nesta investigação. Paralelamente, importa realçar
que as experiências e as ideias dos participantes foram vividas, construídas e

152
transmitidas por si, num misto de conhecimento racional e intuitivo, que
também foi tido em conta.

IV. O uso de métodos qualitativos

No âmbito de uma abordagem baseada no paradigma naturalista, por


norma elegem-se os métodos qualitativos para recolher, analisar e interpretar
a informação resultante da pesquisa (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba,
1985). Nesse sentido, Guba (1993), alerta para o facto de à investigação
naturalista não equivaler a investigação qualitativa, na medida em que esta
última só utiliza métodos qualitativos, enquanto a primeira apenas lhes dá
preferência. Importa, ainda, referir que de acordo com Lincoln e Guba (1981),
o facto de indevidamente os paradigmas naturalista e positivista serem
muitas vezes associados, aos métodos qualitativo e quantitativo
respetivamente.

Segundo Lincoln e Guba (1981), no campo de ação dos estudos de


influência naturalista, os métodos qualitativos são usados por quatro razões:
a) porque estes se adaptam melhor às múltiplas, desconhecidas e menos
agregadas realidades que se podem vir a encontrar no contexto da pesquisa;
b) porque os métodos qualitativos expõem mais facilmente a natureza da
relação que se estabelece entre o(s) investigador(es) e o(s) participante(s) ou
o(s) objeto(s) e, assim, torna mais fácil avaliar até que ponto o fenómeno está
a ser descrito, ou enviesado, pela postura, bem como pelos princípios e
valores do investigador; c) porque os métodos qualitativos são mais sensíveis
e adaptam-se melhor, por um lado à impossibilidade de se distinguir, ao nível
das ações, a causa do efeito, e por outro lado às influências dos diversos
padrões de valores que possam caraterizar o contexto e d) os métodos
qualitativos parecem ajustar-se melhor à tendência que a pessoa, enquanto
instrumento de recolha de informação, manifesta para usar atividades
humanas tais como ver, ouvir ou ler, ou, em particular, entrevistar, observar,
ou explorar documentos e registos.

Para além das razões enunciadas que justificam a eleição de métodos


qualitativos no contexto do paradigma naturalista, a natureza exploratória da
investigação que se realizou acrescenta algumas razões que parecem ajudar

153
a fundamentar a utilização de tais métodos. Com efeito, procurou-se
conhecer e compreender a natureza do fenómeno que é o processo de
periodização do treino do futebol através da perspetiva dos participantes
(Patton, 2002).

Acresce que na atualidade, apesar do enorme crescimento do futebol,


parece ser importante continuar a focar a atenção nos processos de
periodização partindo do ponto de vista de especialistas, uma vez que são
estes os maiores responsáveis pela promoção, pelo aperfeiçoamento e
desenvolvimento da performance do futebolista (Castelo, 1994, 1996; Castelo
& Matos, 2013; Garganta, 1991, 1993; Marques, 1990).

Deste modo, afigurou-se adequado utilizar, no contexto do paradigma


naturalista, e no contexto desta investigação, métodos qualitativos para a
recolha e análise de informação, bem como para a apresentação das
realidades encontradas.

V. A escolha criteriosa dos participantes

Segundo alguns autores como Erlandson e colaboradores (1993),


Lincoln e Guba (1981) e Patton (2002), no círculo de uma investigação
naturalista, o processo de seleção dos participantes é muito diferente do
processo de amostragem aleatória utilizado na investigação positivista. No
domínio do paradigma naturalista, sugere-se que a seleção de participantes
seja baseada, não em considerações estatísticas, mas sim em considerações
informativas. Ao usar esta forma de seleção dos participantes, o investigador
procura aumentar a probabilidade de as múltiplas realidades serem
encontradas e incluídas, tenta acrescentar variância (i.e., heterogeneidade de
realidades) e procurar recolher o máximo de informação útil e rica sobre o
assunto em estudo (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985)

Segundo Lincoln e Guba (1981), as considerações anteriores sugerem


que este processo de seleção de participantes tem determinadas
caraterísticas que lhe são particulares, nomeadamente: a) a escolha dos
participantes é emergente (ou seja, o número e o tipo dos participantes não
deve ser, na maioria dos estudos, totalmente especificado e definido com
antecedência); b) os participantes são selecionados em série (ou seja, para

154
melhor se atingir uma maior variância, cada participante é selecionado, na
maior parte das vezes, apenas quando a informação relativa ao anterior foi
recolhida e analisada). O participante seguinte pode ser escolhido para o
investigador ampliar a informação obtida anteriormente, para obter
informação que contrasta com a anterior ou para preencher lacunas na
informação obtida até então; c) o conjunto formado pelos participantes está
em constante ajuste, à medida que o investigador avança na sua pesquisa e
começa a desenvolver hipóteses de trabalho sobre o fenómeno, o conjunto
de participantes pode ser redefinido, para que o investigador se debruce
sobre participantes que se mostrem mais relevantes para a finalidade do
estudo; d) o critério de paragem de seleção dos participantes é a redundância
(i.e., o número de participantes é determinado por considerações
informativas, assim, a redundância é o primeiro critério de paragem da
seleção dos participantes) uma vez que o objetivo é maximizar informação,
então a seleção de participantes termina quando destes começa a não
emergir novidades relevantes (Lincoln & Guba, 1985; Patton, 2002).

Para a presente investigação foram selecionados participantes que se


considerou poderem abordar as questões relacionadas com o fenómeno da
periodização do treino, em contextos de alto rendimento. Deste modo, foi
perfilado um conjunto de critérios que permitiram delimitar um universo de
treinadores que podiam partilhar informações, perceções, perspetivas e
experiências pertinentes e profundas sobre o tema, tal como sugere Patton
(2002).

Os critérios definidos foram os seguintes critérios: a) treinadores que já


disputaram competições internacionais, com seleções ou clubes; b)
treinadores que já foram campeões nacionais em provas seniores; c)
treinadores que detêm o curso UEFA Pro - nível IV de treinadores de futebol
ou o seu equivalente e d) treinadores que já participaram nos fóruns de elite
promovidos pela FIFA e/ou pela UEFA; e) treinadores que têm um palmarés
rico; f) treinadores que num passado recente, têm treinado as melhores
equipas dos melhores campeonatos mundiais; g) treinadores que falam
português ou espanhol, uma vez que a tradução de termos técnicos podia

155
comprometer o significado das entrevistas; h) treinadores que foram
mostrando disponibilidade imediata para a realização da entrevista.

Os contactos foram sendo feitos uns após os outros, sempre após cada
recolha de informação. Não obstante a redundância ser o critério que deve
determinar o final da seleção dos participantes, nesta investigação a seleção
terminou devido ao facto da informação obtida parecer deixar transparecer
uma variância de opiniões e experiências suficientemente ricas.

VI. Análise indutiva e dedutiva da informação

No campo de ação do paradigma naturalista, parece ajustar-se que o


investigador analise, principalmente, a informação de forma indutiva
(Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985; Patton, 2002).

De acordo com Lincoln e Guba (1985) e Patton (2002), tal parece fazer
sentido, porque: a) a indução permite uma identificação mais fácil das
múltiplas realidades encontradas na informação recolhida; b) este tipo de
análise torna a interação investigador-participante explícita e reconhecida; c)
a análise indutiva facilita a descrição total do contexto e, consequentemente,
as decisões relativas à transferibilidade; d) é facilitada a identificação das
influências das interações resultantes da modelação mútua; e e) os valores
podem, explicitamente, constituir uma parte da estrutura de análise.

Todavia, ao longo desta investigação, a análise indutiva das


informações foi completada com análise dedutiva. Em ambos os casos, foi
dado sentido ao conjunto heterogéneo de informação, partindo de unidades
de informação e chegando a categorias de informação (i.e., à medida que se
realizaram e transcreveram as entrevistas assim como analisados os
documentos, foram sendo tomadas notas de categorias e subcategorias,
umas criadas com base na revisão da literatura, outras que emergiram das
informações). Assim, analisaram-se as informações de forma indutiva,
quando se criaram categorias a partir das informações e de forma dedutiva,
quando se utilizaram categorias que tinham como referência a revisão da
literatura (Patton, 2002). Deste modo, ambas as formas de análise foram
úteis durante as diferentes fases de análise das informações (Queirós &
Graça, 2013).

156
VII. Como emergiu a “teoria” que guiou o estudo

No âmbito de uma investigação naturalista, afigura-se ser pertinente


que a “teoria” que guia o trabalho emirja das informações recolhidas (Lincoln
& Guba, 1985). De acordo com Creswell (2002), Krathwohl (1998) e Lincoln e
Guba (1985), esta “teoria”, consiste na explicação e na compreensão abstrata
de um determinado fenómeno, assim não parece fazer sentido, que a teoria
possa, à partida, antecipar as múltiplas realidades que o investigador pode
encontrar, nem incluir os muitos fatores que fazem a diferença a um nível
micro.

De acordo com esta lógia, a análise e a interpretação das informações


permitiu identificar diferentes conceitos e perspetivas, bem como levantar
questões e explicações sobre o que carateriza e sobre o que explica o
fenómeno da periodização do treino do futebol. Deste modo, durante a
presente investigação não foi utilizada nenhuma teoria existente para
perceber as perspetivas de cada participante, existindo apenas ideias
decorrentes de algum conhecimento prévio sobre o fenómeno da pesquisa.
Todavia, tal como sugerido por Lincoln e Guba (1985), em termos gerais foi
tida em conta a “teoria” existente na literatura atual sobre os processos de
periodização do treino do futebol e usou-se, por exemplo, para criar
categorias e subcategorias, ou para compreender e comparar as perspetivas
globais do grupo de participantes com os diferentes quadros de referência
teórica.

VIII. Flexibilidade e emergência do desenho do estudo

Parece fazer sentido que um investigador que tenta construir uma


verdade partindo de uma visão assente no paradigma naturalista deixe que o
desenho da investigação emirja durante todo o trabalho de campo, em vez de
o pré-determinar (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985; Patton,
2002).

De facto, de acordo com Lincoln e Guba (1985), importa que se perceba


que existe um tipo de investigação em que o investigador não sabe aquilo
que não sabe, o que provoca a necessidade de uma abordagem mais aberta.
Os mesmos autores salientam ainda que, como é compreensível, o

157
investigador naturalista não começa necessariamente de mãos vazias,
porque, muitas vezes, existe teoria proveniente de investigações anteriores
que pode ser utilizada; ou porque o investigador possui conhecimento tácito,
que se relaciona adequadamente com o fenómeno em estudo. Contudo,
importa que o investigador tenha a certeza de que essa teoria existente se
adapta ao contexto que estuda e, paralelamente, parece ser pertinente que
tenha a noção de que é pouco provável que conheça suficientemente as
múltiplas realidades que pode vir a encontrar no contexto que está a
investigar (Erlandson et al., 1993).

Assim, de acordo com Erlandson e colaboradores (1993), afigura-se ser


pertinente que os desenhos das investigações naturalistas não sejam
totalmente estabelecidos antes do fim do estudo. Como foi sendo
mencionado, ele emerge à medida que as informações vão sendo recolhidos,
que a análise preliminar vai sendo feita e que o contexto vai sendo descrito
de forma mais detalhada (Erlandson et al., 1993). Acresce que a interação
entre o investigador e o fenómeno é largamente imprevisível e os valores dos
vários sistemas informacionais envolvidos, incluindo o investigador interagem
de forma imprevisível para influenciarem os resultados (Lincoln & Guba,
1985).

Seguindo esta lógica, o desenho desta investigação foi emergindo,


essencialmente, devido ao facto de não haver uma noção certa das
realidades que se poderiam encontrar, embora houvesse conhecimento
intuitivo de algumas delas. Assim, fruto de muita reflexão e à medida que
aumentou a envolvência com a pesquisa (i.e., com a recolha e análise da
informação); e com a ajuda da peer debreafing 92 e dos orientadores da
investigação, a emergência do desenho foi acontecendo. Os aspetos
relacionados com o tipo de informação recolhida, com o tipo e o número de
participantes, foram exemplos de aspetos que, na prática, tiveram um caráter
emergente.

Todavia, isso não significa que não se planificaram alguns pormenores.


De facto, antes de se iniciar a investigação, foram identificados possíveis

92
No sentido atribuído por Lincoln e Guba.

158
participantes definindo critérios de seleção, foram consideradas as possíveis
formas de manter a sua confidencialidade, caso eles a exigissem, pensou-se
nos instrumentos de recolha de informação e definiram-se os critérios de
qualidade científica que se iriam utilizar.

IX. Os resultados têm uma apresentação próxima de um estudo de caso

No âmbito do paradigma naturalista, a apresentação dos resultados


(i.e., perspetivas individuais), pode ser feita sob a forma de estudo de caso
(Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985; Patton, 2002). Parece fazer
sentido segundo Lincoln e Guba (1985), utilizar este formato na apresentação
dos resultados das pesquisas por três grandes razões: a) permite fornecer
uma descrição detalhada das múltiplas realidades que se encontram em
qualquer contexto (i.e., constitui-se como a melhor forma de retratar
determinada situação). Paralelamente, esta descrição detalhada é essencial
para uma possível transferibilidade; b) representa a melhor forma de
responder aos axiomas do paradigma naturalista. É difícil, utilizando um
formato de apresentação de resultados mais positivistas comunicar sobre as
múltiplas realidades, sobre as interrelações de investigador e participantes,
sobre os valores do investigador, do contexto, da teoria e do paradigma, e
sobre as influências das várias manifestações de modelagem que ocorrem; c)
paralelamente, é uma forma ótima para a validação das informações pelos
participantes e constitui um veículo ideal de comunicação, uma vez que
permite que se viva a experiência daqueles que participam no estudo.

Alguns autores têm vindo a apresentar várias definições do que constitui


um estudo de caso, entre os quais Berg (1998), Erlandson e colaboradores
(1993), Lincoln e Guba (1985), Patton (2002), Stake (2000) e Yin (2003a,
2003b). Não obstante, a definição formulada por Borg e Gall (1983) afigura-
se a que melhor e mais claramente traduz o que deve ser um estudo de caso
(i.e., um estudo que consiste num exame detalhado que um investigador faz
a um indivíduo, a um grupo ou a um fenómeno).

Na presente investigação não se procurou um “exame detalhado” e é


por isso que não se pode considerar que foram elaborados estudos de caso,
mas sim uma espécie de “estudos individuais”. A ideia foi apenas representar

159
uma visão geral dos treinadores acerca das categorias apresentadas. Assim,
após a recolha, redução e análise das informações, foram descritas as
perspetivas de cada participante. Julgou-se que era importante para
compreender aquilo que era único em cada um (Lincoln & Guba, 1985; Miles
& Huberman, 1994; Patton, 2002; Yin, 2003b).

De acordo com Erlandson e colaboradores (1993), não existe um


formato único para escrever cada estudo de caso que reporte os resultados
de uma investigação naturalista. Todavia, para alguns autores, tais como
Lincoln e Guba (1985), a melhor forma de escrever estudos de caso é ir
escrevendo, revendo, reescrevendo, solicitando críticas, revendo e
reescrevendo os estudos de caso que se estão a efetuar tantas vezes
quantas as necessárias. Pese embora não se tenham escrito estudos de
caso, esta foi a lógica que guiou a escrita das perspetivas dos treinadores.

Deste modo, apresenta-se por categorias de análise e narrativa, em


primeiro lugar, cada perspetiva individualmente. Posteriormente, apresenta-
se o cruzamento das perspetivas obtidas com os dez participantes, com o
objetivo de melhorar a compreensão e a explicação do fenómeno em
investigação, bem como de examinar as diferenças e similaridades entre os
dez treinadores (Miles & Huberman, 1994).

Com esta opção foi possível fazer justiça a cada uma das perspetivas
dos participantes, e foi exequível apresentar as diferentes realidades que o
fenómeno pode tomar. Todavia, sem a análise cruzada das perspetivas não
se teria uma visão global do modo como o objeto de estudo é perspetivado.
Em suma, ao reportar as perspetivas através deste formato, procurou-se,
aumentar o nível de compreensão acerca da periodização do treino do
futebol no alto rendimento.

X. Negociação da construção das realidades

Esta caraterística operacional do paradigma naturalista determina que o


investigador negoceie, com as pessoas que originaram a informação a tratar,
o sentido e a interpretação que faz de determinada realidade. Isso implica
que tanto as informações como as interpretações que constituem cada

160
estudo sejam submetidos ao escrutínio daqueles que inicialmente forneceram
as informações (Lincoln & Guba, 1985).

De acordo Lincoln e Guba (1985), justifica-se este procedimento na


medida em que: a) se o investigador procura reconstruir realidades múltiplas
construídas por um participante, é natural que este último verifique a
informação e as interpretações feitas por aquele; b) porque se os resultados
da investigação dependem da natureza e da qualidade das interações
existentes entre o investigador e os participantes, a negociação em si é um
exemplo perfeito da qualidade e da natureza das interações que se
estabelecem; c) porque as hipóteses de trabalho que podem aplicar-se a
determinado contexto são mais adequadamente confirmadas e verificadas
por aqueles que nele vivem; d) porque os participantes estão em melhor
posição para interpretarem as complexas interações que fazem parte do que
é observado e, melhor do que ninguém, compreendem e interpretam a
influência nos resultados dos padrões de valores encontrados no contexto em
estudo; e) por último, esta negociação parece ser fundamental para dar
credibilidade ao estudo.

A negociação dos resultados é um processo contínuo que decorre


formal e informalmente ao longo do estudo. O aspeto mais informal está
relacionado, entre outros aspetos, com as inferências feitas pelos
participantes sobre o que o investigador faz, sobre as questões que coloca e
não coloca, sobre as pistas que segue, sobre os documentos que solicita
(Lincoln & Guba, 1985). Já o aspeto mais formal deste processo está
relacionado com a fase em que cada participante é chamado a aprovar, a
corrigir, ou a acrescentar algo que o investigador fez, bem como com os
momentos de peer debriefing. Neste sentido, é apenas quando o estudo
ultrapassou todos estas negociações que o investigador pode escrever a
versão final dos resultados (Lincoln & Guba, 1985).

Nesta investigação a negociação, no seu aspeto mais formal, foi levada


a cabo quando as transcrições das entrevistas foram enviadas para cada um
dos participantes, assim como posteriormente os estudos individuais. Em
geral, as transcrições e os estudos individuais foram todos aprovados, tendo
os participantes feito pequenas alterações, num ou noutro aspeto.

161
XI. Interpretação baseada nas particularidades do contexto

O investigador naturalista interpreta as informações e escreve as


considerações finais tendo por base as particularidades e os detalhes de
cada estudo. Desta forma, aquilo que o investigador encontra em
determinado contexto é compreendido apenas no sentido ideográfico, ou
seja, é compreendido para aquele contexto e para aquele momento (Lincoln
& Guba, 1985). Este tipo de interpretação ou de compreensão experienciada
em determinada situação é advogada por Lincoln e Guba (1985), porque
consideram que diferentes interpretações são importantes e sérias devido a
diferentes realidades (i.e., a diferentes interpretações correspondem
diferentes realidades). Também porque a validação das interpretações
depende, em grande parte, das particularidades contextuais (nomeadamente
da interação investigador-participante, dos fatores contextuais, dos fatores de
modelagem mútua, dos valores que existem no contexto, e dos valores que o
investigador transporta).

Nesta investigação, todas as interpretações relacionadas com a forma


como cada participante concetualiza os temas da pesquisa foram feitas tendo
por base as particularidades de cada individuo. De facto, considerou-se que
cada estudo só pode ser compreendido tendo por base as caraterísticas
pessoais e profissionais (i.e., valores, filosofia, tipo de interações que
desenvolve, e o passado e o presente profissional de cada participante).
Contudo, salienta-se que estas interpretações também devem ser vistas no
contexto dos meus valores e experiências.

XII. Possibilidade de transferibilidade

O investigador naturalista é hesitante no que respeita a uma aplicação


abrangente dos resultados obtidos, ou seja, a implementação, em outro
contexto, dos resultados obtidos pelo investigador, requer, sempre, uma
estimativa da sua aplicabilidade (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba,
1985).

Como consequência desta postura naturalista, ressalta que a possível


transferibilidade deve ser reavaliada para cada caso em que é proposta, pelo
facto de existirem múltiplas e diferentes realidades, de os resultados estarem,

162
até certa forma, dependentes da interação particular que se gera entre o
investigador e os participantes, interações que podem não ser duplicadas
noutro contexto, de a extensão até onde os resultados poderem ser aplicados
noutro contexto estar dependente da similaridade empírica entre os dois e de
a particular mistura de influências de modelagem mútuas e de valores
poderem variar grandemente de um ambiente para outro (Lincoln & Guba,
1985).

Na presente pesquisa, é fornecida informação o mais detalhada


possível sobre o contexto da pesquisa, para que seja possível a
transferibilidade para outros contextos, designados de contextos recetivos.
Salienta-se que o último julgamento cabe à pessoa que procura realizar essa
transferibilidade. Ou seja, a responsabilidade do investigador é apresentar
uma descrição detalhada do contexto, o que vai permitir a quem estiver
interessado, ou seja, a quem esteja na posse de informações similares no
contexto recetivo, concretizar a transferibilidade.

XIII. Fronteiras determinadas pelo centro-de-interesse do estudo

No âmbito de uma investigação naturalista parece justificar-se que o


investigador delimite a sua pesquisa com base nos aspetos interessantes que
vão emergindo ao longo do processo (Lincoln & Guba, 1985). O centro-de-
interesse representa de acordo com Miles e Huberman (1994), o coração do
estudo, ou seja, aquilo que vai e não vai ser estudado ou, segundo Lincoln e
Guba (1985), representa o problema que está a ser estudado. Aplicando esta
noção sugerida por Miles e Huberman (1994), no âmbito do paradigma
naturalista, tal como ele é concebido por Lincoln e Guba (1985), infere-se que
aquilo que é ou não estudado vai sendo definido ao longo do estudo, tendo
por base o centro-de-interesse do investigador em função dos objetivos da
investigação.

Tal opção é tomada porque permite que sejam as múltiplas realidades a


definirem o centro-de-interesse, ao invés de este ser determinado pelas
conceções prévias do investigador. Isto porque o contexto-de-interesse pode
mais facilmente ser mediado pela interação do investigador com o seu
interesse; porque as fronteiras não podem ser satisfatoriamente

163
estabelecidas sem um conhecimento íntimo do contexto; e também porque
os interesses não têm sentido se abstraídos do sistema local de valores do
investigador (Lincoln & Guba, 1985).

No caso particular desta investigação, o centro-de-interesse foi o


processo de periodização do treino. As fronteiras emergiram da formulação
de questões de investigação e do conhecimento adquirido junto de cada
participante.

XIV. Critérios usados para estabelecimento da qualidade do estudo


(trustworthiness)

Os critérios positivistas de qualidade ou de rigor científico, denominados


de validade interna, validade externa, objetividade e fidelidade, parecem ser
inconsistentes com os axiomas e os procedimentos do paradigma naturalista.
Os autores Lincoln e Guba, nos seus trabalhos apresentam os conceitos de
credibilidade, transferibilidade, dependência e confirmabilidade, como
alternativas aos critérios de rigor científico anteriormente apresentados, e
têm-se referido a estas qualidades como trustworthiness (Guba, 1978, 1993;
Guba & Lincoln, 1981, 1989; Lincoln & Guba, 1985).

Estes investigadores justificam esta opção indicando que o critério de


validade interna não se aplica ao paradigma naturalista porque,
implicitamente, implica um isomorfismo entre os resultados e uma só, e
tangível realidade, aquela que é coberta pela investigação; que o critério da
validade externa é inconsistente com o axioma que diz respeito à
transferibilidade; que o critério da fiabilidade requer estabilidade e replicação
absolutas, que não é possível de conseguir com um desenho emergente; e
que o critério da objetividade falha porque este paradigma permite
abertamente a interação investigador-participante e assume a influência que
os valores podem ter nos resultados.

Nesta investigação, para se estabelecer a credibilidade, utilizou-se as


técnicas de triangulação e de validação pelos participantes (i.e., member
ckecking). Para estabelecer transferibilidade apresenta-se a informação
detalhada dos contextos em estudo e selecionaram-se os participantes de

164
uma forma intencional. Para estabelecer os critérios de dependência e
confirmabilidade, elaborou-se um diário reflexivo.

Este ponto da dissertação constituiu um passo prévio às descrições


operacionais que se apresentam no ponto seguinte, que se designa por
desenho da investigação.

3. Desenho da investigação

Tal como sugerido por Erlandson e colaboradores (1993), o desenho


desta investigação emergiu à medida que as informações foram sendo
recolhidas, que a análise preliminar foi sendo feita e que o contexto foi sendo
descrito de forma mais detalhada.

Neste ponto começa-se por caraterizar os participantes da investigação.


Em seguida descreve-se a forma como as informações foram recolhidas,
analisadas e apresentadas. É ainda descrito o modo como foi elaborado o
capítulo das considerações finais. Por fim, faz-se uma descrição do modo
como se procurou manter a confidencialidade dos participantes, não obstante
eles não tenham exigido que tal fosse necessário, e indicam-se os critérios
de qualidade científica utilizados.

3.1. Procedimentos de seleção dos participantes

A decisão de incluir entrevistas a treinadores cujo trabalho tem vindo ser


amplamente influente no futebol mundial, tendo em conta a perspetiva de
Flick (2005), pode fazer sentido, desde que os indivíduos elegíveis combinem
a prática profissional com um currículo relevante quer no âmbito teórico quer
no âmbito prático. Neste sentido, foram selecionados treinadores de
reconhecidos méritos, em relação aos quais se admite que são capazes de
compreensível e abrangentemente, abordar as questões relacionadas com a
periodização do treino do futebol (Flick, 2005; Miles & Huberman, 1994).

165
3.1.1. Contactos com os participantes

O paradigma naturalista é considerado altamente intrusivo, na medida


em que implica que o investigador entre no mundo onde os participantes
vivem e trabalham. As entrevistas abertas requerem que os participantes
partilhem sentimentos, experiências, perspetivas e conhecimentos, o que
pode, também, ser considerado uma intromissão (Merriam, 1998; Patton,
2002).

Tendo a noção destes aspetos, procurou-se, no primeiro contacto


pessoal com os participantes, e nos momentos iniciais da primeira entrevista,
realçar que a participação na investigação era voluntária, e que poderiam em
qualquer altura abandoná-lo (Seidman, 1998).

Posteriormente, de acordo com Patton (2002) e Seidman (1998) os


participantes foram informados sobre: a) para o que servia a informação
recolhida; b) de que forma ia ser utilizada a informação recolhida; c) como iria
ser disseminada a informação recolhida; d) que tipo de temas iam fazer parte
da entrevista (esta indicação foi também fornecida por escrito); e) de que
forma a confidencialidade ia ser mantida; f) que riscos/benefícios envolviam a
participação nesta investigação.

Ou seja, durante o contacto inicial, fez-se uma pequena introdução


sobre a investigação, foi explicada a razão pela qual estavam a ser
contactados e agendou-se uma reunião destinada a explicar melhor os
contornos da pesquisa, a possível contribuição que esperava deles e a data
de realização da entrevista (Brenner, 2006; Qu & Dumay, 2011; Seidman,
1998).

Na primeira conversa por telefone, em alguns casos, e pessoalmente


em outros, explicou-se detalhadamente as caraterísticas da pesquisa em
relação aos objetivos, ao interesse e ao desenho a adotado. Também se
informou os entrevistados de que foram elegíveis para o estudo devido aos
seus méritos desportivos, às suas experiências e ao seu conhecimento sobre
a temática em estudo.

Com o objetivo de poderem tomar uma decisão sobre a aceitação do


convite, procurou-se explicar o que envolvia a sua participação. Realçou-se

166
que, devido ao caráter naturalista e emergente da pesquisa, não se
conseguia prever com exatidão o número de vezes que seria necessário
conversar com eles. Salientou-se, no entanto, que era nossa intenção
entrevistá-los, consultar e ler documentos escritos da sua autoria, causo
houvesse, conforme recomenda Seidman (1998).

Foi, também, transmitido aos participantes que se iria escrever um


estudo individual que, após a sua aprovação, faria parte do capítulo de
apresentação das perspetivas individuais e cruzamento e discussão da tese e
sublinhou-se que poderiam deixar de colaborar no momento que
entendessem. Solicitou-se, além disso, o consentimento informado para se
proceder à gravação áudio das entrevistas e informou-se que, neste caso,
lhes seria enviada uma cópia das transcrições, para que tivessem a
oportunidade de rever e de alterar as suas respostas (validação do estudo
individual). Informou-se, igualmente, que todas as transcrições e gravações
seriam manuseadas de forma confidencial, discutidas apenas com os
orientadores da tese e que, aquando da conclusão do doutoramento, seriam
destruídas se assim eles o desejassem (Berg, 1998; Patton, 2002).

Depois de fornecidas todas as informações a cada participante,


interpelaram-se sobre o seu interesse em participar na investigação,
sublinhando que não tinham de responder nesse dia, que poderiam demorar
o tempo que necessitassem, e que poderiam estabelecer um contacto mais
tarde por correio eletrónico ou por telefone para darem uma resposta.

Os convites foram gentilmente aceites no momento do primeiro contacto


pessoal. Sublinha-se que este processo foi repetido com cada participante,
ao longo de um período de catorze meses. Os contactos pessoais
realizaram-se entre julho de 2019 e outubro de 2020 e foram sendo feitos à
medida que o processo de análise de informação de outros participantes
estava a decorrer.

167
3.1.2. Confidencialidade dos participantes

O contacto pessoal caraterístico da entrevista aberta implica que os


participantes percam a possibilidade de manterem o anonimato perante o
investigador (Berg, 1998; Merriam, 1998; Seidman, 1998).

Todavia, de modo a proteger a sua identificação, no presente trabalho


foi garantida aos participantes a possibilidade de confidencialidade na
apresentação das suas perspetivas através do uso de um código, tal como
sugerido por Berg (1998) e Patton (2002). Não obstante, foi deixada em
aberto a possibilidade de os participantes utilizarem os seus verdadeiros
nomes, também como sugerido por Patton (2002), o que veio a acontecer.

3.1.3. Participantes

A investigação contou com a participação de dez treinadores


portugueses que nos últimos anos desenvolveram a sua atividade em
Portugal e no estrangeiro com idades compreendidas entre os 39 e os 67
anos e experiência de treino aproximada entre os 10 e os 35 anos.

Dos dez treinadores selecionados nove possuem o grau de formação


UEFA Pro, enquanto um deles detém o grau UEFA Advanced. Três são
licenciados pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
(FADEUP), um é licenciado pelo Instituto Superior de Educação Física da
Universidade de Lisboa (ISEF), outro é licenciado pelo Instituto Superior de
Ciências de Saúde do Sul (ISCS-S) e por fim, um é licenciado pela
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e mestre pela
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa (FMH). Nove
já foram campeões nacionais.

3.2. Procedimentos de recolha de informação

A natureza emergente das investigações naturalistas torna difícil


distinguir o período de recolha do período de análise da informação, porque,
em termos gerais, a recolha e a análise constituem um processo contínuo,

168
simultâneo e progressivo (Erlandson et al., 1993). Atendendo a este
pormenor, decidiu-se recolher e proceder a uma primeira análise das
informações do primeiro participante e só posteriormente recolher e analisar
a informação do seguinte.

Paralelamente, durante os momentos de recolha da informação junto


de cada participante, emergiram ideias quanto a caminhos a seguir na
análise, assim como sobre o sentido a dar às informações, sobre temas de
análise e sobre outras hipóteses de trabalho (Patton, 2002). Esta forma de
atuar, que está de acordo com o preconizado por Patton (2002), foi
clarificando e facilitando a compreensão acerca daquilo que estava a emergir
das informações. Do mesmo modo, foi mostrado se as informações
respondiam, ou não, às questões de investigação, permitindo, em última
análise, saber quando se tornou pertinente encerrar a seleção de
participantes (Silverman, 2000).

Não obstante a dificuldade de distinguir entre momentos de recolha e de


análise da informação qualitativa, é possível caraterizar a recolha em termos
dos instrumentos utilizados. No âmbito do paradigma naturalista, podem-se
eleger as fontes qualitativas de recolha de informação. De acordo com Patton
(2002), as informações qualitativas consistem em experiências, opiniões,
sentimentos e conhecimentos mencionados em entrevistas; consistem em
descrições detalhadas das atividades, dos comportamentos, das ações, das
interações das pessoas, e dos processos organizacionais, registadas em
observações; e consistem em excertos, citações, ou passagens retiradas de
vários tipos de documentos.

Em geral, os investigadores que se situam neste paradigma utilizam


quatro fontes para recolha de informação qualitativa: entrevistas,
observações, documentos e artefactos (Creswell, 2002; Patton, 2002). Para
esta investigação foram utilizados para a recolha de informação a entrevista e
os documentos escritos, ou seja, foram incluídas informações a partir de
documentos em que os participantes participaram, ou como autores ou como
entrevistados.

169
3.2.1. A entrevista

De acordo com Queirós e Lacerda (2013) e Ruquoy (1997), as


entrevistas qualitativas aparentam ser um dos instrumentos mais adequados
para explorar tópicos relativamente pouco investigados, bem como para
identificar padrões e temas tendo em conta a perspetiva dos participantes. Na
origem das entrevistas parece estar o interesse do investigador em
compreender a experiência e o sentido que determinada pessoa dá a essa
experiência (Seidman, 1998). Assim, é a pessoa entrevistada que cria a sua
resposta, e, portanto, não está sujeita a possíveis opções de resposta
fornecidas pelo investigador (Creswell, 2002).

Ora, uma vez que um dos pressupostos desta investigação era


conseguir recolher informação descritiva na linguagem do próprio sujeito, que
permitisse desenvolver uma ideia sobre a maneira como treinadores de
reconhecidos méritos elaboram a periodização de treino do futebol, optou-se
pela realização de uma entrevista qualitativa, pois entendeu-se ser o método
mais eficaz para se conseguir atingir os objetivos a que nos propusemos
(Armour & MacDonald, 2012; Brenner, 2006; Flick, 2005; Ghglione & Matalon,
2005; Mack et al., 2005; Patton, 2002; Qu & Dumay, 2011; Queirós &
Lacerda, 2013; Quivy & Campenhoudt, 1992; Rabionet, 2009; Ruquoy, 1997;
Silverman, 2000).

Definida a opção pela entrevista, decidiu-se, também, enveredar pela


realização de entrevistas pessoais, em conversa presencial com os
interlocutores. Admitiu-se que a presença física poderia induzir uma empatia
que viabilizasse declarações e posicionamentos mais fidedignos, e porque
em presença se poderia aclarar o significado exato de algumas respostas
menos claras (Patton, 2002; Ruquoy, 1997). Todavia, atendendo à pandemia
provocada pelo vírus SARS-Cov-2/Covid-19, quatro das dez entrevistas
tiveram que ser realizadas à distância, através do recurso à plataforma digital
Facetime.

As entrevistas podem tomar diversas formas, sendo que a


categorização mais clássica aquela que as identifica como estruturadas,
parcialmente estruturadas e não estruturadas, de acordo com o grau de

170
estruturação e de formulação das perguntas, esta categorização provoca a
utilização de outras designações, também tradicionalmente usadas (Creswell,
2002).

De facto, no âmbito de uma entrevista não estruturada o entrevistador


favorece a expressão mais livre do seu interlocutor, intervindo o menos
possível. Neste caso a entrevista pode ser designada de não diretiva, já se o
entrevistador estrutura a entrevista a partir de um tema de estudo
previamente definido e formula questões fechadas, a entrevista passa a ser
diretiva (Patton, 2002; Ruquoy, 1997). Se, por outro lado, o entrevistador
coloca apenas algumas questões-guia de resposta aberta (configura uma
entrevista parcialmente estruturada), então ela pode ser também designada
de parcialmente diretiva, uma vez que o entrevistador dirige a entrevista
mantendo a abertura das respostas (Brenner, 2006; Flick, 2005; Qu &
Dumay, 2011; Ruquoy, 1997).

Na presente investigação, pretendia-se apurar perspetivas de


treinadores de referência acerca da periodização do treino e da competição
no contexto específico do futebol. Tratando-se de um domínio pouco
explorado no âmbito da produção e transmissão do conhecimento, entendeu-
se que a entrevista parcialmente estruturada/diretiva, seria a mais adequada.
Isto porque, este tipo de instrumento se afigura o mais ajustado para
aprofundar conhecimentos em domínios pouco pesquisados, conforme
preconizam Ghglione e Matalon (2005), Quivy e Campenhoudt (1992),
Rabionet (2009) e Ruquoy (1997).

Porém, foi preciso ter em atenção as exigências que este tipo de


entrevista coloca e que podiam parecer contraditórias. Por um lado, permitiu-
se que o próprio entrevistado estruturasse o seu pensamento em torno do
assunto perspetivado, ao seu próprio ritmo, e não ao ritmo mais rígido de
pergunta/resposta, e daí o seu aspeto parcialmente não diretivo; por outro
lado, a definição do tema de estudo exigiu o aprofundamento de pontos que
ele próprio não explicitou, e daí o aspeto parcialmente diretivo das
intervenções do entrevistador (Armour & MacDonald, 2012; Mack et al., 2005;
Qu & Dumay, 2011; Queirós & Lacerda, 2013; Rabionet, 2009).

171
A escolha da entrevista parcialmente estruturada/diretiva revelou-se
uma escolha acertada na medida que proporcionou mais confiança para
colocar uma série de perguntas – guias, relativamente abertas, a propósito
das quais era necessário receber informações da parte dos entrevistados, e
porque a possibilidade de resposta aberta permitiram captar o tipo de
terminologia que utilizam, os julgamentos que fazem e a complexidade das
suas perceções e experiências (Merriam, 1998; Patton, 2002).

Tendo por referência as recomendações de Patton (2002), Queirós e


Lacerda (2013), Rabionet (2009) e Ruquoy (1997), optou-se, sempre que
possível, por dar livre curso à exposição dos entrevistados, para que estes
pudessem falar abertamente, recorrendo às palavras que entendessem usar
e pela ordem que lhes conviesse. Todavia, de acordo com o que preconizam
os mesmos autores, a entrevista foi reconduzida para os assuntos a tratar,
cada vez que os entrevistados deles se afastaram.

Não obstante a utilização de uma entrevista parcialmente


estruturada/diretiva foi possível perseguir temas que originalmente não
estavam previstos na entrevista. Quando apropriado, ou mesmo essencial
atendendo às respostas, foram explorados novos tópicos com alguns dos
participantes, sem esquecer os objetivos desta investigação. Tal facto, ajudou
a resistir à tentação de viajar em demasia para tópicos não previstos (Patton,
2002).

Ao eleger a entrevista parcialmente estruturada/semidiretiva, houve a


necessidade de pensar e elaborar algumas questões. Tal facto, veio a
revelar-se uma ajuda importante, no planeamento da pesquisa,
essencialmente em termos de conteúdos de investigação. Ao definir-se o
objeto de pesquisa eliminou-se do campo de interesse algumas
considerações menos relevantes para as quais os entrevistados se poderiam
deixar arrastar de forma natural, resultando deste procedimento o aspeto
parcialmente diretivo das nossas intervenções, enquanto entrevistador
(Armour & MacDonald, 2012; Mack et al., 2005; Rabionet, 2009).

172
3.2.2. Guião da entrevista

Foi feita uma revisão exaustiva sobre todos os temas a tratar. Das
leituras efetuadas sobre a temática da periodização do treino do futebol, da
experiência do investigador e dos objetivos definidos para este trabalho,
resultou um guião de entrevista parcialmente estruturado (Quivy &
Campenhoudt, 1992; Rabionet, 2009). Para efeitos de aprovação, o guião
das entrevistas foi submetido a uma revisão e avaliação pelos orientadores
da presente investigação.

As questões colocadas aos participantes permitiram aceder ao tipo de


terminologia que utilizam, aos julgamentos que fazem e às suas perceções e
experiências (Patton, 2002). A partir da categorização sugerida por Patton
(2002), foram elaboradas:

- Questões relacionadas com aspetos do passado e do presente dos


participantes: Questões que identificam as caraterísticas pessoais e
profissionais dos participantes (e.g., como descreve o seu percurso
profissional no campo treino do futebol).

- Questões relacionadas com as experiências e os comportamentos dos


participantes: Questões sobre o que cada participante faz ou fez que,
implicitamente, me remetem para comportamentos, experiências, ações e
atividades que poderiam ter sido observadas se eu tivesse estado presente
(e.g., se eu estivesse junto de si num momento de observação de um treino
que caraterísticas poderia identificar nos exercícios práticos?).

- Questões de opinião e de valores: Questões que têm por objetivo


perceber o processo cognitivo e interpretativo dos participantes. As suas
respostas permitiram que os participantes partilhassem, dentro dos limites
por eles desejados, aquilo que pensam sobre as suas experiências,
intenções, objetivos, desejos e expectativas no que respeita ao processo de
periodização do treino do futebol (e.g., quais as principais preocupações
quando começa a treinar uma equipa).

- Questões relacionadas com o conhecimento dos participantes:


Questões acerca do conhecimento fatual dos participantes em relação aos
temas em estudo (ex., qual o(s) conceito(s) de treino).

173
O guião da entrevista parcialmente estruturada/diretiva foi constituído
por vinte e nove questões de resposta aberta. A elaboração do guião teve
como base cinco categorias: percurso pessoal; jogo de futebol; conceção de
treino; contextos de prática; e periodização. Foram colocadas todas as
questões constantes do guião de entrevista. No entanto, quando necessário,
foram colocadas questões adicionais para esclarecimento de dúvidas ou
aprofundamento de respostas.

Cada entrevista terminou com uma questão que permite aos


participantes terem a última palavra, no sentido de poderem dizer algo que
não tivessem dito ainda, porque as questões o não permitiram, ou para
poderem acrescentar ou completar algo que já tivessem dito (ex., existe
alguma questão que gostaria que lhe tivesse sido colocada e à qual pretenda
responder? Ou, existe algo que queira acrescentar?).

3.2.3. A realização da entrevista

Depois de todos os treinadores selecionados terem aceitado fazer parte


da investigação, foram agendadas as entrevistas, tendo em atenção o local e
a hora sugerida pelos entrevistados (Patton, 2002). De facto, nas entrevistas
presenciais houve a preocupação de selecionar um local que facilitasse a
expressão dos pontos de vista dos entrevistados e que possibilitasse uma
melhor gestão do tempo no caso da entrevista se prolongar (Albarello, 1997;
Qu & Dumay, 2011; Queirós & Lacerda, 2013; Ruquoy, 1997).

Neste sentido, as entrevistas foram realizadas em ambientes calmos e


reservados, sem ninguém a assistir; as questões foram colocadas da mesma
forma e o leque de esclarecimentos, redireccionamento de dúvidas foi
controlado com sobriedade, sempre num ambiente que se pretendeu cordial
e o mais possível informal (Patton, 2002). Procurou-se fazer com que os
interlocutores se exprimissem o mais livremente possível e fornecessem as
informações mais complexas e precisas, tendo em vista a aplicação de
conhecimento acerca do assunto (Flick, 2005; Queirós & Lacerda, 2013).

As entrevistas duraram, em média, uma hora e trinta minutos. Três


delas ocorreram nos estádios onde os treinadores trabalhavam; uma

174
realizou-se nas instalações hoteleiras onde decorriam estágios das equipas
que treinavam; duas tiveram lugar num salão de chá. Por fim, indica-se que
quatro entrevistas foram realizadas recorrendo-se à plataforma digital
Facetime, sendo que tanto o entrevistado como o entrevistador se
encontravam nos seus domicílios pessoais. A primeira entrevista foi realizada
em julho de 2019 e a última em setembro de 2020.

As entrevistas foram gravadas para mais fielmente se poder utilizar as


palavras dos participantes durante o processo de escrita dos estudos
individuais (Silverman, 2000). Desta forma foi possível ouvir com atenção os
discursos dos treinadores e ao mesmo tempo, tentar perceber as emoções a
eles associadas (Silverman, 2000).

3.2.4. Os documentos

O termo documento refere-se a um conjunto alargado de registos


escritos e simbólicos relevantes para a pesquisa, e, de acordo com Merriam
(1998) os três principais tipos de documentos disponíveis para os
investigadores são os registos públicos, os registos pessoais e os objetos.
Exemplos destes três tipos de documentos, são, os objetos, as fotografias os
artigos de jornal ou de revista, os programas de disciplinas, as teses, as
brochuras, os diários, os vídeos, as notas de comunicações, as notas de
aulas, os relatórios pessoais, as transparências, os discursos, as
investigações anteriores, os estudos de caso anteriores, ou os livros (Berg,
1998; Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985; Merriam, 1998; Patton,
2002).

Deste modo, os documentos constituem fontes inesgotáveis de


informação, que pode ser usada da mesma forma que a que deriva de
observações ou de entrevistas (Erlandson et al., 1993). Contêm pistas,
factos, ou detalhes que possibilitam uma melhor e mais completa
compreensão do fenómeno em estudo (Creswell, 2002). Adicionalmente,
permitem corroborar os resultados obtidos através de outros instrumentos, e
servem, no caso em que as informações recolhidas nos documentos são
contraditórios em relação às recolhidas através de outro tipo de instrumentos,

175
para se procurar investigar tal contradição junto dos participantes (Yin,
2003a).

Há que sublinhar que, pelo facto de os documentos existirem


independentemente da investigação, a maioria contém muitos aspetos
irrelevantes para o investigador. No entanto, vale a pena procurá-los, porque
cada documento representa um momento em que os participantes dão a sua
opinião, argumentam, e/ou descrevem eventos, que podem ser comparados
com o que é ouvido e visto pelo investigador, durante o trabalho de campo
(Merriam, 1998).

Para a presente investigação, foram utilizados documentos (entrevistas


concedidas pelos treinadores a órgãos de comunicação social, livros e outros
documentos pessoais por eles redigidos) cujo teor dá a conhecer na primeira
pessoa as perspetivas dos treinadores entrevistados. Foram ainda
recomendados pelos próprios treinadores outros documentos (livros que vão
de encontro às suas perspetivas) que podem ser úteis:

Tens o meu livro e a reportagem que deu na Benfica TV. (BL, p. 22)

Tenho a minha monografia, mas ela não aparece em lado nenhum, é um


livro de culto. Tenho basicamente os livros e o que está na net. Tenho ainda
alguns textos que falam alguma coisa que tem a ver com futebol, mas o melhor é
ler os livros, os três livros que eu tenho. (CC, p. 26)

Naturalmente que posso recomendar aquilo que são as obras do Frade e do


próprio Guilherme. (IV, p. 27).

Qualquer registo que tenha sobre a Periodização Tática do professor Vítor


Frade. Também as coisas da Professora Marisa Gomes, tem muita influência
naquilo que é a nossa ideia e a nossa forma de estar no treino e forma como nós
vemos o treino de espaço de seleção. Porque, para nós, faz muito sentido esse
tipo de abordagem. (FN, p. 22)

Eu posso-lhe mandar aqui uma apresentação que fizemos há um mês para


a Associação Nacional de Treinadores, onde, mais ou menos, se fala sobre esta
forma como concebemos o jogo (...) e também ao nível daquilo que é o processo
de treino. (PC, p. 25)

Tens que ver as minhas entrevistas, percebes? A última grande entrevista a


falar foi para a Associação Nacional de Treinadores. Tens que ler alguma
entrevista, tens que pesquisar, ler alguma entrevista. (VP, p. 27)

176
A utilização destes documentos constituiu mais uma fonte de evidência,
através da qual foi possível perceber melhor as conceções dos participantes.

3.3. Procedimentos de análise da informação

O processo de análise da informação qualitativa apresenta-se como um


amplo desafio para o investigador que pode ser definido como um processo
intuitivo, através do qual se dá sentido, se examinam minuciosamente, se
organizam, e se codificam as informações recolhidas (Holliday, 2002;
Merriam, 1998; Patton, 2002).

Como mencionado anteriormente, a análise da informação tem início ao


mesmo tempo que começa a recolha da informação. Todavia, mais
concretamente, segundo Miles e Huberman (1994) a análise da informação
ocorre durante as atividades de redução das informações, de apresentação
das informações e de elaboração das considerações finais. A execução
destas três atividades implica separar a informação que é significativa da que
é trivial, bem como identificar padrões temáticos significativos e encontrar a
melhor maneira de dar a conhecer o que de essencial foi encontrado (i.e.,
implica transformar informação bruta em resultados) (Patton, 2002).

Para realizar este processo existem algumas orientações, sugestões e


exemplos de procedimentos que se podem seguir. No entanto, a aparência
final deste processo de transformação é exclusiva de cada investigador e
torna-se conhecida apenas quando ele chega ao fim do percurso (Patton,
2002). Isto porque, a transformação das informações em bruto, em
conclusões se baseia no conhecimento, na criatividade, na disciplina
científica, na experiência, na formação, na reflexão pessoal, no estilo, na
iniciativa e no trabalho do investigador (Patton, 2002).

Durante este processo, procurou-se utilizar, o mais possível, o


pensamento dos participantes, considerando que cada palavra produzida por
eles reflete as suas perceções e o seu pensamento. Para tal, transcreveram-
se as entrevistas de modo a respeitar, o mais possível, a forma de comunicar
dos participantes. Transcreveu-se, na sua totalidade, o discurso oral para
discurso escrito, tendo-se incluído o registo dos silêncios, das interrupções,

177
dos risos e dos tons de voz diferentes do tom natural usado durante a
entrevista, ou de expressões de sentimentos em relação ao que os
participantes estavam a relatar. A transcrição das entrevistas para a
linguagem escrita foi feita à medida que estas foram sendo realizadas. Tal
processo constituiu uma proveitosa oportunidade de imersão e de
familiarização com a informação, assim como de análise e de encontro com
os aspetos que gostaríamos de ver acrescentados ou clarificados na
entrevista seguinte (Silverman, 2000).

Nas próximas três secções deste trabalho, descreve-se o percurso de


análise das informações recolhidas junto dos participantes, indica-se como
foram reduzidas as informações e como se organizou a apresentação das
perspetivas dos entrevistados e as considerações finais.

3.3.1. Codificação da informação

Como técnica de tratamento da informação contida nas entrevistas e


nos documentos, decidiu-se utilizar a “análise de conteúdo” (Bardin, 1977;
Vala, 1986). Não obstante a análise de conteúdo denotar semelhanças com
outras técnicas de recolha e tratamento da informação no âmbito da
investigação, ela distingue-se, por exemplo, da análise linguística, da análise
documental, ou da análise de discurso (Queirós & Graça, 2013).

A análise de conteúdo não se ocupa especificamente do funcionamento


da língua como faz a linguística, nem se ocupa primordialmente dos
problemas inerentes ao armazenamento, acesso e reconhecimento dos
documentos, enquanto artefactos arquiváveis, como faz a análise
documental, antes busca fazer inferências sobre significados dos conteúdos
manifestos ou latentes dos textos (i.e., sobre o que se oculta por detrás das
palavras, nas linhas e nas entrelinhas) (Queirós & Graça, 2013).

A partir da análise de conteúdo procurou-se reduzir a informação, bem


como encontrar ideias padrão, ou temas, e fazer inferências, válidas e
replicáveis, das informações para o seu contexto (Patton, 2002).

178
Nesta presente pesquisa foram adotados os seis passos seguintes
relativos à análise de conteúdo (Ryan & Bernard, 2000).

I. Identificou-se como universo da análise (corpus) as transcrições das


entrevistas e os documentos recolhidos.

II. Identificou-se o item como a unidade de codificação, ou seja, cada


entrevista e documento constituíram os segmentos do conteúdo sobre os
quais se realizou a categorização.

III. Especificou-se o sistema de categorias. A codificação força o


investigador a fazer juízos sobre o sentido do texto e, como tal, representa a
alma e o coração da análise de conteúdo (Ryan & Bernard, 2000). Uma
categoria é habitualmente composta por um termo-chave que indica a
significação central do conceito que se quer apreender, e de outros
indicadores que descrevem o campo semântico do conceito. Pode ser
identificado antes, durante, ou depois da recolha da informação e pode
representar tanto o que é dito, como a forma como é dito (Ryan & Bernard,
2000). A literatura e a experiência do investigador são fontes inesgotáveis de
categorias ou temas. Contudo, muitas vezes, são induzidas das informações
(Ryan & Bernard, 2000).

IV. Nesta investigação, o sistema de categorias teve em conta o que os


participantes dizem. Foi elaborado segundo um misto de análise dedutiva
(com categorias pré-determinadas de acordo com uma referência teórica) e
de análise indutiva (com categorias que emergiram das informações), à
medida que foram sendo lidas e relidas as informações obtidos (Miles &
Huberman, 1994; Patton, 2002). Salienta-se que o sistema de categorias foi
crescendo e sendo refinado, à medida que novos casos foram entrando no
estudo.

De acordo com a sugestão de Merriam (1998), desenvolveu-se um


sistema cujas categorias apresentam as seguintes caraterísticas: a) são
mutuamente exclusivas (i.e., cada elemento das informações apenas pode
ser classificado numa, e apenas numa, das categorias); b) são exaustivas, ou
seja, toda a informação que é considerada relevante é incluída numa das
categorias; c) são independentes, isto quer dizer que a classificação de

179
determinado elemento das informações não afeta a classificação de outro
elemento; d) são congruentes conceptualmente, ou seja, as categorias estão
ao mesmo nível de abstração; e) refletem o objetivo do estudo (i.e., as
categorias representam as respostas às questões de investigação); f) são
denominadas tendo em conta as informações, ou seja, o nome das
categorias reflete o mais possível o que as informações representam, a
essência do que as informações revelam.

V. Aplicou-se o sistema de categorias às unidades de registo. O ato de


codificar envolve a atribuição de unidades de texto às categorias (Ryan &
Bernard, 2000). Assim, após as leituras das informações que permitiram
elaborar o sistema de categorias, voltou-se novamente a lê-los, agora
selecionando frases do texto que se agruparam em cada categoria.

Embora no núcleo da análise da informação esteja a compreensão que


emerge do texto, a gestão do sistema de categorias, a seleção dos
elementos do texto a codificar, bem como a escrita dos estudos individuais
ficou facilitada com a utilização do programa de análise qualitativa de
informação NUD.IST Vivo, comummente abreviado de NVivo na versão 12.0
(Bazeley & Richards, 2000; Gibbs, 2002; Weitzman, 2000).

Esta ferramenta revelou-se relevante para organizar e agilizar o


processo de análise da informação. Todavia, foi necessário ter alguns
cuidados, pois, segundo Dey (1993), o uso de computadores pode encorajar
uma análise mecanizada, nesse cenário, o desenvolvimento da criatividade e
intuição são eclipsadas. Procurou-se, por isso, evitar que a codificação se
transformasse num processo mecânico.

A codificação do conteúdo nas categorias definidas com a ajuda do


NVivo está representada na Figura 2.

180
Figura 2
Modelo de Conceitos (NVivo12).

As propriedades e as unidades de registo podem ser consultadas na


Tabela 2.

Tabela 2
Propriedades e Unidades de Registo

Categoria Categoria de 2ª Categoria de 3ª Propriedades Unidade registo


latentes ordem ordem
Conceção de Influências do “Eu tenho uma ideia de jogo,
jogo contexto e muitas vezes, marcada e
construída durante anos, ao
longo da minha experiência”
(JP, 6).
Afinar tática Tática “O meu conceito de treino é
sempre tático e estratégico”
Objetivos do (IV, 11).
Afinar estratégia Estratégia “Para além disto, há que
treino
contemplar a dimensão
estratégica.” (ETSLB18/19,
Treino p. 8).
Específicos e Modelo de “Durante a semana é
Caraterísticas Representativos jogo e jogo obrigação do treinador pôr
os nossos princípios de
dos contextos de futebol jogo, trabalhá-los” (VO, p.
de prática 6).
Fragmentados Tarefas “Ou tu crias condições de

181
Categoria Categoria de 2ª Categoria de 3ª Propriedades Unidade registo
latentes ordem ordem
Inquebrantáveis e Práticas sucesso com jokers
interiores que tenhas
Facilitadores
sempre apoio à bola” (VP, p.
9)
Intervenção Feedback “Sem dúvida nenhuma, tanto
Pedagógica Pedagógico no jogo como no treino, no
patamar onde nós estamos
inseridos, o feedback é
essencial.” (FN, p.11).
Instrumentos Vídeo e “Utilizamos muito a análise
Pedagógicos Imagens em vídeo, porque o jogador
tem uma longa experiência,
Auxiliares tem a sua cultura tática e às
vezes estas pequenas
coisas vistas em vídeo, eu
acredito muito que ajudam
muito no treino.”
(ETSLB18/19, p. 15).
Período Sem “O nosso primeiro treino é
Preparatório competições igual ao último e é igual ao
do meio. Nós não chegamos
oficiais à pré-epoca e damos
grandes tareias aos
Periodização jogadores.” (CP, p. 25 e 26).
Período Com “Mas, normalmente, quarta,
do treino
Competitivo competições quinta e sexta são situações
que estão viradas para a
oficiais questão do modelo e para a
questão de ver o que é que
o adversário nos pode fazer”
(PB, p. 32).

VI. A aplicação das categorias foi revista. Depois de todos os estudos


individuais terem sido escritos, voltou-se a aplicar o sistema de categorias, no
sentido de verificar a consistência das caraterísticas das mesmas ao longo
dos dez estudos. Assim, após a revisão, o sistema de categorias que foi
desenvolvido e utilizado na discussão desta investigação está representado
no Tabela 3.

182
Tabela 3
Tabela de Codificação

Numeração Categoria Subcategorias

Convergência entre as
perspetivas dos De acordo com os treinadores os contextos exercem
treinadores e o conceito influência na modelação das conceções de jogo.
1
de equipas enquanto
organismos complexos
auto-organizados.

Concordância entre as tarefas práticas criadas pelos


treinadores e os conceitos de especificidade e
Convergência das representatividade
perspetivas dos
Exercícios complementares e instrumentos
treinadores com o treino
2 pedagógicos auxiliares enquanto necessidade invocada
concebido segundo a
pelos treinadores
visão ecossistémica da
tomada de decisão Conformidade entre a periodização do treino para jogar
futebol estabelecida pelos treinadores e a noção de
interação sistémica

3.3.2. Apresentação dos resultados

Segundo Miles e Huberman (1994), é crucial que se compreenda a


dinâmica de cada participante antes de se passar ao cruzamento dos
resultados. Assim, nesta investigação, as informações são organizadas e
apresentadas, primeiro sob a forma de perspetivas individuais, depois sob a
forma de cruzamento e discussão das informações e, por fim, também, sob a
forma de inferências finais.

As perspetivas individuais, de acordo com Erlandson e colaboradores


(1993), Lincoln e Guba (1985) e Yin (2003b), não seguem apenas um
formato para serem elaborados. Na presente investigação, procurou-se dar
voz aos participantes, escrevendo as perspetivas na terceira pessoa (ou na
primeira, quando estou envolvido) e utilizando a sua linguagem natural,
através de citações do que disseram nas entrevistas ou do que escreveram
nos documentos. Procurou-se, também, escrever as perspetivas sob o ponto
de vista factual, com o intuito de facilitar as interpretações. Em suma,
pretendeu-se que fosse possível interagir intelectual e emocionalmente com
cada contexto, à medida que se descrevia o que o caraterizava (Erlandson et
al., 1993).

183
Nesta dissertação, incluem-se dez perspetivas, uma por cada
participante. As mesmas são apresentados seguindo a ordem temporal de
realização das primeiras entrevistas, tendo-se em conta o propósito de
refletirem o sistema de categorias que foi elaborado ao longo do período de
redução e transformação das informações qualitativas (Erlandson et al.,
1993).

Todavia, para melhor traduzirem as experiências, a escrita das


perspetivas dos participantes nem sempre obedecem à mesma estrutura.
Não obstante, foram redigidos em estilo narrativo, tendo sido construídos a
partir das informações recolhidas através das entrevistas e dos documentos.
No final, para cada um dos participantes é apresentada uma nuvem com a
frequência de palavras que procura resumir a sua perspetiva relativamente às
categorias consideradas.

Depois de se dar a conhecer individualmente as dez perspetivas,


referentes a cada um dos entrevistados, apresenta-se o cruzamento e a
discussão das perspetivas dos participantes, o que, olhando para os vários
casos, permite delinear a configuração e a direção de determinada perspetiva
ou experiência, assim como apontar as semelhanças e as dissemelhanças
entre os participantes, para além de se analisar e interpretar as perspetivas à
luz da investigação e do debate internacional.

3.3.3. Apresentação das considerações finais

A apresentação das considerações finais está organizada com o


objetivo de condensar o essencial do conhecimento obtido nesta investigação
com a análise interpretativa das informações que resultam do cruzamento e
discussão das perspetivas individuais de cada participante. São
apresentadas, as inferências da investigação, os contributos da investigação,
as limitações da investigação e as sugestões para futuras investigações.

184
4. Critérios de ética

De acordo com alguns autores, entre os quais Bogdan e Biklen (1994),


de modo a obedecer aos critérios éticos, afigura-se importante a elaboração
de alguns documentos que descrevam a natureza do estudo, o assunto a
tratar, o tempo em que o participante será solicitado a participar, o encargo
para as partes, o que será feito com os resultados e outras informações que
se revelem pertinentes. Na mesma linha de pensamento, Stake (2009)
sugere que as informações sejam bem esclarecidas oralmente e por escrito,
de modo a obter dos participantes o respetivo consentimento informado.

Ainda na perspetiva de Bogdan e Biklen (1994), as identidades dos


participantes devem ser preservadas, de modo a que as informações que o
investigador recolhe e trata, não sejam suscetíveis de os prejudicar ou expor.
O segundo, referente à autorização para a colaboração com o estudo, implica
que o investigador seja claro e explícito sobre os termos do protocolo com
todos os participantes, devendo respeitá-lo até a sua conclusão.

Os entrevistados acederam voluntariamente a colaborar e,


posteriormente, deram o seu aval quanto ao conteúdo das entrevistas e à
publicação das perspetivas que delas constam.

Importa referir que todos os entrevistados neste estudo manifestaram a


vontade de que a respetiva identidade fosse revelada, dado tratar-se de
ideias e perspetivas com uma forte marca identitária.

5. Critérios de confiança

Para que os resultados obtidos nos estudos de investigação tenham


consequências para as práticas do dia-a-dia, importa que ultrapassar
julgamentos de confiança (Erlandson et al., 1993). De acordo com Lincoln e
Guba (1985), este é um dos aspetos em que o paradigma naturalista é mais
criticado. Deste modo, afigura-se ser pertinente que o investigador
disponibilize toda a informação necessária para que os interessados possam
aplicar os resultados, ou fazer julgamentos externos sobre a consistência dos

185
procedimentos seguidos e sobre a neutralidade dos resultados ou das
decisões (Erlandson et al., 1993).

De forma a dar respostas à exigência da crítica, Lincoln e Guba (1985),


têm vindo a referir-se a este conjunto de critérios de confiança como
confiabilidade e têm definido e descrito como podem ser obtidos em
investigações que se enquadram num paradigma naturalista. Para estes
autores a questão da confiabilidade é de fácil entendimento: como pode um
investigador convencer a audiência (e a si próprio) de que os resultados do
estudo merecem ser tidos em atenção? Que argumentos podem os
investigadores apresentar? Assim, consideram que a forma de conferir
qualidade ou confiabilidade ao estudo passa pelo recurso a técnicas que
permitam assegurar a credibilidade, a transferibilidade e a confirmabilidade
(Tabela 4).

Tabela 4
Técnicas de Assegurar a Credibilidade, Transferibilidade e Confirmabilidade
Paradigma Paradigma
Critério Exemplos de técnicas naturalistas
Positivista Naturalista
- Trabalho de campo prolongado.
- Observação persistente.
Valor de Validade - Triangulação.
Credibilidade
verdade interna - Sessões de resumo (peer debriefing).
- Validação junto dos participantes
(member checking).
Aplicabilidad Validade - Descrição detalhada.
Transferibilidade
e externa - Diário reflexivo.
- Auditoria.
Consistência Fiabilidade Dependência
- Diário reflexivo.
- Auditoria.
Neutralidade Objetividade Confirmabilidade
- Diário reflexivo.

De seguida, apresenta-se uma pequena descrição dos métodos que


foram utilizados neste âmbito, tendo por base as propostas de Lincoln e
Guba (1985).

186
5.1. Métodos para assegurar a fiabilidade

Admite-se que todos os investigadores têm, como questão central, o


estabelecimento de um grau de confiança que permita indicar que os
resultados do seu estudo são fiáveis em relação aos participantes e ao
contexto em que o estudo foi realizado (Lincoln & Guba, 1985). Dentro dos
limites do paradigma positivista, este grau de confiança é descrito com base
na validade interna, ou seja, na relação isomorfa que se estabelece entre os
dados e o fenómeno que estes representam. Já no que respeita o paradigma
naturalista, não é assumida uma só realidade objetiva, pelo que a
determinação de uma relação isomorfa é irrelevante. Mais pertinente é a
existência de compatibilidade entre as realidades construídas nas mentes
dos participantes e as realidades que o investigador construiu. Esta relação é
denominada de credibilidade (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985).

Com o propósito de dar credibilidade à investigação, é essencial que o


investigador naturalista mostre que representou as múltiplas construções
adequadamente (i.e., que as reconstruções que fez traduzidas em resultados
e interpretações são credíveis para aqueles que construíram as múltiplas
realidades originais). A implementação do critério de credibilidade torna-se
numa tarefa dupla. Primeiro, o investigador tem de desenvolver a pesquisa
de forma a aumentar a probabilidade de os resultados serem considerados
credíveis. Segundo, tem de fazer com que os resultados sejam aprovados
por aqueles que construíram as múltiplas realidades em estudo – os
participantes (Lincoln & Guba, 1985).

Assim, no sentido de cumprir esta dupla tarefa, durante a investigação


foram utilizadas três das técnicas propostas por Lincoln e Guba (1985). Uma
técnica permitiu aumentar a probabilidade de produzir resultados e
interpretações credíveis – a triangulação; a outra permite realizar verificações
externas ao processo de investigação – verificação por especialistas; uma
terceira que permitiu testar os resultados e as interpretações junto dos
participantes – validação junto dos participantes (member checking).

De facto, segundo Stake (2000), para os investigadores, a triangulação


representa uma forma de estabelecer resultados mais credíveis. A lógica da

187
triangulação baseia-se na premissa de que nenhum método sozinho pode
adequadamente resolver o problema da existência de fatores causais rivais.
Deste modo sugerem-se quatro modos de triangulação: a utilização de
diferentes e múltiplas fontes (e.g., diferentes pessoas), de diferentes métodos
(e.g., observações, entrevistas, documentos), de diferentes investigadores
diferentes teorias de interpretação.

Para a presente investigação recorreu-se a diferentes instrumentos de


recolha de informação para concretizar a técnica de triangulação. Assim,
procedeu-se à triangulação comparando-se as informações recolhidas por
meio das entrevistas, com as informações recolhidas através de documentos
(Lincoln & Guba, 1985; Patton, 2002). A utilização de diferentes instrumentos
permitiu testar a consistência das informações obtidas, clarificar o sentido
que se lhes conferiu e, assim, perceber e identificar melhor os vários aspetos
que, na globalidade, constituem o fenómeno de periodização do treino do
futebol.

As sessões de resumo, designadas por Lincoln e Guba (1985) e por


Erlandson e colaboradores (1993) de peer debriefing constituíram a segunda
técnica utilizada para assegurar a credibilidade desta investigação. De acordo
com os mesmos autores, esta técnica pode ser definida como uma atividade
que o investigador desenvolve juntamente com uma pessoa que está fora do
contexto da investigação. Tal atividade permite explorar aspetos da
investigação que, de outra forma, lhe poderiam passar despercebidos, e
ajuda entre outras funções a manter-se “no caminho”, na medida em que o
faz pensar em voz alta e lhe permite debater questões metodológicas e
éticas, interpretações, resultados, hipóteses de trabalho, reflexões, com um
par que se deve comportar como o “advogado do diabo”.

O objetivo é assegurar que o investigador está consciente da sua


postura e do processo que está a desenvolver (Erlandson et al., 1993; Lincoln
& Guba, 1985). Em segundo lugar, este tipo de sessões permite ao
investigador partilhar emoções, sentimentos, preocupações, ou frustrações
que podem afetar a sua capacidade para conduzir ou concluir a pesquisa,
bem como partilhar e discutir ideias e estratégias que ajudam o investigador a
percorrer o caminho (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985).

188
Não existem na literatura muitas indicações sobre a forma como estas
sessões se devem desenrolar. Não obstante, sugere-se que a pessoa
escolhida seja alguém que se equivale ao investigador (i.e., alguém que não
tem uma relação de autoridade perante o mesmo) (Lincoln & Guba, 1985).
Para esta investigação, desenvolveu-se esta atividade com dois profissionais
que, embora não desenvolvendo as suas atividades profissionais na área do
desporto, tem elevada experiência na lecionação, na investigação, e na
utilização de métodos qualitativos.

De acordo com Lincoln e Guba (1985), a validação junto dos


participantes designada por member checking, é a técnica mais importante
no estabelecimento da credibilidade de uma pesquisa científica. Esta técnica
permite que os participantes verifiquem as informações, as categorias, as
interpretações e as inferências a que o investigador chegou (Lincoln & Guba,
1985). Deste modo, os participantes têm a oportunidade de indicar se se
reconhecem, ou não, nas reconstruções que o investigador fez da sua
realidade. É um processo contínuo, desenvolvido de modo formal e informal
ao longo da investigação (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985).

Os momentos em que se recorreu o member checking foram os


seguintes: a) quando, durante a entrevista, se sumariou informação; b)
quando foram fornecidas cópias aos participantes das transcrições das
entrevistas; c) quando se forneceu aos participantes a versão final dos
estudos individuais em que as interpretações finais foram discutidas e
verificadas (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985). Estes momentos
constituíram oportunidades únicas para os participantes corrigirem erros
factuais e/ou interpretações, ou para acrescentarem informação de forma
voluntária (Lincoln & Guba, 1985).

5.2. Métodos para assegurar a transferibilidade

O estabelecimento de transferibilidade pelo investigador que se situa no


paradigma naturalista é muito diferente do processo de estabelecimento da
validade externa pelo investigador positivista. A técnica utilizada para o

189
estabelecimento da transferibilidade é a descrição minuciosa do contexto
(Lincoln & Guba, 1985).

O investigador naturalista não pode especificar a validade externa do


seu estudo. O que pode fazer é apresentar uma descrição minuciosa do
contexto de investigação, para que algum interessado possa fazer a
transferibilidade, ou possa concluir se essa transferibilidade pode ou não ser
feita (i.e., deve fornecer informação suficiente para que os julgamentos de
transferibilidade possam ser feitos por aqueles que são potenciais
utilizadores) (Lincoln & Guba, 1985).

Nesta investigação, no sentido de estabelecer transferibilidade fez-se


uma descrição, o mais detalhada possível, de tudo o que pudesse ser
necessário para se perceberem os resultados (i.e., de modo a que a
descrição permitisse que os interessados sentissem que integravam
realmente o contexto em estudo) (Erlandson et al., 1993). Segundo Lincoln e
Guba (1985) não existe consenso sobre o que constitui uma descrição
detalhada. Porém, procurou-se fazer descrições o mais pormenorizadas
possível para melhor se poderem compreender as perspetivas dos
participantes.

5.3. Métodos para assegurar a confirmabilidade e a dependência

O diário reflexivo, quando corretamente elaborado e controlado, é uma


técnica a utilizar para assegurar a confirmabilidade e a dependência num
estudo naturalista (Erlandson et al., 1993; Lincoln & Guba, 1985).

Assim, nesta investigação, o diário reflexivo funcionou como um tipo de


documento no qual se foi escrevendo informação relacionada com a logística
da pesquisa, nomeadamente no que respeitava aos encontros com os
participantes (horas, locais, duração, impressões sobre o que se tinha
passado, e-mails trocados), às razões para se terem, ou não, tomado
determinadas decisões metodológicas, às notas sobre aspetos relacionados
com a interpretação da informação e com indicações teóricas que se
relacionassem com as informações que se estavam a receber.

190
Em suma, a triangulação, as sessões de resumo, a verificação que os
participantes fizeram aos estudos individuais, a descrição minuciosa dos
diferentes contextos e o uso de um diário reflexivo, foram as técnicas
descritas usadas para procurar promover a confiança na investigação.

6. Em síntese

Neste capítulo, descreveu-se: a) a forma como o paradigma naturalista


influenciou a investigação; b) como foram selecionados os participantes; c)
como foram recolhidas e analisadas as informações; d) e como se
apresentam as perspetivas individuais e as conclusões. Referiram-se ainda
os métodos usados para garantir a confiabilidade da pesquisa.

No capítulo seguinte serão apresentados primeiramente os estudos


individuais e, posteriormente, realizar-se-á o cruzamento e a discussão das
perspetivas de cada um dos treinadores.

191
192
Capítulo III – Perspetivas individuais, cruzamento e
discussão



1. Introdução

A apresentação e discussão das perspetivas dos participantes está


organizada em quatro pontos. O primeiro que diz respeito à introdução. O
segundo é dedicado às perspetivas de cada participante. O terceiro é
dedicado ao cruzamento destas perspetivas no sentido de refletir um todo
que foi interpretado e discutido com base na investigação científica. O quarto
refere-se à síntese final do capítulo.

2. Perspetivas individuais dos treinadores participantes

Neste ponto apresentam-se os pontos de vista dos entrevistados. Tais


perspetivas estão escritas utilizando a linguagem natural dos participantes,
através de citações oriundas dos instrumentos de recolha de informação
(entrevistas, vídeos e documentos). De acordo com Lincoln e Guba (1985) e
Yin (2003b) procura-se dar voz aos participantes, descrevendo as
perspetivas na terceira pessoa, utilizando a sua linguagem natural através de
citações do que disseram nas entrevistas, em reportagens de vídeo e o que
escreveram nos documentos. As perspetivas estão, ainda, escritas sob o
ponto de vista factual, com o intuito de facilitar as interpretações. Em suma,
pretende-se que seja possível interagir intelectual e emocionalmente com
cada contexto, à medida que se descreve o que o carateriza (Erlandson et
al., 1993).

Apresentam-se as dez perspetivas seguindo a ordem temporal de


realização das primeiras entrevistas e estão escritas tendo como propósito
refletirem o sistema de categorias que foi elaborado ao longo do período de
redução e transformação das informações qualitativas (Erlandson et al.,
1993).

Todavia, importa referir que para melhor traduzirem as experiências e


as perspetivas dos participantes, a estrutura nem sempre é a mesma. Regra
geral começa-se por fazer uma exposição breve das caraterísticas pessoais e
profissionais de cada participante por se considerar indispensável para que
se percebam as posições que tomam. Posteriormente apresentam-se as

195
suas perspetivas sobre o jogo e o treino do futebol. No final, apresenta-se
para cada um dos participantes, uma síntese e uma frequência de palavras
que procura resumir a sua perspetiva relativamente às categorias
consideradas.

A forma como a apresentação das perspetivas dos participantes está


organizada tornou possível conhecer, descrever e compreender os pontos de
vista de cada treinador sobre os temas em estudo.

2.1. Entrevista 1 – A perspetiva de Bruno Lage

Bruno Miguel Silva do Nascimento, é um treinador de futebol atualmente


sem clube. Os êxitos conquistados, assim como o seu percurso, com
passagem pelo estrangeiro, foram o principal motivo para a sua seleção
enquanto participante do estudo. Foi entrevistado em julho de 2019, no
Benfica Campus – Centro de Estágio e Formação Sport Lisboa e Benfica,
dois meses depois de se ter sagrado campeão nacional pelo Sport Lisboa e
Benfica (SLB) e de ter recebido o prémio de melhor treinador da Liga
Portuguesa na época 2018/201993.

Ao longo da sua carreira como treinador principal, para além de


campeão nacional sénior e uma Supertaça Cândido de Oliveira com os
seniores do Sport Lisboa e Benfica, Bruno Lage alcançou ainda, no mesmo
clube, um título de campeão nacional com os iniciados e um título de
campeão nacional com os juvenis.

Por sugestão do treinador principal, o tratamento das informações


recolhidas será feito referindo a equipa técnica como um todo (excluindo a
primeira parte referente ao percurso).

93
Iniciou a época 2018/2019 como treinador da equipa sénior B do Sport Lisboa e
Benfica (SLB) deixando, aquando do ingresso na equipa principal do SLB, a equipa B no 4.º
lugar da Ledman LigaPro, a segunda divisão portuguesa, com dois jogos em atraso
relativamente ao líder, Famalicão. Terminou a época como campeão nacional da Liga
Portuguesa recuperando um atraso de sete pontos.

196
2.1.1. A formação e percurso do treinador

Bruno Miguel Silva do Nascimento é conhecido, no mundo do futebol,


como Bruno Lage, apelido que adotou em homenagem ao pai, Fernando
Lage, um ex-jogador e treinador que fez carreira em equipas do distrito de
Setúbal e que acabou por ser a primeira grande influência na opção pela
carreira de treinador de futebol, como se percebe na transcrição seguinte:

A primeira grande influência para eu ter decidido ser treinador foi o meu
pai, porque após ter finalizado a carreira de jogador de futebol decidiu tirar os
cursos de treinador para exercer essa profissão. No percurso como treinador, o
meu pai, primeiro treinou na distrital e posteriormente nas divisões nacionais onde
conseguiu algumas subidas. Treinou com sucesso o Grandolense e o Cova da
Piedade e acabou por treinar equipas de terceira divisão tendo sido essa, talvez, a
minha primeira referência. Essas foram as primeiras referências porque o via a
organizar, a preparar e a planear, tal como qualquer treinador, e também, porque o
via a operacionalizar as coisas e isso sempre me fascinou e sinto que hoje, no meu
dia-a-dia, a minha forma de organizar, vem um pouco daí, dessas lembranças. (BL,
p. 1)

Tal facto motivou o treinador Bruno Lage a realizar um percurso que lhe
permitisse aprender mais sobre o fenómeno desportivo em geral e o futebol
em particular. Para tal, foi praticante de futebol e optou por aprofundar os
seus conhecimentos logo a partir da escola secundária, escolhendo a área de
Desporto. Posteriormente, seguiu os estudos no Instituto Superior de
Ciências de Saúde do Sul (ISCS-S), onde se licenciou em Ciências da
Educação Física Saúde e Desporto – Especialização em Futebol. Esta ideia
pode ser interpretada a partir do excerto abaixo transcrito:

Numa fase mais adiantada da idade, em que tive que escolher o que queria
fazer na vida adulta, optei, na escola secundária, pela área de Desporto.
Posteriormente, na universidade, a minha primeira ideia era, eventualmente, ser
professor de Educação Física e, talvez, treinador de futebol. A ideia era tentar
seguir as pisadas do meu, ou seja, atingir pelo menos o patamar que o meu pai
tinha conseguido atingir - ser treinador de distrital ou terceira divisão. Mas,
atendendo ao percurso dos professores Carlos Queiroz e José Mourinho, comecei a
criar expectativas que poderia chegar a um patamar mais alto. Eventualmente como
treinador adjunto ou preparador físico de uma equipa técnica, o que acabou por
acontecer. (BL, p. 1)

197
A carreira de treinador de Bruno Lage teve início “aos 20 anos, nas camadas
jovens do Vitória de Setúbal, no final da década de 1990, como adjunto na equipa de juvenis”
(BL, p1). Nessa altura o treinador que abrigou o jovem recém-licenciado dava

pelo nome de José Rocha. O mesmo José Rocha que voltaria a recorrer a
Bruno Lage quando lhe surgiu o convite do clube alentejano Estrela de
Vendas Novas, em 2003.

Posteriormente as portas do futebol sénior abriram-se pela mão do ex-


magriço Jaime Graça, quando o levou consigo para a Associação Desportiva
Fazendense (ADF), equipa da Associação de Futebol de Santarém. Na ADF
o aprendiz Bruno Lage e o mestre Jaime Graça ficaram sensivelmente
metade da época, altura em que Jaime Graça saiu para ingressar no futebol
de formação do Sport Lisboa e Benfica e Bruno Lage abraçou a primeira
experiência como treinador principal no União Futebol Comércio e Indústria,
histórico emblema da Associação de Futebol de Setúbal (AFS), pelo qual já
tinha passado o seu pai, Fernando Lage.

Em 2004, Bruno Lage chegou ao Benfica, de novo por influência


daquele que mais o marcou como treinador, Jaime Graça (Lage, 2017). No
futebol de formação do Sport Lisboa e Benfica, conviveu entre outros com
Nené, Bastos Lopes, José Henrique, Bento, Chalana, Valido e treinou todos
os escalões, das escolas aos juniores, passando por iniciados e juvenis,
tendo conquistado dois campeonatos nacionais e dois distritais. Importa
realçar que ao longo deste trajeto ajudou a desenvolver, entre outros,
jogadores como Bernardo Silva, Gonçalo Guedes, Ederson, André Gomes,
João Cancelo, Rony Lopes, Ivan Cavaleiro e Hélder Costa.

O percurso no Benfica teve um interregno de seis anos. Saiu em 2012


para o Al Ahli do Dubai (Lage, 2017). Foi aí que o seu caminho se cruzou
com o do também treinador Carlos Carvalhal, que iria treinar o clube árabe na
época seguinte. Com o atual treinador do Sporting Clube de Braga (SCB)
conheceu também a aventura do futebol inglês. Este foi um período em que
aproveitou para registar por escrito alguns dos seus pensamentos sobre o
jogo e o treino. Escreveu dois livros, um em parceria com Carlos Carvalhal,
intitulado “Futebol. Um saber sobre o saber fazer”, outro em autoria, com o
título “Formação. Da iniciação à equipa B”.

198
Bruno Lage destaca que a autonomia que era concedida pelo treinador
Carlos Carvalhal o ajudou a evoluir para se tornar um treinador profissional,
na medida em que lhe proporcionou estar inserido em contextos de alto
rendimento e desde uma posição secundária analisar e refletir sobre tudo que
foi sendo feito. Esta ideia pode ser captada a partir do excerto abaixo
transcrito:

Há uma coisa que eu tenho clara noção, se não tivesse tido a


oportunidade de trabalhar com o Carlos Carvalhal, numa primeira fase ele
como coordenador do futebol de formação e eu como treinador da equipa b, num
dos clubes de maior dimensão no Dubai, o Shabab Al-Ahli Club, e depois mais
tarde, a experiência enquanto adjunto dele no Sheffield Wednesday Football Club
e no Swansea City Association Football Club, no Championship e na Premier
League, eu penso que não tinha tido a capacidade de fazer o percurso, com o
impacto positivo que julgo que tive, como treinador principal no Futebol de
Formação do Sport Lisboa e Benfica. (BL, p. 3)

O treinador entende ainda que todas as experiências práticas,


especialmente as que teve enquanto treinador adjunto, foram extremamente
importantes para o seu desenvolvimento. Como se pode constatar na
seguinte transcrição:

Estar por trás a ver o líder decidir, não necessariamente se acerta nas
decisões, ou não, se para nós faz bem ou se fez mal, é ver, antes de mais os
momentos em que se tomaram as decisões. Porque para mim, não é justo fazer
análise se a decisão é bem ou mal tomada em função do resultado do jogo. Justo
é ver e refletir se a decisão que se tomou teve o resultado pretendido ou não, em
termos efetivos, ou seja, aquilo que é o rendimento da equipa em todos os
aspetos: quer de metodologia; quer de organização do treino; quer de liderança;
quer nas questões técnico-táticas; quer na gestão de equipa; quer, inclusive
durante o jogo. E estar inserido numa equipa técnica dá-nos, pois, uma
aprendizagem riquíssima a esse nível. (BL, p. 3)

Importa ainda referir que o treinador, para além de atribuir capital


importância à experiência prática, também reconhece que para o seu
desenvolvimento enquanto treinador foram muito importantes os
conhecimentos teóricos adquiridos quer na faculdade, quer nos cursos de

199
treinador. O mesmo se pode constatar através da transcrição da entrevista
realizada:

As experiências pelas quais vamos passando; a capacidade de aprender e


evoluir; as experiências não só de fazer bem, mas também de fazer mal; tudo
aquilo que forem as nossas vivências quer ao nível da faculdade ou dos cursos de
treinador, são fundamentais para a forma como se entende o treino. No início os
cursos de treinador são estruturados de maneira a que possamos perceber muito
bem como é que as coisas estão divididas, que tipo de conteúdos é que existem
para ser abordados e que tipo de matérias é que existem para serem abordadas.
Depois indicam-nos um caminho, para nos ajudar a descobrir o nosso próprio
caminho. Para mim, a riqueza do curso de treinadores é essa mesmo. É, primeiro
pelas associações e depois pela federação, indicar-nos um caminho. (BL, p.
2)

Mais concretamente em relação ao processo de formação teórica


através da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), o treinador entende que
os cursos de treinador funcionam como um espaço de encanto pela
possibilidade de partilha com os outros. De acordo com o treinador Bruno
Lage a partilha, designadamente de conhecimentos e de experiências, é
objetivamente importante para o desenvolvimento profissional do treinador. É
também assim que o saber se renova continuamente ao longo dos dias em
que os treinadores têm que frequentar o curso de treinadores, resultando
numa espécie de formação continuada. Esta é uma ideia que se pode inferir
através da próxima transcrição da entrevista:

Os cursos de treinador ajudam-nos a refletir sobre as nossas experiências e


estimulam-nos a aprender, a evoluir, a descobrir e proporcionam-nos, também,
vivências com outros elementos que compõem os cursos, o que é
extremamente enriquecedor. Porque, para mim, os cursos de treinadores
também são ricos pelas experiências partilhadas por todos os colegas. Tudo isso
levam-nos a um enriquecimento muito grande. Em Portugal discute-se muito sobre
o treino do futebol, no entanto, na minha opinião, não existe só uma maneira de
treinar, não existe só uma metodologia. Este facto é o que proporciona a grande
riqueza desta modalidade. Isto é, em função das nossas experiências teóricas,
quer pelas faculdades onde estudámos, quer depois pela riqueza das experiências
práticas que vamos tendo e também pelas influências de outros treinadores com
quem nós trabalhámos, levam-nos a isso mesmo, a tentar descobrir o nosso
caminho e a decidirmos a nossa forma de trabalhar. (BL, p. 2)

200
Depois de ficarmos a conhecer os traços gerais do percurso do
treinador, a entrevista seguiu um rumo que nos permitisse ficar a saber
melhor como o treino é gerido. Para uma melhor compreensão do processo
foi sugerido pelo treinador, no início da entrevista, que também os adjuntos
Nelson Veríssimo e Alexandre Silva facultassem o seu testemunho. Deste
modo, também porque foi sugerido pelo treinador principal, como se pode
constatar através da transcrição abaixo, as falas transcritas fazem referência
à equipa técnica (ET).

Álvaro entendo que a entrevista ficará mais rica se conversares


também com o Nelson Veríssimo e com o Alexandre Silva. Assim, sugiro que
se partam estes seis grandes blocos de perguntas por três pessoas e que a
entrevista posteriormente faça referência à equipa técnica do SLB (19/20). (BL, p.
1)

No próximo ponto analisar-se-á a perspetiva da equipa técnica do SLB


na época 19/20, acerca do jogo e da equipa de futebol.

2.1.2. O jogo e as ideias para o jogar

De acordo com a equipa técnica o jogo de futebol é composto por duas


equipas que tentam organizar os jogadores de modo que as interações e
comportamentos tenham um propósito. Esta ideia pode ser percebida através
da transcrição do excerto da entrevista abaixo exposto:

Por exemplo, uma equipa que joga em bloco baixo. A forma de jogar
idealizada pelo treinador, influenciada pelas caraterísticas dos jogadores, é
colocar o passe longo, na profundidade, para potenciar ou para explorar as
caraterísticas dos seus médios-ala e do ponta de lança. Neste caso, o passe
longo, sob o ponto de vista da técnica, é bem executado. Porquê? Porque o passe
chega onde o treinador quer. O central faz o passe, o passe chega ao ponta de
lança, há continuidade no jogo. No entanto, provavelmente esse é um tipo de
passe que já não fará muito sentido numa equipa com outra ideia de jogo, por
exemplo uma ideia de jogo em que o bloco defensivo pode estar posicionado num
bloco médio e em que o treinador procura um ataque mais posicional e
organizado. Ou seja, por si só, analisada do ponto de vista individual, o passe
longo enquanto ação técnica até pode ter sido bem executada porque teve
eficácia uma vez que chega ao ponta de lança e há seguimento na ação. Porém,

201
se levarmos em conta a ideia de jogo implementada para a equipa, apesar de até
ter tido sucesso, se calhar não faz grande sentido. Ou seja, eu acho que
qualquer ação técnica para ser de qualidade tem que estar associada com a
ideia de jogo. (ETSLB18/19, p. 4)

O modo como o jogo é perspetivado motiva que os jogadores nos dias


de hoje sejam portadores de algumas caraterísticas fundamentais para que o
desempenho seja eficiente. Essas caraterísticas podem ser identificadas a
partir da transcrição:

Na minha perspetiva, o jogador de qualidade é aquele jogador que antes de


receber a bola já leu o contexto, já conseguiu antecipar e já sabe onde é que vai
colocar a bola. (ETSLB18/19, p. 6)

Para que não restassem dúvidas acerca das principais caraterísticas


dos jogadores de qualidade, enquanto entrevistador, decidi colocar uma nova
questão “Ou seja, para si, o jogador do presente, e eventualmente do futuro, será aquele
que manifesta leituras ajustadas, perceções afinadas, grande capacidade de concentração
na maioria do tempo de jogo?” (AFV, p. 6 e 7). A resposta pode ser conhecida

através da transcrição abaixo:

Claramente. Há jogadores, neste contexto de alto nível, que recebem a


bola e depois é que pensam naquilo que vão fazer, mas há aqueles que quando
recebem, nós sentimos claramente, pelo posicionamento do corpo ou pela forma
como têm os apoios, eles já sabem o que vão fazer e onde vão meter a bola, já viu
à frente, muito antes. Ter essa capacidade, é uma mais-valia neste contexto,
claramente. (ETSLB18/19, p. 6 e 7)

Com o desenvolvimento da entrevista foi ficando cada vez mais claro


que para esta equipa técnica ter uma ideia de jogo (i.e., uma ideia de como
se quer que os jogadores se comportem durante as várias fases e momentos
do jogo), é de capital importância. Depreende-se a partir da entrevista que é
importante que a equipa seja dotada de princípios de interação que são
transmitidos e treinados o mais cedo possível, de modo que a equipa os
consiga por em prática logo no primeiro jogo. O mesmo se pode constatar a
partir da seguinte transcrição:

Entendo que é muito importante ter uma ideia e transmiti-la de forma


muito concreta. É importante que os jogadores saibam desde o início aquilo que

202
queremos em termos de organização coletiva nos vários momentos do jogo e por
isso tentamos logo colocá-los em prática num primeiro jogo de treino e fazer a
construção do planeamento a partir daí. (ETSLB18/19, p. 8)

Portanto, para a equipa técnica liderada por Bruno Lage ter uma ideia
de jogo é fundamental. Esta perspetiva vai de encontro a outros autores e
treinadores de entre os quais se podem destacar Carvalhal (2014), Cruyff
(2012), Frade (2011, 2013a, 2013b), que também defendem que é condição
necessária para o êxito que os treinadores tenham uma ideia do que
pretendem que as suas equipas façam em campo.

Todavia, o treinador salienta que não basta ter a ideia de como se quer
que a equipa resolva os problemas que o jogo vai proporcionando. É
necessário perceber desde logo, como se pode constatar através do excerto
transcrito, se os jogadores de que dispõe se ajustam aos princípios que quer
implementar.

O treinador tem de seguir um caminho. Por isso é importante escolher um


caminho para a partir daí treinar seguindo esse caminho e essa ideia de jogo. No
entanto, entendo que tem que haver um equilíbrio entre aquilo que é o
caminho que o treinador quer e aquilo que é o contributo de cada um dos
jogadores, aquilo que cada um oferece. (ETSLB18/19, p. 9)

Adicionalmente o treinador entende que apesar de se ter um caminho


para seguir, construído e enriquecido com o contributo das caraterísticas dos
jogadores, é importante não descurar que durante o jogo a sua equipa
também tem preocupações estratégicas (i.e., tem preocupações com as
caraterísticas dos adversários que defronta). O mesmo se depreende a partir
da transcrição:

Ou seja, para além da cultura tática do jogador, o posicionamento coletivo


que o treinador quer, importa perceber como é jogar contra o adversário que
apresenta sistemas táticos que podem ser distintos e adversários com
caraterísticas distintas. Portanto é importante contemplar um pouco destas três
coisas. (ETSLB18/19, p. 8 e 9)

Todavia, importa referir que as caraterísticas do adversário têm apenas


uma pequena influência, ao nível de pormenores, na dinâmica específica da
equipa. O mesmo se depreende a partir do excerto transcrito:

203
Por exemplo, nós fizemos agora dois jogos de treino, no torneio
internacional, com duas equipas italianas, mas que apesar de serem do mesmo
país eram completamente distintas. Uma das equipas oferecia-nos espaço interior
para jogar e nós explorámos esse pormenor ao máximo com os nossos alas por
dentro, tentando propiciar que a largura fosse dada pelos nossos laterais. No jogo
seguinte, uma equipa diferente, uma equipa a jogar em losango com dois
avançados e a fechar muito o espaço interior. Neste caso nós optamos pelo
espaço exterior para tentar criar perigo. Tivemos maior cuidado para que os
nossos alas e laterais jogassem por fora, mais abertos, optando por colocar menos
gente por dentro. Ao mesmo tempo tentámos ter a capacidade de procurar jogar
através dos corredores laterais, se numa primeira fase não conseguíssemos,
então, tentávamos sair tendo a noção que o adversário ao nos pressionar vem
com todos para um corredor e nós estando preparados para esse facto, ter a
capacidade com um ou dois toques sairmos no corredor contrário, mantendo os
jogadores em largura para propiciarmos essa saída. Portanto as alterações são
sempre em função disto. Vamos querer sair? Vamos. Que tipos de espaços
existem? Queremos fazer isto de determinada maneira porque é a nossa
ideia, então que tipo de espaços é que o adversário nos vai oferecer? E é
tentar explorar isso. (ETSLB18/19, p. 10 e 11)

Portanto, as influências sobre esta ideia de jogo não terminam nas


caraterísticas dos jogadores, existe também a preocupação com os
adversários que se defrontam. Para que os comportamentos desejados se
evidenciem em jogo e os jogadores se articulem é necessário treinar.

Neste sentido, optou-se por criar outra categoria que se destina a


aprofundar as caraterísticas do processo de treino orientado por esta equipa
técnica, a qual se designa treino do jogo de futebol e se apresenta de
seguida.

2.1.3. O treino do jogo de futebol

Em relação à temática do treino, Bruno Lage e os restantes elementos


da equipa técnica entrevistados entendem que os objetivos das sessões
práticas se prendem essencialmente com a necessidade de afinar
funcionalidades táticas e estratégicas. O mesmo se pode depreender a partir
do excerto: “os fatores que norteiam a construção das sessões e dos exercícios de

204
treino são na sua essência tático-estratégicos” (ETSLB18/19, p. 20 e 21). Esta ideia é

ainda reforçada no excerto abaixo transcrito:

Uma os conteúdos que o treinador quer ver trabalhados na sua equipa,


sempre em função da análise da própria equipa e porventura há semanas onde
dedica, por exemplo, maior volume de treino para trabalhar questões de ordem
defensiva, a organização da sua linha defensiva, mais setorial, mais intersetorial,
etc. No fundo constrói-se um esqueleto de conteúdos que suportam uma
ideia de jogo e os comportamentos dos jogadores. (ETSLB18/19, p. 17)

Ficou claro a partir da entrevista que o importante é, durante o período


disponível entre dois momentos de competição, melhorar os comportamentos
que são específicos da forma de jogar que o treinador pretende, não
descurando o tipo de problemas que os adversários podem causar. O mesmo
se percebe através do excerto transcrito:

Na nossa forma de trabalhar, a partir do primeiro jogo começamos a


olhar muito para o jogo, para aquilo que é o rendimento em termos coletivos
e individuais do próprio jogo e depois o outro lado é perceber que tipo de forças
que o adversário manifesta ou seja o que é que eles têm de bom, aquilo que
temos de ter algum cuidado. Por exemplo, controlar o poder ofensivo do
adversário e que tipo de oportunidades é que o adversário nos oferece para nós
termos sucesso. Por isso, há sempre aqui um olhar entre aquilo que foi o nosso
rendimento do último jogo, as coisas que eu acho que têm que ser trabalhadas de
uma forma natural para ser uma consequência no jogo que faz parte da
organização da equipa e depois as questões estratégicas para o jogo seguinte.
(ETSLB18/19, p. 10)

Ou seja, são criados “exercícios que de alguma forma ajudam ao posicionamento


coletivo que nós pretendemos, isto numa primeira fase.” (ETSLB18/19, p. 9). Com esta

proposta de exercícios, “a ideia é ajudar os jogadores a ter uma cultura tática melhor” e
à medida que o campeonato decorre, a essa cultura adquirida através de
exercícios onde a tática é o fator norteador, acrescenta-se também na
construção dos exercícios as “questões estratégicas em função do adversário”
(ETSLB18/19, p. 9).

Atendendo à complexidade que envolve o treino e a construção dos


exercícios, optou-se por criar duas subcategorias, uma subcategoria que diz
respeito às caraterísticas dos contextos de prática e outra referente à

205
periodização do treino. Na próxima secção apresentam-se as caraterísticas
dos exercícios.

2.1.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios

Após a análise da entrevista, pode-se constatar que a maioria das


tarefas práticas são orientadas para a especificidade tática de uma forma de
jogar. Para tal, o treinador socorre-se da manipulação das variáveis do
exercício de modo a propiciar o aperfeiçoamento dos princípios do modelo de
jogo que se pretende afinar. Tal pode-se verificar através da transcrição
abaixo:

Por exemplo, para trabalhar a primeira fase de construção, podes


colocar os jogadores na posição e dar-lhes algumas ideias, eventualmente
podes dizer-lhes que a pressão do adversário pode ser com dois homens, com
três ou a fechar o espaço interior ou o espaço exterior, a nossa saída vai ser pelo
corredor entre central e lateral e vamos ser condicionados pelo adversário e
vamos ter que ter determinadas soluções. Ou, a saída pode ser pelo primeiro
médio ou pelo segundo que vem ligar por dentro, a pressão existe e partir daqui
temos que encontrar outras soluções e à medida que há um domínio maior sobre
estas questões das ideias que queremos para a nossa saída e em função das
caraterísticas do adversário ser com dois, com três, com quatro ou com seis
homens. (ETSLB18/19, p. 12)

Constata-se também que umas das principais caraterísticas dos


exercícios utilizados pelo treinador é que são quase na sua totalidade
representativos do jogo de futebol. O treinador entende que é fundamental
que os jogadores sejam incentivados, através dos exercícios propostos, a
tomar decisões idênticas às que têm que tomar durante o jogo. O mesmo se
pode depreender com as seguintes respostas:

Nós estamos a falar, também, sobre a complexidade dos exercícios. O que


nós fazemos é olhar para o jogo e tentar perceber quais são os problemas que os
adversários nos trazem e também olhar para a nossa equipa e perceber que
naquela situação a equipa não conseguiu corresponder. Ou seja, retirar do jogo
os cenários, para depois, em contexto de treino, os replicarmos, aumentando
sempre que possível, a complexidade e a dificuldade para níveis ainda mais
elevados. Este entendimento reside na ideia que, depois, à partida, quando os

206
jogadores chegam ao jogo, a diferença entre a complexidade inerente à
competição e ao treino não seja grande de modo a que os jogadores já estejam
preparados para as situações complexas que acontecem no momento da
competição. (ETSLB18/19, p. 5 e 6)

Se nós criarmos um exercício de treino que seja um bom contexto, com


determinada complexidade, que antecipe aquilo que os jogadores vão
encontrar no jogo, se calhar quando chegarmos ao jogo os jogadores acabam
por resolver, se calhar até de uma forma inconsciente porque no treino isso já
aconteceu. (ETSLB18/19, p. 7)

A terceira caraterística encontrada relaciona-se com a escala da


representatividade. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo de
futebol estejam presentes, por vezes, é necessário reduzir a escala da
complexidade propondo exercícios que estejam direcionados mais para um
ou outro momento de jogo ou para um ou outro setor da equipa. Tal não
significa que no mesmo exercício não estejam contemplados outros
momentos e outros setores, no entanto o foco da intervenção do treinador e
as variáveis propiciadoras estão pensados de modo a potenciar uns mais que
outros. O mesmo se pode depreender a partir o excerto:

É muito difícil treinar quando se começa a jogar de três em três dias. Por
isso, temos que ser muito específicos e temos de ser muito concretos naquilo que
queremos treinar. A fazer esse tipo de calendário, com jogos de três em três dias
de exigência máxima, há que ter esse cuidado. Por isso aquilo que nós
pretendemos é ser o mais objetivo possível e por vezes tem que se fazer de uma
forma setorial, intersetorial. Isto varia muito em função da semana, se tem jogo a
meio ou não e em função do regime bioenergético que nós entendemos que é o
melhor para aquele dia. Algumas vezes, com jogo a meio da semana, há coisas
que são treinadas no campo, mas a passo, com o mínimo desgaste.
(ETSLB18/19, p. 15)

O treinador também se referiu à necessidade de existir algumas


progressões pedagógicas que entende serem as mais ajustadas para que o
processo de aprendizagem se dê da melhor forma. De acordo com a equipa
técnica parece fazer sentido primeiro criar tarefas específicas e
representativas com níveis de complexidade inferiores que permitam que os
comportamentos aconteçam de uma forma regular, para depois se progredir
para contextos mais complexos que obrigam a comportamentos também

207
mais complexos, tal parece ir de encontro aos modelos preconizados por
Bunker & Thorpe (1982) e Musch et al. (2002).

A partir das transcrições abaixo é possível verificar o que o treinador


pensa:

Quando tu queres passar alguma ideia, que queres que seja objeto de
aprendizagem, quer seja de organização ofensiva ou defensiva, quer seja sobre o
coletivo, ou sobre o comportamento individual, ou setorial, ou intersetorial,
eventualmente, o melhor é que no início não haja grande oposição.
(ETSLB18/19, p. 12)

Podes criar essas dinâmicas sem oposição e, gradualmente, à medida


que sentires que aquilo que vais transmitindo está a ser adquirido, até
porque, a este nível, as coisas entram até de uma forma mais rápida, vais criando
várias progressões para os exercícios para que as coisas se concretizem.
(ETSLB18/19, p. 12 e 13)

Também podemos fazer, às vezes, de uma forma dirigida com alguns


adjuntos, ou alguns jogadores em situação passiva. Em alguns casos é
importante que tu lhe cries um contexto de jogo que tenha duas fases: há uma
construção e a partir daqui há uma situação de finalização mais rápida numa
segunda metade do terreno de jogo; ou fazer um exercício de uma forma mais
progressiva, um guarda redes, sete ou oito jogadores para tentar ligar com a
pressão contra seis, passando essa fase, situações de finalização de variada
ordem, até que depois tens que chegar aquilo que é o jogo e tirar sempre partido
dos momentos em que tu podes criar o jogo simples dez contra dez teres a
capacidade de filmar e perceber o que é que vai acontecer no jogo. Portanto, há
sempre uma progressão em que tu vais criando exercícios e aumentando a
complexidade e a dificuldade, em que as soluções de alguma forma estavam
orientadas e passam a deixar de estar orientadas e acontece aquilo que é
imprevisível e aleatório no jogo e o treinador vai vendo se o jogador vai dando
resposta de qualidade. (ETSLB18/19, p. 13)

Por último, logo a partir das primeiras sessões de treino dos períodos de
preparação semanal, assim como quando não é impossível realizar treinos
práticos, verifica-se que o treinador opta por fazer um tipo de treino que faz
fundamentalmente apelo à dimensão cognitiva dos comportamentos,
utilizando como ferramenta o vídeo e as imagens, como se pode constatar a
partir da transcrição abaixo:

208
Utilizamos muito a análise em vídeo, porque o jogador tem uma longa
experiência, tem a sua cultura tática e às vezes estas pequenas coisas vistas em
vídeo, eu acredito muito que ajudam muito no treino. (ETSLB18/19, p. 15)

De modo a ir de encontro aos objetivos do nosso trabalho decidiu-se


abrir uma subcategoria que se refere à periodização do treino do futebol, que
a seguir se apresenta.

2.1.3.2. A periodização do treino a partir da especificidade e


representatividade

Quando as questões se relacionaram com a periodização treino,


percebe-se que a estrutura utilizada para guiar todo o planeamento tem como
base uma lógica semelhante ao morfociclo-padrão. O treinador salienta, tal
como é preconizado pela Periodização Tática criada por Vítor Frade, que a
estrutura do planeamento durante o período preparatório é igual à estrutura
utilizada durante o período competitivo. Para o treinador os objetivos desde o
período preparatório são claros:

No período preparatório tentamos fundamentalmente passar algumas


ideias relativas ao modelo de jogo e princípios que queremos ver
implementados na forma de jogar da nossa equipa. Período esse que é sem
dúvida alguma o período ideal porque em equipas com o quadro competitivo
extremamente preenchido muitas vezes o tempo que temos disponível para
trabalhar essas questões, da equipa e do modelo de jogo acaba por ser reduzido.
O que acontece é que mais à frente vamos ter muito pouco tempo. O tempo que
medeia as competições permite no fundo recuperar e trabalhar questões
estratégicas. Portanto a dimensão tática, os princípios que nós utilizamos como
referência para o nosso modelo de jogo acabam obviamente por ser a coisa mais
importante. Os outros fatores obviamente que também são fundamentais, mas
acabam por servir de suporte para aquilo que são as ideias que nós queremos ver
manifestadas no campo. (ETSLB18/19, p. 16)

Em dez dias, com mais ou menos doze a catorze treinos, tentámos dar
logo uma ideia dos princípios da nossa organização coletiva tendo em
atenção, também a necessidade de fazer evoluir os aspetos físicos. Depois
desses dez dias e dos doze, treze ou catorze treinos fazemos um primeiro jogo de
preparação. A partir desse primeiro jogo de preparação, o planeamento da
semana seguinte é em função daquilo que nós verificámos no jogo.

209
Trabalharemos para melhorar a eficácia dos jogadores de acordo com a ideia de
jogo. A partir deste primeiro momento, o resto da época é sempre assim,
preparação jogo a jogo. Por isso é muito importante termos essa ideia do jogo que
queremos e depois a partir daí vamos vendo. É importante não esquecer que
estamos num patamar em que os jogadores já sabem muita coisa e há muitos
conteúdos para trabalhar. (ETSLB18/19, p 7 e 8)

A organização utilizada contempla pelo menos duas dimensões


basilares, uma referente aos conteúdos de treino que se querem ver
expressos no comportamento dos jogadores e das equipas e outra dimensão
diz respeito ao tipo de solicitação em termos condicionais que se quer
promover. O mesmo se pode entender a partir do excerto abaixo transcrito:

Duas dimensões. Uma os conteúdos que o treinador quer ver


trabalhados na sua equipa, sempre em função da análise da própria equipa e
porventura há semanas onde dedica, por exemplo, maior volume de treino
para trabalhar questões de ordem defensiva, a organização da sua linha
defensiva, mais setorial, mais intersetorial, etc. No fundo constrói-se um
esqueleto de conteúdos que pretendem suportam uma ideia de jogo e os
comportamentos dos jogadores. Mas, ao mesmo tempo acabamos por direcionar.
Por exemplo, se eu não vou solicitar com esforços de alta intensidade por exemplo
sprints de alta intensidade logo numa primeira semana, ou esforços de grande
potência, logo aí já estou a condicionar o tipo de exercícios para outro tipo de
questões que incidam mais por exemplo na resistência ou exercícios mais
extensivos onde de facto surjam ali outros princípios que o treinador quer trabalhar
também ao nível intersetorial ou mais global e à medida que eles vão tendo
alguma capacidade. E não estamos a falar de muito tempo também é só o tempo
que nos permite garantir que o atleta não corre o risco de se lesionar. Depois sim,
começamos logo a introduzir todos os aspetos, mesmo dentro da
organização semanal, mais direcionado para a resistência, para a força, para
a potência, para a velocidade e regeneração. Passa a ser um microciclo muito
aproximado do microciclo do período competitivo. A direção que damos em cada
sessão de treino, imaginemos da potência, no dia menos quatro, está a uma
distância da competição que permite a recuperação para o jogo, menos três
normalmente a resistência, menos dois tarefas mais em velocidade, menos um
normalmente tem questões mais direcionadas para o plano estratégico e
regeneração. Numa lógica da natureza das contrações musculares. No fundo essa
dimensão condicional funciona como elemento que articula o microciclo.
(ETSLB18/19, p. 17)

210
Em relação ao período competitivo, o treinador mantém a mesma
estrutura para a planificação semanal (i.e., idêntica ao morfociclo-padrão da
Periodização Tática criada por Vítor Frade). A organização semanal pode ser
percebida a partir da transcrição abaixo:

Pegando no exemplo anterior, no dia MD-3, partindo do princípio que


estaríamos num microciclo mais longo e estão todos recuperados, estaríamos a
falar em algo mais direcionado para a resistência em termos condicionais e
também sabemos que há maiores garantias de recuperar para o jogo colocando
este tipo de solicitações neste dia. Este pressuposto permite que o grande foco a
trabalhar naquele dia sejam as grandes dinâmicas da equipa. Para isso temos
obrigatoriamente que ter espaços de maiores dimensões onde possamos
desenvolver aspetos intersectoriais e globais, grandes dinâmicas coletivas.
(ETSLB18/19, p. 20)

Por exemplo no dia -1 ou até -2, em que por vezes já direcionamos alguns
exercícios para a dimensão estratégica da equipa em função daquilo que são as
caraterísticas do adversário, os exercícios já têm que contemplar isso. Potenciar
aspetos que queremos quero ver exponenciados no jogo porque sabemos que a
equipa adversária tem um ponto fraco num ou noutro aspeto do seu jogo, como tal
temos que potenciar isso nos exercícios para ver repetido esse comportamento.
Entrevistador (Álvaro) – Mas isso acontece só nos menos dois? Ou começa logo
no início da semana esse lado estratégico? Equipa técnica – Esse lado
estratégico surge mais na segunda metade da semana porque também
temos muita preocupação com a identidade da própria equipa e o
desenvolvimento do jogador. (ETSLB18/19, p. 21)

Quando durante o período competitivo existe mais do que um jogo, é


necessário fazer ajustes ao morfociclo-padrão, que se podem entender a
partir do excerto abaixo transcrito:

No fundo neste contexto acaba por ser uma grande parte da época, ter um
jogo por semana acaba por ser uma exceção. As alterações são grandes na
medida em que muitas vezes recuperamos para jogar. No entanto não deixamos
de treinar, o treino não pode é ter um impacto físico considerável porque temos de
promover a recuperação para o jogo. Nas nossas rotinas contornamos essa
questão fazendo muito apelo à análise em vídeo. A questão que referimos atrás
da importância de realizar um trabalho forte sobre os aspetos do nosso modelo de
jogo no período preparatório tem muito a ver com isso porque depois muitas vezes
não temos possibilidade de trabalhar no campo pelas razões descritas

211
anteriormente e passamos a fazê-lo muitas vezes através do vídeo com vista à
preparação do jogo seguinte, mas também com incidência em aspetos da própria
equipa que não correram tão bem ou pelo contrário correram muito bem e
queremos enaltecer. A complexidade da questão aumenta quando existe uma
heterocronia na recuperação dos jogadores, porque nem todos recuperam da
mesma forma, em virtude de n fatores e temos de ter isso em conta. Há jogadores
que recuperam totalmente em dois dias e outros que só em dois dias e meio, três
é que se apresentam completamente disponíveis e muitas vezes o terceiro dia já é
o dia antes da competição. (ETSLB18/19, p. 21 e 22)

Como forma de síntese final, apresentam-se, seguidamente, os pontos


mais importantes que caraterizam o modo como é dirigido pela equipa
técnica o processo de treino do futebol.

2.1.4. Em síntese

Com a entrevista à equipa técnica da época 2019/2020 do Sport Lisboa


e Benfica (SLB) podemos concluir que a periodização do treino é norteada
essencialmente pela distribuição de princípios da ideia de jogo criada pelo
treinador, adaptada às caraterísticas dos jogadores e ajustada, ao nível dos
pormenores, às caraterísticas dos adversários que se defrontam.

As sessões de treino são ocupadas, na sua maioria, com tarefas


específicas e representativas do jogo de futebol com os diferentes fatores
associados ao rendimento desportivo dos jogadores treinados de forma
sistémica, em função dos comportamentos táticos pretendidos e respeitando
simultaneamente a necessidade de os jogadores recuperarem e adquirirem
os índices fisiológicos específicos para competir.

Na Figura 3, encontram-se algumas das palavras que mais foram sendo


proferidas ao longo da entrevista e que ajudam a melhor ilustrar o
pensamento da equipa técnica liderada por Bruno Lage.

212
Figura 3

Frequência de palavras equipa técnica


SLB

2.2. Entrevista 2 – A perspetiva de Carlos Pinto

José Carlos Alves Ferreira Pinto, nasceu em 2 de março de 1973, é um


ex-jogador de futebol português que atuou como médio centro e atualmente é
treinador do Grupo Desportivo de Chaves (GDC).

Ao longo da carreira de treinador conquistou um Campeonato de


Portugal com o Sport Clube de Freamunde, que lhe permitiu ascender à
Segunda Liga de Portugal, e uma Segunda Liga de Portugal com o Clube
Desportivo Santa Clara, que lhe permitiu subir ao escalão máximo do futebol
português. Pode ainda contabilizar-se mais uma subida de divisão com o
Futebol Clube Famalicão.

Em virtude do seu currículo, Carlos Pinto foi incluído na seleção de


participantes desta investigação. A entrevista foi realizada em setembro de
2019 e teve lugar no Estádio do Mar, casa do Leixões Sport Clube.

213
2.2.1. A formação e percurso do treinador

Natural de Paços de Ferreira, Carlos Pinto iniciou a carreira sénior no


Rebordosa Atlético Clube na terceira divisão, em 1991. Um ano depois,
regressou ao Futebol Clube Paços de Ferreira, tendo participado durante
duas temporadas na Primeira Liga portuguesa. Posteriormente, ainda no
principal escalão do futebol português, representou o Sport Comércio e
Salgueiros entre 1998 e 1999.

Todavia, a carreira de Carlos Pinto enquanto jogador fez-se


essencialmente nas ligas inferiores, representando na segunda liga a
Associação Naval 1º de Maio, o Clube Desportivo Feirense e o Grupo
Desportivo de Chaves ao longo de seis temporadas. Dos tempos de jogador,
o agora treinador Carlos Pinto entende que há memórias que o ajudam
diariamente no exercício da sua profissão atual, essencialmente as memórias
relacionadas com os anos em que foi treinado, no GDC, pelo treinador
Leonardo Jardim, a quem reconhece grandes ensinamentos ao nível do que
ele considera ser fundamental para um treinador, a liderança. O mesmo pode
ser entendido a partir da transcrição seguinte.

Aquilo que eu mais admirei, embora na altura até tenha criticado, e fui um
bocadinho reticente em relação a situações que o Leonardo impôs no Chaves, que
foi a disciplina, o rigor e uma liderança muito forte. Depois valorizei muito e
percebi claramente que aquele era o caminho. Acho que o Leonardo foi aquele
treinador que mais me inspirou em termos daquilo que eu considero fundamental
que é a liderança. (CP, p. 2)

De facto, de acordo com Esteves (2009), liderar jogadores constitui um


desafio difícil, de enorme complexidade e exigência. Desde logo, porque o
ser humano apresenta como um dos objetivos principais a sua afirmação
individual a partir da qual será capaz de se concentrar nos interesses
coletivos (Esteves, 2009; LaMonte & Shook, 2004; Lourenço & Ilharco, 2007).
Tal facto ilustra como é difícil tentar aperfeiçoar interações entre jogadores
cujos objetivos particulares estão muitas vezes longe de ser compatíveis. Em
relação às questões relacionadas com a liderança, Carlos Pinto afirma o
seguinte:

214
...há uma coisa que tem de estar sempre presente na liderança, que é a
lealdade e frontalidade. Isso tem de estar sempre presente, percebes? Depois,
tens de estabelecer as regras com muita antecedência, juntamente com o grupo.
Não é chegar aqui e é assim e ponto final. Isso não acontece no futebol. Tem que
haver uma liderança partilhada com os capitães que depois passam ao grupo e as
regras são estabelecidas. A partir do momento em que essas regras são
estabelecidas tens que ser implacável com todos os jogadores, não pode haver
exceções. Agora, o fundamental na liderança é teres uma liderança com muita
frontalidade com os jogadores. Isso para mim é o mais importante. (...) Tens de
ser muito leal com os teus jogadores e muito frontal com os teus jogadores,
independentemente de o jogador gostar ou não gostar, porque muitas vezes, o
jogador não gosta, mas depois, mais à frente, vai valorizar. Isso já nos aconteceu
muitas vezes a nós. Agora, uma das questões que eu nunca vou abdicar, ser
muito frontal com os meus jogadores. (CP, p. 8)

Embora a temática da liderança não seja o objeto de estudo desta


investigação, afigura-se pertinente aludir alguns pressupostos. Em relação a
à liderança, Esteves (2009) sugere que uma das primeiras preocupações do
treinador se prenda com o convencimento de que o sucesso coletivo
beneficiará cada um deles. Para que esse convencimento seja alcançado, o
autor invoca um conjunto de caraterísticas que podem ajudar o líder a ter
sucesso.

Neste sentido importa, desde logo, que quem assume o papel de líder
seja um apaixonado pela profissão e um exemplo como profissional,
nomeadamente ao nível da integridade, do caráter e do respeito pelo outro
(Carvalhal, 2014; Castelo, 2019; Ciaschini, 2013; Cruyff, 2002, 2012;
Esteves, 2009; Kormelink & Seeveres, 1997).

Outra caraterística que parece ser relevante, prende-se com a


necessidade de quem lidera ser positivo e convicto no delineamento dos
objetivos futuros que pretende que a equipa alcance e que transmitem o
significado do presente (Carvalhal, 2014; Oliveira et al., 2006). Para alcançar
os objetivos, a noção de coerência poderá levar o líder a fazer acreditar os
seguidores que podem atingir os seus objetivos (LaMonte & Shook, 2004;
Lourenço & Ilharco, 2007). Nesta âmbito, a coerência assenta em delinear e
acreditar em objetivos que podem ser atingíveis (Batista, 2008; Esteves,
2009). Outra faceta importante da coerência diz respeito ao relacionamento

215
intragrupo, na medida em que os jogadores parecem valorizam a coerência e
a imparcialidade da resposta para situações idênticas com diferentes
pessoas, i.e., comportamento diferentes do líder para situações similares
podem levar à emergência de sentimentos negativos entre os liderados
(Esteves, 2009; Lourenço & Ilharco, 2007).

De acordo com Esteves (2009), também o companheirismo se afigura


uma aspeto relevante a ser levado em conta pelo treinador. De facto, parece
pertinente que o treino se manifeste como um momento de companheirismo
entre os colegas da mesma equipa, os treinadores e estes com todos
aqueles que estão direta ou indiretamente ligados ao grupo (Lourenço &
Ilharco, 2007; Neves, 2001). Para tal, sugere-se que o líder seja sensível e
humilde, se preocupe com as pessoas e saiba lidar com elas. A arrogância,
prepotência e vaidade parecem ser caraterísticas a ser evitadas ao extremo
(Bento, 2008).

Há também que levar em conta a necessidade de quem lidera ser


aberto ao diálogo (Lourenço & Ilharco, 2007). Neste sentido, liderar é também
direcionar o controle para os intervenientes (i.e., que os membros do grupo
podem pensar e questionar para que juntos, líder e jogadores cheguem às
melhores opções para a resolução dos problemas). A própria atribuição de
responsabilidades a cada elemento poderá ser benéfica na medida em que
assim o sucesso do grupo será resultado do esforço que cada um ofereceu
de si (Esteves, 2009; LaMonte & Shook, 2004; Neves, 2001).

Por último, face à cada vez maior interculturalidade presente nos seios
dos grupos de trabalho, um dos aspetos que parece relevante para uma
liderança eficaz, está relacionado com o respeito pelas diferenças inerentes
às culturas de cada um que compõe o grupo (Mesquita & Rosado, 2009).
Sugere-se que o treinador saiba aceitar o modo de vida de cada ser humano,
procurando eliminar aquilo que é negativo para o grupo (Esteves, 2009;
LaMonte & Shook, 2004; Mesquita & Rosado, 2009).

Depois de terminar a carreira de jogador, seguiu-se a profissão de


treinador. A primeira experiência de Carlos Pinto como treinador foi no
Futebol Clube Tirsense (FCT), no terceiro escalão do futebol português, em

216
2012, depois de terminar a carreira como jogador, no mesmo clube. Todavia,
seguir a carreira de treinador não era um objetivo, acabou por acontecer,
revelando-se, como se pode constatar pela transcrição abaixo, desde a
primeira semana de trabalho, uma paixão.

Curiosamente, numa fase inicial, nunca pensei em ser treinador de futebol.


Pensei, na altura, em ser adjunto, depois proporcionou-se ser treinador, no final da
minha carreira no Tirsense. A verdade é que logo na primeira semana gostei,
gostei muito. De treinar, do próprio treino, a envolvência do treino, a realização do
treino e senti que era, claramente, aquele caminho que tinha que percorrer dali
para a frente e abandonar a carreira de jogador de futebol. Por isso, não foi uma
coisa pensada antes, foi mais à frente. (CP, p. 1)

Depois da aventura no FCT, trabalhou com várias equipas de segundo


e terceiro escalão do futebol português, entre os quais o Sport Clube
Freamunde por duas vezes, nas épocas 2013/14 e 2015/2016; o Clube
Desportivo de Tondela, em 2014/15; o Grupo de Desportivo de Chaves, em
2014/15 e o Clube Desportivo Santa Clara, em 2015/2016.

Posteriormente, em julho de 2016, Carlos Pinto foi contratado para o


clube da sua cidade natal, o Futebol Clube Paços de Ferreira, que se
encontrava na primeira divisão. No entanto, a ligação ao clube terminou em
novembro. A 8 de dezembro do mesmo ano assinou contrato com o Clube
Desportivo Santa Clara, tendo deixado a equipa açoriana a 14 de maio de
2018, no final do seu contrato, depois de ter alcançado a promoção à
primeira divisão portuguesa.

Na época seguinte, Carlos Pinto manteve-se na segunda divisão, na


Associação Académica de Coimbra, de onde saiu a 1 de outubro de 2018 por
mútuo consentimento após ter sido eliminado da Taça de Portugal. Ainda na
mesma época, no dia 18 de março de 2019, foi contratado pelo Futebol Clube
Famalicão, da mesma liga, tendo vencido sete dos últimos oito jogos,
acabando por ser promovido ao principal escalão do futebol português. Dois
meses depois, no dia 24 de maio de 2019, Carlos Pinto assumiu o comando
do Leixões Sport Clube da segunda divisão portuguesa. Todavia, rescindiu
contrato no dia 18 de janeiro de 2020. Em maio de 2020 regressou a Grupo
Desportivo de Chaves, onde se encontra atualmente como treinador principal.

217
Para além de reconhecer grande importância à experiência enquanto
jogador de futebol, para agora ser treinador, Carlos Pinto também valoriza as
aprendizagens adquiridas durante os cursos de treinador e a convivência
com treinadores com vivências distintas que, quando partilhadas, podem
contribuir para o enriquecimento de todos e não apenas do próprio treinador.
O mesmo pode ser percebido através da transcrição abaixo:

Sim, as disciplinas (durante o curso de treinador) acabam por ser úteis no


dia-a-dia. Mas, sobretudo, a frequência no curso de treinador foi interessante
porque permite-te conhecer outros colegas da mesma profissão e acabas
por partilhar algumas coisas, trocar ideias, nesse sentido acho que é muito
positivo. (CP, p1)

Depois de se ficar a conhecer o percurso de Carlos Pinto, a entrevista


seguiu para o tema do treino, que a seguir se apresenta.

2.2.2. A ideia/modelo de jogo

Através da entrevista efetuada ao treinador Carlos Pinto, foi possível


verificar que também ele entende que a ideia de jogo, que também designa
de modelo de jogo, é algo central no processo, sendo que a mesma tem que
ser passada aos jogadores para que eles a coloquem em prática. Tal é
possível verificar no excerto transcrito:

Desde o primeiro dia, desde o primeiro dia que nós trabalhamos esta ideia
de jogo, desde o primeiro dia. É uma situação em que os jogadores chegam a
uma altura que, há umas palavras que as pessoas não gostam de utilizar que é, é
a situação que parece que fica mecânica. Não fica mecânico, há uma ideia de
jogo e os jogadores têm que estar completamente libertos dentro dessa ideia
de jogo. Em que depois têm, obviamente, comportamentos em que nós
trabalhamos e são fundamentais, e em que aquilo fica-se a jogar praticamente de
olhos fechados. Em que o jogador percebe claramente os comportamentos. (CP,
p. 12)

Para que os jogadores se sintam completamente adaptados à ideia e


consigam expressar as suas qualidades de forma natural é importante,
segundo o treinador, dispor de jogadores que melhor dão resposta às
caraterísticas da ideia/modelo de jogo. Isto porque as ideias/modelos de jogo

218
dos treinadores podem, por vezes, não ser as melhores tendo em conta as
caraterísticas de alguns jogadores. O mesmo pode-se depreender a partir do
excerto abaixo transcrito:

O modelo de jogo que tu idealizas, muitas vezes prejudica jogadores e


beneficia jogadores. Estás a perceber? Com muita facilidade. Por exemplo, um 6
para nós, aquele 6 mais posicional, tem muita dificuldade em jogar no nosso
modelo de jogo, que nós jogamos num 1/4/4/2 em que os nossos 2 homens do
meio são jogadores Box To Box, com qualidade de jogo. Se for um jogador mais
posicional já vai ter muito mais dificuldade em jogar na nossa ideia de jogo. (CP, p.
6)

O treinador realça que é muito importante que os jogadores se sintam


confortáveis dentro das ideias que são propostas. Caso isso não aconteça
pode ocorrer que os jogadores joguem bloqueados, porque a natureza deles
é outra. O mesmo se depreende através da transcrição dos excertos da
entrevista onde o treinador se refere ao momento em que entrou já no
decorrer da época numa determinada equipa:

O que é que nós trabalhámos? O mais fácil é tu dares continuidade ao


trabalho porque os jogadores se sentem confortáveis com aquilo, mas nós
sentimos que era muito importante, meter a nossa ideia de jogo porque
tínhamos jogadores para a nossa ideia de jogo. Nós fizemos uma análise ao
plantel e a realidade é que eles nos vêm dar razão. E não é fácil tu, em 8
semanas, mudares uma ideia de jogo completamente diferente, mas se tiveres
jogadores inteligentes, que interpretam a tua ideia e se identificam com ela, qual
foi a vantagem? Quando nós chegámos lá e entramos com o 1/4/4/2, houve
jogadores que adoraram aquela ideia, que se sentiram completamente livres
dentro daquela ideia, estavam demasiado presos na ideia anterior. (CP, p. 27)

Todavia, importa que se diga que o treinador entende que a


ideia/modelo de jogo que ele idealiza não deve ser entendida como um
manual de regras e instruções que o jogador deve decorar e que tem que
replicar na totalidade como se de uma fórmula matemática se tratasse. É
importante que a ideia/modelo de jogo permita alguma liberdade e autonomia
para os jogadores decidirem em função das circunstâncias. O mesmo se
pode depreender a partir da transcrição:

219
Repara, tu trabalhas uma ideia e trabalhas uma identidade desde o
início, não é? A preocupação do jogador é fazer aquilo que o treinador manda e
depois, com o tempo, o próprio jogador vai perceber que o jogo proporciona coisas
diferentes, e há aqueles jogadores inteligentes que têm essa intuição e trabalham
essa situação e é importante que haja liberdade da parte do treinador ou da
equipa técnica no sentido de os jogadores perceberem que esse tipo de
liberdade existe, no sentido de, muitas vezes, eles tomarem decisões
diferentes, porque o jogo está a proporcionar coisas diferentes. (CP, p. 9)

Em relação à origem das ideias/modelos de jogo, o treinador salienta


que a ideia é essencialmente “uma coisa em que tu acreditas, uma ideia de jogo em
que tu acreditas, em que tu levas os jogadores para essa ideia de jogo” (CP, p. 12).
Todavia, é inevitável que essa ideia tenha em atenção os jogadores que
compõem o plantel, segundo Carlos Pinto “as ideias também é um bocadinho em
função dos jogadores que tu tens (...) tens que aproveitar as caraterísticas dos jogadores.”
(CP, p. 21).

Outro aspeto relevante em relação à existência de uma ideia/modelo de


jogo, é que por vezes em função dos jogadores que compõem o plantel é
necessário contemplar que haja jogadores que não sejam obrigados a
realizar determinados princípios dessa ideia/modelo de jogo. Todavia, isso é
feito de forma consciente na criação da própria ideia/modelo de jogo, numa
equipa em concreto, como se pode constatar através da seguinte transcrição:

Por isso é que eu acho que o fundamental no futebol também é a


mensagem que tu passas e perceber que tipo de jogador é que tens à tua
frente, que tipo de mensagens é que tens de passar. Estás a entender? E há
jogadores que tu, dentro do campo, não lhes podes passar muita informação.
Claramente, não lhes podes passar informação. Há jogadores que não podes
passar informação nenhuma, tens que os libertar por completo e eles, com o
tempo, vão descobrir os caminhos. E há jogadores que, curiosamente, fazem isso
com muita naturalidade. (...). Estes 8 trabalham a nossa ideia de jogo, esta é a
nossa identidade, estes dois homens, liberdade total dentro do nosso processo.
(CP, p. 6)

Carlos Pinto entende que é fundamental que não haja um bloqueio


mental nos jogadores. Por vezes acontece que há jogadores que não têm a
mesma inteligência de jogo, não percebem o jogo e não têm os mesmos
níveis de concentração. Nesses casos todas as informações que se possam

220
passar, podem bloquear os jogadores porque eles vão estar preocupados em
fazer aquilo que o treinador pediu e isso vai bloqueá-los por completo porque
eles não perceberam. Quando o treinador identifica estes problemas, ele
entende que o melhor é “Desbloquear por completo. Libertamos os jogadores e eles
vão dar muito daquilo que nós queremos. (CP, p. 5)

Para melhor entender o alcance das palavras do entrevistado decidiu-


se, na qualidade de entrevistador, fazer um comentário em jeito de pergunta:
Porque esse pessoal, normalmente, também costuma ter alguma capacidade intuitiva, às
vezes para, embora não tenha a capacidade de pensar, mas tem capacidade para
reconhecer as oportunidades. (AFV, p. 5) Ao qual o treinador respondeu
perentoriamente: Exatamente. Essa é que é a nossa preocupação. É isso que eles
fazem.” (CP, p. 5).

Depois de ficarmos a saber um pouco sobre a necessidade de haver


uma ideia/modelo de jogo para orientar os jogadores em campo, a entrevista
foi direcionada para a temática do treino e por isso, para a análise da
entrevista decidiu-se elaborar uma nova categoria.

2.2.3. O treino para aperfeiçoar as tomadas de decisão de acordo com o


modelo de jogo

De acordo com Carlos Pinto, durante os dias que tem disponíveis para
treinar a equipa, o importante é afinar os comportamentos inerentes à
ideia/modelo de jogo implementada no contexto onde está inserido. Embora
sem nunca castrar a criatividade dos jogadores, na medida em que o
treinador entende que é impossível conseguir recriar no treino a totalidade de
comportamentos que podem ocorrer durante o jogo. Nem tal seria desejável.
Por isso, pese embora os objetivos do treino sejam afinar os comportamentos
táticos, tem que haver sempre espaço para os jogadores se adaptarem à
diversidade e à imprevisibilidade. A importância da tática enquanto fator
orientador do treino fica bem patente na transcrição abaixo:

“O fator mais importante é sempre a tática. Tem que haver sempre ou


quase sempre comportamentos táticos.” (CP, p. 33).

221
Não obstante, existem sempre preocupações com as caraterísticas dos
adversários que defronta e que obrigam a ligeiras adaptações por parte dos
seus jogadores, como se pode constatar através da seguinte transcrição:

Nunca alterar a nossa ideia de identidade. Nunca. (Treinador Adjunto:


Nunca o fizemos, nunca o fizemos) Mas temos ali algumas variantes que podemos
incluir (Treinador Adjunto: Exatamente). Podemos, por exemplo, o ala esquerdo,
neste jogo em casa, trabalhava muito o processo mais por dentro, em zonas
interiores, no próximo jogo já quero o ala esquerdo a trabalhar mais por fora, o
lateral mais por dentro. O ponta de lança que ia buscar o espaço de fora já faz a
aproximação por dentro. Temos ali algumas variantes que conseguimos
incluir. (CP, p. 13)

Mas também não se foca em demasia nisso porque por mais


observações que se façam apenas se consegue acertar num ou outro aspeto,
uma vez que os adversários também vão sempre alterando pormenores. O
mesmo se depreende a partir do excerto da entrevista abaixo transcrita:

Agora, tu trabalhas, praticamente, é uma ideia, depois as coisas


acontecem naturalmente, até porque o jogo proporciona-te muitas coisas
diferentes, muitas coisas diferentes. Depois é, é quase como as observações.
Vamos imaginar, nós observamos o Covilhã, o Covilhã joga em 1x4x2x3x1, o
Covilhã chega-te em 4/4/2, o que é que tens de fazer? Não te podes focar muito
nisso, tens de te focar em coisas mais importantes, como comportamentos-padrão
do Covilhã, bolas paradas, jogador A, B, C, vamos imaginar que o Covilhã tem um
jogador como o Machado, tem um jogador desequilibrador, o gajo é muito forte a
jogar da direita para dentro, o gajo bate muito bem na baliza, estás a perceber?
São estes pormenores que mais nos preocupam. Porquê? Porque o modelo do
adversário acaba por não ser muito preocupante para nós, não nos focamos muito
nessas situações. Só nos focamos mesmo nos comportamentos-padrão do
adversário, porque o adversário é muito forte mesmo nas bolas paradas,
claramente o ponto mais forte do Covilhã. Resumindo, é uma semana em que vais
trabalhar muito as bolas paradas, vais perceber que eles têm lá um jogador que é
fortíssimo e vais trabalhar a situação para, claramente, bloquear esse jogador.
(CP, p. 20)

Depois de se ficar a conhecer melhor os objetivos do treino, entendeu-


se ser conveniente saber quais as caraterísticas dos exercícios utilizados.
Neste sentido, criou-se uma subcategoria.

222
2.2.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios

De acordo com Carlos Pinto, é fundamental que a maioria dos


exercícios sejam específicos da forma de jogar e que reúnam as
caraterísticas do jogo, sendo que pele menos três delas têm que estar
presentes: “bola, baliza e competição, isso é fundamental.” (CP, p. 17). Portanto a
maioria dos exercícios são de natureza tática com a perspetiva de treinar a
organização da equipa. O mesmo se pode depreender a partir da transcrição
da resposta à seguinte pergunta: “Quais são assim os primeiros pilares”. (AFV, p. 10).

Tudo em simultâneo (Treinador Adjunto: Por norma fazemos tudo em


simultâneo). Tudo em simultâneo. (Treinador Adjunto: Tudo em simultâneo, mas
se há coisa que não se abdica, que não se abdica, é o aspeto tático, a
organização). É, isso é fundamental. (CP, p. 10)

É também referido que a especificidade e representatividade do jogo é


reduzida para níveis mais baixos, treinando-se algumas partes do jogo como
a fase ofensiva ou defensiva, ou um sector mais isolado. O mesmo se pode
depreender a partir da resposta às perguntas que foram sendo colocada: Por
acaso correu mal (...) vocês querem alinhar essa defesa melhor, trabalhar melhor isso e, por
exemplo, fazem-no como? Pegam nos 4 jogadores e fazem um treino mais sectorial,
imaginemos? (AFV, p. 22). “Não. Há momentos em que fazemos treinos sectoriais.
Momentos. Não é muitas vezes. Há momentos.” (CP, p. 22).

Ou imagina, constróis exercícios de 7 para 5?” (AFV, p. 22). “Também


acontece, também acontece esse momento. “E acontece aquele momento em que
se trabalham só aqueles 4 homens de maneira a que, por exemplo, tenha os 4
momentos do jogo? (AFV, p. 22)

Sim, sim, sim. Há, há momentos em que colocamos, por exemplo,


pomos aqui os 4 defesa, por exemplo, já aconteceu, e pomos os outros 4 de
frente, vamos imaginar, os 4 de frente… (Treinador Adjunto: Só a tocar.) Só a
tocar, saltou, que é para fazer logo os comportamentos que nós queremos, acaba
por ser sectorial. (CP, p. 22 e 23)

No entanto, neste particular o treinador acaba por optar por utilizar na


maioria das vezes formas jogadas, o que significa que apesar de estar focado
a aprimorar uma ou outra parte da equipa ou uma ou outra fase ou momento
do jogo, as outras fases ou momentos e as outras partes da equipa também

223
estão presentes. Carlos Pinto afirma ainda que, mesmo que esteja a preparar
a equipa no plano ofensivo, as preocupações de quem está a atacar nunca
se esgotam só nessa fase do jogo, pois quem ataca tem que perceber que
tem que atacar de determinada forma porque a qualquer momento pode ter
que transitar e passar para uma fase defensiva. O mesmo se pode
depreender a partir da transcrição abaixo:

Mas, mesmo dentro do processo ofensivo, aquilo que nós estamos a


trabalhar já é a nossa equipa preparada para o processo defensivo, em que
nós temos uma perda de bola, e os jogadores já sabem quais são as zonas que
têm que ocupar, resumindo, estamos a trabalhar os 2 momentos. (CP, p. 16)

Por vezes também são feitos alguns exercícios em que o foco é o


desenvolvimento de um padrão de contração muscular, como por exemplo a
tensão/força. Para tal são utilizados, na maioria das vezes, exercícios que
sejam jogo e aproveita-se para refinar algum princípio fundamental específico
de ataque ou defesa, como por exemplo uma cobertura defensiva. O mesmo
pode ser entendido a partir da seguinte transcrição:

Atualmente é possível fazer um trabalho de força muito bom dentro do


campo, com 2 balizas e bola, competição. (Treinador Adjunto: Agora, claro que
ao fazeres 2 para 2, no que é que ele se foca, por exemplo, nos equilíbrios,
na cobertura). (CP, p. 32)

Por vezes quando não há possibilidade para se treinar no campo, por


questões de gestão da fadiga, em que é necessário recuperar do esforço
despendido, então uma das ferramentas auxiliares é o vídeo. Como se pode
verificar através da transcrição abaixo:

Recuperação, plano estratégico e questões táticas, mais nada, durante


a semana. Tem de ser mais lento. Vídeo de vez em quando. Vídeo metemos
sempre um bocadinho, que é com o Machado, eu não vou lá, é o Machado que faz
isso com os jogadores. (Treinador Adjunto: Análise da nossa equipa e da equipa
adversária). (CP, p. 34)

Depois de se ficarem a conhecer as caraterísticas das tarefas de


preparação prática, de modo a ir de encontro aos objetivos do nosso estudo,

224
decidiu-se abrir uma nova subcategoria sobre a periodização do treino do
futebol, que se apresenta de seguida.

2.2.3.2. A periodização de acordo com a especificidade e


representatividade

Em relação à periodização do treino, Carlos Pinto é perentório em


assumir que desde o primeiro dia do período preparatório, que dura
sensivelmente 5 a 6 semanas antes do primeiro jogo oficial, até ao último dia
do período competitivo (i.e., período em que há jogos oficiais), as sessões de
treino são pensadas para trabalhar a ideia/modelo de jogo da equipa. Tal
pode ser entendido a partir do seguinte excerto da entrevista:

O nosso primeiro treino é igual ao último e é igual ao do meio. Nós não


chegamos à pré-epoca e damos grandes tareias aos jogadores. Não. Nós
começamos logo a trabalhar uma ideia e uma identidade, que para nós é
fundamental, é aquilo que nós mais gostamos de trabalhar, aquilo que mais nos
identificamos. (CP, p. 25 e 26)

A estrutura utilizada para a planificação semanal desde o início até ao


fim da época, com jogo de domingo a domingo contempla cinco treinos
semanais em que à recuperação ativa acontece à segunda-feira onde “já
metes a tua ideia de jogo ali dentro.” (CP. p. 16). Terça-feira é dia de recuperação

passiva, ou seja, é o dia de folga. Na quarta-feira normalmente, durante a


primeira metade do campeonato existem dois treinos, um de manhã onde a
preocupação é treinar mais a força/tensão, utilizando na maioria das vezes
exercícios que sejam representativos do jogo. Na quarta-feira de tarde, os
exercícios já estão mais “direcionados para a nossa ideia de jogo” (CP, p. 17). Onde é
feito um trabalho mais setorial e intersetorial. A partir de quinta-feira voltam a
ser predominantes os exercícios para aperfeiçoar a ideia de jogo, sendo que
neste dia são utilizados espaços maiores e o foco prende-se com a
organização coletiva. Sexta-feira são propostos exercícios que apesar de
estar focados na melhoria da organização da equipa também procuram que
se trabalhe a velocidade enquanto padrão de contração muscular. Sábado é

225
um dia em que a atenção está voltada para as bolas paradas e os exercícios
propostos tem pouco estorvo e é utilizado muitas vezes o dez contra zero.

Quando existem semanas com mais do que um jogo, então entre


momentos de competição os dias são ocupados com exercícios de
recuperação ativa, onde se trabalha a uma intensidade mais baixa e ritmos
mais lentos e com volumes mais baixos e maiores intervalos entre os
esforços. O mesmo se depreende a partir da transcrição abaixo:

(Treinador Adjunto: Recuperas e organização). Praticamente fazes 2 por


semana que acabam por ser 3, não é? Domingo, quarta, domingo. Numa semana
tens 3, praticamente só dá tempo de recuperar. Recuperar, organização e em
termos estratégicos também, o adversário. Praticamente é só isso que fazes. É.
Recuperação, plano estratégico e questões táticas, mais nada, durante a semana.
Tem de ser mais lento. (CP, p. 34)

Seguidamente apresenta-se uma breve síntese da entrevista realizada


ao treinador Carlos Pinto.

2.2.4. Em síntese

De um modo geral, retira-se da análise à entrevista ao treinador Carlos


Pinto, que a periodização do treino é orientada a partir da seleção dos
conteúdos (i.e., princípios da ideia/modelo de jogo), que se querem ver
expressos no desempenho dos jogadores nos momentos de competição.

A ideia/modelo de jogo é construída tendo por base os gostos do


treinador levando em consideração as caraterísticas dos jogadores que
compõem o plantel. O treinador entende que esta ideia/modelo é um
referencial teórico que serve para ajudar os jogadores a interagir dentro de
campo. Entende, porém, que tal ideia/modelo não deve ser demasiado
fechada e que convém que haja abertura para que os jogadores expressem
alguma criatividade em função das circunstâncias naturais do jogo.

As sessões de treino são ocupadas quase na totalidade com tarefas


práticas cujo objetivo é refinar os comportamentos táticos com interação
sistémica de todos os fatores associados ao rendimento desportivo, sem

226
hipotecar a necessidade de recuperar e adquirir os índices fisiológicos entre
um jogo e outro. Não obstante, por vezes, na primeira metade da época, à
quarta-feira são realizados treinos bidiários. O treino da manhã é
normalmente direcionado para o desenvolvimento de um padrão de
contração muscular, com muitas situações de travagens e acelerações
promovendo contrações concêntricas e excêntricas em curtos espaços,
através de exercícios com maior ou menos grau de especificidade e
representatividade do jogo de futebol.

A Figura 4, representa algumas das palavras mais repetidas ao longo


da entrevista e que ajudam a ilustrar o pensamento do treinador.

Figura 4

Frequência de palavras Carlos Pinto

2.3. Entrevista 3 – A perspetiva de Carlos Carvalhal

Carlos Augusto Soares da Costa Faria Carvalhal é um ex-jogador e


atual treinador de futebol português. Atualmente comanda o Sporting Clube
de Braga.

Carlos Carvalhal tem tido uma carreira nacional e internacional com a


conquista de alguns títulos, entre os quais se destacam uma Taça da Liga no
comando do Vitória de Setúbal em 2008, e duas subidas de divisão nos

227
escalões secundários de Portugal, com o Vitória Futebol Clube e com o
Leixões Sport Clube, em 2004 e 2003, respetivamente.

Em virtude da sua vasta experiência em vários campeonatos e dos bons


resultados alcançados, decidiu-se que reunia as condições para ser um dos
treinadores selecionáveis para a presente investigação.

A entrevista foi realizada em Vila do Conde, no Estádio dos Arcos, em


setembro de 2019.

2.3.1. A formação e percurso do treinador

Como jogador, Carlos Carvalhal totalizou 197 jogos na primeira Liga de


Portugal ao serviço de seis clubes diferentes. Nascido em Braga, Carlos
Carvalhal jogava como defesa e representou principalmente o clube da sua
cidade natal, o Sporting Clube de Braga. Na temporada 1987-88, em uma
das suas três passagens pelo clube, teve o seu melhor desempenho
na primeira liga com 34 jogos. Na temporada seguinte, Carlos Carvalhal teve
a oportunidade de se transferir para o Futebol Clube do Porto. Até ao fim da
sua carreira, passou ainda pelos SC Beira Mar, Sporting Clube de Braga
novamente, Futebol Clube Tirsense, Grupo Desportivo de Chaves e Sporting
Clube de Espinho, onde terminou a carreira aos 32 anos de idade.

Carlos Carvalhal considera que a experiência como jogador foi


importantíssima para a eficiência do seu desempenho enquanto treinador,
nomeadamente ao nível da liderança e do conhecimento do funcionamento
de um grupo de jogadores que partilham o mesmo balneário diariamente. O
mesmo se pode depreender a partir da transcrição seguinte:

O fato de ter sido jogador foi importantíssimo. Eu não teria sido o


mesmo treinador hoje se não tivesse sido jogador. Perguntas-me assim, mas sob
o ponto de vista da metodologia? Não. Mas sob o ponto de vista da vivencia de
um grupo, da liderança, do ter que fazer em cada momento, do compreender
melhor os jogadores, de como os jogadores pensam, nos diversos tipos de
personalidade que tens à frente, eu vivi isto durante 16 ou 17 anos como jogador.
Portanto conheço por dentro e por fora o que é um balneário, (i.e.,) as
personalidades, vi como é que os treinadores agiam com os jogadores, via a

228
reação dos jogadores... Portanto fui aprendendo com todos os treinadores que
tive, aquilo que eu devia fazer e que não devia fazer. (CC, p. 1)

Carlos Carvalhal começou a carreira como treinador, justamente, na sua


última equipa como jogador - o Sporting Clube de Espinho - na segunda liga
portuguesa, tendo terminado a ligação ao clube no começo da segunda
temporada. O treinador conta que a paixão pelo treino começou bem cedo,
ainda na adolescência e que foi sempre um objetivo, tendo inclusive
planeado o seu percurso académico de modo a adquirir conhecimentos na
área do treino. Tal pode ser entendido a partir do excerto abaixo:

Acho que está comigo, sinceramente. Acho que já está comigo. Eu com
14 anos jogava no Braga (Sporting Clube de Braga, SCB), era jogador do Braga
(SCB) nas camadas jovens, nos iniciados salvo erro, num torneio organizado pelo
Braga (SCB), nas férias, fiz uma equipa lá no meu bairro e fui o treinador dessa
equipa, ganhámos o torneio, ganhámos ao Braga até na final. Talvez tenha sido a
minha primeira experiência como treinador, com 13 ou 14 anos. Eu senti que tinha
essa vocação, tanto é que eu fui para a Faculdade de Desporto com a ideia de me
preparar melhor para ser treinador e não para ir para a escola. Já fui com essa
intenção, esperei um ano para poder ser aluno do Vítor Frade, também foi outra
opção minha, tinha essa intenção também de ser aluno do Vítor Frade e quando
acaba a minha carreira começo imediatamente como treinador, já tinha esse
objetivo. (CC, p. 1)

Em relação à importância da formação teórica adquirida, quer na


Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), quer durante os
cursos de treinador ministrados pela Federação Portuguesa de Futebol
(FPF), Carlos Carvalhal salienta, tal como se pode verificar pela transcrição
abaixo, que ambas foram extremamente importantes para o seu dia-a-dia
enquanto treinador de futebol.

Tudo foi importante, a vivência, a minha vivência nos cursos de


treinador também foi importante, portanto a minha vivência na faculdade foi
importantíssima, com todos os professores mais de perto com o professor
Vítor Frade, porque eu estava na opção de futebol, obviamente. Mas com
todos os professores, na Faculdade de Desporto e mesmo até naquelas
disciplinas que nós naquela altura dizíamos que isto não se aprende nada e
depois mais tarde vimos a recordar muitos professores. Por exemplo,
aprendizagem motora, desenvolvimento motor, didática, posicionamento na sala

229
de aula, que acaba por ser o posicionamento no treino, pequenos pormenores que
marcam a diferença e tu relembrar e refletir ao ponto de dizeres, ainda bem que
eu andei na Faculdade de Desporto, ainda bem que eu tive estes professores
todos, aprendi com todos eles algumas coisas mais pequenas ou maiores que são
importantes. (CC, p. 2)

Em 2002, foi contratado pelo Leixões e o seu nome ficou marcado na


história do futebol português quando foi o primeiro (e até ao presente
momento, único) treinador que conseguiu classificar uma equipa da 2ª
divisão B (equivalente ao atual Campeonato Nacional de Seniores) para a
final da Taça de Portugal (perdeu para o Sporting Clube de Portugal por 1-0)
e consequentemente garantir um lugar na antiga Taça UEFA, atual Liga
Europa UEFA.

Na temporada 2003-04, Carvalhal ajudou o Vitória Futebol Clube


(Setúbal) a voltar à elite do futebol português. A boa campanha permitiu-lhe o
convite para trabalhar no Clube de Futebol Os Belenenses. Posteriormente
Carlos Carvalhal treinou o Sporting Clube de Braga e o Sport Clube Beira-
Mar.

Todavia, em 2007/08, Carlos Carvalhal voltou ao Vitória Futebol Clube


(Setúbal) e viveu, até aquele momento, o seu melhor ano como treinador,
liderando os sadinos à sexta posição na Primeira Liga de Portugal e a
consequente classificação para a Taça UEFA. Além disso, foi campeão da
primeira edição da Taça da Liga (frente ao Sporting Cube de Portugal).

Em Maio de 2008, Carvalhal aceitou o seu primeiro desafio de treinar


um clube fora do seu país. O português foi contratado para treinar o Asteras
Tripolis equipa da Super League Grega. Em fevereiro de 2009, Carvalhal foi o
escolhido para Clube Sport Marítimo, num contrato válido por uma temporada
e meia. Em 15 de novembro de 2009, teve a sua oportunidade num dos três
grandes clubes de Portugal. Foi confirmado como novo técnico do Sporting
Clube de Portugal (SCP) de Lisboa para substituir Paulo Bento tendo contrato
até ao final da temporada, com mais uma de opção. Rescindiu contrato com
o SCP depois de terminar em 4º lugar, e ter chegado aos oitavos de final da
UEFA Europa League.

230
Entre agosto de 2011 e abril de 2012 foi convidado para orientar, a título
provisório, o Besiktas JK de Istanbul. O técnico acabou por ser afastado após
mudanças na direção numa altura em que o clube se encontrava em
dificuldades financeiras. Permanecendo na mesma cidade turca, Carvalhal foi
então contratado como treinador do Istanbul Basaksehir FK em Maio de
2012.

Depois de uma passagem pelo Dubai, onde coordenou uma academia


de futebol, em 30 de junho de 2015, Carvalhal começou a treinar o Sheffield
Wednesday Football Club equipa do Championship de Inglaterra equivalente
à segunda divisão do futebol inglês. Nessa temporada conseguiu ficar em
sexto lugar, e consequentemente qualificado para jogar os play-offs de
acesso a Premier League, a primeira divisão da Inglaterra, perdendo na final
em Wembley. Ainda assim, teve feitos notáveis, como por exemplo eliminar o
Arsenal na quarta ronda da Taça da Liga Inglesa com uma vitória de 3-0. Em
maio de 2017, após conseguir colocar o Wednesday em quarto lugar,
Carvalhal tornou-se o primeiro português a ganhar o prémio de melhor
treinador do mês no Championship. Levou a equipe aos play-offs novamente
e perdeu para o Huddersfield Town nos penáltis. Em 24 de dezembro 2017,
saiu do Sheffield Wednesday.

Quatro dias depois tornou-se treinador do Swansea City, que jogava na


Premier League. No seu primeiro jogo ganhou 2-1 contra o Watford FC fora
de casa, liderado pelo seu compatriota Marco Silva. Após as duas vitórias
seguidas em casa sobre o Liverpool FC (1-0) e o Arsenal FC (3-1), foi
nomeado o Melhor Treinador da Premier League do mês de Janeiro. Em 18
de Maio de 2018, após o rebaixamento do Swansea City, Carvalhal deixou o
clube.

Carlos Carvalhal retornou a Portugal um ano depois para assumir o Rio


Ave Futebol Clube. Na sua única temporada, teve grande destaque ao liderar
a equipe de Vila do Conde à classificação para a UEFA Europa League
finalizando a Primeira Liga portuguesa em quinto lugar com 55 pontos,
melhor pontuação da história do Rio Ave no campeonato. Em 28 de Julho de
2020, dois dias após anunciar sua saída do Rio Ave, Carvalhal assina um

231
contrato de dois anos com o Sporting Clube de Braga, retornando assim ao
clube de sua cidade após 14 anos.

Carlos Carvalhal salienta que todos os anos que leva como treinador,
em diversos contextos competitivos, têm sido uma grande escola, uma
espécie de formação contínua essencial, onde se vai aprendendo
diariamente a ser melhor treinador. Tal pode-se depreender a partir do
excerto abaixo:

Tudo é importante, tudo é importante. A gente aprende com toda a gente,


aprende em todos os contextos, tudo se aprende. No entanto, não tenho dúvida
nenhuma que a maior aprendizagem é no terreno. Aí sim, aí é onde nós
aprendemos tudo. (CC, p.1)

2.3.2. Jogar de acordo com ideias

Com a realização da entrevista ao treinador Carlos Carvalhal, a consulta


ao livro: “Futebol. Um saber sobre o saber fazer” Carvalhal (2014) e a leitura
da entrevista concedida ao Tribuna Expresso (Carvalhal, 2020), pode-se
concluir que também ele valoriza a necessidade de haver uma ideia de jogo
que sirva de orientação para os comportamentos dos jogadores em campo.
Tal pode ser entendido através do excerto da entrevista realizada:

Naturalmente que nós, não é só o aspeto ofensivo, no aspeto defensivo,


nas transições, também. Neste caso, nós temos que olhar sempre uns para os
outros, os jogadores dependem uns dos outros, eles têm que estar em
relação uns com os outros. Há princípios defensivos que são comuns aos 11
jogadores que estão em campo, há princípios ofensivos comuns aos 11 jogadores,
princípios nas transições que são comuns aos 11 e basta um não fazer para que
as coisas não funcionem, mas isso é lógico é normal, nem podemos admitir um
jogador que não esteja alinhado com os princípios gerais da equipa. (CC, p. 10)

Porém, importa que essa ideia de jogo permita que os jogadores


explorem todas as possibilidades de êxito que o jogo e o adversário consente
durante a competição. Portanto, os princípios que emolduram uma ideia de
jogo são direcionados para todas as fases e momentos do jogo, mas mantêm

232
sempre abertura para explorar as circunstâncias do jogo, como se pode
constatar através do excerto da entrevista realizada:

Perguntaram-me no início da época que tipo de equipa eu queria para este


ano. Eu fui muito claro, eu quero uma equipa que seja predominantemente de
controlo do jogo com bola, é o nosso propósito, mas que seja muito forte e
equilibrada, que transite defensivamente muito bem, que defenda muito bem
e que seja muito forte nas transições ofensivas. Portanto eu não sou
apologista de ter uma equipa forte, as vezes eu digo, a minha equipa é muito forte
em organização, eu prefiro que a minha equipa seja muito forte em organização,
mas que seja uma equipa que seja muito forte no seu processo defensivo, que
seja muito forte a transitar também, eu prefiro assim. Portanto esse é o meu
propósito, é tentar que a minha equipa seja muito forte em tudo e não que seja
uma equipa predominantemente de posse, só posse. E depois? Não se equilibra,
não transita defensivamente, não sabe utilizar os espaços do adversário a
determinada altura em que a minha equipa seja obrigada a defender, tem espaço
para contra-atacar e não saiba utilizar velocidade. Eu acho que é possível treinar-
se isto tudo. (CC, p. 7)

O facto de haver uma identidade coletiva que ajuda a orientar os


comportamentos dos jogadores, segundo Carlos Carvalhal, faz com que as
ações técnicas, como um passe, só tenham eficácia se o recetor receber a
bola, que tem uma intenção (i.e., uma intenção coletiva) que também obriga a
que a receção seja feita com a intenção de dar sequência. O mesmo se
depreende a partir da transcrição:

Para mim num bom passe e numa boa receção, há uma intenção no
passe e depois há uma boa receção para dar sequência ao próximo passe ou
a algo que vai acontecer a seguir, portanto isso significa que existe um bom passe
e que existiu uma boa receção. (CC, p. 2)

O treinador acrescenta que apesar de jogar em função das suas ideias


também se preocupa com a maximização dos jogadores que tem, tentando
tirar proveito dos melhores jogadores para os colocar confortáveis em campo
de modo a poder extrair deles o máximo, porque é assim que entende que
consegue um nível de rendimento mais elevado para o coletivo. Depreende-
se que a ideia de jogo acaba sempre por sofrer alguma influência em função
dos jogadores que compõem o plantel. O mesmo se pode deduzir a partir da

233
resposta à questão “existe uma adaptação da ideia à realidade?” (AFV, p. 8), abaixo
transcrita:

Obviamente, mas isso penso que fará toda a gente, mesmo o Guardiola.
Isso fará toda a gente. Se o Guardiola tiver o lateral direito extremamente ofensivo
porque o conseguiu ir buscar e o lateral esquerdo nem tanto, ele vai maximizar o
lateral direito em detrimento do lateral esquerdo que é menos ofensivo, isso não
tenho dúvidas nenhumas, ele vai fazê-lo, agora não vai perder a sua identidade
por causa disso como é óbvio, mas vai maximizar o jogador individualmente
de certeza absoluta. (CC, p. 8)

Ainda sobre a importância de fazer adaptações relativamente à ideia


original, Carlos Carvalhal entende ainda que é importante que o treinador
seja dotado de alguma arte para perceber o que pode ser feito para melhorar
a performance individual e coletiva dos jogadores:

Nós tínhamos uma matriz, que está colocada no subconsciente dos


jogadores e se calhar um posicionamento diferente mais confortável para os
jogadores libertou-os para conseguirem jogar melhor do que o que estavam a
jogar antes, mas isso lá está, isso é a arte do treinador. Perceber em cada
momento, não se agarrar só aquilo que o treinador acha que é, mas dentro daquilo
que o treinador acha que é, perceber que tem jogadores à sua frente que se
vão sentir mais cómodos, se calhar uns dez metros à frente no campo outros
cinco metros abaixo do outro, se calhar mais à esquerda do outro eles vão-
se sentir mais confortáveis. (CC, p. 12)

Por fim, Carlos Carvalhal salienta que não chega que o treinador defina
uma forma de jogar alicerçada nas suas ideias e emoções. Para que os
jogadores manifestem na prática uma identidade, uma forma de jogar, é
essencial criar exercícios que permitam o aparecimento:

...de uma dinâmica e também que o treinador faça apelo às suas


competências emocionais para conseguir passar aos jogadores aquilo que
ele pretende, para marcar mais ou menos aquilo que ele pretende. E a partir
daí tens uma construção de uma identidade. (CC, p. 8)

Todavia ao nível do pormenor também há ajustes que podem e devem


ser feitos de modo a potenciar o sucesso da equipa que treina, maximizando
as suas qualidades através da exploração das insuficiências das equipas

234
adversárias e minimizando as suas carências em função das valências do
opositor:

Conhecendo melhor o grupo que temos, conhecendo a nossa dinâmica de


grupo aquilo que eu transmiti é que queria dar o mínimo de informação possível
do adversário lá está, os tais 5% de estratégia e focarmos mais naquilo que
nós conseguimos fazer, nos 95%. Entrevistador (Álvaro) – Estes 5% pode ser o
quê, por exemplo? Entrevistado (Carlos Carvalhal) – Pode ser o espaço que o
adversário dá, pode ser focos de pressão que o adversário tenha, mas nós
conhecemos ali alguns focos de pressão de jogadores que tenham mais facilidade
em perder a bola e nós podemos insistir na pressão sobre jogadores, pode ser um
outro aspeto relacionado com as caraterísticas do jogador adversário. Pode ser
um ala mais rápido, pode ser um ponta mais rápido, a nossa linha defensiva vai
continuar a estar subida, porque é o nosso padrão, mas evidentemente na perda
de bola poderá retirar profundidade mais cedo um bocadinho, em função da
velocidade do jogador da frente por exemplo, são ajustamentos que são feitos
em função do adversário. (CC, p. 9)

Depois de se ficar a conhecer a importância que o treinador reconhece


à necessidade de existir uma ideia de jogo, a entrevista procurou explorar as
opiniões do treinador acerca do treino. Deste modo, de seguida apresenta-se
uma secção sobre as particularidades do treino.

2.3.3. Treino para aperfeiçoar as decisões dos jogadores referentes ao


modelo de jogo

De acordo com Carlos Carvalhal é fundamental durante a semana


propiciar, através de exercícios, o refinamento dos comportamentos táticos
que se pretendem ver expressos pela equipa. De acordo com Carlos Carvalhal
(p. 17) “como fundamental é a melhoria do jogo e a melhoria da equipa.” O treinador

não tem dúvidas que para que “as equipas reflitam a forma de jogar é necessário criar
exercícios que potenciem a sua dinâmica” (CC, p. 8).

Para tal é necessário que o treinador seja dotado de uma grande


capacidade para identificar o foco dos problemas, para a partir daí criar o
exercício que vai permitir melhorar a funcionalidade da equipa:

235
Por exemplo, imagina, tu tens uma fluidez no jogo na esquerda muito boa e
na direita, porque o teu lateral direito tem muitas dificuldades em sair de trás a
jogar, por exemplo, o jogo entope ali. Tens duas hipóteses, ou vais tentar melhorar
a qualidade de receção do teu lateral direito ou vais buscar um jogador que te dê
essa fluidez a partir do corredor. Portanto isso pode ser através do treino, pode ser
a partir da substituição do jogador mais tens que aumentar e perceber onde é que
está o problema e como é que vais fazer fluir o jogo. E quando eu digo isto pode
ser num aspeto individual ou na ligação entre o lateral direito e o ala. O jogo não
flui porque não há uma ligação fluída entre lateral direito e o ala. Se não há esta
ligação tu tens que a potenciar, tens que criar exercícios onde isto vai acontecer
para potenciares aquilo que tu queres, isto são inúmeros exemplos que se poderia
dar na melhoria da fluidez do jogo, mas tens que ter essa capacidade de
observação fundamentalmente para depois extraíres aquilo que tu achas que
é passível de ser melhorado. (CC, p. 13)

Circunstancialmente, pode dar-se o caso de ser muito difícil encontrar o


foco primário que origina toda uma sequência de comportamentos errados,
mesmo ao nível individual. Nesses casos, o treinador não vê qualquer
problema em ter que recorrer a exercícios auxiliares (i.e., não são os que
mais vezes se repetem, mas que têm como foco melhorar um problema
primário que está a provocar um problema de execução eficaz da ideia que o
treinador tem para determinada funcionalidade). Esta ideia pode ser melhor
percebida através do excerto da entrevista abaixo transcrito:

Era o cérebro que não reagia à perda de bola, portanto tivemos que chegar
ao ponto de o retirar do jogo, retirar a bola e fazer ações de reação para que ele
melhorasse a transição defensiva e melhorarmos muitos jogadores assim.
Portanto, isto é altamente específico, não tem bola, está completamente fora do
contexto do jogo e é altamente específico porque tiveste capacidade de perceber
qual era o problema, tiraste o jogador do contexto do jogo, do contexto da bola e
foste bater exatamente no ponto onde é o início de tudo, onde se tu não inicias
ali ele não conseguia chegar a uma complexidade maior. Portanto, sem bola, mas
altamente específico. (CC, p. 14)

Apesar do treinador reconhecer como essencial trabalhar a dinâmica


tático-estratégica da equipa, Carlos Carvalhal (p. 6) salienta que a “lógica pode
ser diferente de ano para ano”. O ponto de partida pode ser diferente, por

exemplo a hierarquização sequencial dos comportamentos que queria ver

236
expressos no Rio Ave era diferente da que tinha sido em anos anteriores. O
mesmo se depreende a partir da transcrição abaixo:

Nós queríamos transmitir claramente que íamos ser uma equipa que
queria ter bola, hierarquizamos mais as coisas a partir da bola para equilibrar
a equipa defensivamente para o momento da perda para depois dar resposta em
organização defensiva. Ou melhor fazer uma organização ofensiva organizada
primeiro portanto de equilíbrio para depois ter uma boa transição defensiva forte e
passível de uma reação rápida para ganhar a bola, se não fosse possível,
reagrupar, evidentemente ao reagrupar estamos a entrar em organização
defensiva e depois ser uma equipa também boa e forte a transitar ofensivamente e
se não conseguíssemos finalizar as ações tivéssemos capacidade de passar de
ataque rápido para o contra-ataque, para ataque organizado, também. (CC, p. 6)

Depois de se ficar a conhecer os objetivos das sessões de treino


entendeu-se ser importante saber que caraterísticas evidenciam os
exercícios propostos de modo a potenciar o aparecimento dos
comportamentos desejados.

2.3.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios de treino

Após a análise da entrevista, e da consulta dos documentos sugeridos


pelo autor, verifica-se que umas das principais caraterísticas dos exercícios
que o treinador utiliza é que são na sua totalidade, representativos do jogo de
futebol e específicos de uma forma de jogar. Como se pode verificar pela
resposta à pergunta: “Mas esses exercícios são representativos? Imaginemos têm
oposição, têm balizas” (AFV, p. 11).

Sim, sim, têm sim. Se são padrão eles têm e imprimem uma dinâmica, é
a dinâmica aproximada ao jogo. Não têm necessariamente que ser onze contra
onze, não tem necessariamente que ser o campo todo, não tem necessariamente
que ter o mesmo número de jogadores, mas tem uma lógica, têm uma (pausa) e
essa lógica, dessa dinâmica é no fundo a tua impressão digital isso é que te vai
permitir a tua forma de jogar. (CC, p. 11).

A segunda caraterística encontrada relaciona-se com a escala de


representatividade e com a manipulação de variáveis que tornam mais fácil o
aparecimento dos comportamentos específicos do modelo de jogo que se

237
pretendem desenvolver. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo
de futebol estejam presentes, por vezes é necessário reduzir a escala
propondo exercícios que estejam direcionados mais para um ou outro
momento de jogo ou para um ou outro setor da equipa (Carvalhal, 2014). Tal
não significa que no mesmo exercício não possam estar inseridos outros
momentos e outros setores, contudo o foco e as variáveis estão pensados de
modo a potenciar uns em detrimento de outros. Esta ideia pode ser melhor
percebida através do excerto seguinte:

Os melhores exercícios acabam por ser mais simples, são aqueles em que
tu de uma forma muito simples consegues ir à totalidade retirar a totalidade
para ires buscar alguma particularidade que não está a funcionar que tu vais
fazer melhorar o todo outra vez, portanto, isto é uma situação permanente a
uma escala micro, a uma escala meso, a uma escala macro, depende daquilo que
tu queres melhorar de onde tu queres bater, onde tu sentes que uma peça que
não está a funcionar dentro da tua equipa, uma ligação que não está a funcionar,
o jogo não está a fluir. (CC, p. 13).

A terceira caraterística é que apesar dos exercícios propostos serem


pensados para direcionar os comportamentos dos jogadores para um aspeto,
em concreto, por mais bem elaborados que estejam, é necessária uma
intervenção pedagógica adequada ao nível da instrução. Para tal, é
fundamental alguma arte intuitiva por parte do treinador para perceber
quando e como pode intervir. A ideia de Carlos Carvalhal fica clara com a
resposta à pergunta: De certa forma refere-se à instrução. Utilizar o feedback para
marcar de forma a que eles deem mais importância a determinado pormenor?” (AFV, p. 20).

Imagina que hoje tivemos um treino em que estivemos a trabalhar a nossa


dinâmica e alguns aspetos que não estiveram tão bem no jogo anterior com o
Vitória de Guimarães e agora queremos que aconteçam no jogo seguinte com o
Tondela. Nós fizemos os exercícios para conseguir chegar e imprimir a nossa
dinâmica, melhorar alguns aspetos. Mas se eu deixasse o exercício correr por si
ele tinha um valor, outra coisa é tu deixá-los viver os exercícios e em
determinadas alturas dás feedback sobre aquilo que aconteceu bem, dar feedback
de correção sobre alguma, sobre alguns aspetos que tu estás a ver, ou parar
inclusivamente o treino. Isto, evidentemente, é estar a marcar o treino. A
marcar com emoções, com emoção. É aquilo que tu realmente queres e os
jogadores captam estas emoções. Aquilo que eu digo é, a organização é

238
importante, mas isto ainda está acima, na minha opinião, dos aspetos táticos
porque é a forma como tu imprimes a tua impressão digital para que a equipa
perceba aquilo que tu queres.

E para isso também é preciso alguma arte da parte do treinador?” (AFV, p.


20). É fundamental. Acho que é fundamental no treinador. Não tenho dúvidas
nenhumas que haverá cinco milhões de treinadores a fazer exercícios melhores
que os meus no campo teórico para conseguir uma ideia de jogo, mas isso não
chega. Tu tens que chegar aos jogadores primeiro e eles aceitarem, aceitarem-te,
aceitarem as tuas ideias, seguirem as tuas ideias, mas tens que saber marcá-
las. Se não souberes marcá-las, os exercícios por si só não funcionam. Nós
pensamos que eles funcionam, mas não funcionam. Ou os marcas e catalisas as
coisas ou se não os jogadores acabam por fazer coisas que nós pensamos que
eles estão a aprender aquilo que nós queremos, mas eles podem estar a aprender
uma coisa completamente diferente mesmo estando a fazer. Mesmo estando a
fazer, podem estar a ver uma coisa completamente diferente e depois no jogo não
fazem o que tu queres apesar de estares a fazer um treino direcionado. Pode não
ter transfere para o jogo, ele terá mais transfere se tu conseguires imprimir a tua
emoção sobre aquilo que tu queres de uma forma bem marcada, marcando esse
momento. (CC, p. 20)

De certa forma é também envolver os jogadores naquilo que nós


queremos. Faze-los acreditar?” (AFV, p. 20). Sim, isso é importante. Eles
acreditarem naquilo e depois saberes transmitir a emoção a cada momento
naquilo que tu consideras importante fazer e daquilo que consideras importante
não fazer também. Portanto, este conjunto de emoções é que te vai levar a atingir
aquilo que tu queres senão era muito fácil, não é? Havia alguém que prescrevia
um exercício, o exercício funcionava por si e qualquer um, assim, era treinador.
Acho que é exatamente aí que se revela a verdadeira faceta dos treinadores, uma
das facetas. Em situações, evidentemente na parte do treino, é na forma como tu
marcas aquilo que tu queres. (CC, p. 20)

Quando não é possível realizar treinos práticos, o treinador opta por


fazer um tipo de treino que fundamentalmente pretende a consolidação
cognitiva dos comportamentos, utilizando como ferramenta o vídeo e a
imagem:

Sábados jogo, eu nunca abdiquei de dar folga aos jogadores, preferia dar
folga até porque nós não tínhamos grandes condições para trabalhar lá em
Inglaterra para fazer recuperação, por incrível que pareça. Voltávamos lá na
segunda-feira, na segunda-feira já fazíamos uma ativação, uma ativação com

239
fações de alta intensidade de curtíssima duração e estamos a falar de vinte/trinta
segundos, algumas ações de três contra três e de quatro contra quatro, mas a
maior parte das vezes de três contra três, a seguir o vídeo era importante
também pois entramos no domínio da estratégia para jogar no dia seguinte
que era a terça-feira, portanto não havia muito mais a fazer, quarta-feira
folgávamos outra vez quinta-feira ainda estávamos no processo de recuperação
sexta-feira voltávamos outra vez a ativar equipa através de ações de alta
intensidade curtíssima duração, outra vez! Entrávamos no domínio da estratégia, o
vídeo importante também e voltávamos a jogar no sábado. (CC, p. 24).

Importa ainda acrescentar que como forma de potenciar um ou outro


padrão de contração muscular, como por exemplo a tensão/potência ou a
velocidade, em função dos dias de treino, podem, por vezes, ser
apresentados alguns exercícios menos representativos do jogo, alguns
podem até ser mais lúdicos, essencialmente numa fase inicial do treino.
Como se percebe através da transcrição abaixo:

Por exemplo com jogo de domingo a domingo, quarta-feira nós temos


sempre um trabalho em que tentamos (pausa) eu utilizo sempre um regime de
estafeta, sem bola, em que nós exigimos naquela estafeta de competição
acelerações máximas com recuo, em potência, de dois metros para depois
voltar a acelerar e vir, trazer o colete trocar etc. Nós fazemos essa solicitação
no máximo, do que os jogadores podem fazer. Neste regime mais potente
digamos assim. E à sexta-feira é o dia que utilizamos sem bola depois da
mobilidade inicial três repetições sempre de vinte metros, também em regime
de competição, em corrida livre, sem travagem. No máximo, são estas as
nossas preocupações fora o futebol do futebol, da bola. (CC, p. 21)

Depois de se ficarem a conhecer melhor as caraterísticas dos exercícios


de treino, de modo a ir de encontro aos objetivos do nosso estudo, entendeu-
se ser pertinente abrir uma subcategoria para perceber melhor como o
processo de periodização do treino é contemplado. Assim, de seguida,
apresentar-se-á a análise à temática da periodização.

240
2.3.3.2. Periodização do treino de acordo com a especificidade e
representatividade

Em relação à periodização do treino, percebe-se pela entrevista e pela


leitura do livro: “Futebol. Um saber sobre o saber fazer” Carvalhal (2014), que
a estrutura utilizada para guiar todo o planeamento tem como base uma
estrutura semelhante ao morfociclo-padrão da Periodização Tática. A
estrutura do planeamento durante o período preparatório é igual à estrutura
utilizada durante o período competitivo.

Por exemplo hoje vamos treinar, imagina jogo de domingo a domingo,


vamos treinar na quarta-feira nós queremos melhorar isto, mas a matriz vai ser
esta, neste dia, portanto utilizamos espaços mais reduzidos com menor número de
jogadores, em termos temporais muito tempo. Na quinta-feira vamos abrir mais
espaços. Na sexta-feira vamos trabalhar em situações com caraterísticas
completamente diferentes. Os estímulos são diferentes também. Isso nós temos
sempre presente, mas mais importante para nós não é isto o mais importante
para nos é a melhoria do jogo e depois de pensarmos na melhoria do jogo
naquilo que temos que melhorar ajustamos à matriz e ajustamos os
exercícios ao dia em que se está a trabalhar. (CC, p. 17)

Falou na questão da Periodização Tática, subentendo que seja a PT


construída pelo professor Vítor Frade, certo? (AFV, p. 17). Sim, é única, para mim
é única. (CC, p. 17)

Para o treinador os principais objetivos do período preparatório


prendem-se com o desenvolvimento de uma forma de jogar que prepare a
equipa para competir com qualidade logo no início do campeonato. O mesmo
se depreende a partir da transcrição abaixo:

Acima de tudo o período preparatório, para nós, serve para preparar a


equipa para jogar para o campeonato, não é? Acima de tudo é isto. Quando eu
digo preparar, é preparar uma equipa para estar apta no primeiro jogo do
campeonato, para dar uma resposta em função da nossa identidade, ou seja,
daquilo que nós identificamos como os nossos princípios de jogo, e (pausa)
que no fundo, a equipa consiga exprimir dentro do campo tudo aquilo que
nós andámos a treinar durante quatro ou cinco semanas, não é? Portanto,
fundamentalmente é isto. O objetivo é por equipa, e quando digo por equipa a
jogar como nós queremos, evidentemente diz respeito a uma organização, diz

241
respeito ao aspeto técnico, ao aspeto tático, ao aspeto psicológico, ao aspeto
físico, no fundo, aos objetivos que dizem respeito a uma filosofia. No fundo, talvez
(pausa) filosofia seja a palavra mais adequada por ser uma palavra mais ampla
que engloba as ideias que o treinador quer ver expressas a partir do primeiro jogo
do campeonato. Portanto, é isto que nos norteia desde o início. (CC, p. 14)

Este aspeto é fundamental porque em função dos contextos


competitivos, os objetivos em termos dos princípios aos quais se vai dar mais
ênfase podem variar. O mesmo se depreende a partir da transcrição abaixo:

O período preparatório aqui em Portugal é muito importante, mas por


exemplo em Inglaterra onde estive recentemente, no Championship, o período
preparatório é fundamental porque nós começamos (pausa) salvo erro no mês de
agosto, logo com sete jogos, a jogar de três em três dias. Portanto, o período
preparatório revela-se fundamental, mas revela-se fundamental sobre aquilo que
tu queres no fundo valorizar. O que nós queremos valorizar é a identidade e a
equipa ter uma boa sustentação dos princípios de jogo. Eu diria em todos os
princípios, mas fundamentalmente nos princípios jogos do jogo mais defensivos.
Porque tu naqueles momentos em que vais ter sete ou oito jogos em vinte ou vinte
e um dias vais agarrar-te mais aos princípios defensivos para sustentar a tua
equipa. Eu não vou dizer que são mais importantes os defensivos do que os
ofensivos, não. Mas revelam-se mais importantes por causa da sequência dos
jogos, porque é a eficácia do momento defensivo que te vai dar uma (pausa)
digamos uma base tática para conseguires ganhar mais jogos e estar mais apto a
ganhar mais jogos. Portanto o período preparatório é fundamental para isto para
pôr a equipa a jogar e preparada para competir. (CC, p. 15)

Em relação ao período competitivo, aquilo que está subjacente a uma


semana de trabalho são duas coisas fundamentais, 95% do trabalho efetuado
é na melhoria do modelo de jogo e 5 % na estratégia para o jogo, ou seja, um
ou outro ajustamento em função do adversário. As sessões de trabalho
podem ter as seguintes caraterísticas:

Por exemplo amanhã (Sexta-feira) nós achamos importante aproveitar o


espaço entrelinhas do adversário com os nossos laterais em profundidade, os
nossos alas para dentro. Aquilo que nós vamos fazer amanhã, por exemplo,
simular os jogadores adversários com uma linha de quatro que é como eles
jogam, com quatro defesas, nos espaços entre linhas onde nós sabemos que
eles abrem espaços ali enfiar bolas no espaço entre linhas e depois dar
sequência à situação em regime, de regime de velocidade digamos com

242
cruzamentos com finalização de ações curtas. Eu diria que um central meter
uma bola nas linhas, um ala a aproveitar esse espaço entre linhas depois servir
um avançado para rematar, ou um lateral para cruzar com ataque na área,
portanto situações de velocidade ações rápidas de continuidade, sem grande
estorvo, será o que nós vamos tentar amanhã, que é sexta-feira, digamos assim
com jogo no domingo. Na quarta-feira seria diferente, foram, deixa-me relembrar o
que que é treinamos na quarta-feira, treinamos um jogo que nós denominamos de
zonas, é um dos nossos exercícios de matriz, daqueles que nós entendemos que
são padrão servem para a nossa dinâmica, é um exercício em que cada zona
estavam dois portanto são sistematicamente situações de três contra dois em
cada zona os espaços curtos, tempos na ordem de minuto e meio, dois minutos no
máximo da sua potência com muitos remates, muitas travagens, prontos digamos
que é dentro desta matriz que nós treinamos na quarta-feira. (CC, p. 22)

Quando durante o período competitivo existem mais do que um jogo


durante a semana é necessário fazer alguns ajustes e ter determinadas
preocupações:

Eu treinei em Inglaterra e se eu já tinha um mestrado, fiz um doutoramento


nestes dois anos e meio ao passar por situações como os boxing days a jogar
com espaço de quarenta e oito horas. Portanto, sinto-me muito habilitado para
falar sobre isso. Depende também, há uma coisa que depende, uma coisa é tu
jogares imagina nós jogávamos sábado, terça, sábado - três jogos; bem, outra
coisa é jogar sábado, terça, sábado, terça, sábado, terça, sábado e levares com
sete jogos consecutivos. Se calhar entre quinto e o sexto jogo já é diferente de
entre primeiro e segundo, já faz alguma diferença. Porque quer se queira quer
não, há um acumular e os jogadores estão sempre no vermelho porque não
recuperam totalmente. Estávamos a falar por exemplo no meu caso de sete ou
oito jogadores que jogaram os jogos todos. Portanto andavam sempre no
vermelho, portanto não conseguiam recuperar totalmente, evidentemente nós
temos que ter essa sensibilidade que entre o quinto e o sexto ou sétimo estamos a
falar de coisas diferentes. Normalmente aquilo que nós fazemos é subtrair o
treino, acentuar a recuperação e entrar mais no domínio da estratégia para o
próximo jogo é o fundamental. Sábados jogo, eu nunca abdiquei de dar folga
aos jogadores, preferia dar folga até porque nós não tínhamos grandes condições
para trabalhar lá em Inglaterra para fazer recuperação, por incrível que pareça.
Voltávamos lá na segunda-feira, na segunda-feira já fazíamos uma ativação, uma
ativação com fações de alta intensidade de curtíssima duração e estamos a falar
de vinte/trinta segundos, algumas ações de três contra três e de quatro contra
quatro, mas a maior parte das vezes de três contra três, a seguir o vídeo era

243
importante também pois entramos no domínio da estratégia para jogar no dia
seguinte que era a terça feira, portanto não havia muito mais a fazer, quarta-feira
folgávamos outra vez, quinta-feira ainda estávamos no processo de recuperação
sexta-feira voltávamos outra vez a ativar a equipa através de ações de alta
intensidade curtíssima duração, outra vez! Entrávamos no domínio da
estratégia, o vídeo importante também e voltávamos a jogar no sábado. (CC,
p. 23)

É ainda fundamental que, por vezes, se perceba que há ajustes que


devem ser feitos em determinadas semanas fruto do que foi sendo
acumulado ao longo de um período de tempo em que houve muitos jogos.
Como se percebe na seguinte transcrição:

O que nós procurávamos fazer depois disto que é um aspeto importante


contemplávamos a recuperação muitas vezes três semanas depois desta
intensidade de jogos. Ou seja, não era uma preocupação só sobre os dias
seguintes depois de terminar isto, não era só uma preocupação na outra semana,
mas mais ainda na terceira semana nós ainda estávamos a contemplar a
recuperação dos jogadores que tinham feito jogos no boxing day, por exemplo.
Nós tínhamos sempre muito cuidado com isto, mas isto lá está é uma arte que tu
tens que passar pelas situações, tens que viver e depois agires de acordo com as
tuas perceções e não só com aquilo que te transmitem, mas fundamentalmente
com as tuas perceções. (CC, p. 25)

2.3.4. Em síntese

Com a entrevista a Carlos Carvalhal e a leitura das obras sugeridas


pelo treinador, fica claro que a periodização das sessões de treino é
desenvolvida com vista ao desenvolvimento de uma forma de jogar
específica.

Para o efeito utiliza maioritariamente tarefas práticas com vários graus


de especificidade e representatividade do jogo de futebol, contemplando de
forma sistémica todos os fatores de rendimento desportivo, levando em conta
simultaneamente a necessidade de os jogadores adquirirem, entre jogos, os
índices fisiológicos necessários para competir.

Seguidamente apresenta-se uma síntese das palavras que ao longo da


entrevista foram sendo mais vezes proferidas.

244
Figura 5

Frequência de palavras Carlos Carvalhal

2.4. Entrevista 4 – A perspetiva de Ilídio Vale

Ilídio Vale nasceu na cidade da Maia, a 13 de dezembro de 1957,


desempenha desde a chegada de Fernando Santos à Seleção A - Masculina
de Portugal, a função de treinador adjunto, tendo também ele conquistado o
título de campeão europeu, em 2016, em França.

Não obstante a grandeza deste feito o treinador Ilídio Vale foi um dos
selecionados para participar na presente investigação em virtude do seu
percurso e da sua vasta experiência. A entrevista foi realizada em fevereiro
de 2020, na cidade do Porto.

2.4.1. A formação e percurso do treinador

Segundo Ilídio Vale, devido ao grande amor e paixão pelo jogo, que
detém desde criança, tomou muito cedo a decisão de ser treinador. O mesmo
se pode depreender a partir das suas palavras.

O principal fator foi amar, de facto, o futebol. Sempre tive uma paixão
muito grande pelo futebol, pelo jogo e por ser treinador. Esse foi o grande

245
estímulo que tive desde criança, em que sempre quis ser treinador de futebol. (IV,
p.1)

O seu trajeto na área do futebol conheceu o primeiro capítulo na época


1986/1987, quando assumiu o cargo de treinador/coordenador técnico do
Nogueirense. Três anos mais tarde, 89/90, começou a sua ligação ao FC
Porto, que viria a prolongar-se até 2006. Durante esse período, acumulou
experiência e destacou-se na área da formação do clube portista. Acumulou
27 títulos de juniores (A, B e C), entre Campeonatos Nacionais e Distritais,
aos quais juntou vários torneios internacionais. Comandou as equipas de
Juniores A e B, tendo sido sempre campeão nacional. Chegou também a ser
treinador assistente do plantel principal, na temporada 1999/2000, com o qual
conquistou a Taça de Portugal. Do seu currículo faz também parte a
passagem pela equipa B dos dragões, que orientou de 2000/2001 a
2003/2004.

Posteriormente, em 2007, ingressou na Federação Portuguesa de


Futebol para coordenar o gabinete técnico do futebol de formação da
Federação Portuguesa de Futebol. Antes da chegada de Fernando Santos à
seleção nacional e a subida a treinador nacional “A”, Ilídio Vale conseguiu a
presença na final do europeu de sub19, na Hungria, numa equipa que tinha
como treinador Hélio Sousa, e a presença na final do mundial de sub-20, em
2011, na Colômbia, equipa em que ele próprio era o treinador principal.

Ilídio Vale constata que os anos de experiência prática refletida têm sido
fundamentais para o exercício eficiente da sua profissão, tal como se pode
verificar a partir da transcrição abaixo:

Todas as experiências podem ser muito interessantes, muito positivas,


ajudando-nos a ter um olhar, uma compreensão sempre renovada sobre os
diferentes contextos, particularmente sobre o jogo que queremos, sobre o treino,
sobre os jogadores. O caminho que vamos percorrendo com vivências
diversificadas, ajudam-nos a “crescer” a todos os níveis. Portanto, acho que é
importante a vivência prática refletida e muito influenciada pelo saber teórico. (IV,
p.1)

Todavia, o treinador também salienta que para o sucesso da sua


carreira foi muito importante a aquisição de conhecimentos teóricos, na

246
medida que o ajudam a ter uma base sólida que funciona como caminho
orientador. Tal, pode-se depreender a partir da transcrição que se segue:

Sim, a formação teórica é muito importante para um treinador,


influenciando-o de um modo particular, assim como a qualidade da sua prática.
Ajuda a construir um caminho metodológico muito particular que naturalmente
influenciará o sucesso do nosso desempenho. Portanto, para mim, é
determinante. O saber teórico sempre influenciará o saber prático, e este o saber
teórico. Ambos, se refletidos, permitirão a evolução do treinador. (IV, p.1)

Adicionalmente, o treinador também salienta a necessidade de se


cultivar e desenvolver a capacidade de reflexão crítica. Depreende-se das
palavras proferidas por Ilídio Vale, durante a entrevista, que para se ser
treinador se afigura pertinente começar por questionar, entre outras coisas,
todo o saber e conhecimento, antigo ou moderno, bem como o mundo que o
rodeia, questionar e refletir sobre os comportamentos dos jogadores, sobre
os caminhos operacionais que se trilham, sobre os objetivos que se
pretendem.

Mas, não necessariamente depois de tudo isso, refletir criticamente


sobre si próprio e sobre o seu papel nesse contexto. A reflexão crítica
funciona como uma espécie de imperativo moral de todo o treinador digno
desse designo que não suspenda o interesse pelo conhecimento e queira
estar à altura das exigências e circunstâncias da profissão. Esta ideia pode
ser entendida a partir do excerto abaixo:

As aprendizagens devem ser seletivas e penso ser importante termos


uma contínua atitude crítica. Em todos os momentos de aprendizagem, de
formação, sempre será importante uma atitude e pensamento crítico, sobre aquilo
que nos transmitem, sobre o modo como poderão influenciar o nosso pensamento
o caminho que escolhemos e queremos seguir. (IV, p. 1)

Esta ideia fica ainda mais clara com a resposta à questão que foi
colocada durante a entrevista: “Ok. De certa forma, todas as experiências, quer
sejam teóricas, quer sejam práticas, sempre serão importantes se forem refletidas e se
os treinadores forem refletindo sobre os problemas que o jogo, o treino e o jogador
sempre colocam e sobre o que vai acontecendo ao longo das diferentes experiências
vivenciadas?” (AFV, p.1).

247
Sim. Aliás, eu costumo dizer que apesar de eu gostar muito de ler livros, o
livro que eu mais gosto de ler e de escrever é o meu, isto é, o livro onde escrevo
as minhas reflexões sobre o que faço no meu dia-a-dia. Penso ser decisivo na
minha formação e evolução enquanto treinador e pessoa... tenho uma convicção
sobre o jogar, sobre o treinar, sobre o jogador… e é sobre essas convicções e
como as trabalho que eu tenho necessidade de refletir e armazenar novo
conhecimento, ainda mais elaborado para conseguir evoluir. (IV, p.1)

Depois de ficarmos a conhecer a importância que o treinador atribui à


formação teórica e prática, a entrevista direcionou-se para questões mais
relacionadas com a equipa, o jogo e o treino.

2.4.2. A importância do padrão/modelo de jogo

De acordo com Ilídio Vale, o jogo é fundamentalmente um jogo de


interações, de inter-relações. Como tal, é necessário que os jogadores
conheçam aquilo que se pode designar, por guião do jogo da sua equipa. Tal
guião traduz uma organização tática que implica a distribuição dos jogadores
perante uma configuração do jogo, em que são atribuídos papéis principais e
secundários, i.e., papéis que cada um desempenha naquilo que é o modo de
jogar de uma equipa. Tal modo de jogar pode ser designado por “ideia de jogo
de uma equipa, identidade de jogo de uma equipa” (IV, p. 3).

Contudo, importa segundo o Ilídio Vale que se perceba que o jogo é o


todo e é tudo. Ou seja, apesar de se verificar que há vários momentos de
jogo, o treinador entende que eles estão todos interligados, não há grandes
separações. Os jogadores manifestam ações no tempo que têm marcas, que
se conseguem distinguir, mas não consegue separar a ligação que elas têm.
O mesmo se pode perceber a partir da seguinte transcrição:

Portanto, é óbvio que cada um desses momentos que o jogo oferece, exige
aos jogadores comportamentos específicos e ajustados a esses momentos,
comportamentos individuais, setoriais, intersectoriais e coletivos. Os jogadores têm
que estar preparados para saber o que fazer nos diferentes momentos do jogo,
mas eu gosto mais de olhar para o jogo como um todo. O treino deve contemplar
esses diferentes momentos, o que representam e o modo como fluem no
todo. (IV, p. 4)

248
Com o decorrer da entrevista, ficou mais claro que a referência ao
tudo/todo diz respeito a duas dimensões: a primeira diz essencialmente
respeito à natureza inquebrantável do jogo, que obriga a que os jogadores
liguem constantemente as ações presentes com as futuras durante todos os
micro momentos de jogo; a segunda interpretação acerca do significado de
tudo/todo diz respeito ao jogo de futebol no momento de competição, a partir
do qual emergem situações imprevistas e aleatórias que os jogadores devem
conseguir resolver mesmo que a resposta mais eficaz seja ligeiramente
diferente da ideia de jogo da equipa. Esta ideia pode ser entendida a partir da
transcrição:

...há particularidades, por exemplo, a forma com eu quando ganho a bola


saio para o ataque, esse momento de transição, é óbvio que o “jogar” da equipa
tem critérios, referencias que os jogadores têm que conhecer, isto é, eles têm um
guião, têm um mapa que todos devem conhecer e que lhes indica o caminho para
chegar com mais probabilidade de sucesso à baliza do adversário, mas o jogo não
traduz sempre isso porque o adversário também joga, levanta problemas e por
vezes imprevisíveis. Percebendo essa realidade, aquilo que eu tenho de fazer é
treinar e preparar os meus jogadores para nunca se desviarem daquilo que é a
identidade de jogo da equipa, mas serem capazes, serem competentes,
perante situações tático/estratégicas imprevistas. (IV, p. 4)

Ou seja, a partir da segunda dimensão do tudo/todo pode-se


depreender que em relação ao padrão/ideia/filosofia de jogo, Ilídio Vale
salienta que os comportamentos que pretende ver na equipa devem ser
entendidos como uma espécie de princípios orientadores, mas que devem
ser interpretados com inteligência pelos jogadores (i.e., nem sempre o jogo,
em virtude essencialmente da imprevisibilidade provocada pelo adversário,
permite que os princípios ideais sejam colocados em prática). Nestes
momentos, os jogadores têm que manifestar ações eficazes para aquela
circunstância. Para tal, é necessário que os jogadores gozem de alguma
liberdade para expressar a criatividade, a cultura e inteligência para ler os
contextos e optar pelas melhores opções, mesmo que por vezes elas fujam
ligeiramente do pretendido.

249
Ainda em relação ao padrão de jogo, o treinador salienta que são
necessários ajustes em função da qualidade dos jogadores de que dispõe.
Tal pode ser depreendido através da seguinte transcrição:

Não, não mudo a minha ideia de jogo. Simplesmente tenho é que ajustá-
la. Ajustá-la àquilo que é possível num determinado contexto. Isto é, se a minha
organização de jogo tem um determinado nível de complexidade, se eu perceber e
tenho rapidamente de perceber, que não é possível implementar na equipa para
onde vou, então, tenho que baixar essa complexidade, mas não abandono as
minhas ideias para o jogar da” equipa”. Agora, provavelmente, tenho que perceber
que ela tem que ser menos elaborada, necessita de mais tempo para a apreender
e consolidar mas, entretanto, não me vou desviar até conseguir aquilo que eu
pretendo… O Sucesso. (IV, p. 11)

Depois de ficar a conhecer as ideias do treinador em relação ao jogo e à


equipa procurou-se, através das questões colocadas, ficar a conhecer melhor
as caraterísticas do processo de treino, ao nível dos objetivos, ao nível dos
contextos de prática e ao nível da periodização das sessões de treino.

2.4.3. O treino tático-estratégico do jogo de futebol

De acordo com Ilídio Vale, durante o treino do jogo de futebol é de


capital importância treinar com o objetivo de aperfeiçoar os critérios tático-
estratégicos que ele entende serem os que melhor podem ajudar os
jogadores a resolver os problemas que o jogo coloca. Tal pode ser melhor
percebido através da transcrição:

Quando começo a treinar? Tenho uma preocupação. Quer dizer, quando


começo e quando acabo: o jogo. O jogar que quero para a minha equipa. Tudo
isso é engraçado, tudo isso existe, mas para mim existe simplesmente “o jogo de
futebol” e não é um jogo de futebol qualquer, sim o jogo de futebol que eu quero
ver a minha equipa jogar. Essa é a minha grande preocupação. Este jogar que eu
quero para a minha equipa, é o jogar que eu vou trabalhar, que eu vou treinar.
Logo, o que eu quero, o que me preocupa e o que eu faço é organizar todos os
momentos/ exercícios em função desse jogar, no sentido de poder jogar cada vez
melhor. Portanto, tentar que a organização de jogo seja cada vez mais elaborada,
porque ela não tem um fim, ela não é fechada, ela é permanentemente dinâmica
… é inatingível. Deve ser permanentemente melhorada, perseguindo

250
complexidades superiores. É com esta dinâmica de pensamento, que
convictamente “olho” o jogo. (IV, p. 7 e 8)

Portanto, depreende-se da entrevista que o fator principal que norteia as


sessões de treino é a organização tática. Tal organização implica, segundo o
treinador, um conjunto de coisas, mas implica a distribuição dos jogadores
perante uma configuração dinâmica do jogo, em que lhes são atribuídos
papéis:

Há um conjunto de códigos que são códigos específicos do nosso


jogar. Ora, se o treino trabalhar esse jogar, os jogadores estão identificados com
ele, não há razão para estarem desconectados, relativamente às ações
tático/técnicas dos companheiros. Isto é, cada jogador deve saber qual o seu
papel tático/estratégico no jogar da equipa, mas também deve saber qual o papel
no jogar da equipa dos companheiros. (IV, p. 3)

De acordo com Ilídio Vale, o treino também tem objetivos estratégicos.


Em relação à dimensão estratégica, importa que se perceba que as
adaptações a serem treinadas são ao nível do pormenor, sem abdicar da
forma de jogar da equipa. Esta ideia pode ser mais bem entendida a partir do
excerto abaixo:

Em cada semana, (...) trabalho para fazer evoluir o jogar, a competência da


minha equipa, logo o lado estratégico revela-se importante. Exemplo: depois de
analisar o próximo adversário, verificamos que entre fragilidades e qualidades, o
seu corredor esquerdo defensivamente, revelava algumas fragilidades que
deveríamos considerá-las nas decisões tático/estratégicas ofensivas a tomar. Isto
é, muito mais ações /dinâmicas especificas ofensivas deveriam ser estabelecidas
pelo lado direito, logo, a preparação do jogo ofensivo da equipa teria de
contemplar do ponto de vista estratégico, comportamentos tático/técnicos coletivos
que nos pudessem levar ao sucesso. Do ponto de vista defensivo, exemplo:
ofensivamente, o adversário tem jogadores muito fortes no corredor direito, logo a
organização defensiva da equipa terá de condicionar o jogo ofensivo do adversário
nesse corredor…teremos de treinar essas dinâmicas defensivas que nos ajudem a
ter sucesso (...). Mas não mudarei a organização defensiva e ofensiva da
equipa, apenas detalhes tático/estratégicos para cada jogo. Agora, eu vou é
potenciá-la, em função da decisão estratégica que eu penso ser favorável para
termos sucesso, no jogo, percebe? (IV, p. 12)

251
No entanto, o treino tem que ter determinadas caraterísticas que
respondam a vários aspetos de onde se realça um muito importante – o jogo
é imprevisível e pela sua natureza propicia o aparecimento de situações
novas a que os jogadores devem, também, ser capazes de dar resposta
eficaz. O mesmo se pode depreender a partir da transcrição da entrevista:

O que eu tenho de fazer é treinar e preparar os meus jogadores para nunca


se desviarem daquilo que é a identidade de jogo da minha equipa, mas serem
capazes de serem competentes, saber o que fazer perante situações que,
muitas vezes, são imprevistas. (IV, p. 4)

Face a estas situações que são imprevistas, porque o adversário


provoca problemas, por muito que sejam treináveis antecipadamente em
termos de treino, não são todas, portanto, Ilídio Vale entende que os
jogadores têm de ter uma cultura de jogo que lhes permita resolver
problemas sempre inabituais.

Portanto, Ilídio Vale preconiza o denominado treino inteligente,


porquanto este deve preparar os jogadores para pensarem e para tomarem
as decisões. Ou seja, para além da especificidade da forma de jogar da
própria equipa, importa que os jogadores disponham de recursos individuais
e coletivos que lhes permitam encontrar as soluções que o jogo do
adversário nos coloca e, por outro lado, que os capacite para criarem
dificuldades ao adversário.

De acordo com Ilídio Vale, recorrendo ao “treino inteligente” poder-se-á


almejar a ter jogadores capazes de anteciparem as situações de jogo, de
pensar o jogo, de tomar decisões e de perceber o jogo de uma forma quase
intuitiva. Logo, importa que as situações de treino e de jogo que são
colocadas, lhes provoquem desde cedo, permanentemente, a necessidade
de pensar, de tomar decisões sem medo de errar, de modo a propiciar que os
jogadores estejam muitas vezes no sítio certo para finalizarem, ou para
equilibrar a equipa, ou para desequilibrar a equipa adversária, com
movimentos de rotura ou movimentos de mobilidade tática, sempre ajustados
à função.

252
Para que este entendimento seja potenciado os contextos de prática
devem ter algumas caraterísticas, que a seguir se apresentam.

2.4.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios de treino

Uma das principais caraterísticas dos exercícios utilizados pelo


treinador é que são maioritariamente específicos do modelo de jogo e
representativos do jogo de futebol, com a intenção de que os jogadores
possam tomar decisões idênticas às que têm que tomar durante o jogo.

Importa, de acordo com o treinador, que ao mesmo tempo que são


representativos do jogo, sejam orientados para a especificidade de uma
forma de jogar. Para tal, manipulam-se algumas variáveis para tornar mais
fácil o aparecimento dos comportamentos específicos do modelo de jogo que
se pretendem melhorar. A importância da representatividade e especificidade
dos exercícios de treino ficou clara ao longo da entrevista com várias falas do
treinador:

Portanto, eu vou treinar sempre a especificidade do jogar da equipa, em


função dos objetivos para os diferentes momentos do jogo e as diferentes
dimensões do rendimento, que quero perseguir no treino, organizarei e
selecionarei os exercícios com mais ou menos jogadores, mais ou menos espaço,
mais ou menos direcionados, com mais ou menos tempo de duração. Mas,
normalmente sempre intensos e aquisitivos que desenvolvam a inteligência e
comportamentos táticos e técnicos nos jogadores e melhorem o jogar da equipa.
Sempre procuro promover o trabalho setorial, intersetorial e coletivo. Momentos
em que a dominância possa ser setorial outros, intersetorial, mas sempre coletivo!
Podemos partir o jogo, mas nunca o empobrecer!!! Sempre procuro dinâmicas
que promovam o aperfeiçoamento das interações dos jogadores setoriais,
intersectoriais e coletivas. Que apelem à inteligência, à qualidade da tomada
decisão, à possibilidade de ser eficaz e diferente! (IV, p.10)

A segunda caraterística encontrada relaciona-se com a escala de


representatividade. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo de
futebol estejam presentes, às vezes é necessário reduzir a escala da
complexidade sugerindo exercícios que estejam direcionados mais para um
ou outro momento de jogo ou para um ou outro setor da equipa. Tal não quer

253
dizer que no mesmo exercício não possam estar contemplados outros
momentos e outros setores, no entanto as variáveis do exercício estão
pensadas de modo a potenciar uns mais que outros, como se pode
depreender a partir do excerto:

Por exemplo, se trabalhar a organização defensiva e nesta em


particular o setor defensivo, é importante que eu construa exercícios em que
a densidade de comportamentos defensivos específicos, para este setor,
seja elevada, mas não devem esgotar-se aí, pois também será importante por
exemplo, que após interceção e/ou ganho da bola os jogadores devem saber o
que fazer, procurar referências, para iniciar o jogo ofensivo da sua equipa com
eficácia. Em cada exercício selecionamos comportamentos que queremos que
aconteçam com mais frequência em jogo, em cada setor, entre setores e
coletivamente. Quando se trabalha especificamente um momento do jogo, este
sempre terá que ter ligação com os outros momentos. O Jogo sempre será um
jogo de interações …logo o treino também o terá de ser. (IV, p. 10)

Outra caraterística é que os exercícios propostos têm de ser pensados


para orientar os comportamentos dos jogadores para um dado aspeto, mas
existe sempre a necessidade de uma intervenção pedagógica eficiente por
parte do treinador. Tal pode ser entendido no excerto abaixo:

A qualidade dos feedbacks que eu consigo estabelecer enquanto


treinador é decisivo. Porque você tanto pode treinar o erro, como treinar a
correção e estimular os comportamentos táticos/técnicos que pretende. E se
permitir treinar o erro, quer dizer que os seus feedbacks foram desajustados ou
não existiram e que se calhar os jogadores treinaram aquilo que você não queria
para o seu jogar, logo, esta é uma questão chave! Tudo o que a gente está aqui a
falar sobre o treino, tem de contemplar a ação do treinador no treino. (IV, p. 10)

Posteriormente, através das questões colocadas, a análise da entrevista


procura explorar as ideias do treinador acerca da periodização do treino, de
modo a ir de encontro aos objetivos do nosso estudo.

254
2.4.3.2. A periodização do treino de acordo com a especificidade e
representatividade

De acordo com Ilídio Vale, desde o primeiro dia do período


preparatório, o objetivo é fazer evoluir e aperfeiçoar a ideia de jogo (i.e., o
jogar que pretende para a equipa). Tal depreende-se a partir da transcrição
abaixo:

Eu tenho uma ideia de jogo, uma identidade de jogo para a minha


equipa, eu vou treiná-la desde o início, só isso faz sentido. O jogo é
dominantemente tático, não é um tático qualquer, é o tático que eu quero para o
jogar da minha equipa, percebe? (IV, p. 18)

Em relação à estrutura utilizada desde o período preparatório até ao


final da época desportiva, encontra-se uma aproximação ao morfociclo-
padrão proposto pela Periodização Tática criada por Vítor Frade. Portanto, as
sessões de treino são ocupadas com exercícios pensados a partir da
dinâmica tática que se quer pôr em prática respeitando os períodos de
recuperação necessários entre dois jogos, o que faz com que haja diferenças
ao nível dos fatores estruturantes dos exercícios que são propostos de
sessão para sessão. Tal pode ser entendido a partir da transcrição abaixo:

Pronto, então imagine que tenho um jogo por semana. Domingo, jogo.
Segunda feira, descanso, não é que eu ache que seja sempre o melhor, mas
dominantemente, é assim que eu faço. Vivemos em Portugal, cultural e
emocionalmente os jogadores sentem-se mais confortáveis e sabemos que isso
tem um peso importante também no treino, no jogo, no desempenho de cada um
dos jogadores e das equipas. Na 3ª feira, ainda estão em recuperação, logo,
situações que a estimulem. Na 4ª feira, força específica (tensão). Na 5ª feira,
resistência específica (duração). Espaços e períodos mais largos. Na 6ª feira,
velocidade especifica. Sábado, recuperação ativa e preparação da competição. A
dinâmica é esta, em termos de dominância, mas sempre flexível, ajustável. pronto.
(IV, p. 21)

Em relação à dinâmica das intensidades e volumes o treinador salienta


o seguinte:

Para mim é extremamente importante, treinar com intensidades altas e


volumes também relativamente significativos. Refiro-me a um volume de

255
intensidades percebe? Ao longo da semana. A duração do treino é variável, mas
raramente longo, mas sempre com intensidade elevada. Pode haver um que seja
mais longo que outros, é verdade, mas depende de um conjunto de variáveis que
devemos ter sempre presente ... exemplo: momento da época, complexidade do
jogo anterior, do jogo ou jogos seguintes, perfil do calendário competitivo, estado
de aptidão dos jogadores … etc… mas apesar dos treinos dominantemente não
serem longos, também me parece importante criar contextos em que os jogadores
experimentem situações de treinar em fadiga, para aprenderem a jogar em fadiga.
(IV, p. 23)

Em relação à gestão física o treinador salienta o seguinte:

A gestão física, melhor, a gestão do esforço (contemplando todas as


dimensões do rendimento) sempre influencia a situação/exercício de treino que
elaboro. Dominantemente em regime tático/técnico/estratégico. Um “Jogar”
específico, sempre requisita um esforço específico, logo essa” gestão” terá que
ser nesse contexto(s) específico. (IV, p. 22)

Quando se entra no período competitivo as preocupações mantêm-se


as mesmas /i.e., desenvolver o modelo de jogo), respeitando a mesma
estrutura semanal, mas com a adição de particularidades estratégicas, ou
seja, através da análise do adversário, é necessário fazer alguns ajustes,
como se depreende a partir da transcrição abaixo:

Existe é o meu modelo tático, a organização de jogo para a equipa. E


depois estabeleço planos, contemplando sempre o lado tático-estratégico.
Portanto, implica a manipulação dos exercícios e implica perseguir algumas
particularidades que, na vossa linguagem, provavelmente, lhe chamam
subprincípios. Portanto, são algumas particularidades tático/estratégicas que eu
pretendo do ponto de vista das ações individuais, setoriais, intersectoriais e
coletivas, que se estabeleçam mais de uma maneira do que de outra,
compreende? Mas, fundamentalmente, é isso. (IV, p. 22)

Quando durante as semanas do período competitivo existem mais do


que um jogo, então o treinador entende que no intervalo disponível só se
pode recuperar do esforço do jogo anterior para estar preparado para o jogo
seguinte:

“Claro que tem que haver porque há 3 momentos (jogos) que são top, do
ponto de vista da complexidade, do esforço que requisitam aos jogadores e à

256
equipa. Portanto, você tem que jogar, tem que recuperar, tem que jogar, tem que
recuperar e tem que jogar e o resultado do jogo anterior é importante, para que se
consiga recuperar melhor. No meu modo de ver, não há outro caminho. É isso que
eu privilegio, é este o morfociclo que trabalho. As unidades de treino são
normalmente em regime tático/estratégico e sempre aquisitivas. O que é que
baixa? Provavelmente baixa a duração e baixa claramente a intensidade… Não
quer dizer que não tenha situações intensas. Elas são é de muito curta duração,
sempre. Percebe? A diferença está aí.” (IV, p. 26).

2.4.4. Em síntese

Os objetivos do treinador são ao longo do processo de treino fazer


evoluir para patamares de complexidade cada vez maiores o modelo de jogo
da equipa. Tal modelo funciona como uma carta de intenções que serve para
guiar os jogadores durante o jogo de futebol. Face à imprevisibilidade do jogo
e à sua natureza caótica, essa carta de intenções não deve castrar a
criatividade dos jogadores e estes devem gozar de liberdade para agirem
com eficácia quando o jogo se apresenta imprevisível.

Ao longo dos períodos de treino as sessões são ocupadas


maioritariamente com exercícios específicos e representativos com os fatores
de rendimento trabalhados em interação sistémica. Tais exercícios são
criados e sequenciados levando em conta simultaneamente a necessidade
de, entre um jogo e outro, os jogadores recuperarem os índices fisiológicos
específicos para competir.

Termina-se esta análise com uma imagem (Figura 6) de modo a ajudar


o leitor a ficar com uma ideia de alguns dos conceitos mais importantes.

257
Figura 6

Frequência de palavras Ilídio Vale

2.5. Entrevista 5 – A perspetiva de Francisco Neto

Francisco Neto nasceu em Mortágua a 11 de julho de 1981 e é


atualmente Selecionador Nacional A - Feminina. Além de desempenhar esse
cargo, Francisco Neto é também o Coordenador Metodológico do futebol de
formação feminino na Federação Portuguesa de Futebol.

Francisco Neto tem sido um dos maiores responsáveis pela evolução da


seleção nacional feminina no panorama internacional, tendo participado pela
primeira vez na fase final do Campeonato Europeu de Futebol Feminino em
2017. Por este motivo, foi um dos selecionados para participar na presente
investigação.

A entrevista for realizada em fevereiro de 2020, em Guimarães, numa


unidade hoteleira onde a seleção se encontrava a estagiar.

2.5.1. A formação e percurso do treinador

Francisco Neto tinha seis anos quando começou a acompanhar os


treinos do pai, Carlos Neto, no Mortágua Futebol Clube, o emblema da terra

258
que o viu crescer. Cedo quis seguir as pegadas do progenitor e acabou por
fazê-lo em 2001, aos 20 anos, quando o convidaram a orientar a seleção
distrital de sub-13, da Associação de Futebol de Viseu (AFV).

O início do meu percurso teve influência familiar. O meu pai era


treinador e eu desde muito cedo que o acompanhei nas equipas que ele
treinava, principalmente na vila onde eu nasci, que foi em Mortágua. Ainda
por cima ele era o treinador do meu irmão e eu acabava por estar com ele e
acompanhava. Depois, fui praticante, mas nunca tive grande apetência. Contudo,
tive um professor de educação física, na altura, que me puxou para o treino muito
cedo. Convidou-me para trabalhar com ele assim que eu entrei na universidade,
com 18 anos. Fui convidado para ir trabalhar com ele nas camadas jovens das
seleções distritais da Associação de Futebol de Viseu e, com 18 anos, já estava
no treino. (FN, p. 1)

Em 2007, Francisco Neto foi promovido ao cargo de coordenador


técnico na Associação de Futebol de Viseu, passando a ser responsável por
todas as seleções distritais da associação. Essa posição permitiu-lhe cumprir
um estágio na Seleção Nacional A - Feminina, durante o torneio internacional
de futebol feminino Algarve Cup. O estágio na principal equipa das quinas
feminina levou-o a integrar o corpo técnico da então Selecionadora Mónica
Jorge, onde desempenhou a função de treinador de guarda-redes até 2010.
Mais tarde, foi convidado a treinar a Seleção Indiana de sub-21 masculina e
conduziu a Índia a uma histórica medalha de ouro nos Jogos da Lusofonia de
2014.

No regresso a Portugal, surgiu um novo convite da Federação


Portuguesa de Futebol (FPF), desta feita para ser o timoneiro da principal
Seleção Nacional Feminina, o que viria a acontecer em fevereiro de 2014.
Dois anos depois de assumir o comando técnico de Portugal, Francisco Neto
garante o primeiro apuramento da Equipa das Quinas para a fase final do
Campeonato da Europa, que se realizou na Holanda, no verão de 2017.

No currículo do Selecionador Nacional de Futebol Feminino importa


salientar a formação adquirida nos cursos de treinador promovidos pela
Federação Portuguesa de Futebol e a formação académica, na medida em
que o treinador considera que os conhecimentos adquiridos, quer nos cursos

259
de nível I, II, III e IV, quer na Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto aquando da licenciatura em Ciências do Desporto e na Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro onde realizou o mestrado na mesma área,
foram extremamente importantes para a eficiência do seu desempenho
enquanto treinador. O mesmo pode ser percebido através da transcrição
abaixo:

Eu não fui um praticante de alto nível, joguei até aos juvenis e a minha
formação é muito académica. Fui praticando outras modalidades mas, sem dúvida
nenhuma, o meu primeiro percurso foi a nível académico na Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto, onde segui o alto rendimento de futebol, a
especialização, na altura, e depois o nível 2, nível 3 e nível 4, a Associação e
Federação e, sem dúvida, são meios fundamentais para a nossa organização,
para a partilha de conhecimentos e para, também, a troca de experiências. É
fundamental. (FN, p. 1)

Para Francisco Neto, a componente teórica bem como a experiência


prática refletida, assumem ainda capital importância porque permitem ter uma
base sólida que na prática funciona como leme, ou seja, um instrumento que
permite ajustes em função das interpretações de cada um perante as
circunstâncias do dia-a-dia. Esses ajustes acabam por ser uma espécie de
cunho pessoal que faz com que os processos metodológicos outrora
adquiridos, sejam traduzidos e transformados na prática passando a ser uma
propriedade específica de cada um que reflete a prática com base na teoria.
Esta é uma ideia que se pode perceber a partir da transcrição abaixo:

A formação teórica é fundamental. Claro que não é uma coisa fechada,


mas é a base onde tu começas. Há princípios metodológicos que tu adquires no
lado teórico. Esses princípios metodológicos, tu vais pô-los em prática e vais
exercitando e vais experimentando e vais-te sentindo confortável, vais ajustando e
criando a tua própria metodologia, criando a tua forma, pelo menos, de
percecionar o treino e o exercício, a tua liderança também, por isso, sem dúvida
nenhuma que é fundamental a experiência acumulada anteriormente, é algo que é
fundamental para a tua construção e para a tua carreira. (FN, p. 2)

Importa também referir que o treinador salienta a importância dos anos


de experiência acumulada como jogador e treinador adjunto para justificar
algum do sucesso que tem alcançado. Destaca principalmente as

260
competências ao nível da liderança na gestão de conflitos no balneário e das
particularidades inerentes ao facto de ser uma seleção e não um clube. Tal
pode ser entendido a partir da transcrição do excerto da entrevista abaixo:

Enquanto jogador de futebol, apesar de não ter tido uma carreira muito
longa, e o ter praticado basquetebol enquanto sénior, deu-me conhecimentos
acerca da dinâmica do balneário, do grupo, das lideranças, do perceber o
que é a gestão dos conflitos dentro de um balneário. Essa experiência foi
fundamental para perceber e antecipar os problemas que, às vezes, um balneário
tem. Foi também muito importante para mim ter sido adjunto e, para mim, eu acho
que foi uma vantagem. Passando aqui agora para o ponto de ser selecionador
nacional, porque eu desde muito cedo comecei a trabalhar os aspetos de seleção.
Na Associação de Futebol de Viseu, treinei todas as seleções. Desde os sub11
aos seniores. Trabalhei também com o feminino nos diversos escalões, e isto
permitiu-me fazer muito e direcionar muito o meu trabalho para este contexto, que
é completamente diferente do ser treinador de clube. Conseguir priorizar com
muita facilidade o que é que é importante, o que é que não é importante, afinar o
meu olho na observação, escolher jogadoras. Ou seja, todo o meu passado, todo
o meu background de muitos anos de escolha neste registo, facilita muito a minha
tarefa hoje em dia. (FN, p. 2).

Depois de ficarmos a conhecer o percurso do selecionador nacional


Francisco Neto, a entrevista orientou-se para questões relacionadas com o
jogo de futebol, a equipa e o treino. Assim, posteriormente apresenta-se a
categoria intitulada origem e influências do modelo de jogo.

2.5.2. Origem e influências do modelo de jogo

Com a entrevista efetuada ao treinador Francisco Neto, foi possível


identificar algumas particularidades acerca da construção de um modelo de
jogo. Tais particularidades advêm do contexto em que o treinador está
atualmente inserido – seleção nacional feminina de futebol.

A maior particularidade apresentada em relação à construção do


modelo de jogo tem a ver com o facto de tal criação ter uma forte influência
da realidade competitiva onde a seleção nacional portuguesa esta inserida e
do nível de qualidade que a seleção portuguesa apresenta enquanto equipa
coletiva, quando comparada com outras seleções que se encontram num

261
patamar mais evoluído. O mesmo se pode depreender a partir do excerto
abaixo transcrito.

Na nossa dimensão e naquilo que é o contexto, principalmente aqui no


feminino, no contexto onde estamos inseridos, não sendo nós uma equipa
dominadora na Europa, ainda, só faz sentido e só conseguimos ser
competitivos se a nossa equipa conseguir funcionar em todos os momentos
do jogo como um bloco. Se estiverem interligadas, se todas perceberem aquilo
que estamos a fazer nos momentos e nas fases. Aqui montamos as coisas mesmo
dessa maneira. (...) O nosso jogo posicional no ataque ainda não é tão profundo e
tão largo como nós queríamos, mas isso é porque no momento de perda se nós
formos mais largos e mais profundos, ainda não conseguimos, não temos a
capacidade para poder depois impedir aquilo que os adversários nos podem
colocar porque são altamente poderosos. Então, isso obriga que o nosso jogo
posicional seja ligeiramente de maior proximidade e não tão como nós
gostaríamos, e é para isso que nós estamos a trabalhar, para lá chegar. Mas
neste momento não conseguimos ser porque o jogo e o contexto onde
estamos inseridos não permitem que assim seja. (FN, p. 3)

Em relação à importância de haver uma ideia de jogo por parte dos


treinadores, mesmo noutros contextos, esta é notória ao longo da entrevista.
Importa referir que esta ideia a determinados níveis competitivos sofre uma
ligeira adaptação em função das caraterísticas dos jogadores que compõem
o plantel. A opinião de Francisco Neto pode ser percebida através da
transcrição abaixo.

A ideia de jogo do treinador ir ao encontro de potenciar os jogadores que


tem. Ou seja, o Pep Guardiola procura, tem jogadores e procura uma forma de
jogar que os potencie. Se nós metermos, e se ele optasse por ter o Aguero a
ponta de lança, mas o jogo todo dele fosse assimilado em jogo exterior para
cruzamentos para a área, se calhar não estava a potenciar aquilo onde ele era
mais forte e, a este nível, eu acho que este tipo de treinadores, com a experiência
que ele tem, têm muito forte uma ideia de jogo deles, que gostam de
implementar, mas ao mesmo tempo procuram, dentro da ideia de jogo deles,
potenciar os jogadores para retirar o melhor deles e, ao mesmo tempo, fazer
expressar a sua forma de jogar. (FN, p. 7 e 8)

Todavia, o treinador salienta que as ideias de jogo que os treinadores


possuem, com o tempo acabam por influenciar os jogadores que escolhem

262
para fazer parte dos planteis que lideram. O mesmo pode-se compreender a
partir do excerto seguinte:

Claro que depois, na continuidade, e em clubes onde tens capacidade de


seleção grande, podes ir abdicando de jogadores e ir contratando jogadores
para formar ainda mais a tua ideia de jogo. Se calhar, por exemplo, é um
exemplo o Klopp, por isso é que esteve 4 ou 5 anos sem vencer, porque foi
construindo a equipa lentamente não só na ideia de jogo, na assimilação dos
processos dele, mas também na contratação de jogadores específicos e ajustados
para aquilo que é a realidade da forma de jogar. (FN, p. 8)

Ainda em relação às ideias de jogo, o treinador refere que pode dar-se o


caso do próprio ADN do clube acabar por ter uma forte influência nas ideias
de jogo que os treinadores adotam. Tal pode depreender-se a partir da
seguinte transcrição:

As equipas que sejam altamente dominadoras, não alterarem a sua forma


de jogar drasticamente de um treinador para o outro. Não sei se me estou a fazer
entender. Ou seja, eu acho que as equipas acabam por ter ali um padrão e a
contratação, hoje em dia, a este nível, dos treinadores é muito também em
função disso, ou seja estamos a falar de equipas de ação dominadora, equipas
que já ganham. Acho que têm ali um ADN incorporado que depois os treinadores
acabam sempre por ter que assumir esse ADN. (FN, p. 8)

De seguida, apresentam-se as interpretações relativas a algumas


particularidades do treino.

2.5.3. O treino com vista ao aperfeiçoamento das decisões dos


jogadores

Com a entrevista a Francisco Neto, pode-se perceber que o tempo


dedicado ao treino tem como objetivo melhorar os princípios do modelo de
jogo que carateriza a identidade da equipa. O mesmo se pode depreender a
partir da seguinte transcrição da entrevista.

Os nossos princípios coletivos, sectoriais, individuais, têm que estar


assimilados, que é para isso que a gente trabalha, é para isso que a gente
treina. Sem dúvida nenhuma que é fundamental. (FN, p. 9)

263
O treinador acrescenta que é fundamental priorizar em função daquilo
que são as necessidades táticas da equipa, respeitando o estado atual das
jogadoras, e também levar em conta a componente estratégica relacionada
com as caraterísticas do adversário que se vai defrontar. De modo a
conseguir um processo de treino eficaz, Francisco Neto identifica algumas
caraterísticas, ao nível das tarefas práticas, que as sessões de treino devem
evidenciar, que se expressam na próxima subcategoria.

2.5.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios de treino

Após a análise da entrevista, verifica-se que os exercícios utilizados


pelo treinador apresentam como caraterística principal serem representativos
do jogo de futebol. Como se pode verificar através da seguinte transcrição:

Procuramos sempre fazer de forma jogada, ok? Não quer dizer, ou seja,
a preponderância entre os dois, há momentos onde trabalhamos, quando são
problemas muito específicos, acabamos por passar algum tempo, principalmente
em alguns setores muito específicos, principalmente a linha defensiva,
trabalhamos aqui com algum tipo de situação, de uma forma um bocadinho mais
analítica, um bocadinho mais grupal e afastada e desassociada daquilo que é o
jogo. Mas se fossemos pôr aqui numa percentagem daquilo que é, utilizávamos,
provavelmente, 90% em forma jogada e aí sim, inserimos elementos facilitadores
ou não, ou condutores daquilo que a gente quer que aconteça, porque só através
da repetição, é que eu acho que as coisas têm sentido. (FN, p. 12)

Percebe-se também a partir do excerto que as formas jogadas, para


além de representativas, são direcionadas para a especificidade dos
princípios do modelo de jogo. Tal pode ainda entender-se a partir do excerto
transcrito de seguida:

Acima de tudo, jogando. Isso é aquilo que nós queremos. (...). Nós
procuramos muitas vezes recriar em treino, o máximo de vezes possível,
aquilo que nós achamos que nos vai acontecer no jogo. Ou seja, retiramos um
bocadinho daquilo que é o padrão de problemas que nós achamos que vamos
solicitar, a forma como nós também queremos criar problemas aos adversários e
em 5 unidades de treino, que é aquilo que normalmente nós temos para preparar
um jogo internacional, o primeiro jogo internacional, o segundo já só temos 3
unidades de treino, nós tentamos recriar ao máximo este tipo de situações para

264
que as jogadoras estejam muito confortáveis quando tiverem que tomar essas
decisões dentro de campo. (FN, p. 7)

Ainda através dos excertos é possível verificar que o treinador utiliza


alguns elementos facilitadores para que através das formas jogadas se torne
mais fácil o aparecimento dos comportamentos específicos do modelo de
jogo que se pretendem afinar, como se verifica na resposta à pergunta: “Esses
elementos condutores podem ser retirar um jogador, por um jogador?” (AFV, p. 12).

Retirar um jogador, pôr um jogador, permitir a invasão de espaços,


condicionar espaços, ou seja, trabalhar aquilo que se chama, com as
condicionantes estruturais do exercício, mexer nelas de forma a condicionar e que
o comportamento que nós queremos que aconteça, aconteça mais vezes, que se
repita mais vezes. Só assim é que o exercício é bom. Um exercício só é bom, não
é porque elas correm muito ou porque se rasgam muito. O exercício só é bom
se, no final do exercício, na nossa reflexão, aquilo que nós nos propusemos
aconteceu realmente muitas vezes. (FN, p. 12)

A terceira caraterística encontrada relaciona-se com a escala de


representatividade. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo de
futebol estejam presentes por vezes é importante reduzir a escala da
complexidade propondo exercícios que estejam direcionados mais para um
ou outro momento de jogo ou para um ou outro setor da equipa. Tal
depreende-se a partir do excerto transcrito abaixo:

Sim. É um bocadinho por aí. Acima de tudo, jogando. Isso é aquilo que nós
queremos. Muitas vezes alocando algumas partes do jogo, ou retirando do jogo
algumas partes que nós queremos trabalhar, exercitar, priorizando isso como uma
prioridade, salvo seja, salvo a redundância, para esse treino, e depois,
exercitando, sistematizando aquilo que nós queremos que apareça, que apareça
no jogo e, em função do dia, à escala a que nós queremos que ela aconteça. A
uma escala maior, a uma escala intermédia ou a uma escala menor, mas
sempre nesse registo. (FN, p. 10)

Nós dividimos por dias, ou seja, em função do dia trabalhamos a escala do


jogo que queremos e, em função da proximidade do jogo, trabalhamos na escala
que pretendemos. Numa escala maior, os aspetos mais coletivos, numa escala
intermédia, os aspetos mais sectoriais e numa escala menor, os aspetos
mais grupais e de ligação que nós procuramos fazer. E isso aparece em
função do dia e, depois, em função da nossa proximidade para o jogo. (FN, p. 12)

265
Não obstante ser importante que os exercícios propostos sejam
pensados para orientar os comportamentos dos jogadores para determinado
aspeto, segundo Francisco Neto é necessário haver uma eficaz intervenção
pedagógica do treinador:

Sem dúvida nenhuma, tanto no jogo como no treino, no patamar onde nós
estamos inseridos, o feedback é essencial. Durante o exercício, sempre na
procura da correção, sempre na procura da prescrição, não no sentido de
direcionar o exercício, mas de ajudar a arranjar soluções para. Mas o grande
segredo do feedback é o timing com que tu o dás e a frequência com que tu
o dás, e essa é que é a dificuldade, e foi a minha dificuldade, também
enquanto treinador, que é uma coisa que tu vais adquirindo ao longo da tua
experiência. Eu, sem dúvida nenhuma, estou aqui há 6 anos, sem dúvida no
início, falava muito mais do que falo agora. E é também perceber em função do
tipo de feedbacks, também as características dos próprios jogadores, porque isto
tem um lado muito emocional, o jogo, e há jogadores que reagem muito bem a
feedbacks de uma forma e outros que reagem muito bem a outros feedbacks…
uns querem muito feedbacks emocionais, outros feedbacks mais direcionados
para aquilo que é a tarefa e tu tens que também saber perceber os jogadores,
perceber o timing onde podes intervir e fazer essa intervenção. Agora, eu acho
que nós temos que, e é nossa função, porque eu acho que, muitas vezes, o
exercício, por si só, não responde a isso, acho que nós temos que ajudar os
jogadores. (FN, p. 11)

Por último, a análise da entrevista tomou o rumo da periodização do


treino, de modo a tentar perceber como esse processo é dirigido apresenta-
se de seguida uma secção dedicada a esse tema.

2.5.3.2. Periodização de acordo com a especificidade e


representatividade

No espaço de seleção nacional A - feminina, durante a fase


preparatória, também existem algumas datas fixas e, portanto, a equipa está
a competir. Ou seja, não existem períodos preparatórios sem competição.
Podem ser chamados de jogos preparatórios, mas mesmo esses, atendendo
ao facto de estar muito tempo parado sem estar com as jogadoras, aquilo

266
que o treinador pretende é aproveitar para trabalhar o modelo de jogo. Então,
aquilo que é importante é procurar:

...através das questões táticas, das questões técnicas e das questões


psicológicas, ou seja, através do nosso jogo, que as jogadoras se adaptem
depois àquilo que vão ser as solicitações que vão ter no jogo. Em espaço
seleção, o que eu quero dizer com isto, é que em espaço seleção, o lado tático
tem sempre um peso muito grande. (FN, p. 5)

Porque, por exemplo, imaginemos, o primeiro estágio em agosto, significa


que tivemos uma paragem, possivelmente, de 4 ou 5 meses. Então, nessa
paragem de 4 ou 5 meses, nós quando regressamos com as jogadoras, a nossa
grande preocupação é muito tática. (Entrevistador: E o tático e os fatores
interligados, neste caso.). Sim, sim, sem dúvida nenhuma os fatores interligados.
Não dissociamos…não dissociamos nada, ou seja, prioridade é a questão tática e
tudo o resto tem que vir como suporte daquilo que é a nossa ideia e o nosso jogo.
(FN, p. 13)

Francisco Neto acrescenta que desde a primeira semana, desde o


primeiro dia de treino até final da época, as sessões de treino são pensadas
sempre a partir do dia de jogo para trás. Utilizando como estrutura o
morfociclo-padrão da Periodização Tática, como se depreende através do
excerto da entrevista:

A nossa referência é sempre o jogo, depois fazemos do jogo para trás. Ou


seja, no dia antes do jogo é uma coisa, 2 dias é outra coisa, menos 3 é outra
coisa, menos 4 é outra coisa. E depois, se tens para um jogo, imagina se tens só 2
dias de intervalo porque vais jogar aqui depois vais para a Algarve Cup, jogas
passados dois dias, ou seja, é sempre o mesmo morfociclo, é igual porque é a
referência… passa a ser a referência o jogo seguinte e tu ajustas em função
disso. (FN, p. 15)

Quando se entra em períodos de competição a ideia é, por exemplo, em


5 dias ajustar as jogadoras a uma ideia comum:

Tens jogadores que, se calhar, neste momento, tens 23 jogadoras oriundas


de 8 clubes diferentes, são 8 ideias de jogo completamente diferentes, 8
lideranças completamente diferentes e tu tens 5 dias para pô-las a pensar, o
máximo de jogadoras possível, na mesma ideia. E este é o grande desafio.

267
(Entrevistador: Portanto, os fatores estão interligados e são trabalhados em função
do modelo de jogo?). Do modelo de jogo, sem dúvida. (FN, p. 17)

Para tal ajusta-se a tática aos dias da semana que antecedem o jogo e
solicitam-se estruturas condicionais diferentes:

“(Entrevistador: Ou seja, essa tática não é sempre a mesma em todos os


dias? Tem escalas?). Tem escalas de jogar diferente. Para quê? Para não criar
fadiga. Ou seja, que aquilo que se chama, alteração horizontal das cargas, por
isso mesmo. Ou seja, a grande ideia é que nós, num dia, trabalhamos num
registo, numa escala, num registo de tensão e no dia seguinte tem de ser
diferente, para não haver sobrecarga nas estruturas musculares dos
jogadores. (FN, p. 18)

A entrevista terminou com a sugestão, por parte do treinador, da leitura


do livro de Marisa Gomes, na medida em que é a partir desta obra e com o
auxílio da autora, também ela treinadora da seleção nacional, que o processo
de treino é pensado. Seguidamente faz-se uma breve síntese da análise da
entrevista.

2.5.4. Em síntese

Em traços gerais, pode-se afirmar que no contexto da seleção nacional


feminina existe uma ideia de jogo que articula os comportamentos dos
jogadores. Essa ideia de jogo manifesta-se através da interligação sistémica
de todos os fatores do rendimento.

Face a esta realidade, as sessões durante os períodos de treino são


ocupadas na sua maioria com situações jogáveis específicas e
representativas do jogo de futebol, com os fatores de rendimento em
interação sistémica. A sua utilização e sequenciação leva em conta a
necessidade de os jogadores estarem em condições fisiológicas para
competir.

268
Na Figura 7, em jeito de ilustração, reúnem-se algumas das palavras
que foram sendo mais vezes proferidas pelo selecionador nacional.

Figura 7

Frequência de palavras Francisco Neto

2.6. Entrevista 6 – A perspetiva de José Peseiro

José Vítor dos Santos Peseiro, mais conhecido como José


Peseiro, nasceu em Coruche, a 4 de abril de 1960 e é um treinador e ex-
futebolista português que atuava como avançado. Atualmente desempenha o
cargo de treinador da Seleção da Venezuela.

Ao longo do seu percurso, José Peseiro ganhou uma Segunda Liga,


uma Taça da Associação de Futebol da Madeira, uma Supertaça de
Espanha, uma Taça da Liga e uma Liga Egípcia. Em virtude da sua vasta
experiência foi incluído na presente investigação. A entrevista foi realizada
em maio de 2020, através da plataforma digital Facetime.

2.6.1. A formação e percurso do treinador

A opção por ser treinador tem origem nas vivências que foi acumulando
desde os tempos de criança, quer na rua e no clube enquanto praticante,
quer como espetador atento dos jogos do clube da terra e dos jogos

269
internacionais televisionados. Esta ideia pode ser entendida através da
transcrição abaixo:

As vivências de ver futebol desde miúdo, que era a modalidade com


mais impacto em Coruche, penso que seria a única federada. Vivências
como ver o Ajax, a Holanda, o Brasil de 1982. Mas muitas vivências de ver e
jogar o futebol de rua, fundamentalmente o jogo de rua. Na nossa infância
passávamos horas a jogar futebol até os nossos pais nos irem buscar. Jogávamos
em qualquer lugar e ainda por cima, com o privilégio de construir o campo.
Primeiro com pedras, depois com postes, posteriormente com barra, e por fim com
postes e barra e rede. Importa também realçar o facto de ter visto muitos jogos de
futebol no Clube Coruchense, eu gostava muito, chegava a ver os juniores, as
reservas, havia as reservas e os seniores. (JP, p. 1)

O adensar do gosto pelo treino, deu-se durante os tempos de jogador


de futebol, principalmente quando teve a oportunidade de jogar na 2ª divisão
Nacional, como se pode averiguar através da transcrição abaixo:

O ter sido praticante, fui praticante desde miúdo, não só nessa altura do
jogo de rua mas, também, no jogo entre bairros em que havia sempre um carola
que fazia uma equipa e treinava. Depois, ter sido jogador federado na
Associação de Futebol de Santarém e ter chegado à 2ª Divisão. (JP, p. 1)

Ao mesmo tempo que José Peseiro era jogador de futebol, era também
aluno no Instituto Superior de Educação Física (ISEF), de Lisboa. Tal facto,
entende o treinador, também o ajudou a consumar o gosto pelo treino, como
se percebe na transcrição abaixo:

...também poderá ter contribuído o ter sido aluno do ISEF, eu fui para o
ISEF com a vontade de ser treinador e não de ser professor. Por isso, no 3º ano,
escolhi não o ramo educacional, mas sim o ramo de desporto, apesar de ter notas
suficientes para ir para as turmas de ensino, que garantia o trabalho, como sabes,
ficávamos efetivos. Eu escolhi a opção futebol, ramo de desporto. (...). Depois, ter
tido como professores o Jorge Castelo, o Carlos Queiroz, o Jesualdo Ferreira, o
Nelo Vingada, o Arnaldo Cunha. (JP, p. 2)

José Peseiro entende, também, que o facto de ser detentor de uma


vasta experiência prática o ajudou a melhor refletir sobre a teoria que ia
aprendendo nas salas de aula da faculdade. O mesmo se pode compreender
através da transcrição:

270
...a confrontação entre aquilo que era a minha prática e a teoria, alertou-me,
abriu-me os olhos para aquilo que seria o modo como eu veria o futebol. Portanto,
se eu não tivesse a prática talvez não tivesse entendido tão bem aquilo que
eram as mensagens que me estavam a ser enviadas naquela altura no ISEF.
Nós costumamos dizer que o curso não é um fim em si mesmo, através daquilo
que aprendemos na universidade passámos a ver mais coisas, a ter mais
capacidade, mais hipóteses, mais ferramentas, mais sensibilidade para ver tudo e
muitas mais coisas. (JP, p. 3)

Em relação à dimensão teórica, o treinador considera, ainda, que o


facto de ter adquirido conhecimentos no ISEF, foi fundamental para o
desenvolvimento de competências ao nível da operacionalização do treino.

Muita, muita importância (formação teórica) mas também está a falar


quem teve formação académica e teve os cursos. Não sei, se eu não os
tivesse tido, se tinha esta opinião, não é? A verdade é que há um fator importante,
também, é que eu jogava um jogo e aprendi outro, ou seja, eu treinava e tive
grandes treinadores, treinadores com grande nome, mas treinadores que, no
fundo, o seu conhecimento não tinha o suporte científico que existe neste
momento. O futebol, naquela altura, não tinha um corpo de conhecimento que tem
hoje, era uma modalidade que dependia muito do treino de atletismo, e o treino
suportava-se nos jogos de 11 contra 11 e finalização. Mas, quando eu entro no
ISEF (...) e começo a entender o jogo, percebo que o jogo que eu jogava, o jogo
que eu andava a aprender no campo não era o mesmo que estava a aprender no
ISEF. Portanto, isso foi decisivo e comecei a ver o futebol de outra forma. Não o
futebol dependente do atletismo, da corrida, do salto e do jogo 11 contra 11, que
era o que se repetia sistematicamente durante a semana, mas sim o jogo de
princípios, de modelos, de diferentes metodologias. Deste modo, o ISEF e,
reforço, a influência de Carlos Queiroz e de Jorge Castelo, com quem tive mais
aulas, mas também de Nelo Vingada e de todos os professores que nós tivemos,
(não sei se chegaste a ver aquele livro dos Princípios do Jogo, editado pelo
Professor Jesualdo e pelo Carlos Queiroz), ajudou-me a ver o jogo de outra forma.
(JP, p. 2)

No entanto, salienta que o modo como hoje encara o treino tem sofrido
evoluções desde os tempos de faculdade. Nem tudo o que fazia no início da
carreira, também por influência de professores de outras modalidades
desportivas que tinham uma forte ligação ao que se fazia na Europa de

271
Leste, se mantém na atualidade. Tal pode ser observado a partir do excerto
da transcrição abaixo:

É evidente que eu saí do ISEF e fui fazer aquelas toalhas de planeamento.


Nas primeiras equipas que eu treinei, fazia um planeamento anual, com a
distribuição daquilo que eu queria treinar. Tinha um painel que neste momento já
não utilizo. Até porque eu, também no ISEF, além do futebol, encontrei treinadores
de basquetebol, andebol, voleibol, treinadores que tinham feito a sua formação
no Leste Europeu em escolas que estavam muito desenvolvidas em termos
de metodologia de treino na área da fisiologia. Evidentemente que a
organização, o planeamento das épocas que nós fazíamos naquela altura, não
bebiam do individual, mas bebiam muito daquilo que eu aprendi com esses
professores. Mais do que absorvido do futebol, esse tipo de planeamento absorvi
de outras modalidades. Então eu construía planeamentos que, neste momento,
olhando para aquilo, dá-me vontade de rir. Só não me rio porque cada um passa
pelas fases de desenvolvimento que tem de passar. A verdade é que construía um
ciclo anual, um meso ciclo, os microciclos e tudo naquela perfeição. Mas, talvez
tenha sido importante para a minha formação, porque isso obrigou-me a buscar
muitas ferramentas, a buscar muitas formas de pensar, de pensar coisas para as
escrever, e escrevi muitas durante muitos anos. (JP, p. 3)

Depois de terminar a carreira de jogador, José Peseiro começou a de


treinador no União de Santarém, no ano de 1992, o qual viria a abandonar
em 1994 após ter ganho o Campeonato Nacional da 3ª Divisão. Nesse
mesmo ano, ingressou no União de Montemor, onde cumpriu duas Épocas
na 2ª divisão nacional. Em 1996, deixou Montemor para vir a treinar um
histórico da cidade de Lisboa, o Clube Oriental de Lisboa. Neste clube
permaneceu três anos, disputando a subida por dois anos consecutivos
acabando as épocas em 2º lugar na tabela classificativa.

Em junho de 1999 viaja para a Madeira, para treinar o Nacional


local. Na primeira época conseguiu a subida à 2ª divisão nacional, ao
conquistar o Campeonato Nacional da 2ª divisão B. Em 2001/2002, com o 3.º
lugar na segunda liga concretiza um sonho de carreira com a ascensão do
clube ao principal escalão do futebol profissional português. No ano de
2002/2003, cumpre a primeira Época no 1º escalão do futebol português,
garantindo a manutenção bem cedo no campeonato. Após a sua saída foi

272
considerado o treinador do século do clube Nacional da Madeira, sendo
galardoado por isso.

Na época de 2003/2004, José Peseiro assume o cargo de treinador-


adjunto no Real Madrid Clube de Futebol, ao lado de Carlos Queiroz, à época
o técnico principal. Conquistou a supertaça de Espanha e chegou aos
quartos de final da Liga dos Campeões. Esta experiência como treinador
adjunto, foi a única até hoje, durante todo o seu percurso.

Em 2004, José Peseiro regressa ao cargo de treinador principal


em Portugal, num outro histórico nacional, o Sporting Clube de Portugal. José
Peseiro demonstrou-se ambicioso em conseguir grandes conquistas com o
seu novo clube, foi detentor durante vários anos do record de golos marcados
por uma equipa na Liga Portuguesa. Na taça de Portugal, foi eliminado nos
quartos de finais, no Estádio da Luz, casa do Sport Lisboa e Benfica no
desempate por grandes penalidades.

O jogo praticado pelo Sporting foi apelidado do futebol espetáculo quer


em Portugal, quer por toda a Europa, na Taça UEFA, onde eliminou equipas
como o Feyenoord, Middlesbrough, Newcastle, Az-Alkmar, chegando à final
com o CSKA Moscovo de onde saiu vencido. Com este percurso, foi
considerado pela Liga Portuguesa e pelo Associação dos Jornalistas de
Desporto (CNID), o Treinador do Ano em Portugal.

Em Junho de 2006, José Peseiro, inicia a sua experiência no Médio


Oriente, aceitando o convite do Clube Al-Hilal da arábia saudita, um dos
clubes mais titulados da Arábia Saudita, mas a quem o título fugia há 3
épocas desportivas.

Em 5 de junho de 2007 assume o cargo de treinador do Panathinaikos.


No campeonato grego, tentou levar o clube ao título, lutando até à última
jornada, acabando vice-campeão, logrando o apuramento para a UEFA
Champions League, lugar que o clube não conseguia desde 2003. Após a
época terminar, o presidente do Panathinaikos demite-se a 14 de Maio de
2008 e José Peseiro renuncia ao cargo, em solidariedade com o presidente.

A 3 de junho de 2008 foi apresentado como treinador do Rapid


Bucareste. Mesmo após graves problemas financeiros do clube conseguiu

273
manter uma equipa competitiva até à paragem de inverno e durante esse
interregno acordou a rescisão do comando técnico da equipa.

Em fevereiro de 2009, José Peseiro foi anunciado como o novo


treinador da seleção da Arabia Saudita. Apesar de ter chegado já com a fase
de qualificação para o mundial 2010 em andamento, numa seleção que
estava longe dos lugares de qualificação, José Peseiro conseguiu o 2º lugar,
que dá acesso ao play-off, ganhando em Teerão, capital do Irão, num jogo
com muita rivalidade entre ambas as seleções, pois nunca a Arábia Saudita
tinha ganho no Irão. No play-off, jogou com o Barém. Na 1ª mão empatou
fora a 0-0, na 2ª, apesar da superioridade de jogo apresentado pela Arábia
Saudita, e no último segundo de jogo, quando os adeptos já festejavam o
apuramento da Arábia, o Barém marca, empatando a partida, ficando o
resultado final de 2-2, qualificando-se assim o Barém para a última
eliminatória de play-off, onde jogou com a Nova Zelândia.

Em 2010, na Golf Cup disputada no Yeman onde se apresentou com


uma Seleção Mista, de jogadores da Equipa de Sub-23 e Seleção AA, foi
vice-campeã, perdendo 2-1 com o Kuwait em período de prolongamento. Em
2011 abandona o cargo de selecionador após ter disputado a Ásia Cup.

Em junho de 2012, foi anunciado como novo treinador do Sporting


Clube de Braga. Apurou a equipa para a fase de grupos da liga de
campeões, eliminando a Udinese, sendo apenas a 2ª vez na história do
clube, que esteve presente numa fase de grupos da liga dos campeões.
Venceu ainda a primeira Taça da Liga do Sporting Clube de Braga, diante do
F.C. Porto, a 13 de abril de 2013, em Coimbra.

Em Novembro de 2013, abraça novo projeto na Liga dos Emirados


Árabes Unidos, comandando o Al-Wahda equipa de Abu-Dhabi, na qual
consegue na primeira época após pegar na equipa no 10º Lugar, e na
consequência do recorde de 25 jogos consecutivos sem perder, o 2º lugar da
prova. Na sua segunda época ao comando do Al-Wahda, prossegue a sua
invencibilidade e após 11º jornadas sem derrotas, e ocupando o 2º lugar da
tabela, acaba por sair do clube de Abu-Dhabi, seguindo viagem para o Al-
Ahly do Egipto. Em Outubro de 2015, o clube egípcio contratou José Peseiro

274
com intenção de voltar a conquistar o título egípcio, que até então era
propriedade do Zamalek Sports Clube. Apesar da saída em finais de janeiro
de 2016, para o Futebol Clube do Porto, o Al-Ahly acaba mesmo por ser
campeão egípcio, fazendo também ele parte da conquista da liga egípcia.

No dia 6 de junho de 2016, foi novamente, pela segunda vez,


contratado como técnico do Sporting Clube de Braga, substituindo Paulo
Fonseca e regressando assim ao clube que representou em 2012/2013 e o
qual ajudou a conquistar a Taça da Liga. O treinador orientou os “Guerreiros
do Minho” em 23 encontros oficiais, vencendo 11, empatando cinco e saindo
derrotado em sete.

No primeiro dia de Janeiro de 2017 assina pelo Sharjah Futebol


Clube com o objetivo de manter o clube na primeira divisão dos Emirados, o
qual foi concretizado. Na UAE President´s Cup chegou às meias-finais
perdendo para o Al Wahda por 1-0. Deixa o comando da equipa em Outubro
de 2017.

A 28 de fevereiro de 2018, assume o comando técnico do Vitoria Sport


Clube de Guimarães num acordo válido até 2019. Numa altura em que o
clube passava bastantes dificuldades, após vários resultados nada
agradáveis o técnico foi substituir Pedro Martins na liderança do emblema
Vimaranense, fazendo deste o quinto emblema que o treinador orienta no
principal escalão do futebol português.

Posteriormente, no momento mais conturbado da história do Sporting


Clube de Portugal, é anunciado pela comissão de gestão liderada por Sousa
Cintra, a 1 de Julho de 2018, como treinador da equipa principal,
substituindo Jorge Jesus. Mesmo dentro de todo o ambiente desfavorável,
deixa a equipa a 2 pontos do primeiro classificado, sendo despedido pelo
presidente eleito que substitui a comissão de gestão, Frederico Varandas.

Depois de se ficar a conhecer o percurso e a carreira do treinador José


Peseiro, a entrevista teve como intenção aprofundar mais as opiniões do
treinador acerca da equipa, do jogo e do treino de futebol. Assim,
seguidamente, apresenta-se a análise referente a estas temáticas.

275
2.6.2. Uma ideia de jogo adaptada aos jogadores

De acordo com José Peseiro, atualmente quando se assiste a um jogo


entre duas equipas de futebol é possível identificar, quase na totalidade dos
coletivos, comportamentos de tal forma caraterísticos que permitem ao
espetador perceber quase imediatamente quem são os jogadores, quem é o
treinador da equipa e qual é o clube, sem ser preciso ver claramente as cores
e símbolo da camisola. O mesmo se depreende a partir do excerto abaixo
transcrito:

Há equipas que nós tiramos a camisola e sabemos quem está a jogar.


Isso tem a ver com uma ideia muito concreta do treinador, a possibilidade, a
qualidade e a capacidade de ter e envolver os jogadores num projeto. Criam-se
dinâmicas e padrões de posicionamento e deslocamento que nos levam a dizer
esta equipa é daqui ou daqui, independentemente de ser mais ofensiva ou menos
defensiva. (JP, p. 11)

Ao longo da entrevista ficou claro que José Peseiro entende que


atualmente é de capital importância que um treinador tenha uma ideia de
como quer que a sua equipa resolva os problemas. Como tal, também ele ao
longo dos anos foi construindo uma ideia de jogo que tenta colocar em
prática, na medida do possível, nas equipas que tem oportunidade de treinar.
Como se depreende a partir do excerto abaixo:

...eu tenho uma ideia de jogo marcada que foi construída durante os anos
da minha experiência. Como eu disse, quando eu vi jogar as equipas da Holanda,
do Ajax e a do Brasil, foi talvez dos momentos mais importantes que contribuíram
para eu ter esta visão do jogo. (JP, p. 1)

Todavia, apesar de existir uma ideia ideal de como o treinador pretende


ver a sua equipa resolver os problemas, na realidade atual, o treinador
entende que é muito difícil replicar essa ideia em todas as equipas que se
treinam. José Peseiro entende que fica muito difícil querer jogar de uma
maneira quando os jogadores de que se dispõe têm outras caraterísticas e,
portanto, é inevitável que o treinador faça ligeiras alterações e adaptações da
sua ideia original à realidade em que se encontra inserido. O mesmo se pode
entender a partir da transcrição da fala do treinador, abaixo exposta:

276
...quando treinei o Sporting eu tinha uma ideia de jogo, um 1x4x4x2
losango, com muitos apoios e muita posse de bola, mas se eu não encontrasse
jogadores com aquelas caraterísticas, eu não tinha feito aquele futebol. Eu não,
nós não tínhamos feito. Eu já quis replicar aquela forma de jogar e não consegui
mais. Consegui ainda no Braga (SCB) algumas vezes, percebes? Portanto,
porque nunca mais tive jogadores com aquelas caraterísticas. Também, eu nunca
tive a possibilidade de ir buscar os jogadores que queria. No mundo quem é que
replica o jogo? Quantos treinadores no mundo replicam? Aqueles que têm
possibilidade de ir buscar os jogadores que querem. O próprio Arsenal não replica
jogo nenhum. O Chelsea replica o jogo? Também não. Quem replica? O Liverpool
e o City. (JP, p. 21)

Ainda em relação à ideia de jogo o treinador evidencia que são os


princípios dessa ideia de jogo que servem como uma espécie de barómetro
para a eficácia das ações que se estabelecem entre os jogadores, como se
pode atestar pela transcrição abaixo:

Se eu treino um modelo de jogo, se eu tenho uma forma de jogar, se eu


tenho uma caraterística de jogar, um bom passe e uma boa desmarcação são
aqueles que correspondem àquilo que é a nossa ideia de jogo, que no fundo
é corporizada pelas caraterísticas dos jogadores (...) partilhada pelos
jogadores, ou seja, que cumprem com aquilo que é essencial, os princípios do
nosso jogo e do nosso futebol. (JP, p. 5)

Todavia, a ideia de jogo acaba, também, inevitavelmente, por ser


influenciada pelas caraterísticas dos adversários que se defronta, como se
pode entender a partir do excerto abaixo transcrito:

Posso é moldar, e, dentro daquilo que é a minha forma de jogar, encontrar e


potencializar algumas situações, algumas ações nos meus momentos de jogo que
contrariem a força adversária, ou que valorizando aquilo que nós temos, posso,
no fundo, perturbar e aproveitar os pontos menos fortes do adversário. (JP,
p. 14)

Depois de se perceber que segundo José Peseiro é fundamental que os


jogadores tenham uma carta de intenções que ajuda a orientar os
comportamentos durante o jogo, entendeu-se ser importante saber como as
tomadas de decisão que antecipam as ações são potenciadas durante o
treino. Seguidamente apresenta-se a análise a esta temática.

277
2.6.3. O treino com vista à melhoria das decisões

De acordo com José Peseiro, o treino para determinado dia de


preparação inclui “desde o aquecimento, à posse de bola, ao exercício 1 e 2, há 2
exercícios, até exercícios complementares, inclui uma cadeia de evolução e de progressão
que tem a ver com um tema.” (JP, p. 15).

Estes temas são de acordo com os comportamentos que o treinador


que ver expressos nos vários momentos de jogo. Como se pode depreender
a partir da transcrição que se expõe em seguida:

Por exemplo, o tema é transição ofensiva, evidentemente, tudo que se


treina naquele dia, a repetição de ações dinâmicas da transição ofensiva, é aquilo
que nós mais privilegiamos, inclusive relativamente àquilo que são os feedbacks
para as ações, é aquilo que nós mais repetimos. (JP, p. 15)

Todavia, o treinador salienta que “o jogo é o jogo” (i.e., para haver por
exemplo momentos de transição, tem que se partir de momentos de
organização ofensiva ou defensiva) e os exercícios escolhidos devem, na
maioria das vezes, contemplar esse aspeto. O mesmo se pode observar a
partir da transcrição da entrevista abaixo:

Para haver transição ofensiva tem que haver ação defensiva e o


adversário tem de ter organização defensiva, isso tudo se estabelece, mas
depois, o que nós queremos é repetir mais vezes as ações daquele momento e
nas variantes de espaço, tempo e número que existem no jogo, e também,
direcionar os feedbacks mais para aqueles momentos do jogo e não para outros.
(JP, p. 15)

A partir da entrevista não ficamos com dúvidas que os objetivos dos


treinos se direcionam para o aperfeiçoamento de “temas” inerentes à forma
de jogar que a equipa manifesta. Todavia, o treinador também entende que
apesar desse ser o foco fundamental, é necessário ter em conta e treinar
propondo exercícios que têm em atenção as particularidades dos adversários
que se defronta. Tal pode ser entendido a partir da transcrição abaixo:

Evidentemente que ninguém, neste momento, passa ao lado daquilo


que é a análise do adversário, ninguém passa ao lado de ver onde é que estão
as caraterísticas essenciais (...) dos quatro momentos do jogo, mais esquemas
táticos do adversário. (...). Uma coisa que eu entendo é que se eu acredito na

278
ideia de jogo que eu tenho, não devo hipotecar, para não criar frustração,
confusão, na minha forma de jogar, em função de cada adversário que eu vou ter.
(JP, p. 13)

Posteriormente as perguntas da entrevista foram colocadas com a


intenção de saber quais as caraterísticas dos exercícios que o treinador cria
de forma a conseguir aperfeiçoar as tomadas de decisão dos jogadores. Por
isso, na próxima secção apresenta-se a análise referente a esse tema.

2.6.3.1. A especificidade e representatividade dos exercícios de treino

O treinador entende que é primordial que os jogadores sejam


incentivados, através dos exercícios propostos, como por exemplo os jogos
reduzidos, a tomar decisões idênticas às que têm que tomar durante o jogo.
Tal pode ser entendido a partir da transcrição abaixo:

Se cada vez mais o jogo pede decisões rápidas, com densidade de


oposição e com limitações de tempo e espaço, o que eu tenho de fazer é, em
termos de treino, reduzir esse tempo, esse espaço, aumentar o número de
jogadores para os obrigar a tomar decisões mais rápidas, mais céleres, (...)
quando nós fazemos jogos reduzidos, com muita redução de espaço, obriga,
com certeza, a uma rápida decisão. Uma rápida, efetiva e boa decisão. Não é só
rápida, o que o futebol neste momento requer é, além da decisão, ter muita
qualidade, ela é constrangida, ou é condicionada pelo tempo que tem para se
fazer, e isso, com certeza, exige mais qualidade do jogador e exige mais
qualidade de treino, o que provoca que o treino que nós fazemos seja adequado
ao desenvolvimento dessas qualidades, dessas capacidades, dessas ferramentas,
para executar mais rápido e melhor, ou melhor e mais rápido, penso que são as
duas coisas. (JP, p. 6)

Ficou também claro que os jogos reduzidos propostos são o mais


representativos possível do jogo de futebol e da especificidade do modelo de
jogo. Para tal, as sessões de treino têm sempre um tema que vai sendo
trabalhado desde um jogo reduzido com uma escala mais pequena até se
chegar a uma versão quase de jogo formal, como se percebe através da
transcrição:

279
O exercício, é o exercício com bola em espaços reduzidos, em espaços
menos reduzidos ou em todo o campo. Tem a ver com uma evolução, também. Há
sempre uma evolução da complexidade e das ações intersectorial, sectorial.
Portanto, geralmente, trabalho por grupos, treinador principal, treinador adjunto
têm os grupos divididos por exercício específico, com rotação ou não do exercício,
com rotação ou não dos jogadores, mas repetindo aquilo que nós queremos para
o momento do jogo e correspondente ao tema que nós temos e com evolução até
ao final do treino, altura em que já damos uma visão mais global. Ou seja, desde o
jogo reduzido ao jogo mais global. Podemos fazer ou não. Pode ser um 7 contra 7,
não tem que ser um 11 contra 11, que não é… não repetimos muitas vezes o 11
contra 11. (JP, p. 16)

Portanto a escala de representatividade também se verifica quando os


exercícios estão mais direcionados para um ou outro momento de jogo ou
para um ou outro setor da equipa. Tal não significa que no mesmo exercício
não possam estar outros momentos e setores, no entanto o foco é potenciar
uns mais que outros, como se pode observar através da seguinte transcrição:

Portanto, construo exercícios para cada momento do jogo e escolho-os


para o tema do treino. Geralmente divido o tema do treino em momento do jogo,
momento do jogo ligado, evidentemente, ao momento subsequente. Se eu
estou a treinar a transição ofensiva, evidentemente que tenho que ter equipa na
ação defensiva e essa ligação é essencial. (JP, p. 18)

Existem também exercícios com menos representatividade do jogo, que


têm como objetivo a repetição de determinada ação individual ou coletiva e
são realizados maioritariamente sem oposição. Nesses exercícios o número
de repetições, o tempo de descanso, as distâncias percorridas também
servem para direcionar o esforço para determinado tipo de padrão de
contração muscular. Por vezes também são feitos alguns exercícios
complementares sem ter como pano de fundo nenhuma ação tática, mas sim
com vista ao desenvolvimento de um padrão de contração muscular. Esta é
uma situação que acontece em virtude de alguns jogadores sentirem
necessidade. Esta ideia pode ser percebida através da transcrição:

Os exercícios complementares, no final do treino, para, no fundo,


compensar aquilo que será a menor incidência em algo que eu não cumpri.
Imaginemos, há contextos que quase te obrigam no final do treino a teres o
trabalho físico, que pode não ser representativo nem importante para ti, mas é

280
importante para os jogadores, porque o querem, porque o pedem, porque acham
que é importante. Não estou a falar de jogadores de mais alto nível, estou a falar,
e já te falei, em vários países, ir a um treino e não fazer corridas no final do treino
os jogadores dizem, “quando é que a gente vai correr para descansar?” Por
exemplo. O treino complementar é a repetição de ações, entre jogadores, entre
setores, entre duplas, entre trios, de último passe, sem oposição. É aí que eu
chamo treino complementar. O treino complementar pode ser puramente
trabalho físico, que eu tento reduzir ao máximo possível, mas faz-se, e toda a
gente faz, ou exercícios que eu gosto de fazer todos os dias,
sistematicamente, com os avançados, com os extremos, com os laterais,
com os centrais, com todos eles, na repetição de uma ação, ou que nós
achamos importantes para o nosso jogo. Por exemplo, movimentos circulares
de avançados, se eu aposto muito nisso, no final do treino, tenho esses
movimentos. Diagonais de fora para dentro, dos laterais e extremos, e repetimos
isso. Diagonais dos médios-centro entre lateral e central, e fazemos isso. Passe
dos centrais, diagonais, e fazemos isso. Isso eu acho importante complementar.
Portanto, na parte final podemos fazer exercícios sem oposição ativa, ou sem
oposição, na repetição daquela ação, que também foi importante e
consubstanciada e determinada no momento do jogo que nós treinámos, ou no
tema de jogo. Os exercícios quiseram potencializar aquilo, foram repetidos 5 ou 6
ou 7 ou 8 vezes no nosso treino, e depois repete-se no final do treino, no exercício
complementar, mais umas 20 a cada um dos jogadores. Por setores, por
jogadores, como for. (JP, p. 21 e 22)

A quinta caraterística é que os exercícios por muito bons que sejam e


consigam dirigir os comportamentos dos jogadores para determinado aspeto
existe a necessidade, por vezes, de haver uma intervenção pedagógica do
treinador, ao nível do feedback também para mexer emocionalmente com os
jogadores, como se percebe através da transcrição:

...porque o feedback é essencial na aprendizagem. (...) os feedbacks são


importantes para alertá-los. É como ter numa sala 20 alunos, há 7 que
apanharam à primeira, 13 não apanharam. Tu escreves o exercício no quadro e 7
conseguiram, 13 não, tu tens de estar a dar feedbacks para os outros 13, não é?
Como num treino, 4 ou 5 viram o passe interior, nós metemos lá umas varas,
umas portas, para estimular o jogo interior, mas 4 ou 5 já viram aquilo facilmente e
os outros não. É um problema do exercício ou problema de capacidade de cada
jogador? Também não me venham dizer que a gente faz o exercício e somos tão
bons que o exercício está adaptado a 20 jogadores com diferentes potenciais de
aprendizagem, em que uns para passar a bola têm que olhar para a bola e os

281
outros não olham para a bola para passar a bola. Então, é importante que surjam
feedbacks. (JP, p. 18)

Por último, logo a partir das primeiras sessões de treino dos períodos de
preparação semanal, assim como quando não é impossível realizar treinos
práticos, verifica-se que o treinador opta por fazer um tipo de treino que faz
essencialmente apelo à consolidação cognitiva dos comportamentos,
utilizando como ferramenta o vídeo e imagens.

Na secção seguinte apresenta-se a análise ao tema da periodização do


treino.

2.6.3.2. Periodização do treino de acordo com a especificidade e


representatividade

Em relação à periodização do treino, José Peseiro é perentório em


assumir que desde o primeiro dia do período preparatório, ou pré-época, as
semanas antes do primeiro jogo oficial, até ao último dia do período
competitivo (i.e., período em que há jogos oficiais), as sessões de treino são
pensadas para trabalhar os temas de jogo que quer implementar na equipa.
Em relação ao período antes das competições oficiais, o treinador diz o
seguinte:

Portanto, o tempo em que se começava a pré-época com aqueles treinos


físicos, aquelas pancadas que eu também levei durante muito tempo, de irmos
para a praia, em que a bola pouco contava, neste momento, isso está erradicado.
Portanto, o que eu faço, todos fazemos é: eu tenho uma ideia de jogo, eu defino
desde trás a minha forma de construir, desde a minha primeira fase de
construção, segunda fase de construção, a criação e a finalização. A
defender, a construção do bloco, o posicionamento, mais alto, mais baixo, a
orientação do adversário, é por aí que eu começo. Começamos pelas ideias
de jogo que nós temos de colocar em prática. Se me dissesses a mim, ah mas
eu treinei a equipa o ano passado, então, se a minha equipa potencialmente é
uma equipa que ofensivamente era muito boa e defensivamente não era tão boa,
se podemos falar assim, porque já não há equipas assim, então, se calhar,
começo mais pelos aspetos defensivos e treino só a parte defensiva. É o único
momento em que crio um mesociclo e que o construo praticamente até à
competição. Portanto, escolho os temas que vamos trabalhar na semana e,

282
depois, cada tema por dia que, normalmente, é referente a um momento do jogo.
(JP, p. 9)

Em relação à importância do período preparatório, o treinador entende


que as equipas têm um passado, têm um repertório, e, portanto, não há
nenhum treinador que possa chegar a uma equipa, e sem mudar os
jogadores, mudar radicalmente a forma de jogar. Para mudar, tem é que ter
tempo para isso. Assim, quando chega um treinador novo e tem jogadores
que não o conhecem, o período preparatório é importantíssimo para passar
as ideias de jogo que se querem implementar. José Peseiro entende que se
não tivesse esse período era mais difícil entrar em competição porque cada
jogador tem o seu repertório, cada jogador tem a sua dimensão tática, cada
jogador já aprendeu muitas coisas e tem que conhecer as novas ideias e ter
tempo para as aprender.

Durante o período competitivo, o foco é o mesmo, ou seja, pretende-se


durante os dias disponíveis para realizar sessões de treino, aperfeiçoar os
temas que foram introduzidos no período preparatório. A ideia é analisar o
que foi feito e o que tem que ser melhorado para o jogo seguinte:

Assim que acaba o jogo, avaliar o jogo e ver o que nós estamos a
fazer menos bem. Tipo, malta, tínhamos um plano de jogo, aquilo que é a nossa
forma de jogar e aquilo que está menos bem e passar mais tempo a treinar os
momentos do jogo em que nós não tivemos competência, sabendo também e
percebendo também, que do lado contrário estava um adversário e que, por
vezes, a nossa menor produção nesse momento do jogo, teve mais a ver com a
qualidade do adversário do que com a nossa qualidade. Isso também tem que ser
avaliado. (JP, p. 23)

Seguidamente apresenta-se uma breve síntese da análise à entrevista


ao treinador José Peseiro.

2.6.4. Em síntese

Percebe-se através da entrevista a José Peseiro que o foco principal da


periodização do treino do futebol passa pela distribuição criteriosa de temas
que no seu conjunto e nas suas relações formam a ideia de jogo.

283
Para que a aquisição dos princípios que fazem parte desses temas se
dê com sucesso, o treinador entende ser importante recorrer
maioritariamente a exercícios que sejam específicos e representativos, que
com os fatores de rendimento em interação sistémica promovem a aquisição
de competências respeitando a necessidade de os jogadores recuperarem e
adquirirem entre jogos os índices fisiológicos para competir. Não obstante
existirem, por vezes, exercícios que ele considera complementares.

Na Figura 8, encontram-se algumas das palavras que mais vezes foram


sendo repetidas ao longo da entrevista e que ajudam a ficar com uma
ilustração dos conceitos que mais vezes estão associados ao treino.

Figura 8

Frequência de palavras José Peseiro

2.7. Entrevista 7 – A perspetiva de Paulo Bento

Paulo Jorge Gomes Bento é um treinador e ex-futebolista português


que nasceu em Lisboa no dia 20 de junho de 1969. Atualmente é treinador da
Seleção Sul-Coreana de Futebol.

Enquanto jogador, ganhou três Taças de Portugal, duas Ligas


Portuguesas e três Supertaças Cândido de Oliveira. Como treinador,

284
conquistou um título de Campeão Nacional de Juniores, duas Taças de
Portugal, duas Supertaças Cândido de Oliveira e uma Liga da Grécia.

Em virtude da sua vasta experiência foi selecionado para participar na


presente investigação. A entrevista foi realizada em maio de 2020, através da
plataforma digital Facetime.

2.7.1. A formação e percurso do treinador

Enquanto jogador, Paulo Bento, ocupava a posição de médio defensivo.


Começou nas escolas do Palmense. Seguiram-se o Clube de Futebol Estrela
da Amadora, o Vitória Sport Clube, o Sport Lisboa e Benfica, o Real Oviedo e
por fim o Sporting Cube de Portugal, onde encerrou a carreira futebolística.
Foi por 35 vezes internacional por Portugal e encerrou a carreira de jogador
em 2004, aos 34 anos. O facto de ter sido jogador foi um dos principais
motivos para ter seguido a profissão de treinador de futebol, como se
percebe através da transcrição abaixo:

...teve a ver com aquilo que fui desenvolvendo enquanto jogador, ou


seja, ao longo da minha carreira. Obviamente que fui tendo um gosto pelo jogo e,
naturalmente, o interesse, obviamente, não no início da carreira (...) mas com o
decorrer da carreira, e, obviamente, numa determinada fase mais ou menos, se
calhar a meio do percurso da carreira de jogador, essencialmente aquando da
minha experiência em Espanha, comecei a pensar nessa possibilidade de uma
forma mais real. Creio que foi algo que fui encontrando com o decorrer da
carreira, ao contrário do jogador, que era um sonho de miúdo, aquilo que
aconteceu como treinador não, é evidente que não, ou seja, fui
desenvolvendo, naturalmente esse interesse. Comecei a questionar o que é
que fazíamos, porque é que o fazíamos, e tentando, obviamente, compreender
aquilo que ia fazendo e aquilo que os meus colegas iam fazendo, e ao mesmo
tempo porque é que o fazíamos, o que é que levava, também, os nossos próprios
treinadores a pedirem-nos certas e determinadas coisas, sabendo que a
experiência também foi mais enriquecedora porque foram-nos pedindo coisas
diferentes, em função daquilo que eram, também, os seus gostos, e aquilo que
eram as suas respetivas filosofias. (PB, p. 2)

O treinador considera que esses anos enquanto jogador também foram


importantes para o desempenho eficiente da profissão de treinador, não

285
obstante a grande evolução que tem ocorrido no mundo do futebol. Tal pode-
se depreender através do excerto da entrevista transcrito abaixo:

Posso fazer diferente porque, naquela altura, havia um determinado


contexto e hoje são-nos pedidas outras coisas. E nós, tendo aproveitado alguns
conhecimentos da experiência de jogador, agora faço coisas diferentes, ou
melhor entendo algumas coisas de maneira diferente, em termos de treino,
em termos de conceção do modelo de jogo e conceção do modelo de treino,
de maneira diferente do que aquilo que entendia há uns anos atrás. Por isso,
eu digo que todas as vivências que tive enquanto jogador, e o tentar entender
porque é que o fazíamos e como é que o fazíamos e para que é que o fazíamos,
isso, obviamente, em todas as fases da carreira de treinador, serão importantes,
mas também serão importantes as fases que vamos passando enquanto treinador.
(PB, p. 2)

Não obstante o treinador não ter adquirido qualquer formação


académica e pertencer ao grupo de treinadores que fizeram a passagem de
jogador para treinador, Paulo Bento entende que a discussão entre quem tem
mais valor ou competência, se os que vêm da faculdade ou os que vêm da
prática como jogadores, é dispensável, na medida em que todos os saberes
e experiências são importantes e podem até complementar-se, como se
percebe através da transcrição abaixo:

Nunca acreditei, nem alimentei aquela questão de quem é jogador, ou quem


vem da parte mais teórica, mais académica, creio que em todas elas há coisas
positivas para retirar e experiências negativas para retirar, aliás, muitas
vezes conjugam-se nas equipas técnicas, e eu creio que essa é a melhor prova
disso mesmo, por isso eu nunca alimentei essa questão, nem acho que isso faça
diferença, agora. (PB, p. 3)

Depois de anunciar o fim da carreira, tornou-se treinador da equipa de


juniores do Sporting Clube de Portugal. Nessa mesma época conquistou o
Campeonato Nacional de Juniores. Essa foi uma experiência muito
importante para o treinador, como se percebe através da transcrição:

Eu tive a felicidade, (...) ter treinado num contexto já muito próximo do


profissional, estamos a falar, naquela altura, o escalão abaixo, os Sub19, num
clube de top que que apostava muito na formação, naquela altura, e que,
obviamente, essa experiência de 16 meses antes de chegar à alta competição,

286
chegar ao futebol profissional, acabou por ser importante. Aquilo que fiz durante
16 meses, por aquilo que depois tive de fazer, imediatamente a seguir, e também,
pelo conhecimento que fui tendo, até de alguns jogadores que trabalharam
naquela altura comigo, e que mais tarde viriam a trabalhar também num contexto
profissional. Por isso todo essa aquisição de conhecimento e de experiências,
acaba por, obviamente, ser útil depois. (PB, p. 3 e 4)

Depois do despedimento de José Peseiro foi chamado a treinar a


equipa sénior do Sporting Clube de Portugal. Conquistou em quatro épocas,
quatro segundos lugares, duas Taças de Portugal e duas Supertaças
Cândido de Oliveira.

A 21 de Setembro de 2010, Paulo Bento, de 41 anos, foi contratado


como novo Selecionador Nacional de Portugal. Estreou-se na seleção com
uma vitória contra a Dinamarca no Estádio do Dragão num jogo de
apuramento para o Europeu 2012. Já no Campeonato Europeu, Portugal
conseguiu o apuramento para os quartos-de-final, onde jogou com a
República Checa, passando para as meias-finais onde jogou com a Espanha,
conseguindo, com uma excelente exibição, anular a Campeã do Mundo e da
Europa, perdendo apenas nos penáltis. Depois de uma breve passagem pelo
futebol brasileiro, onde orientou o Cruzeiro de Belo Horizonte, e pelo futebol
grego onde treinou Olympiacos Futebol Clube, no dia 16 de agosto de 2018,
Paulo Bento foi confirmado como novo treinador da Seleção Sul-Coreana.

Paulo Bento reconhece que para o seu sucesso muito têm contribuído
os conhecimentos adquiridos durante os cursos de treinador. Todavia,
entende que o formato dos cursos, essencialmente o quarto nível, poderia
sofrer algumas alterações. Como se percebe através da transcrição abaixo:

Eu creio que tem importância. Eu vou dizer algo que também já tive
oportunidade de dizer noutras alturas, obviamente que essa formação, tal como
em outras atividades, essa formação eu creio que é importante. (...) aprendi com
quem nos lecionou, obviamente, mas também aprendi com aquilo que
muitos de nós, naquela altura, já sendo treinadores, fomos bebendo uns dos
outros. Eu creio que nós aprendemos muito ouvindo, lendo também, mas ouvindo
os outros e aquilo que são as ideias dos outros, também. Obviamente que a
formação tem níveis diferentes, eu fiz o 2º, o 3º e o 4º nível, um através da
associação, numa associação, e depois os outros, o 3º e o 4º nível, através da

287
Federação, foram um bocadinho diferentes, essencialmente, do 2º para o 3º, o 3º
e o 4º eu acho já mais parecidos e eu creio que aí é onde se poderia, não sei
como estão as coisas agora, reconheço, onde se poderia, se calhar, ter optado por
outra via entre o 3º e o 4º nível, haver algo diferente. Creio que aí já eram algo
similares e que, obviamente, sendo importantes, no meu caso foram dois anos
seguidos, creio que poderia haver outras temáticas, essencialmente no 4º nível,
que nos levassem para outras exigências, para outro patamar, naquilo que já era a
nossa experiência enquanto treinadores. (PB, p. 2 e 3)

Paulo Bento destaca, ainda, que as várias experiências em contextos


diversificados o ajudaram a ter uma base onde pode ir buscar informações
que o ajudam a resolver os problemas do presente. Como se depreende
através da transcrição abaixo.

...nos diversos contextos, treinar o Sporting, treinar a Seleção, depois


ter experiências fora, em diferentes contextos, todas elas nos servem de
aprendizagem para que, na próxima, possamos ir buscar algumas coisas que
fizemos anteriormente, que devemos manter, ou que devemos ajustar, ou que
devemos mesmo erradicar, erradicar. (PB, p. 4)

Depois de ficar a conhecer o percurso do treinador e o valor que


reconhece às experiências que foi tendo, a entrevista teve como propósito
aprofundar as ideias de Paulo Bento em relação à equipa, ao jogo e ao
treino.

2.7.2. O modelo de jogo e as suas nuances

Com a entrevista a Paulo Bento, foi possível constatar que face à sua
experiência, o treinador não acredita que os comportamentos de qualidade
que se verificam durante um jogo de futebol aconteçam por acaso. Paulo
Bento ressalta que há jogadores que parecem estar sempre no sítio certo,
por exemplo nos momentos de finalização, ou nos momentos em que a
equipa perde a bola. Tal facto, depende dos princípios que o treinador
implementa associados ao conhecimento que os jogadores vão adquirindo
uns dos outros, em treino. O mesmo se pode depreender a partir do excerto
da entrevista abaixo transcrito:

288
...isso advém da organização, advém daquilo que são os princípios
(...) advém daquilo que é o treino, o que é o modelo e do que é que são as
diretrizes que se devem ter, que zonas é que se devem ocupar, que tipo de
movimentos é que devem fazer, sabendo por exemplo as caraterísticas de quem
vai cruzar, de que zona vai cruzar. (PB, p. 9)

Ficou claro ao longo da entrevista que o treinador entende que deve


haver um modelo de jogo que oriente os jogadores para os comportamentos
desejados. Todavia, tal não significa, segundo o treinador, que os princípios
que compõem o modelo de jogo sejam exatamente sempre os mesmos em
todas as equipas que o treinador tem oportunidade de liderar. O mesmo se
depreende do excerto abaixo transcrito.

Eu tenho esta ideia (de jogo) que me convence, que me dá resultados, se


eu tenho a possibilidade de escolher os jogadores para jogar desta maneira, pois
as coisas são simplificadas, não é? Com certas nuances, há um padrão das
equipas do Guardiola… Bayern cruzava mais do que o Barcelona do Guardiola ou
o Manchester City do Guardiola faz mais transições ofensivas do que o Barcelona
do Guardiola, ou seja, há nuances, depois. Há nuances, e isso tem a ver, um
bocadinho, com o sítio onde estamos inseridos e as caraterísticas dos
jogadores que temos. Sendo De Bruyne e Iniesta jogadores fabulosos, são
diferentes (...) um permite mais transições ofensivas, no caso de Bruyne do que o
Iniesta, que permitia mais temporizações. Então essa é a questão, não é? Essa é
a questão. Para mim tem muito a ver com isso, com a capacidade de escolha que
temos e com a capacidade de, depois com essa escolha, ser mais fácil impor
aquilo que é o nosso estilo. (PB, p. 16)

Também é importante para o treinador que se tenha a preocupação de


perceber que há jogadores que podem não ter as caraterísticas desejáveis e
que a tarefa de quem lidera é estar atento a estes problemas e levar a que os
jogadores façam as adaptações que forem necessárias. Como se percebe
pela transcrição abaixo:

É extremamente importante, saber manter as posições, saber quando é que


se tem que mexer para que outro colega apareça, quando é que tenho que libertar
o espaço para que outro colega apareça, e isso advém do treino, e daquilo que
vamos, obviamente, daquilo que vamos observando. Há jogadores, depois, que
pelas suas caraterísticas individuais, podem, aqui ou ali, ter um bocadinho mais
dificuldade em se articular nalgum determinado tipo de jogo, e esse é o nosso

289
trabalho. É tentar, naturalmente, inseri-los nessa forma de jogar, não os
fazendo perder aquilo que de bom têm, não é? Como é óbvio. (PB, p. 7)

Importa ainda que independentemente de se ter um modelo de jogo que


orienta a equipa nos vários momentos de jogo, é importante que se levem em
conta as caraterísticas do adversário:

Na minha opinião, eu já o disse, estou à vontade, e muitas vezes eu acho


que é um erro, nós temos que nos preocupar é connosco, dizemos muito isto, o
mais importante é aquilo que nós fazemos. Eu, em certas e determinadas equipas,
também acho que isso é verdade, mas não é só isso, não pode ser só isso, nós
vamos jogar contra alguém, e se vamos jogar contra alguém, também conta o
que é que eles vão fazer e o que nós não queremos que eles façam. (PB, p.
17)

Paulo Bento salienta que, ter preocupações com o lado estratégico, não
significa que vá alterar a forma de jogar, o que me vai fazer é introduzir “na
minha forma de jogar, perante o adversário que eu vou encontrar, algumas nuances para
eu poder ultrapassar alguns problemas que eu prevejo que o adversário me vai criar, ou eu
criar-lhes a eles” (PB, p. 17).

Depois de se saber o modo como o treinador olha para a equipa, e de


se identificar que existe a necessidade de criar princípios de jogo que ajudem
a organizar os jogadores em campo, quis-se saber quais os objetivos do
treino, as principais caraterísticas dos exercícios propostos pelo treinador e
como se processa a periodização do treino. Estes assuntos serão
apresentados na secção seguinte.

2.7.3. O treino com vista a melhoria das decisões dos jogadores de


futebol

Em relação aos objetivos do treino, Paulo Bento é categórico em definir


como essencial que os treinos proponham exercícios que levem ao
melhoramento do modelo de jogo, como se pode constatar pela transcrição
abaixo:

Se eu quero jogar desta maneira, eu devo treinar desta, no nosso


entendimento, e a partir daí, treinar é escolher os exercícios, sejam eles mais

290
fechados, com estruturas mais reduzidas, até chegarmos à estrutura final, ou à
estrutura maior, tem a ver com a forma como nós queremos jogar. (PB, p. 32)

Todavia, importa, também, que se levem em conta as necessidades


estratégicas (i.e., as caraterísticas dos adversários que se defrontam). Por
exemplo:

...se o adversário me vem apertar com 2, se me vem apertar com 3, como é


que eu vou construir, se me vem fazer uma marcação mais homem a homem à
saída da construção, que recurso é que eu possa ter para jogar um pouco mais
longo, normalmente não estou habituado a fazer, mas naquele jogo vou ter que o
fazer, e se perspetivo isso, não me vai manipular, porque eu vou continuar a tentar
sair curto, se essa é a minha ideia, mas vou ter que arranjar mais alguns
recursos à minha equipa, ou dar mais algumas diretrizes à minha equipa,
para que se isto e isto e isto acontecer, e nós não estamos a conseguir sair,
algo mais devemos fazer, e isso entra, um bocadinho, dentro do plano
estratégico. (PB, p. 17)

Posteriormente a entrevista procurou saber mais sobre como os


objetivos eram alcançados com os exercícios propostos. Então,
seguidamente apresentam-se as principais caraterísticas dos exercícios.

2.7.3.1. Especificidade e representatividade dos exercícios de treino

O treinador entende que é fundamental que os jogadores sejam


incentivados, através dos exercícios propostos, a tomar decisões idênticas às
que têm que tomar durante o jogo. A eficácia dessas decisões está
intimamente ligada à especificidade do modelo de jogo. Portanto, para Paulo
Bento, importa através da manipulação de algumas variáveis, como por
exemplo o espaço ou número de jogadores, em situações mais jogadas ou
em situações mais fechadas potenciar os comportamentos desejados.
Segundo Paulo Bento os exercícios que contêm oposição têm um enorme
potencial. “Eu creio que, a maior parte deles, e aqueles em que eu acredito mais, em
primeiro lugar, são com oposição...” (PB, p. 23).

Embora seja importante que caraterísticas essenciais do jogo de futebol


estejam presentes na elaboração dos exercícios, ou seja, importa que sejam
representativos, por vezes é necessário reduzir a escala e a complexidade.

291
Assim o treinador propõe exercícios que estejam direcionados mais para
determinado momento de jogo ou setor da equipa, com formas mais jogadas
às vezes, mas com formas mais analíticas e direcionadas também pode
acontecer. Tal como se percebe através da transcrição:

...aquilo que nós treinamos, no jogo, advém também da forma como nós
preparamos o treino, e a forma pode ser, como eu disse há pouco, um pouco mais
fechada, e isso pode independentemente do processo, pode ser mais ofensivo,
pode ser o processo ofensivo, ou pode ser o processo defensivo, obviamente,
quando aqui, para o processo ofensivo, viramo-nos muito para situações de
finalização, às vezes, até, com uma situação tática sem oposição, e que não
precisa de lá ter os 11 jogadores, pode ser só os jogadores do setor ofensivo,
como, da mesma maneira, o trabalho defensivo, pode ser um número menor, pode
ser só com a linha defensiva, pode ser só com a linha defensiva e com a linha
média, independentemente do sistema que se treina, obviamente, ou que se
jogue. Pode ser só com a linha defensiva e o pivot defensivo, como disse há
pouco também, porque depois há comportamentos que, no jogo, o jogo leva a que
depois haja momentos… o jogo traz momentos em que isso acontece. Há
momentos, sejam eles em organização ou transição, em que essa ligação é
evidente. Nós vemos momentos no jogo, em que vemos que algo que fizemos de
uma forma mais fechada, ou com número reduzido de jogadores, se produz no
jogo. Ou seja, quando tenho um central a ir defender as costas de um lateral, e o
meu médio defensivo entra dentro da área para defender, isso no jogo acontece,
isso é real. Isso pode ser trabalhado, nalguns momentos, de uma forma mais
isolada, mais passiva até, ou seja, em que não haja oposição, em que haja só
algumas diretrizes, para depois, a seguir, se passar a ter oposição e obrigar a uma
complexidade maior, vamos imaginar, 6 contra 5, onde o objetivo não é tanto
pressionar o portador da bola, mas roubar torna-se mais difícil, porque há uma
superioridade no último terço, de 6 contra 5, que é mais difícil, mas o objetivo não
é tanto roubar, mas é mais aquilo que fazemos: a forma como basculamos, a
forma como fazemos cobertura no corredor lateral, a articulação do médio
defensivo com a linha defensiva. (PB, p. 24)

Importa ainda referir que, apesar de nos exercícios se pretender


trabalhar as fases e momentos do jogo e por vezes ser necessário isolar mais
para potenciar determinado comportamento, o treinador entende que é
importante que não se perca a inteireza do jogo (i.e., ao treinar organização
ofensiva convém que o exercício também permita a transição defensiva). Ou

292
se está a trabalhar a organização defensiva importa que se contemple a
transição ofensiva.

Eu, normalmente, gosto de associar outro momento ao jogo. Não


significa que não o feche, de vez em quando, e dizer, hoje só quero trabalhar isto,
até porque pode ser, às vezes, por uma questão estratégica mas, normalmente,
gosto de lhe incorporar a outra parte, estamos a trabalhar a organização
defensiva, pois gosto de lhe incorporar a transição ofensiva, e vice-versa, e vice-
versa. (PB, p. 14)

...por exemplo estou a trabalhar a organização defensiva, também terá


de trabalhar a transição ofensiva, há um entendimento maior daquilo que são a
associação dos momentos, e daí vem, também, na minha opinião, se eu trabalho
esses dois momentos em associação, a associação dos jogadores e o
entendimento dos jogadores para perceberem o momento em que recupero e
posso atacar, ou o momento em que a perco e posso defender, será um momento
mais efetivo e um momento que é melhor entendido por todos, do que se eu
estiver a partir demasiado os momentos e não os entrelaçar, e isso pode ser feito
em questões jogáveis, como pode ser feito, na minha opinião, também, em
questões de exercícios com menos jogadores, ou seja, com um número mais
restrito de jogadores, em que pode até ter ou não ter direccionalidade. (PB, p. 15)

Em algumas ocasiões, para potenciar a organização tática, ou algum


comportamento padronizado específico, também são realizados exercícios
mais fechados, ou seja, exercícios mais analíticos. Como se percebe pela
transcrição que se segue.

Depois há a forma, como eu há bocado falei, de, muitas vezes, se fecharem


certos e determinados exercícios, eu fi-lo ao longo da minha carreira, nesse
aspeto é uma coisa que já o fazia, e que hoje, se calhar, acredito tanto como
acreditava, e por isso, nalguns casos, continuo a fazê-lo, que é, por exemplo, a
relação entre alguns jogadores, sendo uma tarefa mais fechada. Vamos dar o
exemplo, se quero trabalhar as diagonais do movimento de atração do ponta de
lança, ou dos pontas de lança, para que os extremos façam diagonais, para
receber no espaço entre o central e o lateral, eu, se calhar crio um exercício para
padronizar aquele movimento, ok? Quando é que o posso fazer? Posso fazê-lo no
início do treino, posso fazê-lo no final do treino, depende de muitos fatores,
depende como seja o treino, em determinado dia, como queira fazer aquela
situação. Da mesma maneira que, em termos defensivos, como é que quero
alinhar a minha linha de 4, que princípios é que lhe quero dar, e que só

293
trabalho com a linha de 4, ou a articulação que quero entre a linha de 4 e o 6,
e como é que vou fazer essa, essa articulação, e posso fazê-lo de uma
maneira mais fechada, até de uma maneira mais pausada, posso partir de uma
parte sem oposição, ou ser feita de uma maneira mais analítica, e depois haver
com oposição e, até ser em inferioridade, quer dizer, há várias maneiras de lá
chegar. (PB, p. 19)

Paulo Bento entende que utilizando exercícios que sejam jogo com
oposição, a questão de padronizar o movimento dos extremos, por exemplo,
poder-se-á tornar mais difícil porque vai acontecer menos vezes. Como se
depreende através da transcrição abaixo:

O que eu quero é que haja uma repetição daquele momento mais vezes
para eles o interiorizarem. Depois, na situação de jogo, o que vamos ver não é
tanto, se calhar, o número de vezes, porque sabemos que vai ser menor, mas
como é que eles o fizeram, quando é que o fizeram e porque é que o fizeram, e
se, realmente, é o momento adequado ou não para o fazer. Não é? Porque
depois, aí, tem outras articulações. Tem articulações de movimento para se
jogamos com os laterais profundos, se os extremos vêm para dentro para receber,
se só para atrair para que o lateral receba por fora. Pronto, aí já há outras
questões envolvidas, depois, também, no jogo. Ou seja, no outro exercício, já nos
estamos a acrescentar mais qualquer coisa. (PB, p. 21)

Depois de se ficar a conhecer melhor os exercícios propostos,


entendeu-se ser importante saber quais os objetivos da periodização do
treino e como tal se processa. Assim, de seguida apresentam-se as
considerações do treinador referentes a esse tema.

2.7.3.2. Periodização de acordo com a especificidade e


representatividade

Com a entrevista ao treinador, foi possível verificar que para Paulo


Bento existem dois períodos que são ligeiramente distintos no que à
organização das sessões de treino diz respeito. O primeiro período é
designado de preparatório, ou pré-época e contém sensivelmente seis
semanas. O segundo período é o competitivo e dura as semanas em que há
jogos oficiais.

294
Durante o período preparatório há uma planificação que tem em conta a
duração do período, ou seja, o que se quer trabalhar é perspetivado e
distribuído tendo como horizonte as seis semanas, como se pode entender a
partir do excerto abaixo:

Eu, num clube, tirando a fase preparatória, em que aí, pensar um bocadinho
mais a longo prazo, não deixando de pensar no microciclo, poderei pensar um
bocadinho mais naquilo que vamos perspetivar ou, pelo menos, que tipo de treino,
ou a quantidade de treino, fazer uma questão mais de mesociclo, ou tentar
fazer a cinco ou seis semanas mais ou menos, compô-las para a pré-
temporada, para o período pré-competitivo, mas depois, a partir daí, microciclo.
(PB, p. 11)

De acordo com Paulo Bento, o período preparatório é de capital


importância na medida em que é uma altura em que não há jogos oficiais e
por isso é um momento onde se pode construir a forma de jogar. O treinador
entende que as ideias gerais devem começar a ser treinadas nesse período.

Porém, segundo Paulo Bento é importante não esquecer que, “durante a


época há trabalho a fazer, porque o processo de aquisição de uma forma de jogar não vai
ser em linha reta, não vai ser plano” (PB, p. 26). Portanto, para o treinador, “a pré-
epoca é importante, para transmitir e treinar aquilo que vai ser a ideia macro: como é
que vamos jogar? O que é que queremos em cada momento? Como é que os queremos
ligar?” (PB, p. 26).

Mais concretamente em relação aos objetivos deste período o treinador


salienta que é importante começar a treinar interligando nos exercícios
propostos todos os fatores do rendimento em função das ideias de jogo. Tal
pode-se depreender a partir do seguinte excerto da entrevista:

Eu a primeira coisa que faço, que me parece importante, (...) a minha


primeira comunicação com os jogadores é a nível técnico e tático. Tem a ver, um
bocadinho, com a forma como nos vamos guiar, como nos vamos organizar, que
tipos de comportamento, tipos de regras que vão existir, para que não haja
dúvidas ao longo do processo. Depois (...) desde o início, o que é importante é
definir como é que queremos jogar, para saber como é que queremos treinar,
e envolver, naturalmente dentro daquilo que é a nossa forma de jogar,
envolver os outros parâmetros. Como é que queremos envolver a vertente física
dentro dessa forma de jogar, e ao mesmo tempo, incutir nos jogadores uma
capacidade mental para essa forma de jogar, e até, através do exercício, ou seja,

295
a forma como se concebe os exercícios e aquilo que eles vão fazer, vai também
treiná-los para o aspeto técnico e tático, mas também, para o aspeto emocional e
para o aspeto físico. E isso, para mim, é que é fundamental. É eu, dentro dos
exercícios, ter já lá os ingredientes todos para que eles os bebam, para que eles
os compreendam, para que depois os possam exponenciar no jogo. (PB, p. 26).

Todavia, de acordo com o treinador, é importante não esquecer que as


seis semanas não chegam para que a aquisição dos comportamentos durem
para uma época inteira:

Creio que são um momento importante, onde de uma forma geral, quem
tem essa possibilidade, pode construir, e deve construir, aí a sua forma de jogar.
(...), mas depois, durante a época, há trabalho a fazer. (PB, p. 26)

Em relação à organização das semanas de treino quer durante o


período preparatório, quer durante o período competitivo, o treinador refere o
seguinte:

Normalmente às 48 horas, o segundo dia após o jogo será sempre um


treino de recuperação, ou seja, estamos a falar jogando de domingo a domingo,
porque houve momentos em que fiz folga no dia a seguir ao jogo, e houve
momentos em que fiz dois dias depois, ou seja, treinava na segunda e
descansava depois na terça-feira. Depois, normalmente, à quarta feira, se jogasse
domingo, e folgasse segunda, por exemplo, na terça o treino seria um treino
diferenciado para quem jogou mais, ou para quem não jogou tanto, e depois à
quarta feira já o grupo todo. A questão depois, agora que se pensa um bocadinho
mais, (...), quando havia, por exemplo, treino à segunda e descanso à terça,
dependeria muito, depois, quando é que fosse o outro jogo, mas, às vezes, à
quarta, de vierem da folga e terem um treino muito intenso, poderia, às vezes, não
ser o ideal, não é? Mas, a ideia, normalmente, é respeitar 48 horas de
recuperação, e depois, na quarta feira, começar a preparar, digamos assim, o
jogo seguinte. E se fosse numa questão de pré-época, não mudaria por isso.
(PB, p. 28)

Durante a entrevista entendeu-se ser importante saber mais


pormenores acerca da organização e objetivos das sessões depois das 48
horas que são essencialmente de recuperação. Por isso, foi colocada outra
questão:

296
Quando se entra no período aquisitivo ou seja, seria quarta, quinta, sexta e
sábado, há de haver dias que são mais direcionados, tanto os comportamentos
para determinada coisa, ou na gestão das capacidades condicionais, poderá ser
um dia mais direcionado para exercícios que haja mais resistência, talvez, noutros
em que possa haver mais força, noutros em que possa haver mais velocidade?
(AFV, p. 28).

Sim, eu diria que o exercício de força, se fizermos, normalmente, e


fazemos, normalmente, mais longe da competição. Mais longe da competição.
Digamos, se o jogo fosse domingo, faríamos quarta. Quando muito, quinta. Sim,
mas quinta, pronto, já menos. Diria que mais longe da competição, para que
tivéssemos, depois, os outros dias para preparar. Nesses já o poderíamos fazer,
às vezes, se calhar mais virados para a nossa forma de jogar, com exercícios mais
virados para a nossa forma de jogar, porque havia mais tempo para fazer o
resto… tendo, depois, quinta e sexta e sábado, para preparar os momentos e a
estratégia para o próximo jogo. Onde aí já teríamos situações diferentes, mais
jogáveis, mais específicas. (PB, p. 28 e 29)

Mais concretamente em relação aos volumes e aos conteúdos do treino


divididos pelos diferentes dias da semana, o treinador salienta o seguinte:

Domingo a sábado, por exemplo, para ser mais específico, quarta será o treino
mais longo e, às vezes, nem sempre se fazia o trabalho de força, dependia muito.
Depois, e aí seria o treino mais longo, em que já poderia ter, e já estaria, direcionado,
seguramente, para uma de duas coisas: ou para trabalhar já com vista o adversário, ou
para corrigir ou para trabalhar, coisas do nosso modelo. Partindo, isso sim, quase
sempre, de estruturas mais pequenas para estruturas maiores. Depois a questão de
um cuidado, também, nalgumas vezes, e agora muito, neste contexto então, ainda
mais, mas os dois dias antes do jogo, a questão da intensidade e do volume dois dias
antes do jogo. Normalmente, temos um cuidado com esse treino, mas são treinos
que, normalmente, quinta e sexta, por exemplo, a jogar ao sábado, já terão
menos volume, seguramente, e, às vezes, mesmo com alguma intensidade, são
períodos mais curtos. Essencialmente, se na quarta e na quinta, digamos que,
globalmente, já tenho tudo aquilo que é trabalhado para o jogo de sábado, na sexta já
não focamos tanto na questão da estratégia, já pode vir mais a bola parada, o que para
mim torna o treino um bocadinho menos intenso a nível físico. (PB, p. 32)

Quis-se também saber “se há dias em que se trabalha mais sectorial ou


intersectorial, ou se há um dia em que se trabalha mais global, mais coletivo?” (AFV, p. 32).
A resposta do treinador foi a seguinte:

297
Eu diria que a quarta, quinta e sexta vêm para preparar o jogo, será
algo mais global, sempre. O que não significa que, dentro daquilo que já
falámos, que se feche nalguns momentos, no final do treino ou, que não se faça
no início do treino, antes de passar à situação global, por exemplo, em que se
possa estar de um lado a trabalhar um aspeto com a linha defensiva, e noutro
lado, a trabalhar um aspeto com o setor ofensivo. Para depois juntar e tornar a
situação mais competitiva. Mas, normalmente, quarta, quinta e sexta são situações
que estão viradas para a questão do modelo e para a questão de ver o que é que
o adversário nos pode fazer. (PB, p. 32)

De seguida, apresenta-se uma breve síntese da entrevista realizada ao


treinador Paulo Bento.

2.7.4. Em síntese

Com a análise da entrevista, fica-se a perceber que para o treinador


Paulo Bento existem dois períodos de treino bem definidos, que tem como
objetivos principais introduzir os conteúdos de uma forma de jogar – período
preparatório e aperfeiçoar e desenvolver os conteúdos introduzidos
anteriormente, durante o período competitivo.

A maioria dos exercícios propostos tem como caraterística fundamental


serem específicos de uma forma de jogar e representativos do jogo de
futebol. Logo, os fatores do rendimento são trabalhados de forma sistémica
em função dos comportamentos táticos que se querem implementar na
equipa respeitando simultaneamente a necessidade de os jogadores
adquirirem os índices fisiológicos necessários para competir.

Por fim, apresenta-se na Figura 9, uma breve síntese ilustrativa dos


conceitos e palavras que foram sendo proferidas ao longo da entrevista e que
ajudam a melhor perceber as bases do treino do treinador Paulo Bento.

298
Figura 9

Frequência de palavras Paulo Bento

2.8. Entrevista 8 – A perspetiva de Pedro Caixinha

Pedro Miguel Faria Caixinha é um treinador português, nascido a 15 de


novembro de 1970. Atualmente é treinador do Al-Shabab da Arábia Saudita.
Ao longo da carreira tem acumulado alguns títulos entre os quais se
destacam, ao serviço dos Santos Laguna, na Liga MX, o Torneio Clausura
em 2015; a Copa MX correspondente ao Torneio Apertura 2014; o título de
Campeão dos Campeões. Posteriormente, no Cruz Azul, mais Copa MX,
Apertura, em 2018 e uma Supercopa MX, em 2019.

Em virtude do seu percurso, da experiência acumulada e dos títulos


conquistados, foi incluído da presente investigação. A entrevista foi realizada
em junho de 2020 através da plataforma digital Facetime.

2.8.1. A formação e percurso do treinador

Pedro Caixinha salienta que o gosto pela profissão teve início durante a
licenciatura em Ciências do Desporto na Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro, na década de 90. Como se depreende a partir da seguinte
transcrição:

299
Álvaro, penso que, essencialmente, a aprendizagem que tive ao nível da
metodologia do treino e da opção de futebol, propriamente dita, quando
estava na licenciatura na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
(UTAD), em 93-98, que me despertaram essa curiosidade, por um lado e
aquilo que foi essa aquisição de conhecimentos para poder aplicá-los na
prática, em termos daquilo que era o centro de treino. Eu tive a possibilidade
de realizar o centro de treino no Real Clube de Penaguião, em Santa Marta de
Penaguião, e penso que a partir daí, foi quando eu fiquei um pouco mais
identificado com aquilo que era o processo e a vontade de ser treinador de futebol.
(PC, p. 1)

Pedro Caixinha revela ainda que durante esse período, mais


propriamente no final do curso, teve também uma experiência no Rugby que
acabou por ser decisiva para o adensar do ser gosto pelo treino, como se
percebe pela transcrição da entrevista a seguir exposta:

Curiosamente, a primeira experiência que tive, com uma equipa sénior,


não foi no futebol, foi no rugby ao nível da universidade, no meu último ano,
em 1998. A equipa estava na 2ª divisão, tinha um treinador romeno que era o
professor da disciplina de rugby da faculdade. Ele apenas ia aos jogos e eu dava
os treinos à equipa. Esse foi o compromisso que estabelecemos. Ele deu-me a
oportunidade de poder ter essa relação com os jogadores e ter essa importância,
foi aí que eu vi a primeira importância em termos daquilo que era o conhecimento
do jogo para, através do jogo, nós organizarmos os nossos exercícios de treino. E
aquilo foi muito interessante, porque era uma modalidade diferente que eu não
conhecia como conhecia a modalidade de futebol. Nunca a tinha estudado, nunca
a tinha jogado, nunca a tinha vivenciado, e então, tive que analisar o jogo, em
termos, na altura, eram os torneios das cinco nações, e foi isso que fiz. Analisei
para verificar aquilo que eram as diferentes tarefas, funções e posições dos
jogadores, o pack avançado, os três quartos..., para em função disso, do jogo que
eu observava, eu poder preparar o treino para esse jogo, como se fosse, por
exemplo, uma tendência de alto rendimento, sem eu ter um conhecimento daquilo
que seria a ideia que o treinador tinha nesse momento. (PC, p. 1)

A certeza de que queria mesmo ser treinador de futebol ficou


definitivamente decidida imediatamente a seguir à conclusão do curso. Nessa
altura começou a treinar. Pedro Caixinha começou a treinar aos 28 anos, o
Clube Desportivo de Beja onde dirigiu as equipas do futebol de formação
durante quatro anos. Em 2003 mudou-se para o futebol sénior treinando o

300
Clube de Futebol Vasco da Gama, na vizinha Vidigueira. Esta informação
pode ser percebida através da transcrição abaixo:

Depois, aquilo que me aguçou ainda mais esta curiosidade e esta


vontade de continuar ao nível do treino, foi quando em 1999, após a
conclusão da licenciatura, ter começado a trabalhar com os sub14 do
Desportivo de Beja. Regressei a Beja, deram-me a possibilidade de ter essa
equipa, estava no campeonato nacional e foi aí que, de facto, eu mais me
identifiquei com todo o processo, e obviamente, também, tudo aquilo que foi o
processo de chegar à segunda fase. A segunda fase do campeonato nacional fez
com que as coisas também evoluíssem nesse sentido. Mas, basicamente, esses
três níveis iniciais, foram aqueles que, depois, me permitiram identificar totalmente
com o processo e dizer, é, na realidade, isto que quero e é nisto que vou trabalhar
e vou-me focar e vou-me concentrar para lá chegar. (PC, p. 1 e 2)

Através das perguntas iniciais da entrevista dirigida ao treinador Pedro


Caixinha, para além de se perceber claramente onde e como se desenvolveu
o gosto pelo treino, é possível identificar pelas palavras do treinador que a
formação teórica adquirida quer na faculdade, quer durante os cursos de
treinador, foram uma espécie de nascentes de água que funcionam como
fonte de novos conhecimentos que o ajudam a ter no presente mais
ferramentas para refletir e questionar criticamente as finalidades e conteúdos
do treino.

Adicionalmente, o treinador realça que talvez por ter uma sólida


formação académica, ainda hoje continua a sentir necessidade de absorver
novos conhecimentos porque as reflexões, inquietações e interrogações
sobre a realidade do futebol e do treino são uma constante no seu dia-a-dia.
Mas, é exatamente através da reflexão que encontra as ferramentas que o
tornam mais capaz de dar resposta às novas e diferentes situações com que
se vai deparando. Como se depreende através da transcrição da fala do
treinador:

Eu sou daquelas pessoas, também não sei se é por ter vindo do meio
académico ou não, mas que tenho uma necessidade premente de constantemente
me estar a questionar, e constantemente me estar a questionar na procura de
nova informação. Como é que eu, normalmente, processo informação? Eu tenho
uma linha orientadora muito clara, uma intenção prévia muito clara, mas eu quero

301
que essa intenção prévia, como se fosse, por exemplo, uma mala de viagem como
a do Sport Billy94. No fundo, eu acho que a informação que eu quero, é ter uma
determinada mala, que no fundo poderia, também, ser comparada com uma
mala de ferramentas, no sentido de nós termos quanto mais ferramentas,
melhor, mas que, aquilo que é o conhecimento que nós adquirimos seja uma
peça importante naquilo que é o nosso próprio conhecimento, e que vai
potenciar ainda mais o nosso próprio conhecimento. O objetivo é ser alguém
que cria o seu próprio conhecimento para poder seguir dentro dessa intenção
prévia. E então, acho que é fundamental, acho que é fundamental aquilo que é a
formação e a capacitação que nós devemos ter (...) Eu acho que aquilo que é o
nosso conhecimento tem de funcionar da mesma forma como eu vejo o jogo, do
jogo para o treino e do treino para o jogo. A mesma coisa vejo em termos do
conhecimento. É sempre daquilo que é um conceito teórico para a prática, e de
novo para um conceito teórico, ou seja, dentro desta dinâmica e deste círculo, por
isso eu vejo fundamental. (PC, p. 2)

Todavia, apesar do treinador valorizar a formação teórica salienta que


um dos aspetos mais importantes para se ser treinador, é a capacidade de
transformar o conhecimento teórico em saber fazer prático. Como se pode
perceber através da transcrição:

O Álvaro tem, da mesma maneira que eu tenho, muitos colegas nossos que
passaram por um contexto académico, que têm um conhecimento fantástico, mas
que, obviamente, depois, num nível prático, as coisas não funcionavam dessa
maneira, não conseguem fazer essa transferência, ou seja, num mundo prático
e real, é fundamental que tenhamos essa capacidade. (PC, p. 4)

Em relação aos cursos de treinador, Pedro Caixinha destaca o modo


como eles foram lecionados na Escócia:

Eu tive o privilégio de fazer o curso UEFA Advanced, o terceiro nível na


Escócia, e o Pro também, e a formação era muito interessante e muito
simples. Eram 14 meses de formação, nós tínhamos diferentes períodos de
concentração, desde períodos que levavam três semanas, até outros períodos que
levavam quatro, cinco dias, ao longo desse período de 14 meses. Mas, desde que
iniciámos, até ao fim, nós já sabíamos como é que íamos ser avaliados e nós
tínhamos de trabalhar esses processos. E o processo era muito simples, era
essencialmente prático. Era essencialmente no campo, para eles terem um

94
Dentro dessa mala, o Sport Billy conseguia tirar qualquer equipamento desportivo e
praticar a modalidade desportiva correspondente, ao mais alto nível.

302
entendimento que nós tínhamos um conceito muito claro, conceito esse, que eles
também nos passavam através de temas, e que nós tínhamos que operacionalizá-
los no campo. Tão simples quanto isto. O que é que se tratava a avaliação?
Tratava-se, por exemplo, de um sistema de jogo, ou seja, davam-nos um sistema
de jogo, e esse sistema de jogo, eram diferentes e alternativos, e que eram
sorteados, podia-nos calhar um 1x3x4x3, um 1x4x4x2, um 1x4x3x3, um
1x4x2x3x1, qualquer coisa dessa natureza e depois davam-nos um tema de jogo.
Um tema de jogo que podia ser defender como equipa, podia ser a variação do
centro de jogo, podia ser atacar sobre os corredores lateral, vários temas que
depois tinham uma determinada ordem em termos da organização da unidade de
treino. Ou seja, começas com um aquecimento que concorre para esse sistema e
para esse objetivo, depois tens uma componente principal um, uma componente
principal dois, até chegares ao todo, e esta lógica coerente. Tínhamos quarenta e
cinco minutos para trabalhar esse tema, e num campo ao lado, estava um colega
com outro tema diferente, com outra estrutura diferente, e depois enfrentávamo-
nos em dois períodos de sete contra sete. Ou seja, esse era, de facto, uma
avaliação espetacular que revelava, não só aquilo que era o conhecimento que
nós tínhamos de ter para elaborar toda esta organização dentro de uma intenção
prévia, de um determinado objetivo, e depois aplicá-lo na prática. (PC, p. 3)

Posteriormente, Pedro Caixinha, exerceu a função de treinador adjunto


de José Peseiro, tendo passado pelo Sporting Clube de Portugal e pela
seleção da Arábia Saudita. Na temporada 2010-11 retornou as funções de
treinador principal e fez sua estreia na Primeira Liga de Portugal, levando a
União Desportiva de Leiria à décima posição. Pedro Caixinha renunciou após
três jogos na época seguinte. De seguida, assinou com o CD
Nacional ajudando os madeirenses a ficarem em sétimo lugar. A ligação ao
clube madeirense terminaria no dia 11 de outubro de 2012.

No final de outubro de 2012, Caixinha aceitou uma oferta do Santos


Laguna do México. No seu primeiro torneio nacional, classificou a equipa
para o Clausura na Liga MX e também chegou à final da competição de
clubes mais importante da região, a CONCACAF Champions League. Pedro
Caixinha saiu no dia 15 de agosto de 2015, após conquistar três importantes
títulos.

Em 11 de Março de 2017, Pedro Caixinha assinou pelo Rangers da


Escócia, tendo saído a 26 de outubro de 2017. No dia 5 de dezembro do
mesmo ano, o Cruz Azul do México anunciou a nomeação de Pedro Caixinha

303
para o próximo Torneio Clausura. Venceu a Taça MX no Apertura de 2018
com uma vitória final por 2-1 sobre o CF Monterrey em 31 de outubro. Na
mesma altura, também chegou à final da liga, onde ele e a sua equipa
acabaram por perder para o rival da Cidade do México, o Clube América.
Pedro Caixinha não terminaria a ligação ao clube sem antes, em 14 de julho
de 2019, vencer a Supercopa MX sobre o Club Necaxa, em Los Angeles.

Em 20 de Julho de 2020, Caixinha assinou um contrato de dois anos


com o Al-Shabab Futebol Clube da Arábia Professional League.

2.8.2. As vantagens a encontrar durante o jogo de futebol

De acordo com Pedro Caixinha, existe um conjunto de vantagens de


natureza ofensiva ou defensiva que ele procura que a equipa entenda. O
primeiro conjunto tem a ver com a vantagem numérica, ou seja, a equipa
deve ser capaz de criar e identificar quando tem uma vantagem numérica, e o
que é que tem de fazer em função disso, seja com ou sem bola.

Depois, tem que conseguir identificar uma vantagem posicional, ou seja,


com ou sem bola, onde com um simples passe, penetrando, se pode eliminar
a pressão jogando por dentro da estrutura do adversário, por exemplo. Em
termos defensivos, posicionar, por exemplo, empurrando o adversário para
os corredores laterais.

Em termos qualitativos, importa identificar quando se pode, por


exemplo, desequilibrar individualmente quer seja defensivamente quer seja
ofensivamente. Se identificados esses momentos ofensivos, importa procurar
fazer chegar a bola com qualidade aos jogadores que, individualmente,
podem desequilibrar. Defensivamente, tentar encaminhar a equipa adversária
para determinadas zonas ou, inclusivamente, para jogadores que são mais
fortes, por exemplo, quando o adversário tem uma saída longa, qual é o
jogador mais forte, para eventualmente querendo ganhar logo a primeira
bola.

E a última, é uma vantagem sócio afetiva que se refere a quando é que


os jogadores se devem relacionar ainda melhor, ou seja, quando é que têm

304
de controlar os ritmos de jogo, em termos ofensivos, quando é o momento de
controlar o jogo através da posse, por exemplo, para temporizar, em termos
de acalmar, acelerar, acalmar, acelerar, sempre nestas trocas de ritmo, e
também, em termos defensivos, ou seja, saber só quando direcionar, e saber
quando se tem que apertar ou pressionar, para recuperar a posse de bola.

Todavia, para o sucesso do desempenho da equipa o treinador entende


que há um fator que cada vez ganha mais preponderância, que não tem a ver
com aquilo que são só as ideias de jogo do treinador, que é o convencimento
de que a ideia de jogo e os padrões de comportamento a ela associados,
são, de facto, aqueles a partir dos quais os jogadores se podem divertir,
retirando o máximo de rendimento do seu potencial, em função das suas
caraterísticas.

Depois de se ficar a conhecer o modo como o treinador entende que a


equipa deve encarar o jogo, entendeu-se ser importante saber quais os
objetivos do treino, que caraterísticas têm os exercícios e como são
estruturados os diferentes períodos da época.

2.8.3. O treino para melhorar as decisões

Com a entrevista ao treinador Pedro Caixinha pode-se perceber que


todo o processo de treino tem como grande objetivo o refinamento de uma
forma de jogar específica. Tal como se pode depreender a partir da
transcrição abaixo:

As necessidades que a equipa tenha. Ou necessidades em termos daquilo


que identificamos para trás que a equipa não está a ter um determinado
comportamento como previsto, numa situação qualquer em particular. Vamos
supor que, por exemplo, naquilo que é a nossa saída na reposição, a equipa
não está com tanta confiança, ou não está a conseguir ligar isso com o
momento de criar superioridade numérica na fase de construção, então,
vamos reforçar esse aspeto, por exemplo. Vamos reforçar aspetos em termos
de questões de natureza mais estratégica, ou seja, o que é que não tem corrido
tão bem, e, no fundo, é isso que nos leva a definir e a hierarquizar esse exercício.
Depois é só ter o conteúdo, conteúdo que detém o comportamento, e em função
disso, organizar os exercícios. (PC, p. 23)

305
Para o conseguir com eficácia, o seu planeamento tem uma forte
influência da pedagogia e didática do desporto. O mesmo se pode verificar
através da transcrição do excerto da entrevista abaixo:

Eu quando me ensinaram e estudei a pedagogia do desporto e aquilo


que era a didática do desporto, quando nós tínhamos de organizar, por
exemplo, uma unidade didática, na unidade didática, nós falávamos sobre
objetivos comportamentais terminais. Ou seja, o que é que na unidade didática,
por exemplo, do futebol, os alunos têm que atingir no final desse ciclo, para
depois, a partir daí, eu poder avaliar, não é? Então, esses objetivos eram objetivos
comportamentais terminais. Esses objetivos comportamentais terminais, da forma
como eu vejo o jogo, representam a minha intenção coletiva, representam aquilo
que eu quero que a equipa tenha como comportamento. Então, cada um dos
treinos, tem que concorrer sim, ou sim, para esse comportamento. (PC, p. 13).

Para que seja possível alcançar os objetivos comportamentais


terminais o treinador define:

Tenho os objetivos intermédios. Tenho aquilo que são, por exemplo, os


objetivos operacionais, os objetivos operacionais é a base, a célula base, são os
conteúdos de treino, são os exercícios, onde, normalmente têm uma ação, um
contexto e critério de êxito, que concorrem, desde já, para esse objetivo, e depois,
tenho os objetivos específicos, que são os objetivos que eu tenho em cada uma
das sessões de treino. (PC, p. 13)

Por exemplo, suponha-se que o treinador quer trabalhar um tema mais


geral, em termos de um momento de jogo, a transição defensiva:

Transição defensiva, mas a transição defensiva em termos de ter uma linha


de cobertura muito forte e que ganha bola nessa zona onde eu tenho a linha de
cobertura (...) então, se eu, desde o aquecimento, estou já a trabalhar e a
estimular aquele comportamento, é esta a direção que eu tenho de ter para que
se tiver, por exemplo, uma hora, uma hora e meia de treino, essa hora e
meia, eu sei que a passei a trabalhar para aquele objetivo. Ponto. E depois,
quer dizer que a seguir, eu tenho treinos optimizadores, no fundo, em termos
daquilo que é uma componente principal um, componente principal dois, e até ao
todo. Só no final é que eu tenho, por exemplo, trabalho individual de alguns
jogadores, das necessidades individuais, o trabalho sectorial, ou o que seja, que
pode já ter um outro objetivo diferente daquilo que eu trabalhei coletivamente, em
termos daquilo que foi o objetivo claro dessa sessão. Por isso eu digo, quanto

306
mais especificamente nós trabalharmos, tivermos esta organização a concorrer
para o comportamento que nós desejamos que a nossa equipa tenha, tanto
melhor. (PC, p. 14)

É também importante salientar que o treino também tem em conta os


adversários que se defrontam:

Agora, trabalhar para aquele jogo pode ser, se eu sou uma equipa
nitidamente superior, em relação ao adversário, é uma relação que eu chamo, ou
um confronto entre identidade e estratégia, e essa identidade e estratégia, se
eu puder ter sempre oitenta para nós, vinte para o adversário, encantado, mas a
de todas… da maior parte das equipas não é esta. Se calhar é o inverso, ou, se
calhar, é sessenta – quarenta, ou se calhar é cinquenta – cinquenta, varia. De
semana para semana, varia. Então, se for, por exemplo, uma semana de oitenta –
vinte, obviamente que ao longo da semana, a maior parte dos conteúdos que ali
estão são para trabalhar aquilo que são os meus comportamentos coletivos, mas
vinte por cento estão lá em termos estratégicos. Se for cinquenta – cinquenta,
então eu tenho que dividir cinquenta – cinquenta. Se for sessenta para o
adversário e quarenta par mim, eu tenho que dividir. Há muita gente que diz, e eu
não acredito nisso, eu não acredito, que nós trabalhamos sempre de acordo com
aquilo que são os nossos objetivos. Ok, mas nós, semana atrás semana, jogamos
com um adversário que é completamente diferente, me vai sujeitar a um
determinado conjunto de problemas, e que nós temos que ter a capacidade de
resolver, se nós não estivermos preparados estrategicamente, que é a única forma
de poder, se calhar, equivaler essa diferença, como é que o vamos fazer? Como é
que vamos enfrentar esse adversário se não temos essas mesmas armas? Então,
no fundo, varia muito em termos daquilo que é este confronto entre identidade e
estratégia. (PC, p. 20 e 21)

Depois de se conhecerem os objetivos do treino, a entrevista teve como


propósito aprofundar as opiniões do treinador acerca das caraterísticas mais
importantes para a construção dos exercícios de treino. Assim, de seguida
abordar-se-ão as questões relacionadas com as caraterísticas dos exercícios.

2.8.3.1. Especificidade e representatividade dos exercícios de treino

Após a análise da entrevista, verifica-se que umas das principais


caraterísticas dos exercícios utilizados pelo treinador é que são quase todos
representativos do jogo de futebol. O mesmo se pode depreender com a

307
resposta à seguinte questão: “E se lhe perguntasse, se me puder responder, a que tipo
de exercícios é que recorre mais? Ou, em termos gerais, quais são aqueles exercícios, ou
que caraterísticas têm os exercícios que considera serem essenciais para conseguir passar
a ideia do padrão que quer que a equipa evidencie?” (AFV, p. 14).

Aqueles que mais contêm as ações, os conteúdos e os


comportamentos que eu quero que contenham. Porque não tem a ver com o
exercício em si, mas tem a ver com a forma como nós concebemos o exercício. Se
há uma coisa que eu gosto, claramente, é definir um conteúdo e, em função
daquele conteúdo, eu vou desenhar um exercício para aquele conteúdo. Se eu
vou desenhar um exercício na direção daquele conteúdo, obviamente, aquilo que
esse exercício tem, por exemplo cinco minutos de estimulação, durante esses
cinco minutos muitas ações que eu quero que eles tenham como comportamento,
têm que se passar naquele exercício. Quer seja pela organização do exercício em
sim, quer seja pelas regras do mesmo. Para mim, esse é que é o exercício que
concorre para a obtenção de um objetivo comportamental. (PC, p. 14)

Mas convém que seja o mais representativo possível do jogo, ou seja, que
tenha oposição, que tenha imprevisibilidade? (AFV, p. 14). Totalmente,
totalmente. Porque ainda há pouco falei, sempre que possível, tenho a
ligação de exercícios que ligam diferentes momentos do jogo. Obviamente
que tem que conter todas essas variáveis e tem que conter aquilo que é a abertura
ecológica para que eles percebam que têm liberdade, dentro daquilo que é a
organização que o exercício contém, e as regras do mesmo. Ou seja, que não
seja inibidor, em termos daquilo que é o objetivo que eu quero atingir, mas
também que permita aos jogadores, às vezes serem eles a encontrar outras
alternativas ou formas de solucionar aquele problema. (PC, p. 14).

Portanto, o treinador entende que é fundamental que os jogadores


sejam incentivados, através dos exercícios propostos, a tomar decisões
idênticas às que têm que tomar durante o jogo. Todavia, importa também,
que ao mesmo tempo que são representativos do jogo, sejam orientados
para a especificidade tática da equipa. Ou seja, através da manipulação de
algumas variáveis pode-se tornar mais fácil o aparecimento dos
comportamentos específicos do modelo de jogo que se pretendem afinar. Tal
pode-se depreender a partir da transcrição seguinte:

Eu gosto de ter uma visão holística e uma visão mais ecológica do


treino, não procurando limitar, mas tendo limites mais largos em termos
daquilo que é a direção dos exercícios de treino, isto é, que seja o próprio

308
exercício de treino, não tanto aquilo que são as regras, mas poucas regras,
que levem a que nesse exercício de treino, ocorram aquilo que são o maior
número de comportamentos possíveis que nós queremos trabalhar, porque
o jogo, para mim, são comportamentos. Quando há pouco eu falei naquela
intenção coletiva, eu estou a falar em termos de comportamentos que quero que a
equipa tenha, comportamentos terminais nesses momentos do jogo, então, aquilo
que é o nosso trabalho nesse sentido é criar, não só exercícios que contemplem
esses comportamentos, que esses comportamentos se repitam muitas vezes e
que, de alguma maneira, não inibam os jogadores e ao mesmo tempo deem
liberdades para que, dentro dessa relação espaço – temporal, eles possam reagir
com êxito e também, obviamente, onde possam expressar, ao mesmo tempo a
sua criatividade e a sua liberdade. (PC, p. 6)

A terceira caraterística encontrada relaciona-se com a escala de


representatividade. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo de
futebol estejam presentes por vezes é necessário reduzir a escala da
complexidade propondo exercícios que estejam direcionados mais para uma
fase ou momento de jogo ou para um ou outro setor da equipa. Tal não
significa que no mesmo exercício não possam estar contemplados outras
fases, momentos e outros setores, todavia o foco e as variáveis estão
pensados de modo a potenciar uns mais que outros. Como se compreende a
partir do excerto que se segue:

Isso tem toda a ligação naquilo que é o nosso treino optimizador. O nosso
treino optimizador vai precisamente nesse sentido. E o optimizador, é optimizador
individual. Individual no sentido do tal ciclo que eu falei, convencer o jogador que
tem que melhorar esta competência, trabalhar essa competência, e depois
mostrar-lhe, através do processo de jogo que ele já melhorou tudo isto, ou seja,
tornar tudo isto num ciclo. Depois temos o trabalho essencialmente setorial, e
neste trabalho setorial, podemos isolar claramente as linhas, a linha
defensiva só trabalha entre ela, a linha media só trabalha a linha média, a
linha ofensiva só trabalha a linha ofensiva, e depois, ainda chamamos
setorial daquilo que é a ligação, por exemplo, da defensiva com a média,
nalguns jogadores da linha média, e também alguns jogadores da linha
média com a ofensiva. Até que, no fim, temos os comportamentos coletivos, e aí,
os comportamentos coletivos já, obviamente, têm no todo, então. É o treino
optimizador, individual, setorial e os comportamentos coletivos. Sempre com esta
direção. (PC, p. 16 e 17)

309
A quarta caraterística é que os exercícios propostos têm de ser
pensados para direcionar os comportamentos dos jogadores para um
demarcado pormenor, de modo a que minimizem a necessidade de
intervenção pedagógica do treinador. Como se compreende através da
transcrição:

Eu procuro sempre questionar os jogadores em relação a isso. Ou seja,


uma das coisas que nós procuramos fazer, por exemplo, para que eles possam ter
processos cognitivos desde o início, ainda antes de treinar, e percebam o treino e
percebam porque é que treinaram daquela maneira e onde é que aquilo vai
concorrer em relação jogo, nós temos uma estratégia que adotamos, é colocar
sempre o que vai ser o plano de treino no quadro do balneário e a primeira coisa
que, normalmente, os jogadores fazem, é ir ver esse plano de treino, ou seja, já
estão a desenvolver questões de natureza cognitiva em termos daquilo que é a
perceção e visualização do que vão fazer em seguida. Obviamente que há uns
que levam este processo mais a sério, e procuram ter um maior entendimento
sobre ele, outros nem tanto. Na segunda fase do ciclo nós não temos uma
interação com eles no sentido de explicar, inicialmente, aquela reunião inicial o
que é que vamos fazer no treino, o que é que vai acontecer, não temos esse tipo
de reuniões, e procuramos que o próprio exercício, como eu dizia há pouco,
contenha regras e contenha uma organização que permita que esses conteúdos e
esses comportamentos aconteçam muitas vezes. O que nós procuramos com isto
é que, no final, os jogadores fechem o ciclo a pensar sobre todo este processo. Ou
seja, o que é que estava ali exposto, o que ia ser feito, a visualizar o que ia ser
feito, depois o que fiz e porque é que fiz aquilo, ou seja, para que nos venham
questionar a nós, para quando estejam, por exemplo, na hora do almoço possam
discutir aquilo, quando estejam com o telemóvel em casa, porque nós damos
sempre os treinos, estejam a ver os treinos, que estejam a entender todo aquele
processo. (PC, p. 7)

Eu procuro ser, ao nível dos feedbacks, cada vez mais específico, eu


chamo-lhe até, os coaching points, naquilo que são as variáveis dos nossos
exercícios, nós temos, fundamentalmente, o espaço, o número e o tempo, e
depois, os coaching points. E os coaching points vão, no fundo, um pouco, em
direção àquilo que são as regras de operacionalização desse exercício e cada vez
mais procuramos ir no sentido de dar esses coaching points, ou esses feedbacks,
cada vez mais especificamente, e só quando estritamente necessários. Antes
procurávamos sempre ter um conjunto de interações muito dinâmicas, de muita
comunicação com os jogadores, de estar constantemente a falar, de estar
constantemente a dar indicações, e verificávamos e sentíamos que isso tinha

310
algumas repercussões negativas, porque criava uma habituação daquilo que era a
nossa presença, e naquilo que é o contexto do jogo, a nossa presença, nesse
sentido, não existe, e, então, procurámos estar cada vez mais por fora, e dar uma
corresponsabilização e corresponsabilidade àquilo que é o grupo de trabalho, o
staff técnico, porque eles têm que também ter essas valências nesse sentido, e
nós podermos estar por fora a visualizar tudo aquilo que se está a passar e como
trabalhamos, muitas das vezes, por estações, ou por setores, é importante
estarmos presentes em tudo. Eu acho que no mesmo exercício, por exemplo,
liderado por duas pessoas diferentes, é um exercício diferente, porque a forma
como nós lidamos e interagimos é totalmente diferente. Então, quer dizer que a
forma como hoje, também, procuro ter esse transfere daquilo que é o treino para o
jogo, é de procurar visualizar mais para definir mais especificamente aquilo que
vais ser a minha intervenção, quando posso passar alguma informação com o
papel e, maioritariamente, no intervalo do jogo onde temos uma interação no
banco e uma interação do banco com a bancada para também ajudarmos a definir
tudo isso em termos dessa comunicação, mas também em termos de visualização
de algumas imagens, que algumas vezes também possamos utilizar para que o
feedback seja cada vez mais específico, eu não diria tão frequente, mas cada vez
identificando aquilo que de facto é necessário identificar no tempo certo. (PC, p.
15)

Por último, é referido pelo treinador que também faz parte do treino ter
alguma atenção com o estado emocional dos jogadores e contemplar isso na
planificação das sessões. Tal como se depreende a partir da transcrição
seguinte:

Em função daquilo que são, por exemplo, as necessidades, ou seja, aquilo


que é a base da organização do microciclo padrão, ou semanal, é sempre a
mesma, agora, eu tenho que ter a noção clara do que é que os jogadores
mais necessitam, ou qual é o momento que a equipa está a passar. Se eu
tenho, por exemplo, em termos individuais, um jogador que está a passar uma
fase mais difícil, por exemplo, os avançados não estão a fazer golos, eu tenho de
procurar uma interação com eles para perceber que da parte deles, que têm a
mesma confiança, da nossa parte, que tinham antes, se continuam convencidos
com o processo, se têm necessidade de fazer outro tipo de trabalho…, ou seja,
vamos ao individual. Mas também pode ser um momento em que a equipa pode
não estar bem, e necessitamos muito mais do que é este trabalho, outro tipo de
trabalho, uma dinâmica de grupo qualquer. Um almoço, uma atividade de grupo,
um trabalho, até, de coaching, que nós temos tido nas nossas equipas. Ou seja,
eu tenho que analisar e avaliar, quando faço a organização daquilo que é a

311
semana de trabalho, em termos daquilo que são os tais conteúdos e a
hierarquização dos mesmos, eu vou organizar essa semana, também tendo em
conta essas necessidades, ou seja, onde é que eu vou enquadrar aqui
necessidades que, normalmente, não fazem tanto parte desta base, daquilo que
nós temos como referência, mas que são necessárias para aquele momento em
particular. Então, no fundo, quando eu faço essa planificação tenho que ter
também tudo isso em linha de conta. (PC, p. 21)

Depois de ficarmos a conhecer as opiniões do treinador acerca das


caraterísticas dos exercícios, de modo a ir de encontro aos objetivos do
nosso estudo, entendeu-se ser pertinente ficar a saber como é que a época é
estruturada, quais os objetivos da periodização e a dinâmica das sessões de
treino.

2.8.3.2. Periodização de acordo com a especificidade e


representatividade

Em relação à periodização do treino, pode-se dizer que o objetivo do


período preparatório, que dura entre 5 a 6 semanas antes do início dos jogos
oficiais é preparar a equipa para competir de acordo com os princípios da
ideia de jogo que se quer implementar e de acordo com a sequência de jogos
que primeiramente vai existir. Tal depreende-se a partir da transcrição:

É tudo em simultâneo, ou seja, eu procuro passar o jogo da forma


como o vemos, porque uma das coisas que nós queremos passar para os
jogadores, nessa relação de ensino – aprendizagem, é nós queremos ensinar
este jogo, nós vemos o jogo desta maneira, e vemos que o jogo, por
exemplo, se processa por momentos, ou seja é um ciclo dinâmico do jogo,
eu chamo-lhe o ciclo dinâmico do jogo, que tem este momento de
organização ofensiva, quando temos a bola, para eles terem uma abertura e
uma ideia um pouco mais global de todo esse procedimento. Quando
perdemos a bola, qual é a intenção coletiva, qual é o principal comportamento que
devemos ter em seguida, quando estamos organizados defensivamente, e quando
recuperamos a bola para a transição ofensiva. Eu o que procuro fazer é, trabalhar
sempre, desde o primeiro dia, desde o dia um, tendo em conta aquilo que é a
realidade competitiva que nós vamos encontrar, e dentro daquilo que é o padrão
semanal que nós vamos encontrar. Ou seja, eu vou encontrar logo no início muitas
semanas largas? Eu vou encontrar muitas semanas curtas? Então, eu tenho que

312
preparar a equipa para aquilo que é uma ideia clara de jogo, mas também, para
aquilo que é o regime adaptativo, fisiológico que ela vai encontrar em termos
competitivos. Se eu vou encontrar maioritariamente semanas largas, eu tenho que
preparar a equipa para semanas largas, se eu vou encontrar mais semanas
curtas, é para semanas curtas. Ou se eu vou encontrar as duas, tem de ser as
duas. (PC, p. 8)

Normalmente, na primeira semana de trabalho, o treinador procura uma


semana larga. Ou seja, do menos cinco até ao menos um, que termina,
inclusivamente, com um jogo na forma do onze contra onze, procurando uma
adaptação dos jogadores aos conteúdos de treino. Depois, nas semanas
seguintes, tenho em conta aquilo se vai encontrar, semanas largas, ou
semanas curtas. Todavia, normalmente, as primeiras duas a três semanas
são sempre semanas largas e só depois semanas curtas, sem nunca fugir
deste padrão.

Em relação às diferenças dos períodos pré-competitivo/preparatório o


treinador salienta o seguinte:

Não, nós vamos no todo, ou seja, partimos do todo. E partimos no todo


naquilo que é o tal padrão, para nós é do tipo um, semana larga, do tipo dois,
semana curta. E então, o que nós temos aqui são alguns pontos claros. Primeiro,
a relação entre o estímulo – adaptação, e o estímulo – adaptação, para nós, é o
dominante. Dominante é tudo aquilo que, no fundo, agora eu estava a dizer, em
termos daquilo que é só o trabalho de natureza optimizadora, individual, setorial,
ou os comportamentos coletivos. Na pré-época, não há nada aqui em direção
àquilo que é o adversário, então, se não há em direção ao adversário, não tem
nada de estratégia, não tem nada de plano de jogo. Única e exclusivamente a
nossa equipa. Por exemplo, quando trabalhamos duplas sessões, manhã e à
tarde, aquilo que é o regime de treino nessa sessão é igual. Por exemplo, se
trabalharmos tensão nesse dia de manhã, à tarde também estamos a trabalhar
tensão. Obviamente, aquilo que o que vai mudar aqui é o volume, e se for no
período competitivo, o treino poderá ter, no total, hora e meia, no período
preparatório poderá ter uma hora e quarenta, quarenta e cinco, mas é dividir essa
sessão em duas, no fundo, é isso que fazemos, mas o regime é sempre o mesmo.
Depois, tudo aquilo que procuramos passar em termos das informações, das
grandes informações, do regime de treino, da forma como queremos jogar, daquilo
que são as regras de atuação em grupo, da definição das regras juntamente com
o grupo, porque nós propomos e, em conjunto, depois, definimos o controle do

313
treino, começamos a fazer logo, logo desde esse momento, e também, em termos
daquilo que é a direção daquilo eu são os jogos de preparação. (PC, p. 17)

Em relação à escolha dos jogos de preparação, o treinador entende


que:
Os jogos de preparação, antes, tínhamos uma ideia de fazê-la de um
nível de complexidade crescente, a partir do momento em que definimos
alguns estudos mais de natureza fisiológica, decorrente desses mesmos
jogos, verificámos que não tínhamos nenhuma vantagem em fazer esses
jogos de preparação com equipas de níveis de preparação inferior. Então,
procuramos logo um nível mais elevado e a partir daí, começamos logo a fazer
esses jogos de preparação nesse sentido. Mas, basicamente, é num todo, ou seja,
aquilo que para nós seria a primeira semana de treino, é uma semana igual
daquilo que é um período competitivo, também. (PC, p. 17 e 18)

As sessões semanais são melhor explicadas pelo treinador no seguinte


excerto:

A primeira semana é igual à última semana do período competitivo. A


única diferença é que o jogo que temos ali, é um jogo de preparação para
continuarmos a aferir única e exclusivamente mais os nossos
comportamentos coletivos e a que distância estamos desses
comportamentos que queremos trabalhar, que queremos que a equipa tenha,
e seguindo reforçando em termos daquilo que são as semanas seguintes, ou
o tempo que temos ainda até ao primeiro jogo oficial. No fundo é só isso. Por
exemplo, no dia menos cinco, vamos supor que eu tenho uma sessão dupla no
menos cinco. O menos cinco, eu tenho dominante, obviamente, são os nossos
comportamentos coletivos, aquilo que nós queremos que a equipa tenha como
comportamentos. Pode ser, como há pouco disse, a ligação da organização
ofensiva com a transição defensiva, ou a organização defensiva, ligação com a
transição ofensiva, ou deixar o ciclo dinâmico no todo, que aí, obviamente, tem um
pouco mais de complexidade, mas também o fazemos, mas eu posso ter uma
dupla sessão, como lhe dizia aí. Então, quer dizer que o treino da manhã, o
regime é de duração um, à tarde também é de duração um. Ou seja, naquele dia,
eu só vou trabalhar o mesmo regime, apesar de poder ter dominantes de treino
diferenciado. Vamos supor que na quarta-feira eu também tenho bidiário, então aí,
menos quatro, eu vou ter tensão de manhã e tensão à tarde, ou seja, o regime não
muda, o que pode mudar, sim, é a dominante e os conteúdos práticos. O menos
três seria duração, em termos de regime e os espaços mais alargados só. O
menos dois seria velocidade, e no menos um, tempo de reação, em termos de

314
regime. (PC, p. 19). Em termos de regime, ok. Claro, o fundamental é os princípios
que quer trabalhar de comportamentos, não é? (AFV, p. 19). Sim. (PC, p. 19)

Seguidamente apresenta-se uma breve síntese do pensamento do


treinador Pedro Caixinha.

2.8.4. Em síntese

De forma resumida os objetivos do treinador são ao longo do processo


de treino, fazer evoluir o modelo de jogo da equipa. Tal modelo serve para
guiar os jogadores durante o jogo de futebol. Face à imprevisibilidade do jogo
e à sua natureza caótica, o modelo não deve castrar a criatividade dos
jogadores e estes devem gozar de liberdade para agirem com eficácia
quando o jogo se apresenta imprevisível.

Ao longo dos períodos da época a maioria dos exercícios criados


contemplam em interação sistémica todos os fatores de rendimento, são
específicos e representativos do jogo e levam em conta articuladamente a
necessidade de os jogadores estarem com perfeitas condições de competir
com os níveis fisiológicos adequados.

Termina-se esta análise com a Figura 10, de modo a ajudar o leitor a


ficar com uma ideia de alguns dos conceitos mais importantes proferidos pelo
entrevistado.

Figura 10

Frequência de palavras Pedro Caixinha

315
2.9. Entrevista 9 – A perspetiva de Vítor Pereira

Vítor Manuel de Oliveira Lopes Pereira, é um treinador de futebol


português, que nasceu na cidade de Espinho, no dia 26 de julho de 1969.
Atualmente é treinador do Shanghai SIPG, na China.

Ao longo da carreira como treinador principal Vítor Pereira conquistou,


no Futebol Clube do Porto, duas supertaças Cândido de Oliveira, duas
Primeira Liga Portuguesa, uma Taça da Liga; no Al-Ahli a Taça do Rei; no
Olympiacos, um Campeonato Grego e no Shanghai SIPG, um Campeonato
Chinês e uma Supertaça da China.

A excelência do percurso e a sua vasta experiência adquirida em vários


países foi um dos motivos pelo qual foi selecionado para participar na
presente investigação. A entrevista foi realizada em junho de 2020, através
da plataforma digital Facetime.

2.9.1. A formação e percurso do treinador

Vítor Pereira, como jogador de futebol alinhou nas camadas jovens do


Sporting de Espinho e teve passagens como sénior pela Associação Atlética
de Avanca, pelo Clube Desportivo de Estarreja, pela União Desportiva
Oliveirense, pelo Sporting Clube de São João de Ver e por último pelo Fiães
Sport Clube. Entretanto, formou-se em Educação Física na Faculdade de
Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto
(FCDEFUP) e acabou o quarto nível de treinador como segundo melhor
aluno dessa turma, com uma média final de 17,9 valores.

A passagem de jogador para treinador aconteceu de forma natural e


deveu-se sobretudo à enorme paixão pelo jogo e pela possibilidade de
exprimir o seu lado criativo e artístico. Tal pode ser entendido a partir da
transcrição do excerto que se segue:

Fundamentalmente a paixão. A paixão, a paixão que eu já sentia


enquanto jogador, mesmo quando fui para a faculdade, na altura FCDEF, não é?
Agora já tem outro nome, mas na altura era o FCDEF, quando fui para a faculdade
já fui com a intenção de estudar, de ser professor, e um dia ser treinador, e antes

316
mesmo de ser treinador, enquanto jogava, já passava mais tempo a organizar do
que propriamente a jogar, percebes? Isso é uma coisa intrínseca, é uma coisa que
não sei, que já está na nossa, na nossa génese. Portanto, depois, a paixão pelo
jogo e pelo treino, não é? Porque fundamentalmente é isso, é aquilo que sentimos,
o amor que sentimos ao futebol. Até hoje há esse bichinho do criar. Para mim o
futebol é como se eu pudesse exprimir a minha criatividade, entendes? É como se
eu tivesse a possibilidade de pintar. Um pintor deve sentir a mesma coisa. É o que
futebol me transmite. O futebol dá-me a possibilidade de eu sistematicamente
estar a criar. A criar e a ver crescer, a experimentar, a errar, a voltar a refletir, a
experimentar. (VP, p. 1)

O treinador considera que os anos que passou na faculdade foram de


capital importância para a aquisição de conhecimentos. Desses tempos, para
além de sublinhar os ensinamentos dos professores Júlio Garganta e António
Natal, destaca, tal como Carlos Carvalhal, as aulas do professor Vítor Frade,
autor da conceção de treino designada de Periodização Tática e que teve
uma vasta carreira ligada ao treino, com especial impacto no Futebol Clube
do Porto.

Vítor Frade é diversas vezes conotado, por aqueles que tiveram o


privilégio de conviver com ele mais de perto, como uma espécie de “artista”,
(i.e., um filósofo e admirável visionário). Vítor Pereira, para além de ter
adquirido muitos conhecimentos no âmbito da metodologia de treino, entende
que uma das grandes heranças que cultiva consigo até hoje, é a capacidade
de questionamento e reflexão.

De facto, parece ser imprescindível que durante a formação teórica se


trabalhe, entre outros aspetos, a reflexão como forma de dar resposta à
perenidade do conhecimento e ao grande volume de informação que existe e
que torna impossível o seu processamento e retenção (Alarcao, 1996;
Alarcão, 2003; Bento, 2008, 2012; Castelo, 2019; Sérgio, 2009).

A partir da transcrição abaixo é possível verificar a importância atribuída


pelo treinador à capacidade de refletir:

...quando fui fazer os cursos (cursos de treinador) já levava uma bagagem


muito grande da faculdade porque tive a sorte de ter o Vítor Frade como professor
e o Zé Guilherme como colega na faculdade e depois no campo, porque,
entretanto, trabalhei com o Zé Guilherme num clube. O Vítor Frade a transmitir-me

317
aquelas ideias, a ajudar-me a questionar as coisas, percebes? A questionar, a
colocar em dúvida muita coisa, a dar-me uma orientação metodológica.
Fundamentalmente, foi isso que eu adquiri na faculdade (...) portanto, a faculdade
foi muito importante para mim, e apanhar o Vítor Frade, assim como outros
professores, o Garganta, o Natal, o Zé Guilherme, como eu já disse, o Zé
Guilherme não foi meu professor, mas era meu colega, e discutíamos muito o
treino e o jogo, e o Frade, o Frade, o Frade, fundamentalmente o Frade, que
me foi pondo sempre aqui o bichinho. Aquele bichinho de estar sempre a
questionar. Ainda hoje, esse bichinho está comigo, ainda hoje eu questiono muita
coisa do que faço. (...). É isso que ele provoca em nós, não é? (VP, p. 2)

Depreende-se a partir da entrevista do treinador que em contextos de


alto rendimento, torna-se difícil ser treinador sem a presença de um
questionamento contínuo acerca de tudo que envolve o treino. Assim, ser
treinador implica também refletir 95 acerca do que se faz, como se faz e
porque se faz, bem como um questionamento acerca da efetividade do que
se treina, porque e para que se treina e ainda a atualização das práticas face
aos conhecimentos que se vão adquirindo, permitindo o surgimento de novas
interpretações e de novas atividades fruto de uma postura intimamente ligada
à noção de reflexividade.

Posteriormente, o treinador iniciou-se como treinador adjunto no


Gondomar Clube de Futebol, passou pelo Clube Desportivo Arrifanense e
pelo Sporting Clube de Esmoriz. Como treinador principal, Vítor Pereira
sentou-se no banco pela primeira vez na temporada 2002/2003, para treinar
a equipa de juniores C do Padroense, desempenhando as mesmas funções
no Futebol Clube do Porto (FCP) na época seguinte 2003/2004. Entretanto,
depois de ter saído para experimentar o futebol sénior, regressou ao FCP na
época 2007/2008 voltando a orientar os juniores C do FC Porto. Vítor Pereira

95
Alguns autores, tais como Schon (1983, 1987) e Zeichner (1994), podem ajudar a
melhor perceber este processo. Para que tal seja feito com eficiência é necessário obedecer
a um método e vários momentos, i.e., tem um antes, um durante e um depois. No antes, a
reflexão incide sobre o problema e sobre as soluções a aplicar. No durante, a reflexão incide
sobre o próprio processo de aplicação da solução. No depois, a reflexão debruça-se sobre as
consequências da aplicação de determinada solução e constitui um novo antes, num
processo dialético constante. Estes momentos distintos implicam, tanto pela natureza do
objeto sobre o qual recai a reflexão como pelo objetivo da mesma, diferentes tipos e níveis
de reflexão que embora tenham vindo a ser aplicados no âmbito do ensino, também parece
ser pertinente serem aplicados ao treino tal a similaridade entre os dois processos.

318
reconhece que os cinco anos que esteve no FCP como treinador do futebol
de formação tiveram um impacto enorme na sua evolução como treinador
(Pereira, 2017, 2021a, 2021b). Como se pode verificar pela transcrição
abaixo:

Eu comecei nas segundas divisões, como adjunto, andei quatro anos,


quatro anos como adjunto nas segundas divisões. Mas depois, deu-se a minha
entrada no FCP através do Zé Guilherme, onde apanhei também o Ilídio Vale com
quem também partilhei muitas coisas e continuei a ter o Frade por perto na
formação, e aquilo foi um laboratório para mim, percebes? A grande base do meu
conhecimento, do saber fazer sobre um saber, ou seja, eu já tinha o saber, não é?
Tinha o saber, mas tinha que experimentar, e aqueles cinco anos de formação no
Porto, em diferentes funções, em diferentes escalões, deram-me uma experiência
incrível, porque eu experimentava tudo, eu criava exercícios sistematicamente (...)
eu no Porto, é como eu te disse, foi um laboratório de tal forma experimental
que me permitiu ter uma evolução incrível (...) começar na formação, ensinar o
jogo, ensinar um jogo, e repara, ensinar o jogo com os melhores miúdos, para
ganhar sempre, portanto, um jogo ofensivo, um jogo dominante, um jogo que era o
que eu também gostava foi muito importante e contribuiu para a base da minha
formação. (VP, p. 2)

A passagem para os seniores, como treinador principal, surgiu na


temporada 2004/2005, substituindo Luís Castro no comando da Associação
Desportiva Sanjoanense já com a época na II Divisão B a decorrer,
terminando na quinta posição. A Sanjoanense manteve-se na II Divisão B e
Vítor Pereira também, mas noutro clube, o Sporting de Espinho (2005/2006).
A experiência no Sporting de Espinho começou bem, falhando por pouco a
subida à Liga de Honra, ao terminar no segundo lugar do campeonato
2005/2006, quatro pontos atrás da Associação Desportiva de Lousada. Vítor
Pereira não chegou a concluir a época seguinte (2006/2007) na liderança dos
“tigres” (Sporting de Espinho), tendo sido substituído por Amândio Barreiras.

Em 2008 foi contratado pelo Clube Desportivo Santa Clara, da Liga de


Honra, onde permaneceu durante as épocas de 2008/2009 e 2009/2010,
tendo acabado respetivamente em 3º e 4º lugar. Na segunda época, Vítor
Pereira levou o clube açoriano aos oitavos de final da Taça de Portugal,
acabando por ser eliminado pelo Arcos de Valdevez, tendo falhado
novamente a promoção à Liga principal, apesar de ter mantido o Santa Clara

319
na luta até ao fim do campeonato, que terminou no quarto lugar a escassos
dois pontos de subir ao escalão principal do futebol português.

Em 2010 passou novamente a desempenhar tarefas de treinador


adjunto, desta vez com André Villas-Boas, outra vez no Futebol Clube do
Porto até ao final da temporada 2010-2011. Como adjunto de André Villas-
Boas conquistou 1 campeonato, 1 Taça de Portugal e 1 Liga Europa. Em
2011, com a transferência de André Villas-Boas para o Chelsea Football
Club, assinou contrato de duas temporadas como treinador principal do
Futebol Clube do Porto. Conquistou o seu primeiro título oficial da carreira em
Agosto de 2011, após ter levado o Futebol Clube do Porto à vitória na
Supertaça de Portugal, frente ao Vitória de Guimarães. No dia 29 de abril de
2012, o treinador português venceu o seu primeiro título de campeão
nacional como treinador principal. A 11 de agosto de 2012, Vítor Pereira
conquistou a sua segunda supertaça e a décima nona do clube. A 19 de maio
de 2013 conquistou o tricampeonato nacional e o seu segundo título da
Primeira Liga.

Depois de sair do Futebol Clube do Porto, assinou pelo Al-Ahli, onde


esteve durante uma época. Em janeiro de 2015, recebe o convite que o faz
regressar à Europa e conquista a dobradinha no Olympiacos. Tudo apontava
para que continuasse na Grécia, mas aceita um novo desafio na Turquia,
pelo Fenerbahçe, onde foi vice-campeão e finalista vencido da Taça da
Turquia. Posteriormente, antes de rumar ao Shanghai SIPG foi contratado a
meio da temporada pelo TSV 1860 Munique, não evitou a descida de divisão
num conjunto que já estava no escalão secundário. Em 12 de dezembro de
2017, assinou contrato com o vice-campeão chinês Shanghai SIPG, clube
onde se mantém até hoje.

Depois de se ficar a conhecer o seu trajeto, a entrevista teve como


objetivo aprofundar questões relacionadas com a equipa, o jogo e o treino.
Assim, de seguida apresentam-se essas temáticas.

320
2.9.2. A origem e as modelações da ideia de jogo

Com a entrevista a Vítor Pereira ficou claro que, ao longo da carreira, o


treinador foi construindo uma ideia de jogo, tendo por base o que inicialmente
foi vendo outras equipas fazer (Pereira, 2017, 2021a, 2021b). O mesmo se
depreende a partir do excerto abaixo transcrito:

...a minha monografia na faculdade foi sobre o Barcelona do Cruyff, quer


dizer que, se tu fazes uma monografia sobre o Barcelona do Cruyff, quer dizer que
tu gostas de determinado jogar, gostas de determinado jogo, não é? O Sacchi,
na altura, também, antes do Cruyff. O Tele Santana que também tinha um jogo.
Portanto, são referências do jogo que eu gostava de ver. Portanto, depois, bebi na
faculdade, bebi num laboratório (formação FCP), e pronto, são precisamente
muitas das minhas referências. É claro que eu não sou o mesmo nem penso da
mesma forma, mas muita coisa vem daí, percebes? (VP, p. 4)

Todavia, segundo Vítor Pereira o modelo de jogo que se propõe a uma


determinada equipa pode não ser exatamente igual à ideia ideal (Pereira,
2017, 2021a, 2021b). Isto porque, quando se chega a um determinado clube
é importante perceber o contexto, como se pode depreender através da
transcrição abaixo:

...na China, eu não posso aspirar a ter o futebol que o Porto jogava. (...)
Apesar de os grandes princípios estarem lá, e de eu gostar de um jogo de
posse, de dominância, agressivo, eh pá, temos que modelar em função do
contexto, (...) Agora, os grandes princípios, aquilo de jogar e ser agressivo e de
reagir com agressividade à perda de bola, do pressionar alto, …agora eu trabalho,
também, muito mais o momento de transição ofensiva, trabalhava pouco, mas
agora…, agora trabalho mais. (VP, p. 4)

Importa ainda acrescentar que apesar de haver um modelo de jogo, ele


não deve ser entendido como algo extremamente fechado. É importante que
os jogadores entendam que lhes é atribuída alguma liberdade para jogar,
mas que convém que essa liberdade seja adequada aos princípios do modelo
de jogo da equipa e que não seja exagerada:

Tudo o que sejam ações individuais a acrescentar qualidade, meu


amigo, entendes? Agora, não pode ser é à revelia do coletivo. Não pode ser
um gajo que, oh pá, se lembra, vem buscar a bola à nossa linha defensiva e sai

321
por lá a driblar. Não pode ser. Agora, há que perceber quando é que nós vamos
dando ferramentas para eles resolverem os problemas, e esprememos, e
tentamos que eles usem essas ferramentas nos contextos corretos. Portanto, se
eu tenho um jogador que é forte no um contra um, oh pá, se ele está numa zona
em que, realmente, pode ir para cima, eu quero que ele vá para cima, por isso é a
tal coisa, por isso é que tu tens de promover no treino, os teus exercícios não
podem ser sempre do mesmo, não podem ser nem sempre dois toques, nem
sempre a um toque, nem sempre livre, porque, também, se for sempre livre, eles
começam a exacerbar a condução, e aí, quando tu sentes que eles estão a
exacerbar a condução, o que é que tu fazes? Passas a dois toques, quer dizer, e
aqui, já… já há uma mudança, não é, já há uma mudança, já o foco… porque é
muito importante que o exercício promova o foco, porque se o exercício não tiver o
foco, não te desafiar, tens que mudar o exercício, estás a perceber? Tens que
mudar, ou tens que melhorar o exercício, e é mesmo assim. Portanto, eu,
liberdade, sim senhora, não há dúvida nenhuma, se eu tiver jogadores que sejam
criativos, que sejam, oh pá, que vejam soluções que eu até nem veja, e que me
acrescentem ao jogo coletivo, tanto melhor. (VP, p. 17)

Posteriormente, a entrevista teve como objetivo perceber melhor como


os princípios do modelo de jogo criado, eram treinados durante a semana.
Assim, foram colocadas questões que nos permitissem perceber qual o
principal objetivo do treino e quais as caraterísticas dos exercícios propostos
ao longo das sessões de treino, que se apresentam de seguida.

2.9.3. Treino para aperfeiçoar as decisões

De acordo com a análise à entrevista de Vítor Pereira, depreende-se


que o aperfeiçoamento e desenvolvimento da organização tática é o fator
mais importante que norteia os objetivos das sessões de treino. Tal pode-se
depreender a partir do excerto abaixo:

...eu não consigo pensar um exercício que não tenha, por trás dele, uma
base tática, alguma coisa que eu taticamente quero ver que a equipa
apresente, percebes? Não, eu não perco tempo com exercícios avulso,
entendes? Eu não perco tempo com isso. Para mim, é um modelo que eu adoto,
que nós adotamos, são os exercícios para os comportamentos que nós queremos,
e é desde o primeiro dia até ao último. (VP, p. 6)

322
Todavia, apesar da preocupação fundamental da construção dos
exercícios se relacionar com a identidade da equipa, o treinador entende que
é importante “fazer o estudo do adversário,” (VP, p. 22) desde o início da semana e
levar em conta as particularidades do adversário nos exercícios propostos
(Pereira, 2017, 2021a, 2021b). Tal pode ser percebido através da transcrição:

Entretanto, já o Bruno e o Filipe estão a construir, ou já construíram o


compacto do adversário seguinte, já começamos a discutir sobre aquilo que eu
quero que seja apresentado. Normalmente, sou eu sempre que faço a planificação
do treino, portanto eu tenho que ter um conhecimento do próximo adversário
para ir para as questões técnicas…para as questões estratégicas, também,
em termos de exercícios, começarem a aparecer sem eu, sequer, falar no
adversário, entendes? (...). Vou dizendo à minha equipa, olha, este adversário
vai-nos pressionar alto, portanto, os espaços são ali, ou os espaços estão ali. É a
partir daí que vamos construindo as coisas. (VP, p. 23)

A forma como interpreta as questões relacionadas com as


preocupações estratégicas, ou seja, de que forma se vai adaptar ao
adversário que vai defrontar, foi melhor explicada pelo treinador:

Por exemplo, eu defendo uma identidade, com princípios, mas tu sabes que
a equipa contra quem tu vais jogar te vai pressionar a tua saída a jogar a partir do
guarda redes, então, claro que eu durante a semana, sabendo que naquele
momento, aquele é o momento de pressão para o adversário, então vou criar
condições para sair dessa pressão. Agora, se for uma equipa que tu sabes que te
vai deixar sair a jogar, então já não vou perder tempo, a minha incidência já pode
ser maior na segunda fase de construção, entendes? Se é uma equipa que se
coloca lá atrás, eh pá, nessa semana, sempre dentro daquilo que são os nossos
princípios, os princípios do nosso jogar, eu já sei que vamos passar muito tempo
a… tem lá dois jogadores na frente e ficam a jogar em profundidade, é claro, e eu,
a dominância do meu treino, segundo os nossos princípios, vai ser mais sobre
este momento, não é? Portanto, estás a ver, ou seja, estás a ver como é que
as questões estratégicas são postas no treino, sem comprometer a tua
identidade, porque a tua identidade é fundamental. (VP, p. 14)

Depois de se perceber que o critério fundamental que norteia a


construção dos exercícios se prende com as questões tático-técnicas,
entendeu-se ser importante saber com maior profundidade as caraterísticas
das tarefas práticas propostas.

323
2.9.3.1. Especificidade e representatividade dos exercícios

Após a análise da entrevista, verifica-se que umas das principais


caraterísticas dos exercícios usados pelo treinador é serem em grande
número representativos do jogo de futebol. O mesmo se pode depreender
com a resposta à seguinte questão: “Então, a maioria dos exercícios, neste caso, têm
jogo, ao fim ao cabo, as caraterísticas do jogo.” (AFV, p. 16). “Têm quase sempre, quase
sempre. Oitenta por cento do meu treino é jogado, é em jogo, entendes?”. (VP, p. 16).

O treinador entende que é fundamental que os jogadores sejam


incentivados, através dos exercícios propostos, a tomar decisões idênticas às
que têm que tomar durante o jogo, como se depreende a partir do excerto
abaixo:

Só com jogos direcionados, condicionados, dirigidos, mais dirigidos, menos


dirigidos, mas só com o jogo, oposição. Tu não podes pôr ninguém a decidir
mais rápido se o teu treino for feito, a maior parte das vezes, de forma que não
tenha a ver com o jogo, de forma analítica, sem adversários, se a dominância do
teu treino for essa, tu nunca vais conseguir. Agora, se tu criares exercícios em que
há a possibilidade de decisão e lhes dê sucesso. (VP, p. 8)

Importa também que ao mesmo tempo que são representativos do jogo,


sejam simultaneamente direcionados para a especificidade do modo de jogar.
Ou seja, com a manipulação de algumas variáveis pode-se tornar mais fácil o
aparecimento dos comportamentos específicos do modelo de jogo que se
pretendem aperfeiçoar:

Eu posso pôr várias balizas, para eles perceberem que esta baliza está
fechada e tem que se ir à procura de outra, entendes? Ou deste lado está
fechado, eu tenho de ir à procura de outro porque isto fechou, e isto é promover a
tomada de decisão, não é? Em contextos de oposição em que essa velocidade
de perceção e decisão e ação vai crescendo. (VP, p. 9)

O que nós queremos é trabalhar sempre, sobre uma intensidade qualitativa,


percebes? O que nós queremos é que os exercícios sejam sempre intensos e
jogados com qualidade. Não é só serem intensos, porque o que é que me
interessa a mim serem intensos se for perda, ganho de bola, ganho de bola, perda
de bola, em que não se acerte dois, três passes seguintes, não me interessa nada
que seja intenso se não tiver qualidade, não é? É uma intensidade qualitativa,
com foco, não é? Com concentração... (VP, p. 24)

324
A terceira caraterística encontrada relaciona-se com a escala de
representatividade. Ou seja, embora as caraterísticas essenciais do jogo de
futebol estejam presentes por vezes é necessário reduzir a escala da
complexidade recomendando exercícios que estejam direcionados mais para
uma fase ou momento de jogo ou para um determinado setor da equipa
(Pereira, 2017, 2021a, 2021b). Tal não significa que no mesmo exercício não
possam estar os outros momentos e fases e outros setores, porém as
variáveis estruturais estão pensadas de modo a potenciar uns mais que
outros.

É como eu te digo, em termos operacionais é daquela forma que eu te


disse, não é? É o jogo como um todo, não é? Eu não estou aqui a desmontar,
eu desmonto o jogo, para o montar logo a seguir, estás a perceber? Eu posso
desmontar, posso-o tornar mais num contexto, imagina que eu quero trabalhar as
nossas linhas, imagina que a coordenação da nossa linha defensiva, claro, eu
posso a coordenação da nossa linha defensiva mais o nosso pivot contra a nossa
linha média mais o nosso ponta de lança, imagina. Pronto, sou capaz de reduzir a
complexidade, não é? Reduzir a complexidade para corrigir, para ter determinadas
correções, mas a seguir, isto tem a ver com o que vai acontecer a seguir, o que
vai acontecer a seguir é, as linhas vão-se juntar, e têm de se coordenar entre si,
portanto, o que nós queremos quando isolamos mais, ou tiramos complexidade, é
para depois vir para a complexidade outra vez. Porque o jogo é complexo, não é,
e o jogo, pronto, é assim, é essa a forma, a nossa forma de trabalhar é essa, e
sempre me dei bem, e era a que eu acredito que, de facto, tem lógica, tem lógica.
(VP, p. 22)

Por vezes esta complexidade pode ser reduzida ao nível do pormenor


individual, também, como fica claro a partir da fala do treinador:

Vou-te dar um exemplo, o Falcão, o Jackson Martinez, que tive o


privilégio de trabalhar com eles, precisavam de trabalho específico para criar
o seu espaço. Imagina, nós trabalhávamos muito, eu lembro-me
perfeitamente, com o Falcão, no final dos treinos, trabalhávamos muito
contramovimentos, contramovimentos que ele depois, lá está, tu, quando
trabalhas com um jogador de qualidade, e lhes dás uma ferramenta como o
contramovimento, que é o primeiro movimento nunca é o primeiro movimento é
sempre um falso movimento. O primeiro movimento é sempre no sentido contrário
a onde ele quer receber a bola, portanto, se eu quero receber, imagina, estou um
contra um com o central, eu se quero receber a bola na frente dele, e estou a

325
sentir que o cruzamento vai sair pela frente, eu faço o contra o primeiro movimento
é nas costas, às vezes só com um passo, e apareço pela frente. E isto aqui, como
um contramovimento, queres a bola no pé, primeiro o teu movimento é à
profundidade, e ele segue o teu movimento, e tu é que sabes, tu é que
determinas, tu é que sabes onde queres receber a bola, e vens para buscar.
Portanto, isto, quando tu, quando tu com jogadores deste nível, tens necessidade
e eles sentem necessidade de trabalhar coisas, subprincípios, coisas de pormenor
como os contramovimentos, só que depois vão para o jogo, e aquilo sai. Basta
recordar o Jackson e o Falcão. (VP, p. 9)

A quarta caraterística é que os exercícios propostos têm de ser


pensados para dirigir os comportamentos dos jogadores para um aspeto em
concreto, de modo a que minimizem a necessidade de intervenção do
treinador (Pereira, 2017, 2021a, 2021b), tal como se depreende a partir do
excerto abaixo:

Agora, eu, hoje, procuro criar exercícios que o próprio exercício


promova os comportamentos que eu quero, e quanto menos eu falar, quanto
menos eu tiver necessidade de falar, mais qualidade tem o exercício. É claro
que, quando o exercício para eu tenho sempre alguma coisa a dizer, porque,
às vezes, tenho a dizer, outras vezes não tenho. Se o exercício estiver com
uma qualidade muito grande, só lhes dou os parabéns, oh pá, e continuam porque
está a sair. Agora, se eu acho que há um pormenor ou outro, oh pá, mas é um
feedback de pormenor, entendes? (...). Agora, deixei de ser há muito tempo,
aquele treinador que está sempre… aquele treinador que está sempre a relatar,
sempre, sempre a relatar, sempre a relatar, porque isso… se tu sentes
necessidade disso, é porque o exercício não tem a qualidade que tu pensas que
tem. Entendes? (VP, p. 18)

Ora, isso também foi uma coisa que eu mudei. Antigamente era um
treinador que quase que relatava o treino, entendes? Parecia um, oh pá, ali,
movimenta ali, faz aqui, vai acolá, entra ali, e às vezes parava. Só que tu, quando
começas a crescer de nível, se tu paras o treino, oh pá, eles matam-te, eles
começam, só se fores para uma cultura, é assim, se fores para Itália,
provavelmente, eles estão habituados àquele trabalho, já é uma coisa que está
culturalmente acomodada. (VP, p. 17)

Por último, logo a partir das primeiras sessões de treino dos períodos de
preparação semanal, assim como quando não é impossível realizar treinos
práticos, verifica-se que o treinador opta por fazer um tipo de treino que faz

326
essencialmente apelo à estabilização cognitiva dos comportamentos,
utilizando como ferramenta o vídeo e imagens:

Primeiro fazemos o estudo do jogo anterior, não é? (...). É fundamental tu


teres imagem porque ficou-te na ideia alguma coisa, mas é importante tu
teres, tu teres a imagem daquilo que tu fizeste. Normalmente, fazemos isso
para reforçar aquilo que de positivo temos feito, ou seja, para dar, para lhes dar a
imagem clara que nós estamos a crescer, não é? Ou o que não fizemos e
devíamos ter feito, mas também temos de perceber em que momento estamos,
não é? Se precisarmos de um bocadinho de confiança, então as imagens são
mais para a confiança. Se temos um adversário que vamos jogar a seguir, o
adversário até é mais fraco e pode haver uma certa… a equipa pode adormecer
um bocadinho, aí, pô-los em sentido com coisas, com erros que cometemos,
entendes? Portanto, é um bocadinho nessa base. (VP, p. 22 e 23)

...é como eu te digo, imagina isto: imagina que tu passas oito horas a viajar,
e às três e às quatro horas em aeroportos, que nem sequer o período… o dia da
recuperação vai logo ao ar, não é? Às vezes, o dia da recuperação já não o tens.
O dia da recuperação é a viagem que tens de fazer de oito horas, que aquilo é um
suplício. Portanto, aquilo que tu podes fazer é recuperar, por isso é que o
vídeo, muitas vezes, torna-se fundamental para aquele dia. (VP, p. 23)

Depois de ficar a saber as caraterísticas das tarefas práticas de treino,


entendeu-se ser pertinente saber como se divide a época durante o processo
de treino. Assim, seguidamente apresenta-se a análise referente a essa
temática.

2.9.3.2. Periodização de acordo com a especificidade e


representatividade

Face às caraterísticas do calendário da época desportiva, optou-se por


analisar o período de preparação, onde ainda não há jogos oficiais, mas as
equipas já estão em treino e depois o período competitivo, onde já há jogos
oficiais.

Ao longo da entrevista foi ficando claro que existe uma aproximação


clara do discurso do treinador com a conceção de treino designada por
Periodização Tática. Essa perceção adensou-se ainda mais quando as

327
questões se relacionaram com a periodização treino, onde se percebe que a
estrutura utilizada para guiar todo o planeamento tem como base o
morfociclo-padrão. Tal ficou claro com a resposta à pergunta: “É o morfociclo,
não é?” (AFV, p. 24 e 25).

Claro. Mas isso é aquilo que eu te tenho dito, não é? Os exercícios são
sempre para um determinado jogar, não é, e depois, é em função dos dias
nós vamos, é claro que um exercício direcionado para tensão, é diferente de
um exercício direcionado para duração, mas isso é a minha experiência, a
nossa experiência, pronto. São os factos. E, depois, não é só isso, também,
temos alguém na equipa técnica que que nos consegue, que nos avalia se o
exercício esteve dentro dos parâmetros que nós pretendíamos, ou não, percebes?
E dá para nós ajustarmos. Vamos ajustando. (VP, p. 24 e 25)

Em relação ao período preparatório, o treinador salienta, tal como é


preconizado pela Periodização Tática que a estrutura do planeamento
durante o período preparatório é igual à estrutura utilizada durante o período
competitivo (Pereira, 2017, 2021a, 2021b). O mesmo se pode depreender a
partir do excerto da entrevista abaixo transcrito:

O período preparatório é igual aos outros, estás a perceber? A única


diferença, a única diferença no período preparatório, é que os pacotes de
intensidade são mais curtos, não é? A concentração, o que é que nós
queremos? Nós queremos pacotes de intensidade qualitativa, não é?
Concentração, vamos juntando os pacotes. É claro que no início os pacotes são
mais pequenos, são mais reduzidos, e o tempo de recuperação são maiores, mas
já é para o nosso jogar. Entendes? Já é para preparar a equipa para, normalmente
o que é que fazemos no período preparatório? É o transmitir dos nossos
princípios, é o ir construindo o nosso jogar naquelas cinco semanas, para
chegarmos ao primeiro jogo, preparados para ganhar o jogo. Entendes? E não
tem nada de diferente daquilo que é a última semana. Só que a última semana, os
pacotes já são maiores, provavelmente, o tempo de recuperação, já recuperamos
muito mais depressa, entendes? E, portanto, a diferença é essa, mais nada. (VP,
p. 20)

Em resposta à pergunta se durante o período preparatório as semanas


apresentavam diferenças significativas entre elas a resposta foi que não. A
ideia é manter sempre a mesma estrutura ao longo de toda a época. Pode

328
apenas variar em função do número de jogo que pode haver durante a
semana:

Não, não há diferença nenhuma. Pode haver é ali numa semana, imagina
que eu quero, pá… imagina que eu quero concentrar… imagina que há ali uma
semana que já trabalhamos em equipa durante duas semanas, e depois, quero
concentrar ali, entendes? A única diferença pode ser essa, não é? É…é eu querer
ver como é que estamos em termos de como é que estamos em termos de jogo,
não é? Querer ver até que ponto nós evoluímos em termos de jogo, então, às
vezes, até, normalmente, porque nós arranjamos às vezes, o que é que acontece,
às equipas em todo o mundo? Arranjam torneios, não é? Há um torneio que tu
tens três jogos, pronto, essa semana pode ser diferente das outras, por causa da
densidade dos jogos, entendes? (Entrevistador: Ok.). Mas não… em termos de
conteúdos, em termos de conteúdos, enquanto tu transmitires conteúdos e
trabalhar conteúdos, é exatamente a mesma coisa. (VP, p. 21)

Em relação ao tratamento pedagógico dos conteúdos que pretende


transmitir aos jogadores, o treinador destaca que foi alterando algumas
coisas ao longo da carreira, fruto da sua experiência. A forma como introduz
os conteúdos sofreu algumas alterações:

É, é o jogo. É o jogo, é o nosso jogar. Desde o primeiro dia, começamos a


introduzir. Eu antigamente, eu vou-te dizer, eu antigamente, nos primeiros dois
dias, dava-lhes, claramente, a noção global do nosso jogar, como é que eu queria
que a equipa jogasse. Queria que jogasse instalado no meio campo adversário,
com uma dinâmica com constantes linhas de passe ao portador da bola, com um
jogo posicional bem definido, perda de bola, dava-lhes logo a noção. Perdemos
bola, reagimos na zona da bola, reagimos fortes, em quando temos bola, quando
estamos em posse, nós já estamos a pensar no momento seguinte que é a perda
de bola, portanto, e por isso, estarmos a preparar o momento seguinte, apesar de
termos bola, estamos posicionados para reagir, e para garantir a profundidade,
para controlar a profundidade, para reagirmos com agressividade à perda. Agora,
eu antigamente, nos primeiros dois dias dava-lhes logo estas, estas noções dos
grandes princípios. Quando estamos a defender em bloco, para onde é que quero,
como é que quero que façamos a reversão, pronto, e, pronto, dava-lhes uma ideia
geral do que queria, e depois começávamos a trabalhar aquilo. Trabalhávamos
defensivamente, ofensivamente, em conjunto, uns mais preocupados, a minha
equipa técnica, uns mais preocupados com os aspetos ofensivos, outros mais
preocupados com os aspetos defensivos, e íamos construindo o nosso jogar. Hoje
em dia faço exatamente a mesma coisa, mas não começo logo com aquela

329
informação, isto é o que nós queremos em termos globais, não. O que é que
eu faço? Vamos introduzindo, vamos introduzindo, vamos construindo o
nosso jogar de uma forma quase impercetível que, quando eles dão por ela,
estão a fazer aquilo, percebes? (VP, p. 11 e 12)

Em relação ao período competitivo, o treinador mantém a mesma


estrutura de periodização, i.e., morfociclo-padrão. A organização semanal
pode ser percebida a partir da transcrição abaixo:

É assim, em termos metodológicos, sabes que eu tive a minha


formação ligada à periodização tática. Portanto, nós no primeiro dia após jogo,
normalmente é recuperação, é o dia de folga. Dia de folga, porquê? Porque eu
acho que, eu próprio, eu próprio depois de um jogo, estou completamente
desgastado preciso, fundamentalmente, de recuperar aqui, de recuperar o meu
sistema nervoso central, estás a perceber? Recuperar a fadiga central, mesmo o
corpo, eu sinto-me cansado, porque eu vivo o jogo como vivo, oh pá, e então, eu
já experimentei, no início de carreira, treinava no dia a seguir, sinceramente, eu ia
completamente, e às vezes, quando tenho jogo a meio da semana, tenho de
treinar, e acho que não, prefiro recuperar, recuperar totalmente, eles vão para as
famílias e ficam em casa e estão com a família. Depois no segundo dia fazemos
uma recuperação ativa, e depois, lá está, no terceiro dia, no terceiro dia, é os
espaços para trabalharmos não o macro, mas o micro, não é? No terceiro dia que
é o dia da tensão, oh pá, setorial, intersectorial, setorial, eu quando falo em
setorial, não é só setorial à largura, é também setorial em profundidade, que eu,
para mim, por exemplo, o lateral esquerdo, o central desse lado, o ala desse lado
e o médio desse lado estabelecem, mais o ponta de lança, estabelecem ligações
associativas diferentes do outro lado, portanto, isso, para mim, também é setorial,
também é um trabalho setorial, podem chamar grupal, podem chamar o que
quiserem. Pronto, mas o que eu te quero dizer é que, no dia da tensão que é o
terceiro dia, normalmente, num morfociclo normal, os espaços são mais reduzidos,
para promover a tensão, não é? Para promover a tensão, mas para trabalhar
taticamente. Trabalhamos muito taticamente nesse dia, isolamos subprincípios
também, que são importantes, sub subprincípios, não é? Aqueles coisas mais
pequenas e depois, sou capaz de acabar com o jogo, em espaço reduzido, mas
em estrutura. Porque é assim, porque eu acho que só o quarto dia, o trabalhar em
estrutura só no quarto dia não…, às vezes, não é suficiente, estás a perceber? Eu,
às vezes, tenho necessidade, trabalhamos na mesma em espaços mais
reduzidos, mas tenho necessidade, já, de trabalhar estruturalmente no dia da
tensão. No quarto dia, portanto, que seja, à quinta feira, trabalhamos mais macro,
aquilo que é macro, não é? Portanto, depois, aquilo que é normal, depois à sexta

330
feira, no dia da velocidade, voltamos outra vez a espaços mais reduzidos, não tão
reduzidos como o dia da tensão, mas mais reduzidos, a promover ações rápidas,
decisão rápida, deslocamentos rápidos, e pronto, e depois é o dia anterior ao jogo,
o dia da reação. Entretanto, a introdução daquilo que é estratégico, escolho um
exercício. Imagina, uma equipa que é muito compacta, que é agressiva num
corredor e nos liberta o lado contrário, eu crio exercícios que nos promova e que
nos permita sair daquela pressão e variar no lado contrário. Uma equipa que nos
pressiona alta, o que é que nós fazemos? Fazemos o estudo, a análise dos
espaços que vamos encontrar, e os espaços que eles gostam de explorar. Pronto,
mas é o lado estratégico segundo o nosso jogar. (...). Bolas paradas,
normalmente, dois dias de bolas paradas. Imagina que jogamos ao domingo,
trabalhamos sexta e sábado de bolas paradas. As defensivas, primeiro e,
normalmente, no dia anterior, as ofensivas. Pronto, e é assim que é o nosso
operacionalizar. (VP, p. 19 e 20)

Quando durante o período competitivo existe mais do que um jogo, é


necessário fazer ajustes ao morfociclo-padrão:

...é como eu te digo, imagina isto: imagina que tu passas oito horas a viajar,
e passas às três e às quatro horas em aeroportos, o dia da recuperação vai logo
ao ar, não é? Às vezes, o dia da recuperação já não o tens. O dia da recuperação
é a viagem que tens de fazer de oito horas, que aquilo é um suplício. Portanto,
aquilo que tu podes fazer é recuperar, aquilo que o dia podes fazer é
recuperar, lá está, por isso é que o vídeo, por isso é que o vídeo, muitas
vezes, torna-se fundamental. Mas isto porquê? Para te explicar. Às vezes,
jogamos, mas ao outro dia viajamos para outra cidade, vamos para o Sul. Pá, oito
horas, oito horas, e temos jogo e temos treino, porque é obrigado a deixar-nos
fazer um treino no estádio. Eu tenho aqui sequências de jogos em que os
jogadores me pedem para ficar a dormir porque nem sequer querem ir, nem
sequer querem fazer esse treino no estádio, entendes? O que é que tu podes
fazer num espaço desses? Não podes fazer nada. Tens é de recuperá-los o
melhor possível, e apresentar um vídeo que não pode ser longo, tem de ser uma
coisa muito bem feita, para eles ficarem com a ideia do adversário, entendes?
Nesse período tão curto de tempo e com tanta viagem, nós abdicamos até de ver
o nosso último jogo, imagina o que é estar a ver um vídeo num dia, no outro dia
dás-lhes outro vídeo, e nós até abdicamos, muitas vezes, nessas alturas, de
apresentar o vídeo do jogo anterior e, então, trabalhamos só o vídeo do adversário
seguinte. Portanto, quando isto acontece, normalmente, recuperamos para jogar
outra vez. (VP, p. 23 e 24)

331
2.9.4. Em síntese

De um modo geral, pode-se dizer que o treinador Vítor Pereira, durante


as sessões de treino ao longo dos períodos da época desportiva, promove
tarefas práticas específicas e representativas do jogo de futebol, com todos
os fatores do rendimento em interação sistémica, através das quais se
manifestam os comportamentos tático-estratégicos que quer ver potenciados.

Tais exercícios são criados e sequenciados de modo a que os


jogadores se encontrem fisiologicamente preparados para competir.

Na Figura 11, encontram-se algumas das palavras que foram sendo


mais vezes proferidas ao longo da entrevista, como forma de ilustrar também
o pensamento do treinador.

Figura 11

Frequência de palavras Vítor Pereira

2.10. Entrevista 10 – A perspetiva de Vítor Oliveira

Vítor Manuel Oliveira, nasceu em Matosinhos, a 17 de novembro de


1953, foi um jogador e treinador do futebol português. Durante a carreira de
mais de 30 anos conseguiu, entre outros feitos, onze promoções à Primeira
Liga de Portugal, seis delas como campeão.

332
O sucesso da sua carreira foi um dos motivos pelos quais Vítor Oliveira
foi incluído na presente investigação. A entrevista foi realizada em outubro de
2020, na praia de Angeiras, onde viria a falecer no final do mês seguinte.
Atendendo a esse fatídico acontecimento a análise à entrevista que agora se
apresenta, não foi objeto de validação por parte do treinador.

Todavia, estamos certos de que fizemos todos os possíveis para que


as suas ideias fossem fielmente interpretadas.

2.10.1. A formação e percurso do treinador

A carreira de Vítor Oliveira como jogador sénior durou 13 temporadas,


das quais dez foram na Primeira Liga de Portugal, onde participou num total
de 218 jogos, marcando 17 golos. A este nível, representou o Leixões Sport
Clube, o Futebol Clube Famalicão, o Sporting Clube de Espinho e o
Portimonense Sporting Clube. No seu último ano como profissional, disputou
23 partidas pelo Portimonense, que terminou em quinto lugar e se classificou
para a Taça UEFA pela primeira e única vez na sua história. Posteriormente,
aos 31 anos, em junho de 1985, Vítor Oliveira retirou-se dos relvados como
jogador.

Depois de terminar a carreira de jogador, da qual guarda memórias do


balneário, o treinador salienta que a sua intenção nunca foi a de ser
treinador. No entanto tal acabou por se proporcionar, como se depreende a
partir da transcrição seguinte:

Foi assim uma coisa de alguma forma imprevista. Eu quando fui para
treinador de futebol nem sequer tinha habilitação. Não tinha feito nenhum curso de
treinadores, não apontava para treinador. Faltavam-me 3 cadeiras do quarto ano
da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto de eletrotecnia, e faltava-
me o quinto ano e a minha ideia, com trinta anos sensivelmente, e com uma época
em pleno no Portimonense, pensava vir para o Porto, continuar a jogar e acabar o
curso de engenharia. Por insistência do Manuel José e do presidente do
Portimonense, quiseram que eu fosse treinador. Resisti ainda durante quinze dias,
mas depois acabei por aceitar pondo como condição, e acho que foi um fator
muito importante, que o clube contratasse o professor Monge da Silva. Na altura
era uma referência em Portugal a nível da preparação física, a direção aceitou e
eu comecei como treinador. (VO, p. 1)

333
Depois de ter começado a treinar, o gosto pela profissão foi
aumentando e decidiu investir na sua formação teórica. Nesse sentido,
frequentou todos os cursos de treinador e foi um dos inscritos no primeiro
curso de quarto nível de treinador de futebol que foi realizado em Portugal.
Tal pode-se verificar através da transcrição:

Comecei a fazer os cursos, fiz os cursos todos seguidos, tudo o que


pude fazer fiz seguido, até ao quarto nível, o primeiro quarto nível que houve
em Portugal, eu frequentei-o, já em regime de internato, a primeira vez em
regime de internato. Estivemos sensivelmente um mês na Cruz Quebrada, tinha
lá o complexo, que ainda existe, e ficamos lá em internato, éramos trinta e tal
treinadores, à volta de quarenta treinadores. (VO, p. 1)

Desses primeiros anos de treinador com o professor Monge da Silva a


treinador adjunto, Vítor Oliveira guarda alguns ensinamentos que
contribuíram para o seu enriquecimento enquanto treinador. Uma das
histórias mais marcantes é retratada na transcrição que se segue:

Eu lembro-me de uma situação que me marcou para toda a minha carreira.


Eu quando fui treinador a primeira vez, com o Professor Monge da Silva,
começámos a treinar, é evidente que a parte física, as cargas, tudo o que dizia
respeito à parte física, era o professor que tratava, as questões técnico-táticas, eu
trabalhava-as com o apoio dele, e alicerçado nos conhecimentos que eu tinha tido
como jogador, no meu conhecimento prático, digamos, e que não era muito
profundo porque nunca joguei futebol com a ideia de vou aprender isto tudo, vou
interiorizar isto tudo porque depois vai-me ser preciso, porque não tencionava ser
treinador. Mas, fiz um esforço grande, aqueles dois, três primeiros anos fiz um
esforço tremendo para tentar ler tudo o que era possível relativamente ao futebol.
Consegui de alguma forma, mas lembro-me perfeitamente que, sensivelmente
com um mês de treinos, o Professor Monge da Silva disse-me, oh Vítor, isto assim
não vai lá. E não vai lá porquê? Curioso. Eu tinha comprado ali uma série de
livros, uma série de exercícios novos que apareciam naqueles livros e eu
todos os dias fazia exercícios em termos técnicos e táticos, diferentes, e
achava aquilo, por experiência minha, uma experiência algo leviana, que os
treinos serem sempre diferentes é que era bom, que os jogadores gostavam
e tal, e o Professor Monge da Silva disse, oh pá, mas isso não cria
habituação, não cria rotinas, não conseguimos trabalhar aquilo que
pretendemos que se vá refletir no terreno de jogo. É preciso muita repetição,
muita sistematização, e nós precisamos escolher aqui uma série de

334
exercícios que necessitamos para uma situação, para outra, para as diversas
vertentes do treino, e potencializar esses exercícios. Se conseguirmos
potencializar esses exercícios a equipa melhora substancialmente, sem
qualquer tipo de dúvida. E eu aprendi esta situação que é extremamente
importante, e que me ajudou muito ao longo da minha carreira. (VO, p. 3)

Com a decisão de se tornar treinador, Vítor Oliveira deu início a uma


carreira de mais de 30 anos, com grande sucesso essencialmente ao nível
das divisões secundárias. Treinou várias equipas da 1ª e da 2ª Divisão, mas
como nota de maio registo do seu palmarés destacam-se as subidas ao
principal escalão do futebol português: Futebol Clube Paços de Ferreira
(1990-1991); Associação Académica de Coimbra (1996-1997); União
Desportiva de Leiria (1997-1998); Clube de Futebol Os Belenenses (1998-
1999); Leixões Sport Clube (2006-2007); Futebol Clube Arouca (2012-2013);
Moreirense Futebol Clube (2013-2014); Clube de Futebol União (2014-2015);
Grupo Desportivo de Chaves (2015-2016); Portimonense Sporting Clube
(2016-2017) e Futebol Clube Paços de Ferreira (2018-2019).

Destas subidas, seis foram como campeão: no Futebol Clube Paços de


Ferreira; no União Desportiva de Leiria; no Leixões Sport Clube; no
Moreirense Futebol Clube; no Portimonense Sporting Clube. Aos títulos
coletivos junta também alguns troféus individuais como ter sido eleito o
melhor treinador da segunda liga nas épocas 2014-15, 2015-16, 2016-2017 e
2018-19. Devido ao record de subidas de divisão, passou a ser conhecido
como “Rei das subidas”.

Após a sua morte, e em profundo reconhecimento do seu valor, a Liga


portuguesa decidiu, como forma de homenagem, atribuir o nome do treinador
às distinções de Treinador do Mês e de Treinador do Ano. Estes prémios
passarão assim a ser designados como Prémio Vítor Oliveira - Treinador do
Mês e Prémio Vítor Oliveira - Treinador do Ano.

Depois de se ficar a conhecer o percurso do treinador, a entrevista teve


como propósito saber mais sobre como Vítor Oliveira olha para o jogo, para a
equipa e para o treino.

335
2.10.2. A ideia de jogo adaptada aos jogadores

De acordo com Vítor Oliveira, os jogadores devem ter uma determinada


organização estrutural que é preconizada pelo treinador, apoiando-se no
conhecimento que tem dos jogadores, e naquilo que melhor poderá servir os
interesses da equipa. O mesmo se depreende a partir da transcrição abaixo:

Não adianta jogar com muitos avançados se não tivermos médios que
façam a bola lá chegar. Não adianta defendermos com muitos defesas se forem
completamente desorganizados. Todas essas situações correspondem a uma
determinada organização que é feita pelo treinador, pode ser com muitos
defesas, com muitos médios, com muitos avançados, mas
fundamentalmente terá que ter equilíbrio, terá que ter uma ocupação racional
de todo o espaço de jogo, terá que ser racional, terá que fazer um bom
aproveitamento das caraterísticas do jogador, mas no fundo, o importante
das estruturas que utilizamos no futebol é a organização. Nós podemos jogar
com quatro defesas, três médios e três avançados, ou três defesas, cinco médios
e dois avançados, isso não me parece muito importante. Parece-me importante é
que os jogadores percebam qual é a função de cada um em cada estrutura que
vão utilizando ao longo do tempo, e depois, que o treinador perceba, também, que
as estruturas são muito importantes, se forem de encontro às caraterísticas dos
jogadores. (VO, p. 4)

Segundo Vítor Oliveira, é importante que as organizações que se


propõe às equipas, levem em conta não só a ideia de jogo do treinador, mas
também as caraterísticas dos jogadores que compõem o plantel. Como se
depreende através do excerto da transcrição abaixo:

Ou seja, o treinador pode ter o seu modelo, pode ter a sua ideia de
jogo, mas se não tiver jogadores que a possam desempenhar bem, vai ser
sempre uma ideia errada e vai conduzir ao fracasso. As estruturas, os
modelos, tudo o que quisermos relativamente à organização da equipa, terá que
estar sempre subjugado à qualidade dos jogadores que temos, e às caraterísticas
dos jogadores que temos. Não vale a pena inventar. (VO, p. 4 e 5)

Depois de perceber a forma como o treinador olha para o plantel, para o


jogo e para a equipa, entendeu-se ser pertinente saber quais os principais
objetivos do treino. Assim, as questões colocadas durante a entrevista
tomaram o rumo das caraterísticas do treino.

336
2.10.3. O treino para melhorar os comportamentos

De acordo com Vítor Oliveira, é de capital importância que o jogo seja a


reprodução do treino. O jogo vai ser reflexo do treino e por isso, para o
treinador, se se treinar bem, joga-se bem, se se treina mal, normalmente
joga-se mal.

Acresce que segundo Vítor Oliveira, o que se fizer no treino vai ser
reproduzido no jogo e, portanto, é indispensável que os jogadores vão
interiorizando essa reprodução, que vão sentindo que aquilo que fazem no
treino é útil para aquilo que têm que fazer no jogo. Em relação ao modo como
o treinador olha para as sessões de treino, Vítor Oliveira, diz o seguinte:

Durante a semana é que tem que tirar as dúvidas, durante a semana é


obrigação do treinador pôr os nossos princípios de jogo, trabalhá-los, mas
alertar para eventuais mudanças que o adversário possa ter, e essas
mudanças são fáceis facilmente detetáveis, porque nós vamos ver os jogos
e sabemos que o Braga, se estiver a perder, faz isto, se estiver a ganhar, faz
isto, se estiver empatado, faz isto, tem estes comportamentos, e esses
comportamentos têm de ser explicados aos jogadores. Eles a atacar são
assim, mas se estiverem a perder já fazem esta nuance, se estiverem a ganhar
fazem isto. Exatamente como fazemos com as bolas paradas. Eles têm este tipo
de bola parada, têm este, têm este, têm este, têm este, têm estes quatro modelos
para executar uma bola parada, e nós vamos expô-los, devemos expor também o
sentido coletivo da equipa, como é que a equipa, coletivamente, funciona e reage
às diversas nuances que o jogo vai apresentando. (VO, p. 15)

Depois de percebermos que os principais objetivos do treino se


relacionam com o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos princípios do
modelo de jogo da equipa e com as adaptações estratégicas em função do
adversário, quisemos saber quais as principais caraterísticas dos exercícios
que são colocados em prática durante as sessões de treino.

2.10.3.1. Especificidade e representatividade dos exercícios

Após a análise da entrevista, infere-se que umas das principais


caraterísticas dos exercícios criados pelo treinador é serem representativos
do jogo de futebol. Uma das caraterísticas de representatividade do jogo mais

337
importantes para o treinador é a oposição. O mesmo se depreende através
do seguinte excerto da entrevista:

Não sou apologista de treinos de onze contra zero, tem que ter sempre
alguma oposição. Pode não ser aquela oposição que vamos deparar em
termos de número, mas fazemos ali alguns obstáculos que vamos
aumentando, até chegarmos a uma situação real. Eu acredito pouco naqueles
exercícios em que a nossa equipa principal que está a fazer o exercício tem tudo
facilitado, e faz tudo muito bem feito. Eu sou mais de ir ao real, de pôr os
jogadores numa situação muito mais próxima do jogo. Podemos, numa primeira
fase, para eles perceberem as movimentações, os mecanismos, os espaços que
têm que ocupar, diminuir os espaços, e diminuir o número de jogadores, mas
acabamos sempre, qualquer exercício, acabamos sempre numa situação real,
numa situação de igualdade numérica, às vezes até de inferioridade numérica,
mas sempre de grande proximidade entre uma equipa e outra para que o
obstáculo seja muito mais perto daquilo que vai acontecer. (VO, p. 16 e 17)

Importa também, segundo Vítor Oliveira, que ao mesmo tempo que são
representativos do jogo (i.e., que contêm as caraterísticas essenciais do jogo
de futebol), sejam também, direcionados para a especificidade tática de uma
forma de jogar. Com a manipulação de algumas variáveis pode-se tornar
mais fácil o aparecimento dos comportamentos específicos do modelo de
jogo que se pretendem depurar. O mesmo se depreende a partir da
transcrição abaixo:

Muitas vezes há aquelas modas, de exercícios que são moda, e que nós
utilizamos porque são muito giros, e são muito bonitos, mas no fundo,
espremendo, dá pouco sumo. Nós temos que ter muito cuidado na escolha dos
exercícios, é preferível ter menos, mas bons, que nos façam evoluir, e depois
temos que fazer a gestão desse exercício, a manipulação do exercício. Aumentar
o volume, aumentar o espaço, diminuir o número de toques, aumentar o período,
fazer ali uma gestão do exercício que vá de encontro àquilo que nós pretendemos.
Agora, é muito importante que o exercício seja devidamente ajustado aos
jogadores que temos, ao modelo de jogo que temos, aos princípios de jogo
que temos, àquilo que pretendemos que a equipa vá reproduzir no domingo.
(VO, p. 29)

Não obstante os exercícios terem uma base tática representativa e


específica do jogo e do modelo de jogo da equipa, é importante que haja

338
alguma abertura para se treinarem várias soluções dentro da identidade da
equipa. O que faz perceber que os princípios de jogo não são regras
fechadas. O mesmo se depreende a partir do excerto:

Mediante aquilo que nós pretendemos, a base é a tática. A base tática é


fundamental. A base tática é que é fundamental. Eu quero que a equipa jogue
assim. O que é que eu tenho que preparar? Temos que defender desta maneira,
temos de atacar desta maneira, temos que sair por aqui, temos que sair por ali, e
eu vou atacar e vou procurar exercícios que me façam isso. E depois, pela
repetição, o jogador é importante que perceba, mas a interiorização, a
interiorização também é importante. A mecanização, nem é a interiorização, a
mecanização, o jogador vai saber, depois de muitas repetições, que no jogo,
naquela situação, tem que agir assim. Não é mecanizar a equipa, porque isso
também cria um problema, se nós mecanizarmos demasiado a equipa, as
outras equipas sabem perfeitamente quais são os nossos movimentos. É o
problema destas equipas que saem a jogar no primeiro terço do campo,
sistematicamente, nós vamos ver os jogos, começamos a ver, olha, o mecanismo
é este, está o guarda redes, está um gajo na direita, um gajo na esquerda, está
um gajo no meio, eles tocam ali, devolvem lá, vem um apoio frontal para depois
cair nas costas. Eu vejo uma vez, duas vezes, três vezes, bem, isto é o padrão, e
vou proporcionar o posicionamento dos meus jogadores por forma a que eles lhes
pareça que vai ser fácil sair. Eu sei que ao segundo, ao terceiro passe, a bola vai
entrar ali, e vou ter um jogador atento, e por vezes param ali o jogo e equipas de
grande nível, normalmente até é um perigo tremendo, fica ali dois para dois ou três
para três, por conseguinte, também não podemos mecanizar em excesso essa
situação. Temos que dar duas, três situações, por isso é o treino, por isso é o
exercício, e o exercício prevê, as tais alterações, em vez de entrar aqui vai
entrar aqui. Dar uma ou duas alternativas, por forma a que o padrão não
esteja mesmo perfeitamente definido. (VO, p. 30)

Outra das caraterísticas encontradas prende-se com as escalas da


representatividade presentes no exercício. Semanalmente é necessário
reduzir a escala da representatividade e recorrer a exercícios mais
direcionados para alguns setores, outras vezes com a presença de dois
setores da equipa, outras vezes até mesmo individual. Tal pode ser
percebido através da transcrição abaixo:

Fundamentalmente em termos globais, começamos por grupos de, por


exemplo, os quatro defesas, depois juntamos os médios defensivos, depois

339
juntamos os alas, depois tiramos os defesas, fazemos só os médios defensivos
mais os dois homens que jogam pela frente, se jogar num 4/2/3/1, provavelmente,
utilizávamos, depois inserimos o ponta de lança, e vamos fazendo, já não é de
uma forma analítica, já é de uma forma, digamos, global. Global vamos treinando
as estruturas. A estrutura defensiva, a estrutura de meio campo, a estrutura
ofensiva, e depois juntamos tudo. E depois voltamos a desmontar consoante
as dificuldades que vamos deparando no sentido coletivo. O sentido coletivo
digamos que é a prova final, metemos os onze, é um exame, depois vemos onde
é que estão os erros, vamos atrás e vamos tentar retificar esses erros
potencializando aquilo que já ficou bem feito na primeira vez. (VO, p. 20).

Por último, algumas vezes, mediante os contextos e os jogadores que


compõem os planteis, no início da época pode haver lugar a exercícios mais
analíticos que visem o desenvolvimento exclusivo, o desenvolvimento físico.
Poderá dar-se o caso de serem propostos exercícios mais direcionados para
o desenvolvimento das capacidades condicionais, como por exemplo a
velocidade, a força ou a resistência. Como se depreende a partir dos
excertos:

Não quer dizer que, analiticamente, uma vez ou outra, não tenha que treinar
os aspetos físicos. Às vezes trabalhamos também analiticamente. (VO, p. 21).
Que tipo de exercícios é que fazem mais? Quando é mais analítico? (AFV, p. 22).
Eh pá, treinar velocidade, trabalho, por exemplo, de resistência, fazemos
exercícios específicos para o trabalho de resistência, mais capacidade
aeróbica, fazemos, no início de época, fazemos alguns exercícios analíticos,
mas fundamentalmente, ou percentualmente, é em forma jogada. Até porque
o jogador fica mais motivado. (VO, p. 21 e 22)

Depois de se ficar a par das principais caraterísticas e objetivos dos


exercícios que são propostos durante as sessões semanais, entendeu-se ser
importante saber como se organiza a época de treinos, se existem períodos
diferenciados e que caraterísticas apresentam. Assim, seguidamente
abordar-se-á essa temática.

340
2.10.3.2. Periodização de acordo com a especificidade e
representatividade

Em relação à periodização do treino, o treinador entende que devem


existir dois períodos diferenciados com ligeiras diferenças entre eles no que
diz respeito aos objetivos e à estrutura das semanas de treino.

Assim, importa, segundo Vítor Oliveira, que a época seja dividida num
primeiro período, que se designa de preparatório, que dura sensivelmente
cinco semanas, e um período competitivo, que começa e termina com o início
e o fim das competições oficias.

Durante o período preparatório, o treinador entende que é essencial


introduzir e desenvolver pelo menos três aspetos. O primeiro relaciona-se
com a necessidade de criar empatia com o grupo e entre o grupo:

...um aspeto que, para mim, cada vez é mais importante, e eu noto que é
fundamental, que é criar um grupo coeso em termos psicológicos. Termos de
grupo, um grupo coeso, uma boa relação, uma relação de empatia entre o
treinador e os jogadores, sabendo cada um qual é a sua posição. Criar uma
mentalidade ganhadora, também tem a ver com os aspetos psicológicos, criar uma
confiança de grupo em que os jogadores possam perceber que terão de ser um
por todos e todos por um, e que em todas as circunstâncias estarão protegidos
pelo grupo, nas situações boas, ou nas situações más, por forma a que os
jogadores se sintam felizes e consigam exteriorizar bem as suas capacidades. Eu
cada vez acredito que esta vertente, a vertente psicológica, está a ganhar mais
força no futebol. (...). Ter uma boa relação com os jogadores, ter uma relação de
confiança, os jogadores acreditarem plenamente no treinador, é meio caminho
andado. É evidente que é preciso treinar bem, não é ter uma boa relação e depois
não precisamos de treinar. Não. Precisamos de treinar, só que treinamos com
muito mais prazer, assimilamos muito mais facilmente e capacitamo-nos de que
somos capazes de fazer coisas muito mais importantes que aquilo que estávamos
habituados a fazer. (VO, p. 21)

O segundo aspeto a ter em conta tem a ver com o desenvolvimento de


algumas capacidades condicionais nas primeiras sessões de treino:

Eh pá, treinar velocidade, trabalho, por exemplo, de resistência,


fazemos exercícios específicos para o trabalho de resistência, mais
capacidade aeróbica, fazemos, no início de época, fazemos alguns

341
exercícios analíticos, mas fundamentalmente, ou percentualmente, é em forma
jogada. Até porque o jogador fica mais motivado. (VO, p. 22)

O terceiro aspeto, prende-se com a criação e desenvolvimento de um


modelo de jogo que vá de encontro às caraterísticas dos jogadores. Esta
ideia pode ser entendida a partir da transcrição abaixo:

Os treinadores mudam tão facilmente, e têm ideias tão diferentes, que é


importante que o treinador consiga entrar rapidamente dentro dos jogadores para
eles perceberem qual é a ideia que o treinador tem do jogo, muito importante,
também, os aspetos táticos. (VO, p. 20)

O treinador entende, também, que é melhor começar a trabalhar a


equipa começando pela defesa e pelos processos defensivos. Utilizando
exercícios que na sua maioria são predominantemente táticos:

Eu começo sempre por organizar as equipas por trás. Começo sempre


numa boa organização defensiva, depois é que partimos para os exercícios que
visam, fundamentalmente, a organização ofensiva. As minhas equipas tentam ter
sempre uma boa organização defensiva, e depois vamos atacar. Nós, se não
defendermos bem, dificilmente podemos atacar bem, e podemos atacar bem,
defendendo mal, e dificilmente temos sucesso. (VO, p. 11)

É ainda salientado pelo treinador que os jogos de preparação nesta fase


da época são muito importantes para dotar os jogadores de várias
alternativas de jogo. Tal pode ser inferido a partir da transcrição:

Eu não acredito muito, embora se use agora muito, o tal modelo de jogo,
com os tais princípios bem definidos, e não abdicamos daquilo, eu não acredito
que uma equipa tenha sucesso se não tiver um plano A, um plano B e um plano C,
pelo menos. A equipa terá que ter dois ou três planos bem trabalhados, bem
estudados, bem sistematizados, e isso, realmente, é preciso muito trabalho
coletivo, para percebermos que podemos mudar com alguma facilidade de
uma estrutura para a outra, de um modelo de jogo para o outro, se for
necessário, até por imposição da equipa adversária, muitas vezes. (VO, p. 10)

Em relação ao modo como as informações sobre a ideia de jogo vão


sendo passadas durante as semanas, o treinador entende que deve haver
um processo de transmissão que vá de menos para mais. Dando tempo para
que os jogadores assimilem as particularidades da forma de jogar. O mesmo
se conclui a partir da transcrição:

342
O treino terá de ser sempre diferenciado, porque a intensidade terá de ser
diferente. Nós não vamos treinar à terceira semana com a mesma intensidade
com que treinamos à primeira. Terá que haver ali um upgrade, terá que haver ali
uma plataforma que vais subir. É uma escada, é uma escada, e vai subindo, por
conseguinte, vamos mudando. Vamos mudando, podemos não mudar muito os
exercícios, mas mudamos as regras, e essas regras vão-se refletir no
desenvolvimento do exercício. Aquilo são cinco semanas que são, normalmente,
progressivas, que vamos aumentando em todos os aspetos. Vamos aumentando
inclusive, o volume da informação. A informação conforme o jogador vai se
adaptando a receber a informação, vamos aumentando o volume de
informação daquilo que queremos para o futuro, vamos aumentando a
intensidade do treino, vamos aumentando a exigência relativamente à
execução dos exercícios, que terá que melhorar, não podemos estar a
regredir. Temos que trabalhar de uma forma que os jogadores sintam que
estamos num processo evolutivo. Aquilo é um processo de assimilação e de
evolução. Se não conseguirmos assimilar e evoluir, vamos entrar mal no
campeonato. (VO, p. 23 e 24)

Em relação ao número de sessões e aos objetivos para os dias que


compõem a semana de treino, durante o período preparatório, o treinador
entende que:

Nós, por exemplo, na primeira fase, nessas cinco semanas, trabalhamos


muitas vezes bidiários. Depois não, depois quando começa o campeonato, aí
durante as primeiras três, quatro jornadas, faço dois bidiários, depois passo para
um, e a partir aí, de outubro, campeonato normal, começo a fazer só uma
sessão por dia, e esporadicamente, duas sessões. (VO, p. 24)

A importância dos treinos bidiários prende-se, segundo o treinador, com


a necessidade de expor os jogadores a situações de treino jogado em que
existe cansaço acumulado. O treinador entende que é muito importante que
os jogadores se habituem a treinar com algum cansaço porque em
determinadas fases da época também têm que jogar cansados. Tal
compreende-se a partir da transcrição:

Por exemplo, período preparatório, treinamos de manhã e de tarde. De


manhã fazemos mais trabalho físico, ainda que possa ser de forma jogada, mas
mais trabalho físico. De tarde, já com algum cansaço, mas trabalho técnico e
tático, e porquê? Por forma a obrigá-los, cansados, a pensarem bem, e a
tentarem perceber e fazer as coisas com algum cansaço, que é uma situação

343
que vai acontecer passado quatro ou cinco semanas, nos jogos, que vamos
chegar ali aos setenta minutos e as equipas já acusam um certo cansaço.
Trabalhamos as diversas vertentes, conforme entendermos que são necessárias,
eu não tenho um padrão tipo, aquele padrão, é isto assim, rígido, não tenho. Na
pré-epoca vamos trabalhando, de manhã mais os aspetos físicos, de tarde os
aspetos técnicos e táticos. (VO, p. 25)

Quando se entra no período competitivo, Vítor Oliveira entende que se


deve usar uma estrutura que não muda:

Quando começa o campeonato, jogamos domingo, folgamos segunda, a


partir de terça feira temos um padrão. O padrão obedece, sensivelmente, a isto: a
equipa que joga faz um treino de recuperação, faz uns joguinhos, às vezes até
forma jogada. Os que não jogaram têm um treino forte, porque na segunda feira
folga tudo. Por exemplo, jogámos no domingo, os não convocados treinam de
manhã, os não convocados treinam de manhã, à segunda feira folga tudo, oh pá,
porque o gajo que jogou pode ser amigo do gajo que não jogou, e o gajo que não
jogou vai ter treino, e o outro não vai ter, e querem ir a qualquer lado e tal, folga
tudo, e não há qualquer restrição aí. Depois, na quarta feira, começamos… ah,
fazemos a análise à terça feira, do jogo, com a opinião de quatro, cinco jogadores.
Quatro, cinco jogadores, primeiro, manifestam-se como é que viram o jogo, e
depois eu complemento com aquilo que entender por necessário. Depois, na
quarta-feira, vamos ter atenção àquilo que fizemos menos bem no jogo, fazemos a
análise, eu faço, do plano, em casa, olha estivemos mal do lado esquerdo, pelo
lado direito, na circulação, a defender, a atacar, e fazemos exercícios específicos
para isso, fazemos logo esse trabalho. Fazemos um trabalho, sempre, em nosso
benefício, daquilo que nós pretendemos que seja feito no domingo, e na terceira
fase do treino começamos já a fazer a análise da equipa adversária. Quinta feira,
fazemos o aquecimento, meia hora, o nosso aquecimento é sensivelmente meia
hora. Exercícios que visam potencializar aquilo que fizemos bem e que queremos
que a equipa melhore, saídas de bola, situações de finalização, as situações de
organização do meio campo, as situações de pressão, isso fazemos tudo no
aquecimento, naquela meia hora. E depois, fazemos coletivamente, onze contra
onze, organização com a equipa suplente, organizada como vai jogar a equipa
adversária, fazemos aspetos defensivos. Só trabalha defensivamente, a equipa
principal. E a outra equipa faz as várias vertentes da equipa que nós temos
observado, da equipa adversária, e os lances de bola parada. No dia seguinte
invertemos. Fazemos outra vez o aquecimento, damos ali, sensivelmente, entre
vinte e cinco a trinta minutos, sempre, e depois fazemos as vertentes ofensivas. O
que é que nós precisamos de fazer para contrariar jogadas, ofensivamente, o que
é que temos de fazer, os pontos fortes, os pontos fracos, e vamos, de uma forma

344
às vezes até algo analítica, paramos muito, eu paro muito o treino, para retificar
posições, para ver os posicionamentos, para ver o corredor que nos pode facilitar,
o tipo de jogo que nos pode ajudar a chegar lá, fazemos isso na sexta-feira.
Sábado, jogos criativos, um bocadinho de trabalho de velocidade, e fazemos a
leitura do que fizemos na quinta-feira e na sexta-feira. Ali quinze minutinhos quase
estático. Quase estático, sem carga. Fazemos tudo, relembramos tudo o que
fizemos na quinta-feira e na sexta-feira, organização ofensiva, organização
defensiva. No sábado, também fazemos exercícios de velocidade, normalmente
associados com bola, um joguinho qualquer que ative a velocidade e, se eu tiver
dúvidas, fazemos um bocadinho de organização, entre dez a quinze minutos. Se
não tiver dúvidas, fazemos um joguinho a meio campo só para marcar bolas
paradas, com incidência grande nas bolas paradas. Esse padrão não muda muito,
o que muda é os exercícios mediante aquilo que nós sentimos em que estivemos
mal no jogo de domingo. Eu faço sempre uma análise e defino os exercícios que
precisamos de fazer na terça-feira, nos períodos de meia hora de quarta e quinta
feira, potencializamos esses exercícios. Mas a estrutura em si, não muda muito.
(VO, p. 25 e 26)

Seguidamente apresenta-se uma síntese da análise da entrevista ao


treinador Vítor Oliveira.

2.10.4. Em síntese

Sucintamente, pode-se dizer que o treinador Vítor Oliveira entende que


durante os dois períodos que compõem a época, o essencial é treinar
aspetos de natureza tática. No entanto, salienta a importância do período
preparatório na medida em que é uma altura onde se deve criar empatia com
os jogadores, fazer uma análise profunda às caraterísticas dos jogadores
para delinear a forma como se vai jogar.

O treinador entende que a maioria dos exercícios deve ser de natureza


tática, específicos da forma como quer que a sua equipa se comporte e
representativos do jogo de futebol e devem simultaneamente levar em conta
a necessidade de os jogadores recuperarem e alcançarem entre os jogos os
índices fisiológicos necessários para jogar ao mais alto nível. Essa
representatividade pode adquirir diversos níveis em função do que se
pretende treinar na equipa.

345
Todavia, Vítor Oliveira entende que principalmente no início da época
alguns dos exercícios propostos devem ser mais direcionados para o
desenvolvimento de algumas capacidades condicionais como sendo, a
resistência, ou a velocidade.

Na Figura 12, apresenta-se uma ilustração das palavras que mais vezes
foram sendo proferidas ao longo da entrevista.

Figura 12

Frequência de palavras Vítor Oliveira

Tal como sugerido por Miles e Huberman (1994), foi crucial fazer a
análise individual de cada um dos participantes na medida em que assim, foi
possível compreender a dinâmica de cada treinador antes de se passar ao
cruzamento e discussão dos resultados. Com este estudo individual, será
agora mais fácil aumentar a compreensão e a explicação global, examinar as
similaridades e as diferenças, traçar configurações e direções, bem como
promover a transferibilidade.

Neste sentido, no ponto seguinte, cruzar-se-ão as perspetivas dos


treinadores.

3. Cruzamento e discussão das perspetivas dos participantes

Depois de se ter dado a conhecer individualmente os pontos de vista


dos dez entrevistados, apresenta-se o cruzamento e a discussão das suas
perspetivas. Cruzar as várias perspetivas permitirá traçar a configuração e a

346
direção de determinado prisma ou experiência, apontar as semelhanças e as
dissemelhanças entre os participantes, bem como analisar e interpretar as
suas óticas à luz da investigação e da literatura existente (Miles & Huberman,
1994).

3.1. Convergência entre as perspetivas dos treinadores e o conceito


de equipas enquanto organismos complexos auto-organizados

O futebol pertence ao quadro das artes performativas tal como, por


exemplo, o teatro, o jazz, o circo ou a dança (Bento, 2007). De facto, com a
análise das entrevistas aos treinadores incluídos na presente investigação,
percebe-se que existe uma estreita relação entre o futebol e, por exemplo, a
dança contemporânea que se expressa em grupo, na medida em que ambos,
nos momentos em que se expressam, parecem estar dependentes de
coreografias fortemente influenciadas pela criatividade dos artistas que as
realizam.

A coreografia de grupo poderá ser entendida como a arte de compor um


roteiro de movimentos que interligam os diferentes elementos de um grupo,
que no seu conjunto compõem uma dança (i.e., é o conjunto de movimentos
e a sequência deles que servirá para descrever a dança que será executada)
(Sasportes, 2006). Se se analisar o fenómeno da dança mais concretamente,
fica-se a saber que existem distintas coreografias com caraterísticas
ligeiramente diferentes (Sasportes, 2006). No âmbito do balé clássico a
coreografia é composta por um grupo de movimentos mais padronizados e
fechados, já na dança moderna, os movimentos são mais livres, por sua vez,
na dança contemporânea, há quase uma quebra do conceito de coreografia
já que, ao contrário das outras duas, os movimentos são tão livres que nem
sempre há uma representação descritiva (Sasportes, 2006).

Através da análise das entrevistas percebe-se que, ao nível do futebol


de alto rendimento existe um processo semelhante ao da criação de
coreografias de dança contemporânea que ajudam a interligar elementos de
um grupo de dança, sem que com isso os elementos percam os níveis de

347
autonomia que lhes permitem expressar uma determinada estética visual
criativa e imprevista.

Também com a análise das entrevistas se percebem semelhanças entre


o comportamento de uma banda de jazz e uma equipa de futebol. De facto, o
jazz é um estilo de música em que o músico interpreta uma composição
dando-lhe um cunho pessoal e improvisando em função das suas emoções
(Cardoso, 2016). Existe, portanto, a possibilidade de criar e influenciar os
restantes músicos a responder ao improviso de forma a que o resultado final
seja agradável sem desvirtuar a composição que foi escrita por alguém
(Cardoso, 2016).

A partir das entrevistas depreende-se que os jogadores parecem


usufruir do mesmo tipo de liberdade. De facto, com a análise do conteúdo
das falas dos treinadores percebe-se que os jogadores usam como guia de
atuação uma carta de intenções que carece de ser interpretada
circunstancialmente. As intencionalidades são os pontos de partida para as
ações, através das quais os jogadores se expressam, gozando da
possibilidade de serem livres de improvisar e criar, influenciando o
comportamento dos colegas e assim sucessivamente, de modo a que o
produto final é sempre uma aproximação do que se projetou a prior.

De facto, de acordo com os entrevistados, mas também com alguns


autores, entre os quais Faria (1999), Frade (2013a), Garganta (1997),
Guilherme (1991, 2004), Mourinho (1999) e Pinto e Garganta (1989), é
fundamental que estejam bem definidas e claras para todos os jogadores que
fazem parte da equipa, as intencionalidades funcionais que ajudam aos
processos de gestão durante o jogo de futebol e que no seu conjunto
contribuem para que os jogadores expressem uma determinada
“coreografia”.

Tais comportamentos funcionais consubstanciam um íntimo e partilhado


conjunto de padrões de funcionamento que permite aos jogadores interagir
nas diferentes escalas da equipa (individual, setorial, intersetorial, coletivo e
grupal) e que ao se manifestarem com regularidade conferem uma identidade
específica durante as fases e os momentos de jogo. De acordo com os

348
treinadores entrevistados estas intencionalidades são fruto de princípios que
no seu conjunto caraterizam o que eles designam ao longo das entrevistas,
atribuindo-lhe o mesmo significado, de “ideia de jogo”, “modelo de jogo”,
“padrão de jogo” e “filosofia de jogo”.

Com a análise das entrevistas verifica-se também a existência de


convergência entre os entrevistados ao nível da interpretação dos princípios
que constituem as ideias de jogo e que se querem ver expressos no
comportamento da equipa. Para os treinadores que participaram na presente
investigação, os princípios funcionam como um tipo de comunicação entre os
jogadores de uma mesma equipa e contribuem para reduzir a incerteza inicial
nas diferentes situações de jogo e, consequentemente, poderão contribuir
para que o jogador e a equipa possam organizar as suas decisões e
interações de forma mais lógica.

A partir de alguns dos excertos das falas, transcritas a seguir, poder-se-


á perceber melhor a importância atribuída pelos participantes à necessidade
de haver princípios que ajudem ao delineamento da “coreografia” de jogo
(i.e., ideia, modelo, padrão ou filosofia de jogo).

Entendo que é muito importante ter uma ideia e transmiti-la de forma muito
concreta. É importante que os jogadores saibam desde o início aquilo que
queremos em termos de organização coletiva nos vários momentos do jogo e por
isso tentamos logo colocá-los em prática num primeiro jogo e fazer a construção
do planeamento a partir daí. (BL, p. 8)

“Nós começarmos com uma determinada ideia de jogo a preparar a equipa


aqui no início da época...” (CC, p. 11).

...eu tenho uma ideia de jogo, e muitas vezes, marcada e construída


durante anos, ao longo da minha experiência, como digo, se calhar, quando eu vi
a Holanda jogar e o Brasil jogar, foi dos momentos mais importantes que me
marcou e levou a ter esta visão do meu jogo, e a forma como eu modelo e quero
modelar as minhas equipas... (JP, p. 6)

Para mim, o importante daquilo que é a organização tática da equipa, é que


todos eles tenham um conhecimento muito claro daquilo que é a principal
intenção coletiva. A principal intenção coletiva da equipa em cada um dos
momentos do jogo. Isto, para mim, é o mais importante (PC, p. 5).

349
Portanto, tal como foi sendo sugerido na primeira parte da nossa
dissertação, mais concretamente no segundo ponto do primeiro capítulo, o
êxito individual dos jogadores e coletivo da equipa parece depender, também
na opinião dos treinadores entrevistados, de uma representação específica
das diversas relações expressas através de princípios que concorrem para
que os jogadores expressem um combinado de padrões de interação
percetiva, de decisão e de gestão do jogo, que definem as propriedades
invariáveis sobre as quais se desenvolve o jogo, tal como sugerido por alguns
autores, entre os quais Frade (2013a), Guilherme (2004) e Pinto e Garganta
(1989).

Todavia, como mencionado anteriormente, reforça-se a ideia de que,


com a leitura das entrevistas, se afigura pertinente, segundo o depoimento
dos treinadores, que se realce a necessidade de não se cair na ilusão de que
os princípios funcionam como forma de mecanizar os comportamentos da
equipa de modo a formatar os jogadores a tal ponto que a equipa fique
inibida de reconhecer todas as oportunidades que os adversários e o próprio
jogo concedem.

Ou seja, em termos práticos a equipa até pode ter como princípio de


jogo para a transição ofensiva, uma construção mais paciente, com passes
curtos e em segurança, normalmente utilizando a lateralização do passe ou
até os passes para setores posicionados atrás. Porém, depreende-se, pelo
menos através da análise às entrevistas de alguns dos treinadores, que por
mais que o princípio seja esse, a equipa também tem de estar dotada da
capacidade de no mesmo momento de jogo, em circunstâncias favoráveis,
executar uma transição em ataque rápido, com passes frontais e longos.

Portanto, importa que as conceções de jogo permitam que os jogadores


explorem todas as possibilidades de êxito que o jogo e o adversário
consentem durante a competição. Assim, os princípios que emolduram uma
conceção específica de jogo são direcionados para todas as fases e
momentos do mesmo, mas mantêm sempre abertura para explorar as
circunstâncias do jogo, como se pode constatar através do excerto da
entrevista realizada a Carlos Carvalhal que se afigura bastante representativa
da interpretação:

350
...eu quero uma equipa que seja predominantemente de controlo do
jogo com bola, é o nosso propósito, mas que seja muito forte e equilibrada
que transite defensivamente muito bem, que defenda muito bem e que seja
muito forte nas transições ofensivas. Portanto eu não sou apologista de ter
uma equipa forte, às vezes eu digo, a minha equipa é muito forte em organização,
eu prefiro que minha equipa seja muito forte em organização, mas que seja uma
equipa que seja muito forte no seu processo defensivo, que seja muito forte a
transitar também, eu prefiro assim. Portanto esse é o meu propósito, é tentar que
a minha equipa seja muito forte em tudo e não que seja uma equipa
predominantemente de posse, só posse. E depois? Não se equilibra, não transita
defensivamente, não sabe utilizar os espaços do adversário a determinada altura
em que minha equipa seja obrigada a defender, tem espaço para contra-atacar e
não saiba utilizar velocidade. Eu acho que é possível treinar-se isto tudo. (CC,
p. 7)

Neste sentido, reforça-se a ideia de que as conceções de jogo, tal como


as coreografias de dança contemporânea, ou uma composição de jazz, são
uma carta de intenções, com mais do que uma solução para o mesmo
problema (i.e., fases e momentos de jogo), e não um manual de regras que
deve ser seguido 100% de forma rígida.

Tal como os bailarinos de dança moderna devem improvisar e


interpretar em função da música que vão ouvindo, e os músicos de jazz
podem improvisar e interpretar em função do que vão sentido, aos jogadores
também lhes é pedido que interpretem os princípios do modelo de jogo
servindo-se também da arte do improviso, em função do reconhecimento de
circunstâncias aleatórias e muitas vezes imprevistas, favoráveis, que
emergem da dinâmica caótica do jogo e que de certa forma consubstanciam
a essência do jogo.

Assim, não é de estranhar que de acordo com os entrevistados seja


essencial atribuir e desenvolver alguma liberdade nos jogadores para
resolverem com inteligência e eficácia, os problemas imprevisíveis, mas já
previstos que sempre vão existir durante as competições. Porém, sem perder
de vista, em demasia, o referencial teórico que o treinador propõe para a
equipa.

351
A partir da transcrição das entrevistas de quatro treinadores, pode-se
perceber a ideia que pretendem passar sobre como os jogadores devem
interpretar as ideias/modelos/padrões/filosofias de jogo:

A liberdade, a liberdade com responsabilidade. Aliás, é uma das coisas que


nós, com que nós nos batemos muito com os jogadores, eles perceberem
claramente que nós temos uma ideia, temos uma identidade, mas eles têm
liberdade, nós damos-lhe essa liberdade. (CP, p. 6)

... já deixei perceber que sou um pouquinho alinhado, ou referenciado, ou


vivenciado por um futebol de mobilidade, criativo, um futebol dinâmico, que a
criatividade e imaginação fazem muito parte daquilo que é a minha forma de
jogar. Mas também é verdade, que esse talento e essa criatividade, só se realça,
só tem proeminência, só se verifica quando há organização que o substancie, que
o consolide, ou que lhe dê base. (JP, p. 6)

...hoje o grau de liberdade é muito maior, mas dentro de uma


organização, dentro de um jogo posicional que nos permita estar
equilibrados, em todos os momentos, mas o grau de liberdade é muito
maior. Tanto no aspeto defensivo como no aspeto ofensivo. (VP, p. 6)

Portanto, parece caber aqui a interpretação que foi sendo exposta ao


longo da primeira parte do nosso estudo, no segundo ponto do primeiro
capítulo, onde se faz alusão à equipa de futebol enquanto um organismo
auto-organizado e autopoiético.

Ou seja, após a análise das entrevistas, depreende-se que os


treinadores também parecem entender que as equipas de futebol, durante os
momentos caóticos de competição, gozam do fenómeno de auto-
organização, fruto dos princípios que interligam os comportamentos. Para
além disso, fazem o seu próprio caminho, em virtude da capacidade cognitiva
dos jogadores, que enquanto “órgãos” constituintes de um organismo (i.e.,
equipa), colocam a sua capacidade de percecionar, de reconhecer
informações, de interpretar, de criar e recriar, de decidir e agir,
sobrecondicionada por uma matriz específica que traduz a identidade da
equipa, tal como sugerido por alguns autores, entre os quais Duarte e
colaboradores (2012) e Garganta e Cunha e Silva (2000).

352
Assim, para que as ações possam ser consideradas específicas,
depreende-se, através do discurso dos treinadores entrevistados, tal como
alguns autores defendem, entre os quais Frade (2011, 2013a, 2013b)
Garganta (1991, 2000) e Guilherme (1991, 2004), e tal como foi sugerido no
ponto dois do capítulo um, que é imperativo a existência de um determinado
contexto (i.e., princípios do modelo de jogo). Sem a referência a esse
contexto, as ações esvaziam-se nelas próprias pois não têm qualquer tipo de
referência. Esta ideia pode ser percebida através da transcrição do seguinte
excerto de entrevista:

Por exemplo, uma equipa que joga em bloco baixo. A forma de jogar
idealizada pelo treinador, influenciada pelas caraterísticas dos jogadores, é
colocar o passe longo, na profundidade, para potenciar ou para explorar as
caraterísticas dos seus médios-ala e do ponta de lança. Neste caso, o passe
longo, sob o ponto de vista da técnica, é bem executado. Porquê? Porque o passe
chega onde o treinador quer. O central faz o passe, o passe chega ao ponta de
lança, há continuidade no jogo. No entanto, provavelmente esse é um tipo de
passe que já não fará muito sentido numa equipa com outra ideia de jogo, por
exemplo uma ideia de jogo em que o bloco defensivo pode estar posicionado num
bloco médio e em que o treinador procura um ataque mais posicional e
organizado. Ou seja, por si só, analisada do ponto de vista individual, o passe
longo, enquanto ação técnica, até pode ter sido bem executado porque teve
eficácia uma vez que chega ao ponta de lança e há seguimento na ação. Porém,
se levarmos em conta a ideia de jogo implementada para a equipa, apesar de até
ter tido sucesso, se calhar não faz grande sentido. Ou seja, eu acho que
qualquer ação técnica para ser de qualidade tem que estar associada com a
ideia de jogo. (ETSLB18/19, p.4)

Assim, depreende-se através das análises às entrevistas dos


treinadores, tal como foi adiantando ao longo do enquadramento, que
também eles reconhecem que o futebol é um jogo com ideias de interação
coletiva e que, por isso, é eminentemente tático. Esta tática, segundo os
entrevistados e alguns autores, entre os quais Garganta (1997), manifesta-se
através da interação sistémica dos diferentes fatores do rendimento (i.e., a
tática, a técnica, o físico e o psicológico).

Importa também referir que as táticas específicas que os treinadores


criam tendo por base os princípios do modelo de jogo são, de acordo com a

353
análise efetuada às entrevistas, cada vez mais camaleónicas e apresentam
dinâmicas cada vez mais complexas e exigentes. No entanto, sem perder a
identidade (variáveis especificadoras/princípios do modelo de jogo) que as
carateriza. Face a esta constatação, a ideia que foi sugerida no segundo
ponto do enquadramento teórico, que referia que as dinâmicas táticas atuais
apresentam uma geometria topológica, parece ajustar-se também ao
discurso dos treinadores.

Face à constatação de que o jogo se joga com ideias de interação


coletiva, ganha relevo a noção de especificidade que foi adiantada no
segundo ponto do primeiro capítulo e que vai de encontro à noção cunhada
por Gibson (1979), que a define como um conceito qualificador de uma
relação entre variáveis que contêm a informação caraterística de um dado
contexto.

Depreende-se ainda, pela análise às entrevistas, que é de capital


importância que aquilo que foi designado no segundo ponto do primeiro
capítulo do enquadramento teórico, por tendências de integração e
especialização funcional, levem em conta as diferenças interindividuais dos
jogadores, ao nível do património genético, da experiência anterior ou da
identidade que cada um possui. Deste modo, os jogadores podem fornecer
continuamente soluções comportamentais mais eficazes para os desafios
que se colocam às equipas.

Esta ideia será desenvolvida na subcategoria de análise seguinte.

3.1.1. De acordo com os treinadores os contextos exercem influência na


modelação das conceções de jogo

Ao longo da análise das entrevistas foi sendo percetível que os


treinadores utilizam, quer seja para se referirem aos comportamentos que as
equipas manifestam durante as competições, quer seja para se referirem aos
comportamentos que gostariam de ver as suas equipas manifestar, as
mesmas nomenclaturas (i.e., numa e noutra situação, as expressões-chave
utilizadas pelos diferentes treinadores são ideia de jogo, modelo de jogo,
filosofia de jogo, padrões de jogo, critérios de jogo e princípios de jogo).

354
Porém, apesar de nomenclaturas diferentes, parece existir concordância
em relação à origem dos comportamentos que as equipas manifestam. Ou
seja, tal como alguns autores sugerem, por exemplo Frade (2013a, 2013b),
Gomes (2008), Guilherme (1991), também os entrevistados afirmam que os
gostos que cada treinador tem relativamente à forma como gosta mais que os
jogadores se comportem, acabam por ser modelados em função de cada
contexto.

Percebe-se, pela análise das entrevistas, que os treinadores acabam


por ter que adaptar os seus gostos originais às caraterísticas da realidade
onde estão inseridos. Por outras palavras, pode-se dizer que, segundo os
treinadores, os comportamentos que as equipas manifestam têm por base os
gostos do treinador, reconstruídos e enriquecidos, entre outros aspetos, com
as caraterísticas dos jogadores que compõem o plantel, com as caraterísticas
do campeonato, dos adversários, ou até do clube. Para se ser eficaz neste
processo de adaptação, os entrevistados salientam que é necessário fazer
apelo a alguma inteligência e arte.

Atendendo ao grande número de nomenclaturas utilizadas


indiscriminadamente, parece fazer sentido definir o significado de pelo menos
alguns dos termos utilizados. Neste sentido, com a análise das entrevistas,
pode-se dizer que os princípios (critérios funcionais) do modelo de jogo que
as equipas manifestam durante as competições, são, tal como sugerido por
Frade (2011, 2013a, 2013b) o espelho de um processo que resulta do
entrecruzamento dinâmico e complexo de uma intencionalidade estabelecida
a priori (i.e., uma conceção de jogo específica de cada treinador), com a sua
operacionalização num dado contexto competitivo, respeitando as
caraterísticas dos clubes, das competições, dos jogadores que formam o
plantel e, em maior ou menor percentagem, as especificidades dos
adversários que se defrontam.

A influência das caraterísticas dos jogadores na modelação da


conceção de jogo inicial dos treinadores, pode ser percebida através de duas
transcrições das entrevistas abaixo:

355
O treinador tem de seguir um caminho. Por isso é importante escolher um
caminho para a partir de daí treinar seguindo esse caminho e essa ideia de jogo.
No entanto, entendo que tem que haver um equilíbrio, entre aquilo que é o
caminho que o treinador quer e aquilo que é o contributo de cada um dos
jogadores, aquilo que cada um oferece. (...). Por isso, entendo que tem que haver
um caminho e tem que se perceber até que ponto a ideia do treinador se ajusta.
Perceber até onde é que os meus jogadores podem contribuir, até onde
podem ir para que eu tenha sucesso. (ETSLB18/19, p. 9)

Na China, eu não posso aspirar a ter o futebol que o Porto jogava. (...)
Apesar dos grandes princípios estarem lá, e de eu gostar de um jogo de
posse, de dominância, agressivo, temos que modelar em função do contexto
(...) Agora, os grandes princípios, aquilo de jogar e ser agressivo e de reagir com
agressividade à perda de bola, do pressionar alto, está lá. Agora, eu trabalho,
também, muito mais o momento de transição ofensiva, trabalhava pouco, mas
agora trabalho mais. (VP, p. 4)

Em relação à importância de ter em consideração, para a


implementação de uma conceção de jogo, as caraterísticas dos jogadores,
Carlos Pinto salienta que, por vezes, as adaptações que têm que ser feitas
em função dos jogadores que compõe o plantel, chegam mesmo ao extremo
de alguns jogadores terem uma liberdade diferente que é contemplada nesse
modelo de jogo. Tal pode-se perceber através da transcrição da entrevista
exposta de seguida:

Repara, estamos a falar de uma ideia de jogo, é uma identidade. O que é


que tu tens muitas vezes? Nós temos, por exemplo aqui no Leixões e tivemos o
ano passado no Famalicão, temos jogadores que não percebem o jogo. Aquilo
que nos preocupa é nunca, nunca castrar um jogador, nem bloquear um jogador.
Se nós sentimos que o jogador está bloqueado ou o estamos a castrar e não
percebe o jogo, o que é que nós fazemos? Libertamos o jogador, dentro da
nossa ideia de jogo. Vamos imaginar, estamos a jogar numa estrutura, por
exemplo 1x4x4x2 e o nosso homem da frente, por exemplo um dos avançados
não percebe o jogo, não é? Em termos de movimentos, tudo o que nós lhe
dissemos, ele não vai absorver porque ele não percebe. Então o que é que nós
fazemos? Libertamos o jogador. (CP, p. 4)

Já em relação à necessidade de adaptar o modelo de jogo em função


das principais caraterísticas dos adversários que se defrontam, os
treinadores referem-se a particularizar determinados aspetos ao nível dos

356
pormenores da forma de jogar, sem pôr em causa a matriz identitária da
equipa. A esta necessidade operacional, os treinadores atribuem o termo de
estratégia. A ideia de adaptar pormenores pode ser depreendida a partir das
quatro transcrições seguintes:

Há pelos menos três aspetos a ter em conta. O primeiro prende-se com a


questão do conhecimento tático de cada um, em termos individuais. O segundo é
a ideia de jogo que o treinador pretende que a sua equipa tenha. Ou seja, há um
ideal de organização coletiva, por exemplo no momento ofensivo. Mas depois,
surge o terceiro aspeto que é o seguinte, para além disto, há que contemplar a
dimensão estratégica. (ETSLB18/19, p. 8)

Não alterando os nossos princípios, não alterando a nossa forma de


jogar, não alterando aquilo que nós queremos, mas com pequenos ajustes
na dinâmica interna, ou seja, porque permitimos à nossa 10, que já caia mais em
corredor lateral ou que faça mais diagonais nas costas das defesas, outras vezes
não nos interessa esse tipo de situações, como jogamos em losango, só
queremos que ela fique em espaço entre linhas, porque vai acabar por ser uma
referência, obriga-nos a jogar para a frente. Ou seja, em função daquilo que nós
também sabemos que é a equipa adversária, em função daquilo que é a nossa
ideia e a estratégia para o jogo, conseguimos ajustar. (FN, p. 8 e 9)

Posso é moldar, e, dentro daquilo que é a minha forma de jogar,


encontrar e potencializar algumas situações, algumas ações nos meus
momentos de jogo que contrariem a força adversária, ou que valorizando
aquilo que nós temos, posso, no fundo, perturbar, ou provocar, ou desequilibrar,
ou aproveitar os pontos menos fortes do adversário. (JP, p. 13 e 14)

Se o adversário me vem apertar com 2, se me vem apertar com 3, como é


que eu vou construir? Se me vem fazer uma marcação mais homem a homem à
saída da construção, que recurso é que eu possa ter para jogar um pouco mais
longo? Normalmente não estou habituado a fazer, mas naquele jogo vou ter que o
fazer, e se perspetivo isso, não me vai manipular, porque eu vou continuar a
tentar sair curto, se essa é a minha ideia, mas vou ter que arranjar mais
alguns recursos à minha equipa, ou dar mais algumas diretrizes à minha
equipa, para que se isto e isto e isto acontecer, e nós não estamos a
conseguir sair, algo mais devemos fazer, e isso entra, um bocadinho, dentro
do plano estratégico. (PB, p. 17)

Em relação à necessidade de adaptar a conceção de jogo à realidade


dos contextos competitivos, por exemplo ao nível da seleção nacional

357
feminina, o treinador salienta que face ao momento de desenvolvimento que
atravessa, a conceção original de como se pretende que a equipa resolva os
problemas em campo, sofreu uma grande influência. O mesmo pode ser
percebido através do excerto da entrevista ao selecionador Francisco Neto:

Aquilo que nós procurámos na construção do nosso modelo, ou da nossa


ideia de jogo, aquilo que nós procurámos foi construir uma ideia que potencie as
nossas jogadoras, mas ao mesmo tempo, consiga responder ao contexto onde
elas vão estar inseridas. Ou seja, reconhecer o contexto e os problemas que a
maior parte das equipas, estamos aqui a falar de equipa de top, que vão às fases
finais, que tipo de problemas é que elas nos vão colocar, e potenciando a jogadora
portuguesa, como é que ela pode resolver o problema. E a ideia passa um
bocadinho por aqui na construção da nossa ideia de jogo. (FN, p. 4)

A influência do contexto competitivo sobre o modelo de jogo que se


quer ver implementado também é um aspeto apontado por Paulo Bento como
um fator a ter em consideração, da seguinte forma:

Depois há outras questões que são, dentro daquilo que é a nossa ideia e
aquilo que pretendemos, com os recursos que temos, termos que, não perdendo
aquilo que é a nossa filosofia, não perdendo aquilo que é a nossa ideia, ter de
fazer algumas adaptações por mais que queiramos jogar em posse com uma
equipa que tem menos recursos, há que saber o que é que vamos fazer e em
que contexto é que estamos, quando é que o podemos fazer. Se num
contexto onde somos dominadores, ou se num contexto onde não o vamos
ser, e aí, ter no nosso modelo, algo mais do que só nos batermos pela posse
e pela posse e pela posse, não é? Não é a mesma coisa treinar o Barcelona ou
o City do que treinar, depois, outras equipas que têm outro tipo de argumentos,
como é evidente. (PB, p. 16)

Portanto, não parecem restar dúvidas que a conceção de jogo original,


vai ser objeto de modelação que é influenciada, essencialmente, pelas
caraterísticas dos jogadores que fazem parte do plantel, pela gestão tático-
estratégica em função dos adversários que se defrontam e pela
complexidade da realidade competitiva onde o clube está inserido.

É através deste processo reflexivo que emergirá uma realidade única


que se pode designar de modelo de jogo, tal como sugerido por Oliveira e
colaboradores (2006). Ora, os treinadores ao assumirem que é de capital

358
importância construir um modelo de jogo, fazem-no porque acreditam que a
eficácia das suas equipas parece depender das dinâmicas táticas lá
contempladas. É a especificidade coreografada que irá permitir aos jogadores
serem bem-sucedidos na resolução dos problemas que vão emergindo no
decorrer da partida. Deste modo, os treinadores entendem que é
imprescindível denotar coerência entre os modelos de jogo construídos para
jogar e o jogo praticado.

Com a análise das entrevistas ficou claro que para os treinadores a


eficácia tática parece depender da forma como os jogadores desenvolvem as
tomadas de decisão específicas ao longo da época desportiva durante os
processos de treino. De facto, tal como sugerido por alguns autores, entre os
quais Coyle (2009) e Syed (2010), o treino assume um papel determinante no
que respeita à influência decisiva que exerce na preparação dos jogadores
para lidarem com a competição desportiva.

Neste sentido, as próximas categoria e subcategoria de discussão e


cruzamentos das perspetivas dos treinadores, debruçam-se sobre os
objetivos e as principais caraterísticas das tarefas práticas e da periodização
do treino.

3.2. Convergência das perspetivas dos treinadores com o treino


concebido segundo a visão ecossistémica da tomada de decisão

De acordo com os treinadores, face à importância de existir uma tática


específica que os treinadores e as equipas criam e desenvolvem, na
atualidade os jogadores mais bem preparados para jogar futebol, com altos
níveis de qualidade, são, tal como sugerido no enquadramento teórico, os
que conseguem interpretar com eficácia as oportunidades de ação, de acordo
com a cultura tática que a equipa persegue.

Assim, de acordo com os treinadores, os objetivos das sessões de


treino, tal como se percebe através das transcrições que se apresentam a
seguir e tal como foi sugerido na primeira parte da presente dissertação,
prendem-se, essencialmente, com o desenvolvimento das competências de
tomada de decisão tática específica do modelo de jogo e estratégica (em

359
função de algumas particularidades no modelo de jogo do adversário) e com
o desenvolvimento dos índices físicos, técnicos, bioenergéticos e
psicológicos que permitem que se jogue de determinadas maneira.

Em relação à importância da dimensão tática-estratégica apresenta-se


seguidamente quatro transcrições que ajudam a perceber a interpretação dos
treinadores entrevistados:

Em cada semana, (...) trabalho para fazer evoluir o jogar, a competência


da minha equipa, logo o lado estratégico revela-se importante. Exemplo:
depois de analisar o próximo adversário, verificamos que entre fragilidades e
qualidades, o seu corredor esquerdo defensivamente, revelava algumas
fragilidades que deveríamos considerá-las nas decisões tático/estratégicas
ofensivas a tomar. Isto é, muito mais ações /dinâmicas especificas ofensivas
deveriam ser estabelecidas pelo lado direito, logo, a preparação do jogo ofensivo
da equipa teria de contemplar do ponto de vista estratégico, comportamentos
tático/técnicos coletivos que nos pudessem levar ao sucesso. Do ponto de vista
defensivo, exemplo: ofensivamente, o adversário tem jogadores muito fortes no
corredor direito, logo a organização defensiva da equipa terá de condicionar o jogo
ofensivo do adversário nesse corredor…teremos de treinar essas dinâmicas
defensivas que nos ajudem a ter sucesso (...). Mas não mudarei a organização
defensiva e ofensiva da equipa, apenas detalhes tático/estratégicos para cada
jogo. Agora, eu vou é potenciá-la, em função da decisão estratégica que eu penso
ser favorável para termos sucesso, no jogo, percebe? (IV, p. 12)

“As necessidades táticas da equipa em função daquilo que é o estado


atual das jogadoras e, também, a estratégia do adversário.” (FN, p. 20).

Quando me ensinaram e estudei a pedagogia do desporto e aquilo que era


a didática do desporto, quando nós tínhamos de organizar, por exemplo, uma
unidade didática, na unidade didática, nós falávamos sobre objetivos
comportamentais terminais. Ou seja, o que é que na unidade didática, por
exemplo, do futebol, os alunos têm que atingir no final desse ciclo, para depois, a
partir daí, eu poder avaliar, não é? Então, esses objetivos eram objetivos
comportamentais terminais. Esses objetivos comportamentais terminais, da
forma como eu vejo o jogo, representam a minha intenção coletiva, representam
aquilo que eu quero que a equipa tenha como comportamento. Então, cada um
dos treinos, tem que concorrer sim, ou sim, para esse comportamento. (PC,
p. 13)

360
O teu treino é sistematicamente sustentado no jogar que queres
construir, é natural que as coisas comecem a aparecer, e inicialmente, começam
a aparecer e depois vão evoluindo para um nível maior, porque é como eu te digo,
então se tu não perdes tempo, se tu não desperdiças tempo com coisas
supérfluas, não é? Porque o nosso treino é para o nosso jogar. Se o nosso
treino é para o nosso jogar, é natural que vá crescendo, percebes? O nível vá
crescendo e que esse jogar apareça naturalmente. (VP, p. 16)

Para cumprir com os objetivos do treino, percebe-se através da análise


das entrevistas que o instrumento que os treinadores reconhecem como
sendo o que mais potencial tem para desenvolver e aperfeiçoar as tomadas
de decisão específica dos jogadores e os índices técnicos, físicos,
bioenergéticos e psicológicos que permitem dar resposta a uma determinada
especificidade, é o que vulgarmente se designa por exercício prático de
treino.

Neste particular, segundo os treinadores, o treino deve ser o espelho do


jogo. Logo, se o jogador se expressa como um todo constituído por diferentes
competências que se interligam em função de uma especificidade, sugere-se
que esse todo seja trabalhado através de tarefas práticas que na maioria das
vezes contemplam, tal como sugerido por diferentes autores, entre os quais
Araújo e colaboradores (2007), Duarte e colaboradores (2013) e Kelso e
colaboradores (1981), o todo de forma indissociável, respeitando a
especificidade do modelo de jogo e a representatividade do jogo de futebol.

O principal objetivo é dotar os jogadores de um amplo repertório motor


para resolver de uma forma articulada, natural e específica os diferentes
problemas que aparecem no decurso normal do jogo de futebol. Para tal, são
encontrados nas principais tarefas propostas alguns critérios que
estabelecem pontos de contacto com a pedagogia não-linear, amplamente
desenvolvida por autores como Chow (2013), Cláudio e colaboradores
(2013), Duarte e colaboradores (2019), e com o princípio das propensões
criado no âmbito da Periodização Tática, por Frade (2011, 2013a, 2013b).

Neste sentido, uma vez que as caraterísticas das principais tarefas


práticas que os treinadores criam estabelecem pontos de contacto com a
pedagogia não-linear, tal como foi sugerido no ponto três da parte teórica, a

361
tomada de decisão que os treinadores procuram potenciar pode ser explicada
a partir da perspetiva ecossistémica da tomada de decisão.

De modo a melhor se perceber as caraterísticas das principais tarefas


práticas criou-se uma subcategoria para o cruzamento e discussão das
perspetivas dos entrevistados a este respeito.

3.2.1. Concordância entre as tarefas práticas criadas pelos treinadores


e os conceitos de especificidade e representatividade

Através da análise às entrevistas é possível verificar que os treinadores


parecem optar maioritariamente por exercícios com diferentes níveis de
complexidade específica representativa do jogo, nos moldes sugeridos no
terceiro ponto do primeiro capítulo do nosso estudo. Estes exercícios, ao
mesmo tempo que procuram aprimorar as competências ao nível da tomada
de decisão específica sem dissociar a interação dos fatores de rendimento
que lhes dá suporte, também respondem de forma articulada e simultânea a
um padrão de contração muscular em concreto e a um regime bioenergético
em predominância.

A perspetiva dos entrevistados pode ser depreendida a partir da


transcrição seguinte:

Se estiver a fazer 6 contra 3, em que, quem perde a bola tem que reagir
automaticamente, e eu estou a trabalhar um comportamento da minha equipa, em
que depois, esse comportamento, eu quero vê-lo noutra situação noutro exercício,
ou noutra situação de treino, ou noutra situação do jogo, e aí, estou a trabalhar
comportamentos específicos, que têm a ver com a parte tática e com a parte
técnica e, obviamente, com a parte física e mental também, não deixam de lá
estar todos os fatores do rendimento, dentro do exercício. (PB, p. 15)

Em relação a serem específicos, quer dizer que, tal como sugerido no


enquadramento na parte teórica e tal como referido pelos treinadores nos
pontos anteriores deste capítulo, as tarefas estão relacionadas com a
adaptação e a escolha das ações durante as constantes mudanças que
ocorrem no jogo com alto grau de imprevisibilidade tendo como referência os
princípios do modelo de jogo por eles criado.

362
Portanto, em cada tarefa prática específica e representativa do jogo, os
treinadores parecem ter a preocupação de resolver ou aperfeiçoar um
problema tático que emergirá a partir dos constrangimentos impostos à
exercitação e, simultaneamente, de promover o aparecimento de um padrão
de contração muscular e a incidência de um sistema bioenergético em
predominância que lhes dão suporte aos comportamentos.

Num caso prático, uma tarefa poderá, por exemplo, possuir como
constrangimento o facto de os jogadores terem êxito apenas através da
receção do passe na linha de golo adversária. Tal constrangimento enfatizará
a desmarcação em rutura por parte do jogador atacante sem bola. Esta é
aliás, uma estratégia que parece ir de encontro a alguns modelos
pedagógicos de ensino dos jogos desportivos, entre os quais o modelo de
ensino do jogo para a sua compreensão (Bunker & Thorpe, 1982).

No fundo, esta tarefa, mantendo a integridade da cooperação-oposição,


altera o objetivo da tarefa no sentido de exagerar a consecução da
desmarcação em rutura, procurando que os jogadores apenas sejam
recompensados com a consecução do movimento. Portanto, os
constrangimentos impostos guiam os jogadores a desempenharem as ações
pretendidas, mantendo a integridade ecológica do jogo e, simultaneamente,
procurando concretizar a ação tática determinada previamente pelo treinador,
tudo articulado com a necessidade de incidir num determinado padrão de
contração muscular e em predominância num sistema bioenergético em
concreto.

De facto, tal como foi sugerido no ponto três do primeiro capítulo e tal
como alguns autores defendem, entre os quais Bunker e Thorpe (1982) e
Musch e colaboradores (2002), sem o exagero, os jogadores poderão
manter-se menos afinados percetivamente com os parâmetros ecológicos
essenciais que se revelam fundamentais para a tomada de decisão. Importa
realçar que apesar de se manipularem as variáveis estruturais da tarefa, tais
como o número de jogadores, as dimensões do espaço da tarefa ou as
regras, para que aconteçam mais vezes os comportamentos definidos, tal
manipulação não deve pôr em causa os traços gerais do jogo de futebol
(Bunker & Thorpe, 1982).

363
De acordo com a análise às entrevistas dos treinadores, pode-se dizer
que são uma espécie de formas baseadas no jogo, adaptadas de modo a
propiciar que aconteça mais vezes os princípios do modelo de jogo
específicos que se pretendem potenciar, obedecendo a um determinado
regime bioenergético em predominância e a um definido padrão de contração
muscular.

A ideia de manipular os constrangimentos da tarefa para que aconteça


mais vezes determinado comportamento específico, pode ser interpretada a
partir do excerto:

Peço-lhes para eles jogarem a um toque. Das duas uma, ou tu crias


condições de sucesso com jokers interiores que tenhas sempre apoio à bola,
e mesmo assim, eles vão-te falhar muitas vezes, só que isto vai crescendo, isto vai
crescendo, a tomada de decisão vai melhorando, a pouco e pouco, se tu lhes
criares condições de sucesso, entendes? Agora, não podes é, se quiseres um
jogo interior, um jogo com a bola entre linhas, que vá e que volte, tu não podes
colocar muitos apoios exteriores, porque se puseres apoios exteriores, o que é
que é mais fácil? Mais fácil é jogar para fora... (VP, p. 9)

A partir da especificidade e representatividade da tomada de decisão e


propiciando um determinado regime bioenergético e um padrão de contração
muscular, os treinadores delineiam os contextos práticos considerando os
quatro ciclos de jogo, que correspondem a duas fases e dois momentos
(também designados apenas por quatro momentos de jogo) – ataque,
transição ataque-defesa, defesa e transição defesa-ataque – para além das
situações denominadas de “bola parada”, a favor e contra. Esta ideia pode
ser percebida através das duas transcrições abaixo:

Sim, a ideia do treino de hoje foi refinar comportamentos táticos do setor


defensivo que nós queremos que a linha defensiva manifeste, em
determinados contextos e, portanto, o ponto de partida é todo esse, é a ideia
de jogo que nós temos, é em função das caraterísticas dos jogadores e depois
criar contextos na prática, no treino, para que os jogadores possam vivenciar ou
experienciar diferentes experiências que lhes permitam evoluir.” (ETSLB18/19, p.
5).

Nós procuramos muitas vezes recriar em treino, o máximo de vezes


possível, aquilo que nós achamos que nos vai acontecer no jogo. Ou seja,

364
retiramos um bocadinho daquilo que é o padrão de problemas que nós
achamos que vamos encontrar, a forma como nós também queremos criar
problemas aos adversários e em 5 unidades de treino, que é aquilo que
normalmente nós temos para preparar um jogo internacional, o primeiro jogo
internacional, o segundo já só temos 3 unidades de treino. (FN, p. 7)

Todavia, apesar das tarefas visarem predominantemente a melhoria de


um determinado padrão de contração muscular, de um certo regime
bioenergético e da tomada de decisão de um demarcado ciclo de jogo,
afigura-se conveniente, segundo os treinadores entrevistados, que a maioria
das propostas apresentadas não perca a necessidade dos jogadores darem
sequência às ações subsequentes.

Ou seja, o objetivo da proposta prática pode ser aprimorar uma fase ou


momento do jogo em concreto, porém, importa que o jogador seja obrigado a
ligar os comportamentos da fase ou momento que se quer aprimorar com a
fase ou momento seguinte. Tal depreende-se a partir das duas transcrições
seguintes que se afiguram representativas da ideia defendida pelos
treinadores:

Processo ofensivo, trabalhamos muito o processo ofensivo. É aquilo


com que nós nos preocupamos mais. Porque é que nós trabalhamos mais o
processo ofensivo? Porque o mais fácil é trabalhar o processo defensivo, porque
tu jogas num bloco médio-baixo. O mais difícil é ter bola e entrar nesses blocos, é
muito difícil teres bloco, porque chegar lá numa transição, ir lá 2 ou 3 vezes à
baliza, é muito fácil, o problema é tu teres bola, isso é que é o mais complicado.
Então qual é a nossa preocupação? Trabalhar muito o processo ofensivo. Mas,
mesmo dentro do processo ofensivo, aquilo que nós estamos a trabalhar já é
a nossa equipa preparada para o processo defensivo, em que nós temos
uma perda de bola e os jogadores já sabem quais são as zonas que têm que
ocupar, resumindo, estamos a trabalhar os 2 momentos. (CP, p. 16)

Ora, se eu vou treinar a transição ofensiva, que era o exemplo que eu dei,
eu estou na organização defensiva, portanto, vou incidir sobre aquela
organização, porque tenho que ligar para transição, e esta ligação entre
organização e transição, é determinante. Eu, quando vou treinar transição
ofensiva, é o tema, mas a verdade é que não posso fazer transição ofensiva sem
ter organização defensiva. (JP, p. 18)

365
Em relação à importância da representatividade dos exercícios, os
pontos de contacto entre esta necessidade, invocada por alguns autores,
entre os quais Araújo e colaboradores (2007), Davids e colaboradores (2006)
e McPherson (1993, 1999) e as perspetivas dos treinadores são notórios e
podem ser facilmente constatáveis através das quatro transcrições das
entrevistas aos participantes, a seguir expostas:

Quase todos os nossos exercícios são jogo, quase todos eles. Tirando
aqueles, por exemplo, há pouco dei o exemplo de sexta-feira, que é uma situação
diferente porque nós queremos um mínimo de estorvo possível, porque treinamos
bem durante a semana e quero o mínimo de estorvo possível os nossos exercícios
procuram contemplar jogo. Quando eu digo jogo terão uma organização
ofensiva, terão organização defensiva, terá transição ofensiva e defensiva,
portanto quanto mais exercícios tivermos assim mais perto nós estamos de
conseguir simular o jogo. Os nossos exercícios têm muito essas
caraterísticas. (CC, p. 11)

O que existe é representatividade, é imagética, e existe


posicionamentos que a gente pode fazer em 30 x 40, em 20 x 30, em 50 x 40,
mas isso não é a realidade do jogo, isso não corresponde àquilo a que se
chama intensidade do jogo. Intensidade é pensar, correr, saltar no contexto
do jogo. Não estou a dizer que a gente faz jogo, como te digo, eu não faço 11
contra 11, em que não sei quantas vezes faço isso por ano, mas a dimensão do
campo, a dimensão espacial, a dimensão do passe. Como organização ofensiva,
portanto, uma coisa é treinar organização ofensiva com meio campo, outra coisa é
com o campo total, porque, uma coisa é eu ter pontos de comunicação, portanto
de alternância entre o jogo exterior e interior, e depois alternar com passes longos
para a zona ativa e nas costas do adversário, outra coisa é não ter espaço para
fazer isso. (JP, p. 19)

“Eu creio que, a maior parte deles, e aqueles em que eu acredito mais, em
primeiro lugar, são com oposição...” (PB, p. 23).

Só com jogos direcionados, condicionados, dirigidos, mais dirigidos, menos


dirigidos, mas só com o jogo, oposição. Tu não podes pôr ninguém a decidir
mais rápido se o teu treino for feito, a maior parte das vezes, de forma que
não tenha a ver com o jogo, de forma analítica, sem adversários, se a
dominância do teu treino for essa, tu nunca vais conseguir… agora, se tu criares
exercícios em que há a possibilidade de decisão… (VP, p. 8)

366
De facto, esta opção está amplamente difundida na literatura e,
segundo Brunswik (1956), Coyle (2009), Klein (1998), Roca e colaboradores
(2012), Roca e Williams (2017) e Syed (2010), ela parece ser apropriada na
medida em que a maioria das decisões eficazes em competição decorre da
capacidade do perito em reconhecer a situação como típica e que tal tende a
melhorar de acordo com o aumento das horas de prática em que há
oportunidade de tomar decisões idênticas às que acontecem durante a
competição. Isto leva o jogador a identificar e a associar à situação em curso,
uma ação capaz de ser eficaz.

De acordo com estes autores, ao se proporem práticas que se


desenvolvam numa dialética constante com as caraterísticas da competição,
estas constituem-se como afluentes da inteligência dos jogadores ao mesmo
tempo que dela necessitam para se consumarem. Assim, tal como sugere
Garganta e colaboradores (2013), mais do que ensinada, a inteligência,
porque emerge e se desenvolve no contacto recíproco com o meio
envolvente, pode ser despertada e desenvolvida por uma estimulação
adequada, treinando como se joga.

Por vezes, como se viu anteriormente, segundo os treinadores, as


tarefas propostas especificas e representativas e que respondem a um
padrão de contração muscular concreto e a um determinado regime
bioenergético em predominância, podem ter níveis de representatividade da
complexidade do jogo mais baixos (e.g., quando se opta por treinar apenas
uma ou outra fase ou momento do jogo).

Contudo, os níveis de complexidade representativa também podem


variar ao nível dos constituintes da tarefa. Por exemplo, optando por uma
situação sem oposição para facilitar a aquisição de determinado princípio
que, pela sua complexidade, tem que ser transmitido utilizando formas mais
simplificadas. Tal pode ser percebido através da transcrição das falas de
Paulo Bento, José Peseiro e Vítor Pereira:

Pode ser o processo ofensivo, ou pode ser o processo defensivo


obviamente, no âmbito do processo ofensivo viramo-nos muito para situações de
finalização, às vezes, até com uma situação tática sem oposição. (PB, p. 24)

367
...exercícios que eu gosto de fazer todos os dias, sistematicamente, com os
avançados, com os extremos, com os laterais, com os centrais, com todos eles, na
repetição de uma ação em que eles estão a menos, ou que nós achamos
importantes para o nosso jogo. Movimentos circulares de avançados, se eu aposto
muito nisso, no final do treino, tenho esses movimentos. Diagonais de fora para
dentro, dos laterais e extremos, e repetimos isso. Diagonais do médio centro,
entre lateral – central, e fazemos isso. Passe dos centrais, diagonais, e fazemos
isso. Isso eu acho importante complementar. (JP, p. 21 e 22)

Vou-te dar um exemplo, o Falcão, o Jackson Martinez, que tive o privilégio


de trabalhar com eles, precisavam de trabalho específico para criar o seu
espaço. Imagina, nós trabalhávamos muito, eu lembro-me perfeitamente, com o
Falcão, no final dos treinos, trabalhávamos muito contramovimentos, (...) Portanto,
isto, quando tu com jogadores deste nível, tens necessidade e eles sentem
necessidade de trabalhar coisas, não é… subprincípios, coisas de pormenor como
os contramovimentos, só que depois vão para o jogo, e aquilo sai. Basta recordar
o Jackson e o Falcão. (VP, p. 9)

Todavia, segundo os treinadores, a maioria das principais tarefas têm


oposição porque entendem que é um elemento fundamental na aquisição dos
princípios do modelo de jogo. De facto, tal como se viu anteriormente no
ponto designado “a especificidade e a representatividade nas tarefas
práticas”, no primeiro capítulo da presente dissertação, a oposição parece ser
de capital importância porque, segundo Chow (2013), Kelso e colaboradores
(1981), Schöllhorn e colaboradores, (2012) e Schöllhorn e colaboradores
(2009), invocam a necessidade de adaptação e gestão do jogador aos
constrangimentos formados pela confrontação propiciando sua evolução.

Por último, face à complexidade do jogo de futebol e à dificuldade em


articular todos os jogadores em campo de forma harmoniosa, os níveis de
complexidade representativa nas tarefas propostas pelos treinadores também
podem variar ao nível da escala da equipa. Portanto, segundo os
entrevistados, é necessário incidir nas partes que compõem o todo (i.e., nos
setores da equipa).

Assim, os treinadores propõem tarefas específicas e representativas


que obedecem a um padrão de contração muscular concreto e a um regime
bioenergético em predominância, com vista a melhoria dos princípios do

368
modelo de jogo nas diferentes fases e momentos, quer ao nível individual,
setorial, intersetorial, coletivo e grupal.

Através das transcrições que se seguem é possível perceber a ideia


que os treinadores pretendem passar:

É muito difícil treinar quando se começa a jogar de três em três dias. Por
isso, temos que ser muito específicos e temos de ser muito concretos naquilo que
queremos treinar. A fazer esse tipo de calendário, com jogos de três em três dias
de exigência máxima, há que ter esse cuidado. Por isso aquilo que nós
pretendemos é ser o mais objetivo possível e por vezes tem que se fazer de uma
forma setorial, intersetorial. Isto varia muito em função da semana, se tem jogo a
meio ou não e em função do regime bioenergético que nós entendemos que é o
melhor para aquele dia. Algumas vezes, com jogo a meio da semana, há coisas
que são treinadas no campo, mas a passo, com o mínimo desgaste. (ETSLB18/19,
p. 15)

Os melhores exercícios acabam por ser mais simples, são aqueles em tu de


uma forma muito simples consegues ir à totalidade retirar a totalidade para ires
buscar alguma particularidade que não está a funcionar que tu vai fazer melhorar
o todo outra vez, portanto, isto é uma situação permanente a uma escala
micro, a uma escala meso, a uma escala macro, depende daquilo que tu
queres melhorar de onde tu queres bater, onde tu sentes que há uma peça
que não está a funcionar dentro da tua equipa, uma ligação que não está
funcionar, o jogo não está a fluir. E quando eu digo isto pode ser num aspeto
individual ou na ligação entre o lateral direito e o ala. O jogo não flui porque
não há uma ligação fluída entre lateral direito e o ala. Se não há esta ligação tu
tens que a potenciar, tens que criar exercícios onde isto vai acontecer para
potenciares aquilo que tu queres, isto são inúmeros exemplos que se poderiam
dar na melhoria da fluidez do jogo, mas tens que ter essa capacidade de
observação fundamentalmente para depois extraíres aquilo que tu achas que é
passível de ser melhorado. (CC, p. 13)

Sim. É um bocadinho por aí. Acima de tudo, jogando. É aquilo que nós
queremos. Muitas vezes alocando algumas partes do jogo, ou retirando do jogo
algumas partes que nós queremos trabalhar, exercitar, priorizando isso como uma
prioridade, salvo seja, salvo a redundância, para esse treino, e depois,
exercitando, sistematizando aquilo que nós queremos que apareça, que apareça
no jogo e, em função do dia, à escala a que nós queremos que ela aconteça. A
uma escala maior, a uma escala intermédia ou a uma escala menor, mas
sempre nesse registo. (FN, p. 10)

369
Através da análise às entrevistas fica-se também com a sensação de
que na generalidade os treinadores parecem aderir a um estilo de ensino
similar à descoberta guiada de Mosston (1988). Como se viu anteriormente,
no terceiro ponto do primeiro capítulo, é um estilo pedagógico, que pretende
estimular o jogador a direcionar por si próprio o caminho, sob a orientação do
treinador. Este estilo pedagógico que os treinadores adotam, pode ser
percebido através da seguinte transcrição:

...eu utilizo uma frase que é assim, as situações têm que ser mais levá-
los a que eles encontrem problemas e sejam capazes de os resolver. É quase
como um papel de guia, não é, quero dizer, você cria situações no treino, em que
quase que guia os jogadores a tomarem decisões. Não vai dizer: a solução é esta,
ou a situação é outra, a solução é outra. É muito mais interrogativo, sim, porque
obriga-os a pensar sobre a decisão que tomaram e aquela que poderiam ter
tomado, melhor. Portanto, é um guia orientado, digamos assim. Esse é o papel, no
meu modo de ver, dos feedbacks, porque você não vai dar soluções, não vai parar
e dizer, “não jogues para ali, vai jogar para acolá, não jogues com este, não
jogues com o outro”. Não. O que costumo dizer é: “perante esta situação, vê,
analisa. Tomaste esta decisão, vê isto. Aquela ali, vê aquela situação, assim, de
acordo com o que nós pretendemos, achas que podias fazer melhor?”. Porque o
erro não tem problema, o problema é quando as pessoas, ou quando os
jogadores, não têm consciência do erro. É uma aprendizagem que tem de ser
consciente, não tem que ser mecânica, nós não somos autómatas, nada disso,
percebe? Portanto, é quase como um guia orientado para levar os jogadores
pelo caminho que a gente pretende, manipulando os exercícios. (IV, p. 15 e 16)

Não obstante, convém salientar que embora o exercício seja idealizado


para que se autorregule, segundo os treinadores entrevistados, tal como foi
sugerido no terceiro ponto do enquadramento reflexivo da presente
dissertação, não significa que a intervenção do treinador ao nível do feedback
não seja importante. Depreende-se através das entrevistas realizadas e tal
como sugerido, que é importante que o treinador intervenha de uma forma
específica, de modo a exacerbar as funcionalidades adequadas e a inibir as
inadequadas para que a homotética interna da equipa seja sempre
alcançada.

370
Em relação a este tema, importa realçar que é uma noção consolidada
pela comunidade científica que a instrução96 em geral e os feedbacks em
particular assumem um papel de importância inquestionável e essencial para
cumprir com o legado da transmissão de conhecimentos, sendo que esta
pode ser considerada a essência do treino enquanto processo de ensino-
aprendizagem de um modo de jogar (Farias, 2007; Mesquita & Graça, 2009).

No âmbito da instrução inserem-se os feedback 97 que podem ser


entendidos, segundo Newell (1986), enquanto constrangimento aumentado
de natureza ambiental. Assim, é necessário que o treinador conheça com
rigor o conteúdo do que está a propor, de forma a conseguir informar e
corrigir o jogador indo ao cerne da questão e identificando o que é primário e
o que é secundário 98 (Rosado & Mesquita, 2009). A importância que os
treinadores atribuem à intervenção ao nível da instrução com recurso ao
feedback fica bem vincada nas três transcrições seguintes:

Sem dúvida nenhuma, tanto no jogo como no treino, no patamar onde nós
estamos inseridos, o feedback é essencial. Durante o exercício, sempre na
procura da correção, sempre na procura da prescrição, não no sentido de
direcionar o exercício, mas de ajudar a arranjar soluções para. Mas o grande
segredo do feedback é o timing com que tu o dás e a frequência com que tu o dás,
e essa é que é a dificuldade, e foi a minha dificuldade, também enquanto
treinador, que é uma coisa que tu vais adquirindo ao longo da tua experiência. Eu,
sem dúvida nenhuma, estou aqui há 6 anos, sem dúvida no início, falava muito
mais do que falo agora. E é também perceber um bocadinho, depois, em função
do tipo de feedbacks, também as características dos próprios jogadores, porque
isto tem um lado muito emocional, o jogo, e há jogadores que reagem muito bem a
feedbacks de uma forma e outros que reagem muito bem a feedbacks… uns

96
De acordo Siedentop (1987, 2002), o termo instrução refere-se aos comportamentos
de treino que fazem parte do reportório do treinador para comunicar informação substantiva.
Assim, da instrução fazem parte todos os comportamentos, verbais ou não verbais
intimamente relacionados com os objetivos do treino. Eles podem ser agrupados em
informação, demonstração e feedback (Rosado & Mesquita, 2009).
97
O feedback pedagógico situa-se na ponte de dois processos complementares, o
ensino e a aprendizagem e tem como finalidade auxiliar o jogador a aprender, a melhorar a
performance ou a aperfeiçoar uma funcionalidade (Farias, 2007; Mesquita & Graça, 2009).
Pode, ainda, ser entendido como um comportamento do treinador de reação à resposta
motora de um jogador, tendo por objetivo modificar essa resposta, no sentido da aquisição
ou realização de uma tarefa servindo como fonte de informação complementar e como meio
de motivação para a aprendizagem (Rink, 1996; Temprado, 1997).
98
Erros secundários são aqueles que advêm de um erro primário.

371
querem muito feedbacks emocionais, outros, feedbacks mais direcionados para
aquilo que é a tarefa, e tu tens que também saber perceber os jogadores,
perceber o timing onde podes intervir e fazer essa intervenção. Agora, eu acho
que nós temos que, e é nossa função, porque eu acho que, muitas vezes, o
exercício, por si só, não responde a isso, acho que nós temos que ajudar os
jogadores... (FN, p. 11)

Entendo que nós devemos construir o exercício suficientemente bom para


levar os jogadores a fazer aquilo que nós queremos (...) depois percebermos se o
exercício é mau porque eles não conseguem lá chegar, ou se requerem ali um
feedback para poderem lá chegar. Já me aconteceu eu estar com dúvidas se o
exercício conseguia ou não ser representativo daquilo que eu queria para os
jogadores fazerem, eles não conseguirem, mas bastou um feedback para eles
começarem a encontrar as soluções e depois, cumpri-las. (JP, p. 17)

Eu creio que o feedback nalguns exercícios poderá ser mais


determinante que noutros. (...) há que analisar o momento da equipa também,
se estamos perto da competição ou não estamos perto da competição, qual foi o
resultado anterior, como é que está a situação da equipa, a quem é que vamos
dar o feedback, há muitas coisas envolvidas, mas de uma forma geral, na minha
opinião, existe, muitas vezes, a ideia de que a correção está associada à crítica.
Eu não o vejo dessa maneira. A correção está associada a querer uma melhoria, a
querer que as coisas vão mais de encontro àquilo que é o nosso padrão, àquilo
que é a nossa ideia, àquilo que é a nossa estratégia... (PB, p. 23)

Se o exercício estiver com uma qualidade muito grande, só lhes dou os


parabéns, oh pá, e continuam porque está a sair. Agora, se eu acho que há um
pormenor ou outro, oh pá, mas é um feedback de pormenor, entendes? (...).
Agora, não sou, deixei de ser há muito tempo, aquele treinador que está sempre a
relatar, sempre, sempre a relatar, sempre a relatar, porque isso se tu sentes
necessidade disso, é porque o exercício não tem a qualidade que tu pensas que
tem. Entendes? (VP, p. 18)

Pegando na transcrição da fala de Vítor Pereira, importa referir que o


efeito positivo do feedback sobre as aprendizagens não depende
exclusivamente da apropriação do conteúdo que integra, mas também da
frequência com que é transmitido (Rink, 1996; Temprado, 1997). A sua
emissão após cada repetição pode ser nefasta, na medida em que não
permite ao jogador a realização de autocríticas em relação à própria
performance. A informação em excesso, pode provocar dependência no

372
praticante, desviando a sua atenção da análise interna das ações realizadas.
Neste sentido, segundo Temprado (1997), a comunicação das informações
sob a forma de síntese de várias repetições parece ser mais eficaz do que a
realizada após cada resposta motora.

No âmbito do treino é também importante refletir sobre a relevância do


conteúdo informativo do feedback que pode ser classificado em duas 99
grandes categorias, o conhecimento da performance e o conhecimento do
resultado. Atendendo a que nesta modalidade existe a necessidade de o
jogador adaptar as respostas às situações-problema que surgem no decorrer
do jogo, parece fazer sentido que a instrução ministrada durante a prática
seja simultaneamente 100 centrada no conhecimento da performance e do
resultado (Farias, 2007).

Ainda em relação ao feedback, é de destacar a importância da relação


entre o cariz da informação que este integra e o veiculado na apresentação
dos contextos de prática (Farias, 2007). Tal significa que é importante que o
conteúdo informativo emitido durante a apresentação das tarefas seja
replicado na emissão de feedbacks101, constituindo o próprio feedback102 uma
forma de reforço da informação emitida antes da prática (Farias, 2007;
Mesquita & Graça, 2009).

99
Enquanto a primeira categoria remete para a informação centrada na qualidade do
processo, das interações e execuções, a segunda referencia-se à informação relativa ao
resultado pretendido (Mesquita, 2005b; Mesquita & Graça, 2009; Rosado & Mesquita, 2009).
100
Todavia, importa ter a noção de que no alto rendimento, parece fazer sentido que
quem dirige o processo de treino tenha a sensibilidade para perceber que os jogadores têm
formas particulares de executar determinadas ações. Assim, sugere-se que o treinador
direcione a sua atenção para a eficácia das ações, mesmo que elas se revistam de
caraterísticas aparentemente diferentes e que não eram as esperadas, mas que mesmo
assim permitam a emergência de padrões de auto-organização coletiva congruentes com a
identidade que se pretende
101
Deste modo, afigura-se pertinente que o conteúdo informativo do feedback para
induzir efeitos positivos nas aprendizagens, possua algumas caraterísticas, entre as quais se
destacam: informação emitida em consequência da observação de um conjunto de ações
motoras, referenciação aos propósitos do exercício focados durante a sua apresentação
(congruência); direcionamento da informação para a especificidade e respetivos conteúdos
(curto e específico), focalização de critérios orientados para a qualidade de execução, ou
para o resultado a obter (conhecimento da performance e/ou do resultado) (Farias, 2007;
Mesquita & Graça, 2009; Rosado & Mesquita, 2009).
102
Os feedbacks podem ser caraterizados quanto ao seu objetivo: avaliativo
(positivo/negativo), prescritivos, descritivos e interrogativo. Quanto à sua forma: auditivos,
auditivos/visuais, auditivos/cinestésicos. Ao momento: durante a execução, após a execução,
retardado (Farias, 2007; Mesquita & Graça, 2009; Rosado & Mesquita, 2009).

373
Por fim, em relação à temática da intervenção pedagógica ao nível do
feedback, importa realçar a fala de Carlos Carvalhal que nos diz que, na sua
opinião, as intervenções verbais no treino, ao nível do feedback, podem
passar e criar nos jogadores emoções relativas ao ato de jogar:

Mas se eu deixasse o exercício correr por si ele tinha um valor, outra coisa é
tu deixá-los viver os exercícios e em determinadas alturas dás feedback sobre
aquilo que aconteceu bem, dar feedback de correção sobre alguns aspetos que tu
estás a ver, ou parar inclusivamente o treino. Isto, evidentemente, é estar a marcar
o treino. A marcar com emoções, com emoção. (CC, p. 19)

De facto, autores como Damásio (1994, 2000, 2003, 2006, 2010),


Jensen (2002) e Panksepp (1989, 1998), têm sustentado que as emoções
são muito importantes, na medida em que parecem estar relacionadas com
todas as situações da vida das pessoas, nomeadamente com as
aprendizagens a que estão sujeitas. Ou seja, depreende-se que durante o
treino, entendido como processo de aprendizagem por parte dos jogadores, o
sucesso da aquisição de competências está fortemente dependente também
das emoções que se despertam nos praticantes.

A este respeito, o mecanismo por detrás do complexo processo de


desenvolvimento de emoções pode ser explicado pelos estudos
desenvolvidos pelos neurocientistas Damásio e colaboradores (1996) que
originaram a hipótese dos marcadores somáticos. De acordo com Damásio e
colaboradores (1996), o marcador somático é uma sensação corporal
agradável ou desagradável. Uma vez que a sensação é corporal, o autor
atribui ao fenómeno o termo técnico de estado somático (em grego, soma
quer dizer corpo) e, porque o estado “marca” uma imagem mental 103 ,
chamou-lhe marcador (Damásio, 1994, 2000; Damásio et al., 1996).

103
O conceito de imagem mental significa algo que é construído pelo cérebro através
das modalidades sensoriais e é representado na mente. As modalidades sensoriais
consideradas são a visual, a auditiva, a olfativa, a gustativa e a somatossensorial. Falar-se
de imagens mentais é falar-se das imagens que são criadas através do sentir de todas as
modalidades sensoriais levadas a cabo pelas experiências vivenciadas. Desta forma, as
imagens mentais evidenciam de forma criativa propriedades, processos, relações e
interações do organismo com o mundo. A mente é formada por um fluxo contínuo de
imagens mentais, muitas das quais interligadas e o pensamento é o que se considera ser
esse fluxo de imagens que se move no tempo, em conformidade com as necessidades e
interesses das circunstâncias (Damásio, 2000).

374
O marcador somático é então um caso especial do uso de sentimentos
gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos,
marcadores somáticos, foram criados a partir dos resultados de determinadas
ações (Damásio et al., 1996). Tais marcadores, através da aprendizagem,
vão ficar ligados a determinados cenários que condicionam as tomadas de
decisão futuras.

Ou seja, o marcador somático faz convergir a atenção para o resultado


a que a ação, por exemplo, um remate de longa distância, pode conduzir e
atua como um sinal de alarme automático (Damásio et al., 1996).

De acordo com os estudos de Damásio e colaboradores (1996),


depreende-se que os marcadores somáticos não tomam decisões pelos
jogadores. No entanto, parecem ajudar ao processo de decisão na medida
em que destacam algumas opções, tanto adversas como favoráveis,
eliminando-as rapidamente da análise subsequente (Damásio, 2000;
Damásio et al., 1996). Em suma, os marcadores somáticos funcionam como
um sistema de qualificação automática de previsões que atua, quer o jogador
queira, quer não, com vista à avaliação de cenários extremamente diversos
do futuro que se antecipa (Damásio, 1994, 2000; Damásio et al., 1996).

Face às caraterísticas das principais tarefas práticas propostas pelos


treinadores aqui apresentadas que vão de encontro ao modelo de
ensino/treino denominado de pedagogia não-linear, não parece restarem
dúvidas que o modo como propõe que as decisões dos jogadores sejam
estimuladas vai de encontro à perspetiva ecossistémica da tomada de
decisão, a que se aludiu no segundo ponto do primeiro capítulo da presente
pesquisa.

Em suma, os treinadores entrevistados propõem cenários de


aprendizagem específica e representativa que promovem interações auto-
organizadas, do jogador com o contexto, obedecendo simultaneamente a um
determinado padrão de contração muscular e a um regime bioenergético em
predominância e com os fatores de rendimento interligados. Deste modo, as
perceções, cognições e ações emergem da interação dinâmica e contínua

375
das capacidades de ação de um jogador e as possibilidades (i.e.,
affordances) oferecidas num ambiente de competição específico.

Neste sentido, a noção clássica de exercícios, com regras de execução


muito bem definidas, não parece adequar-se ao significado que os
treinadores propõem. Isto porque enquadram os comportamentos e
promovem uma associação entre estímulos e respostas estereotipadas e
padrões motores concretos memorizados para dar resposta a problemas que
nem sempre são reproduzidos em situações reais de competição.

A designação que se afigura mais consentânea com as propostas


sugeridas pelos treinadores, é a que foi mencionada no terceiro ponto do
primeiro capítulo (i.e., fragmentos táticos preferenciais). Ou seja, versões
fractais de complexidade reduzida, específica e representativa do jogo de
futebol que, com fatores de rendimento interligados, propiciem ao jogador a
deteção de informação e o devido acoplamento das perceções aos padrões
de auto-organização táticos da equipa. Tal proporciona também a
emergência de um determinado padrão de contração muscular e
predominância de um regime bioenergético.

Neste sentido, depreende-se a partir da análise das entrevistas, tal


como foi sugerido no terceiro ponto do primeiro capítulo da presente
dissertação, que a complexidade que o jogo induz em função da interação
das dimensões tática, técnica, psicológica e fisiológica é fragmentada em
unidades funcionais que incluem essas interações, mas com níveis inferiores
de complexidade específica e representativa. O treino do jogo que os
treinadores entrevistados idealizam é desenvolvido através de unidades
específicas funcionais e da interação das mesmas, tal como sugerido por
Araújo e colaboradores (2007), Correia e colaboradores (2012) e Travassos e
colaboradores (2012).

Portanto, segundo os entrevistados, os problemas do jogo são


direcionados através de situações que propiciam os comportamentos
pretendidos e do desenvolvimento de capacidades de interação (i.e.,
affordances partilhadas) (Silva et al., 2013) que o treinador deseja que os

376
jogadores desenvolvam com vista à resolução específica dos problemas que
emergem em competição.

Todavia, não obstante o foco principal seja em tarefas práticas que


procuram ao mesmo tempo aprimorar as competências ao nível da tomada
de decisão específica (com todos os fatores de rendimento em interação), e
simultaneamente responder a um padrão de contração muscular em concreto
e a um regime bioenergético em predominância, de acordo com a análise das
entrevistas, alguns treinadores mencionam a necessidade de se dedicar
tempo à prática de alguns exercícios complementares e a necessidade de
incluir alguns instrumentos pedagógicos auxiliares.

Na próxima subcategoria abordar-se-ão estas duas temáticas de modo


a perceber melhor a sua lógica.

3.2.2. Exercícios complementares e instrumentos pedagógicos


auxiliares enquanto necessidade invocada pelos treinadores

A partir da análise do conteúdo das entrevistas encontram-se


referências de alguns treinadores a exercícios complementares que têm
como objetivo a incidência num padrão de contração muscular em concreto e
na predominância de um sistema bioenergético em particular. Estes
exercícios não deixam, contudo, de ser o mais específicos possível do
modelo de jogo e o mais representativos possível das caraterísticas do jogo
de futebol, como se pode constatar através das duas transcrições seguintes:

Atualmente é possível fazer um trabalho de força muito bom dentro do


campo, com 2 balizas e bola, competição. (Treinador Adjunto: Agora, claro que
ao fazeres 2 para 2, no que é que ele se foca também, por exemplo, nos
equilíbrios, na cobertura). (CP, p. 32)

Por exemplo com jogo de domingo a domingo, quarta-feira nós temos


sempre um trabalho em que tentamos (pausa) eu utilizo sempre um regime de
estafeta, sem bola, em que nós exigimos naquela estafeta de competição
acelerações máximas com recuo, em potência, de dois metros para depois
voltar a acelerar e vir, trazer o colete trocar etc. Nós fazemos essa solicitação
no máximo, do que os jogadores podem fazer. Neste regime mais potente
digamos assim. E à sexta-feira é o dia que utilizamos sem bola depois da

377
mobilidade inicial três repetições sempre de vinte metros, também em regime
de competição, em corrida livre, sem travagem. No máximo, são estas as
nossas preocupações fora o futebol, da bola. (CC, p. 21)

Segundo os treinadores, estes exercícios complementares podem surgir


nas sessões de treino por diferentes motivos: a) porque acreditam que fazer
este tipo de exercícios, que visa trabalhar de forma mais isolada um padrão
de contração muscular em concreto, incidindo predominantemente sobre um
sistema bioenergético em particular, pode ser benéfico para a melhoria do
desempenho dos jogadores em jogo; b) pela dificuldade que existe em
conseguir articular, nas tarefas principais, todos os fatores de rendimento em
simultâneo. Tal pode acontecer, por exemplo devido à complexidade dos
princípios que se pretendem trabalhar; c) em virtude de circunstâncias que
podem ocorrer durante a operacionalização das tarefas principais que
impeçam que as tarefas sejam completamente eficazes a todos os níveis e d)
porque existem jogadores que sentem necessidade de ter um treino mais
direcionado para a exercitação isolada de um padrão de contração muscular.

Em relação a esta última razão, a transcrições seguintes pode ser bem


representativa da ideia que se pretende passar:

Imaginemos, há contextos que quase te obrigam no final do treino, teres o


trabalho físico, que pode não ser representativo nem importante para ti, mas é
importante para os jogadores, porque o querem, porque o pedem, porque acham
que é importante. Não estou a falar de jogadores de mais alto nível, estou a falar,
e já te falei, em vários países, ir a um treino e não fazer corridas no final do treino,
os jogadores dizem quando é que a gente vai correr para descansar? (JP, p. 21 e
22)

As caraterísticas destes exercícios complementares parecem ir de


encontro à noção de situações simuladoras preferenciais mais
concretamente, dentro destas, às tarefas de jogo individual
predominantemente condicionais, sugeridas no âmbito do Treino Estruturado
proposto por Seirul-lo (2017b).

Também no âmbito do princípio das propensões da Periodização Tática,


se contempla a possibilidade de caso exista a necessidade de, para cumprir
com o objetivo da sessão de treino (i.e., promovendo para além da

378
possibilidade de aquisição de comportamento táticos específicos, o
desenvolvimento em predominância de um sistema bioenergético e de um
padrão de contração muscular em concreto), se recorra a tarefas mais
analíticas específicas e com um grau inferior de representatividade do jogo
(Reis, 2018).

Foi também referido que em determinados momentos da época, em


articulação com outros elementos da equipa técnica, nomeadamente
fisiologistas, e em concordância com o departamento clínico, podem ser
incluídos nas sessões de treino, principalmente numa fase inicial, antes até
do treino propriamente dito, exercícios acessórios que tem como objetivo
prevenir lesões.

Esta temática não foi objeto de escrutínio da nossa parte em virtude do


foco da presente investigação estar direcionado para a periodização das
sessões de treino, relacionada com as caraterísticas das principais tarefas
responsáveis pela aquisição de uma forma específica de jogar.

É, ainda, de capital importância referir que, não obstante o foco principal


seja o de trabalhar os jogadores através de tarefas práticas no terreno, com a
análise das entrevistas aos treinadores, também ficou claro que por vezes é
necessário recorrer a instrumentos pedagógicos auxiliares com vista à
aquisição cognitiva de conhecimentos tático-estratégicos específicos.

Assim, quando não existe a possibilidade de realizar treinos práticos,


dado o estado de fadiga dos jogadores ou então como complemento de
aprendizagem, os treinadores optam por fazer um tipo de treino com vista à
consolidação cognitiva dos comportamentos, recorrendo para o efeito a
instrumentos pedagógicos auxiliares, tais como o vídeo e a imagens. Esta
ideia, pode ser entendida a partir dos três excertos abaixo transcritos.

...nós acreditamos muito, utilizamos muito a análise em vídeo, porque o


jogador tem uma longa experiência, tem a sua cultura tática e às vezes estas
pequenas coisas vistas em vídeo, eu acredito muito que ajudam muito no treino.
(ETSLB18/19, p. 15)

Depende da estratégia, depende de cada treinador, nós nunca colocávamos


oposição nesses ciclos, o vídeo era importante como te disse há pouco, a

379
capacidade de apreensão dos jogadores era muito elevada. Portanto, para te
dizer, muitas vezes mais no final nós fazíamos a estimulação por exemplo entre
quinto e o sexto ou sétimo jogo, fazíamos estimulação de alta intensidade e curta
duração e subtraíamos o trabalho tático. O trabalho tático era fundamentalmente
dado pelo vídeo. (CC, p. 24)

É fundamental tu teres imagem porque ficou-te na ideia alguma coisa, mas


é importante tu teres a imagem daquilo que tu fizeste. (...). Se precisarmos de um
bocadinho de confiança, então as imagens são mais para a confiança. Se temos
um adversário com quem vamos jogar a seguir que até é mais fraco e a equipa
pode adormecer um bocadinho, aí, pô-los em sentido com coisas, com erros que
cometemos, entendes? Portanto, é um bocadinho nessa base. (VP, p. 22)

Neste âmbito, o vídeo e as imagens que os treinadores mostram


relativos ao jogo e aos comportamentos dos jogadores e da equipa podem
funcionar como um auxílio no processo de imagética. Ou seja, recorrendo a
imagens e a vídeos os jogadores usam os sentidos, principalmente os
visuais, para recriar imagens e experiência na mente (Godinho & Serpa,
2005).

Todavia, importa dizer que a palavra imagens não se refere apenas às


imagens visuais, e não se refere apenas a objetos estáticos (Damásio, 2000).
As imagens também ilustram as propriedades físicas de diversas entidades e
as relações temporais entre essas entidades, algumas vezes de forma
esboçada, outra não, assim como as suas ações. Até mesmo os sentimentos,
que constituem o pano de fundo de cada instante mental, podem ser imagens
(Damásio, 2000).

Numa perspetiva ecológica a imagética, com o auxílio do vídeo e das


imagens, pode ser considerada como sendo o re-percecionar das
possibilidades de ação (i.e., affordances) que um determinado
comportamento ou movimento de interação coletiva oferece ao jogador
(Godinho & Serpa, 2005). A imagética do comportamento ou do movimento é
também a simulação mental de uma dessas possíveis ações e interações,
podendo ser caraterizada como um processo duplo que inclui a simulação
mental de ações e o relembrar das affordances (Godinho & Serpa, 2005).

380
Partindo do princípio de que diferentes envolvimentos com diferentes
possibilidades de ação poderão ser associados a diferentes desempenhos,
presume-se que devido à imagética o imaginador está mais focalizado ou
sintonizado com a affordance mentalmente ensaiada, e mais suscetível de
realizar esta affordance no futuro (Raab & Boschker, 2002).

Cruzando o conteúdo das entrevistas dos treinadores, percebe-se que


uma das grandes dificuldades que se perfilam na sua atividade é a de
conseguir alternar eficazmente o tipo de esforço que é solicitado aos
jogadores durante a época desportiva. Tal, de modo a conseguir cumprir com
os requisitos de preparação dos jogadores para competirem de acordo com
uma identidade coletiva que requer determinados níveis de desenvolvimento
físico, técnico, bioenergético e psicológico em concreto, sem hipotecar a
necessidade de fazer com que os jogadores recuperarem entre sessões de
treino e jogos. Portanto, os treinadores estão cientes de que ser competente
quanto à periodização do processo, tendo em conta o binómio
treino/competição, é um dos desafios mais efetivos e complexos que a
função de treinador coloca.

Tomando isso em consideração, de seguida tratar-se-á desta temática


específica.

3.2.3. Conformidade entre a periodização do treino para jogar futebol


estabelecida pelos treinadores e a noção de interação sistémica

De acordo com a análise das entrevistas aos treinadores percebe-se


que a época desportiva é dividia em dois grandes períodos que apresentam
ligeiras diferenças em termos de objetivos. O primeiro período é designado
por período preparatório, dura sensivelmente cinco a seis semanas e tem
como principais objetivos definir o modelo de jogo que resulta, como se viu
na categoria anterior, do entrecruzamento dinâmico e complexo de uma
conceção de jogo com a sua operacionalização num determinado contexto
competitivo, tendo em conta as particularidades dos clubes, das competições
e as caraterísticas e autonomia dos jogadores. Durante este período, existe
também a preocupação de dotar os jogadores dos índices de preparação

381
física, técnica, bioenergética e psicológica que permitam aos jogadores no
final deste período estar preparados para jogar noventa minutos.

Em relação ao principal objetivo do período preparatório os treinadores


salientam o seguinte:

Para nós o período preparatório serve fundamentalmente para


preparar a equipa para o primeiro jogo. Obviamente que temos alguns
momentos no período preparatório onde podemos ter algumas situações de
controlo com jogos de treino e daí retirar ilações que nos permitem ver até que
ponto é que as ideias que nós pretendemos ver na equipa já estão de alguma
forma consolidadas. A dimensão estratégica tem um papel mais reduzido neste
período. Neste período nós aproveitamos para trabalhar mais as questões da
própria equipa, mas o principal objetivo é ter a equipa preparada nos diferentes
fatores para o primeiro momento competitivo. (ETSLB18/19, p. 16)

Acima de tudo o período preparatório, para nós, serve para preparar a


equipa para jogar para o campeonato, não é? Acima de tudo é isto. Quando eu
digo preparar, é preparar uma equipa para estar apta no primeiro jogo do
campeonato, para dar uma resposta em função da nossa identidade, ou seja,
daquilo que nós identificamos como os nossos princípios de jogo, e (pausa) que
no fundo, a equipa consiga exprimir dentro do campo tudo aquilo que nós
andámos a treinar durante quatro ou cinco semanas, não é? Portanto,
fundamentalmente é isto. O objetivo é pôr equipa, e quando digo pôr equipa a
jogar como nós queremos, evidentemente diz respeito a uma organização, diz
respeito ao aspeto técnico, ao aspeto tático, ao aspeto psicológico, ao aspeto
físico, no fundo, aos objetivos que dizem respeito a uma filosofia. No fundo, talvez
(pausa) filosofia seja a palavra mais adequada por ser uma palavra mais ampla
que engloba as ideias que o treinador quer ver expressas a partir do primeiro jogo
do campeonato. Portanto, é isto que nos norteia desde o início. (CC, p. 14)

...porque, por exemplo, imaginemos, o primeiro estágio em agosto, significa


que tivemos uma paragem, possivelmente, de 4 ou 5 meses. Então, nessa
paragem de 4 ou 5 meses, nós quando regressamos com as jogadoras, a nossa
grande preocupação é muito tática. (Entrevistador: E o tático são os fatores
interligados, neste caso?) Sim, sim, sem dúvida nenhuma os fatores interligados.
Não dissociamos nada, ou seja, prioridade é a questão tática e tudo o resto
tem que vir como suporte daquilo que é a nossa ideia e o nosso jogo. (FN, p.
13)

382
Já é para preparar a equipa para, normalmente o que é que fazemos no
período preparatório? É o transmitir dos nossos princípios, é o ir construindo
o nosso jogar naquelas cinco semanas, para chegarmos ao primeiro jogo,
preparados para ganhar o jogo. Entendes? E não tem nada de diferente daquilo
que é a última semana. Só que a última semana, os pacotes já são maiores,
provavelmente, o tempo de recuperação, já recuperamos muito mais depressa,
entendes? E, portanto, a diferença é essa, mais nada. (VP, p. 20)

Não obstante os objetivos principais do período preparatório sejam os


de definir o modelo de jogo e preparar os jogadores para um esforço que
dura pelo menos noventa minutos, também é referido por alguns treinadores
que esta fase da época é muito importante para criar empatia com o grupo de
jogadores que vão fazer parte do plantel. Tal pode-se constatar a partir da
transcrição abaixo:

...um aspeto que, para mim, cada vez é mais importante, e eu noto que é
fundamental, que é criar um grupo coeso em termos psicológicos. Em termos de
grupo, um grupo coeso, uma boa relação, uma relação de empatia entre o
treinador e os jogadores, sabendo cada um qual é a sua posição. (VO, p. 21)

Este é um período que em termos de organização e estrutura tenta,


logo desde o início, ter caraterísticas semelhantes às que se vão encontrar
durante o período competitivo. Neste contexto, os jogos particulares de
preparação ocupam o lugar dos jogos oficiais, com o objetivo de servirem
como momento de avaliação da aquisição dos conteúdos do modelo de jogo
que estão a ser introduzidos ao longo desta fase inicial e de verificação do
estado físico dos jogadores com vista a conseguirem jogar pelo menos
noventa minutos.

Estas ideias podem ser constatáveis através das duas transcrições que
se apresentam de seguida:

O período preparatório é igual aos outros, estás a perceber? A única


diferença, a única diferença no período preparatório, é que os pacotes de
intensidade são mais curtos, não é? A concentração, o que é que nós queremos?
Nós queremos pacotes de intensidade qualitativa, não é? Concentração, e vamos
juntando os pacotes. É claro que no início os pacotes são mais pequenos, são
mais reduzidos, e os tempos de recuperação são maiores, mas já é para o nosso
jogar. Entendes? (VP, p. 20)

383
Eles até ficam admirados porque no primeiro treino, no primeiro treino,
chegas lá acima, a primeira coisa que fazes é, pegas nos 10, começas logo a
trabalhar sobre a tua ideia, sobre a tua identidade. (...) O nosso primeiro
treino é igual ao último. E é igual ao do meio. Nós não chegamos à pré-epoca e
damos grandes tareias aos jogadores. Não. Nós começamos logo a trabalhar uma
ideia e uma identidade, que para nós é fundamental, é aquilo que nós mais
gostamos de trabalhar, aquilo que mais nos identificamos. (...) Vamos imaginar,
nós na quarta-feira já metemos aqui, por exemplo, aquela situação em que
metemos 3 balizas, e vamos imaginar que temos uma equipa que vai jogar bloco
médio-baixo e que temos de chegar aos dois corredores com muita facilidade,
circular rápido, buscar os espaços interiores, o ponta de lança, buscar o espaço
exterior, começamos logo a trabalhar com 2 balizas cá, neste caso 2, mais uma 3,
certo? (CP, p. 16 e 17)

Durante o período preparatório e posteriormente durante o período


competitivo, tal como foi sendo sugerido no ponto três do primeiro capítulo do
nosso trabalho, e tal como mencionado anteriormente pelos treinadores, as
sessões de treino são ocupadas maioritariamente com o que se pode
designar por fragmentos táticos preferenciais do jogo, contemplando de
forma indissociável a interação de todos os fatores do rendimento específicos
do modelo de jogo e representativos do jogo de futebol.

Importa dizer que a construção das situações práticas bem como a sua
sequenciação contemplam de forma articulada, simultânea e também
indissociável, para além da complexidade subjacente à porção do modelo de
jogo que é vivenciada, uma dominância bioenergética, um padrão de
contração muscular e a relação entre o esforço específico e o tempo de
prática total a que os jogadores são expostos, de modo a permitir que os
jogadores treinem e recuperem com vista à aquisição de performances
elevadas nos momentos de competição.

Para tentar contornar esta acumulação de fadiga, os treinadores


entrevistados manipulam ajustadamente, tal como foi sugerido na primeira
parte desta dissertação, o intervalo de tempo entre as sessões de treino, os
tempos totais e parciais das tarefas práticas, os tempos de repouso entre
situações práticas e a duração total da sessão. Tudo pensado e controlado
simultaneamente e indissociavelmente salvaguardando a necessidade de os
jogadores terem pelo menos setenta e duas horas para recuperar do esforço

384
de um momento competitivo, tal como sugerido por Dupont e colaboradores
(2010) e Nédélec e colaboradores (2012) e sem esquecer que as próprias
sessões de treino também podem contribuir para a acumulação de fadiga.

Portanto, para os entrevistados é crucial que as frações de tempo entre


jogos, contemplem sessões diárias que se direcionem para o
desenvolvimento concomitante de todas as faculdades biológicas que
permitem aos jogadores interagir em especificidade e resolver os problemas
relacionados com os constrangimentos do jogo, sem hipotecar a necessidade
de recuperação do esforço.

Tendo por base esta lógica indissociável, após a avaliação qualitativa


do processo durante a competição, os treinadores planificam as sessões de
treino, consoante as necessidades circunstanciais (i.e., de forma não-linear),
em função daquilo que se verificou no jogo anterior e aquelas que se
perspetivam vir a ser as exigências do jogo seguinte. Esta ideia é também
defendida por Frade (2013a, 2013b), que sugere que fruto das
circunstâncias, a seleção dos conteúdos para se treinar é altamente dinâmica
e o seu desenvolvimento é caraterizado por frequentes avanços, mas
também retrocessos sem perda de relação com o referencial.

De acordo com os treinadores, suponha-se, a título de exemplo, que


uma determinada equipa tem como especificidade ao nível do momento de
transição defesa-ataque procurar imediatamente a profundidade para
aproveitar o desequilíbrio momentâneo do adversário. Imagine-se que esta
mesma equipa, em caso de não ser possível causar dano na profundidade,
pretende valorizar a posse da bola através de uma abertura posicional e de
uma rápida retirada da bola das zonas de pressão para trás ou para os lados.
Agora, imagine-se também que num determinado jogo se constatou que a
equipa não conseguiu contra-ataques em profundidade e assim criar
situações de golo, os jogadores perderam a bola imensas vezes porque
arriscaram passes para a frente mesmo sem as referências posicionais
necessárias para se conseguir contra-atacar com eficácia, e que os
jogadores, em organização defensiva, não estavam previamente
posicionados para saírem em velocidade com segurança.

385
Neste caso, de acordo com os treinadores entrevistados, sem perder de
vista o que está para trás no processo aquisitivo do modelo de jogo, ou seja,
o que tem vindo a ser treinado, bem como a relação dessa parte com as
demais, uma vez que o modelo de jogo se manifesta como totalidade
inquebrantável, afigura-se pertinente incidir dominantemente numa parte do
modelo de jogo (i.e., na transição defesa-ataque). Ao mesmo tempo, é
importante desenvolver de forma interligada os fatores do rendimento que
possibilitam esses comportamentos, propiciando indissociavelmente a
ocorrência de um determinado padrão de contração muscular e a
manifestação em predominância de um regime bioenergético em concreto.
Tudo isto contemplando simultaneamente a necessidade de recuperar do
esforço despendido no jogo e nas sessões de treino anteriores.

Portanto, tal como foi sugerido ao longo da primeira parte da


dissertação, a programação de conteúdos para um determinado intervalo
entre jogos, pode fazer com que numa sessão de treino o foco, sem esquecer
a dinâmica inquebrantável do jogo, se relacione com uma fase ou momento
de jogo em particular ou que incida mais num setor da equipa do que noutro,
ou até mesmo em algum comportamento individual, sem perder de vista a
lógica do todo.

Importa ainda referir que, tal como foi sugerido no terceiro ponto do
primeiro capítulo da presente pesquisa, e tal como sugerem Frade (2011,
2013a, 2013b), Guilherme (2004), Teoldo e colaboradores (2015), para além
da necessidade de fazer emergir do processo de treino a identidade que
permite aos jogadores exprimirem-se em jogo e lidarem com as exigências
do contexto, é importante não descurar o lado estratégico (i.e., as forças e as
fraquezas do adversário que se vai defrontar).

Perante este cenário, cabe aqui uma chamada de atenção para a


necessidade de o treinador cultivar e desenvolver a capacidade de reflexão
de múltiplos aspetos, de modo a poder continuamente alimentar a arte de
modelar. De facto, tal como sugerido pelos treinadores, dos quais se destaca
Vítor Pereira por ter tocado nesta questão de forma mais expressiva, em
contextos de alto rendimento torna-se difícil ser treinador sem a presença de
um questionamento contínuo sobre o que fazer, como se fazer e o porquê de

386
se fazer, bem como um questionamento acerca da efetividade do que se
treina, porque e para que se treina.

Em relação a este tema, de acordo com alguns autores, entre os quais


Alarcão (2003), Schon (1983, 1987) e Sérgio (2009), refletir é importante
enquanto instrumento que visa um questionamento constante, metódico,
racional e complexo sobre a realidade e que visa a sua compreensão,
validando ou rejeitando teorias e construindo sobre elas, ou a partir delas,
novas teorias, como forma de alcançar patamares superiores do
conhecimento e eficiência.

Assim, de acordo com estes autores, depreende-se que ter capacidade


de reflexão, ajudará a detetar e resolver os problemas que surgem durante o
processo de treino, tornando mais rico e variado o repertório de soluções.
Portanto, é através da reflexão, e nomeadamente da reflexão sobre tudo que
envolve o processo de treino, que os treinadores podem adequar as práticas,
de forma a conseguir alcançar os objetivos a que se propõem.

Em relação à alternância do padrão de solicitações e de organização


das sessões durante o período preparatório e competitivo os treinadores
sugerem o seguinte:

A dimensão tática e psicológica acaba por estar sempre presente uma vez
que trabalhamos fundamentalmente em especificidade e tentamos recriar no treino
os problemas momentâneos que o próprio jogo encerra. A dimensão física
também, como referi anteriormente, a importância de articular o microciclo pela
natureza das contrações musculares e no respeito pela recuperação dos
jogadores. Assim no dia -4 temos sessões de treino onde os comportamentos
dos jogadores evidenciam um número elevado de esforços em potência, no -
3 em resistência, -2 velocidade, -1 regeneração, sempre numa relação
estreita com a dimensão tática, estratégica e psicológica. (ETSLB18/19, p. 19)

A primeira semana é igual à última semana do período competitivo. A


única diferença é que o jogo que temos ali, é um jogo de preparação para
continuarmos a aferir única e exclusivamente mais os nossos comportamentos
coletivos e a que distância estamos desses comportamentos que queremos
trabalhar, que queremos que a equipa tenha, e seguindo reforçando em termos
daquilo que são as semanas seguintes, ou o tempo que temos ainda até ao
primeiro jogo oficial. No fundo é só isso. Por exemplo, no dia menos cinco, vamos

387
supor que eu tenho uma sessão dupla no menos cinco. O menos cinco, o que eu
tenho dominante, obviamente, são os nossos comportamentos coletivos, aquilo
que nós queremos que a equipa tenha como comportamentos. Pode ser, como há
pouco disse, a ligação da organização ofensiva com a transição defensiva, ou a
organização defensiva, ligação com a transição ofensiva, ou deixar o ciclo
dinâmico no todo, que aí, obviamente, tem um pouco mais de complexidade, mas
também o fazemos, mas eu posso ter uma dupla sessão, como lhe dizia aí. Então,
quer dizer que o treino da manhã, o regime é de duração um, à tarde também é de
duração um. Ou seja, naquele dia, eu só vou trabalhar o mesmo regime, apesar
de poder ter dominantes de treino diferenciado. Vamos supor que na quarta-feira
eu também tenho bidiário, então aí, menos quatro, eu vou ter tensão de manhã e
tensão à tarde, ou seja, o regime não muda, o que pode mudar, sim, é a
dominante e os conteúdos práticos. O menos três seria duração, em termos de
regime e os espaços mais alargados só. O menos dois seria velocidade, e no
menos um, tempo de reação, em termos de regime. (PC, p. 19)

Normalmente às 48 horas, o segundo dia após o jogo será sempre um


treino de recuperação, ou seja, estamos a falar jogando de domingo a domingo,
porque houve momentos em que fiz folga no dia a seguir ao jogo, e houve
momentos em que fiz dois dias depois, ou seja, treinava na segunda e
descansava depois na terça-feira. Depois, normalmente, à quarta-feira, se
jogasse domingo, e folgasse segunda, por exemplo, na terça o treino seria
um treino diferenciado para quem jogou mais, ou para quem não jogou tanto,
e depois a quarta feira já o grupo todo. A questão, depois, agora, que se pensa
um bocadinho mais, (...), quando havia, por exemplo, treino à segunda e descanso
à terça, dependeria muito, depois, de quando é que fosse o outro jogo, mas, às
vezes, à quarta, virem da folga e terem um treino muito intenso, poderia, às vezes,
não ser o ideal, não é? Mas a ideia, normalmente, é respeitar 48 horas de
recuperação, e depois, na quarta feira, começar a preparar, digamos assim, o jogo
seguinte. E se fosse numa questão de pré-época, não mudaria por isso. (PB, p.
28)

Pronto, então imagine que tenho 1 jogo por semana. Domingo, jogo.
Segunda feira, descanso, não é que eu ache que seja sempre o melhor, mas
dominantemente, é assim que eu faço. Vivemos em Portugal, cultural e
emocionalmente os jogadores sentem-se mais confortáveis e sabemos que isso
tem um peso importante também, no treino, no jogo, no desempenho de cada um
dos jogadores e das equipas. Na 3ª feira, ainda estão em recuperação, logo,
situações que a estimulem. Na 4ª feira, força específica (tensão). Na 5ª feira,
resistência específica (duração). Espaços e períodos mais largos. Na 6ª feira,
velocidade especifica. Sábado, recuperação ativa e preparação da competição. A

388
dinâmica é esta, em termos de dominância, mas sempre flexível, ajustável.
(IV, p. 21)

É assim, em termos metodológicos, sabes que eu que tive a minha


formação ligada à periodização tática. Portanto, nós no primeiro dia após jogo,
normalmente é recuperação, é o dia de folga. Dia de folga, porquê? Porque eu
acho que, eu próprio, eu próprio depois de um jogo, estou completamente
desgastado preciso, fundamentalmente, de recuperar aqui, de recuperar o meu
sistema nervoso central, estás a perceber? Recuperar a fadiga central, mesmo o
corpo, eu sinto-me cansado, porque eu vivo o jogo como vivo, oh pá, e então, eu
já experimentei, no início de carreira, treinava no dia a seguir, sinceramente, eu ia
completamente…, e às vezes, quando tenho jogo a meio da semana, tenho de
treinar, e acho que não, prefiro recuperar, recuperar totalmente, eles vão para as
famílias e ficam em casa e estão com a família. Depois no segundo dia fazemos
uma recuperação ativa, e depois, lá está, no terceiro dia, no terceiro dia, é os
espaços para trabalharmos não o macro, mas o micro, não é? No terceiro dia que
é o dia da tensão, oh pá… setorial, intersectorial, setorial…, eu quando falo em
setorial, não é só… não é só setorial à largura, é também setorial à profundidade,
que eu, para mim, por exemplo, o lateral esquerdo, o central desse lado, o ala
desse lado e o médio desse lado, estabelecem… estabelecem, mais o ponta de
lança, estabelecem ligações associativas diferentes do outro lado, portanto, isso,
para mim, também é setorial, também é um trabalho setorial, podem chamar
grupal, podem chamar o que quiserem. Pronto, mas o que eu te quero dizer é que,
no dia da tensão que é o terceiro dia, normalmente, num morfociclo normal, os
espaços são mais reduzidos, para promover a tensão, não é? Para promover a
tensão, mas para trabalhar taticamente. Trabalhamos muito taticamente nesse dia,
isolamos subprincípios também, que são importantes, sub subprincípios, não é?
Aqueles coisas mais pequenas e depois, sou capaz de acabar com o jogo, em
espaço reduzido, mas em estrutura. Porque é assim, porque eu acho que só o
quarto dia, o trabalhar em estrutura só no quarto dia não…, às vezes, não é
suficiente, estás a perceber? Eu, às vezes, tenho necessidade, trabalhamos na
mesma em espaços mais reduzidos, mas tenho necessidade, já, de trabalhar
estruturalmente no dia da tensão. No quarto dia, portanto, que seja à quinta feira,
trabalhamos mais macro, aquilo que é macro, não é? Portanto, depois, aquilo que
é normal, depois à sexta feira, no dia da velocidade, voltamos outra vez a espaços
mais reduzidos, não tão reduzidos como o dia da tensão, mas mais reduzidos, a
promover ações rápidas, decisão rápida, deslocamentos rápidos, e pronto, e
depois é o dia anterior ao jogo, o dia da reação. Entretanto, a introdução daquilo
que é estratégico, escolho um exercício. Imagina, uma equipa que é muito
compacta, que é agressiva num corredor e nos liberta o lado contrário, eu crio
exercícios que nos promovam e que nos permitam sair daquela pressão e variar

389
no lado contrário. Uma equipa que nos pressiona alta, o que é que nós fazemos?
Fazemos o estudo, a análise dos espaços que vamos encontrar, e os espaços que
eles gostam de explorar. Pronto, mas é o lado estratégico segundo o nosso jogar.
(...). Bolas paradas, normalmente, dois dias de bolas paradas. Imagina que
jogamos ao domingo, trabalhamos sexta e sábado de bolas paradas. As
defensivas primeiro e, normalmente, no dia anterior, as ofensivas. Pronto, e é
assim que é o nosso operacionalizar. (VP, p.19 e 20)

Afigura-se pertinente salientar que ao longo da análise das entrevistas


aos treinadores, ficou claro que os entrevistados Bruno Lage, Carlos
Carvalhal, Ilídio Vale, Francisco Neto e Vítor Pereira, manifestam um discurso
ao nível da periodização do treino que permite identificar fortes pontos de
contacto com o morfociclo-padrão apresentado pela Periodização Tática de
Vítor Frade, como se pode ver através das transcrições seguintes:

Por exemplo hoje vamos treinar, imagina jogo de domingo a domingo,


vamos treinar na quarta-feira, nós queremos melhorar isto, mas a matriz vai ser
esta, neste dia, portanto utilizamos espaços mais reduzidos com menor número de
jogadores, em termos temporais muito tempo. Na quinta-feira vamos abrir mais
espaços. Na sexta-feira vamos trabalhar em situações com caraterísticas
completamente diferentes. Os estímulos são diferentes também. Isso nós temos
sempre presente, mas mais importante para nós não é isto, o mais importante
para nós é a melhoria do jogo e, depois de pensarmos na melhoria do jogo naquilo
que temos que melhorar, ajustamos à matriz e ajustamos os exercícios ao dia em
que se está a trabalhar. Entrevistador (Álvaro) – Falou na questão da
Periodização Tática subentendo que seja a PT construída pelo professor
Vítor Frade, certo? Entrevistado (Carlos Carvalhal) – Sim, é única, para mim é
única. (CC, p. 17)

Claro que nós depois temos para cada momento, se é velocidade, eu estou-
te a mostrar isto porque se calhar é mais fácil porque é o que eu passei também
aos meus treinadores que é para eles, na estruturação do morfociclo deles (...).
Pronto, e em função disso, onde é que têm que entrar e que tipo de caraterísticas
é que o exercício pode ter em função disso. Pronto, eu estava-te a dizer estas
coisas, é muito aqui. A Marisa é que coordena muito isso. Normalmente eu
crio o exercício e digo-lhe o que é que quero trabalhar, e ela depois vai-me
ajustando isto, porque ela é muito forte nesta matéria com a ligação que ela
teve ao professor Vítor Frade. (FN, p. 15)

390
A nossa referência é sempre o jogo, depois fazemos do jogo para trás. Ou
seja, no dia antes do jogo é uma coisa, 2 dias é outra coisa, menos 3 é outra
coisa, menos 4 é outra coisa. E depois, se tens para um jogo, imagina se tens só 2
dias de intervalo porque vais jogar aqui depois vais para a Algarve Cup, jogas
passados dois dias, ou seja, é sempre o mesmo morfociclo, é igual porque é a
referência… passa a ser a referência o jogo seguinte e tu ajustas em função disso.
(FN, p. 14 e 15)

(Entrevistador: É o morfociclo, não é?). Claro. Mas isso é aquilo que eu


te tenho dito, não é? Os exercícios são sempre para um determinado jogar, não é,
e depois, é em função dos dias nós vamos, é claro que um exercício direcionado
para tensão, é diferente de um exercício direcionado para duração, mas isso é a
minha experiência, a nossa experiência, pronto. São os factos. (VP, p. 24)

No geral, importa referir que com a análise das entrevistas se percebe


um discurso consentâneo com a ideia de que maioritariamente aquilo que é
feito em treino, atendendo à complexidade do modelo de jogo que se quer
treinar, bem como ao padrão de contração muscular que se pretende
estimular e ao sistema bioenergético em que se procura incidir, sem
hipotecar a necessidade dos jogadores recuperarem da fadiga acumulada,
tem que ser pensado de forma articulada, simultânea e indissociável (i.e., em
interação sistémica).

Porém, aparentemente, também existem algumas diferenças entre os


treinadores entrevistados, fundamentalmente: no dia que reservam para a
folga dos jogadores; no modo como a alternância dos contextos de prática é
realizada; na inclusão ou não de treinos bidiários em alguns dias da semana
de treino.

Mais especificamente, dependendo da semana de treinos com jogo


domingo a domingo, para alguns treinadores, o dia de folga poderá ser no dia
imediatamente ao jogo e para outros será no segundo dia depois do jogo.

Para alguns treinadores poderá haver lugar a duas sessões de treino,


que podem ser quarta-feira e quinta-feira, ou quinta-feira e sexta feira, com
caraterísticas idênticas ao nível do tipo de contração muscular solicitada e de
predominância de um sistema bioenergético. Já outros treinadores não
contemplam dois dias seguidos com caraterísticas idênticas ao nível do tipo

391
de contração muscular solicitada e da predominância de um sistema
bioenergético em concreto.

Também é possível identificar dissemelhanças ao nível da inclusão de


duas sessões de treino no mesmo dia, em alguns dias, durante o período
preparatório e primeira parte do período competitivo. Alguns dos treinadores
que invocam essa necessidade, optam por criar duas sessões no mesmo dia
que apresentam tarefas (trabalhando em interação sistémica uma porção do
modelo de jogo e incidindo num padrão de contração muscular em concreto e
num sistema bioenergético específico) com as mesmas caraterísticas, sendo
que o volume total de prática que seria contemplado numa única sessão, é
dividido em duas (e.g., ao invés de realizar uma sessão de noventa minutos,
fazem-se duas sessões de quarenta e cinco minutos, uma de manhã e outra
de tarde), para com isso dar a oportunidade dos jogadores recuperarem,
entre as duas sessões, os índices de fadiga acumulada.

Outros treinadores entrevistados, que também optam por realizar duas


sessões de treino num determinado dia, durante o período preparatório e a
primeira parte do período competitivo, criam tarefas para a sessão da manhã
que diferem das da sessão da tarde. Assim, em algumas ocasiões, as tarefas
propostas na parte da manhã podem ser mais direcionadas para que
aconteça o padrão de contração muscular que querem fazer prevalecer
naquele dia em específico, obedecendo predominantemente a um sistema
bioenergético em concreto sem grande preocupação com a porção do
modelo de jogo. Já na sessão da tarde, para além das preocupações com o
padrão de contração muscular e a predominância de um sistema
bioenergético, acrescentam a porção do modelo de jogo que pretendem
treinar, treinando tudo em interação sistémica.

De forma global, a eleição do dia de folga, o modo como a alternância


dos contextos de prática é realizada e a inclusão ou não de treinos bidiários,
parecem depender das experiências dos treinadores e das influências
teóricas que vão sofrendo. Tal não parece ser um processo 100% linear, ou
seja, os contextos onde estão inseridos, por vezes com caraterísticas
diferentes, e as reflexões que vão fazendo, podem também influenciar o
modo como gerem este processo.

392
4. Em síntese

Não obstante a caraterização dos percursos profissionais dos


treinadores não ser o objeto de estudo desta investigação, na primeira parte
deste capítulo ela foi feita em virtude das necessidades metodológicas assim
o sugerirem, de forma a melhor garantir a transferibilidade dos resultados
obtidos. Embora posteriormente não se tenha feito a discussão e o
cruzamento destas informações, importa realçar, em forma de síntese, que
com a análise das entrevistas individuais ficou a perceber-se que os
percursos dos treinadores até chegarem ao sucesso no futebol profissional
de alto rendimento, foram diferentes. Tal facto, evidencia que existe uma
grande diversidade de trajetórias e por isso não parece existir um só caminho
para o sucesso.

Ainda em relação aos percursos profissionais, com a primeira análise


percebeu-se também que existem alguns pontos de contacto entre os
treinadores ao nível das influências e das motivações para optarem pela
profissão de treinador. Alguns treinadores falam, essencialmente, sobre a
influência dos pais que já tinham tido carreiras como treinadores, por
exemplo os pais de Bruno Lage e Francisco Neto. Os treinadores Carlos
Carvalhal, Carlos Pinto, José Peseiro, Vítor Pereira e Paulo Bento salientam
o facto de terem feito carreira como jogadores como um dos principais fatores
para terem optado pela profissão de treinador. Por último, Pedro Caixinha
salienta que foi a passagem pela faculdade que lhe criou o gosto pelo treino.
No entanto, um dado inquestionável, é que todos salientam que o facto de
serem apaixonados pelo jogo e pelo treino desde sempre, é o grande motivo
para terem começado a desenvolver competências para abraçar a carreira de
treinador.

Através da análise inicial, também é possível identificar que os anos de


prática diversificada enquanto jogadores e treinadores adjuntos que alguns
dos agora treinadores principais foram vivenciando, têm sido uma ajuda
importante em relação à forma como exercem a sua liderança, reconhecendo
que o facto de já terem estado como jogadores ou numa posição secundária
como treinadores adjuntos em diversos contextos, lhes permite hoje saber

393
melhor como agir. Porém, para além da importância reconhecida pelos
treinadores à sua formação prática é também enaltecida a importância da
formação teórica que foram tendo, uns durante os cursos de treinadores,
outros durante os anos em que frequentaram os ciclos de estudos
conducentes a licenciaturas e mestrados, nas faculdades, que lhes permite,
segundo eles, terem hoje conhecimentos muito mais profundos e
abrangentes.

Importa salientar que, quer a experiência prática, quer a formação


teórica, são por eles enaltecidas, porquanto lhes possibilitam, na atualidade,
uma capacidade maior de questionar as suas práticas de modo a
conseguirem estabelecer uma relação teoria-prática e assim construírem,
através da reflexão, novos saberes. Depreende-se das entrevistas efetuadas
que o ato reflexivo é condição necessária e inseparável, embora não
suficiente, no exercício da atividade de treinador e que ser treinador é,
necessariamente, ser treinador reflexivo.

De acordo com o cruzamento das entrevistas aos treinadores percebe-


se que a época desportiva é dividia em dois grandes períodos que
apresentam ligeiras diferenças em termos de objetivos. O período
preparatório tem como principal objetivo criar o modelo de jogo, que resulta
do entrecruzamento dinâmico de uma conceção de jogo com a sua
operacionalização num determinado contexto competitivo, e desenvolver a
capacidade dos jogadores estarem preparados para jogar noventa minutos.
Já o período competitivo tem como objetivo fazer evoluir o modelo de jogo
aperfeiçoando os princípios que o compõe e introduzindo as nuances
necessárias em função das circunstâncias, e manter e/ou melhorar a
capacidade para os jogadores jogarem durante os noventa minutos.

Durante os períodos preparatório e competitivo e nas sessões de treino


disponíveis entre jogos, as tarefas práticas essenciais são “fragmentos táticos
preferenciais”, que manifestam de forma articulada a interação de todos os
fatores do rendimento específicos e representativos do modelo de jogo. A
construção e sequenciação das tarefas práticas durante as sessões de treino
contemplam, simultaneamente, de forma articulada e indissociável, a
complexidade dos contextos de prática subjacente aos princípios do modelo

394
de jogo, à dominância de um regime bioenergético, ao padrão de contração
muscular e à relação entre o esforço específico e o tempo de prática total a
que os jogadores são expostos, de modo a permitir que estes treinem e
recuperem para a competição.

Para serem bem-sucedidos os treinadores entrevistados manipulam o


intervalo de tempo entre as sessões de treino, os tempos totais e parciais das
tarefas práticas, os tempos de repouso entre situações práticas e a duração
total da sessão.

Importa também salientar que os treinadores evidenciam a necessidade


de, por vezes, criar exercícios mais analíticos e com um grau de
representatividade inferior, tendo em vista dar resposta ao desenvolvimento
de um padrão de contração muscular e a um regime bioenergético específico.

Em semanas que têm mais do que um jogo, segundo os treinadores é


necessário recorrer a instrumentos pedagógicos auxiliares, como por
exemplo vídeos e imagens, na medida em que como os jogadores se
encontram em processo de recuperação fisiológica não se pode treinar
recorrendo a desempenhos práticos.

Com a análise individual e o posterior cruzamento das perspetivas dos


treinadores, as dúvidas que eu formulei durante os anos noventa, em que
corria à volta do campo (enquanto outros jogadores corriam dentro do campo
em função das interações com os colegas, do espaço e do objeto de jogo)
sem perceber a sua lógica se a intenção do jogo é correr para aperfeiçoar
interações dentro do campo, ficam agora decididamente dissipadas. De facto,
a menos que seja numa perspetiva complementar, não parece fazer grande
sentido que se utilizem como principal vetor de periodização os diferentes
fatores de rendimento de forma separada.

395
396
Capítulo IV – Considerações finais



1. Inferências retiradas a partir da presente investigação

A presente dissertação teve origem em inquietações e dúvidas acerca


da periodização do treino, que se multiplicaram ao longo de uma vida ligada
ao futebol. As reflexões realizadas, tendo por base evidências da prática e a
literatura da especialidade, propiciaram a construção de um enquadramento
reflexivo que figura na primeira parte deste trabalho. Tal enquadramento foi
consumado com a intenção de explicitar perspetivas e propostas que
resultam de indagações e práticas que têm vindo a ser apuradas nos últimos
anos, contudo ainda não caucionadas do ponto de vista científico.

Face à complexidade do tema, e à necessidade de o contextualizar,


também relativamente a quem com ele lida quotidianamente, entendeu-se
que a reflexão deveria ser alargada a treinadores de reconhecido mérito.
Assim, decidiu-se proceder à indagação acerca das perspetivas de
treinadores de referência, conteúdo este que se apresenta na segunda parte
da dissertação. Na sequência de revisão da literatura da especialidade e do
processo exploratório, resultaram algumas inferências que a seguir se
apresentam.

Recorde-se que um dos objetivos do presente trabalho consiste em


sistematizar conceções, conceitos e abordagens pedagógicas
contemporâneas referidas na literatura. Neste âmbito, promoveu-se a
reflexão acerca de conceções que têm vindo a influenciar o treino do futebol,
mais concretamente a proposta clássica de Matvéiev, o Treino Estruturado
criado por Seirul-lo Vargas e a Periodização Tática formulada por Vítor Frade.

Ainda no domínio deste objetivo perfilaram-se e sistematizaram-se,


também, os conceitos: a) de plano de jogo, que se refere à seleção de um
conjunto complexo de operações lógicas interligadas, que proporcionam uma
organização dinâmica à equipa numa dada competição com a finalidade de
atingir os objetivos; b) de tática, que significa o conjunto de intervenções
individuais e coletivas imediatas e prementes para cada instante do jogo que
influenciam a emergência de novas configurações dinâmicas subsequentes,
em resultado da interação sistémica dos jogadores, no sentido de reunir
constantemente condições favoráveis à concretização dos objetivos

399
ambicionados; c) de estratégia, entendida como a adaptação circunstancial
da equipa a pormenores que os oponentes evidenciam; d) de periodização,
que, em sentido restrito, representa o ato de dividir cronológica e
metodologicamente o tempo de treino em períodos, cuja extensão é variável -
porém, é conveniente que o conceito referido seja entendido à luz do
pensamento sistémico, ou seja, em interação heterárquica com os conceitos
de planificação e programação; e) de planificação, que expressa o ato de
descrever e organizar antecipadamente as condições de treino, de selecionar
os meios e métodos operacionais a aplicar e de definir os objetivos a atingir;
f) de programação, que significa a projeção, conceção e coordenação dos
conteúdos temáticos de jogo; g) de especificidade, que diz respeito ao modo
concreto como determinada equipa pretende jogar; h) de representatividade,
que diz respeito às caraterísticas do jogo de futebol em abstrato; i) de
intensidade, que se relaciona com a especificidade tática que se quer ver
expressa em virtude da interação sistémica de todos os fatores de
rendimento e não apenas da vertente físico-condicional que significava,
apenas, um alto grau de velocidade de execução; j) o de volume, que diz
respeito ao somatório dos tempos parciais de prática e, por fim, k) o conceito
de “fragmentos táticos preferenciais”, enquanto nomenclatura que carateriza
as tarefas práticas de treino.

Ainda no domínio do primeiro objetivo identificou-se a abordagem


pedagógica contemporânea denominada de não-linear como uma das
principais ferramentas pedagógicas que os treinadores utilizam com a
finalidade de promover, durante as tarefas práticas, decisões que se podem
explicar segundo a perspetiva ecossistémica da tomada de decisão.

Outro dos objetivos passa por perceber, no contexto das caraterísticas


do futebol atual, qual o posicionamento dos treinadores quanto à natureza e à
congruência das decisões dos jogadores, tendo em conta princípios de
interação coletiva que, no seu conjunto e nas suas relações, dão corpo a um
modelo de jogo específico.

Neste âmbito inferiu-se que os treinadores procuram, desde o início da


época desportiva, criar princípios que na sua globalidade constituem um
modelo de jogo.

400
Esses princípios tentam funcionar como um fluxo constante de
informação específica de um determinado modo de jogar, que procura
facilitar o aparecimento de tomadas de decisão e interações táticas coletivas
eficazes. Os princípios do modelo de jogo que as suas equipas apresentam
são a face visível de um processo resultante do entrecruzamento dinâmico e
complexo de uma intencionalidade determinada a priori (i.e., a conceção de
jogo de cada treinador), com a sua operacionalização num determinado
contexto competitivo, considerando as caraterísticas específicas dos clubes,
das competições e dos jogadores, bem como a autonomia destes e, em
maior ou menor percentagem, as particularidades dos adversários.

Um outro objetivo da presente investigação passa por perceber que


importância os treinadores conferem ao modelo de jogo e ao fator tático-
estratégico, enquanto dimensões estruturantes do treino e do jogo. Concluiu-
se que o tempo que os treinadores dedicam à prática tem como principal
objetivo aperfeiçoar as tomadas de decisão tático-estratégicas em interação
com os restantes fatores do rendimento. Ou seja, existem ajustes nas táticas
específicas de cada equipa em função das caraterísticas dos adversários,
tendo em vista aproveitar as insuficiências que estes podem apresentar e
evitar que tenham êxito ao colocarem em prática as potencialidades
conhecidas.

Um quarto objetivo do estudo visa identificar os principais critérios que


os treinadores têm em conta na elaboração dos contextos práticos de treino.
Neste particular, foi possível constatar que, no sentido de viabilizar a maior
transferência possível das aquisições operadas no treino para o contexto
competitivo, as principais tarefas propostas estabelecem pontos de contacto
com a perspetiva ecossistémica da tomada de decisão e a pedagogia não-
linear.

Estas tarefas práticas podem ser designadas de “fragmentos táticos


preferenciais”. Isto, porque se relacionam diretamente com os diferentes
graus de complexidade das tomadas de decisão tática (fatores de rendimento
em interação sistémica) específica e a representatividade do jogo (a
imprevisibilidade, a reversibilidade, a aleatoriedade, a interação de
comportamentos em cooperação e oposição), e porque através da

401
manipulação dos constrangimentos, propiciam, em função dos conteúdos
previamente selecionados, a emergência de comportamentos preferenciais –
que se desejam aprimorar ou desenvolver em determinados momentos.

Tais “fragmentos táticos preferenciais” podem variar quanto aos níveis


de complexidade referentes à especificidade e representatividade do jogo e,
ao mesmo tempo que procuram aperfeiçoar as competências ao nível da
tomada de decisão, também respondem a um determinado padrão de
contração muscular e a um regime bioenergético em predominância.

Alguns treinadores evidenciam também a necessidade de


complementar a sessão de treino criando exercícios mais analíticos e com
menor grau de representatividade. Tal, tem como objetivo dar resposta ao
desenvolvimento de um padrão de contração muscular e de um regime
bioenergético em concreto.

Estes exercícios complementares podem surgir nas sessões de treino


porque os treinadores acreditam que fazer este tipo de exercícios pode ser
benéfico para a melhoria do desempenho dos jogadores. Também podem ser
incluídos dado que nas tarefas principais é difícil articular todas os fatores do
rendimento em simultâneo. Podem ainda surgir em virtude de circunstâncias
emergentes durante a operacionalização das tarefas principais que possam
impedir a sua eficácia a todos os níveis. Por fim, a sua inclusão na sessão de
treino pode surgir porque existem jogadores que sentem necessidade de ter
um treino mais direcionado para o trabalho de um padrão de contração
muscular em concreto.

Verifica-se ainda que a maioria dos treinadores salienta a necessidade


de recurso a instrumentos pedagógicos auxiliares (vídeos e imagens),
quando os jogadores se encontram em processo de recuperação fisiológica,
não sendo aconselhável treinar recorrendo a desempenhos práticos.

O quinto objetivo da investigação consiste em identificar as perspetivas


dos treinadores quanto às principais caraterísticas dos processos de
periodização que operacionalizam nas suas práticas. Constatou-se que a
principal caraterística se prende com o facto de, durante os períodos
preparatório e competitivo e nas sessões de treino disponíveis, as tarefas

402
práticas contemplarem de forma articulada, simultânea e indissociável (i.e.,
em interação sistémica), a complexidade dos contextos de prática subjacente
à porção do modelo de jogo que é vivenciada, à dominância de um sistema
bioenergético, ao padrão de contração muscular e à relação entre o esforço
específico e o tempo de prática total a que os jogadores são expostos.

Estas quatro dimensões são articulas de modo sistémico permitindo que


os jogadores e as equipas treinem e recuperem, com vista à aquisição de
performances elevadas nos momentos de competição. Para interligar estas
dimensões na mesma tarefa e sequenciá-las nas sessões de treino, os
treinadores manipulam ajustadamente o intervalo de tempo entre as sessões
de treino, os tempos totais e parciais das tarefas práticas, os tempos de
repouso entre situações práticas e a duração total da sessão.

De modo a mitigar a acumulação de fadiga, os treinadores entrevistados


referem que salvaguardam a necessidade de os jogadores terem pelo menos
setenta e duas horas para recuperar do esforço de uma competição e têm em
conta que as próprias sessões de treino também podem contribuir para a
acumulação de fadiga.

Todavia, também existem diferenças entre os treinadores entrevistados,


sendo estas essencialmente relativas ao dia que reservam para a folga dos
jogadores, ao modo como se realiza a alternância dos contextos de prática e
à inclusão ou não de treinos bidiários em determinados dias da semana.

De facto, dependendo da semana de treinos com jogo domingo a


domingo, alguns treinadores contemplam a folga no dia seguinte ao jogo e
outros no segundo dia depois do jogo.

Para alguns treinadores, poderão existir duas sessões de treino, em


dias seguidos, com caraterísticas semelhantes no que diz respeito ao tipo de
contração muscular solicitada e à predominância de um sistema
bioenergético. Outros treinadores não contemplam dois dias seguidos de
treinos com caraterísticas idênticas quanto ao tipo de contração muscular
solicitada e à predominância de um sistema bioenergético em concreto.

Também é possível identificar diferenças no modo como a inclusão de


duas sessões de treino num determinado dia da semana, durante o período

403
preparatório e a primeira parte do período competitivo é realizada. Alguns
treinadores criam duas sessões no mesmo dia, incluindo tarefas com os
fatores de rendimento em interação sistémica. Neste contexto o volume total
de prática que seria contemplado numa única sessão é dividido em duas no
mesmo dia, para com isso dar a oportunidade dos jogadores recuperarem da
fadiga acumulada.

Já outros treinadores entrevistados, criam tarefas para a sessão da


manhã que diferem das da sessão da tarde. As tarefas propostas na parte da
manhã são mais direcionadas para que ocorra o padrão de contração
muscular que pretendem fazer prevalecer naquele dia em concreto,
obedecendo predominantemente a um sistema bioenergético, sem grande
preocupação com os princípios do modelo de jogo. Na sessão da tarde
acrescem em relação à sessão da manhã, as preocupações com a porção do
modelo de jogo que pretendem treinar, treinando todos os fatores em
interação sistémica.

Finalmente, o sexto e último objetivo passa por cotejar as perspetivas


dos treinadores quanto às suas práticas de periodização, em relação a
conceções, conceitos e argumentos expressos na literatura da especialidade.
Concluiu-se que os treinadores construíram as suas próprias conceções de
periodização tendo por base referências teóricas que foram adaptando, em
função das suas próprias reflexões, tendo em conta a evolução do futebol e
os constrangimentos particulares dos contextos em que a sua atividade foi
desenvolvida.

No contexto deste objetivo inferiu-se também, através da análise das


entrevistas, que os treinadores, em maior ou menor escala, apresentam
perspetivas ao nível da periodização do treino que permitem identificar
pontos de contacto com as conceções desenvolvidas por Vítor Frade e
Seirul-lo Vargas. Emergem ainda das suas perspetivas os conceitos de
especificidade e de representatividade. Por fim, verifica-se uma aproximação
à pedagogia não-linear e à perspetiva ecossistémica da tomada de decisão.

404
2. Contributos da investigação

Com a presente investigação, espera-se ter contribuído para a


sistematização de um corpo de conhecimentos relativos a particularidades e
nexos do processo de periodização do treino no futebol, de modo a que seja
suscetível de induzir e promover o desenvolvimento de desempenhos de
excelência. Adicionalmente, julga-se ter ajudado a colocar o tema da
periodização do treino do futebol na agenda do debate científico, convocando
e relacionando ideias que secundam o processo, tendo em conta as
respetivas especificidades.

Admite-se que o mais expressivo contributo da presente dissertação se


prende com o facto de se poder concluir que, independentemente dos
diferentes percursos e das perspetivas dos treinadores entrevistados, se
constata uma clara convergência quanto a algumas ideias e práticas.
Nomeadamente, no que respeita à imprescindibilidade de, durante os
períodos preparatório e competitivo, as sessões de treino contemplarem, de
forma articulada, simultânea e indissociável (i.e., em interação sistémica), a
complexidade dos contextos de prática, dando corpo ao denominado modelo
de jogo. Neste particular, as frações do modelo de jogo vivenciadas, deverão
estar devidamente enquadradas quanto à dominância de um sistema
bioenergético, ao padrão de contração muscular e à relação entre o esforço
específico e o tempo de prática total a que os jogadores são expostos. Estas
quatro dimensões são articuladas de modo sistémico, permitindo assim que
os jogadores treinem e recuperem, com vista à expressão de performances
elevadas nos momentos de competição. Para interligar estas dimensões na
mesma tarefa e sessão de treino, os treinadores manifestam a preocupação
de manipular ajustadamente o intervalo de tempo entre as sessões de treino,
os tempos totais e parciais das tarefas práticas, os tempos de repouso entre
situações práticas e a duração total da sessão.

3. Limitações da investigação

Como qualquer investigação, também esta não está isenta de


limitações. Assim, pode constituir uma limitação da investigação o facto de

405
terem sido selecionados apenas treinadores portugueses. Todavia, importa
dizer que esse foi um aspeto que mereceu reflexão. Repare-se que, face à
complexidade dos conceitos utilizados no âmbito da periodização do treino, e
ao tratar-se de uma entrevista aberta, a questão do idioma iria decerto
colocar constrangimentos ao nível da tradução, podendo perder-se muita da
substância das ideias expressas pelos treinadores.

Adicionalmente, poderá, eventualmente, estabelecer uma limitação da


investigação o facto de alguns assuntos, nomeadamente a gestão da
condição física dos jogadores, ter sido pouco aprofundada. Para tal, justificar-
se-ia colocar outras questões durante a realização das entrevistas. Todavia,
face ao mediatismo dos participantes, na nossa condição de
entrevistador/investigador sentimos algum receio/desconforto em colocar
novas questões que não constavam no guião que lhes tinha sido previamente
apresentado. Assim, receámos que a colocação de novas questões,
principalmente relativas a um assunto tão sensível, pudesse passar a ideia
de que os treinadores estavam a ser avaliados. Importa realçar, no entanto,
que os participantes foram manifestando total disponibilidade para colaborar
com a investigação, sem restrições, o que remete para o facto de a limitação
ter sido mais nossa, na qualidade de entrevistador, do que deles, na condição
de entrevistados.

Por fim, importa relembrar que, porventura, poderá ser considerada uma
limitação da investigação o facto de a revisão da literatura acerca da
Periodização Tática criada pelo professor Vítor Frade, ser maioritariamente
suportada por documentos escritos por terceiros ou por entrevistas
concedidas pelo autor. Ora, uma vez que os documentos públicos utilizados
são fruto da interpretação que cada um dos entrevistadores fez das palavras
proferidas pelo criador desta conceção de treino, pode dar-se o caso de
haver informação que não seja totalmente fidedigna. No entanto, para reduzir
ao máximo esta limitação, e para dar credibilidade (trustworthiness) à revisão,
selecionaram-se e triangularam-se as informações das fontes bibliográficas
que aquando da sua elaboração tiveram a supervisão (member checking)
direta do professor Vítor Frade (quer na elaboração de livros; quer nas
entrevistas concedidas, através da correção por parte do autor da

406
Periodização Tática das transcrições elaboradas pelos entrevistadores). Tal
permitiu-nos validar as informações sobre esta conceção de treino não
apenas através da verificação de congruência entre os documentos
utilizados, mas também da confirmação da existência de conformidade entre
o que fomos lendo e o que tinha aprendido durante os anos em que fui aluno
do professor Vítor Frade e os anos em que fui treinado pelo professor José
Guilherme (treinador que durante a carreira nos diferentes contextos, tem
estabelecido uma grande proximidade à conceção de treino Periodização
Tática).

4. Sugestões para futuras investigações

Tendo em conta as exigências crescentes da competição e do treino no


âmbito do futebol, impõe-se que as conceções e práticas de periodização do
treino continuem a acompanhar a evolução do conhecimento. Admite-se que
no futebol de alto rendimento não há mais lugar para falta de conhecimento
específico da área, uma vez que este tem vindo a ser produzido no contexto
académico.

Assim, sugere-se que em investigações futuras acerca da temática em


apreço, se complemente as entrevistas, com outros métodos de recolha de
informação, nomeadamente através da observação em contextos de prática.
Desse modo, poder-se-á passar das perceções aos factos, no domínio dos
processos de periodização do treino.

Igualmente se afigura conveniente, em investigações futuras, poder


contar com a participação de outros treinadores com currículos relevantes e
experiências diferenciadas, de modo a perceber como periodizam as épocas
desportivas e as preocupações que subjazem aos respetivos processos.

Em jeito de consideração final, importa salientar que todo o processo de


elaboração da nossa dissertação teve um significado semelhante à
construção de um puzzle de milhares de peças. A diversidade de áreas do
conhecimento que a periodização do treino do futebol atravessa é grande e,
em virtude desse facto, no início deste processo estas áreas apresentavam-
se como peças soltas de um puzzle por construir. Todavia, à medida que o

407
trabalho foi progredindo, com incursão por variados territórios do
conhecimento, fomos reorganizando ideias e divisando algumas respostas
para as inquietações que perduravam desde a década de noventa, na altura
em que corríamos no “campo do trinta”, como foi reportado no início desta
dissertação. Sentimos que conseguimos situar e relacionar muitas das peças
do puzzle, mas estamos cientes de que falta ainda fazer muito e bom
trabalho neste domínio.

Apesar das dificuldades experimentadas e da sensação de


incompletude que sempre acompanha um trabalho de cunho científico,
sentimos que valeu a pena abraçar a temática em apreço, porquanto o
processo de doutoramento e, particularmente, a consumação da dissertação,
contribuiu de modo marcante para o nosso desenvolvimento académico,
profissional e pessoal.

408
REFERÊNCIAS



Referências

Abade, E. (2014). Avaliação da performance no treino em jogos desportivos


coletivos. Vila Real: Eduardo Abade. Dissertação de Doutoramento
apresentada a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Abernethy, B., Farrow, D., & Berry, J. (2003). Constraints and issues in the
development of a general theory of expert perceptual-motor
performance. A critique of the deliberate practice framework. In J.
Starkes & K. Ericsson (Eds.), Expert Performance in Sports. Advances
in Research on Sport Expertise (pp. 349-369). Champaign, Illinois:
Human Kinetics.

Acero, R. (2009). Paco Seirul-lo: enhorabuena, y muchas gracias! Revista de


Entrenamiento Deportivo, 23(4), 5-6.

Acero, R., Seirul-lo, F., Lago, C., & Lalín, C. (2013). Causas objetivas de la
planificación en DSEQ (II): La Microestrutura (Microciclos). Revista de
Entrenamiento Deportivo, 27(2), 1-26.

Afonso, J. (2012). Estratégias percetivas e tomada de decisão em voleibol. A


mediação da perícia e da representatividade da tarefa. Porto: José
Afonso. Dissertação de Doutoramento apresentada a Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto.

Afonso, J., Bessa, C., Nikolaidis, P., Teoldo, I., & Clemente, F. M. (2020). A
systematic review of research on tactical periodization: Absence of
empirical data, burden of proof, and benefit of doubt. Human Movement,
21(4), 37-43.

Afonso, J., Nikolaidis, P., Sousa, P., & Mesquita, I. (2017). Is Empirical
Research on Periodization Trustworthy? A Comprehensive Review of
Conceptual and Methodological Issus. Journal of Sports Science and
Medicine, 16, 27-34.

Afonso, R., & Pinheiro, V. (2011). Modelos de Periodização Convencionais e


Contemporâneos. Educación Física y Deportes Revista Digital.(159),

411
Online Publication. https://www.efdeportes.com/efd159/modelos-de-
periodizacao-contemporaneos.htm.

Alarcao, I. (1996). Ser Professor Reflexivo. In I. Alarcão (Ed.), Formação


Reflexiva de Professores - Estratégias de Supervisão. Porto: Porto
Editora.

Alarcão, I. (2003). Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo:


Cortez.

Albarello, L. (1997). Recolha e tratamento quantitativo dos dados de


inquérito. In L. Albarello, F. Diggneffe, J. Hiernaux, C. Maroy & D.
Ruquoy (Eds.), Práticas e Métodos de investigação em ciências socias.
Lisboa: Gradiva.

Allis, C., Jenuwein, T., Reinberg, D., & Caparros, M. (2007). Epigenetics.
Nova Iorque: Cold Spring Harbor Laboratory Press.

Anson, G., Elliott, D., & Davids, K. (2005). Information processing and
constraints-based views of skill asquisition: divergent or
complementary? Motor Control, 9, 217-241.

Araújo, D. (2005). A Psicologia ecológica e a teoria dos sistemas dinâmicos.


In D. Araújo (Ed.), O contexto da decisão - A acção tática no desporto.
Lisboa: Visão e Contextos.

Araújo, D., & Davids, K. (2016). Team Synergies in Sport: Theory and
Measures. Frontiers in Psychology, 7, 1449.

Araújo, D., Davids, K., Chow, J., & Passos, P. (2009). The development of
decision making skill in sport: an ecological dynamics perspective. In D.
Araújo, H. Ripoll & Raab (Eds.), Perspectives on cognition and action in
sport. New York: NOVA.

Araújo, D., Davids, K., & Hristovski, R. (2006). The ecological dynamics of
decision making in sport. Psychology of Sport and Exercise, 7(6), 653-
676.

412
Araújo, D., Davids, K., & Passos, P. (2007). Ecological validity, representative
design, and correspondence between experimental task constraints and
behavioral setting: comment on Rogers, Kadar, and Costall (2005).
Ecological Psychology, 19, 69-78.

Araújo, D., Davids, K., & Renshaw, I. (2020). Cognition, emotion and action in
sport: an ecological dynamics perspective. In G. Tenenbaum & R.
Eklund (Eds.), The Handbook of Sport PSychology, 4th Edition: John
Wiley Sons Limited.

Araújo, D., Davids, K., & Serpa, S. (2005). An ecological approach to


expertise effects in decision-making in a simulated sailing regatta.
Psychology of Sport and Exercise, 6(6), 671-692.

Araújo, D., Silva, P., & Davids, K. (2015). Capturing group tactical behaviors
in expert team players. Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
Desportivo. Online Publication.

Araújo, D., Travassos, B., & Vilar, L. (2010). Tactical skills are not verbal
skills: a comment on Kannekens and colleagues. Perception Motor
Skills, 110((3PT2)), 1086-1088.

Araújo, D., & Volossovitch, A. (2005). Fundamentos para o treino da tomada


de decisão: uma aplicação ao andebol. In D. Araújo (Ed.), O Contexto
da Decisão. Lisboa: Visão e Contextos.

Arjol, J. (2012). La Planificación actual del entrenamiento en fútbol: Análisis


comparado del enfoque estructurado y la Periodización Táctica. Acción
Motriz, 8, 27-37.

Armour, K., & MacDonald, D. (2012). Research methods in physical education


and youth sport. Milton Park, Abingdon, Oxon; New York: Routledge.

Ashford, M., Abraham, A., & Poolton, J. (2021). What Cognitive Mechanism,
When, Where, And Why? Exploring the Decision Making of University
and Professional Rugby Union Players During Competitive MAtches.
Frontiers in Psychology, 12(609127), 1-26.

413
Astrand, O., & Rodahl, k. (1980). Tratado de Fisiologia do Exercício (2º ed.).
Rio de Janeiro: Interamericana.

Balagué, N., Torrents, C., Hristovski, R., Davids, K., & Araújo, D. (2013).
Overview of complex systems in sport. Journal of Systems Science &
Complexity, 26(1), 4-13.

Bangsbo, J. (1993). The Physiology of Soccer - With special reference to


intense intermittent exercice. Denmark: August Krogh Institute.
University of Copenhagen.

Bangsbo, J. (1994). Fitness training in football: a scientific approach.


Copenhagen: HO+Storm.

Bangsbo, J. (2002). Fútbol: Entrenamiento de la Condición Física en el


Fútbol. Barcelona: Editorial Paidotribo.

Bangsbo, J., Mohr, M., & Krustrup, P. (2006). Physical and metabolic
demands of training and match-play in the elite football player. Journal of
Sports Sciences, 24 (7), 665-674.

Bar-Yam, Y. (2003). Complex Systems insights to building effective teams.


International Journal of Computer Science in Sport, 2(1), 8-15.

Barbanti, V. (1997). Teoria e prática do treinamento esportivo. São Paulo:


Edições Edgard Blucher.

Bardin, L. (1977). Anáilse de Conteúdo. Lisboa: Edicçôes 70.

Barker, R. (1968). Ecological psychology. Stanford, CA: Stanford Univ. Press.

Barry, D., Atkinson, G., & Reilly, T. (2007). Future Perspectives in the
Evaluation of the Physiological Demands of Soccer. Sports med, 37(9),
783-805.

Bate, R. (1988). Football chance:tactics and strategy. In T. Reilly, A. Lees, K.


Davis & W. Murphy (Eds.), Science and Football (pp. 293-301). London:
E&F.N.Spon.

414
Batista, P. (2008). Discursos sobre a competência - contributo para a
(re)construção de um conceito de competência aplicável ao profissional
do desporto. Porto: Paula Batista. Dissertação de Doutoramento
apresentada a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Bauer, R. (1999). Gestão da Mudança: Caos e Complexidade nas


Organizações. São Paulo: Editora Atlas.

Bazeley, P., & Richards, L. (2000). The NVivo: Qualitative project book.
London: Sage.

Beek, J., Jacobs, D., Daffertshofer, A., & Huys, R. (2003). Expert performance
in sport: Views from the joint perspectives of ecological and dynamical
systems theory. In J. Starkes & K. Ericsson (Eds.), Expert Performance
in Sports: advances in research on sport Expertise (pp. 321-344):
Stanningley: Human kinetics.

Bento, J. (2007). Desporto - Discurso e Substância. Portugal: Campo de


Letras.

Bento, J. (2008). Formação de Mestres e Doutores. Exigênias e


Competências. Belo Horizonte, Brasil: Casa da Educação Física.

Bento, J. (2012). Corrida contra o tempo: posições e intervenções. Belo


Horizonte: Casa da Educação Física e Unicamp - Centro de Estudos
Avançados.

Berg, B. (1998). Qualitative research methods for the social sciences. Boston:
Allyn and Bacon.

Bernstein, N. (1967). The coordination and regulation of movements. New


York: Pergamon.

Bertrand, Y., & Guillemet, P. (1988). Organizações: Uma Abordagem


Sistémica. Lisboa: Instituto Piaget.

Bird, A. (2013). Epigenetics: A ubiquitous phenomenon. New Scientist, 217


IV-V.

415
Bogdan, R., & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação. Uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora.

Bohm, D. (1992). A totalidade e a ordem implicada: uma nova perceção da


realidade. São Paulo: Ed. Cultrix.

Bompa, T. (1999). Periodization: Theory and Methodology of Training.


Champagne: Human Kinetics.

Bompa, T. (2001). A Periodização no treinamento esportivo. Barueri SP:


Manole.

Bompa, T. (2002). Periodization: Theory and Methodology of Training. 4ª


Edição. Iowa: Kendall/Hunt.

Borg, W., & Gall, M. (1983). Educational research: An introduction New York:
Longman.

Bradley, P., Sheldon, W., Wooster, B., Olsen, P., Boanas, P., & Krustrup, P.
(2009). Hight-intensity running in English FA Premier League soccer
matches. Journal os Sports Science, 27(2), 159-168.

Brenner, M. (2006). Interviewing in Educational Research. In G. C. J. L.


Green, P. B. Elmore, & American Educational Research Association
(Ed.), Handbook of complementary methods in education research (pp.
357-370). Mahwah, N.J. Washington, D.C: Lawrence Erlbaum
Associates.

Brofenbrenner, U. (1977). Toward an experimental ecology of human


development. American Psychologist, 32, 513-431.

Brooks, G., Fahey, T., White, T., & Baldwin, K. (2000). Exercise Physiology:
human Bioenergetics and its applications (3º ed.). New York: Macmillan
Publishing Company.

Bruner, J. (1983). In search of mind New York: Harper & Row.

416
Brunswik, E. (1943). Organismic achievement and environmental probability.
Psychological Review, 50, 255-272.

Brunswik, E. (1956). Perception and the representation design of


psychological experiments. Berkeley and Los Angeles: The University of
California Press.

Bunker, D., & Thorpe, R. (1982). A Model for the teaching games in
secondary schools. Bulletin of Physical Education, 1(18), 5-8.

Buszard, T., Farrow, D., & Kemp, J. (2013). Examining the influence of acute
instructional approaches on the decision-making performance of
experienced team field sport players. Journal of Sports Sciences, 31(3),
238-247.

Caldeira, N. (2013). O Futebol Glocal. Funchal: OTreinador.com.

Campos, C. (2008). A singularidade da intervenção do treinador como a sua


<<impressão digital>> na…justificação da Periodização Tática como
uma <<fenomenotécnica>>. Vigo: MCSports.

Campos, V. (2007). Periodização no Futebol – Estudo sobre as orientações


conceptuais e metodológicas utilizadas pelos treinadores no processo
de treino. Porto: Vítor Campos. Dissertação de Mestrado apresentada a
Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade
do Porto.

Cannon-Bowers, J., Salas, E., & Converse, S. (1993). Shared mental models
in expert team decision making. In J. C. Jr. (Ed.), Current issues in
individual and group decision making (pp. 221-246). Hillsdale: Erlbaum.

Cano, O. (2010). El Modelo de Juego del FCBarcelona. Una red de


significado interpretada desde el paradigma de la complejidad. España:
MCsports.

417
Cantos, J., & Moreno, F. (2019). PEdagogía no lineal como método de
enseñanza de los comportamentos tácticos en los deportes de equipo,
aplicación al rugby. Retos, 35, 402-406.

Capra, F. (1988). O ponto de mutação. São Paulo: Ed. Culturix.

Capra, F. (1996). A teia da vida. Uma nova compreensão cientifica dos


sistemas vivos. São Paulo: Editora Cultrix.

Capra, F., & Luisi, P. (2014). A visão Sistémica da Vida. São Paulo: Editora
Pensamento Cultrix Ltda.

Cardoso, C. (2016). Teoria do Jazz. Lisboa: Chiado Books.

Carling, C., Gregson, W., McCall, A., Moreira, A., Wong, D., & Bradley, P.
(2015). Match Running Performance During Fixture Congestion in Elite
Soccer: Research Issues and Future Directions. Sports Medicine, 45,
605-613.

Carvalhal, C. (2014). Futebol - Um saber sobre o saber fazer. Portugal: Prime


Books.

Carvalhal, C. (2020). No banco com os misters. Tribuna Expresso Consult.


2020, disponível em https://tribunaexpresso.pt/no-banco-com-os-
misters/2020-08-12-Esta-e-a-nova-forma-de-Carlos-Carvalhal-pensar-o-
treino-e-o-jogo-Os-sistemas-aquilo-que-definimos-como-4-4-2-e-4-3-3-
sao-castradores

Castelo, J. (1994). Futebol. Modelo técnico-táctico do jogo. Lisboa: Edições


FHM.

Castelo, J. (1996). Futebol - A organização do jogo. Lisboa: Edições FHM.

Castelo, J. (2002). O exercício de treino. O acto médico versus o acto do


treinador. Ludens, 1(17), 35-54.

Castelo, J. (2019). Futebol. Periodização, Planeamento e Programação de


Métodos de Treino (Vol. I). Lisboa: Visão e Contextos.

418
Castelo, J., & Matos, L. (2013). Concepção e organização de 1100 exercícios
específicos de treino. Lisboa: Visão e Contextos.

Chi, M., & Glaser, R. (1992). A capacidade para a resolução de problemas. In


R. Stemberg (Ed.), As capacidades intelectuais humanas. Uma
abordagem em processamento de informações (pp. 250-275). Porto
Alegre: Artes Médicas.

Chow, J. (2013). Nonlinear Learnig Underpinning Pedagogy: Evidence,


Challenges, and Implications. Quest, 65 (4), 469-484.

Chow, J. Y., Davids, K., Hristovski, R., Araújo, D., & Passos, P. (2011).
Nonlinear pedagogy: learning design for self-organizing neurobiological
systems. New Ideas in Psychology, 29, 189-200.

Ciaschini, G. (2013). Carlo Ancelotti. Mi Árbol de Navidad. Madrid:


Laesferadeloslibros.

Cilliers, P. (1998). Complexity and postmodernism: understanding complex


systems. London: Routledge.

Cláudio, J., Barreira, D., Galatti, L., Chow, J. Y., Garganta, J., & Scaglia, A. J.
(2019). Enhancing learning in the context of street football: a case for
Nonlinear Pedagogy. Physical Education and Sport Pedagogy, 24(2),
176-189.

Connolly, F., & White, P. (2017). Game Changer. Canada: Victory Belt
Publishing.

Constantino, J. (2007). Os valores educativos do desporto -


REPRESENTAÇÕES E REALIDADES (pp. 57 - 79). In EM DEFESA DO
DESPORTO - MUTAÇÕES E VALORES EM CONFLITO. Coimbra:
Almedina Edições, SA. .

Cooke, N., Salas, E., Cannon-Bowers, J., & Stout, R. (2000). Measuring
Team Knowledge. Huaman Factores, 42, 151-173.

419
Corrêa, U., Vilar, L., Davids, K., & Renshaw, I. (2012). Informational
constraints on the emergence of passing direction in the team sport of
futsal. European Journal of Sport Science, 14(2), 1-8.

Corrêa, U., Vilar, L., Davids, K., & Renshaw, L. (2014). Interpersonal Angular
Relations between Players Constrain Decision-Making on the Passing
Velocity in futsal. Advances in Physical Education, 4(2), 93-101.

Correia, V., Araújo, D., & Davids, K. (2011). Territorial gain dynamics
regulates sucess in attacking sub-phases of team sports. Psycology
Sport Exercice, 12, 662-692.

Correia, V., Araújo, D., Duarte, R., Travassos, B., Passos, P., & Davids, K.
(2012). Changes in practice task constraints shape decision-making
behaviours of team games players. Journal of Science and Medicine in
Sport, 15(3), 244-249.

Cos, F., Gómez, A., Guitart, M., & Pons, E. (2015). Muscle injuries clinical
guide 3.0. In F. C. B. Aspetar (Ed.), Prevention of muscle injuries (pp.
30-41). Barcelona.

Coyle, D. (2009). O Códio do Talento. Alfragide: Dom Quixote.

Creswell, J. (2002). Educational research: Planing, conducting, and


evaluating quantitative and qualitative research. Upper Saddle River, NJ:
Merril Prentice Hall.

Cruyff, J. (2002). Me Gusta el Fútbol. Barcelona. Barcelona: RBA Libros S.A.

Cruyff, J. (2012). Fútbol. Mi Filosofía. Barcelona: Grupo Zeta.

Cruz, V., & Fonseca, V. (2002). Educação Cognitva e Aprendizagem. Porto:


Porto Editora, LDA.

Cuadrado, J. (2009). Pensamiento de Seirul-lo y metodología del rendimiento


de deportes sociomotores de equipoRelatório de Estágio apresentado a.

Cunha e Silva, P. (1999). O lugar do Corpo. Lisboa: Instituto Piaget.

420
Damásio, A. (1994). O Erro de Descartes. Portugal: Publicações Europa-
América.

Damásio, A. (2000). O sentimento de si. O Corpo, a Emoção e a


Neurobiologia da Consciência Lisboa: Publicações Europa-América.

Damásio, A. (2003). Ao Encontro de Espinosa. Portugal: Publicações Europa-


América.

Damásio, A. (2006). A arte de bem conseguir. In B. Oliveira, N. Amieiro, N.


Resende & R. Barreto (Eds.), Mourinho, porquê tantas vitórias. Portugal:
Gradiva.

Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência. Portugal: Circulo de Leitores.

Damásio, A., Everitt, B., & Bishop, D. (1996). The somatic Marker Hypothesis
and the Possible Functions of the Prefrontal Cortex. Executive and
Cognitive Functions of the Prefrontal Cortex, 351, 1413-1420.

Daniel, C. (2016). Futebol a sério. Lisboa: A Esfera dos Livros.

Davids, K., & Araújo, D. (2005). A abordagem baseada nos constrangimentos


para o treino desportivo. In D. Araújo (Ed.), O contexto da decisão. A
Ação tática no desporto. Lisboa: Visão e Contextos.

Davids, K., & Araújo, D. (2010). The concept of Organismic Asymmetry in


sport science. Journal of Science and Medicine in Sport, 13(6), 633-640.

Davids, K., Araújo, D., & Shuttleworth, R. (2004). Aplications of Dynamical


Systems Theory to Football. In T. Reilly, J. Cabri & D. Araújo (Eds.),
Science and Football V Oxon: Routledge.

Davids, K., Bennett, S., Handford, C., & Jones, B. (1999). Acquiring
coordination in self paced extrinsic timing tasks: A constraints led
perspective. International Journal of Sport Psychology, 30, 437-461.

Davids, K., Button, C., Araújo, D., Renshaw, I., & Hristovski, R. (2006).
Movement models from sports provide representative task constraints

421
for studying adaptive behavior in human movement systems. Adaptative
Behavior, 14(1), 73-95.

Davids, K., Glazier, P., Araújo, D., & Bartlett, R. (2003). Movement Systems
as Dynamical Systems: the funcional role of variability and its
implications for sports medicine. Sports Medicine, 33(4), 245-260.

Davids, K., Handford, C., & Williams, M. (1994). The natural physical
alternative to cognitive theories of motor behaviour: An invitation for
interdisciplinary research in sports science? Journal of Sport Sciences,
12, 495-528.

Davids, K., Williams, M., Button, M., & Court, M. (2001). An integrate
modelling approach to the study of intencional movement behavior. In R.
Singer, H. Housenblas & C. Janelle (Eds.), Handbook of Sport
Psychology. New York: Jonh Wiley.

Dey, I. (1993). Creating Categories: Qualitative data analysis. London:


Routledge.

Di-Salvo, V., Baron, R., Tschan, H., Calderon, F., Bachl, N., & Pigozzi, F.
(2007). Performance Characteristics According to Playing Position in
Elite Soccer International Journal os Sports Medicine, 28(3).

Dóniga, D. (2013). La Planificación Futbolística Española. Vigo: MCSports.

Duarte, R., Araújo, D., Correia, V., & Davids, K. (2012). Sports Teams as
Superorganisms. Implications of Sociobiological Models of Behaviour for
Research and Practice in Team Sports Performance Analysis. Sports
medicine, 42(8), 633-642.

Duarte, R., Araújo, D., Folgado, H., Esteves, P., Marques, P., & Davids, K.
(2013). Capturing Complex, Non-Linear Team Behaviours During
Competitive Football Performance. Journal of Systems Science &
Complexity, 26, 62-72.

422
Dupont, G., Nedelec, M., McCall, A., McCormack, D., Berthoin, S., & Wisloff,
U. (2010). Effect of Soccer Matches in a Week on Physical Performance
and Injury Rate. The American Journal of Sports Medicine, 38(9), 1-7.

Edelman, G., & Gally, J. (2001). Degeneracy and complexity in biological


systems. Natural Academy of Science, 98-137.

Erlandson, D., Harris, E., Skipper, B., & Allen, S. (1993). Doing naturalistic
inquiry. London: Sage.

Esteves, J. (2009). A excelência do Treinador de Futebol. Uma análise


centrada na perceção de Treinadores e de Jornalistas Desportivos.
Porto: João Esteves. Dissertação de apresentada a Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto.

Esteves, P., Oliveira, R., & Araújo, D. (2011). Posture-related affordances


guide attacks in basketball. Psycgology of Sport & Exercise, 12(6), 639-
644.

Eysenck, M., & Keane, M. (1994). Psicologia Cognitiva. Um manual


introdutório. Porto Alegre: Artes Médicas.

Fajen, B., & Warren, W. (2003). Behavioral Dynamics of Steering, Obstacle


Avoidance, and Route Selection. Journal of Experimental Child
Psychology, 29(2), 343-362.

Fajen, B., Warren, W., Temizer, S., & Kaelbling, L. (2003). A dynamical model
of visually guided steering, obstacle avoidance and route selection.
International Journal of Computer Vision, 54, 12-34.

Faria, R. (1999). Periodização Tática: Um Imperativo Conceptometodológico


do Rendimento Superior em Futebol. Porto: Rui Faria. Dissertação de
Licenciatura apresentada a Faculdade de Ciências do Desporto e
Educação Física da Universidade do Porto.

423
Farias, C. (2007). A intervenção Pedagógica do Conteúdo do Treinador de
Futebol. Porto: Cláudio Farias. Dissertação de Mestrado apresentada a
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Faude, O., Koch, T., & Meyer, T. (2012). Straight sprinting is the most
frequent action in goal situations in professional football. Journal of
Sports Sciences, 30(7), 625-631.

Fernández, M. (2009). Control motor aplicado: la anticipada visión de Seirul-


lo. Revista de Entrenamiento Deportivo, 23(4), 39.

Flick, U. (2005). Métodos Qualitativos na Investigação Científica. Lisboa:


Monitor.

Ford, P., Hodges, N., Huys, R., & Williams, A. (2006). The role of external
action effects in the execution of a socer kick: a comparison across skill
level. Motor Control, 10, 386-404.

Frade, V. (1976). Relatório de Estágio. Lisboa: Vítor Frade. Dissertação de


Licenciatura apresentada a Instituto Superior de Educação Física.

Frade, V. (1979). Esboço Analítico do programa de 4ªano. Porto: Vítor Frade.


Dissertação de Disciplina de Opção Futebol apresentada a Instituto
Superior de Educação Física da Universidade do Porto.

Frade, V. (1990). A interação, invariante estrutural da estrutura do rendimento


do futebol, como objeto do conhecimento científico – uma proposta de
explicitação de causalidade. Faculdade Ciências Desporto e Educação
Física da Universidade do Porto. Relatorio de Estagio apresentado a

Frade, V. (2011). Entrevista. In A. Allegro (Ed.), Periodização Tática no


Futebol Profissiona. Colónia: Dissertação de Licenciatura Deutsche
Sporthochschule Köln.

Frade, V. (2013a). Entrevista. In X. Tamarit (Ed.), Periodización Táctica vs


Periodización Táctica. Vítor Frade lo aclara. Valencia: MBB.

424
Frade, V. (2013b). Entrevista. In J. Tobar (Ed.), Periodização Tática:
explorando sua organização concepto-metodológica. Rio Grande do
Sul: Dissertação de Licenciatura apresentada à Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.

Frank, T., Michelbrink, M., Beckmann, H., & Schöllhorn, W. (2008). A


quantitative dynamical systems approach to differential learning: self-
organization principle and order parameter equations. Biological
Cybernetics, 91(1), 19-31.

French, K., Nevett, M., Spurgeon, J., Graham, K., Rink, J., & McPherson, S.
(1996). Knowledge representation and problem solution in expert and
novice youth baseball performance. Research Quarterly for Exercise
and Sport, 66, 194-201.

Frybort, P., Kokstejn, J., Musálek, M., & Suss, V. (2016). Does Physical
Loading Affect The speed and Accuracy of Tactical Decision-Making in
Elite Junior Soccer Players. Journal of sports sciences Medicine, 15(2),
320-326.

Ganong, W. (1999). Review of Medical Physiology (19ª ed.). Connecticut:


Appleton and Lange.

Gardner, A., & Grafen, A. (2009). Capturing the superorganism: a formal


theory of group adaptation. Journal of Evolution Biology, 22, 659-671.

Gardner, H. (1985). The mind´s new science. New York: Basic Books.

Garganta, J. (1991). Planeamento e Periodização do Treino – Futebol.


Revista Horizonte, 7(42), 196-200.

Garganta, J. (1993). Programação e periodização do treino: Das


generalidades à especificidade. In J. Bento & A. Marques (Eds.), A
ciência do desporto a cultura e o Homem. Porto: Universidade do Porto
e Câmara Municipal do Porto.

425
Garganta, J. (1994). Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos. In A.
Graca & J. Oliveira (Eds.), O ensino dos jogos desportivos coletivos.
Porto: CEJD/FCDEF-UP.

Garganta, J. (1997). Modelação tática do jogo de futebol. Porto: Júlio


Garganta. Dissertação de Doutoramento apresentada a Faculdade de
Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto.

Garganta, J. (2000). O Treino da Tática e da Estratégia nos Jogos


Desportivos. In J. Garganta (Ed.), Horizontes e Órbitas no treino dos
jogos desportivos (pp. 51-61). Porto: Centro de Estudos dos Jogos
Desportivos da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação
Física da Universidade do Porto.

Garganta, J. (2002). O treino da táctica e da técnica nos jogos desportivos à


luz do compromisso cognição-acção. In V. Barbanti, A. Allberto, J. Bento
& A. Marques (Eds.), Esporte e atividade física: interação entre
rendimento e saúde (pp. 281-306). São Paulo: Editora Manole.

Garganta, J. (2003). Fútbol: del juego al entrenamiento, del entrenamiento al


juego. Revista Training Fútbol(85), 14-17.

Garganta, J. (2004). Atrás do palco, nas oficinas do Futebol. . In J. Garganta,


J. Oliveira & M. Murad (Eds.), Futebol de muitas Cores e muitos
Sabores – Reflexões em torno do desporto mais popular do mundo (pp.
227-234): Edições Campo das Letras Editores S.A.

Garganta, J. (2005). Dos constrangimentos da ação à liberdade de


(inter)ação, para um Futebol com pés … e cabeça. In D. Araújo (Ed.), O
contexto da decisão. A ação tática no desporto (pp. 179-190). Lisboa:
Visão e Contextos.

Garganta, J. (2006). Ideias e competências para "pilotar" o jogo de Futebol. In


G. Tani, J. Bento & R. Peterson (Eds.), Pedagogia do Desporto. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan.

426
Garganta, J. (2008). Modelação tática em jogos desportivos: a desejável
cumplicidade entre pesquisa, treino e competição. In F. Tavares, A.
Graça, J. Garganta & I. Mesquita (Eds.), Olhares e contextos da
performance nos jogos desportivos (pp. 51-61). Porto: FADEUP.

Garganta, J. (2009). Identificação, Seleção e Pormoção de Telentos nos


Jogos Desportivos Coletivos. In J. Fernandes, G. Torres & A. Monteiro
(Eds.), Actas do II Congresso Internacional de Desportes de Equipo.
Universidad de A Coruña: Editorial y Centro de Formación de Alto
Rendimento.

Garganta, J. (2013). A propósito da modelação tática e da relevancia da


síntese da performance nos jogos desportivos coletivos. In A.
Volossovitch & A. Ferreira (Eds.), Fundamentos e aplicações em análise
do jogo (pp. 91-110). Lisboa: Edições FMH.

Garganta, J., & Cunha e Silva, P. (2000). O jogo de Futebol: entre o caos e a
regra. Revista Horizonte, 16(91), 5-8.

Garganta, J., & Gréhaigne, J. (1999). Abordagem Sistémica do Jogo de


Futebol: Moda ou Necessidade? Revista Movimento, 10, 40-50.

Garganta, J., Guilherme, J., Barreira, D., Brito, J., & Rebelo, A. (2013).
Fundamentos e práticas para o ensino e treino do futebol. In F. Tavares
(Ed.), Jogos Desportivos Coletivos, Ensinar a Jogar (pp. 199-263).
Porto: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Garganta, J., & Pinto, J. (1998). O Ensino do Futebol. In A. Graça & J.


Oliveira (Eds.), O ensino dos jogos desportivos (pp. 95-135). Porto:
Centro de Estudos dos Jogos Desportivos da Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.

Ghglione, R., & Matalon, B. (2005). O inquérito: Teoria e Prática. Oeiras:


Celta Editora.

Gibbs, G. (2002). Qualitative data analysis: Explorations with NVivo (1st ed).
Buckingham: Open University Press.

427
Gibson, J. (1979). The ecological approach to visual perception. Boston:
Houghton-Mifflin.

Gibson, J. (2000). Perceptual learning in development: some basic concepts.


Ecological Psychology, 12, 295-302.

Gibson, J. (2003). The world is so full of a number of things: on specification


and perceptual learning. Ecological Psychology, 15, 283-287.

Gladwell, M. (2005). Blink - Decidir num piscar de olhos. Alfragidde: Dom


Quixote.

Glazier, P. (2015). Towards a Grand Unified Theory of Sports Performance.


Human Movement Science, 56, 139-156.

Godinho, J., & Serpa, S. (2005). Treino dos processos cognitivos envolvidos
na grande penalidade no futebol. In D. Araújo (Ed.), O contexto da
decisão. Lisboa: Visão e Contextos.

Gomes, A. (2002). Treinamento desportivo: estruturação e periodização.


Porto Alegre: Edições Artmed.

Gomes, J. (2004). Estudo da Congruência entre a Periodização do Treino e


os Modelos de Jogo, em Treinadores de Futebol de Alto Rendimento.
Porto: Jorge Gomes. Dissertação de Mestrado apresentada a
Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade
do Porto.

Gomes, J., Garganta, J., & Fonseca, A. (2011). Uma arte complexa: a
periodização do treino e da competição em futebol de alto rendimento.
In F. Tavares, J. Garganta, I. Mesquita, A. Graça & L. Estriga (Eds.), 3º
Congresso Internacional de Jogos Desportivos: Treino, Formação e
Performance (pp. 31-46). Porto: Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.

Gomes, M. (2008). O desenvolvimento do jogar segundo a Periodização


Tática. Pontevedra: MCSports.

428
Gómez, A., Roqueta, E., Tarragó, J., Seirul-lo, F., & Francesc, C. (2019).
Entrenamiento en deportes de equipo: el entrenamiento coadyuvante en
el FCB. Apunts. Educación Física y Deportes, 138, 13-25.

González Víllora, S., García López, M., & Contreras Jordán, O. (2015).
Evolución de la toma de decisiones y la habilidad técnica en fútbol.
Revista Internacional de Medicina e Ciencias de la Actividad Física e del
Deporte, 15(59), 467-487.

González Víllora, S., García López, M., Pastor Vicedo, J., & Contreras
Jordán, O. (2011). Conocimiento táctico y la toma de decisiones en
jóvenes jugadores de fútbol. Revista de Psicología del Deporte, 20(1),
79-97.

Granell, J., & Cervera, V. (2001). Teoría y planificación del entrenamiento


deportivo. Barcelona: Editorial Paidotribo.

Gréhaigne, J. (1992). Lórganization du jeu en football. Paris: Éditions Actio.

Gréhaigne, J., Bouthier, D., & David, B. (1997). Dinamic-sistem analysis of


opponent relationships in collective actions in soccer. Journal of Sports
Sciences 15, 137-149.

Gréhaigne, J., Godbout, P., & Bouthier, D. (2001). The teaching and learning
of decision making in team sports. Quest, 53, 59-76.

Guba, E. (1978). Toward a methodology of naturalistic inquiry in educational


evaluation. Los Angeles: UCLA: Center for the Study of Evaluation.

Guba, E. (1993). Foreword. In D. Erlandson, E. Harris, B. Skipper & S. Allen


(Eds.), Doing naturalistic inquiry: A guide to methods. London: Sage.

Guba, E., & Lincoln, Y. (1981). Effective evaluation. San Francisco: Jossey-
Bass.

Guba, E., & Lincoln, Y. (1989). The quality of fourth generation evaluation.
Newbury Park, CA: Sage.

429
Guilherme, J. (1991). Especificidade, o “pós-futebol” do “pré-futebol”. Um
factor condicionante do alto rendimento desportivo. Porto: José
Guilherme. Dissertação de Licenciatura apresentada a Faculdade de
Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Guilherme, J. (2004). Conhecimento Especifico em Futebol. Contributos para


a definição de uma matriz dinâmica do processo de ensino-
aprendizagem/treino do jogo. Porto: José Guilherme. Dissertação de
Mestardo apresentada a Faculdade de Ciências do Desporto e de
Educação Física da Universidade do Porto.

Guyton, A. (2001). Tratado de Fisiologia Médica (10º ed.). Rio de Janeiro:


Interamericana.

Han, B. (2014). A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio D´Água Editores.

Handford, C., Bennet, K., & Button, C. (1997). Skill acquisition in sport: some
applications of an evolving practice ecology. Journal os Sports Science,
15, 621-640.

Headrick, J., Renshaw, I., Davids, K., Pinder, R., & Araújo, D. (2015). The
dynamics of expertise acquisition in sport: a conceptual model of
affective learning design. Psychology of Sport and Exercise, 16, 83-90.

Hill-Haas, S., Dawson, B., Impellizzeri, F., & Coutts, A. (2011). Physiology of
Small-Sided Games Training in Football. Sports Medicine, 41(3), 199-
220.

Hodges, N., Williams, A., Hayes, S., & Breslin, G. (2007). What is modelled
during observational learning. Sports Sciences, 25, 531-545.

Holldobler, B., & Wilson, E. (2009). The superorganism: the beauty elegance
and strangeness of insect societies. London: W.W. Norton.

Holliday, A. (2002). Doing and writing qualitative research London: Sage.

Hoyo, M., Cohen, D., Sañudo, B., Carrasco, L., Álvarez-Mesa, A., Ojo, J.,
Domínguez-Cobo, S., Mañas, V., & Otero-Esquina, C. (2016). Influence

430
of football match time-motion parameters on recovery time course of
muscle damage and jump ability. Journal of Sports Sciences, 34(14),
1363-1370.

Jensen, E. (2002). O cérebro, a bioquimica e as aprendizagens. Porto:


Edições ASA.

Júlio, L., & Araújo, D. (2005). Abordagem dinâmica da ação táctica no jogo de
futebol. In D. Araújo (Ed.), O contexto da Decisão. Lisboa: Visão e
Contextos.

Kandel, E., Schwarts, J., Jessel, T., Siegelbaum, S., & Hudspeth, A. (2014).
Princípios de neurociências. Porto Alegre: Artmed Editora.

kelso, J. (1995). Dynamic patterns. Cambridge: MIT.

Kelso, J. (1997). Relative timing in brain and behavior: some observations


about the generalized motor program and self-organized coordination
dynamics. Human Movement Science, 16, 453-460.

kelso, J., Holt, K., Rubin, P., & Kugler, P. (1981). Patterns of human interlimb
coordination emerge fron the propperties of non-linear, limit cycle
oscillatory processes: Theory and data. Journal of Motor Behavior,
13(4), 226-261.

Kelso, J., & Schoner, G. (1988). Self-organization of coordinative movement


patterns. Human Movement Science, 7, 27-46.

Kessel, F., & Bevan, W. (1985). Notes toward a history of cognitive


psychology. In C. Buxton (Ed.), Points of view in the modern history of
psychology. Orlando: Academic Press.

Klein, G. (1998). Sources of Power: How People Make Decisions. Cambridge:


The MIT Press

Kormelink, h., & Seeveres, T. (1997). The Coaching Philosophies of Louis van
Gaal and Ajax Coaches. Netherlands: De Voetbal rainer.

431
Krathwohl, D. (1998). Methods of educational & social science research: An
integrated approach (2nd ed.). New York: Longman.

Krause, J., Ruxton, G., & Krause, S. (2010). Swarm intelligence in animals
and humans. Trends Ecology Evolution, 25, 28-34.

Lage, B. (2017). Formação. Da iniciação à equipa B. Portugal: Prime Books.

Laguna, M. (2005). Adaptar o treino à natureza do desporto que se pratica. In


D. araújo (Ed.), O Contexto da Decisão. Lisboa: Visão e Contextos.

LaMonte, B., & Shook, R. (2004). Winning the NFL Way - Leardership
Lessons from Football´s Top Head Coaches. New York: Harper Collins.

Lebed, F. (2006). System approach to games and competitive playing.


European Journal of Sport Science, 6, 33-42.

Lenzen, B., Theunissen, C., & Cloes, M. (2009). Situated analysis of team
handball players decision: an exploratory study. Teaching Physical Edu,
28, 54-74.

Lessard-Hébert, M., Goyette, G., & Boutin, G. (1990). Investigação qualitativa:


Fundamentos e práticas. Lisboa: Instituto Piaget.

Lex, H., Essig, K., Knoblauch, A., & Schack, T. (2015). Cognitive
Representations and Cognitive Processing of Team-Specific Tactics in
Soccer. PlosONE, 10(2), 1-18.

Lincoln, Y., & Guba, E. (1985). Naturalistic inquiry. Beverly Hill, CA: Sage.

Lobo, L. (2008). Planeta do Futebol. Portugal: Prime Books.

López, M., López, I., & Vélez, C. (2000). Planificación y periodización de una
temporada en un equipo de fútbol profesional. Training Fútbol, 51, 27-
39.

Lourenço, L. (2010). Mourinho: A Descoberta Guiada. Portugal: Prime Books.

432
Lourenço, L., & Ilharco, F. (2007). Liderança- As Lições de Mourinho. Lisboa:
Booknomics.

Maciel, J. (2011). O bom futebol e quem o joga. Portugal: Chiado Editora.

Mack, N., Woodsong, C., MacQueen, K., Guest, G., & Namey, E. (2005).
Qualitative research methods: a data collector's field guide. Research
Triangle Park, NC: Family Health International.

Mallo, J. (2015). Complex Football. From Seirul-lo´s Training to Frade´s


Tactical Periodisation. Spain: Topprosoccer S.L.

Mandelbrot, B. (1991). Objectos Fractais. Lisboa: Gradiva.

Manso, J., Navarro, M., & Caballero, J. (1996). Planificación del


Entrenamiento Deportivo. Madrid: Gymnos.

Marques, A. (1990). Treino Desportivo: área de formação e investigação.


Revista Horizonte, 7(30), 97-106.

Marques, A. (1993). Desporto, Arte e Estética, Fronteiras e Espaços Comuns.


In J. Bento & A. Marques (Eds.), A Ciência do Desporto a Cultura e o
Homem Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física
da Universidade do Porto e Câmara Municipal do Porto. .

Marsh, K., Richardson, M., & Baron, R. (2006). Contrasting approaches to


perceiving and acting with others. Ecology Psychology, 18, 1-38.

Marsh, K., Richardson, M., & Schmidt, R. (2009). Social connection through
joint action and interpersonal coordination. Cognition Science, 1, 320-
390.

Martín-Barrero, A., & Camacho, P. (2020). El diseño de tareas de


entrenamiento en el fútbol desde el enfoque de la pedagogía no lineal
Retos, 38, 768-772.

433
Matos, Z. (2013). Entre a metodologia e os métodos - Elementos para a
investigação em Ciências do Desporto. In FADEUP (Ed.), Investigação
Qualitativa em Desporto (Vol. 1). Porto: Universidade do Porto.

Matvéiev, L. (1990). O Processo de Treino Desportivo. Lisboa: Livros


Horizonte.

Matvéiev, L. (1991). Fundamentos do Treino Desportivo. 2ªEdição. Lisboa:


Livros Horizonte.

McPherson, S. (1993). Knowledge representation and decision making in


sport. In J. Starkes & F. Allard (Eds.), Cognitive Issues in Motor
Expertise (pp. 15-188). Amsterdam: Elsevier Science.

McPherson, S. (1994). The development of sport expertise: mapping the


tactical domain. Quest, 46, 223-240.

McPherson, S. (1999). Expert-novice differences in performance skills and


problem representations of youth and adults during tennis competition.
Res Quarterly Exercise & Sport, 70, 233-251.

McPherson, S., & Thomas, J. (1989). Relation of Knowledge and performance


in boys tennis: age and expertise. Journal of Experimental Child
Psychology, 48, 190-211.

Merriam, S. (1998). Qualitative research and case study applications in


education. San Francisco: Jossey-Bass.

Mesquita, I. (2005a). A contextualização do treino no voleibol: a contribuição


do construtivismo. In D. Araújo (Ed.), O contexto da decisão. A Acção
táctica no Desporto (pp. 355-378). Lisboa: Visão e Contextos.

Mesquita, I. (2005b). A Pedagogia do Treino: A Formação em Jogos


Desportivos Coletivos. Lisboa: Livros Horizonte.

Mesquita, I., Farias, C., & Hastie, P. (2012). The impact of a hybrid sport
education-invasion games competence model socer unit on students

434
decision making, skill execution and overall game performance.
European Physical Education Review, 18(2), 205-219.

Mesquita, I., & Graça, A. (2009). Modelos Instrucionais no ensino do


Desporto. In A. Rosado & I. Mesquita (Eds.), Pedagogia do Desporto
(pp. 39-49). Lisboa: FHM Edições.

Mesquita, I., & Rosado, A. (2009). O desafio pedagógico da interculturalidade


no espaço da Educação Física In I. mesquita & A. Rosado (Eds.),
Pedagogia do Desporto (pp. 21-38). Cruz Quebrada: Faculdade de
Motricidade Humana de Lisboa.

Miles, M., & Huberman, M. (1994). Qualitative data analyses. London: Sage.

Mlot, N., & Tovey, C. (2011). Fire ants self-assemble into waterproof rafts to
survive floods. Natural Academy of Science, 108, 7669-7673.

Mohr, M., Krustrup, P., & Bangsbo, J. (2005). Fatigue in soccer: A brief
review. Journal of Sports Sciences, 23(6), 593-599.

Monge da Silva, D. (1985). Que Qualidades Físicas? Que Classificação?


LIsboa: Não publicado.

Moras, G., & Seirul-lo, F. (2017). El entrenamiento en los deportes de equipo.


Espanha: Mastercede.

Morin, E. (1992). From the Concept of System to the Paradigm of Complexity.


Journal of Social and Evolutionary Systems, 15(4), 371-385.

Morin, E. (2003). Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto


Piaget.

Mosston, M. (1988). La Enseñanza de la Educación Física. Barcelona:


Editorial Paidos.

Mourinho, J. (1999). Entrevista. In R. Faria (Ed.), Periodização táctica. Um


imperativo concepto-metodológico do rendimento superior em futebol.

435
Monografia realizada no âmbito da disciplina de seminário, opção de futebol.
Porto: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Mourinho, J. (2006). Mourinho: Porquê tantas vitórias. In B. Oliveira, N.


Amieiro, N. Resende & R. Barreto (Eds.), Mourinho: Porquê tantas
vitórias. Portugal: Gradiva.

Mujika, I., Halson, S., Burke, L., Balagué, G., & Farrow, D. (2018). An
Integrated, Multifactorial Approach to Periodization for Optimal
Performance in Individual and Team Sports. Human Kinetics, 13, 538-
561.

Musch, E., Mertens, B., Timmers, E., Mertens, T., Graça, A., Taborsky, F.,
Remy, C., Clercq, D., Multael, M., & Vonderlynck, V. (2002). An
innovative didactical invasion games model to teach basketball and
handball. In M. Koskolou (Ed.), Proceedings of the 7th Annual Congress
of the European College os Sport Science. Athens: European College of
Sports Science.

Nédélec, M., McCall, A., Carling, C., Legall, F., Berthoin, S., & Dupont, G.
(2012). Recovery in Soccer. Sports Medicine, 42(12), 997-1015.

Neto, C. (2015). A criação dos Institutos Superiores de Educação Física.


Comunicação apresentada em Conferência proferida na cerimónia
evocativa da criação do ISEF do Porto e da sua integração na
Universidade do Porto. Integrada na sessão solene de abertura do ano
lectivo. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto.

Neves, J. (2001). O Processo de Liderança. In C. Ferreira, J. Neves & A.


Caetano (Eds.), Manual de Psicossociologia das Organizações (pp.
377-403). Portugal: McGraw.

Newell, A., Shaw, J., & Simon, H. (1958). Elements of a theory of human
problem solving. Psychological Review, 65, 151-166.

436
Newell, K. (1986). Constrains on the development of coorditation. In M. Wade
& H. Whiting (Eds.), Motor development in Children (pp. 60-341).
Dordrecht: Martinus Nijhoff.

Nicolescu, B. (1999). O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom.

Oliva-Lozano, J., Rojas-Valverde, D., Gómez-Carmona, C., Fortes, V., &


Pino-Ortega, J. (2020). Worst case scenario match analysis and
contextual variables in professional soccer players: a longitudinal study.
Biological Sports 37(4), 429-436.

Oliveira, B., Amieiro, N., Resende, N., & Barreto, R. (2006). Mourinho: Porquê
tantas vitórias? Lisboa: Gradiva.

Oliveira, R., & Oudejans, R. (2005). A ligação entre perceção e ação no


lançamento do basquetebol. In D. Araújo (Ed.), O Contexto da Decisão.
A ação tática no desporto. Lisboa: Visão e contextos.

Otero Saborido, F., González Jurado, J., & Calvo Lluch, Á. (2012). Validación
de instrumentos para la medición del conocimiento declarativo y
procedimental y la toma de decisones en el fútbol escolar. Retos.
Nuevas tendencias en Educación Física, Deporte y Recreación (22), 65-
69.

Panksepp, J. (1989). Les circuits des emotions. Science & Vie, 168, 58-67.

Panksepp, J. (1998). Affective neuroscience: the foundations of human and


animal emotions. New York: Oxford University Press.

Passos, P., Araújo, D., Davids, K., Gouveia, L., & Serpa, S. (2006).
Interpersonal dynamics in sport: The role of artificial neural networks and
3-D analysis. Behaviour Research Methods.

Passos, P., Araújo, D., Davids, K., & Shuttleworth, R. (2008). Manipulating
Constraints to Train Decision Making in Rugby Union. International
Journal of Sports Science & Coaching, 3(1), 125-140.

437
Passos, P., Batalau, R., & Gonçalves, P. (2006). Comparação entre as
abordagens ecológica e cognitivista para o treino da tomada de decisão
no Ténis e no Rugby. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto,
6(3), 305-317.

Passos, P., Cordovil, R., Fernandes, O., & Barreiros, J. (2012). Perceiving
affordances in rugby union. Journal of Sports Sciences, 30(11), 1175-
1182.

Passos, P., Milho, J., & Fonseca, S. (2011). Interpersonal distance regulates
functional grouping tendencies of a agents in team sports Journal of
Motor Behavior, 43, 155-163.

Patton, M. (2002). Qualitative Research & Evaluation Methods. London: Sage


Publications Ltd.

Pereira, V. (2017). Entrevista tribuna. Tribuna Expresso Consult. 20 de


fevereiro de 2020, disponível em https://tribunaexpresso.pt/entrevistas-
tribuna/2017-01-23-Vitor-Pereira-Meti-na-cabeca-que-ia-para-a-
faculdade-e-ninguem-do-bairro-ia.-Tive-de-trabalhar-a-trolha-aos-fins-
de-semana

Pereira, V. (2021a). Do jogo pensado ao jogo jogado: Descodificando o


Treinador e o Jogo. Quarentena da Bola Consult. 12 de março de
2021, disponível em https://www.facebook.com/quarentenadabola/

Pereira, V. (2021b). Entrevista a Sofia Oliveira - Futebo a Sério. Canal 11


Consult. 12 de março de 2021, disponível em https://www.canal11.pt/

Pijpers, J., Oudejans, R., Bakker, F., & Beek, P. (2006). The role of anxiety in
perceiving and realizing affordances Ecological Psychology, 18, 131-
161.

Pinder, R., Davids, K., Renshaw, I., & Araújo, D. (2011). Representative
learning design and functionality of research and practice in sport.
Journal of Sport and Exercice Psychology, 33(1), 146-155.

438
Pinto, J., & Garganta, J. (1989). Futebol Português. Importância do Modelo
de Jogo no seu Desenvolvimento. Horizonte, 6(33), 94-98.

Pivetti, B. (2012). Periodização Tática: O futebol-arte alicerçado em critérios.


São Paulo: Phorte Editora.

Popper, K. (1991). O mundo de Propensões. Lisboa: Editotial Fragmentos.

Pozo, J. (1998). Teorias Cognitivas da Aprendizagem. Porto Alegre: Artes


Médicas

Praxedes-Pizarro, A., Moreno Dominguez, A., Sevil-Serrano, J., Garcia-


Gonzalez, L., & Del Villar, F. (2017). The Effects of a comprehensive
teaching program on dribbling and passing decision-making and
execution skills of young footballers. Kinesiology, 49(1), 74-83.

Prigogine, I. (1996). O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza.


São Paulo: Universidade Estadual Paulista.

Qu, S., & Dumay, J. (2011). The qualitative research interview. Qualitative
research in accounting & management, 8(3), 238-264.

Queirós, P., & Graça, A. (2013). A Análise de Conteúdo no ambito da


investigação qualitativa. In CIFI2D (Ed.), Investigação Qualitativa em
Desporto V.II. Porto: FADEUP.

Queirós, P., & Lacerda, T. (2013). A importância da entrevista na


investigação qualitativa. In CIFI2D (Ed.), Investigação Qualitativa em
Desporto - Volume II. Porto: Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto.

Queiroz, C. (1986). Estrutura e organização dos exercícios de treino em


futebol. Lisboa: Federação Portuguesa de Futebol.

Quivy, R., & Campenhoudt, L. (1992). Manual de investigação em Ciências


Sociais. Lisboa: Gradiva.

439
Raab, M., & Boschker, M. (2002). Time matters! Implications from mentally
imaged motor actions. Behavioral & Brain Sciences, 25, 208-209.

Rabionet, S. (2009). How I learned to Design and Conduct Semi-structured


Interviewa: An Ongoing and Continuous Journey. The Weekly
Qualitative Report, 2(36), 203-206.

Raposo, A. (2002). O Planeamento do Treino Desportivo – Desportos


Individuais. Lisboa: Editorial Caminhos.

Raposo, A. (2017). Planeamento do Treino Desportivo: Fundamentos,


Organização e Operacionalização. Lisboa: Visão&Contextos.

Reeve, H., & Holldobler, B. (2007). The emergence of superorganism through


intergroup competition Natural Academy of Science, 104, 9736-9740.

Reilly, T. (1993). Introduction to science and soccer. In T. Reilly (Ed.),


Science and Soccer (pp. 1-7). London.

Reis, J. (2018). Periodización Táctica - La Sustentabilidad del Morfociclo


Patrón: La Célula Madre de la Periodización Táctica. Pontevedra:
MCSports.

Ribeiro, J., Davids, K., Araújo, D., Guilherme, J., Silva, P., & Garganta, J.
(2019). Exploiting Bi-Directional Self-Organizing Tendencies in Team
Sports: The Role of the Game Model and Tactical Principles of Play.
Frontiers in Psychology.

Ribera, D. (2009). Planificación a largo plazo en los deportes coletivos.


Apuntes de Seirul-lo. Revista de Entrenamiento Deportivo, 23(4), 1-37.

Ridley, M. (2003). Nature via Nurture: Harper Collins.

Rink, J. (1996). Effective instruction in physical education In S. Silverman & C.


Ennis (Eds.), Student learning in physical education (pp. 171-198).
Champaign, IL: Human Kinetics.

440
Roca, A., & Williams, A. (2017). Does decision making transfer across similar
and dissimilar sports? Psychology of Sport and Exercise, 31, 40-43.

Roca, A., Williams, A., & Ford, P. (2012). Developmental activities and the
acquisition of superior anticipation and decision making in soccer
players. Journal os sports sciences, 30(15), 1643-1652.

Roca, L., Vásquez, P., Coria, G., & Roca, M. (2018). La toma de decision en
el futbol: una perspectiva desde la integración en el entrenamiento
específico del deporte. Revista Ciencias de la Actividad Física UCM,
19(1), 57-66.

Romero Clavijo, F., Alvares Denardi, R., Travassos, B., & Corrêa, U. (2016).
Constrangimentos espácio-temporais sobre a tomada de decisão do tipo
de remate na grande área do futebol. Motricidade, 12(2), 80-87.

Rosado, A., & Mesquita, I. (2009). Melhorar a aprendizagem optimizando a


instrução. In A. Rosado & I. Mesquita (Eds.), Pedagogia do Desporto
(pp. 69-130). Cruz Quebrada: Faculdade de Motricidade Humana de
Lisboa.

Ruiz-Pérez, L., Navia, J., Miñano-Espín, J., García-Coll, V., & Palomo-Nieto,
M. (2015). Autopercepción de inteligencia contextual para jugar y de
competencia decisional en el fútbol. Revista Internacional del ciencias
del Deporte, 11(42), 329-338.

Ruquoy, D. (1997). Situação de Entrevista e estratégia do entrevistador. In F.


D. L. Albarello, J. P. Hiernaux, C. Maroy, D. Ruquoy & P. Saint-Georges
(Ed.), Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais (84-116).
Lisboa: Gradiva.

Ryan, G., & Bernard, R. (2000). Data management and analysis methods. In
N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (pp.
769-802). London: Sage.

441
Salmon, P., & McLean, S. (2019). Complexity in the beautiful game:
implications for football research and practice. Science and Medicine in
Football.

Santos Gonzaga, A., Albuquerque, M., Malloy-Diniz, L., Greco, P., & Da
Costa, I. (2014). Affective decision-making and tactical behavior of
under-15 socer players. PloS one, 9(6), 1-6.

Santos, P. (2006). O Planeamento e a Periodização do Treino em Futebol.


Um estudo realizado em clubes da superliga. Lisboa: Pedro Santos.
Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Motricidade
Humana da Universidade de Lisboa.

Santos, P., Castelo, J., & Silva, P. (2011). O processo de planejamento e


periodização do treino em futebol nos clubes da principal liga
portuguesa profissional de futebol na época 2004/2005. Revista
Brasileira de Educação Física e Esporte, 3(45), 455.

Sarmento, H., & Araújo, D. (2021). A Geração de Ouro. Viagem ao processo


que recolucionou o futebol Português. Lisboa: Lisbonpress.

Sasportes, J. (2006). Pensar a dança. Lisboa: Imprensa Nacional.

Schelling, X., & Torres-Ronda, L. (2016). An integrative approach to stength


and neuromuscular power training for basketball. Strength and
Conditioning Journal, 38 (3), 72-80.

Schmidt, R. (1975). A schema theory of discrete motor skill learning.


Psychological Review, 82, 225-260.

Schmidt, R. (1991). Motor learning and performance: From principles to


pratice. Illinois: Human kinetics.

Schmidt, R., O´Brien, B., & Sysko, R. (1999). Self-organization of between-


persons cooperative tasks and possible apllications to sport.
International Journal of Sport Psychology, 30, 558-579.

442
Schöllhorn, W., Hegen, P., & Davids, K. (2012). The Nonlinear Nature of
Learning - A Differential Learning Approach. The Open Sports Sciences
Journal, 5, 100-112.

Schöllhorn, W., Mayer-Kress, G., Newell, K., & Michelbrink, M. (2009). Time
scales of adaptive behavior and motor learning in the presence of
stochastic perturbations. Human Movement Science, 28(3), 319-333.

Schon, D. (1983). The Reflective Practitioner. How professionals think in


action. London.

Schon, D. (1987). Educating the Reflective Practitioner. San Francisco.

Seeley, T. (1989). The honey bee colony as a superorganism. American


Science, 77, 546-553.

Seidman, I. (1998). Interviewing as qualitative research: A guide for


researchers in education and the social sciences. New York: Teachers
College Press.

Seirul-lo, F. (1976). Hacia una sinergética del entrenamiento. Apuntes


Medicina Deporte, XIII (50), 93-94.

Seirul-lo, F. (1993). Preparacion Fisica Aplicada a Los Deportes Coletivos.


Galiza- Espanha: Centro Galego de Documentación e Edicións
Deportivas.

Seirul-lo, F. (1998). Planificación a largo plazo en los deportes colectivos. .


Escola Canaria del Deporte. Dirección General de Deportes del
Gobierno de Canarias: Curso sobre entrenamiento Deportivo en la
infancia y la adolescencia. .

Seirul-lo, F. (2001). Entrevista de metodología y planificacíon. Training Fútbol,


65, 8-17.

Seirul-lo, F. (2005). Planificación del entrenamiento. Máster profesional en


Alto Rendimiento en deportes de equipo. Barcelona: CEDE.

443
Seirul-lo, F. (2009). Una Línea de Trabajo Distinta. Revista de Entranamiento
Deportivo, 23(4), 13.

Seirul-lo, F. (2017a). A Capacidade socioafetiva. In F. Seirul-lo & G. Moras


(Eds.), El Entrenamiento En Los Deportes de Equipo. Espanha:
Mastercede.

Seirul-lo, F. (2017b). El entrenamiento en los deportes de equipo. Barcelona:


Mastercede.

Seirul-lo, F. (2017c). Entrenamiento Estructurado para deportes de equipo. In


F. Seirul-lo & G. Moras (Eds.), El Entrenamiento En Los Deportes de
Equipo. Espanha: Mastercede.

Seirul-lo, F., & Solé, J. (2017). La Organización temporal integrada de las


cuatro estructuras. In El Entrenamiento en Los Deportes de Equipo.
Espanha: Mastercede.

Sérgio, M. (2009). Filosofia do Futebol. Portugal: Prime Books.

Serpa, S. (2017). Mente, Desporto e Performance: O Fator Psi. Azinhaga dos


Ulmeros: Visão e Contextos.

Serrés, R. (2017). La tarea: pieza fundamental del entrenamiento estruturado.


In F. Seirul-lo (Ed.), El Entrenamiento em los Deportes de Equipo.
Espanha: Mastercede.

Siedentop, D. (1987). The theory and practice of sport education. In G.


Barrette, R. Feingold, C. Rees & M. Piéron (Eds.), Myths; models and
methods on sport pedagogy (pp. 79-85). Champaign; IL: Human kinetcs.

Siedentop, D. (2002). Sport education: A retrospective. Journal of Teaching in


Physical Education, 21(4), 409-418.

Silva, F. (1998). Planejamento e Periodização do Treino Desportivo:


mudanças e perspectivas. In Universitária/UFPB (Ed.), Treinamento
Desportivo: reflexões e experiências (pp. 29-47). João Pessoa.

444
Silva, J., Rumpf, M., Hertzog, M., Castagna, C., Farooq, A., Girard, O., &
Hader, K. (2018). Acute and Residual Soccer Match-Related Fatigue: A
Systematic Review and Meta-analysis. Sports Medicine, 48(3), 539-583.

Silva, P., Garganta, J., Araújo, D., Davids, K., & Aguiar, P. (2013). Shared
Knowledge or shared affordances? Insights from an ecological dynamics
approach to team coordination in sports. Sports Medicine, 43, 765-772.

Silvério, J., & Srebo, R. (2012). Como ganhar usando a cabeça. Porto:
Edições Afrontamento.

Silverman, D. (2000). Analyzing Talk and Text. In N. D. Y. Lincolm (Ed.),


Handbook os Qualitative Research (2nd Ed., 821-834). California: Sage
Publications.

Slobounov, S., Wu, T., Hallett, M., Shibasaki, H., Slobounov, E., & Newell, K.
(2006). Neural underpinning of postural responses to visual field motion.
Biological Psychology, 72, 188-197.

Smith, M., Zeuwts, L., Lenoir, M., Hens, N., De Jong, L., & Coutts, A. (2016).
Mental fatigue impairs soccer-specific decision-making skill. Journal of
Sports Sciences, 34(14), 1297-1304.

Solé, J. (2008). Teoría del entrenamiento deportivo. Barcelona: Sicropat


Sport.

Sousa, G. (2018). Decidir como um treinador - A ciência e a prática no


Futebol e na vida. Lisboa: Federação Portuguesa de Futebol.

Sousa Ramos, M. (2009). Teoria do Caos: Potencialidades na modelização


da aprendizagem de conceitos ciêntificos. Lisboa: Colibri/Instituto
Politécnico de Lisboa.

Stake, R. (2000). Case studies. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of


qualitative research (pp. 435-454). London: Sage.

Stake, R. (2009). A arte da investigação com estudos de caso. Lisboa:


Fundação Galouste Gulbenkian.

445
Stewart, I. (1991). Deus joga aos dados? Lisboa: Gradiva.

Stofffregen, T., Hove, P., Schmit, J., & Bardy, B. (2006). Voluntary and
involuntary postural responses to imposed optic flow. Motor Control, 10,
24-33.

Stolen, T., Chamari, K., castagna, C., & Wisloff, U. (2005). Physiology of
Soccer: An Update. Sports med, 35(6), 501-536.

Sumpter, D. (2006). The principles of collective animal behaviour. Phil Trans


R Soc B, 361, 5-22.

Syed, M. (2010). Bounce. Alfragide: Academia do Livro.

Tamarit, X. (2007). Qué es la "Periodización Táctica" : vivenciar el juego para


condicionar el juego. Vigo: MCSports.

Tamarit, X. (2013). Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Valencia:


MBF.

Tarragó, J., Massafret-Marimón, M., Seirul-lo, F., & Francesc, C. (2019).


Entrenamiento en deportes de equipo: el entrenamiento estruturado en
el FCB. Apunts. Educación Física y Deportes, 137, 103-114.

Tavares, F., Greco, P., & Garganta, J. (2006). Perceber, conhecer, decidir e
agir nos jogos desportivos coletivos. In G. Tani, J. Bento & R. Petersen
(Eds.), Pedagogia do Desporto (pp. 284-298). Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan.

Temprado, J. (1997). Prise de decision en sport: modalités d´études et


donnés actuelles. E.P.S., 267, 20-23.

Temprado, J., & Laurent, M. (1999). Perceptual-Motor coordiation in sport:


current trends and controversies. International Journal of Sports
Psychology, 30, 417-436.

Teodorescu, L. (2003). Problemas de Teoria e Metodologia nos Jogos


Desportivos. Lisboa: Livros Horizontes.

446
Teoldo, I., Guilherme, J., & Garganta, J. (2015). Para um Futebol com Ideias.
Conceção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores
e equipes. Curitiba: Appris.

Thomas, K. (1994). The development of sport expertise: From leeds to MVP


legend. Quest, 46, 199-210.

Tobar, J. (2018). Periodização Tática. Portugal: Prime Books.

Torrents, C. (2005). La Teoría de los Sistemas Dinàmicos e el Entrenamiento


Deportivo. Lleida: Carlota Torrents. Dissertação de Tesis Doctoral
apresentada a Universitat de Barcelona.

Tralhão, J. (2020). Planeamento da Semana In R. Jónatas (Ed.),


Descodificando o treinador e o jogo. Do jogo pensado ao jogo jogado.
Portugal: Prime Books.

Travassos, B., Araújo, D., Davids, K., Vilar, L., Esteves, P., & Correia, V.
(2012). Informational constraints shape emergent functional behaviors
during performance of interceptive actions in team sports. Psychology of
Sport and Exercise, 13(2), 216-223.

Travassos, B., Araújo, D., Duarte, R., & McGarry. (2012). Spatiotemporal
coordination patterns in futsal (indoor football) are guided by
informational game constraints. Human Movement Science.

Travassos, B., Duarte, R., Vilar, L., Davids, K., & Araújo, D. (2012). Practice
task design in team sports: representativeness enhanced by increasing
opportunities for action. Journal of Sports Sciences, 30(13), 1447-1454.

Tschiene, P. (1987). O sistema do treino. Futebol em Revista FPF, 4(28).

Turvey, M., Shaw, R., Reed, E., & Mace, W. (1981). Ecological laws of
perceiving and acting: in reply to Fodor and Pylyshyn. Cognition, 9, 237-
304.

447
Vala, J. (1986). A analise de conteúdo. In A. Silva & J. Pinto (Eds.),
Metodologia das Ciências Socias (pp. 101-128). Porto: Edições
Afrontamento.

Valdano, J. (2019). Football. ABola.

Varela, F., Maturana, H., & Uribe, R. (1974). Autopoiesis: The organization of
living systems, its characterization and a model. Byosystems, 5(4), 187-
196.

Verjoshanski, I. (1990). Entrenamiento deportivo. Planificación y


programación. Barceolna: Martinez Roca.

Vicente, K. (2003). Beyond the Lens model and Direct Perception: Toward a
Broader Ecological Psychology. Ecological Psychology, 15, 241-267.

Vickers, J. (2007). Perception, cognition and decision training. The quiet eye
in action. Champaign, Illinois: Human Kinetics.

Vigne, G., Gaudino, C., Rogowski, I., Alloatti, G., & Hautier, C. (2010). Activity
profile in elite Italian soccer team. International Journal of Sport
Medicine, 31(5), 304-310.

Vilar, L., Araújo, D., Davids, K., & Button, C. (2012). The role of ecological
dynamics in analysing performance in team sports. Sports Medicine,
42(21), 1-10.

Vilar, L., Araújo, D., Davids, K., Correia, V., & Esteves, P. (2013). Spatial-
temporal constraints on decision-making during shooting performance in
the team sport of futsal. Journal of Sports Sciences, 31(8), 840-846.

Vineisa, P., Robinsona, O., Chadeau-Hyama, M., Dehghana, A., Mudwaya, I.,
& dagninoa, S. (2020). What is new in the exposome? Environment
International.

Vrijheid, M. (2014). The exposome: a new paradigm to study the impact of


environment on health. Thorax, 69, 876-878.

448
Warren, W. (2006). The dynamics of perception and action. Psychological
Review, 133(2), 358-389.

Weitzman, E. (2000). Software and qualitative research. In N. Denzin & Y.


Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (2nd ed) (pp. 803-820).
London: Sage.

Wheeler, W. (1911). The ant-colony as an organism. Journal of Morphology,


22, 307-325.

Williams, A. (2000). Perceptual skill in soccer: Implications for talent


identification and development. Journal os Sports Sciences, 18, 737-
750.

Williams, A., Davids, K., & Williams, J. (1999). Visual percepcion & action in
sport. London: E&F.N.Spon.

Williams, A., Janelle, C., & Davids, K. (2004). Constraints on the search for
visual information in sport. Journal sport & Exercise Psychology, 2, 301-
318.

Wilmore, J., & Costill, D. (1999). Physiology of Sport and Exercise (2ª ed.).
Champaign, Ilinois: Human Kinetics.

Wilson, D., & Sober, E. (1989). Reviving the superorganism. Journal of


Theorical Biology, 136, 337-356.

Wilson, D., & Wilson, E. (2007). Rethinking the theoretical foundation of


sociobiology. Q Rev Biol, 82, 327-348.

Wollin, M., Thorborg, K., & Pizzari, T. (2018). Monitoring the effect of football
match congestion on hamstring strength and lower limb flexibility:
Potential for secondary injury prevention. Physical Therapy in Sport, 29,
14-18.

Woods, C., McKeown, I., O´Sullivan, M., Robertson, S., & Davids, K. (2020).
Theory to Practice: Performance Preparation Models in Contemporary

449
High-Level Sport Guided by an Ecological Dynamics Framework. 6(36),
1-12.

Woods, C., Raynor, A., Bruce, L., & McDonald, Z. (2016). Discriminating
talent-identified junior Australian football players using a video decision-
making task. Journal of Sports Sciences, 34(4), 342-347.

Woods, C., Rudd, J., Rothwell, M., & Robertson, S. (2020). Representative
co-design: Utilising a source of experiential knowledge for athlete
development and performance preparation. Psycgology of Sport &
Exercise.

Yin, R. (2003a). Applications of case study research (2nd ed.). London: Sage.

Yin, R. (2003b). Case study research: Design and methods (3rd ed). London:
Sage.

Zech, H. (1971). Das grobe lexikon des sports. Frankfurt: Fisher.

Zeichner, K. (1994). Research on teacher thinking and different views of


reflective practice in teaching and teacher education. In I. Carlgren, G.
Handal & S. Vaage (Eds.), Teachers mind and actions: Research on
teachers thinking and practice. London: Falmer Press.

Zerhouni, M. (1980). Principes de base du football contemporain. Orges:


Fleury.

Zheleznyakova, G., Piket, E., Marabita, F., Pahlevan, M., Ewing, E.,
Ruhrmann, S., Needhamsen, M., Jagodic, M., & Kular, L. (2017).
Epigenetic research in multiple sclerosis: progress, challenges, and
opportunities. Physiological Genomics, 49(9), 447-461.

450
APÊNDICES



Apêndice 1 – Estrutura do Guião da Entrevista



ENQUADRAMENTO DA ANÁLISE DA ENTREVISTA GUIÃO DA ENTREVISTA ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA
TESE
VARIÁVEIS MACROCATEGORIAS MESOCATEGORIAS MICROCATEGORIAS QUESTÕES OUTRAS CONTEÚDOS A CONTEÚDOS TIPO DE
LATENTES QUESTÕES QUE SE QUESTÃO
POSSÍVEIS PRETENDE
ACEDER
(Objetivos)
Motivações Influências Quais os fatores Perfil dos participantes (metodologia) Opinião-
que motivaram a Valor
escolha/decisão
pela profissão de
treinador de
Futebol?

Percurso Formação Teórica Académica Que importância Que influência Origem e Perfil dos participantes (metodologia) Opinião-
reconhece à teve a desenvolvimento Valor
formação teórica formação dos
que teve, como académica? conhecimentos
Curso de Treinadores por exemplo ao Que influência
curso de tem a formação
treinadores em continua?
Prática Jogador contexto Que influência
federativo? tem ter sido
Que importância treinador da
reconhece à formação?
Treinador formação prática Que influência
que teve como tem ter sido
por exemplo na treinador
condição de adjunto?
jogador e de
treinador em
vários contextos
de formação e de
alto rendimento?
Que influência lhe
parece que teve
essa formação na
conceção que
hoje tem de como
deve ser gerido o
processo de
treino?

XLVII
Caraterização do Tomada de Decisão Tática Face à Não raras Os fatores físico, Perspetiva Perspetiva Opinião-
Jogo Jogo imprevisibilidade vezes é técnico e Cognitivista cognitivista Valor
que decorre das frequente ouvir- psicológico Perspetiva (Memórias);
caraterísticas do se, “aquele como afluentes Ecológica (Conhecimentos);
próprio jogo, os jogador não da tática (Automatismos);
jogadores têm sabe correr”; ou (Hábitos);
que executar “aquele jogador (Emoções);
várias ações, tais corre muito, (Imagens
como o passe ou mas correu mentais)
a desmarcação. mal”. Do seu
Do seu ponto de ponto de vista
vista, o que é um como devem
bom passe ou ser
uma boa interpretadas
desmarcação estas palavras?
durante o jogo? Como se
ensina um
jogador a estar
no sitio certo?
Sistémica Por vezes alguns Que tipo de Interações
jogadores relação
manifestem entende ser
dificuldade em importante
acompanhar as treinar entre os
movimentações vários setores
dos colegas, que compõem
parecendo ficar a equipa?
desconectados.
Para si, como
devem os
jogadores estar
organizados
taticamente?
Dinâmica Durante os jogos, Sem muito Perspetiva
por vezes, as tempo para ecológica;
ações acontecem pensar (Perceção
muito rápido, o direta);
que dificulta a (Contexto);
ação dos (Informações);
jogadores e (Graus de
aumenta a liberdade);
probabilidade de (Affordances)
erros. Como se
treinam os
jogadores para
pensarem e
executarem
rápido, sem que
fiquem inibidos
pelo receio de
errar?
Intuitiva É frequente ouvir- Recentemente Reconhecimento
se, “aquele Arnould marcou a partir do
jogador está um canto que contexto
sempre no sítio originou o 4º
XLVIII
certo”; ou “aquele golo do
avançado tem Liverpool na
faro de golo”; vitória frente ao
“Aquele jogador Barcelona. No
parece que momento que
adivinha onde a abandonava o
bola vai parar”; ou bandeirinha de
“parece que a canto, resolveu
bola vai sempre voltar
ter com ele”. Tais rapidamente
frases parecem atrás e fazer o
fazer crer que os passe para
jogadores Origi que no
precisam de ter centro da área
uma grande marcou golo.
capacidade de ler Como se
o contexto e treinam os
extrair jogadores para
informações de estarem
uma forma quase atentos ao
intuitiva. Qual a reconhecimento
sua opinião? de
oportunidades
no contexto?
Emergente Por vezes os Tendo em Funcional em
jogadores atenção a função de algo
parecem ter questão que está a
algum tempo que anterior, de que acontecer
lhes permite forma se
pensar e gerir podem treinar
com consciência as capacidades
e racionalidade de
as decisões que reconhecimento
tomam e as de
ações que oportunidades
manifestam. de ação, no
Outras vezes, as decorrer do
coisas parecem jogo, que levem
simplesmente o espetador a
emergir sem se proferir tais
conseguir explicar palavras, como
muito bem como por exemplo
aquilo aconteceu. “aquele jogador
Qual a sua parece que
perceção do que adivinha onde a
se passa na bola vai parar”?
cabeça dos
jogadores?

Conceção de Organização da Organização Quando começa Por vezes Momentos de Teoria dos Emergência de Opinião-
Treino Treino Equipa a treinar a equipa existem jogo Sistemas padrões Valor
quais as equipas que Dinâmicos autoorganização
principais apresentam
preocupações: exibições muito
por exemplo, a vistosas, com

XLIX
organização muito futebol
ofensiva ou ofensivo, mas
defensiva, o acabam por
coletivo, o perder
individual, os bastantes
aspetos físicos, jogos. Ou seja,
tudo em parece não
simultâneo? haver uma
relação direta
Quando entre jogar
constatamos que bonito e jogar
“a bola parece ir bem? Como se
ter mais vezes treina para
com os jogadores jogar bonito e
que estão sempre para jogar bem,
no sítio certo”, do seu ponto
observamos de vista?
também que no
seu conjunto
esses jogadores
parecem estar
bem articulados,
o que lhes
permite jogar bem
exercendo
domínio sobre os
adversários, pelo
menos domínio
na posse de bola.
De que forma
prepara as suas
equipas para
estarem
preparadas para
jogar com bola e
sem bola?
Princípios Concorda que as Pensa em Modelo de jogo Variáveis Coletivas Parâmetros de Opinião-
boas equipas contratar Origem dos Ordem Valor
manifestam em jogadores para princípios de
campo alguns interpretarem a jogo
padrões? sua ideia de Evolução dos
Facilmente se jogo ou pensa princípios
reconhece uma numa ideia de Relação entre
equipa do Pep jogo para os princípios e
Guardiola, ou do potenciar ao os jogadores
Diego Simeone, máximo as
do Klopp ou do qualidades e
Ancelotti em caraterísticas
função da forma dos jogadores
de jogar, das que tem no
dinâmicas e dos plantel?
padrões que
evidenciam tanto
a nível ofensivo
como defensivo.

L
Como é que essa
forma de jogar,
esses padrões e
dinâmicas se
criam e qual a
sua origem?

Como manipula
os padrões da
sua equipa, tendo
em conta as
particularidades
dos adversários
que defronta?

Escalas da equipa Frequentemente De que forma Setores Fractais Princípios Opinião-


ouvimos dizer se treina os representados Valor
que as equipas defesas para em todas as
devem funcionar serem os escalas da
como um todo. primeiros equipa
Por exemplo, na atacantes?
fase defensiva,
todos têm que
defender, quando
é para pressionar,
todos devem
pressionar. Do
seu ponto de
vista, até que
ponto é
importante que os
princípios de jogo
se manifestem,
tanto à escala
global da equipa,
como nos
diversos setores
que a compõem
mesmo a nível
individual?

Caraterísticas dos Modelo de Jogo Princípios Tendo em De que modo Reconhecer Affordances Affordances Opinião-
contextos de prática consideração os princípios oportunidades partilhadas Valor
(Exercícios) aquilo que temos são distribuídos de ação
vindo a falar ao longo da
acerca dos semana?
padrões de jogo, Existem dias
como é que para grandes
esses padrões se princípios
treinam para que outros para os
se evidenciem no micro
jogo? princípios?
No dia seguinte Caraterísticas Representatividade Perspetiva
a Cristiano do jogo de Ecológica
Ronaldo ter Futebol
LI
marcado
aquele golo de
pontapé de
bicicleta à
Juventus, na
meia-final da
UCL, surgiram
imagens de
uma situação
idêntica no dia
anterior num
treino do Real
Madrid, o que
sugere que
existe alguma
transferibilidade
do que se faz
no treino para o
que acontece
no jogo. O que
pensa sobre
isto, em geral?
Quais os Identidade Especificidade Variáveis
melhores informacionais
exercícios para
se conseguir
que os
jogadores
manifestem
essa
identidade?
Abertura Tomada de decisão Tendo em Por vezes Criatividade Aprendizagem Perspetiva
consideração as parece haver para interpretar Diferencial Ecológica
formas treinadores os princípios
particulares e muito
criativas como os agarrados à
jogadores identidade que
resolvem os inclusive já
problemas, contratam um
enquanto determinado
treinador como perfil de
gere a ligação jogador para
dessas ações uma
individuais com o determinada
coletivo? E como posição. Isto
são as mesmas parece
promovidas evidenciar que
durante o treino? há alguma
rigidez de como
os jogadores
devem jogar,
no entanto eles
é que jogam,
não o treinador.
Como entende

LII
que deve ser
gerida a
criatividade dos
jogadores no
treino e no
jogo?
Recentemente
numa entrevista
concedida a
Simão Sabrosa
na Sport Tv,
Gonçalo
Guedes
afirmava que
na maioria das
vezes quando
os treinadores
estavam a
explicar os
exercícios,
nomeadamente
as
movimentações
táticas ele
estava sempre
distraído e não
prestava
grande atenção
porque o
excesso de
informação
prévia limitava-
o e confundia-o
no momento de
jogo
propriamente
dito. O que lhe
sugere esta
afirmação?
Método de Instrução Feedback Por vezes Forma de Descoberta Guiada Levar os
assistimos a orientar o jogadores a
treinadores que exercício reconhecer
no banco quase oportunidades de
não recorrem a interação
feedbacks, outros
pelo contrário,
com alguma
frequência
emitem
bastantes. Que
importância
atribui aos
feedbacks
durante o treino e
o jogo e quais

LIII
aqueles a que
mais recorre?

Formatos exercícios Estrutura dos No Futebol é Simplificar sem Simplificação dos Glocal
exercícios difícil treinar toda empobrecer exercícios
a complexidade e (Fractais)
conteúdos do
jogo em
simultâneo. Por
vezes, parece ser
necessário incidir
em algumas
partes, que não a
totalidade do
coletivo. Como
estrutura os
exercícios de
treino de forma a
treinar o coletivo,
os sectores e os
jogadores para
que manifestem
coordenadamente
os
comportamentos
que deseja
promover?

Periodização Periodização Período Preparatório Objetivos Durante o período O que faz nos As semanas não Articulação dos
preparatório, diferentes dias são todas iguais princípios ao
tradicionalmente que compõem a em função do jogo longo da semana
designado de pré- semana anterior e do Articulação
época, o que próximo adversário setorial e
entende ser mais (Evolução em intersetorial
importante ser complexidade)
treinado? Dá a
mesma
importância aos
diferentes fatores
(tático, técnico,
físico ou
psicológico?)
destaca algum
deles, ou
considera outras
coordenadas?

Valor Qual a
importância do
Período
Preparatório para
a época
desportiva?

Diferenças entre as Para si, o Período


LIV
semanas Preparatório é
constituído por
períodos
diferenciados?

Manipulação dos De que modo são


fatores de rendimento estruturadas as
semanas de
treino, durante o
período
preparatório em
função dos
contextos e dos
fatores de
rendimento tática,
técnica, física e
psicológica?

Período Competitivo Objetivos do Período Face as Manipulação Pedagogia não Outros fatores de
Semanal caraterísticas do dos fatores de linear rendimento em
calendário rendimento interação
competitivo do
Futebol com
jogos de domingo
a domingo, quais
são as suas
preocupações
predominantes
quanto à
periodização? Na
planificação
semanal, quais
são os principais
fatores que têm
em consideração:
o adversário, o
físico, a tática, o
modelo de jogo,
ou outros?

Binómio Esforço vs Tendo em


Recuperação consideração a
planificação
semanal como
manipula os
fatores de
rendimento.
Como é feita a
gestão do volume
e da intensidade,
durante a semana
tendo em vista o
esforço e a
recuperação dos
LV
jogadores e da
equipa? Que
cuidados
principais?
Manipulação dos Que tipo de
fatores de rendimento preocupação
existe na criação
dos exercícios
para os diferentes
dias da semana,
ao nível das
preocupações
com o modelo de
jogo, com as
escalas da
equipa, físico,
com os fatores e
a intensidade?

Simplificação das Qual ou quais os


tarefas em função da fatores
especificidade tática e primordiais que
das escalas levam a escolher
ou criar os
exercícios de
treino nos
diferentes dias da
semana?

Período Excecional Caraterísticas Quando há jogos Ajustes táticos


a meio da
semana, quais as
alterações
introduzidas ao
plano semanal?

LVI
Questão Final Estas questões
abrangem os
aspetos que queria
abordar consigo.
No entanto, neste
momento que
terminámos a
entrevista, há
algum aspeto que
queira referir que
não tenha
mencionado ao
longo da
entrevista? Com o
intuito de triangular
informação tenho
em mente fazer
para além da
entrevista
realizada, analisar
alguns
documentos
produzidos pelos
entrevistados. Que
documentos me
recomenda para
análise?

LVII
LVIII
Apêndice 2 – Guião da Entrevista



PERCURSO
1. Quais os fatores que motivaram a escolha/decisão pela profissão de treinador de Futebol?
2. Que importância reconhece à formação teórica que teve, como por exemplo ao curso de
treinadores em contexto federativo?
3. Que importância reconhece à formação prática que teve, como por exemplo na condição de
jogador e de treinador em vários contextos de formação e de alto rendimento?
4. Que influência lhe parece que teve essa formação na conceção que hoje tem acerca do modo
como deve ser gerido o processo de treino?
CARATERÍSTICAS DO JOGO DE FUTEBOL
5. Face à imprevisibilidade que decorre das caraterísticas do próprio jogo, os jogadores têm que
executar várias ações, tais como o passe, ou a desmarcação. Do seu ponto de vista, o que é um
bom passe ou uma boa desmarcação durante o jogo?
6. Por vezes alguns jogadores manifestem dificuldade em acompanhar as movimentações dos
colegas, parecendo ficar desconectados. Para si, como devem os jogadores estar organizados
taticamente?
7. Durante os jogos, por vezes, as ações acontecem muito rápido, o que dificulta a ação dos
jogadores e aumenta a probabilidade de erros. Como se treinam os jogadores para
percecionarem, decidirem e executarem rápido, sem que fiquem inibidos pelo receio de errar?
8. É frequente ouvir-se, “aquele jogador está sempre no sítio certo”; ou “aquele avançado tem faro
de golo”; “Aquele jogador parece que adivinha onde a bola vai parar”; ou “parece que a bola vai
sempre ter com ele”. Tais frases parecem fazer crer que os jogadores precisam dispor de ter
uma grande capacidade para ler o contexto e extrair informações de uma forma quase intuitiva.
Qual a sua opinião?
9. Por vezes os jogadores parecem ter algum tempo que lhes permite pensar e gerir com
consciência e racionalidade as decisões que tomam e as ações que manifestam. Outras vezes,
as coisas parecem simplesmente emergir sem se conseguir explicar muito bem como aquilo
aconteceu. Qual a sua perceção do que se passa na cabeça dos jogadores?
CONCEÇÃO DE TREINO
10. Quando começa a treinar a equipa quais as principais preocupações: por exemplo, a
organização ofensiva ou defensiva, o coletivo, o individual, os aspetos físicos, tudo em
simultâneo?
11. Quando constatamos que “a bola parece ir ter mais vezes com os jogadores que estão sempre
no sítio certo”, observamos também que no seu conjunto esses jogadores parecem estar bem
articulados, o que lhes permite jogar bem exercendo domínio sobre os adversários, pelo menos
domínio na posse de bola. De que forma prepara as suas equipas para estarem preparadas para
jogar com bola e sem bola?
12. Concorda que as boas equipas manifestam em campo alguns padrões? Facilmente se
reconhece uma equipa do Pep Guardiola, do Diego Simeone, do Klopp ou do Ancelotti em
função da forma de jogar, das dinâmicas e dos padrões que evidenciam tanto a nível ofensivo
como defensivo. Como é que essa forma de jogar, esses padrões e dinâmicas se criam e qual a
sua origem?
13. Como manipula os padrões da sua equipa, tendo em conta as particularidades dos adversários
que defronta?
14. Frequentemente ouvimos dizer que as equipas devem funcionar como um todo. Por exemplo, na
fase defensiva, todos têm que defender, quando é para pressionar, todos devem pressionar. Do
seu ponto de vista, até que ponto é importante que os princípios de jogo se manifestem, tanto à
escala global da equipa, como nos diversos setores que a compõem mesmo a nível individual?

LXI
CARATERÍSTICAS DOS CONTEXTOS DE PRÁTICA
15. Tendo em consideração o que temos vindo a falar acerca dos padrões de jogo, como é que se
treina tais padrões, para que se evidenciem no jogo?
16. Tendo em consideração as formas particulares e criativas como os jogadores resolvem os
problemas, enquanto treinador como gere a ligação dessas ações individuais com o coletivo? E
como são as mesmas promovidas durante o treino?
17. Por vezes assistimos a treinadores que no banco quase não recorrem a feedbacks; outros, pelo
contrário, com alguma frequência emitem bastantes. Que importância atribui aos feedbacks
durante o treino e o jogo e quais aqueles a que mais recorre?
18. No Futebol é difícil treinar toda a complexidade e conteúdos do jogo em simultâneo. Por vezes,
parece necessário incidir em algumas partes, que não a totalidade do coletivo. Como estrutura
os exercícios de treino de forma a treinar o coletivo, os sectores e os jogadores para que
manifestem coordenadamente os comportamentos que deseja promover?
PERIODIZAÇÃO
Período Preparatório
19. Durante o período preparatório, tradicionalmente designado de pré-época, o que entende ser
mais importante ser treinado? Dá a mesma importância aos diferentes fatores (tático, técnico,
físico e psicológico?), destaca algum deles, ou considera outras coordenadas?
20. Qual a importância do Período Preparatório para a época desportiva?
21. Para si, o Período Preparatório é constituído por períodos diferenciados?
22. De que modo são estruturadas as semanas de treino, durante o período preparatório em função
dos contextos e dos fatores de rendimento tática, técnica, física e psicológica?
Período Competitivo
23. Face as caraterísticas do calendário competitivo do Futebol com jogos de domingo a domingo,
quais são as suas preocupações predominantes quanto à planificação e à periodização? Na
planificação semanal, quais são os principais fatores que tem em consideração: o adversário, o
físico, a tática, o modelo de jogo, ou outros?
24. Tendo em consideração a planificação semanal como manipula os fatores (tático, técnico, físico
e psicológico)?
25. Como é feita a gestão do volume e da intensidade, durante a semana tendo em vista o esforço e
a recuperação dos jogadores e da equipa? Que cuidados principais?
26. Que tipo de preocupação existe na criação dos exercícios para os diferentes dias da semana, ao
nível das preocupações com o modelo de jogo, com as escalas da equipa, com os fatores e a
intensidade?
27. Qual ou quais os fatores primordiais que o levam a escolher ou criar os exercícios de treino nos
diferentes dias da semana?
Período excecional
28. Quando há jogos a meio da semana, quais as alterações introduzidas no plano semanal?
QUESTÕES FINAIS
Estas questões abrangem os aspetos que queria abordar consigo. No entanto, neste momento que
terminámos a entrevista, há algum aspeto que queira referir que não tenha mencionado ao longo da
entrevista? Com o intuito de triangular informação tenho em mente fazer para além da entrevista
realizada, analisar alguns documentos produzidos pelos entrevistados. Que documentos me
recomenda para análise.

LXII
Apêndice 3 – Esclarecimento Inicial à Entrevista



No âmbito do doutoramento em Ciências do Desporto – Área de Treino
Desportivo, promovido pelo Centro de Investigação, Formação, Inovação e
Intervenção em Desporto da Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto, estou a desenvolver uma investigação relacionada com a planificação
e periodização do treino do Futebol.

Face à experiência que tem na profissão de treinador e/ou


investigador, é para mim fundamental captar as suas opiniões, que resultam
não só dos saberes, mas também da experiência vivida e refletida ao longo
dos anos em que exerce a sua profissão. Neste sentido, considero que o (...)
é um dos profissionais elegíveis para contribuir significativamente para esta
investigação.

As suas opiniões, as suas experiências e o seu conhecimento sobre o


tema da pesquisa, em conjunto com as respostas dos restantes
participantes, serão utilizadas para a presente dissertação de doutoramento.

No sentido de manter o anonimato do (...) caso assim o entenda será


utilizado um pseudónimo ou um código para que nada do que disser seja
identificado com a sua pessoa. Se a determinado momento, no decorrer
da(s) entrevista(s) tiver alguma dúvida sobre qualquer das questões ou
sobre a razão pela qual estou a colocar determinada questão, sinta-se à
vontade para perguntar ou interromper. Se existir alguma questão a que não
queira responder, sinta-se igualmente à vontade para o fazer.

Com a presente entrevista pretendemos conhecer as suas opiniões e


os seus pontos de vista relativamente à importância da existência de um
modelo de jogo, bem como às particularidades inerentes à construção
dos exercícios de treino e aos critérios que norteiam a planificação e
periodização de uma época desportiva.

Alguma questão antes de começarmos?

LXV
LXVI
Apêndice 4 – Consentimento Informado



No âmbito do doutoramento em Ciências do Desporto – Área de Treino Desportivo,
promovido pelo Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto da
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, estou a desenvolver uma investigação
relacionada com a planificação e periodização do treino do Futebol.

Face à experiência que tem na profissão de treinador e/ou investigador, é para mim
fundamental captar as suas opiniões, que resultam não só dos saberes, mas também da
experiência vivida e refletida ao longo dos anos em que exerce a sua profissão. Neste
sentido, considero que o (...) é um dos profissionais que está em excelente posição para
contribuir eximiamente para esta investigação.

As suas opiniões, as suas experiências e o seu conhecimento sobre o tema da


pesquisa, em conjunto com as respostas dos restantes participantes, serão utilizadas para a
minha dissertação de doutoramento. Deste modo, uma vez que esta investigação tem um
caráter naturalista e emergente poderei ter necessidade de o entrevistar mais do que uma
vez. No entanto, sinta-se à vontade para abandonar o projeto em qualquer altura. No
sentido de manter o anonimato do (...) caso assim o entenda será utilizado um
pseudónimo ou um código para que nada do que disser seja identificado com a sua
pessoa.

Se a determinado momento, no decorrer da(s) entrevista(s) tiver alguma dúvida sobre


alguma das questões ou sobre a razão pela qual estou a colocar determinada questão,
sinta-se à vontade para perguntar ou interromper. Se existir alguma questão que não queira
responder sinta-se à vontade para o fazer.

O objetivo da(s) entrevista(s) é o de conhecer as suas opiniões e os seus pontos de


vista relativamente à importância da existência de um modelo de jogo, bem como às
particularidades inerentes à construção dos exercícios de treino e aos critérios que
norteiam a planificação e periodização de uma época desportiva.

As entrevistas serão gravadas e uma cópia das transcrições ser-lhe-á enviada para
que tenha a oportunidade de rever e alterar as suas respostas. Todas as transcrições e
gravações serão manuseadas de forma confidencial e apenas discutidas com os
orientadores da dissertação, Prof. Doutor Júlio Garganta Silva e Prof. Doutor José
Guilherme Oliveira. Logo que termine a elaboração da dissertação de doutoramento e
se assim o entrevistado fizer questão, serão destruídas.

Muito obrigado pela sua cooperação e pela disponibilidade demonstrada para


participar nesta investigação. Caso seja necessário poder-me-á contatar através do e-mail
alvarovazdesp@gmail.com ou pelo número de telemóvel 916867966.

LXIX
LXX
Apêndice 5 – Declaração de Autorização



AUTORIZAÇÃO

Declaro que aprovo o texto e autorizo o tratamento e publicação das


informações referentes à entrevista concedida ao doutorando Álvaro
Rogério Fortunato Vaz no âmbito do seu doutoramento em Ciências do
Desporto – Área de Treino, realizado na Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.

Nome completo:
____________________________________________________________

Assinatura:
____________________________________________________________

LXXIII
LXXIV

Você também pode gostar